Você está na página 1de 35

Capítulo 8 - Nervos Cranianos

A periferia no centro

Augusto Valadão Junqueira


Anuska M. O. Lagrotta Pittella

Visão Geral

Nervos – sistema nervoso periférico (caso contrário seriam tratos,


fascículos, etc.). Cranianos – passam pelo crânio (e não pela coluna vertebral).
Simples? Não tanto. A grande dificuldade de visualização aqui está no seguinte
fato: nem tudo que está dentro da cabeça está dentro do crânio. Os núcleos
dos nervos cranianos ficam no prosencéfalo ou – a maioria – no tronco
encefálico (com uma única exceção que será dita adiante), isto é, em estruturas
dentro do crânio. As fibras nervosas que inervam os olhos ou a língua, por
outro lado, precisam obviamente chegar a (ou partir de) lugares fora do crânio.
Assim sendo, teremos em cada caso três pontos anatômicos de referência: 1)
onde está o núcleo do nervo; 2) onde o nervo emerge do encéfalo (sendo
então visível nas peças); 3) onde ele atravessa o crânio, seja para sair ou
para entrar.
Além dos dados anatômicos, o mais importante é saber as funções
fundamentais de cada nervo craniano (NC) e as síndromes ligadas à ausência
dessas funções. É preciso saber dados básicos sobre cada um para que se
possa raciocinar nos casos clínicos que os envolvem.
Uma premissa importante para se entender os nervos cranianos é a
seguinte: diferentemente dos nervos espinhais (que se organizam com padrões
bem definidos), cada NC tem seu próprio conteúdo e disposição anatômica.
Existem diferentes tipos de fibras que podem ser carregadas pelo mesmo NC,
exercendo funções completamente diferentes umas das outras: 1) fibras
motoras somáticas (que inervam a musculatura estriada esquelética); 2) fibras
motoras viscerais (responsáveis pela musculatura lisa e estriada cardíaca); 3)
fibras sensitivas viscerais, também chamadas aferentes viscerais gerais
(responsáveis pelas propriedades sensitivas inerentes às vísceras, como a
saciedade); 4) fibras sensitivas gerais ou aferentes somáticas gerais (que
veiculam dor, temperatura, tato, etc.); 5) fibras das sensações especiais, sendo
de dois tipos: aferentes viscerais especiais (referentes aos sentidos químicos –
paladar e olfato) e aferentes somáticas especiais (referentes aos sentidos de
orientação: visão, audição e equilíbrio).
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Todos os nervos que possuem função motora somática cumprem


também o transporte das fibras proprioceptivas dos músculos por eles
inervados. Isso não será repetido em cada caso particular.

O trato córtico-nuclear

Como vimos acerca dos neurônios motores da medula (motoneurônios),


os núcleos motores dos nervos cranianos possuem também modulação cortical.
E essa modulação vem da mesma área já estudada, a área motora primária
(M1), no giro pré-central do córtex cerebral. A diferença no caso dos nervos
cranianos é que a via advinda do córtex para o tronco encefálico será chamada
de trato córtico-nuclear, ao invés de trato córtico-espinhal. Um trato córtico-
nuclear nada mais é que uma ramificação dos feixes que formarão os tratos
córtico-espinhais, um conjunto de fibras que deles se destacou na passagem
pelo tronco encefálico para inervar um núcleo motor ali localizado. A já vista
síndrome do primeiro neurônio irá valer da mesma forma para lesões do trato
córtico-nuclear, bem como a lesão dos nervos cranianos motores será análoga
à síndrome do segundo neurônio da medula.

I NC: Nervo Olfatório

É um nervo sensitivo especial responsável pelo olfato. É o único dos


nervos cranianos cujo núcleo está no telencéfalo, mais precisamente no lobo
frontal. A ordem de numeração dos nervos cranianos corresponde à ordem em
que eles emergem do encéfalo (grave isso), e portanto o primeiro NC é o
primeiro de cima dos nervos cranianos que podem ser vistos nas peças.
Como o I NC vai do interior do nariz diretamente ao telencéfalo, é de se esperar
que ele não seja muito evidente na visão frontal do tronco encefálico, que é a
usada na maioria das vezes para se mostrar a emergência dos nervos
cranianos. O que se vê geralmente, portanto, não é o nervo olfatório em si,
mas sim o trato olfatório – o que é totalmente diferente (entenderemos isso a
seguir). O nervo olfatório atravessa o crânio nos forames da lâmina
cribriforme (ou crivosa) do osso etmóide. Como é um nervo sensitivo, mais
correto seria raciocinar que o nervo olfatório entra no crânio pela lâmina crivosa
do etmóide, embora geralmente os livros se refiram a todos os nervos
cranianos como "saindo", tendo em vista a anatomia embriologicamente
orientada. Funcionalmente, porém, é correto dizer que ele está entrando no
crânio. Tendo em mente os dados informados (principalmente a localização do

2
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

núcleo e o ponto em que atravessa o crânio), vamos entender o trajeto do


primeiro nervo craniano.
O I NC começa no epitélio olfatório, estrutura estudada na anatomia
básica do nariz. Trata-se de um órgão localizado na parte olfatória da mucosa
nasal, no teto da cavidade nasal. Lembra-se dele? Pois bem. Os corpos dos
neurônios que irão formar o nervo olfatório estão imersos neste epitélio
olfatório. Se lembrarmos dos neurônios sensitivos da medula espinhal (aqueles
localizados nos gânglios espinhais), recordaremo-nos que eles eram neurônios
pseudo-unipolares, "pois este é o formato da maioria dos neurônios sensitivos".
Então agora tenha atenção: os neurônios que formam o nervo olfatório são
bipolares, muito embora sejam também neurônios sensitivos. Terão, então,
um processo periférico (correspondente a um grande e único dendrito) e um
processo central (correspondente a um axônio), ambos partindo do corpo, que,
no caso, está no epitélio olfatório. Os processos dos neurônios receptores
olfatórios são bem curtos: os periféricos formam os chamados "cílios olfatórios",
que ficam banhados por uma película de muco aquoso secretada pelas
glândulas olfatórias deste mesmo epitélio (onde são estimulados pelas
moléculas de qualquer gás odorífero que se dissolva nesse líquido); os centrais,
por sua vez, são 20 filamentos de cada lado do septo nasal que formam, em
conjunto, o chamado nervo olfatório, primeiro nervo craniano (que como se
pode ver não é tecnicamente UM nervo craniano, mas vários), enquanto
atravessam a lâmina cribriforme do osso etmóide (que está logo acima do teto
da cavidade nasal). Esses filamentos, depois de percorrer um trajeto mínimo
para cima (alguns milímetros, apenas o bastante para terminar de atravessar o
osso etmóide), chegam a uma estrutura de extrema importância para o olfato,
localizada na base do lobo frontal do telencéfalo, chamada bulbo olfatório.
Vimos que os neurônios primários da via olfatória estão no epitélio olfatório. Os
secundários estão neste bulbo olfatório, considerado uma estrutura do
telencéfalo. Para entender que o bulbo olfatório é uma estrutura do SNC,
enquanto o epitélio olfatório faz parte do SNP, podemos dispor de vários
raciocínios: primeiro que o epitélio olfatório está dentro do nariz, e portanto é
óbvio que está fora do crânio, ao passo que o bulbo olfatório faz parte do
telencéfalo, a região mais elevada e complexa do cérebro, e portanto é óbvio
que está dentro do crânio (lembre-se que SNC é tudo aquilo que está dentro
das estruturas ósseas do sistema nervoso – crânio ou coluna vertebral);
segundo que quando falamos "atravessando então o osso etmóide", que é um
osso do crânio, subentende-se a seguinte afirmação sobre o nervo olfatório
(representando a via olfatória como um todo): e assim ele deixará de ser parte
do sistema nervoso periférico e passará a ser um componente do sistema
nervoso central, possuindo a partir de então todos os atributos inerentes a isso,
como envoltório meníngeo e uma neuróglia diferenciada (com astrócitos,
oligodendrócitos, etc.). E uma parte importantíssima dos "atributos inerentes a
3
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

isso": ele não mais será chamado nervo, já que "nervo" é uma estrutura do
SNP. Tem-se então o seguinte fato: as fibras que partem dos neurônios
secundários (no bulbo olfatório) para dar continuidade à via olfatória, por mais
que veiculem as mesmas informações trazidas pelo "nervo olfatório", formam o
que passa a ser chamado trato olfatório (trato, indicando ser um feixe que
teve início já no SNC). Há um trato olfatório de cada lado, como há também
um bulbo olfatório de cada lado. Esses tratos percorrem a base do telencéfalo
em sentido ventro-dorsal até que cada um se divide em dois novos feixes, as
estrias olfatórias laterais (uma esquerda e uma direita) e mediais (uma
esquerda e uma direita). A região onde essa divisão acontece em cada trato
olfatório é chamada trígono olfatório. Esse nome pode ser entendido vendo-se
qualquer imagem que ilustre a referida divisão: o formato triangular é evidente.
As estrias olfatórias seguem então para o rinencéfalo, terminando assim a via
olfatória. O rinencéfalo, ou "córtex olfatório", é um agrupamento de estruturas
da região anterior do lobo temporal, divisão do telencéfalo que ainda será
estudada. A estria lateral de cada lado é ipsilateral, isto é, alcançará o
rinencéfalo do mesmo lado que o bulbo olfatório de onde teve origem. A estria
medial é contralateral – cruza na comissura anterior (estrutura que será vista
no estudo do diencéfalo) para chegar ao rinencéfalo do lado oposto.

Fatos importantes sobre o I NC: Se você conseguiu absorver bem o


que é importante saber sobre o nervo olfatório, deverá ter em mente os
seguintes dados:
1) O "nervo olfatório" é, na verdade, um agrupamento de 40 pequenos nervos
(20 de cada lado) que vão do interior do nariz diretamente ao telencéfalo.
2) O núcleo (isto é, agrupamento de corpos de neurônios dentro do SNC) da via
olfatória está no bulbo olfatório, na base do lobo frontal do telencéfalo. Por isso
diz-se que o I NC "é o único cujo núcleo está no telencéfalo".
3) Os neurônios primários da via olfatória começam no epitélio olfatório,
formam o nervo olfatório (I NC) e terminam no bulbo olfatório.
4) Os neurônios secundários da via olfatória começam no bulbo olfatório,
formam o trato olfatório e terminam no rinencéfalo.
Pelas conclusões 3) e 4) conclui-se também outras coisas:
5) A via olfatória, mesmo sendo uma via sensitiva, possui apenas dois
neurônios antes do córtex cerebral (enquanto a maioria das vias sensitivas
possui três ou mais).
6) A via olfatória, mesmo sendo uma via sensitiva, não passa pelo tálamo (é
possivelmente a única via aferente do sistema nervoso inteiro, com a exceção
de alguns feixes da formação reticular, que chega ao córtex cerebral sem
passar pelo tálamo – este dado será fundamental quando formos estudar o
sistema límbico). Pode ser referida, então, como uma via extratalâmica.

