Você está na página 1de 223

Obras Raras Fiocruz

O acervo digital de Obras Raras Fiocruz surgiu para colocar em prática o conceito de preservação e acesso às
publicações existentes na Seção de Obras Raras da Biblioteca de Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz,
que constitui um componente estratégico para a consolidação da memória institucional e para a História
do Brasil.
A gestão do acervo integra as atividades do Laboratório de Digitalização de Obras Raras, criado pelo
Multimeios, pólo de desenvolvimento na área de Artes e Design do Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (Icict). O laboratório iniciou seus trabalhos em 2010 com
auxílio do Programa de Indução à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (PIPDT).
Alinhada à Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, a disponibilização do acervo busca garantir à
sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral da obra digitalizada, visando à socialização
do acesso igualitário aos documentos que por sua raridade e delicado estado de conservação não podem ser
manuseados para consulta.

Orientações para o uso


Esta é uma cópia digital de um documento (ou parte dele) que pertence a um dos acervos da Fundação
Oswaldo Cruz. Trata‐se de uma referência a um documento original. Neste sentido, procuramos manter
a integridade e a autenticidade da fonte, não realizando alterações no ambiente digital – com exceção de
ajustes de cor, contraste e definição.
O Obras Raras Fiocruz assegura a você ou à sua instituição, o direito não exclusivo e não transferível de
poder utilizar os textos, as imagens ou vídeos disponíveis para download dentro dos seguintes termos:

1. Você pode utilizar esta obra apenas para fins não comerciais
Os livros, textos e imagens que publicamos no Obras Raras Fiocruz são todos de domínio público, no
entanto, é proibido o uso comercial dessas imagens.
2. O que você não pode fazer
Sublicenciar ou revender livros, textos e imagens do Obras Raras Fiocruz ou partes deles.
Distribuir livros, textos e imagens do acervo do Obras Raras Fiocruz eletronicamente ou fisicamente.
Omitir os créditos do autores Obras Raras Fiocruz, bem como dos autores.
3. Atribuição
Quando utilizar este documento em outro contexto, você deve dar crédito ao autor (ou autores), ao Obras
Raras Fiocruz e ao acervo que detém a guarda da obra, da forma como aparece na ficha catalográfica
(metadados).
4. Direitos do autor
No Brasil, os direitos do autor são regulados pela Lei n.º 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Os direitos do
autor estão também respaldados na Convenção de Berna, de 1971.

Obras Raras Fiocruz


Acer vo Di gi tal de Obr as Rar as e E s p eciais
,..
{
,

'!'\
1
1

1

'I
. l- .
l
EPILEPSIA E CRIME

..'
~
f

...
;
q'
AFRANIÓ-PEIXOTO

:F'1:iefaciado
pelos
tll's, ]'!ina l\odl'i~ues e Julie.noJV!ol'eire.

DA -lllA
V . Oliveir a & Comp .- Edictores
]:) P ,·nçn elo Co m m cl'r·io ] :\

18 9 8
'.

1;
\
\
1
1

•,--:L
• 1

-,

.,
Pllblicando o pr·esenfo il'abal/10, obedecemos ao incitam ento
do E x m . Sr. Professor Nina Rodrig11es, oper oso cultor elas
Zett:raspat,·iw;, qice, em ~arta com que nos honr·ou,-fe::;
-nos delle
o m el!tol' encomio . .
Transcreven ~os abaixo treçlws d a l'qf e,,icla carta, a
melhor ,,ecomm enclação qlle podia ter o Sr. D,· . Aj)·ani o
Pe ix oto . ,
«Bahia , 20 de N ovem lwo ele 1807 -Sr s. Vi cent e ele Olioeirn
f C.-T enho insistido co,11 o Dr. P eix oto p al'a que fa ça a
publica ção da sua tliese sob a forma de llma m onog,.aphia que
possa sei' exposta á venda.
O conhecimento que tenho elos esllldos elo n,..P eix oto, do
plano de seu trabalho, ela op,portunida cl'3elo asswnpto lel'Ct-me
a gm·anti,.~lhes que essa tentativa dal'á os m elho,.es 1·fsultado s
e que ·os S 1·s. prestarão assim. um ex cellenle servi ço áa lettras
palrias. Se julgarem opportuno poderã o JJllblicar, a gui za d e
apre~enlação do livl'o, uma Ligeira apr eciação minha , que -a
lenho de escrever para a R evista de Medicina L egal.
O Dr. Peixoto relnla ,pol' ém, e se comp,· elirnde que o.faça ,
porque n(i,o hade ser elle quem /iade fa :::,e ,. o elogio de seu
tr·abalho. Tomei por- isso a libel'dad e de escl'eVP.1'-lhe s conci -
tando -os a prestar-no s esse sel'viç o, que p ode deix ar até lucl'os
· pecuniarios . Tenho alguma éxp e,·iencia destas pubti caçDes e do
meio a que ellas se dirigem. l:.'stou pois _habilitado a ga ranlil'-
lhes que apa1·te o valo r· f!.cientiflco do trabalho , que é grande ,
II

tem elle o de (a:;er successo, o que é essencial no ponto de


cisla prati co.

Ced o de {jlle os Sr.~. aproveitarão o ensejo de J)l'esta,· wn


excellenle sel'viço ás nos.~as letll'as, acl'edito que dou-lhes
opp o,.tuniclade de.faz e,. rim negocio ,·egular, senâo ,·endoso.
Sou coni alt1, consicleraçâo ·de V~. Ss. - - Attento C,·iado e
Olirigaclo-Ni na R od,.igues. •

Bahia - 1808.

,J
Melhor do que nesta .formula-EPILEPSIA E CRIME-,
seria dijficil synthetisar com mais laconismo todo um pro -
gramma de tl'anséedentes problemas sociaes .
A deg eneração hllmana, con :·egaencia indifferente de
simpl es accidenles, de innam eros estados mor~idos, e ainda .o
termo f ,ital de toda ·sort e de excessos, phy sicos, intellectaaes -
.ou inol'a es, mir em elles a realisação dos mais elevados inten-
tos, a dedi caçcio ás . causas mais santa~, a abnegação _mais
altruí stas, tendam ao contrario a sati sfação dos instinctos
mai s egoi sta, a f:(lciaçcio das paixõ es mai s abjectas, ao desre-
gramento da vida mai s crapulo sa. Bem merecido e o quali-
ficativ o qne lhe dão de suprema niveladora das desigualdades
socia es.
Pag ar am-lhe o tribulo ela sua decadencia as mdis bri-
lhante s civitisações de que dá conta a his toria, a.~mais afama-
das casas r einante s, as cerebraçõ es mai s polentes e previlegia-
das ; como de continuo o está pagando a população anonyma
e desconhecida, depurada dos invalidos, clebeis e incapazes pela
continua acção select '!l'a dos hospícios e prisões .
Mas o crime,-e ssa manif estação da inadaptação ao
regímen das leis que regulam a convivencia social e por sem
duvida tribularia da degenera.ção,-pode acasos~rreduzido ao
ma.is violento e aggressi:;o dos typos· degenerativos de caracte r
patlwlogico,-CJ, epilepsia ?
Foi o problema que o Dr. A(ranio Peixoto se p1'opoi a
(!Xaminar no seu trabalho,
II

Não nos propomos a indagar agni si e até onde conseguiu


o aucto,· satisfaze r o seu intento. Profundo dissenlimenlo delle
nos separa ainda nos pontos mais capitaes do assumpto,
assim no conceito da degeneraçã~ como no da unidade da
epilepsia , nas siras idéas criminalogicas çomo nas relações
estabelecidas entre os fac/or es-crime e degeneração.
Jvfuito dioersa ele uma analu se ou da critica ela obra, é,
porém, a intenção que dieta estas linhas.
A parte o que em todos os nossos dissenlimentos pode
!iaoer de uma simples dioergencia ele opiniões scientificas,
mesmo .feita a conta ao que no trabalho possa hav er de
indeciso ou exagge rado por força dos faceis enlhusiasmos
da estreia, ainda sobeja no lioro bastante merecimento para
justificar a sua ap,·esentação e- recommendação aos poucos
que no nosso paiz se interes sam seriamente por assumplos
scientifi,cos.
Ha pelo menos em toda a obra uma nota digna de elogio,
é o-lorvt de inclioidualidade que a anima.
Na vivacidade, por vezes exaggerada, das criticas e dos
ataqrie3 se descobre .facilmente o esforço louvaoel de quem
quer pensar por si, ter opinião propria sobre cada um dos
termos da discussão e dos debates e·o seu assumpto oull'a
cousa ncio é mais do que uma serie de ques tões largam ente
controvertidas .
D'ahi outro motivo de recommendaçcio do lioro.
Para se appropriar o assumpto, para analysal-o e cri-
III

.ticat·foi mister g1·andes leituras que na obra se condensam


em uma boa exposição do estado actual da questão, sendo
.que se pode considerar o imico trabalho brasileiro sàbre a
materia.
Como estreia não podia ser mais p;·omissora; c~~o ôbra
,de combate, corrigidas ligeii as lacunas, tem di,,eito a figurar
0

entre as que mais merecem.


Aos cornpetentes e interessados, a determinação exacta
.do valor scientífico da polemica.

Bahia - Março -1 898 .

~l~na, ffi.o~Ú~ue~.
Professorde MedicinaLegal
1

1,.,-
i!
Instado pelos Srs. Oliveiras, editores deste trabalho, para
antepor mais uma ap,·esentação ao texto do mesmo, arrisquei-
me a vi; Jóra do circulq de retrahimento que me impõe o ·
serio conhecimento que tenho de mim proprío.
O distincto Professor Nina Rodrigues, apezar das pro-
fundas divergencias que o separam das opiniões aqui exaradas,
aconselhou aos 1·ejeridos editores pÚblicassem uma edição do
presente estudo, com o que, prestariam serviço aos que ainda
têm nesta terra animo para ler.
Dispensaveis, muito excusadas mesmo, eram estas linhas,
por isso que vai o liv,·o precedido da recommendação do escrip-
tor, porventura mais afanoso dos que ainda roteiam entre nós
as glebas da sciencia, e c1,jo incoercível esfo1·çose impõe á ·nossá
admit·ação, mesmo quando syntetisa sem esmerilhar até onde
devera.
Porém, se não resi.~ti á~ inslancias dos mencionados Snrs.,
foi po rque em o lrabal/10presente, vejo ideias muito accordes
com as que ell tenho con$_eguidoter sobre varias pontos do
assumpto delle. Dahi o deixar eu de criticar pequends minucias
em que divirjo do pensar do autor .
Demais, nã9 sei .qepor.foi'ça da idade, que em mim não
é ainda aquella que ele orclinario t1e sente · qem em mostra r
sentémentos postiços , em commungar com acanhadas conveni-
encias, em alardear re~peito a convenções perniciosas, em
agachar-se com dobrez q,,ando se jaz p1·eciso pôr peito á vaga
ruidosa de uma opinião mendaz, venha e-Ua embora da mais
II

wmpacta elas multidões, em sophismar quando e preciso


deitai' um feixe de luz diaphana e serena da verdade sobre
pontos em litigio, não sei, repito, se pol' tudo ísto, eu sinto-me
bem ao ler os modos francos, sem reticencias, com os quaes o
-nr. A . P eixoto diz o que pensa, mosirando que não tem cere-
bro somente pw·a absrwve,·, mas tam&em pa ,·a elaborar, .f al-
lando, além disto, em seu n ome, na primeü·a do singular, auto-
nomo, clesprezândo o ambiguo «nós, que um uso despropositado
entendeu transplantar do Jornal, em o gual ha imputabilidade
collectiva, ele r edacção , par·a o escr ever individual que eleve ser,
quanto possivel pessoal e de responsabilidade clara a dispen-
sar inqueritos .
Da primel!'a ti,·agem desta monographia, exemplares
f01·am envia:clos a varios scientis ta s do velho mundo. De
ld não se fez tardar ao auctor a salu tar incitaç ão a novos
emp1·ehenclimentos:
O sab ia P ,·ojessor Enrico Morselli, director da clinica
psychiatri ca de Genova, Benedikt, o emerito professo,· ele
.,:,_europalhologia em Víenna, Ch. F ere, o illustre medico ela
«Bicêt ,·e», Laca ssagne, o notavel professor de Medicina legal,
Gabriel Ta,.cle, o ernerito Ju r ista, Jules Christian, medico
de <:.Charenton», Chaslin, do «Sal p êtriel'e », Ed . Toulous e de
< Villejuifa, 1Wiguel Bombarda, professor em L isboa e di!:ector
·do hospital de Rilhafolle s, enviaram ao DI'. A. Peixoto auto-
graphos que o l,onra111. O Professor Clovis Bevilaqua, os
Drs. Franco da Rocha e Viveiros de Castro lambem não
111

lhe regateiaram lo1wo1·es. Este ultimo em uma excellente


sentença publicada no « Jornal do Comrne,·cio, encomiou este
estudo fundamentando razões em trechos d'aqui extrahidos.
Não de,·ive do que ahi vae escripto, .a illação de que o
pr esente trabalho saiu completamente tscoimado de fal!tas,
nãà, nem tanto, ·e o auctor a quem sobra o poder de ana-
lysa1· a si e a tudo que produz, não perderá monção de se atrever
de novo a apural-o , dotando-o de excellencias . novas, se o
favor publico demonst,·ar Mais uma vez, que ainda ha neste
pai z quem e p erca horas , em ler, mau grado a valorisação
mesmo offlcial que a olhos vistos, de dia em dia vae tendo entre
nós o analphabetismo, Rymptoma serio da ·asthenia que invqlida ,
a maioria de um povo de:1i,brado para as pugnas do saber,
photophobico para os clarões da scienci'a e que pa1·ece ·ter
· apenas restos de energias pa, ·a a vida vegetativa.
Para concluir direi: Se o presente estudo •tivesse sido
escripto em outra lingua que não a_portugueza, se fosse publi-
cado em outro meio que não fosse · o nosso, só o assumpto_
dellP., cuja imporlancia escusa encomips, faria dentro em pouco
esgottar ts ia edição.

Bahia, Jl,Jarço, 1898.


jufi.ano ~)Tlo-t.ei.ta..
( Substitutode Psychlatriae neurolog-
ia)
Um eeforço atravessa estas notas de um extremo a outro:
-é a demonstração do . caracter symptomatiéo que têm as
.revelações críminaes nos epilepticos.
Para chegar atê ahi, pareceu -me p ,·eciso dizer como visava
algumasfaces dos probl emas dijficeis da epilepsia e do crime .
·conseguencia da demonstração pretendida, veio o assegurar a-
inimputabilidade social e jurídica do epileptíco .
Sinto ter sido victima de um ·engano, pois o desalento com ~
que as vejo enfeixada s, dista muito ela ardorosa confiança que
possuía . ao inicial -as.
Não sei como agradeça aos Srs. Professores Nina
Rodrigues, Juliano ~Moreira e joão Fróes a indulgente
.attenção com que me aturaram semp1·e que lhes fiz sabedores
.de meus projectos e as luzes de que seu convivia me.foi prodigo.
Oidr.o tanto devo dizer aos Srs. Drs. Góes Calmon,
Professor Aurelio Vianna e Antonio Calmon qne me propor-
cionaram obsequias, pondo a . minha disposição, como os
primeiros, suas bibliothecas.
A um que já não vive, meu companheiro de estudos e
superior amigo Manoel Bernardo Calrnon du Pin e Almeida, ·
a quem em vida dei um grande ajf ecto pela limpidez de seu
espirita e lealdade verdadeiramen te antiga, abençôo a
memoria pela animação que sempre deu a este emprehen,
dimenta.
Epilepsiauma
Tammultlplexef tamvarlusfn
dlversls, ut nullus allus morbus
slt tam polymorphus
.

Hermannus
Boerhaave.

O µr econceito, seja qual fõr a grandeza de sua envergadura


e a-n atur eza de sua constitui ção, em qualquer teneno em que
por ven lura tr nha appare cido , fo! sempre um custoso obstaculo .
a sup erar na marcha regular de uma verdade.
, No terreno scientifico elle tem sido, vezes cÓntinuadas, a
trav e pesada , diant e da' qual os entibiados têm cedido o esfor ço
de que vinham animados, es rnorecido .s diante da difficuldade de
tran spol a ou receiosos da tentativa de desatravancar o caminho
. de sua importuna pr esen ç~.
Guiado s por conj ecturas absolul à menle gratuitas, que sõ
um espirilo de th eoris ~ção dida:ctica inspirou, muita vez, para ,
não tocar no feiti ço creado por uma falsa concepção, muito
sc!entista tem dP.clinado do ensina1:1ento de um facto observado,
simplesmente por não se ler a verdade resignadamente curvado
a trilhar .o caminho estreito que lhe havia ,1n traçado .
4 EPILEPSIA E CRIME

Quando, na França, a qued~ de um aerolitho motivou a


nomeação,por parle da Academia de Sciencias,de uma commi<,são
de sabios para estudar o phenomeno, o facto por desconhecido
até ahi e ir de enconlro a conceit.os erron éamente Pstabelecidos,
longe de encontrar sua natural exµlicação, vio se negado;
violentou-se a veracidade ele um acontecimento, duvidou -se
que a pedra intrusa f?sse uma visitanle á terra, com a' simpl es
declaração de que tal não pocleriá ler-se dado, porqne, dizia com
irande ingcnuidncle o illustre Lavoi sier, csi no céo não hal'ia
pedras e como poderiam ellas cahir ele lá?, a) A douta compa -
nhia não trepidou um instante em pronunciar o amen merecido
· -pelas palavras do grande sabia.
E' que os homens illuminados nem sempre se eximem deste
peccado dos outros morlaes: a falsa vergonha da ignorancia. ·
O facto dado será explicado, seja como fôr, e si a razão
não possui 1:a elasticidade bastante para satisfazer a medida das
necessidades, ainda assim, o recurso existe: n·ega-se o facto,
deslroe-se a verdade. Elia que appareça em melhores tempos.
Rm redor da epilepsia formou-se um juizo falsíssimo, que
para -muitos ainda existe, legado deste habito de respeitar as
theorias mofarenlas, mesmo quando os factos lenha!n -n'as cas-
. '
tig~tlo de um desmentido absoluto.
Para julgar o mal sagrado e levar a affirmação de um
diagnostico, havia um padrão fixo, soffrc:ndo ininimas varia-

a) Medeiros e Albuquerque-e Impossiv~l, Revista Brasileira-t011iQ


II 1s0õ p. 20 1 2~.
AFRANIO PEIXOTO 5

ções; fóra delle nada de positivo se poderia dizer, sem correr os


riscos de uma hypothese cambaleante, eis azares de uma suppo-
sição duvidosa.
Epileptico seria apenas o indivi.cluo que após s:ympfoIT\as
premunitorios, escapando ou não á observancia do doente ou de
su·a assisten _cia, súbitamente empallidecido, emittindo um grilo
estridente, dilacerante, cahisse fulminado, como si o peso de
uma camartellada o tivesse anniquilado de vez; ahi cabido, inseh-
sivel, inconsciente, seria presa de violentas conv ulsões qur, lhe
- .

agitariam lodos os musculos voluntarias, fazendo voltar a


I

cal;>eça,crisparem-se as linha s do rosto, torc er-se desviada a com-


missura do s labios, trancarem-se as arcadas denlarü1s n·uma
rigeza de tri sm us letanico e todo o co 1:po, musculos ~espira to rios,
abdorninaes, dos · membros, numa gymnastir,a -violenta; a face se
inj eclaria congcsla; as pupilas se desatariam, dilatando-se; os
globos oculares desviados parn cima, deixa riam apenas ver as
esolerot icas; uma esp uma, sang uinol enta ás veze.::, escap:u-sc-ia
pdos cantos da bocca to.rcida, e urina · e fezes talvez fo.sse m
egualmente rejeitadas pelos emunctor -ios correspondentes. Em
s3guida a esta primeira phas e, viriam abalos mu sc ular es mais
lig eiro s, menos extensos, meno s violentos, succedidos por sua
'
vez por outra phase de calma relativa em que _um ronco esler-
toroso, escap;mdo-se do tubo lracheo -laryngeo . seria o mais
nota vel signal.
E um ·como des peí-tar, um quebramento de forças, ele
animo, fecharia esta · scena, plantando o doente no leito, esmo-
recido1 inerte. F9ra ' deste grande ataque estardal _hoso seria difficij
6 EPILEPSIA E CRIME '

conceber a epilepsia, e quando factos de certa ordem viessem a


ser ligPdos por um mesmo fio, o recurso . talvez seria rejeitar
la! approximação; contestar semelhante diagnostico, para que o
conceito da epilepsia não se visse destituido dos essenciaes atlri-
butos da grande crise motora.
Deste modo estreito de ver a epilepsia, o -unico alé agora
accessivel aos senlidos gr9sseiros dos profanos e ainda ao de
muitos medicas, não podia permanec er merecendo a accorde
acceita çã o dos neurologistas. Si além desta formula acanhada,
existiam factos innegav eis, que só um grave e rro fizera excluir
do conceito dado, si a obser~•aç-ão demonstrava claramente ;que
a grande uise, nem por se r a mais nolav el das manifesta çõ·es
epile,iticas, :poderia ÍITGgar-se forma unica cio m:il, vislo- qu'3,
nem sempre se apresentava com sua co mpleta symplomatisa<;ào,
como, muita · vez, em subslit: .iida por phenomenos ele natureza
. variada, cabia a observador es de vi~tas mais largas reformar,
alargando-a, a primeii ·acomp reben são da ep ilepsia. E' assim que
se verificou que a crise motora poderia limitar-se a um grnpo ·
muscular,a um membro,a uma metade do corpo SP.mque houvesse
perda dos sentidos; que algumas convulsões ligeiras da face
com perda da consciencia, conslituindo as . vertigens sobre-
vinham não ra1_-
o; que rapidos eclipses da consciencia, sem con-
comitancia de pbenomenos motores, davam-se nas c_harnadas
ausencias; e até mais graves perturbações da conscienc:ia ou
simplesmente de càracter poderiam àpparecer, sem que fosse
possível discutir, duvidar de sua essencia epileplica.
O çqlerio deste juizo chegou a plantar-se nqma crescitja
A-FRANJO PEIXOTO 7

rpaioria de neurologistas, com maiores· ou menores modifica-


ções.
E houve quem fosse até mais longe, quem alal'gasse de tal
m.odo a zona . da epilepsia, que com limites imprecisos, vagos,
indeterminados, seria difficil discernir num diagnostico differen-
,
eia] o ·que pel'lel!ceria já ao campo con,icial do q_ue não · lhe
linha ainda invadido os domínios.
Sem ser preciso entregar-me a uma trnbalhosa e inutil
exliumaçãg de factos e juízos entre os que em dias de hoje escre-
vem e observam coisas desta natul'eza, com alguns exemplos,
pode-se demonstrar o quanto ahi vae ·cle discordanci,a no modo
de apreciar o mal sagrado.
A primeira questão a resolver foi a elo unicismo ou multi-
plicidade da epilepsia.
Não querendo fallar da polymorphia de suas manifesta ções,
em sua natureza intima, em sua representação clinica, a p_er-
•. 1 gunta irrompeo, a epilepsia é uma ou multipla?
As epilepsias: tem se dilo muitas vezes, tentando numa
insistente pluralisação manifestar ideas de um multiplo conceito
clinico e procurando ~stabelecer linhas claramente divisarias
entre os diversos estados epilepticos, constituind_o especi-esnoso-
logicas distincla3.
Neste intuito, tem-se procurado signaes para o di~gnostico
differencial de cada uma dellas, arvoradas em molestias inde-
pendenle s, prestando-se a esse ser\•iço criterios variados. Ora
aproveita-se do valor das causas que se suppõe producloras;
assim se veem epilepsias traumaticas, nephriticas, saturninas,
8 EPILEPSIA E CRIMB

