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GLÂNDULAS E HORMONAS

Todas as células secretam algum material no ambiente circunvizinho, criando


uma barreira protectora em torno delas ou comunicando com e reconhecendo
outras células. As células especializadas que segregam substâncias similares
(por exemplo, uma hormona específica) estão frequentemente juntas e
compõem uma mesma glândula, a qual age como uma unidade orgânica. As
glândulas que um ser humano possui variam também durante os vários
estágios do desenvolvimento embrionário. As glândulas do suor, a glândula da
tiróide e a glândula pituitária são algumas da larga variedade de glândulas
encontradas nos seres humanos. As secreções glandulares sintetizadas por
células secretoras são libertadas da glândula em resposta a um estímulo
apropriado. As secreções glandulares constituem uma resposta importante do
corpo humano a uma grande variedade de situações. O acto alimentar, por
exemplo, corresponde a uma activação maciça de uma ampla gama de
glândulas digestivas. Num caso concreto, a secreção do ácido hidroclorídico
no lúmen do estômago após comer pode ser grande bastante para causar um
aumento marcado no pH do sangue – a assim chamada maré alcalina pós-
prandial (após-jantar). Todavia, as secreções das glândulas jogam
frequentemente papéis importantes no comportamento sexual, assim como na
reprodução em geral.

Vimos no Capítulo 1 que os neurotransmissores que se libertam dos neurónios


pré-sinápticos agem sobre uma curta distância para activar os receptores na
célula pós-sináptica. Algumas secreções glandulares medeiam também uma
comunicação entre células, mas as células-alvo podem estar em partes
distantes do corpo. As moléculas sinalizadoras sujeitam selectivamente
apenas as células-alvo que albergam os receptores específicos, iniciando
assim uma resposta nas células-alvo. Neste Capítulo 3, descrevemos
primeiramente a natureza e os mecanismos da secreção celular. Movemo-nos
depois para o nível dos órgãos, discutindo a natureza das glândulas
endócrinas que segregam substâncias no sangue e das glândulas exócrinas
que segregam substâncias na superfície do corpo (superfícies internas
incluídas, tais como o forro intestinal). Algumas glândulas (neuro)endócrinas
são descritas em detalhe, junto com seus mecanismos celulares de acção.
O sistema neuro-endócrino I

9ª aula

3. O SISTEMA NEURO-ENDÓCRINO
3.1. FUNÇÃO SECRETORA
Os sistemas endócrino e nervoso são os principais controladores do fluxo de
informação entre as diversas células e tecidos. O termo "endócrino" denota secreção
interna de substâncias com actividade biológica — ao contrário de "exócrino", que
denota secreção para fora do corpo, através, por exemplo, das glândulas sudoríparas
ou dos duetos que desaguam no trato gastrointestinal. O sistema endócrino usa a
secreção interna de hormonas para o interior da circulação para conduzir informação
às células-alvo, que expressam receptores cognatos. Esse sistema de secreção de
hormonas interno está sujeito a complexos mecanismos reguladores que governam a
actividade dos receptores e a síntese, a libertação, o transporte, o metabolismo e a
libertação da hormona para o interior da célula-alvo. O sistema endócrino também têm
relações complexas com os sistemas nervoso e imune e exerce efeitos disseminados
sobre o desenvolvimento, o crescimento e o metabolismo.

3.1.1 MECANISMOS SECRETORES


As células segregam substâncias sinalizadoras que são usadas na comunicação
intercelular; deste modo elas reconhecem quais são as outras células circunvizinhas
e através do meio extracelular próximo comunicam quimicamente entre elas. Estas
secreções podem ser também categorizadas quanto à distância em que têm um
efeito no corpo. Assim em termos da sua acção uma secreção pode ser (Figura
3.1):

- Autócrina se afecta somente a própria célula secretora, ou seja a substância que é


libertada age sobre receptores localizados na mesma célula. Um exemplo é a
auto-inibição da libertação da norepinefrina dos neurónios adrenérgicos pela
própria acção da norepinefrina. As acções autócrinas podem ser importantes na
promoção do crescimento descontrolado de células tumorais. As hormonas
também podem agir no interior da célula sem ser libertadas, isto é, num efeito
"intrácrino". Por exemplo, a insulina pode inibir sua própria libertação a partir das
células B das ilhotas pancreáticas, e a somatostatina pode inibir sua própria
libertação a partir de células D pancreáticas.