4
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Palavras-chave: função: olfato; núcleo: no telencéfalo (bulbo


olfatório); ponto de passagem no crânio: lâmina cribriforme (ou crivosa) do
osso etmóide.
Esquema-chave: corpos neuronais espalhados pelo epitélio olfatório ->
nervo olfatório --lâmina cribriforme do osso etmóide--> bulbos olfatórios
(direito e esquerdo) -> tratos olfatórios (direito e esquerdo) --trígonos
olfatórios--> estrias olfatórias mediais (direita e esquerda) e laterais (direita e
esquerda) -> rinencéfalo (na parte anterior do lobo temporal de cada lado do
telencéfalo).
Nota: "célula mitral" é o nome da principal célula nervosa do bulbo
olfatório. Se vir esse nome, portanto, saiba que é o mesmo que falar "neurônio
secundário da via olfatória" ou "neurônio do bulbo olfatório", como foi usado
aqui.
Síndromes:
Anosmia significa perda do olfato. Ironicamente, a manifestação/queixa
mais frequente é a alteração do paladar. Trata-se de um caso comum de
sinestesia, em que há confusão de sentidos entre a gustação (responsável pelo
paladar) e a olfação (responsável pelo "gosto"). A anosmia geralmente
acontece por um problema periférico, isto é, no nervo olfatório propriamente
dito. As causas mais comuns são: perda de fibras olfatórias que acontece
naturalmente com o envelhecimento; inflamação da mucosa nasal por rinite
viral ou alérgica (sendo, neste caso, uma perda apenas temporária e
perfeitamente autolimitada); traumatismo craniano em que há fratura da
lâmina cribriforme (que por sua vez rompe as fibras olfatórias que por ela
passam) ou separação traumática direta entre os bulbos e nervos olfatórios, em
caso de traumatismo grave. Outras causas possíveis, importantes por seu
diagnóstico diferencial com o fator "idade", são os tumores no lobo frontal do
telencéfalo e os meningiomas na fossa anterior do crânio. A anosmia, como
geralmente é uma manifestação periférica, tende a ser unilateral: muitas vezes
só é descoberta quando se testa cada narina separadamente. Se houver uma
lesão do rinencéfalo, dificilmente haverá anosmia clara (vimos que as estrias
mediais cruzam para o rinencéfalo oposto, que serve como fonte
compensadora, e portanto o paciente dificilmente notaria alguma alteração). A
manifestação mais comum de lesão do rinencéfalo é a alucinação olfatória.
As alucinações olfatórias indicam lesões ou irritações da região
anterior do lobo temporal. Podem preceder a chamada crise uncinada (pois
"uncus" é o nome de uma ampla estrutura do lobo temporal anterior, como
ainda veremos), quadro em que há convulsão generalizada (ou apenas de
lábios e língua) acompanhada de odores desagradáveis imaginários, relatados
posteriormente pelo doente.

5
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

II NC: Nervo Óptico

Use todos os raciocínios sobre o significado da localização do núcleo de


cada NC (onde ficam os neurônios da via quando ela começa a partir do SNC) e
o ponto de passagem no crânio (quando a via deixa de ser do SNP para ser do
SNC, ou vice-versa) explicados no nervo olfatório também para o nervo óptico,
bem como para todos os outros.
O II NC é um nervo sensitivo especial responsável pela visão. É o único
dos nervos cranianos cujo núcleo está no diencéfalo, mais precisamente no
corpo geniculado lateral, uma estrutura do tálamo. Pode ser visto em sua
emersão do encéfalo nas peças como dois prolongamentos anteriores do
quiasma óptico, uma estrutura também do diencéfalo (embora dessa vez seja
uma parte do hipotálamo, e não do tálamo), sendo de fato o segundo NC visto
de cima pra baixo. Entra na fossa média do crânio (note que o I NC, por sua
vez, penetra a fossa anterior) pelo canal óptico.
A via visual começa na retina, onde há três camadas celulares. O
estímulo visual é captado pela camada mais profunda (a luz de fato atravessa
as duas primeiras sem ser captada por elas, uma vez que não é essa sua
função), onde estão os fotorreceptores (cones e bastonetes). A informação é
então passada para a camada intermediária (camada de células bipolares –
como eram os neurônios primários da via olfatória), chegando enfim à camada
de células ganglionares retinianas. Esse nome é importante, pois são os
axônios dessas células ganglionares que formarão o nervo óptico. Existe aqui
uma grande contradição da neurologia, também conhecida como exceção à
regra: o nervo óptico é chamado de nervo por motivos práticos, mas na
verdade tem a estrutura de um trato, possuindo as características dos
feixes do sistema nervoso CENTRAL. A importância crucial disso será vista
na análise das síndromes do II NC. Mas mesmo sendo tecnicamente um trato, o
nervo óptico também começa de fora do crânio e aqui será sempre tratado
como nervo. Pois bem, ao formarem o "nervo" óptico, as fibras das células
ganglionares da retina projetam-se para trás em relação ao olho, penetrando
no crânio pelo canal óptico. Assim que chegam dentro do crânio, o nervo
craniano de cada lado converge com seu opositor para formar o quiasma
óptico, uma estrutura onde há cruzamento de fibras, mas onde não há
nenhum corpo de neurônio. Portanto não cometa o erro de muitos: NÃO HÁ
nenhum corpo neuronal no quiasma óptico. O quiasma óptico NÃO É onde fica
o núcleo do II NC. As fibras deste nervo apenas passam pelo quiasma, onde
uma parte de cada lado se cruza e a outra continua pelo mesmo lado. Guarde,
pois será fundamental saber isto no raciocínio das síndromes: as fibras da
metade nasal (ou medial) de cada lado cruzam, enquanto as da metade
temporal (ou lateral) continuam direto. Passado o quiasma óptico, agora já
com o rearranjo das fibras de cada retina terminado (as da metade nasal de um
6
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

olho misturadas com as da metade temporal do outro), essas fibras – que são
AS MESMAS que vinham desde a retina pelo "nervo" óptico – passam a
constituir um trato óptico de cada lado. Agora se assume o nome de estrutura
do SNC ("trato"), embora neste caso continue sendo basicamente a mesma
coisa que já era antes, histologicamente. Para entender a via basta guardar a
sequência: nervo óptico -> quiasma óptico (cruzamento de fibras) -> trato
óptico. O trato óptico dá a volta no diencéfalo e continua até chegar na região
posterior do tálamo, onde desemboca no corpo geniculado lateral. É aí onde
fica efetivamente o núcleo do II NC. Ou seja: o núcleo do nervo óptico fica no
diencéfalo, diferentemente de todos os outros nervos cranianos. Do tálamo,
partem fibras que seguem por radiações talâmicas (nome genérico dado aos
feixes que partem do tálamo ao córtex cerebral) para o córtex visual, localizado
no lobo occipital do telencéfalo.

Fatos importantes sobre o II NC: o que você não pode esquecer.


1) O nervo óptico é na verdade uma extensão anterior par do próprio
diencéfalo, e portanto tem todas as propriedades que teria um feixe do SNC
(um trato, fascículo ou lemnisco qualquer).
2) As fibras da porção nasal/medial de cada retina se cruzam no quiasma
óptico. As da porção temporal/lateral, não.
3) A via óptica possui quatro neurônios antes de chegar no córtex cerebral. Os
corpos de três estão na retina, e o do quarto no tálamo.
4) Mesmo tendo quatro neurônios, as fibras da via visual podem ser agrupadas
resumidamente como sendo fibras retino-geniculadas, visto que os corpos de
seus três primeiros neurônios estão todos na retina.
Palavras-chave: função: visão; núcleo: no diencéfalo (corpo
geniculado lateral do tálamo); ponto de passagem no crânio: canal óptico.
Esquema-chave: retina (camada fotorreceptora, camada de células
bipolares, camada de células ganglionares) -> nervo óptico --quiasma óptico
(cruzamento de fibras)--> trato óptico -> corpo geniculado lateral -> radiações
talâmicas -> lobo occipital.
Síndromes:
Doenças desmielinizantes. A bainha de mielina que recobre as fibras
do SNC é feita por células chamadas oligodendrócitos. Já a que recobre as
fibras do SNP é feita pelas células de Schwann que as envolvem. Assim sendo,
há duas categorias de doenças desmielinizantes: aquelas que afetam as células
nervosas do SNC, como a esclerose múltipla, e aquelas que afetam as células
nervosas do SNP, como a síndrome de Guillain-Barré. Como o nervo óptico tem
na verdade as propriedades de um feixe do SNC, ele é o único NC que pode
ser afetado por doenças desmielinizantes do SNC, enquanto doenças
desmielinizantes do SNP poderão afetar todos os nervos cranianos, menos o II.

7
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

A causa dessas doenças varia muito, podendo ser genética, infecciosa,


autoimune ou mesmo idiopática.
Neurite óptica é o nome dado à diminuição da acuidade visual por uma
lesão parcial do II NC. As causas mais comuns são os distúrbios inflamatórios,
degenerativos, desmielinizantes (explicados acima) ou tóxicos.
Para entender os defeitos no campo visual, você precisa entender o
esquema da via visual ilustrado abaixo. Compreenda o seguinte: cada olho
possui duas metades da retina (retina nasal e retina temporal) e,
separadamente, duas metades do campo visual (campo visual nasal e
campo visual temporal). As metades da retina são os locais de captação da
visão, sim, mas é dos campos visuais que essa visão é projetada. Escreva isto
na parede: o campo visual de cada lado se projeta à metade oposta da
retina de cada olho; os campos visuais temporais são projetados nas
retinas nasais, e os campos visuais nasais nas retinas temporais.
Repare que as setas no esquema abaixo ligam CVN (campo visual nasal) a RT
(retina temporal), e CVT a RN. Basta unir isso ao seu conhecimento sobre o
restante da via para entender todas as síndromes descritas a seguir.
A cegueira monocular (1) é a perda completa da visão em caso de
secção completa de um nervo óptico. Acontece sempre do mesmo lado
lesado, já que é uma lesão antes do quiasma óptico.
O nome hemianopsia bitemporal (2) vem de hemi (metade) + an
(negação) + opsia (visão) e bi (duplo) + temporal (referente aos campos
visuais temporais, e não às retinas temporais, já que se refere à perda no
campo visual, que é o que o paciente percebe). Ou seja, há perda visual nos
dois campos visuais temporais (uma perda visual periférica). Acontece por
lesão no quiasma óptico. Como passam pelo quiasma óptico as fibras vindas
das retinas nasais de ambos os olhos, e como cada retina nasal capta um
campo visual temporal, fica fácil entender a relação do local lesado com a
síndrome.
A hemianopsia homônima contralateral (3), por fim, significa perda
de metade do campo visual total (hemianopsia) de um mesmo lado
(homônima) que é oposto ao lado lesado (contralateral). Acontece por lesão
de um trato óptico. Tomemos o exemplo ilustrado no esquema, em que o (3)
está sobre o trato óptico direito. Raciocine imaginando quais fibras passam por
esse trato: como são as fibras da retina temporal do olho ipsilateral (no caso, o
olho direito) e as fibras da retina nasal do olho contralateral (o esquerdo),
haverá perda dos campos visuais correspondentes a cada caso. A retina
temporal direita corresponde ao campo visual nasal do olho direito, enquanto a
retina nasal esquerda corresponde ao campo visual temporal do olho esquerdo
(basta acompanhar as setas de projeção do esquema). Para o paciente, na
prática, isso significará perder a ―metade esquerda da visão do olho direito‖ e a
―metade esquerda da visão do olho esquerdo‖. Ou seja, a lesão foi no lado

8
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

direito e as manifestações são todas no ―lado esquerdo‖. Daí o nome


hemianopsia (como houve perda de metade de cada lado, pode-se dizer que
houve perda de metade do total) homônima (sintomas relatados apenas no
lado esquerdo) contralateral (já que a lesão foi no lado direito). Uma causa
comum dessa perda nos campos visuais é o AVE.