' \
syphiJiticas, toxicas, ele. E' verdade que _a maioria dos auctores
a·dmilte aqui uma espeeie de epilepsia chamada idiopathica, que
_parece . contentar a alguns rebelde _s, signifi,cando os anLigos casos
de epileJJsia rera, mas que em realidade nada exprime; o nome
idiopathi ca é aqui como um rasto deposito em que se rejeitam
os casos de ppilep ':;ia duvidosa ou ignorada. E' uma porta falsa
de sahida para os momentos di.fficeis. A demonstra çã o cabal do
que vai nestes assertas sobre a epilepsia idiopathica, plfmamenle
se dá ho estreitamento progressivo do circulo de taes epilepsias,
a medida que as circumstanci~s etiologicas e pathogenicas vão
sendo melhormente elucidadas.
Já deste -modo de. ver se acoslarnm G. Marinesco e P.
Serieux a) e Fr. Hallager b) ainda ha pouco.
O modo de acção intima creou as -epilepsias directas e
reflexas.
A forma clinica fez e:alalogar epilepsias parciaes motoras
sensoriaes, psychica s, vasomotoras e), epilepsias multiplas
psycho ·-molora, psycho-sensorial, senso-moloi·as, e·pilepsia com-
pleta. . /

A rapid ez de acção sobre o organismo deu a uns o direito


de considerar epilepsias agudas e chronicas.
Sílvio Tonnini d) viu bem longe e bem largo, mas não
completamente, nesta que~lão da epilepsia e emilliu um con-

a) Essaisiwlapathog. et le trait. de l'épilepsie 1895-Paris .


b) Dela nature de l'épilepsie-Paris , tB97p. 6.
e) Ventwri-Epilepsia vasomotoria-Arch. di Psichiat,·ia-Anno X
-fase. I-1889.
d) L'Epilessia-Poi ·ino-1891.
AFRANIOPEfX6T@

ceilo razoábilissímo, emMra ainda um pouco, es:tterct-0,pofs' con•


sidera epilepsia sómente as d[versas man,ifeS:LffiõesépiléptÍ<¾í!s
. usuae;;.
Enlrelanto, pouco depoi~dé enfe.ixadas' estàs marMestáçõeB',
em um conceito unilario, o Dr. T onnini cáe R'uma,. descriipçitô
de epdepsi'lS a) o que evidentemente é um taci<to 1ié1f>illdik>

suas ideas anteriores ji)Ormostrar assim â necessida.d-ed@antigo
fraccionamenlo do mal sffg,rado. Vae-aqui O' me:u pro!esfo li-estas
indevidas concessões.
-O Dr. Lui gi R<mcoroni n'um optirn.o ·e·studo li), ad.opla
um conceito unilari.o semelhaNle ao de· s·eu comp-atrÍ!o'ta
..
A epilepsia é uma sim, é preciso firqiar: u-rrra, q.ualquer
que seja a face do· problema .qu~ se enca:re: 0 mais-é' fazer de sym-
p(omas, de variações clinicas-d.e-pendentesrleconcli;ç0·e:smultiplas ·
do a-geRte pro-rocado·r e dos Lerrrto-ria:,
, provoc-ados, entidades
diversas.
SJ'um tal j 11iz0' ÍO'.,s-e o v1:r dade ,iro; a ~.ae 1:ei1&2liM:é'-i'a
à

palhologia mediea,. t11navez que cada. symptom~, C'!lda.determi.-


nação clinica, re'bellwdos,se arrogassem fonc~õ·es de- ,és~ecies
morbi·d-as dislincla:s?
Não estariâ ahi a n:egação · absolu·t!l!de toda a bagig,em me-
lile'N:ciade es:péranç~ q1:1e:
ehca a.dquer.ida e- a,>Ea imií.m~m'Osi>
~ l.tfnia a ·êfji,
Um~ Ve:Z're,;olvido· este pwhlema,,, :v-iüa6tt-i1:Q'
leps·ia,. ..:om0ela~sific;ra;J
,a l'i.&-ag:mp.aililil
,<fn..Lô
das m'o'rl.afülw<3:e-s'
m'ó't'•

bj:das?

n) Op. cit. p. 72 a- 161.


b J 'l'rattafo cZ·inic& ilell' Éptlelf1na~ Miltt'lfó 1Íltlt5-"'"'P',
f/1'()e :á'eg1,{?1t"e8,
~~ ' 3 .
io EPÍLEP SIA E CR IME

A epilep s ia, a ffirmam algun s, é uma entidade morbida, no so-


logicamenle dist in ct a, perfeitamente caracter isa vel, lendo um
campo de acção conh ecido, manifr. s laçõe s class ificadas, embo ,ra
si ignor em aind a perip e,c ias de s ua liis toria clinica; segre dos de
sua pathogenia, factore s de sua etiologia, elemenlos de sua ana-
tomia morbida.
Ao contrdrio disso, do quadro no sologi co ri sc am alguns
outrns a epil epsia e rej eitam -na ao pape l de complexo syn droma
clinico, pod(lndo appar ece 1· sob for mas diver sas e em gráo
de int en~idad é diffe'renl e em variados es tado s pathol ogicos, se m
r ela ções estrictas com mol es tia s dele rmin aclas.
A epiiEp sia é mai s qu e isso , ma is que um syn drnma clini co;
é em si um estado diver so da molesl ia, mas equ iparavel a ella
como um modo ele ser da anorm a lidade bio logiea; é um es tado
in volulivo, uma degene.ração do plano da organisação, . uma
anomalia, um facto de teratologia · morbicla, conclamam oulros .
E muito embora as discussões não cessem, é difficil affümar
com segurança si a \·erdade eslá inte ira de algum lado.
E,trP. os aulores de grande peso é Ch. F eré ur'n dof1 que
con sideram a epileps ia sim µles mcnle um syndrn1na clini co.
Edificando o · 1m1g niflco co nj 11ncto de s ua obra L es L"pile'.
psies et les E 'piLeptiqurs, j á em 1890, deixou o medi co· francez
cla1·amente exposla sua prefcrenc ia em ve r nit ep ileps'ia ape nas
um syndrnm a clini co. Adiant e, em 1892, a) manifesta que diz er
« exi s te uma epileps ia, verdad eira, essencia l, » originando -se 'de

n) Epi lepsie (aicle-memoire L eaitté)- ~aris , 1892, pag. 7.


AFR .ANIO PEIXOTO 11

causas inapreçia veis, parece-lhe lãa absurdo, qua:nto affirmar


que ha uma só angina do peito verdadeira, resultando d0
estreitamento das arterias coronarias e falsas anginas toxicas,
hystericfls, etc.

Prosegue dizendo que estas d_esignações epilepsia, angina;


referem- se ao quadro sympto maii co e · que ·causas variadas
podem produzir o mesmo syndroma clinico.

E' assifn a preoccupação 6liologica que origina a concepção


syndrqmalica da epilepsia. FU'é nestas linhas expõe um
. principio perigoso, que acceito levaria a apagar muitas enlidades
que legitim amente têm assento na communidade nosologica
pelo simples facto de tere_m fa'!tores etiologicos diversos: não
seriam moleslias , simples sy ndromas clinicas. Talvez mesmo
fosse iriutil es le termo vasio de .sentido, molestia.

De outr'l lado, si quem diz epilepsia idiopathica, diz ainda,


no sentido aclual, ignbran cia da causa e dos elementos rinatomo- __
pathologicos, a falta des tes dados encontra-se a cada instante
em vai·ios estados morbidos, não podendo por si só bastar para
que u~a mole3lia deixe de as~im ser considúada. Quem poderá
affü-mar que as causas da epilepsia se desconhecerão sempre
na sua totalidade?

Não parece j'usto esperar tal absut·do e o modo de julgar


alicerçado que se melhante cunsideração seria provi;;;ori0, falso,
inutil. Si o notável neurologista me permittisse, _dir-lhe-ia que
muito embora as causas variem enormemente, toda vez que
o segredo pathogenico esteja reveJaclo não haverá duvida abso- .
12 EPILEPSJA E CRif,JE

In,tamenil.e alguma iam dar prevalencia a este cri ,terio de mt:ito


m:aior val.o.r que o etiologico.
Que im;po:rta que -diversos fact0res provoquem as manifes-
- lações epilepticas, si ellas iodas em uma só pa_thogenia e sua
diversidade traduz ap.enas variações du agente provocador e da
zona provocada?
Parece .me que quando Grasset e Rauzi e,· a) dizem ser
. Ioda P.pilepsia «symplomatica de alguma coisa», está claro que
encaram como epilepsia as manifestações convulsivas e outras
do mal, dando-lhe o. nome que só deveria caber ao processo
geral, de que são as crises motoras, psychicas e sensoriacs,
apenas determinações.
Neste sentido, si epilepsia é simple;;mente o ataque convnl-
sivo ou a perturbação psychica ou a crise sensorial, é realmente
umsyndroma, não permillindo a alguem duvidar disso. Mas como
conciliar, sem disparate manifesto, taes idéas e o principio da
heredílariedade epileptica indicado tão geralmente?
Feré que tanto se avantajou nestes assumplos, pecca como
tantos outros; bate.se valentemente pelo fundo de predi sposição
hereditaria que constitue a essencia da epilep sia e cae dando
designaçõtls erroneas como esta de epilepsins agudas e cha-
mando a todas symptomalicas. Falla de ep:lepsias e consiuera
epilepsia laroada, equivalentes p.~ychicos e quejandas formulas,
só adoplà ·rnis ao tempo em que sómenlc o symptoma conrnlsivo

a) J . G1·asset et G. Ra1tzie1·-T ·raité pratique des malaiies d ·1i sya:


ttme nerv!W,3;-Paria, J894, t. IJpag. 881,
AFRANIO PEIXOTO 13

era epilepsia e ludo o mais, formas disfaryadas e accidentes


equipara veis.
Quanto a mim, vejo ahi ma·is o resullado de uma desinlel-
ligencia que uma manifesta discordancia: emquanlo uns consi-
deram epilepsia,determinações' nevropaticas, puramente sympto-
matícas, outros reservam essa designação para o desvio
leratologico do plano da organisação que se manif es ta clini-
camente por aquetles symplomas.
E' dando a razão' a estes, cimenêado meu juizo nas consi-
dera ções precedentes que julgo infirmado o conceito da ~pilepsia
syndrom( de Feré.
Agora, mol eslia ou manifestação degenerativa? Aqui · a
resposta é mais difficil e não pod erá ser rlada sen~ que se lenha
firmado um_ji]izo, disc utindo a natureza da epilepsia.
C'omo em lodo.; os outros probl emas a re so lver nesla
'
qnestão, a di[ficuldade res;ide nas multiplas manifestações
porque se apresenta o mal sagrado e na extrema variedade de
circumstàncias que mov em seu ap_parecimento.
Assim, por exemplo, as eclampsias da infan cia, da adoles-
cencia, da puerperaliclade, os acciclentes convulsivos que
-surgem muita vez no curso de molestias rliversas como a
escarlatina, a febre typhoide, a pneumonia, a insuffir.iencia
renal, .tem.com sobejas razões sido comparadas, identificadas ás
mais typicas manif es tações epileplicas.
C_om quanto razõ es de peso forcem semelhante identificação,
é facto que já se tem escusado de acceitar esta . pai'idade e
hotive até quem no intuito de re solver ·as difficuld 'acli;is estabe •

• 1
14 EPILEPSIA E CRIME

lecP,sse um inulil agrupamento sob o dislico de·pseudo-eP_il


ep sias
a), parn o qual seriam lan çadas estas importunas manifestações
epilepticas que de um modo imp ertin en te perturbavam -lhe o
modo de encarar a questão . As outras mod alidade s communs
do mal se riam galardoadas da espavenlosa, mas varia des igna-
ção de epileps ia idi opal hica .
P ara mi"m, ludo isso é inulil ; não é crea ndo_ lermo s novos
f!Ue se reso lvem qtrnslões . Nem por chamarem-se pseuclo-epile-
psias, de,ixam as crises eelam plicas de sc,r determinações
epi lPplicas como as que melho r o forem.
No embate contra a observação c linica sem ideas preconce-
.bida s, mas inflexivel, lae s chamamen tos impr es la veis morrerão
infalliv elrnenle, deixando a questão no se u primeiro_ es tado ,
E si a clini ca permilte logicamente deduzir-se a id entifi-
cação ela crise eclamp lica e da crise ep ilepl ica, é anal ysa ndo
miudam ent e estes ·phenornenos que poder-se-á . optar pelo
concé ilo da ep ileps ia mol es lia ou ep ileps ia degeneração.
Considernndo com ligeireza estas qu estões pn rece que o
probl ema está int eir amen te resolvido. Qu em duvidará em
· classificar de mol es tia e mole s lia agli ,ia, a dete rmina ção convul-
" siva es pecial que se apresenta no curso de uma escarlatina, de
uma nep hrite chroni ca?
E ' uma mol esl ia sim, moleslia inl ercurrenl e so br ev indo a
- 1
laes es lado 3, concordará a maioria. Desass iado parecerá

a) Migu el Bombcmla-A epilepsia e c1,spset1do-epilepsias-Lisboa -


l896 pc1g . 6,
AF'RANIO PEIXOTO 15

aquelle que em la es accidenles pretender lobl'·igar signaes um


.estado degen eralivo. Entre P.sles extremos ha o reeul'so da
eva siva que não \'ê alii epileps:a, mas um simples symptoma do
mal, in3uffici enle para um cliagno slico, ou o meio termo
prudente de uma palavra creada para evitar difficuldades
e conlenlar aos mais imp el'linenles: não são casos de epilepsía
mas pse udo-epil eps ias .
Es le tel'mo a) al'mazena com modamente « uma multidão

de deg enel'esce ncias, mol esl ias ce l'ebl'ae s, · intoxica ções, infe-
c<;ões, la] vez mesmo dia th eses ,> q-ue perturbavam se riam ente ao
Prof~ sso r Bombarda em ,seu e:onceito do mal sagrado. E'
pre ciso, pol'érn dispe nsa r a evas iva e a prucl encia do meio
termo e a condamação da maioria ·e proval' que, a,inda ahi, ba a
epilep sia vel'dad eil'a e unica, o estado involutivo em sua com-
plela ca ra cterisaçãó.
Tome- se o problem a pol' parl es . Vejam- 3e _as convulsões
infantis .
A approximação da epi lepsia e das convul sões infantis
!'.ealisou-se de ha muito clini_cam ente. Baum és, de Montpelliel',
que escl'eveu um tratado inteiro sobre as convulsões, via apenas
entre um e outra s «uma differen ça na mar cha que só o tempo _.
pod e cstabelecel'>> b) Para Feré e) a qu es tão- é resolvida.
/ '
TtValLon e Carter em 1891 estabe leceram claras rela ções

Miguel Bombarda-op. cit .-pa.g. a, 46 es eg.


!l )
apucl F . Rilliet et E Rartez-'1.'mité clin. et JJ?'Ctt.
b ) eles malacl. eles
enf,mts-Pa? ·is, 1884, t. I . pag. 878 .
e) Ch. ÍJ'eré- L 'es E' pj lepsies et, les Epileptiques cit.' pag. 22õ e seg.
16 EPÍLEP5IA E CRIME

de identidade a) Goodha,·t b), o eminente especialista inglez,


opina que mão ha differen ça essencial entre as col}vulsões
infantis e a epilepsia ».
Jules Voisín vê claramente ' nas convulsões infantis a
epilepsia revelando-se por h erança similar e). Adiante, diz .
ainda ler verificado manifestamente que &m c:erlas crianças que
acompanhou até a edade adulta, as convul sões infantis eram
bem de origem epileplica ,I ).
As convulsões das crean ças de modo algum podem ser
consideradas camo um ep-isodio agudo sobrevindo do periodo
infantil. Si é verdade que sem elhantes convulsões sobrel'êm
por occasião da irrnpção dos dentes, não é que este lacto tenl1a
sido o det~rminanle de11as, mas s implesmente a causa provoca-
dora de uma latente predisposi ção.
Magnan e Legrain prestam-me seu apoio quando fazem
ver que a eclampsia da d_entição «é uma das manifestações
mais communs do estado degenerativo, e) .
A ·heran :ça nevropalhica é nestas creanças de uma clareza
notavel, alteslam sobejamenle Fer.é f), Duelos, Trousseau,
Tissoi, Bracliet, Boucliui de Monl·golfier, que se encontram
citados no nolavel livro do ;:>'l'imeiro.

a) ln Bostdn Medical 6 noi•. 1891,


b) James Goodhart. :l.'raitéprat. des malacl.des enfants-trad. fmnc .
Prais 1B9õ-p. 470 .
. e) L E'pilepsie-Paris, 1897, p. 10 .
.á) Item, p. ·16.
e) LesDég~ní:rés-Pwris, 189õ, p. 120.
f) Les Ép. et les épileptiques-cit . p. · 2õ6,
AFRANIO PEIXOTO 17_

Para Marandon de Monlyel « o estado convulsivo dos


ascendentes é quasi o unico que infiue sobre os descendentes
para fazer delles epilpelicos. » a)
No que respeita aos epileplicos encontra-se que metade
dos meninos, seus filhos, são convulsivos lt). Em estatistica$
bem cuidadas, mas cujos numeras elle considera inferjores ,
á realidade, Feré en-controu entre os ascendentes, collat .eraes
e desc 0 ndenles de 308 homens épilepticos e 286 mulh,eres
lambem comiciaes, 204 casos de convulsões da infanqia par~
os 'primeiros e 226 casos idenlicos para os segundos. e) (
Echeoerria d) achou entr~ 533 filhos de epilepticos 195.
mortos na infancia de convulsões. Infelizmente o illuslre clinico
esquece-se de dizer, o que angmentaria ainda o numero, quantos
resistiram a ellas e foram mais tarde engrossar ns fileiras dos.
comiciaes. Sem indicação especialisada menciona entre aquclles
533, 78 epilepticos manifestos.
Jl.tfarlin e) achou-se entre 78 meninos, fill10s de 19 eµile-
pticos, 55 mortos na infancia a maioria de convulsões.
Confirmação ainda mais altamente convincente &e acha

a) apttd. L. Maupq,té-L'épilepsie tarclive chez l'lwmrne, Ann. ltied.


P.•y ch. s s., 2 t ., 1896,p. 44.
b) Fcré-LesÉp. etles Épileptiques, cit.,p.243.
e) lt em-p . 241-2-Em nota, p. 244, ref,1req_ue Bouchet e Cazauvielh
tinham já notado a f1·eq_ucncia <lasconvulsões nos filhos dos epilepti cos e que
Dusart ( Herédit é de l' É'ÍJ)lepsie, 1866) avalia em 66 % o nu11nerodos que ,
succmnbmn a este ma.l.
d) E cheven·ia- 11:lciriage aud hm·edifari11css of epileptirs , Joiwnal
of 1nenf.alS cfonce, Oct. 18S0, apucl.. J. DPjeri11e, Héred·ité clans les ma.laclies
ciii syst. nen 1., Paris. 1896p. 100 a 104.
e) Annales ined . Psy ch., s ._õ, t . 20, 1878,p. 367.
Peixoto +

18 EPILEPSIA E CRIME

no facto verificado ' que estas convulsões da infancia são rto


periodo adulto subslituidas pol' crises epilepticas lypicas. Na
historia dos comiciaes encon tra-se com grande frequencia o:
apparecimento na infancia de conrulsões, demonsf.rativas assim
de sua natureza.
· . Em 140 epilepticos Moreau de Touurs a) coritou 43
que tivel'am convulsões na infancia. Fere obteve maior percen -'
tagem b ), contando entre 100, 34 comiciaes convulsivos em
érfança. ·
Anteriormente mostrei que Jules Voisin refere .se a factos
afll rmali vos.
No ·que respeita a elucid~ção das o.:itras pàrtes do problema ·
é util não abandonar Fere cujos luminosos trabalhos deixaram
demonstradtJs factos de um valor tão subido. Escrevendo ·11m
1884 sobre «Eclam psi a e . Epilepsia, approxima ra criteriosa- ·
mente os estados eclampticosdiversrn~ da epilepsia. Na .suas obras
posteriores e) a questão foi tratada com mais algum · desenvol-
vimento e na th,ise que procurou demonstrar se acham ídentifi- ;
cactos com o mal sagrado, não só as eclampsias puerperaes,
como as que se manifestam na evolução de estados toxicos e.
inft-ctuosos diversos, como o saturnismo, a syphilis, a escarlatina,
a febre typhoide, a ·pncumonia, et~ Vejam-se os estados eclam-
pticas apparecidos no curso de infecções e intoxicações e em
seguida examine-se a questão da eclampsia puerperal.

n) in-Fenl, Les Ép. ef les éplleptiques.- cit. p. 257 ·


b) Fei·é-idem-p. 257 .
e) Feré-id ,em p . 25/J, Épilepsie, cit. p . 92.
AFRANIO PEIXOTO 19

Quanto ás intoxica ções, o alcoolismo, o salurnismo, a


syphilis a) sobretudo, dão Jogar a verdadeiros accessos convul~
sivos cuja identidade clinica não é possivel negar; demais é
facto e verdade geralmente acceita que estes agentes, podendo
em muitos casos produzir a epilepsia, são na maioria das vezes
os provocadores de uma predisposição heredilar.ia, alé ahi
latente.
O impaludismo, a febre lyphica, a escarlatina, a pneumonia,
o sarampão, etc., dão Jogar a crises eclamplicas cuja similitude
com as epilepticas tem-se artificialmente procurado desfazer.
Jules Voisin b) para o caso da escarlatina, reconhecendo
todavia «o papel principal » da predisposi ção hereditaria, mostra
que os commemorativos, o exame das urina s, a ausencia de
elevação de temperatura dão elementos para o diagnostico
differencial. A seu tempo, tratando da eclampsia puerperal; ,
demonstrarei o sem valor destes signaes . Aqui como em outros
estados infectuosos, a verdade está em que elles são, pelas
1

condições que trazem ao organismo, na maioria dos casos, .


apenas os reveladores de um mal secreto que encontrou occasião
azada para manifestar-se. Cabal demonstração disto e da alter-
nativa de taes estados CQm às ordinarias manifestações epile-
plicas, num mesmo individuo, são as obsérva ções referidas por
Feré sob o numero LXIX (herança nevropathica, antecedentes

a ) A syphil is é bem uma mol estia inj'ecfuosa, embom • n ão se conheça


BP.gwrain ent e o seu germen es11
ecifico ; 111,
as · diz ei· hoj e ii~fecção n ão é di zer
i ntox icação 1
b ) Op. cit . p. 260.
20 EPILEPSIA E CRIME

convulsivos, sarampão, eclampsia)" e LXX (herança nevropa-


tl11ca,escarlatina, at&q11econvulsivo, vert~gens, gravidez, ataques
epileptiformes a).
Altentando nas relaç-ões dv.s molesti.:is infectuosas e da
epilepsia, Pierre Marie b) construiu sua theoria infectuosa da
epilepsia, segundo a qual o mal sagrado se assentaria sobre um
fundamento creado por uma infecção anterior que tivesse
deixado traços de lesões encepltalicas. Não é aqui occasifo de
discutir esta hypothese que tem em r.lguns casos visos de ver-
dade, pois dizer o contrario seria negar a epilepsia adquirida,
mas dizer simplesmente a llf arie, Lemoine e) Vfyssei d),
contendores da epilepsia infectuosa, que si em alguns caso'! as
toxinas microbianas detGrminam alterações encephalicas
que poderão produzir a epilepsia, na maioria das rezes taes
agentes vão apenas despertar o mal que dormia.
Veysset fornece a Feré e), nas proprias ob:,érvações com
que pretende dar alento á lheoria da infecção, armas para bater
o exclusivismo desarrazoado destas ideas : assim, em seis
observações 4 vezes a herança Mrropatica se acha claramente
firmad,i, em 2·1:ouve accidentes comnlsivos na infancia, em um
excessos alC'oolicos, em outro accidentes que revelam ja epile-

a) Les É:P.et les épileptiques p. 263 e 260.