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- Parácrina quando influencia as células vizinhas. Um exemplo é a resposta


inflamatória localizada em que a vasodilatação é induzido pela histamina
libertada pelas células secretoras que existem na área próxima dos danos do
tecido celular afectado; Outro exemplo é a acção dos esteróides sexuais no ovário
feminino.

Figura 3.1. A comunicação por intermédio das


secreções celulares pode ser categorizada em função
da distância entre as células/tecido de origem e as
células/tecido alvo que vão ser accionadas.
(a) Na acção autócrina, uma célula secretora responde
ao seu próprio sinal (secreção);
Na acção parácrina são as células vizinhas que
respondem ao estímulo secretor;
Na acção endócrina são libertadas hormonas que uma
vez largadas na corrente sanguínea vão estimular
células/tecidos distantes no corpo; a acção neuro-
endócrina é semelhante à acção endócrina, as células
de origem são diferentes respectivamente células
secretoras e neurónios.
(b) Na acção exócrina as secreções são libertadas no
meio exterior (dentro ou fora do corpo). Um tipo de
substâncias de acção exócrina são as feromonas que
tem funções de comunicação entre indivíduos, pelo que
são libertadas para o exterior do corpo, para o meio
ambiente (solo, água, solo). Na figura exemplifica-se a
acção exócrina de feromonas libertadas na
comunicação sexual entre peixes

- Endócrina sempre que é libertada na corrente sanguínea; essa substância é assim


transportada pela corrente circulatória para os tecidos, onde se ligam a moléculas
receptoras específicas e regulam a função do tecido-alvo. Algumas hormonas (ex.,
insulina, hormona do crescimento, prolactina, leptina, catecolaminas) ligam-se a

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receptores situados na superfície celular. Outras hormonas (ex., esteróides,


hormona tireóide) ligam-se a receptores intracelulares que agem no núcleo. Os
receptores têm propriedades bifuncionais de reconhecimento (i. e., a capacidade de
distinguir a hormona de outras moléculas às quais também estão expostos) e de
activação de sinal. A hormona age como um efector alostérico que altera a
conformação do receptor, e essa alteração de conformação transmite a informação
sobre a ligação para os eventos pós-receptor, que por sua vez influenciam a função
celular.
- Exócrina quando é libertada na superfície do corpo, incluindo a superfície do trato
intestinal e de outras estruturas internas. Algumas secreções exócrinas,
chamadas feromonas, são produzidas pelo indivíduo humano para comunicar-se
com o outro e podem iniciar uma gama de respostas fisiológicas. Não é incomum
que hormonas ou os seus produtos sucedâneos ajam como feromonas. As
secreções exócrinas têm funções numerosas para além da comunicação. Por
exemplo a saliva produzida na boca ajuda os alimentos a escorrer abaixo para o
esófago. As secreções pancreáticas facilitam a digestão dos alimentos.

Há diversos mecanismos pelos quais as substâncias armazenadas dentro de uma


célula podem ser excretadas para o exterior da célula. Na maioria das vezes as
substâncias estão armazenadas em vesículas secretoras donde todo o conteúdo é
esvaziado para o exterior da célula pelo processo de exocitose. Porém, noutros
casos, são partes da membrana celular que rebentam e esvaziam as substâncias
para exterior da respectiva célula. Assim distinguem-se os seguintes tipos de
secreção:

- Apócrina em que apenas a parcela apical da célula que contem o material


secretora o expele para fora, enquanto que célula a seguir volta a selar nesse
ápice. Este processo ocorre em determinadas glândulas sudoríparas (= do suor)
mas zonas peludas do corpo humano.

- Merócrina em que uma parte da célula, contendo os produtos secretores,


comprime-se para fora e rompe abrindo-se no lúmen da glândula. Este processo
é característico das glândulas digestivas.

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- Holócrina em que a célula inteira é moldada fora e quebrada até à libertação do


seu conteúdo. Este processo é característico das glândulas sebáceas (do óleo)
na pele humana.

3.1.2 ESPOLETAMENTO DA CÉLULA SECRETORA


Toda a secreção ocorre em resposta à estimulação celular. O estímulo pode ser
uma hormona ou um neurotransmissor que chega junto da membrana da célula
secretora. Por exemplo, a acetilcolina libertada dos neurónios do sistema simpático
estimula o tecido de cromafina da medula da glândula adrenal para segregar
catecolaminas. Uma secreção pode também resultar da estimulação directa. Um
aumento da osmolaridade do citoplasma, por exemplo, estimula determinados
neurónios a terem funções (neuro)endócrinas. Para outras células neuro-
secretororas, o estímulo é apenas eléctrico. A estimulação de células neuro-
secretoras engendra potenciais de acção (PA´s) até ao botão terminal do axónios e
espoleta a libertação de neuro-hormonas (Figura 3.2).