Figura 8.1 – Trajeto da via óptica e seus principais pontos de lesão. (Ilustrações: Anuska M. O.
Lagrotta Pittella)

III NC: Nervo Oculomotor

O esquema de entendimento do nervo oculomotor será um pouco


diferente dos dois anteriores, mas muito semelhante ao dos outros nove
adiante. A partir de agora todos os núcleos de todos os nervos cranianos
estarão localizados em algum ponto (ou em alguns pontos, já que veremos que
alguns nervos se conectam a mais de um núcleo) do tronco encefálico,
exceto o XI NC (cujos núcleos estão na medula cervical).

9
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

O III NC emerge acima da ponte, acompanha o seio cavernoso (uma


estrutura venosa do encéfalo que ainda será discutida) e deixa o crânio pela
fissura orbital superior. Logo após sair do crânio e entrar na órbita, separa-
se em uma divisão superior e uma divisão inferior. Parte de dois núcleos
distintos e tem por isso duas funções, ambas motoras - uma função motora
somática e uma função motora visceral.
Seus dois núcleos ficam no interior do mesencéfalo, na altura do colículo
superior. O primeiro, o núcleo motor somático, emite fibras que inervam o
músculo estriado de quatro dos seis músculos extrínsecos do bulbo do olho
(reto superior, reto medial, reto inferior e oblíquo inferior) e do
levantador da pálpebra superior. O segundo, o núcleo motor visceral
(ou núcleo de Edinger-Westphal, ou ainda núcleo acessório do nervo
oculomotor), emite fibras parassimpáticas que vão ao gânglio ciliar, e de lá para
os músculos lisos esfíncter da pupila e ciliar. As fibras que inervam os
músculos reto superior e levantador da pálpebra superior passam pela divisão
superior do III NC, enquanto o restante passa pela divisão inferior.
Os movimentos feitos pelo III NC, portanto, são: levantar os olhos (m.
reto superior), convergir os olhos (m. reto medial), abaixar os olhos (m.
reto inferior), fazer a rotação externa1 dos olhos e levantá-los enquanto
estiverem aduzidos (m. oblíquo inferior), contrair as pupilas (m. esfíncter
da pupila), acomodar a visão para perto (m. ciliar).

Esquema-chave: núcleo motor somático e núcleo motor visceral ->


nervo oculomotor --fissura orbital superior--> divisão superior e divisão inferior
-> [(fibras somáticas) músculos esqueléticos] / [(fibras parassimpáticas)
gânglio ciliar -> músculos lisos]
Síndromes:
A lesão do III NC causa paralisia oculomotora ipsilateral. Há duas
manifestações clínicas possíveis, que podem ou não estar associadas: as fibras
autônomas do nervo oculomotor (parassimpáticas, que partem do núcleo de
Edinger-Westphal) são mais superficiais que as demais, e portanto são afetadas
primeiro em lesões que se fazem de fora para dentro. As fibras somáticas,
como são mais profundas, são afetadas primeiro em lesões que se fazem de
dentro para fora. Lesões traumáticas que lesam o nervo como um todo
frequentemente causam as duas síndromes ao mesmo tempo.
A hipertensão intracraniana é um exemplo de condição que
comprime o III NC contra o osso temporal, afetando portanto apenas as fibras

1
Rotação externa (ou lateral, ou extorção) dos olhos: movimento de ajuste automático feito
pelo olho direito quando inclinamos a cabeça para a esquerda, ou com o esquerdo quando
inclinamos a cabeça para a direita. Na rotação interna (ou medial, ou intorção) acontece o
contrário.
10
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

parassimpáticas em um primeiro momento. O primeiro sinal, assim, é a


lentidão ipsilateral da resposta pupilar à luz.
A paralisia diabética, por sua vez, causa isquemia profunda que afeta
primeiramente as camadas internas do nervo. O primeiro sinal, neste caso, é a
diplopia (visão dupla) unilateral (lembre-se, ipsilateral ao lado afetado)
dolorosa (dor pela isquemia) com oftalmoplegia (plegia = perda da força
muscular) dos músculos esqueléticos inervados pelo oculomotor (não se
esqueça que, além do comprometimento do bulbo ocular, haverá também
ptose palpebral).
Como o III NC percorre a parede lateral do seio cavernoso, lesões ou
infecções do seio cavernoso também podem afetá-lo. Essas lesões serão
discutidas na OBS feita logo após o estudo do VI NC (abducente).
Um aneurisma da artéria cerebral posterior ou da artéria cerebelar
superior também pode pressionar o nervo oculomotor.

IV NC: Nervo Troclear

O IV NC é motor somático para o músculo oblíquo superior do olho, e


portanto serve essencialmente para dois movimentos oculares: o olhar para
baixo (auxilia o m. reto inferior a realizar o olhar normal para baixo, e é o
único a fazê-lo com os olhos aduzidos) e a rotação interna¹ dos olhos.
Seu núcleo fica no interior do mesencéfalo, na altura do colículo inferior. Cruza
no véu medular superior, e portanto o núcleo troclear esquerdo dá origem ao
nervo troclear direito, e vice-versa.
É o único NC a emergir na porção posterior do tronco encefálico.
Surge no mesencéfalo logo abaixo dos colículos inferiores e desponta na face
anterior do tronco encefálico mais lateralmente e abaixo de onde surge o III
NC. Acompanha o seio cavernoso e sai do crânio pela fissura orbital
superior.

Síndromes:
Na lesão do IV NC há diplopia acentuada ao olhar para baixo. Isso
acontece porque o m. reto inferior sozinho não consegue puxar a pupila em
linha reta para baixo: há sempre um desvio medial, que tende a convergir os
olhos. O responsável por corrigir isso seria o m. oblíquo superior, que ao
empurrar a pupila para baixo faz nela também um desvio lateral, que se
neutraliza com o efeito do m. reto inferior. Na ausência do nervo troclear,
portanto, o doente conseguirá voltar apenas um de seus olhos para baixo,
enquanto o outro ficará "vesgo" nesta posição e causará a diplopia. Esse sinal

11
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

geralmente se manifesta em queixas como dificuldade para descer as


escadas, por exemplo.
Há sinais que podem ser facilmente deduzidos analisando-se as funções
do nervo. Foi dito que o m. oblíquo superior é o único a abaixar os olhos
quando estão na posição aduzida. "Abaixar os olhos na posição aduzida" é uma
ação fundamental quando se observa qualquer coisa de perto, como acontece
na leitura. A queixa da lesão do IV NC, portanto, pode ser incapacidade de
ler ou analisar alguma coisa de perto. Outra função do m. oblíquo superior é a
intorção: na falta de uma ação antagonista, o m. oblíquo inferior realiza
extorção passiva, o que geralmente incomoda o paciente. A manifestação
prática disso é que o doente inclina a cabeça para o lado do olho não
afetado para corrigir o problema na rotação do olho.
Como o trajeto intracraniano do nervo troclear é longo (lembre-se que
ele surge por trás do tronco encefálico, e portanto precisa contorná-lo antes de
sair do crânio, visto que a fissura orbital superior fica na frente), não é raro que
ele se rompa em algum traumatismo craniano.

V NC: Nervo Trigêmeo

Todos os nervos vistos até agora eram ou sensitivos ou motores.


Chegamos agora a um nervo misto, pois cumpre as duas funções. É preciso ter
muita calma para que se compreenda bem esta situação. Um nervo misto exige
algumas premissas para ser entendido. Lembre-se que "nervo" é diferente de
"fibra", sendo esta cada fiozinho que passa dentro daquele, o revestimento.
Guarde o seguinte: o V NC possui quatro núcleos – três sensitivos e um motor
– e duas raízes – uma sensitiva e uma motora. Dentro dos quatro núcleos estão
os corpos de muitos neurônios diferentes, dos quais partem as fibras que irão
se distribuir pelas duas raízes. Ainda antes de sair do crânio, a raiz sensitiva
forma o chamado gânglio trigeminal (ou semilunar), uma estrutura lateral
ao seio cavernoso. Isso é outra contradição amenizada pela nomenclatura
"exceção": sim, é GÂNGLIO trigeminal. E sim, é um gânglio DENTRO do crânio.
Um "aglomerado de corpos de neurônios fora do sistema nervoso central"
dentro do sistema nervoso central. O nervo trigêmeo é repleto de
particularidades, conviva com isso. Partindo deste gânglio (ou melhor seria,
chegando a este gânglio, como são vias sensitivas) há três ramos com
caminhos totalmente separados que são considerados nervos à parte, embora
todos possam ser chamados de "nervo trigêmeo". O nervo oftálmico (V1) sobe,
o nervo maxilar (V2) segue reto e o nervo mandibular (V3) desce. Falaremos
melhor sobre cada um. A raiz motora, vinda do núcleo motor, passa por baixo
deste gânglio trigeminal, desembocando no ramo mandibular ao atravessar o

12
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

crânio. A raiz motora do trigêmeo, portanto, só existe dentro do crânio: ao sair


dele o ramo mandibular (V3) do trigêmeo "assume" as fibras motoras.
O trigêmeo é o principal nervo sensitivo geral da cabeça: inerva a
face, os dentes, membranas mucosas, dura-máter da cavidade craniana, couro
cabeludo, bulbo ocular e os 2/3 anteriores da língua. Sua emergência é
facilmente visualizada: trata-se de um feixe espesso (raiz sensitiva) surgindo ao
lado de um feixe fino (raiz motora) de cada lado da ponte. Veremos
separadamente os núcleos e os ramos do trigêmeo, pois há considerações
diferentes para cada caso. Lembre-se: os núcleos dizem respeito às
funções das fibras que deles se originam, enquanto os ramos dizem
respeito à distribuição das fibras que por eles passam.
O núcleo motor do trigêmeo fica na ponte. Em referência ao assoalho
do quarto ventrículo, fica na borda lateral de cada eminência mediana, um
pouco acima do colículo facial. É medial ao núcleo principal, citado a seguir.
Recebe modulação do córtex motor (para os movimentos voluntários dos
músculos da mastigação) e da formação reticular (para a manutenção
automática dos movimentos mastigatórios). Dele partem as fibras motoras
somáticas que irão percorrer a raiz motora do trigêmeo, caindo no nervo V3 ao
passar pelo forame oval (como será dito) para ir aos músculos da mastigação.
O núcleo mesencefálico do trigêmeo é uma coluna de neurônios
sensitivos que se estende por todo o mesencéfalo, terminando na porção
superior da ponte. Liga-se inferiormente com o núcleo principal do trigêmeo –
os três núcleos sensitivos do V NC são contínuos entre si, formando
uma longa coluna que ocupa as laterais no interior de todo o tronco
encefálico. Os neurônios deste núcleo são neurônios sensitivos primários,
mais um dado para a lista de particularidades do trigêmeo: é o único caso em
que há neurônios sensitivos primários (como aqueles pseudo-unipolares dos
gânglios espinhais) dentro de uma estrutura do SNC. Isso significa que as fibras
que chegam a este núcleo veem diretamente das estruturas que inervam, sem
fazer estágio sináptico no gânglio trigeminal (apenas passam por ele). São
fibras responsáveis pela propriocepção dos músculos da mastigação e
expressão facial, o que é fundamental para controlar bem os movimentos de
mordida e movimentos da face.
O núcleo principal do trigêmeo não é necessariamente o mais
importante. Recebeu este nome apenas porque no início achavam que ele era
de fato mais relevante, mas não passa de mais um núcleo com suas funções
próprias. Fica na ponte. Liga-se ao núcleo mesencefálico (acima) e ao núcleo
espinhal (abaixo). É bem mais curto que eles e notavelmente mais alargado,
tendo o formato de uma coluna elíptica. As fibras que chegam a ele trazem o
tato epicrítico e sensibilidade vibratória de quase todas as estruturas da
cabeça.