b) Note sur l'etiologie de l'épilepsie-Progrés medical-oct. 1888-p. •
383- 4.
e) Note sur la pathog, de l'épilepsie-P,·ogrés inedical-.-1.bril 188,i-
p. 298-300.
cl) L. Veysset-De l'injf.uence des inal. infecti,euaes sur le cléveloppe.
nient de lépilepsie--These de Paris-1889-n. 248.
e) Feré-Les Ép. et les Épilepti1uesp, 722,
AFRANIO PEIXOTO 2-1

psia, tudo isto antes das moletias · infectuosas invocadas como


causa efficiente. Após este resultarlo tirnm O'> P. Marie e -
Lemoine conclusões salutares ás suas vistas. Com fundamento
penso que na enorme maioria dos casos a epilepsia que surge no
curso de molestias)nfecluosas diversas obedece á filiação de uma
predisposição hercditaria, impellida a manifestar-se nestas
circumstancias.
Quando mais tarde referir-me aos esltÍdos que consideram
a epilepsia como o resultado de uma intoxicação, sobrelevarei
esse papel das infecções que agem egualmenle pelos produclos
loxicos com que contaminam o organismo.
No que respeita a eclampsia uremica, eu leria occasião d e
misturai-a as outras acima tratadas, si não fõra o terem os Pro-
fessores J accoud a) e Dieulafoy b) procurado differençal-a da
epilepsia.
A uremia convulsiva, diz o ultimo, apezar de muitos pontos
de conlaelo com a crisP. epileptica, differe della porque no
acccsso uremico falta o grito inicial, a predominanc-ia unila-
teral é menos accenluada, a temperatura desce abaixo da normal.
Jaccoud que deu primeiro estes signaes, é menos absoluto na
differenciação e lembra entre dados deJ pequena importancia a
abolição constante da excitabilidade reflexa na crise uremica ao
envez da crise epileptica em · que e'lla «não é sempre abolida».
Elle não é absoluto, já mostrei, na sua distincção e o proprio

n) Leçons de clin . med. à la Oharité-Paris-1/;74-pag,9. 733 e 7-34.


b) Patlwl. int. Paris 189/i-t . 3. pa.9. 77.
22 EPILEPSIA E CRI.ME

Dieulajoy invalida suas duas ultimas razões, escrevendo


aquelle menos e dizendo linhas adiante que a uremia convulsiva
·determina «num bom numero de observações, fortes ascenções
thermicas ». Raymond ja havia demonstrado este facto a).
Ric~ardiére e Thér ese b) referem casos de uremia convul -
siva acompanhada de elevação de temperatura ; a escala
thermica subia a 38. 0 , 39. 0 e aié 40. 0 durante os accessos
convulsi1•os e com~osos.
Numa ·observação de Benediclct a temperatura subiu a 39. 0
e 41°. Dias depois numa crise a ascenção foi a 42°,5 e).
Assim restam o grito inicial e a persistencia da excitabili-
da,de reflexa como principaes meios de destinguir uma toxiuri-
nemia convulsiva de um accesso epileplico.
A proposito da ausencia de grilo notada por Fournier d)
nas ep1lepsias syphiliticas, Feré fizera ja ver que o grito faltava
em um numero muito avantajado de doentes e).
Gowers me ensina que o grito inicial «falta as mais das
vezes ». f) Arthw· Clauss e Omer van der S,tricht verificaram
apenas o grito quinze vezes em cento e quarenta epileplicos e;).
A minguada percentagem que este facto apresenta (10, 7 °/0 )
encarrego de dar a resposta a J accoud e Dieulafoy.

a) Arch. de méd.-Março 1882 in Dieulafoy op. cit. p. 77.


b) L'hype, ·ther,nie danal'iwemie-R ev. de méd, Dezembro, 1891.
e J In Britsh Medi.cal Journal - Maia 1892 p . 77 .
~j{ Feré-Les Ép et les ÉpilepUques rit. p. 361 .
f) De l'Épilepsie-trad. do Dr. A. Carrier. Pa, ·is 1884 p. 113.
g) Patlwg. et tt-ait. de l'épilepsie-Bn1xellas 1896p. 109.
,AFRANIO PEIXOTO 23

No que se refere a abolição da excilabilidade reflexa que


segue a toxiuriniemia convulsiva,este caracter _perlene:e-lhe, tanto
quanto ás manifestações usuaes conrulsivas da epilepsia. Para;
meu apoio não necess _ito invocar mais gue a _opini~o de um _
espir1to supel'i9rmente illuminado, o Pro_fessor Juliano MoT'eira.
Estud~ndo «os reflexos tendinosos na phase port-paroxistica da
epilepsia » após a citação de opiniões controvertidas e em que
sobresaem as asseverações de vVestphal, GoweT's,Feré, B~ocq
e Onanojf, GoldsclmeideT',Marinesco e _SeT'ieux·comprobativas
da abolição e algumas vezes diminuiç _ão da excitabilidade reflexa .
post-paroxistic-a, firma cm 73 º/o dos casos que ·observou, qu~.
«na phase comiitosa do accesso os reflexos tendinosos eram r
quasi ~émpre abolidos a l.»
Quanto a eclampsia puerperal, os obstetrici~tas tem feíto-
uma tenaz opposição ás idéas de identidade entre este mal e o
sagrado. AuvaT'd resenhando as thcorias explicativas da eclam- .
psia, cala as ict'éas de app_roximação aventadas, dizendo sem
mais uma palavra, sobre o assumpto, que a eclampsia nevrose .
não é mais acceita na hora actual b ), Pngi11as-adia -nte, na ,
differenciação da eclampsia,, procura separal-a ela epi_lepsia,
dizendo que nes!a a invasão se dá por uma queda brusca e em -
màssa, emquanto a outra começa por convulsões .faciaes.
Complementarmente accresco que não hii alr.uminuria i?enão

a) Juliano Morci-ra- Os reflexos fendinosos na phase post paroxistica


da epilepsia, 'Annaes da Sociedade de Medicina e Ciriwgia <la Bahia , J.ulho
1896 ,p, 206.
b) Ait varcl~ op, cit. p, 881,
24 EP1LEPSIA E CRIME

naeclampsia e que nesta a temperatura eleva-se progressivamente,


o que não se dá na epilPpsia ou pelo menos em que ha apenas
ligeira elevação thermica. Os antecedentes nullos na eclampsia
revelam na epilepsia accessos anteriores. Em um parallelo
graphico comparativo dos accessos da epilepsia, eclampsia
e hysteria, figura o estado normal como o fim do ataque epile-
plico, emquanlo o coma, o embol.amento, o estado normal podem
ser terminações da crise eclamptica.
Cliarpentier accentúa que após o coma epileptico a intelli-
grncia torna á sua « nitidez completa», emquanlo na eclampsia
volta lenta . e incompletamente. « A memoria custa a voltar »,
ha ás vezes sequencia de perturbações dos sentidos e não raro
a mania, a paralysia succedem a eclampsia e o que não existe
na epilepsia.» a)
Tudo isto é de uma fragilidade que não resiste a um ataque
lig~iro.
Quem jamais afiançou fosse signal essencial da epilepsia
a queda bmsca e que só accessos eclamplicos começassem p01·:

• comulsões da face? Quem não conhece os ataques parciaes


que se generalisam, lendo os doentes presciencia do que lhes vae
acontecer, chegando alguns a prever a queda, deitando -se? ·•
E quantos ataques convulsirns começam pelos musculos da ;
face, generalisando-se em seguida? b)

n) Clta1·pentier-Traité pratique des accouchements-I'm·is, 1889, t. I,


p. 796.

b) Hci!!ager-op . ~it. p. 04, 100, 10/J, 1-04


,
AFRA~IO PEIXOTO 25

Nãq_ quero dizer que isto seja a regra, apenas nego o valor
. 1

de uma differenciação baseada em alicerces desta ordem.


Quanto á albuminuria, o proprio Auvard confessa que ella
pode faltar com.pletamente na eclampsia. a) Charpeniier
cataloga 141 casos de eclampsia sem albuminuria h). J. Voi:;in
diz muito bem ser erroneo este signal difforencial, porque
muitas mulheres epileplicas tem albumina nas urinas e).
Comquanto não seja um caracter constante, a albuminuria
post-paroxistica tem sido verificada as vezes em grande abun-
dancia na epilepsia. Para Huppert seria coustante _ após o _ala•
que d). H allagel'encontrou sempre albumina na urina e\·àcuada
,,
pouco tempo após o ataque e). A este respeito é muito util a
leitura dos trabalhos de Voisin e Pel'on f) e da obra de Voiún
;;) em que se encontra crescida nota de indicações bibliographi-
cas referentes a este facto. A condusão que os dois medicas
franceze~ tiraram destes estudos foi a seguinte:
A albuminuria posl_-paroxystica existe na metade dos casos;
encontra-se <!mtodas as modalidades da epilepsia; acompanha
sempre o estado de mal ep1lepti~o; é constante nos mesmos
doentes embora seja fugaz é em quantidadP, variavel.

a) Auvard-op. cit.11a[J,881.
b) Op. cit. pag. 772.
e) Op. cit. pa.g. 86 .
.d) ln Virchows Archiv-Bd., 6D,pa.g. 394.
e) Op. cit-pa.g. 160.
f) De l'a.lbmnimwiepost -parox yst(qu e Arch. ele Neurnl. t. XXV-1892
pag. 353.
gJ Op. e·it. pag . 12a.
P~* 5
26 EPILEPSIA E CRIME

Voisin que reconhece o sem valor da albuminuria aponta


como u:ieio de resolver a questão a apreciação the1 mica a).
Assim, a ·elle lambem minha resp usta.
O proprio A uvaf'd diz que a temperatura na eclampsia fica
algumas vezes normal, desce mesmo abaixo da normal, as
mais das vezes eleva-s·e a 38° e 39° e sua ascen ção é tanto mais
consideravel quanto mais grave .é o caso b ).
Exactamente como na epilepsia convulsiva.
Desde 1870 Bourneoille em sua these inaugural prorarn a
eleva ção c!a temperatura nos accessos convul sos_da epileps ia e).
Em 1872 continuou a demonstração d). Em 1886 de 60 observa -
ções conclue que os accessos isolados promorem a elevação da
temperatura central e que esta eleração vae de qm decimo de
gráo a um gráo e quatro decimos e).
Georges_Lemoine confirma a lei estabelecida por Bourne-
ville da ascençãu thermica . central nos accessos epilepUcos iso-
lados f).
Este facto é já tão notorio que Goilaf'di indica como signal
de differencia ção entre a epilepsia rerdadeira e a simulada;;).

n) Op. cit. pag. 36 .


h) Au vard-·op. cif. png. 380.
e: Elude de thennomet. c1in. d1.1nsl' hemorrhagie cerebr. et dana les
ma/adi es de l' enceplw/e, These de l'm ·is 1870.
d) Etud es cllniques ef thennmnetriques sw· les mala ,lies dn syst. ne1·v.
-Pm·is 1s12.
e) De la femp. dans les acr,ês isolés de l'épilepsie-P,·ogres Med. Nov.
1886 , pag. lOõl, Dez. 1886 , pag. 10õl.
f) De la temp. dans les acces isolés d'épilepsie-Progres Meã. F év.
1888 paga. 84 a 86.
g) A1·ch . Mecl. Belges-t. XVII, 1880 prtg. 823.
AFRANIO PEIXOTO 27

Feré refere que a elevação thermometrica pode exceder de. um


gráo mesmo após um ataque isolados a). Goioers diz que n'uma
serie de grandes ataques a temperatura pode subir muitos gráos
chegando a ser de.,considera vel no estado de mal. b)
Bourneoille observou casos em que no estado de mal a,
temperatura ascendeu a 40, 0 4-41; 0 2-41,04-41,04 e).

A questão dos ant3cedentes não é tão facil de resolver. Entrn-


tanto Fr:ré primaz nesta peleja enumera os auctores que admil-
tiram uma susceplibilidade nervosa, uma predisposição inde-
terminada necessaria as manifestações eclamplicas. Neste caso
estão Trausseau, Miquel, Ha .ndfiel Jones, Barnes Brit d). Por ·
si corta a questão, expondo observações dé valor muito crescido
como sejam a de n. LXX[ em que houve herança nerropalhicà,
accid,mtes convulsivos aos seis annos, ataque eclampticos puer-
peraes; n. LXX[[ em que houve antecedentes hereditarios ne-
vropathico!:, eclampsia puerperal e epilepsia franca após;
n. LXXV em que além da herança nevropathica, antecedentes
convulsivo,;, eclampsia puerperal, epileJJsia, ainda se manifesta-
ram convulsões na criança e).
Burlttreaux confunde egualmente a epilepsia e a eclampsia
puerperal discutindo a questão perfeitamente e fazendo notar

a) Les Ép. et· les épileptiques, pag. 94.


b) Op. cit.p. so6.
e) De là te1np. dans l'état ele mal épileptique-Progrés Med. 1889,
Agosto, pa_qs. 1õ7, 161 e 168.
d) in Feré-Les Ép. et les Epileptiques-cit. pag. 262.
e) Item-pag. }J64e seg:
28 EPILEPSIA E CRIME

que a epilepsia habit11al é notada nos ecla~ plicos 2 vezes sobre


7 (Blot) e a ecla1npsia 2 vezes sobre 15 mulheres epileplicas
( Tyler Smith) a).

Delore refere dois casos curiosos: , um em que uma 11pile-


ptica desde a infan~ia viu seus accessos torn,irem-se mais
frequen~cs e P?r fim morreu eclamptica e outra que após um
ataque eclamptico tornou-se francamente epileptiea b }.
Possuo o conhecimento de quatro factos bem interessantes:
em doiõ "1.eelampsia surgiu por occasião da graridez e do parlo,
sendo de notar serem as· pacientes de tara nervosa bem accen-
luada, lendo por paes, uma, um hysterico e uma nevrotica c cutra
de uma familia de nerroso,;, um hyslet·ico e uma delirante ehro-
nica persaguida-perseguidora. No lercei! ·o caso trata -se de uma
·senhora de fonte ner\'Osa que engral'idada teve neste estado e
durante o parlo accessos eclamplicos manifestos e violentos,
sobrevindo depois nos tempos que se seguiram verdadeiras
·crises epilepticas, vindo a fallecer em uma dellas.
O outro caso é constante da observação seguinte:
Observação A) Hy .~leria, epilepsia e eclatnpsia puerperal
a.lternand()-se e succedendo-se.-Dona F. M., 35 annos, branca,
franzina, lymphatica, nervosa, natural da cidade da Barra.
Paes mortos, mãe tuberculosa, pae syphilitico; leve 16
irmãos dos qnaes morreram 13 pequenos. Doentia desde muito
cedo, paraplegica aos doze annos, dLtraole mezes, ficando depois
reslabe]P.cida. Aos .14 annos um ~ranrle pezar ( sep11ração de
uma irm'ã .a quem muito queria) moveu o apparecimento d.,;
accidenles hyslericos em q•te após accessos de proÍL\nda tris-
teza, sentia subir alguma coisa do coração a cabeça, µm nó na

a) a1·t. Épil epsie-Di c.t. Enc. eles Se. Med. 710,q, 192.
b) Bu,rlureaiix - a,·t. cit. pri,q. 192.

'\
AFRANIO PEIXOTO 29

garganla e cahia dando grilos e presa de convulsões. Alaqnes


differenles sobrevieram depois precedidos de crises de furor em
que não podia ver pessoa a lguma, chegando ferir e morder a
pessoas que se avisinhavam, quebrando moveis, tendo crises
procursivas em que na maior desordem fugia de casa, inter-
nando-se peb malto, succedendo a isto tudo, uma completa
amnrsia .
• Estes accidenles precedem ou seguem a crises convulsivas
manifeslamenle epileplieas.Afora esles accessos convul»ivos tem
crises violentas de cephalalgia especialmente temporal, vertigens-
e ausencia subilas . Os accidenles hyslericos eslremeiam-se com
estes, são sempre despertados por algum pezar e precedidos de
forte dor de cabeça, crises de tristeza e de lagrimas, sendo :ts
convulsões seguidas de altitudes passionaes, gemidos, ele. A
uma crise hysterica succedeu uma vez por muitos dias um
accesso aphasico . Em oulra ocrasião esteve µresa de um verda-
deiro estado de mal epileplico tal a frequencia dos accessos. A
amnesia completa é regra nos accidenles epilepticos; aos hyste -
ricos succP.dem muitas vezes algumas ]Pmbranças.
As quedas dão-se em qua lquer Jogar. Não pode supporlat·
perfumes nem o cheiro do ammoniaco e de ether que causam
dores intensas na cabeça. E' · raivosa, intransigente, exaltada,
apaixonando-se facilmente porumacausa qualquer. Por occasião
âa prime ira gravidez teve diversos accessos eclam plicos e
durante o parto um forlissimo; depois disto, tres vezes mais que
se engravidou reappareceram os mesmos accidentes, com nota-
vel intensidade durante o trabalho do parlo. Nos inlervallos
destas prenhezes, sobrevem como de costume crises hyslericas,
epileplicas, ausencias, cepl,alalgias, ele.
Seus filhos (um morreu em peq"Jeno) são nervosos e
têm estigmas degenerativos, sendo de notar serem dois delles
eslrabicos.

* * *

Quanto as consequencias dos alaques epileplicos que


Auoard e Charpenlier mostram ignorar é de recommendat-lhes,
uma vez que não lE!emobservações, que procurem lei: os capi-
lulós, referentes a esü, assumplo &m qualquer dos livros
esc,·iptos sopre epilepsia, e em parlicqlar Fere que tão bern
30 EPILEPSIA E CRIME

estudou lodos os phenomenos de csgolamenlo após as crises


convulsivas a).
Ajuize-se agora do valor dos elemenlos differenciaes apon-
tados entre a eclampsia pu~rperal e a apilepsi'a commnm.
Aprecianrlo as ídéas palhogenicas da eclampsia Otlo von
H erff chegou a conclusão que seu conjunclo symplomalico
obedece a uma «alteração especial da excitabilidade dos centros
psychomolores corticaes ou sub-corlicaes», alleraçào que esla
dependente de «uma predisposição congenila ou adquirida (into-
xicação uralica, salurnina, alcoolíca, infeeções) b ).
E se as idéas modernas tendem a considerar a epilepsi~
c.imo movida por uma auto-intoxicação na grande maioria dos
chamados casos de epilepsia idiopalhic.i, pergunto quem ha abi
que _não se sinla locado da convicção de que crise eclamplica e
crise cpil_eplica são apenas duas designações para exprimir um
mesmo phenomebo morbido, unico, sempre egual em sua
essencia?
E' assim '.que o mestre esclarecido baseado em suas obser-
vações chega a conclusões que vou procurar resumir e que
faço minhas. e)

A dentição, as affecções inleslinaes da infancia, a escar-


latina, a febre lyphica, as intoxicações, gravidez e o parlo
gozam apenas de um papel de causa provocadora na producção

a) Les Ép et les Épileptiques-pag. 1157e seg.


b) Ein Beitrag zur theorie der Elclampsie-in Miinchener meclWoch-
Fev. 1891 pag. 79. ,·es. por Luzet Rev. des Se. mecl. t. 88-189111ng. 191.
e) Feré-Les Ép. et les Épileptiq11es-pag. 269 e seg.
A.FtlANto PEI:lCO'í'O 31

da epilepsia, despertando a predisposição nevropalhica. As


eclampticas não são perturbações meramente accidentaes,
dependem de um esládo morbido persislenle, pois si de um
lado sobre\'êm a individuas em eJ'.)ochas variadas da vida,
por oc~asião da dentição, de f Pbres eruptivas, de rerlurba•
ções gaslro-inleslinaes, ele., de outro lado muita vez succedem•
lhes atnques lypicamente epileplicos.
Pnra mnior confirmação deste julgamenlo os eclamplicos
lransmillem á sua dcscendencia o estudo nevropalhico.
Deste modo fica as sen tado que as manifestações chamadas
por Feré a), Voisin b) e outros epilepsias agudas, desi-
gna<;ão viciosa e co!ldemnavel, cuja inanidade o primeiro foi
o proprio a ·demonstrar provando que ella.; «não são pertur-
bações meramente accidenlaes » e , que « dependeqi de um
estado morbido preexislenle, » e) e para as quacs Miguel
'Bombarda arlef',tclou o chamamento de pseudo-epilepsias, são
daras e verdadeiras 1nodalidades epilepticas, traduzindo, não
uma crise aguda, mas um estado constitucional legado por
herança.
O vicio conslilucional existia, era uma congenita impPr-
feição organica que circumslancias diversas pcrmitliram ou
impelliram mesmo .a se declarar em sua perfeita exleriori•
sação symplomalica.

n) Les Ép. et lr.Y Épileptiqiies-pag. 3õ2 e seg.


b)
e)
Op. r.it.pag. 249.
L es Ép. et les Épi/eptiqttes-pag. 270.
..
32 EPILEPSIA E CRIME

Agora e aqui não ha quas1 mais discordancias , allenle-se


que nas manifestações epilepticas usuae1?ha uma subordinação
fatal á condiçõe~ predisponentes innatas ou adquiridas, na sua
maioria fructo da herança nevropathica, que as circumstan-
cias diversas consideradas como a causa efficiente do mal
tem apenas um mero papel de causas occasionaes, deixando
campo aberto á preposição hereditaria, determinando o desequi-
líbrio de uma organisação que já ameaçava ruina.
Não só dispensavel, mas até fatigante seria afim o desfiar
o rosario crescido de nomes dos que a começar de Hippocr ates
falaram affirmativamente da herança no caso presente; que
me abaste citar o nome do velho Hojfmann a) para quem
a epilepsia era a mais hereditaria das molestias e dizer que
até _hoje não tem sido muitas as diseordancias deste julga-
mento.
Seja-me permittido enderéçar algumas palavras ao Dr.
Sigm. Freud, de Vienna, auctor de uma pequena memoria
sobre «A herança e a etiologia das nevroses » b ). Este estudo
que pf'ima Jacies parece contestar o papel subido da herança
na etiologia das nevroses, não desempenha absolutamente
seu fim. O medico viennense reconhece Ires ordens de causas
daquellas perturbações mor bidas: condições, causas concor-
renles, causas especificas. As condições «são indispensaveis

n) Meclicina 1·ationalis .•yst~matica-HalreMagcleburgicre 1734 t. IV


pars. a.•pag. 4.
b)L'hereclifé et l'etiol dea nevrose.s- R~vue Neurol. t.1V1896 M,wço,
pag . 102-9.
) .
AFRAKIO PEIXOTO 33

para a producção da affecção em questão• a) e na patho-


genese das grandes nevroses a herança preenche o papt:l de
uma condição b ).
Depois disto é conveniente deixar o Dr. Freud que não
importa mais a meu estudo, e que, é preciso confessar, não
consegui entender a proposito das suas cansas espeçificas.
Assim, continuando, o individuo havia já nascido, tarado
de um insfa ,vel equilíbrio, que uma causa qualquer poderi ,a
desfazer de um momento para outro. Este estado iatente, este
desvio da normalidade biologica, já epilepsia, é um estado
involutivo, uma degradação do typo original, uma pllrvetsão
de toda a organisação que se manifestará com a su.a symptoma-
tologia alarmanlEl, 'violenta, desde que um movei impilla para
este despenhadeiro.
Fez já .seu tempo a acanhada doutrina d'aquelles que
esperavam um ataque convulsirn para fazer um diagnostico
· de epilepsia ..
Não é, pois, a epilepsh uma moles tia ( si se dá a esta
palavra sua estreitii significação usual); bem a\·isado andava
já La~egue e), quando cm 1877 firmava que « a epilepsia
( a chamada grande epilepsia) não era uma molestia, mas uma
e~fermidade, adquirida somente por duas possibilidades, por
traumatismo, produzindo lesões permanentes ou por maMor-
1.