Tendo em conta o papel bem conhecido dos iões cálcio Ca2+ na regulação da
libertação do neurotransmissor (descrita no capítulo 1), não deve constituir surpresa
que o cálcio esteja também implicado na junção entre a estimulação da membrana
celular com a secreção de hormona em muitos tipos de células secretoras. Um
estímulo que leve ao aumento na concentração de Ca2+ na parte terminal da célula
provoca um aumento na actividade secretora. Nas células neuro-secretoras, assim
como é nos neurónios, (como se referiu no capítulo 1). os estímulos de entrada
(potencial de acção pós-sináptico excitador, PPSE; ou mudanças físicas ou químicas
na membrana do plasma) aumentam a frequência do potencial de acção no axónio;
se a onda de despolarização do PA chegar aos botões terminais, o potencial de
acção faz com que canais iónicos Ca2+ voltagem-dependentes abram (Figura 3.2).
O influxo resultante de Ca2+ provoca então a exocitose e consequentemente a
libertação seja de neurotransmissor e/ou de (neuro)hormona. Nas células
endócrinas propriamente ditas, não há potencial de acção; antes o estímulo provoca
a libertação intracelular do cálcio Ca2+ armazenado em vesículas desprendidas do
retículo endoplasmático. Esse acréscimo de cálcio livre aumenta a concentração
citoplasmática de Ca2+ (o que tem um efeito análogo ao influxo de cálcio

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extracelular); dá-se assim também a secreção de hormona por exocitose, para os


vasos sanguíneos acoplados.
Figura 3.2. O aumento de Ca2+ na região
terminal de uma célula secretora provoca a
exocitose. (a) Nos neurónios normais, o a
despolarização é iniciada na região da entrada
(dentritos) e propaga-se à região da saída (os
botões terminais do axónio) através dos
potenciais de acção, (b) este processo ocorre
também em células neuro-secretoras; nota-se
um potencial de acção mais prolongado
característico dalguns terminais neuro-
secretores. Em ambos os casos, os resultados
do despolarização induzem um influxo de Ca2+
extracelular que estimula a exocitose (c) as
células endócrinas simples (aquelas que não
são neurónios) são activadas sem
despolarização da membrana. Nestas células, o
estímulo causa uma libertação de Ca2+
armazenado no retículo endoplasmático e
consequentemente daí advem um aumento
grande do nível de Ca2+ citoplasmático o que
também provoca exocitose.

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3.2. FUNÇÃO SECRETORA

3.2.1 COMPOSIÇÃO QUÍMICA DAS HORMONAS


O sistema endócrino usa as hormonas para conduzir informações entre diferentes
tecidos. As hormonas são libertadas por glândulas endócrinas. Aliás, as hormonas
derivam das principais classes de moléculas biológicas. Assim, as hormonas podem
ser proteínas (inclusive glicoproteínas), peptídeos ou derivados peptídicos, análogos
de aminoácidos ou lípidos. Ainda assim novas hormonas estão ainda sendo
descobertas. Contudo, apesar de haver muitas hormonas no ser humano, a maioria
destas pertence a uma de quatro categorias estruturais:

- Animas, as quais incluem catecolaminas como a epinefrina e a norepinefrina,


assim como as hormonas tiroideanas, ou seja, todas elas são pequenas moléculas
derivadas dos aminoácidos. São moléculas lipo-inssolúveis i.e. não se misturam com
gorduras.

- Eicosanóides (incluindo as prostaglandinas, prostaciclinas, leucotrienos e


tromboxanos) são derivados de ácidos gordos poli-insaturados. O ácido
araquidónico é o precursor eicosanóide mais abundante nos seres humanos. Os
eicosanóides são produzidos pela maioria das células, são libertados sem que haja
muito armazenamento e depois são depurados rapidamente na circulação. Supõem-
se que ajam por acção parácrina ou autócrina. Há comunicação entre o sistema
eicosanóide e endócrino. Os eicosanóides regulam a libertação e as acções de
hormonas. Por exemplo, a prostaglandina E (PGE) inibe a libertação da hormona de
crescimento (GH) e da prolactina (PRL) a partir da hipófise. A síntese de
eicosanoídes é também frequentemente estimulada por hormonas e, em tais
circunstâncias, os eicosanóides agem como mediadores a jusante, nas vias de
acção hormonal.