13
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

O núcleo espinhal do trigêmeo é uma longa coluna que ocupa desde


a ponte inferior até a região cervical da medula, onde se continua com a
substância gelatinosa, com a qual forma o "portão da dor". Este núcleo recebe
as informações de dor, temperatura e tato protopático de quase todas as
estruturas da cabeça.
Se pararmos para pensar, veremos que o núcleo mesencefálico mais o
núcleo principal correspondem, funcionalmente, ao sistema epicrítico da
medula. E essa afirmação é verdadeira, pois eles SÃO o sistema epicrítico da
cabeça. Unem-se às fibras dos núcleos grácil e cuneiforme (onde chegam as
fibras dos fascículos grácil e cuneiforme, que ascendem a medula pelo funículo
posterior) para formar o lemnisco medial, feixe que transporta a informação
epicrítica de todo o corpo para o tálamo. O mesmo acontece com o núcleo
espinhal, que se une aos tratos espino-talâmicos anterior e lateral para formar
o lemnisco espinhal, levando então a informação protopática de todo o corpo
para o tálamo.
Precisamos mudar agora o foco e o formato de nosso raciocínio, pois
veremos os ramos do trigêmeo. As funções descritas acontecerão ao mesmo
tempo, de maneiras combinadas. O diferencial será onde elas estão ocorrendo.
Ao lado do seio cavernoso, há o chamado gânglio trigeminal. Dentro
deste gânglio estão os corpos de neurônios sensitivos primários (pseudo-
unipolares), como em qualquer outro gânglio. Os processos centrais desses
neurônios formam a raiz sensitiva do trigêmeo, por onde passam as fibras que
irão se distribuir pelos três núcleos sensitivos descritos. Os processos periféricos
formam os três ramos diferentes descritos a seguir.
O nervo oftálmico (NC V1) é exclusivamente sensitivo. Acompanha o
seio cavernoso e sai do crânio pela fissura orbital superior, da mesma forma
que os nervos III, IV e VI. Inerva o terço superior da cabeça (veja a figura
adiante sobre a distribuição de inervação dos ramos do trigêmeo). Pode ser
testado pela avaliação do reflexo corneano, explicado na seção "reflexos
integrados".
O nervo maxilar (NC V2) é sensitivo e parassimpático. Sai do crânio
pelo forme redondo e inerva o terço médio da cabeça. Além das fibras de
sensibilidade somática, conduz também fibras parassimpáticas pós-ganglionares
do gânglio pterigopalatino, inervando assim as glândulas lacrimais e
nasais (mais sobre isso na seção "entendendo a divisão craniana do sistema
parassimpático").
O nervo mandibular (NC V3) é motor somático, motor parassimpático
e sensitivo. Atravessa o crânio pelo forame oval. Enquanto faz essa travessia,
recebe as fibras trazidas pela raiz motora do trigêmeo (que dá a volta por baixo
do gânglio trigeminal para também entrar no forma oval, fundindo-se com este
ramo). O NC V3 conduz as fibras motoras dos músculos da mastigação
(fibras que estão "indo"). Conduz também as fibras de sensibilidade geral do

14
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

terço inferior da cabeça (fibras que estão "vindo"). O terceiro tipo de fibra
que o percorre está também "indo", mas neste caso para estruturas viscerais:
são as fibras pós-ganglionares do gânglio submandibular, responsáveis por
inervar as glândulas submandibular e sublingual, e do gânglio ótico,
responsáveis pela glândula parótida.

Figura 8.2 – Distribuição dos ramos do trigêmeo (V NC).

Fatos importantes sobre o V NC: Se você conseguiu absorver bem o


que é importante saber sobre o nervo trigêmeo, deverá ter em mente os
seguintes dados:
1) O nervo trigêmeo possui, no sentido SNC->SNP, quatro núcleos (motor,
mesencefálico, principal e espinhal), duas raízes (sensitiva e motora), um
gânglio (trigeminal) e três ramos (oftálmico, maxilar e mandibular).
2) É um nervo de função mista, pois tem três finalidades diferentes:
motricidade, sensibilidade e condução parassimpática final.
3) É o principal responsável pela somestesia da cabeça, pois compreende tanto
o sistema epicrítico quanto o protopático desta região.
4) Sai do crânio em três pontos diferentes (fissura orbital superior, forame
redondo e forame oval), visto que seu gânglio (de onde parte cada ramo) fica
dentro do crânio.
Palavras-chave: funções: sensibilidade geral da cabeça; motricidade
da musculatura mastigatória (NC V3); condução da parte final (fibras pós-

15
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

ganglionares) das vias parassimpáticas que inervam as glândulas lacrimais e


nasais (NC V2) e submandibulares, sublinguais e parótidas (NC V3); núcleos:
mesencefálico (no mesencéfalo), motor (na ponte), principal (na ponte) e
espinhal (no bulbo/medula cervical); pontos de passagem no crânio: fissura
orbital superior (V1), forame redondo (V2) e forame oval (V3 e raiz motora).
Esquemas-chave:
1) Motricidade do trigêmeo (do centro para a periferia):
Núcleo motor do trigêmeo -> raiz motora --forame oval--> nervo mandibular
(V3) -> musculatura mastigatória.
2) Sensibilidade do trigêmeo (da periferia para o centro):
2.1) Terço superior da cabeça: nervo oftálmico (V1) --fissura orbital superior-->
gânglio trigeminal (ou semilunar) -> raiz sensitiva -> núcleos mesencefálico,
principal e espinhal.
2.2) Terço médio da cabeça: nervo maxilar (V2) --forame redondo--> gânglio
trigeminal -> raiz sensitiva -> núcleos mesencefálico, principal e espinhal.
2.3) Terço inferior da cabeça: nervo mandibular (V3) --forame oval--> gânglio
trigeminal -> raiz sensitiva -> núcleos mesencefálico, principal e espinhal.
3) Condução parassimpática final (melhor explicada na seção "entendendo a
divisão craniana do sistema parassimpático"):
3.1) Gânglio pterigopalatino -> nervo maxilar (V2) -> glândulas lacrimais e
nasais.
3.2) Gânglio submandibular -> nervo mandibular (V3) -> glândulas
submandibulares e sublinguais.
3.3) Gânglio ótico -> nervo mandibular (V3) -> glândula parótida.
Síndromes:
As lesões do nervo trigêmeo causam a perda de suas funções
essenciais: paralisia dos músculos da mastigação com desvio da
mandíbula para o lado lesado, perda da sensibilidade geral da face e
perda dos reflexos corneano e do espirro no lado lesado. Pode ainda
causar dormência facial. As causas geralmente são: traumatismo (craniano ou
dentário grave), tumores (intracranianos, de cabeça ou de pescoço),
aneurismas, infecções meníngeas ou herpes-zoster. Existe também a
neuropatia trigeminal idiopática, em que não se consegue descobrir o motivo da
lesão.
Funcionando como os nervos sensitivos espinhais, a compressão (sem
ruptura ou esmagamento completo, como acontece com os nervos espinhais na
hérnia de disco) do V NC causa dor intensa. Isso pode acontecer, por
exemplo, por um crescimento tumoral.
A neuralgia (ou nevralgia) do trigêmeo é uma dor episódica especial
em que há estimulação dolorosa abrupta da raiz sensitiva deste nervo, afetando
todo o território de inervação de um ou dois de seus ramos (geralmente os

16
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

ramos V2 e V3), causando uma dor relatada na literatura como uma das mais
excruciantes. Pouco se conhece sobre sua causa. O curso vascular aberrante da
artéria cerebelar superior, cruzando o trigêmeo, é uma causa geralmente
citada.

VI NC: Nervo Abducente

O VI NC é motor somático para o músculo reto lateral do olho, servindo


portanto para divergir os olhos. Sua emergência é de fácil visualização: é o par
central entre o bulbo e a ponte, no chamado sulco bulbo-pontino. Acompanha o
seio cavernoso (é o mais medial dos nervos a acompanhá-lo, o que será
relevante nas síndromes deste seio) e sai do crânio pela fissura orbital
superior.
O núcleo do nervo abducente fica na ponte. Preste atenção em sua
localização: colículo facial. No assoalho do quarto ventrículo há uma elevação
par chamada eminência mediana. Ao fim de cada eminência, há uma região em
formato de bolha chamada colículo facial. O núcleo aí localizado NÃO é do
nervo facial, como muitos tendem a concluir. No colículo facial fica o núcleo do
nervo ABDUCENTE, VI NC. O nome "colículo facial" foi dado pois o nervo facial
de fato passa por este ponto, sendo justamente a curva feita por ele a
responsável pela "bolha". Mas apenas o NERVO facial passa pelo colículo facial;
não há nenhuma relação com seu núcleo.

Síndromes:
A lesão do nervo abducente causa estrabismo convergente no olho
afetado. Há diplopia em qualquer posição ocular, exceto ao olhar para o
lado oposto ao da lesão, pois neste caso a posição do olho normal coincide
com a do olho comprometido.
As causas disso podem ser várias: distensão por aumento da pressão
intracraniana, tumor encefálico, aneurisma no círculo arterial cerebral (polígono
de Willis), trombose de seio venoso. Uma causa digna de nota é a pressão do
seio cavernoso pela artéria carótida interna, que será explicada a seguir.

OBS: Seio cavernoso e sua relação com os nervos cranianos


Como vimos, quatro nervos cranianos acompanham de perto o trajeto do
seio cavernoso: os nervos III (oculomotor), IV (troclear), V1 (ramo oftálmico do
trigêmeo) e VI (abdutor). O seio cavernoso é uma estrutura venosa da base do
crânio e sua função é drenar os olhos. Além dos nervos citados, a artéria
carótida interna também passa em seu interior. Isso tudo tem várias
implicações. Primeiro, uma trombose do seio cavernoso pode comprometer

17
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

todas essas estruturas, causando uma síndrome que combina os sintomas de


cada uma: poderá haver exoftalmia (pela drenagem insuficiente), cefaléia
(pela compressão arterial), ptose palpebral e/ou midríase (pela compressão
do III NC), paralisia ocular (pela compressão do III, IV e VI), dor ocular
(pela compressão do V1 associada à exoftalmia) e alteração sensitiva sobre
a testa (pela compressão do V1). Há também a possibilidade de a artéria
carótida interna afetar o seio cavernoso, no caso de aneurisma ou aterosclerose
desta artéria, causando também uma síndrome parecida. A diferença se
baseará no comprometimento primariamente arterial e em um fato importante:
como a carótida interna passa no interior do seio cavernoso, seu aneurisma irá
pressionar primeiro o mais medial dos nervos que por aí passa, sendo ele o
nervo abducente. O primeiro sinal, portanto, costuma ser o estrabismo
convergente.