a) Mem. c-if.pa,q. 164.


b) Ml"ln. cit.pag. 164.
e) De l'épíl epsi e pWIº malfoi"Y!iation cl·it cra11e-i11 Annales Med.
Psyclwlogiques 11<77XVI-pag. 12.
~~Mo . 6
34: EPILEPSIA E CRIME

ma'ções esponfaneas. » Nestas palavras resume-se uma inteira '.


doulri~a da degeneração epileptica: outra coisa não se depre-
hende da palavra enfermidade a ) que implica a idem de uma
álteraç~o 'ou abolição âefiniliva da normalidade, outra coisa não
dizem os factores caus ·aes indicados, traLLniatismosproduzindo
lésõespermanentes e malformações eHpontaneas.
1
' E' péeciso ouvir ainda o Dr. L. Jl;faupaté,que, conclue um
opti1no . estudo sobre a epilepsia tardia, aff1r~ando que ella
«não . se 'manifesta fóra de uma predisposi ção hereditaria
iilgumas • vezes ,din ela, congesli'la ou convulsiva, mui las vezes ·
ríevropalh'ica ·; setnpre dcgeneratira. » b)
· ·, É si sé considerar que a palavra ele Lasegue, pelo :qnc fica'
1
d'emonslrado, não cabe somente á pretendida grande lpilepsia,
mas a quaesquer determinações comieiaes, mui lo racionalrnenle, '
pudet:ei chegai : ás pala;ras i:;eguinles, unindo minba voz á de
Laser,ue, Tónnini, e ) Dallenwgnc, d) 111aupaté, Bom-1
varela: e)
· · A eptlepsia, revele-sepor LLmaqualquer de suàs varied,1des
cli-rii<!as,é em si; intimamente, essencialmente, uma deg<!
ne-'
,·ação.

n) E. Liltré - Dicfionnai re de llf cdeci11e- Pcl?'ÍB1893 JHila11ra •I11fer-,


fliité>.
b) L. Maiipaté-L'épil eps ·ie fard ·ive ,·hdz l'homvie - il1males Mecl.'
Psychologiques 8. • serie, tom. 2. 0 1895 pag. Ci7.
e) Sil ioio Tonni n i -Le Epil essie in rapporfo alla d~gi'neraz io11e
To•rino 1891 pag. 59 e seg .
d') .Jules Dallema_qne Dégé11éréset cléséquiÍib1:és-Bru x ,llcs 1895 pag.
341 e seg. · ,
· ·e) Miguel Bombarda- •.J. Epilepsict e as pseudo -epile11sias LisbO{I,
1896.JJ((g. XII.
AFRANIO PEIXOTO 35

* **
Não param ainda as discordancias.
Moleslia, syndroma ou estado degenerativo, sua cúacté~
ristica é baslanle eivada de conlroversias. Que se me poupe
a referencia a outros symplomas menos importantes ou jâ.
mencionados e se allente no accesso convulsivo e na perda da
consciencia .
Ainda não ha mui lo, Hallager repeliu um velho~estribilho
muito conceituado em outros tempos e ainda hoje, -graças
a alguns emperrados retarcla"larios. O ataque convulsivo, diz elle,
·«é a unica manifestação ,·erdacleiramente pathognomonica da
epilepsia,» a) Este acanhadissimo criterio que uma deploraveÍ
cegueira tem feito persistir, tem hoje a inanidade das coisas
mortas, pois é bem conhecido que afóra as manifestações
conrnlsivas, a epilepsia tem sobejas maneiras de se offe-
recer ao conhecimento clinico.
A outra questão é mais grave ainda.
E' rnz quasi geral;e auclores ainda recentes repetiram, b)
que a perda da consciencia é um phenomeno essencial e neces-
sario · da epi!P.psia. Bem comprehendo que assim dizendo,
apartam-se as convulsões parciaes em que uma metade _ do
corpo, um membro ou grupos musculares são agitados por

a) Op. cit. 11ag.7.


b)Jules Ghrisfian-Épilepsie-Folie épileptiqtte Brnxelles 1890 pag.
9 e 10-Sur les theories phys. actuelles de l'épilepsie The Joimwl ofmental
Science-Janeiro18!ll, -Glcms e van ,ler Stricht- Op.cit.pag .109.- Marinesco
e Serieux Op. cit. Paris 1805.
36 EPILEPSIA E CRIME
1
li
abalos de clar~ natureza epileptica, l1avendo persistencia do
entendimento, para referirem-se somente os outrns modos
de ser da epilepsia.
E' aqúi occaEião azada para rebater um erro inveterado,
que tem passado de trat.adisla em tratadista, de obse rvador em
observador, senão descurado ao menos despercebido. E' falsís-
sima a idéa da abolição 0onstanle da consciencia durante
as determinações comiciae s, mesmo na grande crise convulsiva.
O facto por não ler grande frequencia, não é menos logico.
Nos casos que por ahi alem se chamam de er-,ilepsia larvada e
equiralentes psychicos do ataque, numero crescido de vezes
tem-se \"erificado. Desde 1$78 que Augusto Tamburini demons-
trou-o a).-F ere referindo se a isto expõe co m muito criterio
que do facto da amnesia não se pode concluir da pct:da da
consciencia durante a crise epileptica; a memoria pode desap-
parecer immediatamenle, do mesmo modo que persistente
durante algum tempo, em muitos casos tardiamente pode surgir
a aJl)nl'sia completa ou parcial b ), Julio de M altos collecciona
factos de auctores div.ersos cm qu_e houve per<iistencia da
conscicncia . com amnesia posterior on ausencia absoluta desti.
e ),-Os casos entre outros de Misdea e Melloni referidos um
põr Lombroso, outro por Bon-/1,glid), foliam de modo con-

n) L 'amneaia non é carattere costan te clella epilea.'lia-lcwvata- Ri ·viata


speriment. defreniatria e mecl. leg. fase. Il e III 1878.
bJ Feré-Les Ép. et lea Épi,lepti,quea éit. pag. 140 e aeg.
e) A Louettra- S. Paulo 1889 pag. 181 a 185.
d) Cesare Lombroso-L' Uomo clelinquenfe Torino 1897 vol. II pa_q.
137 e seg. .
AFRANIO PEIXOTO 37

soanle.-0 Prof. Benjamin Ball refere o caso: de uma sua


doente em que alem de vertigens, ausencias e grandes ataques ·
convulsivos, linha crises de · delírio de acção perfeitamente
consciente8 a).

A extraordinaria frequencia " da perda da consciencia nos


grandes ataques convulsivos teve o alto poder de enganar a
muitos espiritos que consideraram o facto como signal indispen-
savel de taes manifestações. Os factos, porém vieram chegando.

Y Magnan em algumas lições f itas em Sant'Anna0

sobre a epilepsia, refere o facto de uma observação em que alem


dos ataques parciaes é grandes ataques com perda da conscien•
eia, havia ainda accessos em que as convulsões se generalisavam
sem · q~ie a intelligencia fosse comproml:lttida b ). ~MiguelBom-
barda ex põe ·duas observa<;ões muito interessantes a este
respeito: uma em que o doentf', após uma crise convulsiva
.generalisada, guardou a lembrança de sensações illusol'ias que
o accomelleram duranfe a crise; e outra mais nolavel ainda,
em que o doente, após ' a crise convulsiva, presentida por uma
• 1
·aura, fica perfeitamente consciente, ouvindo o que se lhe dizia
sem que entretanto lhe fosse possível fallar. Perguntado seu
nume durante uma das crises, acabada esta, respondeu: Eu não
po~so, o que evidentemente referia-se a impossibilidade da

a) Note sur un cas d'épilepsie avec conscience--L'Encephale Pcwis


188Gpag. 42? e seg.
b) Leçous clin-iques .s:w·
l' épilwsie--;l'aris 1882pa_q. 9

-~
38 EPILEPSIA E CRE\IE

elocuçãQ durante o periodo convulsivo, comqnanto estivesse


-bastante lucido para perceber a arguição. a)

Nest'l. quesltio quem vei'o trazer a verdadeira luz, porque


muito insistiu nos factos, foi um neurologo americano, H. M.
!3annisier escre~endo proficientemente sobre o assu:nplo. No
que respeita ao facto que mais me inleressa da persislencia da
consciencia nos grandes alaqucs ., alem de duas observar;õcs
suas, o medico americano refere as de lngels, I-Iazard, I-lughes
Clarke, Bombarda, lúinze, Jltfunson lodas demonslralivas da
annunciada pernianencia da consciencia duranle os grandes
alaques convulsil'os, podendO' bater assim um erro invete-
rado b),
Em dias de Agosto deste anno apresenlei, cercada de com-
mentarios, uma observação a Soci s dade de l\Icdicina e Cirurgia
da Bahia e que é um caso typico de persislencia da consiencia
nas grandes crises moloras. Posso hoje juntar mais um caso
observado e que ri com um mestre argulissimo o sr. Prof.
Juliano Moreira que me deu seu inteiro apoio. São as duas
observações qu& seguem.
Observação D) Epilepsia, ataques . conoulsíoos generali-
sarlos com persi:;lencia da consc1.encia.
João . Cerqueira do Nascimenlo, 20 annos, pr~lo refinador
de assucar, recolhido a enfermaria S. VicenlP, do Hospital de
Santa Isabel-Estalura.1m,61-busto Qm,78-perimelrn rio
peite Om,90-grande_envergadura)m,76-mãos, comp• d. Qm.19

a) Bomba1·da-:La consciencç dttns les crises épileptiques-·Rev


1'1ettrofogique. Dez. ]894 n. 0 23. ·
b ) Bannister-The conrlitions qf consciousness in fhe epileptic aflctrlc
anel itseqtti-valents-Americcm .Journalof Insanily Jcmeiro 1807pag. 345eteg
AFRANIOPEIXOTO 39

-e. Om,195.:__pollex .O m;07- pés O m,26-Systema musculat·


regnlarmenle desenvolvido sendo mais nolavel este desenv. á.
esquerda -Pelle negra, cabellos curtos e grossos-Olh_os peq~e-
nos st.rabismo convel'gente no esquel'do-Arc. supel'c1l. e se10s,
fronlaes proeminente,,; zygomas muito salientes . .N"ariz curto,
i"argo, achatado, pl'ufundamenle deprimido na raiz, comp. 41
mill. lal'g.42. Orelhas peq., b~m orladas, h,rulo adherente especinl-
mente a dirnita, comp. d. 58 mill-e . 52,5-lal'g. d. 29 mill, e. 31.,
Carie derÍlaria. Abobada palalma lado esq. poeminenle. Asyme-
lrias evidentes a simples inspec ção: bossa frontal, arcada
super-orbitaria, zyg. toda a face, lhorax, sysl. muscular de lodo .
lado esq. são mais desenvolvidos que os correspondentes do
lado direito-Os tra çados do contorno exactu do craneo, face .
thorax revelaram que ha a esq. uma maior sa]iencia da porção
anterior ao pas ao que alraz é o direito que predomina ligeira- .
menlP.
Alem da plngioceplialin nota se a defo)·mação particular
chamada craneo em torrinha de Meynert, pois a fronte é fug1tiva
eva~ numa aseenção continuada at é o sincipul e a face posl. do
Cl'aneo é chata. Diamelros e clist. craneanos: ant. post. max.
180 mill.- lransr. max 147.-fronlal min. 104-biauric 135-
verlical 152-bizyg. 135-biorb. ext. 120-biorb. int. 30-
opliryoment. 130-- -opbryoalv. 73-big:miatico .103-circ. tot.
56 ccnl. curva ant 30- currn posl 26- currn sup. auric 33 - ·
mdice ccphalico 81,6-brachycephalo.
EXAME FUNCCIO~AL.-Resp.,circ., motilidade,elc ., regulares
Reflexos cutaneos muito accentuados a esq., rolulianos &xage-
1:ados esper.ialmente a esq.-Dynamometria a pressão d.40-
e1 35. Hypoeslhesia á esquerda, pareslhcsia ( s. d~ resfriamento)
precursora e consecutiva ao ataque; sen sibilidade tactil pura,
á pl'essão, rnnsação cio espaço locado, sens. thermica, dolorifica, ..
ás cocegas di'.ninuidas á esq•iel'da. Excitabilidade eleclrica
mu"cular enfraquecidas a esq. Sens. auditiva-ouviu o tic-tac
rle um relogio a 58 cent. a dil'eila e a 10 cent. a esquel'da, ,
sens. olfacliva diminuída a esquerda, sens. gostativa bastante
embotada, especialmente a esq. e para os azedos. Sens. ,·isuaL- 7
esll'eilamenlo do campo Yisuul, dessem.elhan ça dos dois campos,
refracç·ão medida ao oplomelro 00. E=Ü = V=~,OE. M=12 O;
1
refracção com correcção para longe 00. E+, OE.)Vl= 10 O=V =+
Anopsia por falta de exercício do orgão. Sens. genet.-primeiro
C?nlac'l0 se.xual dos 8 p. 9 annos- aprncia intensamente o
• 13razer venereo. Vida veget. lernp. media axillar lado direito 37,2,
k -esq. 36°,8, -mor, ear1111aeos,rnsp. rêgulare,; _. Exame <;las-minas ,
40 EPILEPSIA E CRIME

3 lilros em 24 horas, dens. 1009, peso maleriaes fixos por litro


20gr,965-azolo tola! Sgr,4 por lilro, phosphatos-tolal 0gr ,488
p. alcalinos 0gr ,335, p. terrosos Qgr,113 -relação ~nlre ale.
e terrosos alc.=100, ler,=30,7.
EXAMEPSYCHICO.- Percepção e ideação lardas e difficeis,
memoria e raciocínio regulares, caracter inconstante, affecli\'i-
dade, religiosidade regulares. Usa de alçoolicos sem exceder-se;
unica paixão é o prazer venereo. Sonhos e pesadellos horriveis
e frequentes.
ANAMNESE.-O pae usava alcoolicos, a mãe era nervosa
e frequentemente irrilavel; quatro irmãos, sãos (?) e um
morlo em pequeno. Teve sarampão, varias supp. de lranspi-
ração, caimbras nas pernas.
M0LESTIAACTUAL.- Ha um anno e meio após uma refeição
teve contactos sexuaes sobredndo immedialamenle o primeiro
accesso. Começou por uma sensação de frio e entorpecimento
qne do pé 1mnhava-lhe todo o membro inferior esquerdo, subindo
pelo tronco; succedia uma dor intensa no mesmo membro e
esle começava a tremer (sic), o mesmo acontecia no braço
. e ao lado esqnerdo todo; quando o.frio chegou ao coração (sic),
teve uma perlurbação dos sentidos e <"hegou a cahir. A dor que
sente no começo do ataque é intensíssima; afigura-se que lhe
1;acha_m (sic) o membro ou o cortam a canivete.
Affirma ·que nesta e nas crises que tem tido não perde o
conhecimento, mesmo durante o período mais intenso do ataque;
conserva a noção do mundo , exterior, tem consciencja de seu
estado, sabe em que meio se acha e quem o cerca; o que ha é
que num curto instante, sente uma certa confusão na vista que
não o deixa distinguir claramente o que o rodeia. Findo o
accesso, fica ainda um pouco entorpecido e com nrna fraqueza
muito accentuada no lado esq., horas depois sente abatimento,
forças quebradas, bocca amarga e appetite nullo. Os accessos
vem de 8 em 8, 15 em 15 dias. Estas confissões vieram como
resposta a pergunta unica de qual sua molestia.
Em 10 de Junho deste anno teve,cP.rcado de numerosa assis-
tencia. (Prof. Brillo, internos, estudantes), um accesso que
descrevo. O doente subt:=:mente annuncia ,que vae ler um
ataque» e deita-se esperando-o. Pouco depois notam-se convul-
sões parciaes do membro superior esquerdo, in_ferior do mesmo
lado emflm de lodo lado, qµe em seguida generalisam-se, notan-
do-se uma predoniinancia dos abalos do lado esq. A com-
missura dos labios é dP.s\·iada para a esq. dos globos o<Jculares
voltados para cima, pupillas dilatadas, cabeça e corpo em rotação
da direita para~ esquerda. ·A' phase tonica succedem-se abalos
AFRANIO PEIXOTO 41

mais espaçados e mais breves do periodo cloni co e depois um


estertor lracbeo-bronc:hico bem accenluado em ultimo Jogar. No
1m1is acceso da crise alguem perguntou-lhe, apontando para
o interno: ,Quem é esle?»-Logo que lhe foi possivel fallar,
ce~sadas as con"ulsões e o este>rlor, resposlou: iE' o Sm·.
Martins•, mostrando assim que não só tivera a percepção
anditil'a, como ainda a risual. Todo o ataque de seu inicio a
sua lerminai;ãu durou 3 minutos ..
O tratamento liypnotico empregado de nacla serl'iu. Apezar
das suggestões em contrano sobrC\;êm airrda de dias a dias os
resfriamentos e palpila~·ões de coração qne o i11commodam
bastante. Esta em uso da medicação bromada. No dia 23 ,ie
Junho tere duas c rises idunticas ú descripta. Depois di'ltO as
crise s tem sido mais ligeirns e algumas foram parciaes, com-indo
dizP.r que esta modificação se operou d<!pois que o tratamento
bromado tornou-se mais eneq~ico.

Observação e; ) Epilepsia cnm persislencia da con-


sciencia duranºte al:lcri1,e15
conculúoas.-J. 13.,2õ annos, branco,
lympualico, nerrnso, franzino, apresentando alguns sligmas
dej!,eneralirns. Herança pouco affirmativa; tem uma irmã hysle-
rica.
Gunio'io, irrilavel desde muilo cedo, lendo rai, •as subilas
em qne fazia pedaços objectos, ele. Conl.rahiu rapazinho uma
forte infeeç·ão syphilitica de que muito soffreu. ~ra n'esle tempo
e até bem pouco um sexual extrno rdinan amente intenso, pro-
curando o prazer ,·enereo por toda parle. Ua einco -a:inos rue:e-
beu fortes lrnnmali.,mos craneanos e lia d ois despenhou-se de
uma grande escada, contnndinc!J-se bastante. Em Abril come-
çou a ter accessos convul::;ivos de phase lonica e <:lonica cla-
ramenle differenciadas, sem grilo, nem perlurbaçào mental con-
secu!irn. Em uma serie de accessos convul::;ivos que tomou-o
urri dia, pequenamente intel"l"allados, após cada crise tinl1a
allucinações visuaes intensa~ em qne se lbe afigurava ver trans -
formados em macacos ou imagem de santos prssoas d'l sua
familia. De U1Jlafeita c:tularolavr-t, quando surprehendcu-o t.ima
crise conrnlsiva que co111eço11pelo ., museu los da face, sustanriu
iinmedialamente seu exercici<;>JJhonico: a algnem q1,1e na occa-
sião dirigi1J-lhe a palavra indagando o qne era aquillo, respon-
deu, passado o accesso, logo que pôde fallar, explicando o que
estarn a r'azer, o que indica perfeita consciencia não só do ,,que
se passara durante a crise, como aindr. dos momentos que ' a
precederam.
Em outrà oecasião, tomado subilamPnle de um accosso
_Peixoto 7
42 El'ILEt'SIA E CR!l\IE

pôde fallar ~ pedir agua de melissa, medicamento que coslu-


ma\'a .usar .
Afora esta ordem de manifeslações apresenta mais o doenlr.,
em algumas occasiões formigamentos, sensação de frio _na lingua,
raivas subi las, irritando-se por motivos insigniflcanles, possu-
indo-se de idéas fixas, conlumazes, de propositadas. Estado men-
tal cada vez se desprime mais, memo.da muito lesada, difflcul-
dade e encoordenação dd expressão, tendendo tudo para imbe-
cilidade complPta.
O Prof. Juliano Mo,·cira cum que tive oecasião de exa-
minai-o uma 1·cz, e que já o conhecia, assentou os mesmos
diagnostico e prognost ico.

,;, *
Si se lançar a vista á palhogenese da epilepsia maior será
ainda a perplexidade no j ulgamenlo, lendo de examinar factos
discordantes oriundos de urna mesma ob:;ervação, conclusões -
antagonicas da mesma experimentação, dedue~·ões lheoricas
forjadas para encher lacunas, em sumrna uma confusão de que
será ernbaraçoso sahir .
Ao bulbo rachidiano, agindo por uma excitabilidade cspon-
lanea ou reflexa, altribuiu -sc, primeiramente, a causa intima cio
ataque epi)eplico.
Procurou -se cimentar a tlieoria em dados µhysiologieos
experimenl.acs, cm inquiriçõ es analomo-palholngicas e a 'clinica
chrgou a acceilar este modo dcjulgarcomo uma verdade, mas o
ediflcio assim construido del'ia cahir por mal seguro e insulfi-
ciente, pois si d3 um lado, um dos seu, fundam enlos era a sup-
posição erronca da iriexcitabilidade da ca!:ca cernbrql, do outro
confessava-se imp.otc.nle para explicar os phenomenós psychicos
da epilepsia.
Estas idéas foram cm mais de um ponto soffrendo pequenas
AFRANIO PEIXOTO 43

allcrações até Halla9er, ancmi.:;la convencido que lenta n'üm


recente livro a) rehabilitar as rei lias idéas de Kussinaul e Ten-
ner, modificando -as de modo a agcilal -as aos factos conquista-
dos. A lheoria da anemia, passando por este processo achoi;-se
misturada ás novas idéas que fazem depender da casca o inflnx-o
epilept0geno. E' assim que o medico dinar_narquez, em diffimtl-
dadcs par:t explicar como a anemia podia produzir por pertur-
bações \·aso-motoras localisaclas, convulsões parciaes, admillC'
serem eslas «dc\·idas á irritação local », «mas ao mesmo tempo
que a irritação produz convulsões localisadas traz larnbem uma
constriução dos vasos » b); depoi:; destas palavras concebe-se
difficilmonlc como chegue Halla9er a sua aucloritaria conclusão
que «não lia phcnomenos de origem epileptica que não encon-
trem explicação na lheoria da anemia» e). Não disse ha pouco
o alienista dinamarquez que as determinações parciaes motoras
prescindem absolutamente para sua manifesla<;<io de tal estado
anemico produzido pela conslricção dos vasos, uma vez que a
irritação cortical basta pa~a realisai-a do mesmo modo que ao
effeilo va&o-molor? Para que pois invocar a constricção dos
vasos, si ella \'em após e é a consequencia da irritação cortical
productora das convulsões? Assim parecem-me infirmadas pelo
proprio Hallager suas conclusões, o fim de seu livro e ainda o
anemismo que pretende reviver e ·que ha alg•ms annos foi rene-

al Op. cit.
b) Op. cit. pag. 48.
e) Op. cit. pa.g. 18l.
i
i EPILEPSIA E CRIME

gado por um de seus paes a). Ainda não me de\'O rsquecer


dos factos de obser\'ação clinica e experimental que se congre,
gam contra a lheoria da anemia. Vulpian b) não põde ver os
\'asos da pia mater se conlrahirom durante os alaqnes; Unver-
T'Ílch e) nota que o cerebro conlinua roseo pallic!o durant.e a
crise, F!'ançois Franck d) nota a superlkie do rerebro hyper-
hemiada desde o começo do alaqne; Jl1ágna 1n e) afl1rma clara-
mente qne ~s c:1pill~res do cerubro soffrem nma violenta dila-
tação e prova-o com o exame ophthalmoco~pico do fundo do
olho, realisado em dóis doentes e pelo exame diredo do cnce-
phalo em dois cães tornado ·s conl'L1bil'os pela esseneia de ah-
sintho.
Os estudos experimenlaes de Borischpol:;hy, um auxiliar
do Prof ~ Bechterew, prornm a maior irrigação cerebral durante
as crises epilepticas f).
Um modo inverso de considerar parece ganhar terreno
nestes embales contra o anemismo, mas se encontra por sua
,·ez em apuros para cxplícar os pl.ienomenos epileptie:os como a
perda de ·consciencia, as ·pel'lurbaçõe3 da intelligencia, as con-
vulsões motoras, a não ser que se considere o sangue como
vector ele venenos, irritando os centros corticaes e promO\'Cndo

a) B,·01m-S e1Juarcl-De la p~rte rleconnaissance cl,ms l'épilepsie-Arch.


ele Physiol. Paris 1891 pag. 216.
b) Leçons sw· l'appareil vaso-motwr-Pwris187J t. Il. pag.1a2.
e) Op. cit. pag. 89. ,
d) Leçons sur lcsfoncfions mofrices dtt cerveati-Pw·is 1887pag. 175,
e) Op. cit. pa,q. 19 e 20. ·
f) in Oboz,·ímiél'sychiafryi-Jwiho e J11lho18:17,rcs.in Iurlependem;e
Jllédicale, Sd embro 1897.
AFRANIO PEIXOTO 45-

assim as delerminações eo!Jliciaes, e ne;t(i) caso não seria o facto


da cong.:islão a causa inlima das manifestações morbidas, mas
simplesmen\e a maior ou menor quantidade de loxicps cpile· 0

pli.mnles lrazidos em conlaclo com os centros corticaes.