- Hormonas esteróides (ex. testosterona e estrogénio) e a vitamina D (tociferol)


derivam do colesterol. Os retinóides derivam dos carotenóides1 da dieta, por meio de
modificações realizadas pelo corpo.

1
Caretenóides são as substâncias corantes (ex. amarelo, laranja, vermelho) que existem nos frutos e legumes.

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- Hormonas (poli)peptídicas são produtos directos da tradução de mRNA


específicos, produtos da clivagem de proteínas precursoras maiores ou peptídeos
modificados. São lipo-inssolúveis.

O termo hormona autacóide é usada para descrever várias substâncias endógenas


activas, como a histamina e a serotonina que não se podem incluir naquelas quatro
categorias.

3.2.2 NEUROTRANSMISSORES E HORMONAS


Tradicionalmente, o sistema endócrino diferencia-se do sistema nervoso pelo facto
de que os sinais endócrinos são libertados de forma sistémica, as hormonas
comunicam ao longo de distâncias grandes e numa escala de tempo longa ao passo
que o sistema nervoso está directamente conectado aos tecidos-alvo através dos
neurónios. Assim os sistemas endócrinos estão bem ajustados para as funções
reguladoras que são sustentadas durante minutos, horas, ou dias. Estas funções
incluem a manutenção da osmolaridade do sangue (hormona antidiurética ADH) e
do nível de açúcar de sangue (insulina e glucagon), a regulação das taxas
metabólicas (hormona do crescimento e tiroxina), o controlo da actividade sexual e
dos ciclos reprodutivos (hormonas sexuais) e a modificação do comportamento
(várias hormonas). As hormonas estão amplamente distribuídas e sua confiabilidade
reside na capacidade que o receptor tem de diferenciar a hormona de outras
moléculas e então gerar respostas em células específicas. Ao contrário, o
neurotransmissor é sintetizado no corpo celular de um neurónio, desce ao longo do
axónio, é armazenado em vesículas sinápticas, libertado mediante despolarização e
se liga a receptores específicos no neurónio pós-sináptico. Aqui, a especificidade da
resposta é dependente da libertação local direccionada de moléculas sinalizadoras.
De facto, na rápida actividade do sistema nervoso e na lenta actividade, mais
sustentada do sistema endócrino trabalham junto na integração de funções
fisiológicas e metabólicas no corpo, ao ponto a que uma dada molécula tanto pode
servir como um neurotransmissor nalgumas circunstâncias e como uma hormona
noutras. Então, embora haja diferenças entre os sistemas endócrino e nervoso, há
também similaridades. As acções dos neurotransmissores envolvem ligações entre
ligandos e receptores que lembram as do sistema endócrino. De facto, uma mesma

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molécula pode ser um neurotransmissor e uma hormona: por exemplo as


catecolaminas são neurotransmissores quando libertadas por terminações nervosas
e hormonas quando libertadas pela medula supra-renal. Além disso, as
catecolaminas utilizam os mesmos tipos de receptores adrenérgicos e as mesmas
vias pós-receptor de sinalização intracelular no sistema nervoso central e nos
tecidos periféricos.
Outras moléculas comportam-se ora como hormonas ora como neurotransmissores.
A hormona de libertação da tirotropina (TRH) é uma hormona quando produzida pelo
hipotálamo, mas tem acção diversa no sistema nervoso central, onde age como um
neurotransmissor. A dopamina, a hormona de libertação da corticotropina (CRH), a
hormona relacionado com o gene da calcitonina (CGRH), a somatostatina, a
hormona de libertação da gonadotropina (GnRH), o peptídeo intestinal vaso activo
(VIP), a gastrina, a secretina, a colecistocinina e os esteróides (neuroesteróides) e
seus receptores também são encontrados em várias partes do cérebro.
Há também uma sobreposição entre a função das glândulas endócrinas e a do
sistema nervoso. Por exemplo, o hipotálamo contém neurónios especializados que
segregam hormonas para o interior da circulação (o que será visto adiante).

Em muitos aspectos o sistema nervoso pode ser visto como o órgão endócrino mais
importante, porque ele produz determinadas hormonas que regulam a actividade de
muitos tecidos endócrinos. As hormonas são geralmente segregados num nível
relativamente baixo de “descanso” que seja modulado acima ou para baixo pelos
sinais que chegam e agem no tecido endócrino. Estes sinais são frequentemente as
neuro-hormonas, as quais são libertadas por neurónios especializados e que agem
directamente no tecido endócrino.

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