VII NC: Nervo Facial

O nervo facial é, como o trigêmeo, um nervo misto. Terá ainda uma


nova complicação: nem todos os seus núcleos são exclusivos. Ele utiliza núcleos
também usados por outros nervos cranianos. Dito isso, o nervo facial usa ao
todo cinco núcleos: um motor, um sensitivo visceral especial (paladar), um
sensitivo geral e dois parassimpáticos. O motor e os dois parassimpáticos são
exclusivamente seus. Os sensitivos visceral e geral são usados também por
outros nervos cranianos que ainda serão estudados.
Há três momentos a serem considerados sobre o trajeto do nervo facial.
O que acontece é que o nervo facial atravessa duas passagens no crânio para
sair dele. Ao emergir entre a ponte e o bulbo lateralmente ao nervo abducente
(VI NC), em um ponto de imenso valor clínico chamado ângulo ponto-cerebelar,
o nervo facial apresenta-se com dois componentes: um maior, a raiz motora
(o nervo facial propriamente dito), e um menor, o nervo intermédio (que irá
conduzir as fibras sensitivas e parassimpáticas citadas adiante). Os dois então
penetram uma passagem do crânio, o meato acústico interno,
PERMANECENDO NO INTERIOR DO CRÂNIO, entrando em um canal em Z
exclusivo do VII NC chamado canal facial, no interior da porção petrosa do
osso temporal. Isso confunde muitas pessoas, que passam a não entender as
informações seguintes: ao passar pelo meato acústico interno, a raiz motora e
o nervo intermédio fazem uma curva abrupta para trás (conhecida como joelho
do nervo facial, acompanhando o formato em Z do canal facial), se unindo para
formar o gânglio geniculado, um gânglio discreto que contém os corpos dos
neurônios sensitivos primários do nervo facial (novamente um "gânglio" que
fica DENTRO do crânio). Partindo do gânglio geniculado, o nervo facial (agora
unificado) emite alguns ramos (dos quais dois são importantes, o nervo petroso
18
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

maior e o nervo corda do tímpano, explicados adiante) e sai do crânio pelo


forame estilomastóideo. "Mas ele não tinha saído no meato acústico
interno?" Não. O nervo facial atravessa o meato acústico interno no
começo de seu trajeto, mas só sai do crânio ao passar pelo forame
estilomastóideo. Não se esqueça disso. Não se esqueça também que o nervo
facial emitiu alguns ramos antes de sair do canal facial, o que será retomado
adiante.
Cada tipo de fibra que percorre o nervo facial relaciona-se a um núcleo
diferente e tem um trajeto próprio. Iremos estudar os núcleos e ramificações
do nervo facial, assim, de acordo com cada função deste nervo. Lembre-se que
todos os ramos citados abaixo serão ramificações do nervo facial.
A função motora do nervo facial está ligada à inervação dos
músculos da expressão facial. As fibras com este fim partem do núcleo
motor do nervo facial, localizado na parte ventrolateral da ponte. Percorrem
a raiz motora do nervo, entram no canal facial e passam direto pelo gânglio
geniculado, saindo então pelo forame estilomastóideo. Preste atenção no que
acontece em seguida: elas atravessam a parótida, mas sem inervá-la. Isto
é, o nervo facial atravessa a parótida, mas não a inerva. Partem então do nervo
facial diversos ramos por onde essas fibras se dividem, indo inervar cada um
dos músculos ligados à expressão facial.
Em sua função sensitiva visceral especial, o nervo facial encarrega-
se pela inervação gustativa dos 2/3 anteriores da língua. Já foi dito que
o nervo trigêmeo faz a inervação sensitiva geral dos 2/3 anteriores da língua;
tem-se agora o responsável pela inervação gustativa desta região. Veremos que
o terço posterior da língua fica inteiramente a cargo do nervo glossofaríngeo
(IX NC), que faz no 1/3 posterior o que esses outros dois se dividem para fazer
nos 2/3 anteriores. Os corpos dos neurônios responsáveis por esta função do
nervo facial ficam no interior do gânglio geniculado. Seus processos periféricos
vão até a região referida da língua, enquanto os processos centrais se
estendem pelo nervo intermédio (lembre-se que, passado o gânglio geniculado
– da periferia para o centro –, há esta divisão) até o núcleo do trato
solitário, um núcleo de grande importância para as funções viscerais, situado
no bulbo. Este núcleo será compartilhado com os nervos IX e X, como veremos.
A função sensitiva geral do VII NC é bem simples: limita-se,
basicamente, a inervar a pontinha da orelha. Isto mesmo: o nervo facial auxilia
o trigêmeo inervando uma área mínima que, por algum motivo, o V NC deixa
passar. Trata-se de uma pequena área na pele da concha da orelha ao redor
da orelha externa. Alguns autores incluem também uma região da membrana
timpânica nesta função, mas é algo ainda discutido. O importante é saber que
os neurônios desta nobre (!) função encontram-se também no corpo
geniculado, e que seus processos periféricos desembocam no núcleo espinhal
do trigêmeo.
19
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Teste de memória: o que foi dito para você não se esquecer alguns
parágrafos acima? Parabéns para você que pensou: "que o nervo facial emite
alguns ramos antes de sair do canal facial". Pois bem, chegamos a eles: trata-
se da função parassimpática do nervo facial. Como dito, há dois núcleos
parassimpáticos que usam o nervo facial para transportar suas fibras pré-
ganglionares (este detalhe é importante; entenda mais sobre ele na seção
"entendendo a divisão craniana do sistema parassimpático"). Pelo núcleo
lacrimal (no interior da ponte) saem fibras que irão percorrer o seguinte
caminho: nervo intermédio -> gânglio geniculado (apenas passando, sem fazer
sinapse) -> nervo petroso maior 2 (ramo emitido no interior do canal facial, se
você guardou bem) -> nervo do canal pterigóideo (ao se juntar com o nervo
petroso profundo) -> gânglio pterigopalatino. Tem-se assim o fim de um
quebra-cabeça deixado incompleto no estudo do ramo maxilar do nervo
trigêmeo: se lembrarmos bem, do gânglio pterigopalatino (onde essas fibras
pré-ganglionares do nervo facial farão sinapse com os neurônios pós-
ganglionares) partem as fibras levadas pelo V2 para as glândulas lacrimais e
nasais. Essas glândulas são inervadas, portanto, por um trabalho conjunto
entre os nervos V e VII. O mesmo tipo de trabalho conjunto acontece também
com a outra via parassimpática do VII NC: do núcleo salivatório superior
(também na ponte) saem fibras parassimpáticas que cursam pelo nervo
intermédio -> gânglio geniculado -> nervo corda do tímpano (outro ramo
emitido no interior do canal facial) -> nervo lingual -> gânglio
submandibular. Mesmo raciocínio, com a diferença que agora as fibras pós-
ganglionares serão transportadas pelo ramo mandibular (V3) do trigêmeo,
como já foi dito no estudo do V NC, até as glândulas submandibulares e
sublinguais.
Conclusão sobre as funções parassimpáticas do VII NC: é correto afirmar
que o nervo facial inerva as glândulas lacrimais, nasais, submandibulares e
sublinguais? Não. Ele apenas faz a primeira metade deste trabalho, conduzindo
as fibras pré-ganglionares de cada uma dessas vias até os seus respectivos
gânglios. Para entender isso melhor, consulte a seção "entendendo a divisão
craniana do sistema parassimpático".
Se você não entendeu algo sobre o nervo facial, os resumos
esquematizados abaixo podem ajudar.

Fatos importantes sobre o VII NC:

2
"Mas é preciso decorar os nomes de todos esses ramos/nervos?" De forma alguma. Mas é de
grande utilidade entender esses caminhos. Se não estiver conseguindo entender o conteúdo
deste parágrafo, tente acompanhá-lo juntamente com uma figura do nervo facial de um atlas
de anatomia. Acompanhe e entenda o que é dito, sem a necessidade de decorar nada disso.
Grave apenas o que está em negrito.
20
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

1) Embora a função mais conhecida do nervo facial seja a motora (músculos da


expressão facial), ele tem ainda quatro outras funções – duas sensitivas e duas
parassimpáticas.
2) Além de sua função motora, a função clinicamente mais importante do VII
NC é a inervação gustativa dos 2/3 anteriores da língua (função sensitiva
visceral especial).
3) O nervo facial atravessa o meato acústico interno mas permanece dentro do
crânio, entrando no chamado canal facial (dentro do osso temporal). Só ao
passar pelo forame estilomastóideo que ele efetivamente sai do crânio.
4) O nervo facial atravessa a glândula parótida depois de sair do crânio, mas
não a inerva.
5) "Mas o gânglio geniculado serve só para abrigar os corpos de neurônios
sensitivos que fazem a gustação de parte da língua e a sensibilidade da
PONTINHA DA ORELHA?" Basicamente, sim. Veja alguma figura do nervo facial
para ver como este gânglio é pequeno. E ele serve também como passagem
para as demais fibras do nervo facial.
Palavras-chave: funções: motricidade dos músculos da expressão
facial, sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua, sensibilidade geral
de parte da orelha, condução de comandos para as glândulas lacrimais e
nasais, condução de comandos para as glândulas submandibulares e
sublinguais; núcleos (pela ordem citada de funções): núcleo motor do nervo
facial (ponte), núcleo do trato solitário (bulbo), núcleo espinhal do trigêmeo
(bulbo/medula cervical), núcleo lacrimal (ponte; fibras ao gânglio
pterigopalatino), núcleo salivatório superior (ponte; fibras ao gânglio
submandibular); pontos de passagem no crânio: meato acústico interno e
forame estilomastóideo.
Esquemas-chave:
1) Função motora (do centro para a periferia):
Núcleo motor do facial -> raiz motora (nervo facial propriamente dito) --meato
acústico interno (entra no canal facial)--> gânglio geniculado (sem sinapse; se
une com o n. intermédio) -> nervo facial unificado --forame estilomastóideo--
parótida--> ramos diversos -> músculos da expressão facial
2) Função gustativa (da periferia para o centro):
2/3 anteriores da língua -> nervo lingual3 -> nervo corda do tímpano4 --fissura
petrotimpânica5--> nervo facial unificado (no interior do canal facial) -> gânglio