A obscrrnção di!"!ica inspirnu a J. Hu9/ilings J aclcson as
primeiras ideas de dependencia das conrnlsões pareiaes epile,
plicas á ir~·itação de circunvoluções do corlex cerebral. Frnctuosa
obserrn ção que deu a um eslado clinico uma explicação racjo-
nal e estabeleceu nm conceito ph.ysiologico até ahi ignorado:
Foi com effeilo depois elos traball,os de Jackson que ·F'ritslt e
Hiizi[J deram as primeiras d emonstra ções da cxeitabiJidade c!o
corlex cerebral, lida alé ahi, graças as idéas de Flourens é

.lliagendie, como incxcitavel _e homogenea em seu funcciona-


mento.
Os primeirns celincamenlos se embaçaram com segurança,
as ampliações vieram ao que se ac:bava rudimentar, -acquisições
novas juntaram -se copiosamenlc, verinca ções repelidas deram
uma solidez exempla rio menor receio e assim os ponlos lorna-
,
ram-se zonas e eslas c~nlrns rigorosa e preci.,amenle dc'litni-
lados, graças a P.stralificnção dos estudos de Hitzi,q, Ferrier;
François Franclc, Pilres, Tamburini, Luciani, Albcrtoni,
.ll1unk, Beeoor, Horsleu etc.
No - proprio homem, um experimenlador de àudacia e dP,
genio Horsley comprovou de um m_odo brilhante as asseve-
'
rações anteriores a).

a) G. Marin esco-L ettrcs d'Anr;leterre- Semaine Jfé clicale, :Jíaio 1896


0
1i. 2õ Pª(J• 19s , . . . _ • • .
46 EPILEPSIA E CRIME

Desle modo, a experimentação physiologica, guiada por


deduções clinicas, lançou luz intensa sobre os problemas c:onfu-
sos da epilepsia, repelindo -a nos laboralorios e prnvando á con-
vicção que ella dependia de uma alleração morbida de uma
funcçãó normal, era a excilal;>ilidad e dos ccnlrns do cortcx ·posta
e1n jogo na determinação de phcnomcno3 que não tinham alé
ahi encontrado uma explicação razoavel. E não negaram q1;e o
bulbo e a me<lulla, uma sede unica de todas as iníluoncias
epileplogenas no julgar de .Nlarsal1l ~Hall, a outra apontada
por expcriencias de Brown-Sequard como podendo nmn rcz
le~ada, determinar accide11les comiciacs, tivessem seu· papel na
manifesla~ão motora, mas sempre obedecendo ao mando dos
centros superiores que lhes lrasmittii·am · o influxo excito-motor.
l\las o que até ahi não se tinha podido explicar satisfacloria-
menle; fel-o a theori:t cortical plenamente. Eram as crises
psychicas, as perturbações da inlelligencia que são ele nota tão.
elevada no mal sagrado. A vicloria custou mui lo. A doutrina das
localisações cerebraes teve de vencer a opposição de Gollz,
Brc-non-Sequard, Camillo Golgi e outros ainda. A theoria
cortical de epilepsia achou inimigos que lentassem provar a
independencia elas convulsões epileplicas e outros accidenlcs
comiciaes attribuindo-os a onlras partf.s da ·massa cinzenta.
Jules Dallemagne fundindQ um certo numero de factos e do
conclusões diversas chegou a offerecer uma lheoria explicativa
da crise convulsiva , que seria · inl~ressante si - tivesse algum
fundamento e não fosse uma exl,umação de velhas doutrinas
inconfirmadas,
. AFUANIO PEIXOTO . 47

Para elle é nos ganglions da base que me residir o mecâ-


nismo dus accidenleR convulsivos; delles partiriam par(\ cima
irradiações que iriam ao cortex e para baixo outras qu~ se desti-
nariam 10 bulbo e a medulla.
Um desequilihrio dcssés ganglions produziria os p1odro0
mos, o mal estar que precede ás convulsões. «O desequilíbrio
accenluando-se» perturbaria o «mecani.;mo cortical,» «accen~.
l1.1ando-se,o dcscquilihrio, fana explosão nos proprios gan-.
glions. Esta exµlosão propagando-se para cima d:iterminaria a
perda de consciencia, irradiando parn baixo viria prnmover a
queda e «moder.ando-se progrnssivamentc, detet minaria as
manifestações motoras da crise. Ora ahi esta descripla com a
teclmologia do auctor a curiosa tlieoria de Dallemayne.
A coisa fica extraordinariamente simplificada; g;·aças a
sua posição central e as suas exµlosões para cima e para baixo
os gangljons opto-estriados dirigem us centro.; auxiliares sccun-
d~.rios que ~ão a casca, o bulbo e a mcdulla. Dalii depois de
fazer gozar aos nucleos cinzentos cenlraes um tão grave pa_pel·
. '
começam as concessões e atê conlradicções e\·1denlcs.
Já poucas linhas adiante a) não durída em cencecler, em
não prirnr o cortex de «uma intervenção mesmo ini<;ial.»
•amenlc a difüculdadc que sente em e~µlicar as·
P..clali1
auras inlellecluaes, evidentemente. de origem cortical, loca nq
facto ela consciencia e relembra a opinião de Roberlson, refe-
rida por Gowers, segunda a qual a perda da consciencia pode-

a; (}.P-cit. prrg. 823.


48 EPILEPSIA E cnnIE

ria _ser o erí'eito de uma descarga dirigida para cima, cio mesmo
modo que o espasmo muscular é o effeitu de uma descai ga diri-
gindo-se para bai?<-o,• o que é ba~tante com modo e satisfaclorio.
Paginas adiante a), complica-se de uma contradicção manifesta
e assim já não õão os gangli1Jns da base que gozam da prep01:-
derancia, mas « Qs centi:os corlieaes que cm realidade desem-
penham um papel preponderante na elaboração da excitação
inicial-» · não se de1·endo esquec 0 r «o conjunclo dos outros
tenitorios susceplive1s de engendrar a crise epileptica.» Toda a
theoria é i;1,sim construida de expressões vagas, pretendendo
exprimir muilas cnisas, de dados physiologicos que não receberam
sancção alguma da experimentação.
E' Clll'ióso indagar o porque destas idéas e as bases em
que se assenta. Foram duas experirncias do Prof. Hege1· b ),
varias rnzes repetidas, as determinantes da theoria dos glan-
glions da base. O Prof. Heger liga as caro tidas de um e:oelho,
determina-lhes a epilepsia e provoca ataques regularmente após
golpes de cureta no cerebro na união do lobo parietal e do
lobo occiplal. Para que não se objeclasse que a propagação da
irritação á zona psycho-molora fóra a causa de taes crises, na
segunda experiencia, If eger exci ,:;a_Jargamente as zonas corlicacs
e · os ataques se reproduzem .uma vez prol'ocados como na
primeira experiencia.
Realmente não 1•alia a pena exhumar doutrinas l'elhas de

a) Op.cit.pag. 327.
b) Qp. cit. pag. 8 Jã , 316.
AFRANIO PEIXOTO 49

Jl!f<'ynel'l,Luys, apoiar-se em dados ainda não acceilos de


Zie!tn a) e Vetter b), fundar uma lheoria para explicar factos
que de lia muilo se acham exµlicados.
E' da casca que parle o esli_mulo epileplogeno, não 11~
duvida, mas toda rez que esle estimu lo seja leva.do ao centro oval,
propagar-se-á ao bulbo e a medulla que são os verdadeiro~
orgãos productores das conyul,;ões e os agenles de sua generii.-
füaç,ão» no expressar fundado de François Franck e). Si os
nucleos da base desempenham alguma funcç.ão neste effeito
motor elles não lem parel algnm preponderante e ludo leva a
crer que si não são simµlcsmenle vias ele passagem, sua inter-
rcnção «é anles para modificar os caracteres do mol'imcnlo que
para prod.uzil-o d).
Basla recorrer aos esludos de pliysiologia dos nucleos
cinzentos da base para rP.rillcar que se assenla em fundo lolal-
menle movediço a ll1eoria de !)allema:;ne, François Franck e
Pilres e ~Minar e Glylcy e) c:hega:am, após trabalhos experi-
menlaes, á conclusão que a excilação eler.trica dos corpo~
'
estriados não provoca, como já !'\edisse, phenomenos de molili-

n) Z ur Physiol.de,· infracort. Gang. wid iiber ih,·e Bezilhungen


epi/ep. An.fa.ll, An ·h. Jitr Psychiat. t. XXI-pag. 863, res. po,· E. R ·ickl·in-
Rev. des S,:. Mál. 1891 - t. as pag. 483. -
b) Uber clie Pathol. der Epilep . Deut. M ed. Arch. t. XT-' in Dallemagne-
op. cit . pag. 323. ·•
. e) Lei-ons aiw 1esfun ctions inotric cs clu cerveau-Paris 1R87 pa.g . 118.
d) E. Wer thefoner et L . Lepage-Su r les ,iw11ve,nents des rnemb.
produits par l'excit. de l'lwm-i.<p. cereb.. du coté co,nspondant. Arch. de
Physiol . t. 9. 0 .Janeiro 1897 pn.g . 1GB.
e) apiul H. Bea11ni.s-Phy1>iol. hwn. t. 2.º Paris 1888 pag. 746. '
Peixoto a
50 EPILEPSIA E CRIME

dade e contracr;ões gcneralisadas do lado opposto do corpo,


sendo que os movimentos violentos que se observam, devem
sua or igem a excitação dos feixes brancos da capsula interna,
po is a irritação circumscr ipt_a á substancia cim:enta daquelles
nucleos, não determinaria contracções. L. Landois a ) pensa
exaclamente do mesmo mo,Jo, dizendo que os movimentos
provocados por excitação dos corpos estriados são devidos a que
0s feixes cortico-musculares visinhos são ao mesmo tempo
excitados.
E' por uma razão semelhante que se explica como Meynert
após a destruição do nucleo lenticu lar obteve a abolição dos
movimentos voluntarios, pois li6u1·<1 comprometlimenl.o dos
feixes cortico-musculares.
H. Beaunis no que se refere ás camadas opticas expres-
sa-se claramente contra as idéas de .llie,1/nert q~1e dá -lhes
funcções motoras e de Luy.~ que ahi vê centros de sensibilidade,
mostrando que sua excitação não prol'oca dor nem perturbações
da motilidade e attribnindo alguns factos obserl'ados aos
pedunculos cerebraes ou tuherculos quadrigemeos co111p1·elien-
didos na excilaçt'ío- b ). Embora admillindo a conf1rmação, que
não se deu ainda, absolutamente, das iúeas de Ferrier e)
Luciani e Tamburini 11) que altribuem aos nucleo3 cinzentos

n) J,. Lm1dois-Physiol. lmmaine, trarl. f,·anc . Pal'is 1893 pa[J. 788.


b) H . RPaHnis-Op'. cit., loc. c-it.
e J Les Fonctions dn cel'vean-Paris 18i8 rtpttd Dallemngne op. cit.
pag. 321. ·
_d) Sui cenfri psicho molol'i 1870, item, iteni.
AFRANIO PEIX0TO 51

centraes o papel de «centros secundarias de associação, de


Bechlerewque julgou as camadas op.t,icas de uma influencia
preponderante nos movimentos da expressão a) ou ainda de
Ziehn e Vetter b) cujos trabalhos não tiveram a conflrmaçãq
de outros pliysiologi&tas,mesmo adoplando a verdade disto que
ahi vae e que é loda a base phy-.;iologicada doutrina de Dalle-
magne, não posso ver a transição destes factos ao de altri-
buir aos nucleos centraes a preeminencia nos aclos epilepticos.
Si as experiencias do Prnf. Heger, exµlicadas muito facilmente
sem invenção de tlieorias ad hoc são em motivo futil, só
merecem a qualificação de desarrazoadas os fundamentos phy-
siologicos que sustentam a liypothese ,dc Dallemagne.
Dadas estas palavras a uma doutrina divergente, \'Oito a
palhogenia dos accessos epileptieos. As conquistas physiologi-
cas, clinicas e analomo-pathologicas tem feito acceitar factos de
um alto alcance para a resolu ção do problema.
A epilepsia chamada reflexa porqut:: succcdia a irritação
periphcrica viu-se identificada a outra chamada idiopathica,
. ;
pela sua genese. Franck demonstrou que entre um e onfro
alaque existe apenas uma differença de gráo; os mesmos
centros são n \1'.n caso . provocados energicamente por uma
excitação cortical, no outro l?enos intensamente por uma irrita-
ção transmittida pelas superflcies sensíveis periphericas.
No que respeila aos ataques convulsivos é ainda a thebria
corl1cal que explica su:=textrema variedade de formas.

a ) Lanclois-Op . cit.pag. 790.


b ) Zidin-:Op. cit. T'ettcr, op cit, •
52 EPILEPSIA E CRIME ...

A epilepsia parcial indica simpl es ment e qu e um ce ntro ou


centros correspondent es sã o os uni cos qu e_ rece beram a irrita ~ão
e rea giram; a medida que as cOJwul:-;ões se ampliam , reílec tem
correlata irrita ção de zona s mai s ext ensas do co rte x. Si a zona
psycho-rnotoru int eira for ·compr eheni.lidi\ na irrita çã o, ter-3e-á
como cons equencia a exterioi ·isaçã o clara do ataqu e convul sivo
ordinario . Mas epilepsia não é o acci<sso convuL;ivo só ; es le
symploma do mal sagrado tem a se u la do outro s qu e egnalm enl e
com grand e ju s teza é passiv e] ex plicar.
Os phenomeno s psychi cos da epilep,,ia são o gra nde
friumpho da lheori a corli cal, muito embora as loeali sac;ões
psychi cas perlenç:am ainda á s g rand es suppo s içõcs infunda das .
Si é rcrdad e qu e a inl elligencia e as funcções psyc l1ic .1s
não · tem zona s es pecians e se us app a relho s produ ctores se
aclrnm espalhados pelo corlex numa dess iminar;ã o impo ss ir el de
cir cum»crever, como pret end em H. Munl c e Tanzi a), compr e-
hender-se-á a ra zão po rqu e de ordinari o n os accesso,; de epilepsia
a prin cipio localisado s e qu e em11m genera lisa m-se , a perda
da consciw ci-a s obrerem ex ac lam r nte quando se compl etam e
ampliam as conv.ulsões .
As diífi guldade s com eçam logo qu e se allenta na s cri ses
psychi cas isoladas sem con comilan cia de ph enom enos motor es .
Si ao contrario, por ém_, os centro s psy cl11cos s ão uma
verdade, é claro que é de seu comprnm e tti:n ento que sobr evêrn

io ·Tanzi- I li111
11~ EttgP.n it i clellci vsicologiu 1896-7, 1·cs. por J11les
e, _ ••
=un - Ann . .J1ed. Psych. s s. t. õ- 1897 p11g. '173 ci 48/?.
AFRANIO PEIXOTO 53

os alagues completos, ou de sua isolada participação ··que se


succedcm os ataques psycliicos.
Jvlaynrm referindo -se aos centros molorc~, em algumas
linhas, allribti'iu aos . lobos frontaes à genese dos accessos psy--
cliicos, que neste caso seriam apenas os interessados na eles•
carga a).
Este juizo cs'á de accordo com muitos physi0logistas que
dão aos lobos frontaes a séde ela intelligencia. Neste parlicplar
são mnilo interessantes os estudos de L. Bianchi b) que
excitando us lóros frontaes nos macacos, verificou produzirem -se
pertmbações psychicas como a inquietação, agitação, continuo
vac e vem, inclifferenç,a, ausencia de posições de observação
communs áquelles animaes, perda affccli l'idaclc, enfraqueci-
mento dos instinclos sexuaes, medo, emotividadP, desapparição
ela critica, da reflexão, da memoria, incapacirlade para novas
adaptações. O pltysiologista italiaT)O conclue que é nos lobos
frontt1cs que se assoc:iam, coordenam, fundem os productos das
clirersas areas motoras e sensoriaes da casca. Jules Christian
já em 1891 censurando aquel les que ·verri na epilepsia, som eh te
n crise convulsiva, concluía allribuindo aos lobos frontaec; esta
fnncçào ele fundir os procluctos sensoriaes e motores de outras
regiões e ditr a nota nos accessos psycbicos e nas perturbações
ele consciencia qne para elle são o caracte11slico ela epilepsia e).

n) V. Mar111aii-Op. cit. ,,ag. 22.


L) A,·ch. ital. ele bioloy·ia-1894 t. XXIl pag. 102, res. po1· Dasfre-
Rcv. elesSe. Meel. t. XL rn JS,Q6pag. 1ae 17.
e) Ju/e-9Ghristian-in Journal .of mellical-$cieuce, Janeiro ile ls9,.
5-i EPILEPSIA E CRll\lE

Magnan a) nota ainda que si a descarga se obserra mais


atraz nos lóbos parictaes, dobra curra, lóbo occipital ou circun-
Yoluções tcmporaes, \'Crificam-se accidentcs scnsoriacs, qunt·
geraes quer limitados á csphera \'isual, audiliva, gustatira, olfa-
ctirn, etc.
Deste modo, si se attentar que a i::ausa prorocadora das
descargas pode variar eno_rmemente de intrnsidadc, pode agir
em pontos do c·ortex cerebral de funcções tão diversas e ainda
que o gráo de excitabilidade destes centros tem limite;; bem
extenso3, facilment,i comprchcnder-sc á a razão porque ·existem
tão variadas e dessemelhantes formas da epilep:;,ia.
l\lassi a manifostação exterior se diversifica na medida do
gráo da excitação do agente, da excitabilidade do centro e da
natureza deste, ella é em rcalidad'l uma em sua essencia, é
sempre no intimo a mesma provoca ção e a reacção consecutiva.
Realmente, que differença existe entre os abalos de um
grnpo muscular, de um membro, de um lado do corpo ou de
todo o corpo a não ser que se ampliam progressivamente, ali
ferindo a unidade, aqui a lolalid<tde dos musculos, voluntarios?
Não r-ão por ventura grãos diversos de intensidade e extensão
do ataque que existem enlre uma alteração de caracter, um
deli rio consciente, uma ausencia ou uma perda mais prolongada
da cons.ciencia nrs crises epilepticas?
Não se pode dizer o mesmo dos accidentes sensoriaes? De
outro lado emque diffore o accidente motor, da perturbação psy-

lll r. JJiagnan ·-Op. cit. pag. 2a,


· AFRANIO PRIXOTO 55

d1icr,, da allucinação sensorial, de uma crise visceral, sinão que


n'um caso foram as zonas moloras, noutro as psycliicas, noutro
as sensoriaes e ainda noutro as visceraes a sede de uma des-
carga pro\·ocada por um mesmo agente? Exigir que os ataq•rns
se offereçam sob uma mesma forma e de um modo egual é pre-
tender marcar limites aos agentes provocactore.;, é desconhecer
a topographia cerebral, é suppor esla riscera de uma homoge-
neidade que só existiu para a pliysiulogia dos Flourens e
~Ma9endie.
A origem do erro, a fonte das discorclancias consistiu sobre-
ludo cm se chamai· epilepsia ao accidente convulsivo.
E e.;le erro se arraigou de tal forma que os mais illumi,1a-
dos nestes estudos foram viclimas com.o todos os mais.
...
Foi olle qne fez Halla9er chamar eµilepsia sómente á con-
nilsão motora; outros viram epilepsias, mas eram sempre as
modalidades das cri .;es motoras 4ue assim se chamavam; ainda
terceiros deram algum papel ás perturbações psycl1icas, mas
algumas deslas e ainda outras manifeslações não se cl1amavam
. '
eµilepsia, eram consideradas dependentes ela crise motora, filia-
das a ella e julgadas apenas, e quando muito, como seus equiva:
lentes. Quem diz epilepsia larrada, equivalente psychico, equi-
valenle risceral da epilepsia, reconhece implicitamente no mal
sngrar!o apenas a crise motora. E deste erro não se.eximem os
mais aclarados nestes estudos.
Bombarda a) prote,;tou já contra. o emprego desta. expres•

n) Op. cif. prr,q.6.

\
5G EPILEPSIA E CRIME

são inexac:la-epilep~ia laroada - Lão farnrecida pela moda de


hoje ; é preciso qt1fl se prnleste lambem c:onlrn os p:·elcndidos
equivalenles.
Dizer que perturbações mentaes são equirnlenles psychi-
cos, é errar grnsseiramcnte, porque epilepsia não é crise motora.
E' prnciso grilar bem alto contra esle uso de palavras viciosas'
que dizem absurdidades e incxaclidões e que por uma espccie
de condcscendencia indesculpavel, rnpele-se por ahi além, pcr-
pc!tiando um desacerlo.
A gloria .de ~Mó,·elnão periga _por abandonar-se uma ex-
pressão como a de epilepsia laroada, boje absolulamenle
imprei;farcl.
Risquem-se, pois, estes lermos duhios, cambaleantes, elas-
ticos, que se ageilam ás <lifficuldadcs e que commodamenle vão
se prestando ás conreniencias.
Os erros rerncmoram-se corno correclivo, mas não se repe-
- tem com a pel'linacia das ob!elimções.
Si as perturbações psyc:liicas, sensoriaes, visceraes differem
apenas dos acc:identes molares por se ler dado a descarga cm
ier!·ilorios oulrns cio corlex cerebral, não são equil'alenles destes,
mas simpleme'nle, como el!es, revclac;ões de um mal apparenle-
Íne::le encoberto e para o qual não se dirigem as vi~las, mas que
em realidade é o dominanle.
Preoccupados com a exlcrioi•isação clmica, lêm os nel'l'olo-
gi:tas feito um esl,udo dos symptomas, supponclo estar alii Loda
a verdade.
•?,
At.'RAKTO PEIX('tO pi

:j:
* *'

Vistas as idéas sobrc a nal1.1rezadas descargas cpilepticas,


considere-se a questão das causas prorncadoras de. laes acces-
!iOS. As duvidas são muilo menores, com quanto haja ainda
faclos bastantc ·enne\'oados.
Si a epilepsia é uma involu ção ncnopalhica cla1:amen.te
accentuada, ús vezes desde o berço, na maioria dos. casos,
porêm, ·não se exleriorisa na sua sympl.omalologia ordi~aria,
si11ãoquando uma causa qualquer, agindo sobre o organismo,
J:>l'Ol'OCa
o despertar do mal que dormitava. E' assim que
eirc:umslancias que .para individuos sãos não tem. valor algum,
assum.;m um papel de srarida::!e exl.raordin:1ria, puis forçam a
irrnpção de uma terrival enfermidade.