3
Lembre-se da consideração feita na segunda nota de rodapé (²).
4
São os mesmos "nervo lingual" e "nervo corda do tímpano" citados nas vias parassimpáticas.
Eles levam as fibras parassimpáticas para o gânglio submandibular e trazem as fibras gustativas
da língua. Isso acontece porque a língua e o gânglio submandibular são extremamente
próximos.
21
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

geniculado (sinapse) --meato acústico interno--> n. intermédio -> núcleo do


trato solitário.
3) Função sensitiva geral (da periferia para o centro):
Pavilhão da orelha -> ramos do nervo facial -> nervo facial -> gânglio
geniculado (sinapse) --meato acústico interno--> n. intermédio -> núcleo
espinhal do trigêmeo.
4) Funções parassimpáticas (do centro para a periferia)
4.1) Núcleo lacrimal -> n. intermédio --meato acústico interno--> gânglio
geniculado (sem sinapse) -> nervo petroso maior --se une com o nervo petroso
profundo--> nervo do canal pterigóideo -> gânglio pterigopalatino (sinapse).
4.2) Núcleo salivatório superior -> n. intermédio --meato acústico interno-->
gânglio geniculado (sem sinapse) -> nervo corda do tímpano -> nervo lingual -
> gânglio submandibular (sinapse).
Nota: Antes de emergir no ângulo ponto-cerebelar, o nervo facial
contorna o núcleo do nervo abducente, produzindo o já mencionado "colículo
facial", que induz muita gente ao erro. Não há nenhum núcleo ligado ao nervo
facial neste ponto.
Síndromes:
A lesão do nervo facial na região do meato acústico interno pode
comprometer também o nervo vestibulococlear. Neste caso, a paralisia facial se
associa com perda do equilíbrio e queda na audição.
Uma lesão do facial antes que ele passe pelo meato acústico interno, ou
ainda antes que saia pelo forame estilomastóideo (no interior do canal facial),
pode também afetar as fibras parassimpáticas do nervo intermédio. O sintoma
mais característico neste caso é a perda da sensibilidade gustativa nos
2/3 anteriores da língua.
O quadro clássico da lesão do VII NC é a paralisia facial. Mas existem
dois tipos bem diferentes de paralisia facial: a paralisia facial central (ou
paralisia supranuclear) e a paralisia facial periférica (ou paralisia de
Bell). É fundamental que você entenda o esquema desenhado a seguir para
poder compreender as manifestações de cada uma; e é fundamental que você
entenda os seguintes dados para poder compreender o esquema: as fibras
córtico-nucleares da musculatura da face (que partem da região
correspondente à face no córtex motor primário) apresentam uma distribuição
peculiar em relação aos núcleos motores do nervo facial. Elas são bilaterais
(ou seja, homo- e heterolaterais) para os neurônios motores faciais
responsáveis pela metade superior da face, mas apenas heterolaterais
(isto é, cruzadas) para aqueles responsáveis pela metade inferior. Ou

5
Como o nervo corda do tímpano é emitido pelo facial antes que este saia do canal facial, o
referido ramo acaba saindo por uma abertura própria, chamada fissura petrotimpânica (vimos
que o canal facial fica no interior da porção "petrosa" do osso temporal – daí o nome).
22
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

seja: o córtex motor de cada lado inerva os neurônios do núcleo motor do facial
que irão inervar ambos os lados da metade superior da face. Por outro lado,

Figura 8.3 – Paralisias faciais. X.1 representa a área afetada pela lesão em 1 (paralisia facial central),
enquanto X.2 representa a área afetada pela lesão em 2 (paralisia facial periférica).

apenas o córtex motor direito inerva os responsáveis pela metade inferior


esquerda; e apenas o córtex motor esquerdo inerva os responsáveis pela
metade inferior direita. É por isso que na paralisia facial central (1) são
afetados apenas os músculos da metade inferior contralateral da face,
pois os da metade superior serão mantidos pelo córtex motor do lado não
lesado. A partir do núcleo motor do facial, todavia, não há mais cruzamento de

23
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

fibras: o nervo facial de um lado inerva as metades superior e inferior da face


do mesmo lado. E assim temos que a paralisia facial periférica (2)
acomete toda uma metade da face, sendo esta a metade homolateral em
relação ao nervo lesado. Diz-se que a paralisia facial central é contralateral
parcial e a periférica é homolateral total. Outro detalhe importante da paralisia
facial central é que, mesmo na região paralisada, pode ainda haver contração
involuntária da musculatura mímica como manifestação emocional (esses são
impulsos que não seguem pelo trato córtico-nuclear, já que não têm origem no
córtex motor primário). Ademais, todas as características da paralisia facial
central se assemelham àquelas da já estudada síndrome do primeiro neurônio,
enquanto a paralisia facial periférica equivale a uma síndrome do segundo
neurônio. Afinal os neurônios do núcleo motor do nervo facial nada mais são
que os "segundos neurônios" da via motora da face.

VIII NC: Nervo Vestibulococlear

O nervo vestibulococlear cumpre as duas funções sensitivas somáticas


especiais restantes (contando que a visão é feita pelo II NC): o equilíbrio e a
audição. É, portanto, um nervo unicamente sensitivo. Todos os raciocínios de
trajeto serão da periferia para o centro.
O VIII NC atravessa o crânio no meato acústico interno juntamente
com o nervo facial. E, como este, também não sai do crânio ao fazer isso.
Lembre-se disto: o meato acústico interno não comunica os espaços intra e
extracranianos, mas sim cavidades intracranianas distintas. Tecnicamente, na
verdade, o nervo vestibulococlear não sai de dentro do crânio em momento
algum, visto que alcança apenas estruturas do ouvido interno. Tem, não
obstante, todas as características do SNP, como bainha de mielina secretada
por células de Schwann – por isso é realmente um nervo (lembre-se da
situação referente ao nervo óptico, que na verdade é uma estrutura com
propriedades do SNC).
A travessia pelo meato acústico interno é de grande importância, pois é
o marco divisor entre o nervo vestibulococlear propriamente dito (unificado) e
suas duas divisões: o nervo vestibular e o nervo coclear. Possui seis núcleos:
quatro núcleos vestibulares (superior, inferior, medial e lateral – como uma
cruz) e dois núcleos cocleares (anterior e posterior, localizados ínfero-
lateralmente aos vestibulares). Todos esses núcleos ficam profundamente na
junção entre a ponte e o bulbo, na parte lateral do assoalho do IV ventrículo. O
nervo vestibular (individualmente, antes de penetrar o meato acústico interno)
possui um gânglio, o gânglio vestibular. O mesmo acontece com o nervo

24
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

coclear, que possui um conjunto de pequenos gânglios chamados em conjunto


de gânglio coclear.
Para entendermos o VIII NC, é fundamental que lembremos a diferença
entre um gânglio sensitivo e um núcleo sensitivo. No gânglio ficam os
neurônios sensitivos primários, que geralmente são pseudo-unipolares (como é
o caso dos nervos espinhais, nervo trigêmeo – gânglio trigeminal – e nervo
facial – gânglio geniculado). Com o nervo vestibulococlear, entretanto, é
diferente: seus neurônios sensitivos primários são todos bipolares, tanto os do
gânglio vestibular quanto os do gânglio coclear. No núcleo ficam os neurônios
do SNC que darão continuidade à via. Os gânglios do VIII NC estão perto das
estruturas que inervam, enquanto os núcleos estão dentro do tronco encefálico.
Tenha cuidado para não confundir as duas coisas.
O gânglio vestibular fica logo na saída dos canais semicirculares do
ouvido interno. Os processos periféricos dos neurônios aí situados vão até as
máculas do sáculo e utrículo (responsáveis pela noção de aceleração linear)
e as ampolas dos três ductos semicirculares (responsáveis pela noção de
aceleração rotacional). Os processos centrais formam o nervo vestibular,
que a partir do meato acústico interno passa a ser vestibulococlear. O nervo
vestibulococlear penetra então no tronco encefálico no ângulo ponto-
cerebelar, lateralmente ao nervo facial, permitindo que as fibras vindas do
gânglio vestibular façam sinapse nos núcleos vestibulares. Desses núcleos
partem fibras para três vias diferentes: o trato vestibuloespinhal (estudado no
capítulo de vias descendentes), o trato vestibulocerebelar (estudado no capítulo
do cerebelo) e o fascículo longitudinal medial, visto na seção de reflexos
integrados deste capítulo.
O gânglio coclear fica dentro da própria cóclea. Os processos
periféricos dos neurônios bipolares desse gânglio se estendem até o órgão
espiral, onde captam as ondas sonoras recebidas pelo ouvido. Seus processos
centrais formam o nervo coclear, que ao passar pelo meato acústico interno
se une ao vestibular e passa a ser vestibulococlear. Essas fibras continuam
então até os núcleos cocleares do tronco encefálico, onde fazem sinapse. Os
neurônios desses núcleos mandam fibras bilateralmente (e por isso a via
auditiva é bilateral) para o colículo inferior do mesencéfalo, cujos
neurônios por sua vez seguem para o corpo geniculado medial, no tálamo.
Do corpo geniculado medial partem enfim para a área acústica do córtex
cerebral, no lobo temporal.

Palavras-chave: funções: equilíbrio (porção vestibular) e audição


(porção coclear); núcleos: quatro vestibulares e dois cocleares (todos
lateralmente no interior da junção bulbo-pontina); ponto de passagem pelo
crânio: meato acústico interno.

25
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Síndromes:
As lesões do VIII NC (isto é, lesões que afetem o nervo já unificado,
após ter atravessado o meato acústico interno) causam zumbido e queda da
audição (pela compressão das fibras vindas do nervo coclear) e vertigem
(pela compressão das fibras vindas do nervo vestibular). Se a lesão for na
região do meato acústico interno ou no ângulo ponto-cerebelar, é provável que
haja também comprometimento dos nervos facial e intermédio (VII NC).
As lesões isoladas das fibras do nervo coclear podem causar
diferentes tipos de perda auditiva. A lesão periférica, isto é, quando se lesa o
próprio nervo coclear, causa surdez ipsilateral, pois o ouvido do lado lesado
não conseguirá mais captar nenhum som. Isso pode ocorrer, por exemplo, por
uma compressão tumoral. Existem dois tipos de surdez: a surdez de
condução (em que a lesão está na orelha externa ou média, como acontece
nos casos de otite média ou qualquer inflamação severa desta região) e a
surdez neurossensorial (quando o problema está na própria cóclea ou nas
vias auditivas). A lesão central das vias auditivas apenas reduz a audição de
ambos os lados, visto que são vias bilaterais desde a comunicação dos núcleos
cocleares com os núcleos do colículo inferior. A causa de uma lesão central
pode ser um AVE ou crescimento tumoral.

IX NC: Nervo Glossofaríngeo

O IX NC é um nervo misto, exercendo função sensitiva (aferente geral e


especial), motora visceral e parassimpática. Usa dois núcleos motores
(ambíguo e salivatório inferior) e um sensitivo (núcleo do trato solitário),
todos localizados no bulbo, sendo que apenas o salivatório inferior é exclusivo
deste nervo. Emerge no sulco posterior lateral do bulbo e penetra o crânio
no forame jugular, onde forma dois gânglios sensitivos: o gânglio superior
e o gânglio inferior (geralmente o superior fica para dentro do crânio e o
inferior, logo abaixo, fica já fora do crânio). Nesses gânglios ficam os corpos
celulares pseudo-unipolares dos componentes sensitivos deste nervo, citados a
seguir.
Transportando fibras que partem do núcleo ambíguo, o nervo
glossofaríngeo é motor visceral especial para o músculo estilofaríngeo. Tem,
assim, a função de regular a faringe durante a deglutição e a fala.
Fibras sensitivas especiais do paladar que inervam o terço posterior
da língua seguem pelo IX NC até o núcleo do trato solitário. O nervo
glossofaríngeo transporta também as fibras da sensibilidade geral do terço
posterior da língua, e portanto é responsável tanto pela sensibilidade

26
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

gustativa quanto geral do 1/3 posterior da língua. Entende-se assim a grande


importância do nervo para o reflexo do vômito.
Além do terço posterior da língua, o IX NC veicula também a
sensibilidade geral da orelha interna, orofaringe, istmo das fauces,
tonsila palatina e palato mole, complementando assim o trigêmeo na
sensibilidade geral da cabeça. Através do nervo do seio carotídeo (um de seus
ramos), transporta as informações geradas nos quimiorreceptores e
barorreceptores do seio carotídeo, responsáveis por medir o nível de O2
circulante e a pressão sanguínea arterial.
É ainda parassimpático, transportando as fibras pré-ganglionares do
núcleo salivatório inferior até o gânglio ótico, de onde partirão fibras pós-
ganglionares pelo NC V3 até a glândula parótida. Não é totalmente correto
falar, portanto, que o nervo glossofaríngeo "inerva a parótida". Ele participa da
via que inerva a parótida, sendo o componente inicial desta via (o que, no caso
do sistema parassimpático, de fato representa a maior parte).