A não serem, pois, os rarissimos casos dH epilepsia ad4ui-


rida de qne se tem ,·isto casôs clinicos e experimenlaes ·e que em
nada diffcrem , do~ oulros smuo pela circumstnncia etiologica, º.
ful.uro epilel'tico nas.ce hereditamen!e
. , predisposto, com uma.
espccie de fraqueza irritavel, deb&il'.Oda q1.1albroll:rá o mal
srgraclo ao primei1:o aceno de uma causa qualqu er. Eslas causas
sã_o ele tal modo rnriadas que lem produzido no es,:>irilo de
alguns -p11thologislasserias d;,ividas, levando os a differenciações
sem rnlor algum. ÜLll'e-se por ahi alem cbamar epilepsia lrauma-
tica, loxica, peripliP.rica, infecluqsa, ·etc. quando surgem ;. ar,ós a
· acção de um lraumalis,ho, uma irrilação peripherica, uma
intoxicação, uma infecção ele. fnrcsligue-se, perquil'a-se com
cuidado e se re\'clará claramente o papel simplesmente provo-
~x~ - 9
58 EPILEPSIA E CTIII-IE

cador de laes circums.lancias. Eu não nPgo absolutamente que


taes causas sejam capazes de produzir a epilepsia a); qualquer
dellas pode, conforme sua intensidade, sua maneira de agir,
determinar alle!·ações do cerebro tão notaveis, que a consP.-
quencia seja a irrupção do mal, claramente, mas emquanto i:;to
se dá _muito raramente e sé após a necessaria .elaboração re~res-
sirn cerebral, acontece aqui com oxtraordinaria freqnencia,
chegando a ser provocada por circumslancias insignificantes.
D'entre os pr_orncadores c!as descargas da epilepsia aos
quaes se tem dado uma ascendencia nota\'el, é preciso dizer
algumas palavras sobre as infecções o intoxicações.
As chamadas epilepsias 1:eílexas ou por excitação j)oriphe-
rica têm, demonstrou-o inteiramente Fl'ançois F/'anclc b ), um
mecbanismo de produoção egnal áo das chamadas epilepsias
directa ·s: são -os mesmos centros prorncados, aqui mais intonsà-
monle por exeitação dos cenlros corticae~, ali mais fracamente .
por il'l'ilação transmillida por zonas sonsil'ois poriphericas. »
Ja me referi as ideas de Jlf w·ie, Lenwine, Veusset que
olham a epilepsia como um l'eliquat morbido _de molcslias info-
cluosas anteriores . .

· n) Sería ilesco11h"cer cts e-x p eri ~ncias tle ·westpltal qu e epilqilisou po1·co,9
da bulici tramhalis a.11do·lltes repetidament e o crrm~o, ele Rro11,n ·Seqnltrd que
obteve o m esmo nsullaclo, após lesões rla m eclulla 11ra.tica tla.s experime11tnl-
me11te.·Mas , aq!li pam provar be,,na iv,,ntida .de rla epilepsia nos dois c·asos
tfilá o ji1cto clr~transmissão aos filhos que api·escntara,n convulsõ es.
Péi-é citu ofacto . de wn doente qu e adq«iriii a P-pilepsir1 após ,11ntra,i ,
1i1atis1110P que (eve depois 1111w. jillw epil(11tica aos cinco an11os-( ÉpilP11sie
1892..:_Pai-is pag. 91.
)>) FPançoís Fmn ck - O_p.cif . Pnris 1887, pag. 122.
AFRANIO PEIXOTO 59

A herança esta para elles em segundo plano e sem a


infeeção prelimenar não se manifestará a epilepsia. Provas
cabaes de suas opiniões ainda elles nãn as deram de modo
algum ; o eonl rario de suas affinna~,ões tem se feito muitas
rezes. A mim surgiu uma questão que aqui deixo a Marie.
Tratando ela influl?ncia modificadora e até de certo modo thera-
peutica de varias molestias infectuosas (pneumonia, rheuma-
lisrno 11gudo febril, erysipcla, tuberculose pulmonar, vaccina
ele.) no cu1:soda epilepsia, su spendendo as manifestações destn,
acceita o eminente neurologista a) muito contente, os factos
referidos por Seglas e Querimu:IJcm suas thcscs de doulorn-
menlo por elle ciladas. Sem torcer a logicã, seria interessante
omir de ll{a,·ie a razão porq11enum caso uma mole3ti,, infe-
cluosa determina, produz a ~pilcpsia, e no outro, ella mesma,
faz cessar um epilepsia preexistente. Não parece justo que
dercsse aqui recrudescer o mal, uma rez que ás manifestações
epilepticas accresce a influencia de um infecção, tão poderosa
que ·por si só bastava para produzir ipleiro o mal? E não se
me falle de toxinas farnraveis e desfavoraveis, agindo na ~pro-
ducção ou na parada da epilep11ia» b ), porque seria insensato
suppor que o geime_m infE:cluosopara ser agradavel a nos:;as
idéas produzisse venenosJ ora epileplisantes, ora anti-epilepti-
sanles. Como não me apraz prolongar siluaç,ões difficeis, passo
a outro assumplo.

n '. Pierre Marie-Insf ections et é_pilepsie-Semaine Med. 1892 Ji,lho


pag. 2N4.
b) Clauss et Van der Stricht-O_p. cit. 1iags. 224 e 22õ.
6Ó EPILEPSIA E CRIME

l\Iais justo nome de lheoria infecluosa merece a qne


parece renascer com J. Voisin, quando esle tenla esbor,ar nas
paginas ele seu livro a) coneeilos sobre a origem microbiana
t!a epilepsia, pergunlandJ si não é passivei algumas vezes
as manifesla1,;ões éomieiaes serem devidas aos «produclos solu-
veis dos slaphylocoeci » não eliminados e aecu:nulados no
sanguo.
Dá or igem a eslas supposições pou cas cxpcrieneias, a maio-
ria negalirns e mui lo preslamenle j usli ça das pelo proprio auclor
da qualiücar,·ão de insufficíentes. b)
Quanlo ao estudo das inloxicaçõ es , o papel das externas
• eslarn d3 ha muito delerminaclo . Os lrabalhos ele C/1. Boucharcl
sobre as aulo -rnloxicaç ·ões nas mole s lias foram o s ignal de par-
lida para um rnslo campo ele pesquizas na pathologia mecliJa
e em particular neste a8sumplo.
O exame das urinas epileplicas revehu a Der,ys e Clwuppe
e), Ch. Fere d), Mirto e), Voi.,in e Peron f), Voisin e
Oliveira{;"), Clauss e Van ele,·Stricht h ), propriedades toxil.!as,
sendo uns ,;fünnaliros da hyperloxidez preparoxy$hica e paroxys-
Lica e bypofoxidez po3lpatoxislica e oulro3 en0ontramlo hypo-

a) Op. çif.. pag . uo e srg.


1.,) Op. cit. Pª.'I· 147.
e), Compte R en,lu de la Societé de lliologie 1889. _
d) Com.pfe Rendu de la Socielé de BiologiP. 1890 -pags. 2?5 9õ7 e 514.
e) Atfi de/la R. Acaí.t. delle Se .. Med. 1894 apucl-Caúitto, Riv. Sperim.
di Freniatria i M t!d. lef!. v. XXT'JII-Março 18117pag. 36 ·e 8ef/·
f) Arch . eleNwrol.-.892 t. XXIV e 11193t. XXV Pªf!·•· 65 e 72.
g; in J. Vaisin·-op. cit. pag. 120.
h ) Op. cit. pags. 22õ ci 230.
AFRANIO PEIXOTO 61

toxidez ant es e dur a"nte a crise, só lia vendo elel'ação ela toxielez
após o accesso, mas sempre interpretando os factos como dépen-
dentes ela elevação toxica dos liquidas organi càs, condií;ão · que
determinaria a produ cc;ão do acce.,so convulsivo, sendo assim
esta manifestação epilrpUca o resultado de úma a11to-intoxicação.
Nel~on T eeter, ten90 prati cado rrg ularmente exame ·das
urinas de dois epileplicos, achou que a tÚea era constantemente
excretada abnixo da media normal e esta ret nf;ão de urea no'
0

organismo era quem promovia a crise motora a). Para A.


Haig a epilepsia como outro s estados morbidos corresponde
a um excesso ele acido urico no sa ngue e consequente abun-
'
elancia ele urato s na urina b) D'Abl.lndo verificou a toxidP.zdo
soro sanguíneo dos epileplicos e) . O mesmo facto referentP-
menle ao sueco gastrico foi encontrado por Agostini d).
O Dr. Clemente Cabitto, de GerÍova, de estudos experi-
menlaes muito completos e ·rnlio!ôissimos, conclue da «decisiva
af'ção toxica e forte poder comul sivante » dos suores dos epile:
pLÍcos no periodo prodromi co dÓs aqe:essos, « podei· tóxico que
a11gnientàa medida que o accesso se avisinha » e).
As observaçõ es referidas por H . I'ommay f) Rob erto

n) in Am erican Journa/. o.f Su sa1nty - J aneiro 1895,.


b) in Th e Brain-1892 11ag.230.
e) 811/l azione batteriridct e tosa'Í(t!l del sangue d,gli alien ati-R iv.
Spe1·im.. de Frenialria 1892.
d) Siillti lossi ta del succogastri.,o • n egl·t epiletici-~/it•. di Patolog.
N erv: e Mmt .- Mar ço 1896 pag. 267.
~) Sulla lossicità del sudore 11elepiletici-Riu. Sperm. d,i Fr eniat,·ia e
111ed. leg. V. XXVIII J,Jarro 1897,pag. 3ü!qeg.
f) E_pilepsie f/Ctstrique- Rern e d,e .licclecine-J1mho 1891pag. 4(9.
62 EPILEPSIA E CRnIE

1lfassalongo a) Luigi Zacclti b) Andl'e Cl,ristiani e)

Tacksch ~) referem-se a accessos epilepticos prol'ocados por


autointoxicação de origem gaslro-intastinal.
Nestes ultimas casos as toxinas gastro-entericas, a maneira
de outros venenos, !el'Uram o estimulo irritati\'O ao cortex cet·e-
bral, promol'endo a determinação da descarga. Nos outros casos
em que se tem verifkado evidente toxidez de liquidas organicos
em períodos que não cbnsentem duvidar da relação de depen-
dencia das crises comiciaes com o estado toxico, pode-se inquirir
si tal estado é causa provocadora ou sirnµlesrncnle effeilo do mal.
A questão não está resolvida, mas para mim estes dois
modos de ver não são incompativeis. Si a degeneração epileptica
lem como cortejo de sua alleração cerebral repercussões pertur-
badoras anatornicas e funccionaes do organismo, é permillido
pensar que taes pertnrbações difficullern as reacções intra-
organicas e dêm lagar a formação de venenos que vão promover
as crises.
E' deste modo que se pode egualmente explicar o retarda-
mento da nutrição dos epilepticos. Esta desordem nutritiva em
vez de ser causa e) é antes um effeito da epilepsia.

a) Dell'Epilessie gastrique-Lo sperimentale t. LXVII 1889 paga.


275 . a2sa.
b) Epile8sia 1·iflessa ela catan·o e delatazione clr.llo sfomaco- Lo
Firenze 1890 t. LXV pag. 22.
Spe1·fotc11tale,
e) Epilessia jacksoniana ela autointossicazione d' origine gastrica-
Riv. Sperint. de Frrniat,·ia e Med •/eg. t. XTX 1893 pag. 634.
d) Epilessia ·acetonica-Zeisclp·ift f. Kliii 11!lecl.1885, res. in Lo
Sperúnentale 1886 t. L VIIl lJOU, 301.
e) Dimitropol-Essai sur la nat. int. et le tract. de l'lpilepsie-Paris
189i pag. l a 40.
,l;FRANIO PlIXOTO 63

O que me trouxe á referencia ás qtt.estões eliologicas foi,


simplesmente demonstrar que ellas não são absolutamente um ;
obslarulo ao modo porque julgo o problema da epilepsia. ,·

~* * *

Parece-me ler deixado, não demonstrado á convicção que


para lanlo não podem dar minhas forças empobrecidas, mas
apontadas as bases do conceito em qt~e tenho a epilepsia.
A degeneração epileplica pode exleriorisar-se, symptomali-
~ando-se em qualquer dos lerrilorios motor, sensorial, psychico
ou visceral da organisaç,ão, em mais de uma vez e em gráos
dil'crsos em cada um ou em todos.
Na esphera mot_ora estas manifestações podem ir desde
mol'imen los em appareneia insignificantes, crises de tremores,
# .

sauda\ão nevropallii<·a ou Lico de Salaam'abalos ele alguns


grupos musculares, convulsões parciae;; de um membro, de um
lado elo corpo, de lodo o corpo (sem perda ela consciencia).
Na espliera psycliica desde pequ_e~as \'ariações de caracter,
irritabilidade morbicla, cries de somno ás impulsões, dclirio
consc:ienf.e,embriague;,, emoc:ional, ausencia, ictus apopletiforme,
mania aguda, clemencia.
Na e~phera sensorial, desde simple ., perrersõcs de qualquer
dos senlidos, nenalgias, cephalalgia~, cephalalgia ophlhalmica
ás allucinações l'isuaes, gustativas, olfactivas, audili,·as, · de1·-
micas, lhermicas, neyralgi<·as, etc.
Na esphera Yisceral, desde os espasmo., da glote, falso
64 EPILE-l"SIA E cnt"ltt

crup, aslhma, angina do peilJ, palµila ções de coração, ás crises


de \'Omilos, diarrl1éas subila s, colicas, ele.
Mais de um terrilorio fcri,lo, ve,em-se manifestaç·ões
como as vertigens, crises procur sivas, ticos dolorosos, acci-
denles psyeho-molores, psyeho-senso:·iaes, senso-molores,grandes
ataques, ele.
São estas mulliplas symplomalisa ções qne conslituem, e
somente ellas, a epilepsia para Tonnini e Roncoroni . a)
Além destas que elle chama chronicas, F eré ajunta as
cclamp3ias a que chama agudas. b)
Como Esquirol, outros consideram epilepsias idiopathica,
symptomatica e sympalhica ou reflex a. e)

Outros veem epilep8ia directa ou central e ref!,ex a. d)


J. Voisin suppõe melhor dizer toxica e reflex a. e)

Christian admille uma epilepsia verdadeira, affecç·ões •


epilepliformes e uma terceira espccic compalil' el com n intr gri-
dacle ou com o desenvolvimento nolal'cl ela inlelligeneia. f)
Todas estas clislincções são do; ,,alorisaclas por seu artificio
e convenção.
Em realidade, as eclampsias de , outro tempo são dofermi-
naçõos Epilepticas; nenhum criterio as pode separar das 0111ras,

n) Disse •smn-,mte ellas• po:-que os aucfores italianos não i11cl1te1n 08


accid1mfes eclamptic'os como man ij'e.•façõesep·ilepti cas.
b) Épilepsie-Paris 1892 pags. 6 e 7.
d roisi n IA) Mal adiés mentales-Pa1·is 18 - Bombarda - Op. cit.
JJ{l(J, 17 .
d) Mm-in~ico etheri e11x, op. cit. pag. 16.
e) Op. cit.pag. 4, G, ele.
f) Épil epsie-- Foli é epilepligit e- Bru xe lles J.8B0prrg. 38 q [\2.
AFRANIÓ PEIXOTO 65

nem fazei-as chamar falsas epileps_ias. Elias não são, tão pouco,
epilepsias agudas, pois não são allerações morbidas accidenl.aes
e se assentam corno as outras sobre um fundo l1ercditario dr.g,i-
nerativo .

A differença entre direclas e reflexas não · tem razão si se


ai.lentar que todas têm um só mcchanismo, differindo apenas na
intensidade da irritação e ponto de partida desta.

Para que chamar epilcpsias idiopathica, reflexa e syrnpto-


matica, si o primeiro lermo é vago e impreciso, o segundo ·
'
dispensavel e o terceiro enganoso?

Dizer epilepsia toxica não é justo, poi~ a loxidez nestas


• 1
circ:umstancias é simplesm~nle urna causa provocadora ou uma
eomequencia de perturbações analomicas e funcc:ionaes ' preexis-
tentes.

Não encon'ro molivo algum logico para estabelecer uma ,


separaç·ão entre a epilepsia commnm e uma especial para os
l1omens de talento .

Surprehendido '
talvez pela exislencia da ep ilepsia em in~i -
riduos de intellectualidade elevada, não sendo esta sensirnl-
mente ferida pela moles!ia, Christian suppoz a existencia de.
casos defferindo ao;; ordinarios por este fa'!lo, julgando-se na
carencia de crear um agrupamento a parle.

Honestamente, clle proprio foi circumscrevendo o grupo,


afastando os casos -duvidosos, reduzindo o todo áquelles que
embora victimados na infància e na adolescenêia, livesse ·m os
individnos desempenhado um papel saliente na vida m·undana.
Peixoto to
,66 EPILEPSIA E CRIME

Para justificar o asserto rnm os exemplos de Cesar, Mahomct,


Flauberl e de um incognito compositor de musica.
Tenho moti \'OS para suppor inulil uma tal differenci1ção.
A epilepsia não implica fatalmente a degradação inlel-
,
J.ectual e o que os mestres tem defii1itirnmente alicer çado é que
a medida que a degeneração se objectirn e accentua, a intelli-
gencia e outras funcções cerebraes conelatamente deperecem.
O anniquilamenlo da rnzão e o caminhar para a demencia
no epil11psia dependem de condições muliplr,s: primeirn da edade
em que activamente irrompe o mal, tanto mais fatal, quanto
mais cedo começa ;_d epo is de sua dura çã o desde o appare-
cimento dos primeiros symptomas; da frequene:ia e dura ç·ão dos
acces.;os; finalmente da forma e qualidade destes e trata-
ménto empregado para impedir seu ar,parecim enlo. Sabe -se
por exemplo que as ausencias e vertigens são muito mais pcrni-
.. -
ciosas pa1i a qm •da da razão, que os grandes ataqnes conn1lsi-
\'O S. Tndo isto, acha-se firmemente estabelecido desde mnilo eom
os trabalhos de rlois eminentes obse rvadores L. F. Calmeil e E.
Ei;qllirol a) .

De outro larlo o genio não é absolutam ent e brigado com a


epilepsia como com muitas outra s psyc hose s degoneraLirns.
11.f
ol'eau pretendendo firmar a Yisinltan ça ,la genialidade com a
,, nel'ropathia fez um aceno a epilepsia b) e o Prof. Lombl'oso foi

n) Calm eil.- l )Épile~i. étwd·ié sous /e rapporl de son sii'ge it de son


~11jluence sw· la.prodnction de /'aliena.tion ment ule. 7'hese de P iwis, 1821pag.23
E squ irnl - Maladi es m ent . t. I . pag. 288, Pa ris J,<38.
b) J. Mo recm- Lrc Ps)/cholngíe morbide, Prwis 1Bõ9 ,
AFRANIO PEIXOTO 6i

della que se lembrou egualmenle p~ra explicar lodos os pheno-


menos da genialidade, _ confundindo mesmo, uns e outros a).
Jean Tail no seo livro L"H'pilep~ie pretende que todos os
epileplicos tenham um grande talento. b)
O epileplíco pode ser, pois, dotado de talento, de genio atéº,
mas o qne é facto lambem e que procurarei tornar inconlesle, é
que lodos os epilepticos de intelligencia medíocre ou genial,
uma voz que a degeneração erolva seguin~o sua marcha anni-
quilaclora, fatalmente a intelleclualidade perocerã, obscure-
cendo se progressirnmenle, o que contraria a separação dis;:ien-
sarel inrenlada por Christian.
Isto mesmo evidencia-se de seus exemplos.
O cnmposilor de musica referido, epileplico doseie os quinze
annos, morreu aos sessenta «cm completa demencia», lendo
• pa3sado os dez ui ti mos annos de sua vida ern uma . casa de
sande », o que bem mostra ler sua intolligencía, bem e fatalmente
se resenlido da epilepsia . Que elle tenha «escriplo operas
comicas e outras composiç ·ões que fizeram sua reputação )> nada
. ' '
admira, mas é inconleslavel que sua inlelligencia molestada ·
pelo mal sagrado foi se lunando até chegar · a dcmencia
completa. Si esla chegou depois de rriuilos annos, de.v(,-se inda-
gar si a forma do mal, sua inlensidade,seu lralamenlo, o modo de
rida levada pelo individuo não der iam ler influído para iss9.
Os exemplos hisloricos prestam-se a um esttido mais êlaro.

11) Lombrol!o-L'homm e ,le,geni e, fnul.f1:wnc. Paris 1889pag. 438 e seg .


b) cipiul B. Ball-Leçons snr lesma/adies mwtal,es, Pciris1890pi1.g.62'. ·
68 EPILEPSIA E CRllllE

Cesar foi um epileplico e um homem de gcnio a). Nascido


no anno 100 A. C. peJos annos 62 a 60 A. C., quando q1:cslor na
Hcspanha foi cm Cordora accommettido pela primeira rnz de
uma crise epileplica, aos quarenla anno s . O., punhae s dos conjura-
elos roubaram-lhe-a vicia, l111hacincoenla e sei.:; anno:=:, no anno
44 A. C. Ouranle 16 annos, pois, seus ultimos, foi que Cesa.r
eslere debaixo dos fogos mais acccssos de seo mal. Para a
demonslracção de sua tliesn Christi an deveria prnvar que
durante esse tempo manteve se integra sua intelleclualidade
muito embora os boles de sua degeneração. Nib o fez e si
buscasse lentar esta a~pcra cm preza en mostrar -lhe -ia a causa
da rcsistcncia opposta ao mal sagrado pelo diclador de Ro121a,
Diz Plalarc!w b)1 «Ccs at· prncurava nos exercícios da
guerr .a um remçdio para suas molestias, clle as combatia por
marchas forçadas, por um regímen frugal, pelo habito de dormir
ao relento, rele:nperando o corpo a todas as fadigas. • Foi a razão
por que elle resi,iliu o decad encia intellectual, que it·-se-ia accen-
tuando si lão cedo não fosse eliminado pelo ferro dos assassi-
no_s. _Este tratamento da epilepsia mencionado já por Cel:ms
e Celills Aurclianlls e) é, allcndcndo as novas idcas da auto-

:a Suetonio-Duodecim Cea:irea, G.1im Juliti .9 Ceur, § XlV, in


Cullef. des Attct. L{itins, pag. 16.
Pl11farcho-Vies des Hoinmes Illuafres. frad. Jranc. de A. Pierron.
Paris, 1864, t. IIT, pa_qa. 339, 379, 386 e 387.
• b) Op. cit . pag. 839.
e! A . C. Celsius Medicina, Lib er Terfus,§ XXIIr, Collect. des .-lnrf.
Lati.na. 'l!ªfl· ss-C. A.tirelia.niis, Mo·rb. Chro11ic. Libcr P,·i,mis, c{ip. li',
:p{tg. 31/J.
..
· AFRANIO PEIXOTO 69

intoxição e retardamenlo de nulrição na epilepsia dos mais


racionacs e a pratica diz dos mais prove1losos.
Passo sobre a epilep,ill de Multomct por não cunheccl•a
ainda baslantemen(e.
Sobre Napoleão I, da sua epilepsia pode-se dizer que
drgradou lanto sua genialidade que a ullima phase de sua
rida é um colossal deslaciamento da primeira.
Seus planos de guerra e sua largueza de vista foram
se estrcilando até chegar aos incvitareis fracassos das
campanhas do Egypto, da ílussia e éontra os alliados. 'Em
Waterloo o General Vandamc dizia: « O Napoleão que nós
conhecemos não existe mais. »
O ministro da guerra Carnot dizia lambem: • Eu não o
rcconheç·o mais. Antes elle era magro, suspeitoso e reconcen-
trado: agora é gordo e tagarclla, mas sempre entorpecido
t languido: Elle, o homem das decisões rapidas, que se offendia
por qualquer conselho que se llie quizesse dar, agora falia muilo
antes de agir e pede a cada um sua opinião. » a)
. '
VPj~-se o artista divino que se ch:imou GuslavP. Flaubert
e qne foi lambem um epileplico. Para prúvar quão perniciosa
e maninha influencia exerceu sobre seu genio a epilepsia,
onça-se seu grande t1migo Maxime du Camp fallar: « Desde
a edade de 20 annos Flaubert linha um desenvolvimento da

a) Eclmuml A11dre11 ,s, Th e diseases, cleath a11daufop .•y of Napoteon I.


The ,Joiwnal 'J.f ame,·ican .Meclical :bsociatio11, 1H89 ripml. Arch, di Psich .
'l.'ori110, 1807, v, XYIII , pags. 8.12 e fl(/!,
70 EPILEPSIA E CRIME
..
intelligencia excepcional ... quando seu syslema nervoso fallou
equilibrio, dir-se -ia que sua meada inlellectual linha sido alada
subitamente . .. elle ficou eslacionario . .. sua memoria tão preci sa
e tão fiel Lern desfallecimentos .. . E' desle momento que data
a inconcebrnl difficuldade que elle experimentava em trabalhar,
difficuldadé que paTeceu estudar crescer em si .. . Quanto mais
adiànlou n'.l vida mais esta difficuldade se accentuou .. » a)
E' a seu mal nerrnsõ, e sua « convicção é inabalarnl , que
Du Camp « allribue a parada e decadencia, de seu grande
amigo. h) Na propria obra do genial romanci s ta pode -se
estudar a degradação inlelleclual do anctor. O seu primeiro vôo
'foi essa maravilhosa Madame Booary, o maic; brilhante livro
de prosa franceza neste seculo. Dahi cllc, que se Linha erguido
tão allo, veio descendo alé rastejar por enlre as merliocridadcs.
Compare-se sua aurora e seu occaso e ver-se-á quanlo distam
um do outro e qnanlo se enganarnm os que esperavam surto,;
mai.:; largos e mai;; brilhanles .. A' medida que o genio amortecia,
esta perlinacia inveneivel que caraclerisa lantos epileplicos
_ transformara-o em erudito, e após se.le annos de -labor ;ncessanle
conseguia produzir, uma epopéa ainda, a epica Solammb6.
Veio depois a Education Sentimentale, romance de costumes, da
_.que se salvam algumas paginas descriplivas, uma Tentation
de Saint Antoine, da uma pla s lic::t admiravel, mas que Louis
Bouillet ·julgou merecer o fogo em . vez da publicidade, e

n) Maxime du Camp, Som:enirs Li/l ei-aires, 4 part. «R evue des Dettx


Mond,s•, anno LI, t. 47 . 1881, paq. 19, 20 , e· Bl, etc.
b) Idem, idem, pag . 21.
AFRANIO PEIXOTO 71

Ferdinancl B,·uneliére reputa «uma composiç,ão bizarra, tédiosa,


informe.» a)
E depois vieram fracas producções, uns Troí;; Contes,
um mecliocre Candidat, um pobre Dosúe,· de la beti:;e
lwmaine» em que desceu a catalogar as cincadas dos grandes
engenhos, assumplo mesquinho que não merecia . tratado pelo
mesmo pulso que em algum tempo soube escrever no marmorn,
na plirnsc elegante de Jules Lemailre.
Para antepor a infelicidade da idéa de Chrii;fian, só o
desastre de seus exemplos.

E' preciso •1iegar a conclusão que me trouxe· aL4 aqui,


uniea qne me moreu á escripla destas linhas, e que encerra
o conceito unitario em lenho a epilepsia. A degeneração epi-
Jeplica, com quanto prolciformc nas varias determinações de sua
liistoria morbida é inilludirnlrncnte, essencialmente, uma.

a) L e Roman Nalnrn li.•te, Pwris .1s11:i, pag . 30.

--~
i

Cri1ne
La lorzab la primalegge della
natura,lndestrutlblle,lnabollbele,
Gabrlele d'Annunzlo-Vlrgene
delle Rocce- Milano-o 1896, p, 12;

O home m lan~·ado no seio da naturez:.i leve ue obedecer


á fatalidade desta lei, qne rege os destinos do mundo perma-
nen temente: a Iucta pela_exi8lencia, lucla sem lregoas, condição
indefe cti\'el do faclo de Yil'rr, como si ll!Tla poieslade, presi-
diri.do ao nascim en to de lo,Jas as coisas, sujeitasse-as a egte duro
castigo em tro ca da miseria de existir.
. '
A aspereza crua desf.a lucta veio se estendendo da resis-
tencia das rariações do meio cosmico e tellurieo em .que elle fui
collocado, e deste modo ·te\'e de bater-se contra o clima que lhe
era ingrato, contra o frio que o entorpecia, alem · contra o ca\or ,
que o deprimia, co_ntra a humidade que o desfavorecia a<lianle,
~ontru o solo, contra a agua, conti:a o ar, .contra o céo até ...Foi
mais adiante. -No combate sem lermo que é a vida na n_alurez~, '
'
lel'e de se embater contra a resisleneià do meio vivQ, e assim se
viu a braço s com myda des de adversarios, desde o microscopi-
Peixoto i1
74 El;'ILEPS!A E Cíl!ME

camente pequeno que parasitou lhe o organismo, deras"Sando


deslruidoramenle os recessos de sua economia, até o mastodonte
e o dinorlherium ·que lhe foram comparsas no primeirn aclo do
gigantes00 drama de sua historia.
Nãu parnu ahi; não se tinha esgotado o rol de seu3 inimigos,
não lhe bastavam o mundo vi~o e o mundo sem vida, ainda em
sua propria especie, elle enconlrnu e3ta terrível idéa de oppo-
sição que lhe foi sempre a face sinistra de todas as coisas: era
seu prnp _rio irmão qu~ vinha luctat· lambem. Foram moti,·os
dessas dissenções cruentas a alimentação que se disputaram, a
i•rotecção dada a animaes de especies differentes, a posse das
femeas e dos machos e finalmente a ambiç·ão de domínio, , este
grande . incentivo que foi sempre o orienlador do l10mem e que
i::eencontra em germen em alguns outros animaes.
Nestas grandes pelejas elle empenhou as armas•de resis-
tencia que lhe déra a natureza. Eram fr2.cas rr.latirnmente aos
ob,;taculo3 a superar, mas elle amplificai as -ia no altrito da lucta,
leria alii talvez os elementos decisivos para sua victoria.
A intel!igencia, muito rnuimenlai• ainda, não lhe _era arma
de alcance que só, bastasse no combate para d_cfcndel-o e dar-l'he
ganho; ella não se poderia medir com- vantagem com as presas
JJOdernsas .do mamuth nem com a . g11ela famirit'l do mega-
therium .
. .O acaso aggremiando -os, ou o insl.inclu lernndo -os a bu ., ca-
rem esta aggremia\·àc e!n instantes de defesa commum ?ontra
estes inimigos, mostrou-lhes a éfficacia de uma arma ahi
desconhecida. ' .
' AFRA-:\'IO PEIXOTO 75

·· A cooperaçiio de muitas unidades na debellação de u,n


obslaculo que de uma só vez surgia advers ·amenle ·a muitos
delles, mostrou-lhes que á reunião destes esforços devia-se o
·exilo completo da lucta, \'ic[oria que nenhum isoladamente seria
capaz de alcançar.

O resultado obtido nestes primeiros emprehenclimenlos


levou -os em iclenlicas occasiões a rn procurarem, soldando os
esforços e dirigindo-os ao fim desejado, indicando-lhes assi1n
a grande arma de que dispunham e que só, devia dar-lhes
ganho de causa no combale da rida.

Deste modo, as unidades que seriam ~smagadas como os


alamos desaggregados, como as cellulas solilarias, como os
germens perdidos, acostadas a onlras unidades, det·am a som ma
offieaz, poderosa, que foi o primeiro rudimento da molle
humana.

Assim o homem serrindo-se da arma de s11ainlelligencia


que se foi pollindo no allrito da necessidade e da convivencia,pela
trnca dos factos adquiridos e da 'reunião de esforços para um
fim drlerminado, oppôz suas primeiras resislencias sédas e
válidas ao meio exterior.

Infelizmente não estavam ahi lodos os sells inimigos: erã o


seu prnprio semelhante que , esquecido do pa~el que ha pouco
fraternalmente desemp!c)nhára no auxilio mutuo para a debel-
fação de inimigos communs qúe agorá o enfrentava · disputando-
lhe o alimento, ferindo -o no s~u auxilio prestado a ou(rós seres,
lnclando p:ila posse de seu com plemenlo genesico, querendo em
76 EPILEPSIA E CRDIE

fim plantar sua soberania, insuflado do des ejo de domínio de


seu dilatado egoísmo.
Era uma nova lucta que se rea cce ndia bem forte, bem
tenaz. Em obediencia a ,lei natural a- l'ictoria deYia ~caber aos
mais furtes e assim devia ser, si um elemento <.:harnadoal1i de
novo não til'esse mudado completamente o destino dos homens.
Aquelles que isolados soffriam os exee:.;io:; da ior ça de qnc
eram dotados alguns dos seus se melhantes, lembrando a
validade da c0opernção como :neio de i:lefesa, · buscaram,
reunindo-se, oppor . um obstaculo serio aos tran sbo rdamento s de
outros que não conhecinm limites a sua acção.
A cooperação destes e3forços foi ainda uma vez v1,ncedora
na lucla contra as potestaclas isola .das qu e se lhe antepunham. E
como esta lucla enl.re irmãos tornava -se mais fretpiente qne
todas · as outras, consequentemente a maioda l'ia-se mai s que
nunca forçada a oppor um obstaculo permanente a força ili imi-
tada de seus adversarias.
E este obsta culo foi a: colligação ele fracos, unido s pelo
interesse de dr.fesa mutua. Estava abi a primeira e duradoura
aggremiação hu :nana, o rudimento da sociedáde futura. •
Este regímen devia aprofundar s uas raízes neste terreno
s_olido que. éonstit110 o babito, onde uma vez, a custa de seculos,
um facto arrnigado, só os cataclysmas têm o pod er de arrancai-os
completamente.
Produziu-se a!';sim pela reunião de mui los esforços u.rn'lodo
capaz de luclar .contra aquelles · que no combale da existencia
o proprio valor ·daria ·sempre vic:toria decidida ;
AF.RAXIO PEIXOTO 77

Esla aggremiação, idenlificada, unida por um só senlimenlo-,


a defesa mutua, porque della decorria a defesa individual, se
dirersificava no enlretanlo pela propria natureza de sua c_ómpo-
sição. Os elementos helerogeneos qne a (Órmarnm, unidos · por
um lado, representavam gradações da força e dislinguiam entre
si, por , esle proprio faclo. Foi esla razão que estabeleceu, desde
o inieio, as liierarehias, as desegualdades sociaes, os precon-
ccilos de c]a3se, de familia, de casta.
, Cada um desles indivíduos, se~undo a cala a que perf.encia,
islo é, !iegundo a força que em si continha, possuía uma orbit:a·
em que podia descrever o gyro de sua cxisleneia; sahir dahi,
seria atropellar ouLros caminhos, obslar oulras marcl1as, rasgai·
outras orbilas, ferir o conceito do estado soc:ial que ia começar.
Como os planetas no syslema solar, estas orbitas seriam tanto
mais vastas quanto maior fosse a grandeza e a força dos -indi-
víduos, mas ellas se dispunham ·reirularmenle para não se
ferirem corno as dos filhos do sol, sem o q_uenão se yoderia de
modo algum conceber o equilibr _io.
1

A sociedade gerada pelo senlimenlo de opposição defensirn


a uma força illimitada, era assim uma concessão de sua propria
força. Si, cop1 effoito, admillir-se que nesle estadio a força
imperou absolutamente, sem transigencia mínima, sociedade
algt;ma poder-se-ia formar, pois . as Judas só cessariam · quândo
um homem fosse o sobrevivente da raça exlincla.
O estado social que se iniciava leve no preludio de sua
estabilidade de acceitar a condição de sua exislencia, isto é, o
conceito de uma hiwmoniit entre os cii~ersos membros da aggrn~
78 EPILEP SIA E CRIME

m"iaçãó, na · medida de sua força, de seu poder. Estava ahi a


concepçãó do diréilo na harmonia desles dil'ersos faclores,
.agindo simulraneamente, sem se entrechocarem, estarn o germén
\ ; .
-da lei iJb facto de lacita acceilação desta harmonia. ·
A sociedade formada · pelo sentimento de defesa m·utua
de rnuitas ihdividualidad ·es tornotr-se uma esp·ecie de collisa ção
contra os lransbnrdamenl·os de lo:fos aquelles, estranho ,; ou não
á communhão que longe d&acceitarem ·o pacto sociál, gyravam
sém caminho traçado, indo ferir aqui o direito desle, além o
daquelle.
· Abalenclo· a \'iria aqui, fazendo aclianle úm attentado á
·propriedada, · subjugando a um, usuí•1rnndoa outro·, era1n estes
individuos prolestbs vil'os contra o regímen social·; preílriam
seguir sua_ prínieirn condição, viver na nativa independencia,
.a curvar a cervir. a uma organisação artificial da maioria.
Havia deste modo de um lado insürgidos, estranlio~ á convenção,
recohhécendu como dirnilo n· propria força para esmagar aqui,
I

depredar acolá, sem freio, sem medida, de outro lacJo·a socie-


dade a que estes indivíduos feriarn quJ se ctillig~va em peso
num interesse de proteeçào mul,ua para mante,r sua organisac;ão,
artificial embora, mas que assegurava a continuaç,ão da propria
dcfesá .
A lodos os actos desses lransgressor es da ordem esla'be-
lecida, lodos estes aclos anli -sociae3 chaniou-se-crime. O crime
foi pois, e ê ainda hoje em sua essencià, o acto anti-social.
,Tal on tal acção em si só era considerada criminosa, quando
feria a sociedade eni seu lodo ou m1s suas unidades correlata-
AFflANIO PEIXOTO 79

m11ntedependentes. Como S\'l vê este c·rilerio era exlraordina•


riamente artificial. Os actos daquelles indivíduos, con~id11rados
.
criminosos, foram em realidade os de toda a communidade
ainda lia pouco, . aclos sanccionados pela força, unica lei
natural, actos normaes, em fim. O assassinato, a pilhag_em, o ·
roubo eram actos permittidos, desde quando ferissem orga•
nismos estranhos á communlião.
Em epocl1a recente, em sociedades de organisação rudi-
menlar ou mesmo 11a sociedade e:ivilisadn, é este o criterio do
e-rime.
O selvagem brazileiro seria punido severamente si prnti•
casse o rpubo, o esLupro, o assassinato em uma das pe~soas
de sua fribu; estes mesmos actos seri&m louvaveis, si tive'lSem
sido Gxecutados em indivíduos de lribus differentes.
Na sociedade cil'ilirnda a lei punirá severamente ao usur•
pador, ao assassino, ao ladrão, mal! a civilisaç·ão consente que
cm seu nome, e a sociedaJe apµlaude, aquclles a titulo de civili-
sarcm !c1'am a pil11ngem,a _-es<.!ravidão,
. 1
o cxtermini0 ús po.pu]a,
ç·õcs africanas. E a guerra n[o é o ex.terminio e o roubo, e a.
1·iolaç·ão e lodos os crimes pratic3:dos contra indil'iduos de,
nação differente? •
~ aquclles que pra~icam estes r.clos, chamados de valor,
não são galardoados dos louros cio heroísmo?
O crime foi pois, e é ainda, só e u~icamcnte., o aclo antag'o-
nico a uma organisaç-ão social dada e os aclos, mesmo normaes·,-
pratieados por quaesquer inclil'iduos serão considerados crimi_;
nosos toda rez que fure1n de encontro a esta-sociedade. ,
80 EPILEPS1A E CRB1E

Applicando alguns d.estes dados ao j ulgamenlo dos delin-


quentes ter-se -á talrnz um crilerio mais justo,
O crime, ser-me-á permillido concluir, é o um produclo

normal de organi<;ações especialmente dotadas mas que repre-

sentam · lypos verdadeirns, absolutamente naluraes qué a \'ida

artificial das sociedades não tem conseguido modificar.

Os criminosos são indi\'iduos normaes que a socicila<la

~ã_o conseguiu suhmeller a seu domínio, á som ma de principias

a,iquiridos e de conceitos preestabelecidos que constituem os

codigos.

Aquelles primitivos que foram o motiro <la formação da

primeir~ sociedade e que se embatiam ineessanlemente contra

ella~ acbaram se continuados e1ri todos os tempm;, como n~

epocha presente. Alguns, fortes pela inlolligencia, tiveram contra

.a sociedade as armas de sua palal"l"a e se chamaram em epocl1as

dircrsas Sócrates, Jesus do Nazareth, João Huss, Karl Max,

AugusteComte, Paul Krnpotkine, l\fo;hel 13akounine, Leo Tolstoi;

oulrns desceram até aos factos, não atacando a organisação


• social em seu lodo e alguns se chamaram Cromwell, Napoleão,

Danlon, Marat, Washington, Gambeta, Ilolivar, Benjamin

- ~onslanl; '3 outros, os mais mesquinhos, porque não atearam

guerras, não pregaram refoqrias, não robusteceram revoluções,

mas limitaram-se a uma revoHa individual, circumscripla, limi-

tada, pequena, e se cliamaram Ravaillac, Vaillant, Henry, Rava-


A FRANJO PEfXOTO 81

clwl, e se chamam criminosos e enchem as· prisões ou se


dep,ndurarn nas forcas. a)
O aclo, neste como n'aquelles outros casos, rnlativamente a
1

sociedade, foi sempre o mesmo ; a differença unica, era que


num caso, possuidos de urna grande illusão allruistica, Christo
e Caserio, Ião ckse~ell1antes, mas Ião irmãos pelo sacrificio,
deram sua vida pela sua idéa bernfazeja ou que suppunham tal,
emqnanto estes agem naturalmente, egoisticamente, procurando
a satisfação . de urna nece3sidade ou de um sentimento mes-
quinho.
Mas o acto é perfeitamente natural e o homem que assim
nge é realmente normal.
Porque as plantas delicadas que crescem e se adaptam a
vida artificial de uma eslufa são jnclividuos normaes, embora
modificados, não se eleve concluir que o cedro, ostentoso de sua
pujan ça e que viceja affronlando as ironias das estações, seja
uma organisn ção viciosn, desnaturada.
Acompanhe-se agora o homem, atravcz das edades, consi-
derem -se as pcripecins ele sua hisforia alé hoje e se encontrarão
mais alguns factos dignos de nola.
Pesem-se bem as transformações quí-l se vão imprimindo
em sua organisação: o cançaço, a fadiga, o excesso cerebral
que lhe esgotam o vigor; as intoxicações, as industrias e

n) Note-se bem, m não m e vro1ut11( :-io 8Dbre a ind ·i·vidualida(le ·dµ


nenh;,m destes homens cujo nome citei, 1n1tifos do.• q"aes j« a. pa.thologii,
estndoi, . Sc,o exemplos lnrncados dcspreocwpmlamente, só me servindo aqui
sua.• arções anfi -sociacs pe,f eitainente 'natumes.
Peixoto 12
82 EPIL EPS IA E ctu irn

profi ss ões doen tias qu e lh o ri ciam e des lr óe m a sand e; a m ise ria


qn o traz o vicio, a fom e, as agglomeraçõe s, qu e ferm enta cmfim
lodo s os mal es, qu e llic dá o deses pero, ali ara e des fibrn
a cons titui ção; o l'icio qu e deprim e e perr orle-o; a mol es lia qu e
deforma o lypo, qu ebru as forças, envenena o res to dos di as :
o meio social qu e fere -o mai s o ma is , desde a asce nção conli-
nnad amenl .; pro gress iva da mise ria, do ri cio, da lux uria aos
progr ess os da c:irili sação, qu e torn a m a lucla mai s a cce s a,
fa;r,e ndo mtidrar int ensam ent e as necess idade., e' diminui ndo os
mri os do sati s faz ei-as .
A lodos ·estes males acc resça-se a heran ça qu e os oslra-
lifica r. lodo s, capitali sa-os, e lra·nsmill e s ;,ias ri ciaçõrs)
ampli ando-a s opulenlam enle, e r or-se á qu e, lenclenclo pa ra a
es terilid ade e par::i a exlin cção , o h omem nurmal rama di a a dia
e a drge neração vencedo ra es tend e os lenla culos de bron ze
para es magar, des pcdnçar num acon chego salani co o gcnero
hum a no.
E então, nes te cort ejo horrir el, des filarão lamb em inimi gos ·
tla s soc iP.dad -es, homens no rm aes de ou tra s era s, ves tid os hoj e
des ta capa, age ilados des ta deforma ção qu e Jlies i'mprimiu a
degener ação, e vrr- se -á que es te fo clor sop t·ou -llrn um al ento,
animou -o á revolta, dou lh e for ç:as no ras para ro mP,e r con re nções
e codi goi::, affron lat· leis e lribun aes .
E a clegenoraç-ão pod e não 03lacionar cm su.as form as mais
s impl es , desce r ma is baixo aind a, romp end o lodo o equilíbri o,
apagar a con sc iencia, annul a r o car ac ter, lança r a confo são ·
. '
e a lr era no esp.ií·íLo, desco nce rt ai-o pe!·man onl ernenle, e o ,
AFRAXfO PE IXOTO 83