Síndromes:
As lesões do IX NC são raras e geralmente imperceptíveis. Pode haver
perda do paladar no 1/3 posterior da língua, perda do reflexo do vômito no lado
lesado ou ainda piora na deglutição pela fraqueza ipsilateral do m.
estilofaríngeo.
Geralmente é acometido juntamente com os nervos cranianos X e XI
(que, como será dito, também atravessam o forame jugular), caracterizando a
síndrome do forame jugular.
A neuralgia do glossofaríngeo é rara e de causa desconhecida. Consiste
em uma dor intensa abrupta desencadeada pela deglutição, protusão da língua,
fala ou toque da tonsila palatina.

X NC: Nervo Vago

O vago é o mais longo dos nervos cranianos, e por isso tem esse nome:
significa errante, pois ele percorre sozinho as cavidades torácica e abdominal.
É também um nervo misto: é motor (eferente visceral especial), sensitivo
(aferente geral e especial) e parassimpático (eferente visceral geral). Emerge
do sulco lateral posterior do bulbo inferiormente ao nervo glossofaríngeo e
atravessa o forame jugular, formando aí seu gânglio superior. Um pouco
mais abaixo, forma também o gânglio inferior. O funcionamento é o mesmo
dos gânglios do IX NC.
O núcleo do trato solitário, no bulbo, tem duas divisões. A parte
superior é também conhecida como núcleo gustatório, pois recebe as

27
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

informações de paladar vindas dos nervos VII (2/3 anteriores da língua) e IX


(1/3 posterior), como já foi explicado. Recebe também informações do X NC,
que é responsável pelo paladar na epiglote. A parte inferior, por sua vez,
recebe principalmente as fibras aferentes viscerais gerais do nervo vago. O X
NC é responsável pela sensibilidade geral da parte inferior da faringe,
laringe e órgãos torácicos e abdominais.
Do núcleo dorsal do vago, profundamente ao trígono do vago (visível
no assoalho do IV ventrículo), partem as fibras parassimpáticas para as
vísceras torácicas e abdominais.
O X NC é ainda motor para o palato mole, faringe (músculos
constritores médio e inferior) e músculos intrínsecos da laringe. Este último
item é de grande importância, pois por esse motivo o nervo vago regula a
fonação, através de seu ramo chamado nervo laríngeo recorrente. As
fibras motoras para essas estruturas partem do núcleo ambíguo.

Síndromes:
Como o nervo vago é longo e repleto de ramos com finalidades
diferentes, suas lesões podem causar sintomas variados.
Uma lesão do nervo laríngeo superior (ramo do vago) causa
anestesia da parte superior da laringe e paralisia do músculo cricotireóideo, o
que faz o paciente ficar com voz fraca que gera um grande desgaste.
Lesão do nervo laríngeo recorrente, se for unilateral, causa
disfonia (rouquidão) por paralisar as cordas vocais. Se a lesão for bilateral,
há afonia (perda completa da voz) e estridor inspiratório (ruído rude e
agudo sempre que o doente inspira). As causas mais comuns de lesão do n.
laríngeo recorrente são: aneurisma do arco da aorta, cirurgias do pescoço,
câncer da laringe ou da tireóide.

XI NC: Nervo Acessório

É um nervo motor responsável pelos músculos esternocleido-


mastóideo e trapézio. O núcleo do nervo acessório é o conjunto de uma
coluna de neurônios motores do corno anterior dos cinco ou seis segmentos
cervicais superiores da medula. Seus ramos ascendem de cada um desses
segmentos e vão se unindo até formar o nervo acessório, entrando no crânio
pelo forame magno e atravessando então o forame jugular para alcançar os
músculos inervados.

28
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Estudos recentes demonstraram que a antiga "raiz craniana" do nervo


acessório não existe efetivamente no ser humano, sendo na verdade uma parte
do nervo vago (Lachman et al., 2002, p. 4; Moore et al., 2007).

Síndromes:
Lesões do nervo acessório causam queda do ombro.

XII NC: Nervo Hipoglosso

É um nervo motor para os músculos extrínsecos e intrínsecos da


língua. É fundamental, portanto, para a mastigação, deglutição,
articulação da linguagem e qualquer coisa que envolva movimentos da
língua. Suas fibras partem do núcleo motor no trígono do hipoglosso, no
assoalho do IV ventrículo.
O XII NC emerge do sulco lateral anterior do bulbo – é o único a
emergir anteriormente à oliva bulbar, enquanto os nervos IX e X emergem
posteriormente a ela. Atravessa o canal do hipoglosso para chegar à
musculatura da língua.

Síndromes:
Lesões do nervo hipoglosso causam paralisia da metade ipsilateral
da língua. Há desvio da língua para o lado paralisado, pelo mesmo
raciocínio do que acontece com a mandíbula na lesão do trigêmeo: o lado
intacto permanece em contração, enquanto o lado lesado "amolece"; a
estrutura então se rebaixa pendendo para o lado em que a falta de tração gera
falta de apoio.

Entendendo a divisão craniana do sistema parassimpático

Este tópico não é estritamente fundamental, mas ajuda muito a entender


vários pontos importantes ditos neste capítulo. Se você estiver estudando às
vésperas da prova, pule esta seção. Caso contrário, dê alguma atenção a ela:
entender o sistema nervoso autônomo é um conhecimento valioso não só para
as provas de neuroanatomia, mas principalmente para sua formação médica.
Envolvem-se com a divisão craniana do sistema parassimpático os nervos
cranianos III (oculomotor), V (trigêmeo), VII (facial), IX (glossofaríngeo) e X
(vago). Mas você entende o que é o sistema parassimpático? Entende o que é o
sistema nervoso autônomo? O entendimento de uma coisa depende
irrevogavelmente da outra. Para que você não precise decorar nada ligado às

29
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

funções parassimpáticas dos nervos cranianos, preste atenção e tente entender


a breve revisão que se segue sobre o sistema nervoso autônomo.
O sistema nervoso autônomo (SNA; ultimamente mais chamado de
sistema nervoso vegetativo) é o componente eferente (isto é, motor) do
sistema nervoso visceral (SNV). Ele serve para manter a homeostase, através
do controle das glândulas, musculatura lisa e estriada cardíaca. Possui três
divisões: sistema simpático, parassimpático e entérico. O entérico está limitado
a neurônios com ação local do TGI; nosso foco agora ficará restrito aos outros
dois. Existem diversas diferenças funcionais entre os sistemas simpático e
parassimpático, como contrair versus dilatar a pupila, embora em alguns casos
eles possam se complementar. O mais importante para se entender o que
vemos nos nervos cranianos, entretanto, é a diferença anatômica entre eles.
Uma das diferenças mais fundamentais entre as vias do SNA (tanto simpático
quanto parassimpático) e as do sistema nervoso somático (SNS: primeiro e
segundo neurônios motores) é que no SNA o neurônio motor central não se
liga diretamente ao órgão efetor. O "segundo neurônio" da via que parte
do córtex motor, no SNS, está no corno anterior da medula, ou seja, dentro do
SNC. Isso que significa ser um "neurônio central". No caso do SNA, os
neurônios localizados dentro do SNC não enviam suas fibras diretamente ao
músculo ou glândula, mas sim a neurônios periféricos aglomerados em um
gânglio. Já estudamos os gânglios sensitivos dos nervos periféricos. Pois bem:
estamos vendo agora um caso de gânglios motores. No caso do sistema
simpático, os gânglios utilizados pelos neurônios centrais se organizam
paralelamente à medula, formando um tronco simpático de cada lado. No
caso do sistema parassimpático, o gânglio relativo a cada órgão a ser inervado
se localiza nas proximidades do próprio órgão. Há então, em cada caso, dois
neurônios de importância fundamental: o neurônio central (também conhecido
como neurônio pré-ganglionar) e o neurônio periférico (ou neurônio pós-
ganglionar). O sistema simpático é a divisão toracolombar do SNA, pois os
núcleos de seus neurônios centrais estão todos no já estudado corno lateral
(ou coluna intermédio-lateral) da medula, existente entre os segmentos T1 e L2
(porção toracolombar da medula). No caso do sistema parassimpático,
chamado de divisão craniossacral do SNA, os neurônios centrais estão em
núcleos dispersos no tronco encefálico (parte craniana; citados ao longo
deste capítulo) e em núcleos na coluna lateral que volta a existir entre os
segmentos S2 e S4 da medula (parte sacral). Tanto o sistema simpático quanto
o parassimpático podem – teoricamente – inervar estruturas em qualquer lugar
do corpo, pois as fibras dos neurônios pré-ganglionares (no caso do sistema
parassimpático, em que estas fibras são maiores: lembre-se que os gânglios do
parassimpático ficam ao lado do órgão-alvo) ou pós-ganglionares (no caso do
sistema simpático, em que os neurônios pré-ganglionares percorrem apenas um
curto espaço até o tronco simpático) podem se estender o quanto for

30
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

necessário para atingir algum local. Os termos "divisão toracolombar" e "divisão


craniossacral", portanto, se referem apenas à localização dos núcleos de cada
um.
O que estudamos acerca dos eferentes parassimpáticos dos nervos
cranianos, assim, nada mais é que a parte craniana do sistema parassimpático.
Dos núcleos, no tronco encefálico, partem fibras parassimpáticas pré-
ganglionares que pegam "carona" em algum dos nervos cranianos (e suas
várias ramificações) até atingir seu respectivo gânglio. Do gânglio, novas fibras
pegam carona (no mesmo nervo craniano ou não) para ir até o órgão-alvo. No
esquema abaixo, entenda que antes de chegar no gânglio são as fibras pré-
ganglionares, e a partir do gânglio são as fibras pós-ganglionares. Não
confunda os gânglios parassimpáticos (ciliar, pterigopalatino, submandibular e
ótico) com os gânglios dos próprios nervos cranianos (ex.: gânglio geniculado
do VII NC).

Parte craniana do sistema parassimpático:


* = pouca importância gravar (ramos dos nervos cranianos)
1) Inervação dos olhos (m. esfíncter da pupila e m. ciliar):
Núcleo de Edinger-Westphal --III NC--> gânglio ciliar --nervos ciliares
curtos*--> pupila e corpo ciliar
2) Inervação das glândulas lacrimais e nasais
Núcleo lacrimal --VII NC (n. intermédio->gânglio geniculado->nervo petroso
maior*->nervo do canal pterigóideo*)--> gânglio pterigopalatino --NC V2
(ramo maxilar do trigêmeo)--> glândulas lacrimais e nasais
3) Inervação das glândulas salivares
Núcleo salivatório superior --VII NC (n. intermédio->gânglio geniculado-
>nervo facial->nervo corda do tímpano*)--> gânglio submandibular --NC V3
(ramo mandibular do trigêmeo)--> glândulas submandibular e sublingual
Núcleo salivatório inferior --IX NC (n. glossofaríngeo->nervo timpânico*-
>plexo timpânico*->nervo petroso menor*)--> gânglio ótico --NC V3 (nervo
auriculotemporal*)--> glândula parótida
4) Inervação das vísceras tóraco-abdominais
Núcleo dorsal do vago --X NC--> gânglios diversos espalhados pelo corpo ->
vísceras torácicas e abdominais
Núcleo ambíguo --X NC--> gânglios cardíacos -> coração, esôfago e vias
aéreas superiores (complementa a inervação vinda do núcleo dorsal do vago)

31
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

Reflexos integrados

Vimos que cada nervo craniano possui um ou mais núcleos,


representando as funções específicas de cada um. Vimos também que esses
nervos podem trabalhar tanto como vias aferentes (sensitivas) quanto eferentes
(motoras). Quando esses três fatores (vias aferentes, núcleos e vias eferentes)
atuam em conjunto sem a necessidade de modulação de estruturas superiores
(como o córtex cerebral), tem-se o que é chamado de conexões reflexas dos
nervos cranianos. Essas conexões só são possíveis mediante três fatores: 1)
uma via aferente que traga a informação sensitiva que desencadeará o reflexo;
2) ao menos um núcleo, para que haja a interpretação dessa informação
sensitiva e para que seja gerado um impulso eferente em resposta a esse
estímulo; 3) uma via eferente para levar o impulso gerado até o órgão efetor
(músculos ou glândulas).
Como foi visto, cada nervo craniano se liga a um núcleo para exercer
funções distintas. Assim sendo, por motivos óbvios, os núcleos dos diferentes
nervos precisam se integrar para que seja possível gerar reflexos envolvendo
causas e consequências diferentes. Essa integração pode ser feita de duas
formas: pelo fascículo longitudinal medial ou pela formação reticular. Já
vimos outras funções da formação reticular, e essa é apenas mais uma delas.
Com o fascículo longitudinal medial, entretanto, esta é uma palavra-chave:
conexão. Conexão de quê? Dos núcleos dos nervos cranianos. Não se esqueça
disso. Lembre-se sempre, nos reflexos descritos abaixo, que os núcleos
envolvidos (se houver mais de um) comunicam-se sempre ou pelo fascículo
longitudinal medial ou por feixes da formação reticular.
O reflexo mandibular (ou mentual) envolve apenas núcleos do nervo
trigêmeo, e tanto a via aferente quanto a eferente são feitas por ele (já que o V
NC é responsável tanto pela sensibilidade quanto pela motricidade da região
mandibular). Respondendo ao estiramento dos músculos da mastigação, os
fusos neuromusculares (aqueles mesmos responsáveis por gerar a
propriocepção estudada nas vias medulares) mandam um sinal aferente pelo
trigêmeo (ramo V3) até o núcleo mesencefálico do V NC (se você se lembrar
bem, vimos que ele é o núcleo responsável pela propriocepção desses
músculos). O núcleo mesencefálico se comunica então com o núcleo motor do
V NC, de onde sai o impulso eferente pelo trigêmeo para que haja a contração
dos músculos da mastigação, fazendo com que a boca se feche. Ou seja, é um
reflexo miotático semelhante ao patelar, mas que começa e termina no mesmo
lugar. Pode ser pesquisado percutindo-se o mento de cima para baixo, com a
boca entreaberta (se o reflexo estiver funcionando, ela voltará a se fechar
automaticamente). É um reflexo importante para manter a boca fechada
naturalmente (respondendo à força da gravidade), bem como para manter o
movimento da mastigação em um modo automático durante a alimentação.
32
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

No reflexo corneano (ou corneopalpebral), a aferência é feita pelo V


NC e a eferência pelo VII NC. O que é uma conclusão óbvia: a sensibilidade do
olho é feita pelo trigêmeo, e a motricidade dos músculos da face (incluindo o
orbicular do olho) pelo facial. De uma forma geral os reflexos dos nervos
cranianos são perfeitamente deduzíveis, se você souber bem sobre cada um. O
toque na córnea gera um estímulo que segue pelo trigêmeo (ramo V1) até os
núcleos principal (pelo tato fino) e espinhal (pelo tato grosso e pela dor) do
trigêmeo. Esses núcleos se comunicam bilateralmente (fibras cruzadas e não
cruzadas) com os núcleos motores do facial; isto é, cada núcleo do trigêmeo
manda fibras para os dois núcleos (um de cada lado) do facial. O impulso motor
segue então pelo nervo facial até a parte palpebral do músculo orbicular do
olho de cada lado, fazendo com que os olhos se fechem. A consequência da
conexão bilateral entre os núcleos do V NC e do VII NC é a seguinte: se houver
lesão apenas de um trigêmeo (ou seja, de um lado), será abolido o reflexo dos
dois olhos quando se estimula o olho do lado lesado – já que não haverá
aferência nenhuma por esse estímulo –, enquanto o reflexo estará normal nos
dois olhos quando se estimula o olho normal – já que a eferência (o nervo
facial) dos dois lados está mantida. Se, por outro lado, houver lesão de apenas
um nervo facial, será abolida a resposta do lado lesado independentemente do
olho tocado.
O reflexo lacrimal acontece por vias semelhantes ao reflexo corneano,
com a diferença de que as conexões centrais são entre os núcleos do trigêmeo
e o núcleo lacrimal, que conduz o impulso parassimpático pela via já explicada
(nervo intermédio -> gânglio geniculado -> ramos do nervo facial -> gânglio
pterigopalatino --nervo V2--> glândula lacrimal). É, portanto, um reflexo
somatovisceral: começa como impulso somático e termina como impulso
visceral (parassimpático).
Para entender o reflexo de piscar basta raciocinar o que acontece:
você pisca porque viu algo potencialmente nocivo em relação aos seus olhos. O
estímulo do reflexo, portanto, é visual. A aferência há de ser – e é – pelo nervo
óptico (II NC), partindo da retina. Mas ao invés de seguir o caminho tradicional
do nervo (n. óptico --quiasma óptico--> trato óptico -> corpo geniculado
lateral), as fibras para este reflexo seguem um caminho secundário feito pelas
células da retina: são as chamadas fibras retino-tectais (ao passo que as da
visão propriamente dita são as retino-geniculadas). Essas fibras se destacam do
trato óptico pelo braço do colículo superior, chegando enfim ao colículo superior
propriamente dito. Dos núcleos do colículo superior, a via pode ter dois destinos
diferentes: a) se for um estímulo fraco a moderado, os núcleos do colículo
superior se comunicarão com o núcleo motor do nervo facial, de onde partirá a
eferência motora pelo nervo facial para o músculo orbicular do olho, como
acontece no reflexo corneopalpebral; b) se for um estímulo muito forte, haverá
ainda (além do contato com o núcleo motor do VII NC) uma eferência direta do

33
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

colículo superior pelo trato tecto-espinhal (já estudado) até os núcleos motores
no corno anterior da medula, para a realização de movimentos corporais.
O reflexo vestíbulo-ocular começa no ouvido interno. Os receptores
nas cristas dos canais semicirculares do ouvido interno detectam o movimento
da endolinfa e geram uma aferência que segue pela via vestibular tradicional:
gânglio vestibular --nervo vestibular-(passagem pelo meato acústico interno)-
nervo vestibulococlear--> núcleos vestibulares. Dos núcleos vestibulares partem
fibras pelo fascículo longitudinal medial para os núcleos dos nervos envolvidos
com os movimentos oculares: núcleos do nervo oculomotor (III NC), troclear
(IV NC) e abducente (VI NC). Por esses nervos partirá a eferência motora que
ajustará os olhos. Este reflexo serve para manter a fixação do olhar mesmo que
a cabeça se mova. Se o estímulo for exagerado, poderá haver nistagmo
(movimento ocular oscilante).
O reflexo fotomotor tem um raciocínio parecido com o de piscar: o
estímulo se dá pela luz, e portanto a aferência é pelo nervo óptico. "Motor" se
refere à constrição da pupila (miose) diante do estímulo luminoso. A eferência
é, portanto, pelo nervo oculomotor, que parte do núcleo de Edinger-Westphal
(ou núcleo visceral do oculomotor) para fazer a inervação parassimpática da
pupila, chegando ao músculo esfíncter da pupila. A particularidade da via deste
reflexo é que as fibras da retina, embora cheguem ao corpo geniculado lateral,
passam por ele sem fazer sinapse e ganham o braço do colículo superior para
chegar aos chamados neurônios pré-tectais. A importância desses neurônios é
que eles enviam fibras de duas formas: a) de forma direta para o núcleo de
Edinger-Westphal do mesmo lado, gerando o chamado reflexo fotomotor
direto (do mesmo lado estimulado); b) de forma cruzada – cruzando pela
comissura posterior, estudada no capítulo do diencéfalo – para o núcleo de
Edinger-Westphal do lado oposto, gerando o reflexo fotomotor indireto (ou
consensual). Sendo portanto uma via bilateral, o raciocínio das lesões deste
reflexo é o mesmo do reflexo corneano. Se há lesão de um nervo óptico, além
de haver cegueira monocular, haverá também abolição do reflexo fotomotor
(tanto direto quanto indireto) quando se ilumina o olho do lado lesado, pois não
mais haverá aferência por esse estímulo; o estímulo no olho do lado
preservado, por outro lado, causará miose reflexa nos dois olhos (pelo
cruzamento na comissura posterior). Se a lesão for em um nervo oculomotor, a
miose reflexa será abolida no olho do lado lesado independentemente de qual
olho seja estimulado, ao passo que a pupila do olho do lado preservado
continuará a se contrair mediante estimulação de qualquer um dos olhos.
O reflexo do vômito começa por aferência principalmente dos nervos
IX (glossofaríngeo) e X (vago), que levam estímulos de possíveis agressões ao
núcleo do trato solitário. Este núcleo se comunica com os neurônios de uma
região vizinha a ele, chamada área postrema (o "centro do vômito"), de onde
partem informações para três destinos: núcleo dorsal do vago, formação

34
Capítulo 8 – Nervos Cranianos

reticular e núcleo do hipoglosso. Essas três regiões enviam eferências que


resultam nas manifestações deste reflexo: abertura da cárdia e fechamento do
piloro (para que a pressão no estômago se dê de forma ascendente), contração
do estômago, contração do diafragma, contração da parede abdominal (o
aumento na pressão intra-abdominal é o principal fator que gera o impulso
ascendente) e protusão da língua.

"A verdadeira maravilha da ciência


não está na sua habilidade de explicar o universo,
mas sim na capacidade de formular novas questões.‖
— autor desconhecido

Referências
1. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2006.

2. Moore KL, Dalley AF. Anatomia Orientada para a Clínica. 5th ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.

3. Rubin M, Safdieh JE. Netter Neuroanatomia Essencial. 1st ed. Rio de Janeiro:
Elsevier; 2008.

4. Lachman N, Acland RD, Rosse C. Anatomical evidence for the absence of a


morphologically distinct cranial root of the accessory nerve in man. Clin Anat
2002; 15(1): 4-10.

35

Você também pode gostar