·homem 8[:lOra, SI agP., ma~i(csta apenas exteriormente seu'


desacerto ; e si fere a sociedade, sPu acto, longe de ser movido
pela rcvoll:1, traduz siniplesrncnte, como as mais i~1
s ignificantes
e bizarra s 1!0 suas acções, a profunda altera ção que o affccla.
A crirn:nalidad e encarada a estas luzes pode perfeita -
mente aclap'.ar-sc a qualquer dos agrupamentos seguintes :
Cr imint.lidade essencial que a maneira ·elas molesLias dilas
itliopalhi cas poder-se-ia lamb em chamar idiogenetica, que
cxisle por si, corno um proclucto norm al ele alguma s indi viduali'.
dades, seres anti -sociacs, que não lem cm valor algum o conceito
l1armonico do rcgimcn social, t&nclo urna organisação capaz de
rc:-;islir a embales rucl_cs, animado s uni camenLc da grand e forr,;a
de um byper '.rophiado egoismo.
Crimin alidade mixla cm que sobre lypo dnti-sociá l ir:icidem
as deforma ções ela degeneração, de modo a tornai-o mais
prompla e mnis inlensamenlc revoltado contra a sociedade .
Cr im:na :idacle sump iomati ca que traduz como tant as
outra s mani[es_lações indifferente e bizarra s e apparent emente ·
nu lias, o esta do ele perversão mental, de desorganisação psycbica,
de ali.orações p:·omovida s por entidad es morlJidas ou estados
,,
lcratologicos.
*
) *
Esla cliffe 1e1:ça da,ria Jogar a fructuo sas conclusões allin enles
especialmente a etiologia do crime · em que · t~esicle a grande
discordan cia dJs obsPrvadores. Na criminalidad P,·essencial, ella
Jaria r er sobrflu do o f'actor social, isto é, a sociedade por sua
constituição arlir-icial, coarctivíl da força,·•·uni ca lei natural;
EPILEPSIA E CRIME

determinando o crime, protesto contra esta propria consti-


tuição. O faclor - social concorrendo com o biologico daria
como resullanle a· maioria de criminalidade aolual, produclo da
drgeneração e da re\'Olta.
Final -mente, a criminalidade symplomatica deixar -nos -ia
ver factos cm que só existe o faclor 6i6Íogico, .igindo do modo
mais largo e traduzindo -se algumas vezes por aclos anti -sooiaes,
como por variações onlras insignificantes, indifferenles 0u dP.
valor puramente medico. Podet·-se-ia fazer ainda o diagnostico
relrospectil'o e firmar que a primeira forma de criminalidade
foi a essenc:ial, e prognosticar que si a degeneração _continuar
na sua progressão, ella um dia será somente de forma mixla ou
sympl.omaJica.
Os juristas não terão de luclar com medicos numa disputa
rnn -de terreno no estudo do tratamento e propliylaxia do
delicto: uns prn1·idenciarão nas re(ormas sociaes urgentes, de
modo a diminuir os moljvos de ,revolta e as caus;1.s sociaes de
degeneração; outros tratarão de il!lpedir e curar pela hyg1ene e
lherap _eulica pliysica e moral que o cancro roedor da degenBração
perverta e exlermipe a espr.Ç!iehumana. ·
*
* *
Paul A_lbrecli(,de Hamburgo,e _xpôz nu primeiro Congross:>
Internacional ele Anthropolugia Criminal, em r:om.i, uma origi-
. '
nal interpretação cio cri'ne. Para elle um crime é um phenomeno
-
de normalidade ·biologica, sendo anormal o homçm honesto,
porque os criminosos, como «lodos os organismos, destroem,
pillrnm, assassinam e fazem cm uma palal'l'a, ludo o que
AFRA"NIO PEIXOTO 85

sabem e podem fazer por seu proprio proveito e beneficio, sem


cuidar de que o que fazem é nocirn ou pernicioso para os outros
organismos que os cercam , . «A ímmensa maio!'ia dos Ol'ga-
nismos qne cuidam exclusirnmente em 1:,i,» sendo .ihconte .sta-
velmente normal ,,, os unicos seres anormaes q·ue exi:;[em na
natureza » são • precisamente os h·omens honestos ». a).
As idem, de Albrecht, julga-la, em geral muito d,isfa vora•
rnlrncnte, têm entretanto uma parle de rerrlade.
Ferri b) e Coln;anni e) que tanto lhe foram adversos,
rcconl1ecerr. no, quando julgam-na rnrdad eira á luz da anatomia
comparada e da biolo~ia. O segundo, ai•gumenlando este assumpl.o
d), asserem que o erro dú analomisla allemão foi o de eon-
fundir a soc:iologia com a biologia: tem rnzão considerando
biologicamente o criminoso, err ·a ao contrario 'le o vê no terreno
sociologico. Parece-me de nenhum rnlor uma tal orjecção.
Albrecht julgando o crime, olhon-o co:no um incidente da vi?a
do homem, incidente bio-sociologico. Necessariamente nunca
se du\ 'idou, nem Albreclit cabiPia f)m semelhante erro de suppot·
o crime um acto n0rmal para a sociedadr, pará a sociologia, ' si
elle é em si a negação absoluta dos preceitos sociaes.
Mel110rmente age Ferri e) mostrando que o exemplo
t~azido da comparação com outras especies animaes é improce-
dente, pois em regra geral, os animaes não m,atam nem

nJ Actes du I Cong. d'Anfhrop . Crí,n- Tt<rin 1886 a 188i png. 1to.


b) It em pags. 113 a 1u-Lci sociologie Criminelle Paris l,<9,1 pag. 66. '
e) La Sociologili Crimiual e-Cata11ia 1/!SO voz. 1. PW/· aoo e seg.
d) Loc. cit.
e) f,o c. cit . op. ci/ .
86 EPILEPSIA E CRDJE

depredam, senão a ind-iYiduos de espccie differcnte e isto não


conslilue o crime, segundo o conceilo usual.
Os defeitos da lhcoria d'e Albl'ec!tt são sua cxlensão e o seu
·exclusil'ismo. O homem honesto não é absolnlamcmle cxcepção,
,porque é maioria, nem anormalidade porque· o faclo de sua
adapla ção a vida social não eonslilue um desvio de plano de sua
organi sação.
e A immensa maioria que cuida exclusirnmenlc em si
propria • não é criminosa por csle facl<\ é simples mente
egoisla, e só neste sentido, ella é immen~a maio,·ia. O egoismo
hyp erlrnpliiado é o mais forte impul,;or da criminalidad e, mas
11ão é incompalirnl com a hones lidadc nem cons lituc o crime,
O erro capita l de Alb,·echl e de que não se eximiram
seus conlradilore s_Fel'l'i e Culnjann i foi o de julgar a normali-
dade côn~o condição de toda maioria, o que evidente mente é
absurdo. Existem minorias que pelo facto dr, serem minorias,
não são menos· norma es. Para ver isto basta um exem plo. O.,
degenerado s qne existem hoje cm tão grnnde maioria são
comtudo uma anorma lirlade, pois conslilucm desvios do typo,
norma, modelo nllluraL
Apezar de pensar com Ferri e Colajanni qua os J1oneslos
-são grande numero, não discordo ·do anatomisla allemão,
affirmando que o crime nem sempl'e é um facto ante-natural.
As hypotheses alal'islicas lem uma sequencia rasoav el ás
idéas precedentes. Gwseppe Sergi, a) emilliu o conceito d_e

11) Actes duI Gonr1-d'Anthro!'. Grim. :J::w-i,11188~a 18S7-plt[/, u e se(/,

.'
t.FRAXIO PEIXOTO Si

que no crime havia «um abaixamenlo do lypo humano ao...typo


beslial » , islo é, o crime seria uma repercus:;ão ala\'ica n.:>
homem aclual, de inslinclos e' tendencias dos seres que o
precederam na escala do transformismo.
· Esta bypoll1ese do alavismo blistial ou preliumano limi-
tou se, muito embora a erndiç'.ão de seu auclor, a uma simples
supposição falha de base, inteirame11te theorica, pois a obser-
\'ação rec.:usa-se terminantemente a secundai a.
Com effeito não se encontram nos animaes, nas relaç:ões,
entre inJividuos da m'.lsma especie, este conflicto cruento, agu-
çado, permanente, que conslitue a criminalidade nas sociedades
humanas. Muitas espec.:ies, mesmo inferiores, d,lo aos homens
exemplos de organisações sociaes, modelos e ensinamentos que
se não de\'eriam desprezar. A fraternidade mais l(!.tae mais
christan é em grande coµia clestas sociedades seu primeiro
fon::lamen'to.
Cesare Lcmbro1w, um genial semeador de idéas, preten-
deu, e seus juízos tiveram uma , cre,cida repercussão, que ·o
homem criminoso por caracteres de seu desenvqll'i _mento . phy-
sico e qualidades moraes; fosse uma reproducção do homem
primiti\'O na sociedade actua1.
Oriundas de um estudo comparativo, estas co'.'!clusõt,seram ,
precedidas da feitura de um l!JpOcriminal em que se inçavam
irnperfeiçõ?s anatomicas e funccionaes peculiares á organisação .
do criminoso.
Foi .ca-talog:mdJ minudencias d:i organisaç:ão physica,-
- signar,s de infcrio1·i~laclc,instinctos e tendencias do homem
88 EPILEPSIA E cnn.rn

primilil'o e do homem selvagem, estabelecendo a lei que o

crime ent,·e os seli:agens é regra q,wsi geral a), mo5lrando a


similitude
.
entre o selvagem e o criminoso, que o mestre italiano
chegou a famosa conclusão que esle na sociedade aclual era
uma perfeita copia daquelle.
En'relanto a critica foi solapando p~uco e pouco o etlificio
construido, de modo que o proprio Lombroso, vendo -o arrui-
na<lo, transportou alguns de seu,; materia~s para uma nora
conslrucção mais ampla.
Hoje como Giulio Fioretli b) no Congresso de Roma,
ninguem rnni,, dirá que o typo criminal é um facto definili\·a·
mente adquirido pela sciencia, - elle se desmantelou ao embale
dos Topinard, Maiwuorier, Brouardel, Tarde, Houié, Fe,·é,
l\'aeke, 11:fagnan, :tantos e tantissimos outros antl1ropologistas,
- ✓
sociologos, neurologistas, ele., que delle restam -nos a lembrança
de muitos e a teimosia de bem poucos.
De cutro lado, os caracteres physicos apontados como
traço de união entre os sdvage:1s e o, criminosos, não foram
mais felizes. Entre outros, a fos;;ela occipital medi,1, saliencia
da areada superciliar, fronte fugÍtiva, çl~senvoll'imento das
maxillas, prognatismo, orelhas em aza, orelhas de Morei, rari-
dade de pellos, mancinismo, tatuagem, analgesia, desvulnerabi-
lidade, ele., viram-se negados como signaes alavicos, sendo
encontrados em indil'iduos normaes.
A foss~la de Verga aclaad? por Lombroso na proporção

a) U. Lombroso L ' ho,mne C,.-i,ninel-trad . fr . IBR7 pag. /JG.


h) Actes clu I. Cong. il' _-tnthrop. Cí-im.-cit. pag. 109.
AFRANIO PEIXOTO 89

de 16 p. 1Q0 no.s criminosos e 26 p. 100 em raças americanas, a)


'
foi encontrada por Feré 15 vezes por 100 Pm velhos da Salpe•
triére, limpos de culpa juridica b ). Tarde lembra que nos
, Ju d cos e A 1;ab es, J.
CUJa . .
cnmma l'd d , . . f . ' d os
I a e e muito 111 erw1· a

Europeus, ella cxi::;le na relação de 22 p. 1:00 e). Treze sobre


406 craneos de criminosos e 1: sol,rn . 161 do não · c1iminosos
\

apresenlaram-na a Ch. Debierre ti), o qné dá a percenlagerrr


de 3 para ambos os casos.
Final menle, Bencdilcl, negando a imporlancia psychialrica
e anlliropologica da fossela occipit,d media, acha qt.te olla lem ·
mais relaç·ões com a formação das hemorrhoidas e).

A saliencia da areada snpcn:.iliar é um caracter de rnça,


afünnam Houzé e 1Varw>ts.
O desenvoh-imenlo das maxillas é um signal ,ie degene-
ração ou simplesmente um caracter elhnico. ·No Congresso de
Paris, Ferraz de .Macedo, de 9G5 bem cuidadás observações,
concluiu, que « a parle as rariações ethnicas, a media do volume
'
da mandíbula liurna •na é quasi & ioesma em todas as epoclias

e nas agglomera ções sociacs, seja ·dos lempos geologicos, do~


selvagens, dos civilisaclos, dos criminosos.» Uma outra ·conclusão
deste estudo é sobre a falsidade da hypolhese atavistica, pois
« o typo, o volume, a forma geornetrica das mandíbulas e o·

a) Actes tl,i T. Cong. d'A..nth,.op. O,·i-m.-cit. pags. 61 a 6.l.


b) F'éré Dégé-nérescence et C,·im.inalité-Paris, 1R9õ pag. 73,
e) Tarde Ltt Cri,ninalifé Gompa1·é e-P<1ris, 1890 pag. 13.
cl) Actes d-iiIII. Gong. d' A,tthrop. Grini.-Hruxell/!$, 1893pag. 235eseg-.
e) Actes 'cllt II Cong. cl'Anthrop. Crim.-P<tri8 , Lyon, 1890 pags. 257·8,
Peixolo 13

r
90 EP ILE PSIA E C1HME

prognalhi s mo são semelh ant es em todo s os se re~ l1uma nos


desd e os tempos geologicos al é os cunl emporan eos. » a)
As orelhas em aza foram por H o11
zé e ·11/arnols achada s
2õ rnz es sobre 100 pess oas de Mendon ck , ald eia « muilo
patriar chal » de Flandre s Ori ental. Em Brux ellas ellas exis tem
na ' propor çã o de 15 °/0 • O habitu s tub erculo so ~fferece 72 º/o
de ol'ellrns sem elhant es. b) L ann ois n enhum va lor liga á~
d eforma ções da or elha e) . S cl1walbe ( de Slra sbur go) diz qu e
a or elha pontuda ,bes tial d e Darwin nada lem de at av1ca ,
prov êm de uma parli cula rid a rle an ato mica norm a l ao homem.
O [ypo da or elha de Darwin encontra -se invari a velm ent e, diz
1
elle ainda, ·nos embr yões da 4 a 7 mezss cl).-
A;:irnsenta- se o lub ercul o de Da rwin em 1 p. 100 cios c rimi-
nosos e 7 p . 100 de pesso as lione,;las.
Em 507 crimin osos lvlarr o ac hou a rarida de de pe llos
em 10 °/ 0 ; _tinham , ao cont ra rio, ca be lios pro fusos 44 º/o e).
« A abun dan cia do sys lcma pillos o é um dos cara cteres ma is
nolav cis dos Au s tr alian os e Tu srr.1niános, du as das raças
r;elrng ens co nb ec iclas m ais inf eriores» , assCJvera T opin arcl t').
Co,·re refer e que na Allemr..1lia lia qu em pense qu e a

n) Actes clu lI Cong. d,'A nthrop. O,·im .-Pciris , L yon, I R90 pag . 39G.
1.,) L oc. cif. pag. 12;;.
é) Archives cfo l' Anthrop. Criin.- JBR7, t. II ,pn g . 336.
d) Sessão 26 de Jl aio 1889 rlo X l V Cong. elos New· . e .4./ien , ela
Ali em. do Sncloeste-An h. Neurol, 1890 pa g, 3 õ 9 .
e ) in X avier F, ·ana1J/te- L ' Ant hrop. Crim. , P,wis, 189 1 pag. 250.
f) R evue ,l'A n /1wopologie-Pr wis, 188i s . 3, t. II pa g . 080.
AFRANIO PEIXOTO 91

calvice será geral no homem aperfeiçoado do fulurn, ao envez


de se r um signal cie inferioridade a).

O mancinismo depende antes de circumstancias educativas,


que de outras causas. Quem as sim falla junta a esta asserçifo sua
aulo-ob se rra çã o .
A tatuag em não é só da prati ca dos selvagens e dos crimi-
nosos; entre os marilimos, por exe mplo, ha mais quem se tatue
e hoj e, cn lr e a sociedad .e culta, ella vae tornando -se de uso bem
ex tenso.
A des rnlnerabilidade não é apana gio de alguns criminosos .
e se lvagens; o Dr. J(och er assignalo11-a nos Arabes b) e o.
Dr. L ol'ion ho s Annarnitas e).
Em s umm a, ne s te cata logo lor:1bros iano bem poder-se -ia
diz er coin P aul Topinard « ha ele ludo . . . des de os caracteres
mais normae s ... alé as lesões claramente pathologicas. » d)
Os ca ra c teres outros, co mo a insensibilidade moral, a
impul s ividad e, lend encias e in êlinc los c rueis tão altamente
apregoados, apoiam-se em anr.cdotas
.. e narra çõe s de viajantes
e perd eram todo o conceito, qu a ndo se mostrou que populações
se lvagens ha•,ia em que os crimes eram excessivamente raros ,
e não offere ciam absolutam ente aqu elles caracteres.
R eclus e J(rapolkin e troux eram facto s claramente affirma 0

n; Co1n-Les Griminrls-Pw·is, 1889 11ag. 107.·


b) Koclter-La Crimin. chez les Arabe,9, Paris 1884, par;. 137.
e) L,,ion - Criin. et. m,ed. jiiclic. en Cochinchi ne- apud. G. Taril,e-
L es Actes dt, Cong. de Rome- Arch. de l'A.nthl-op.Crim.18SH t. III.1iag. 68.
d) Op. cit. ptlf/· 673.
92 EPILEPSIA E CR!l\lE

livos. Tarde, aífirmando que « lrn bons selvagens », mostra


que « Wallace, Darwin, Spencer, (Juatrefagc-, nol-os flzeram
amar., a)

E não se me d'iga que estes e quejandos exemplos pouco


valem, pois nem só eslào nas condições de outros apontados em
contrario, como sua criminalidade minima, upczar do estado
selvagem, protesta contra o dizer lombrosiano, esp ecialmente si
1,e compara com a Jo~ povos cil-ilisado s.
Quando Tarde objcctou que havia muitos .povos selvag ens
de boa inciole, Colajanni respondeu que nenhum clcllcs «era
um exemplo perfeito do hômem preliistorico b); singular sys-
lema de argumentação que consiste cm calar os facLos dcsfaro-
raveis. Anecdotas e conlos, não raro deifeituosos ele l'iajantes
têm valor quando referem aclo s pelos quaes pode -se chegar ao
parnllelo entre o criminoso e o selvagem, o exemplo não serve
mais, quando contraria es te modo de jul gar.
A não serem as deduc ções arnheologica .s, muito iqsuffi-
cientes, onde se tem procurado elementos para reconstituir o
caracter e a indple do homem primitivo, sinão na observação
destes poros inferiores? '
Em lodo -caso, ,;i o sociologista italiano deseja ouvir fallar'
do homem prehistori co, converse os livros de De Nadailtac,
De Jlfortillel, De Qllalrefag es, Carlrúlhac, Larlet e reriflcará
muila coisa avessa a seu juizo.

a) 'J.'ardc -Ln U,·iminrilité con~p . cit. Pª!I· 46.


bl G'olajrmni- Lu Soc-iologia (),-iin. cit. pag. 4 116.
AFRAXIO PEIXOTO 93

Saberá então que o homem da edade de pedra, como rn


homem de lodos os tempos, foi um ser eminentem ente sociah ·
a); amou e r es peitou seus mortos, inhumando-os cuidadosa-
mente e até erguendo-lhes« moradas mais bella5, mais grandiosas,
mai ~ mont1men·1aes que para os vivos» b); não conheceu a
anlropopha gia ~) «qug não existiu na prehisloria » d) e si al'guma
vez a praticou, foi movido «por uma fome violenta ou por uma
perver são, resultando de idéa s religio sas • e); entreteve «verda-
deiras tran s acções commerciaes» f); foi finalmente bom e
caridoso, lralando de seos enfermos «affecluosa e pacientemente»
~), dando -lhes a cura e a nutri çã o «que não podiam obt er
pelos proprio s es forços » lt ), o qne ve_m a dizH que entre snas '
virLucles, possu iu a sociabilidade; a grali:!ão, a probidade, a'
piedade de que se tem p1·elencli,fo expolial-~s injustamente,
quando deúamos todos «votar uma viva admiração a estes
ante-passados 1).
Toda esta contenda é eivada de uma profunda injustiça;

n) Marquis de Naclaillac-Les Pr emie1's hommes Paris , 1881 f . I


pag. 117.
b) Gabriel ele lliortillet~ La Prehistorique antiqitifé de l' ho11i1n e,
Pa'l'is 1888 pag. 603-·De NadaÁllac, op. cit. t. II pag. 22 9 e srg.-Qiwtre-
fages, Hisloi •re génerule des races lmma i11es, Paris, 1887pa,q. 280.
e) Lartet, Cartciilhac- La Frunce P,·ehisforiqite, T'aris 1888, cit. i a
Fra11cofeop. rit. pag. 253.
d) De Moi"(illet- Op. cit. pag. 605. ·
e J De Mortillet-Op.cit.pag. 606-De Nadaillac.-Op. r.it. t. IIpag. 213.
f) JJ. L e Hon-L'{iomme fossile ni Eitrope, Paris, 18ii pag. 147-De
Nadillctc:. Op. cit. t. II pag. M6 e seg.
gl De lJforlilht-Op. cit. pag. 6oõ.
h) De Nadaillac-Op. cit. t. I1 pa!J, 204.
i) Da Nadaillctc-Op. cif. t. I pa.g. 142.
94 EPILEPSIA E CRIME

assignalam-se todas as maldades dos selrngens !·eaei; ou hypo-


tbeticas e encontra-se um símile perfeito da crimina lidad e.
Porque agora não comparar o criminoso ao homem cil'ili-
sado, que se exime do codigo penal? Collando os retal hos,
in cidentes, minudencias, muito mais verídicas, chegar-se-ia a
um painel mais esfumado ainda.
Em realidade a crneza das guerras actuaes e suas conse-
quencias são muito mais cornprobatiras da fereza do homem
cil'i lisado que os exemplosinhos trazidos a campo como libello
accusalorio dos se lrn gcns. En pre~ro a selvageria dos Aztecas,
dos Tollecas e dos Inc as á cil'ilisação de extermín io, de ronbo,
de impudencias, de alroeidacles que Fernando Corte;,, e Fran-
cisco Pizarro e asseclas derramaram no Mexico e no Per(1.
Nos tempos de boje, compare -se a crueldade do Genera l
Wey.ler e seus soldados que se seram do sangue em Cuba,
immolando 150.000 vir;timas, enlre as quaes muita!'.:mil crianças,
1

l~mbrem-so as torpe;,,as sem nome denunciadas a stigmalisaç-ão


do mundo pela Pall Malt Gazeie o que tirnram por scenario
Londres, a impudi êa, e apontem-me um simile_nas populaç·ões
selvag em,.
A' barbaria antropophaga de alguns povos selvagens, eu
anteponho a jugulação fria, raciocinada, inflingida a prisioneiros
inermes pelos brazileiros que na r&centE.expedição militar contra
o reducto fanatisado de Canudos tiveram em mãos nossas
armas; uma differern;.a unica existP., .é qne uns, os barbaros,
matavam pal'a comei', e outros, estes latinos civi lisados mata-
ram por matar.
.AFRANIO PEIXOTO 95

O que é facto, é que (,n1 lodos os tempos e cem lodos os


povos, o crime existiu, mudando apenas de face, trocando mas-
caras, apparelhando-se de formas e apparencias diversas, aqui
mais hediondo, adiante mais torpe, mas em summa, sempre
acordado, marchando de urn modo continuo. O civilisado neste
ponto de \'isla differe apl?nas do selvagem em que sabe praticai-o
com mais requinte e mais arte algumas vezes.
Daqui . esl!·eilo sinceramente a mão de Corre, por ler
cscriplo estas linhas que encerrnm lanlas verdades e que são
um inteiro apoio as minhas palavras:
«Os senlimenlos de egoísmo levados alé ao :rnte-altrnismo
mais delestavel fazem parle da humanidade inleira ... Somente
nos civilisados o egoísmo, o anle-altruismo revestem apparencias
mais occullas ... mais avelludadas, não menos baixas talvez que
nos inciv,ilisados>>a)
Demais , afóra todas as objecçõos que selem feilo a tbeoriá
do alarismo do crime, ha uma que me não parece descabirJa.
Si o crime existiu SC::mprenuma successão continuada, · para:
que julgar a criminalidade aclual como uma repercussão de
inslinclos e lend encias do hom em primilil'o? Eu compreheodo
perfeilamenle que de accordo com a lei da evolução das especies,
o atavismo representa uma parada de desenvoll'imenlo de um·
ser determinado, do homem criminoso, no caso em que3lão, que
êm ~-ezde tender ·para sua definilirn composição , de homem
normal de hoje, parou no estadia imperfeilo do selrngem, :

u) ·Co,n - Gri me ef ·snicíile. Parü , 1891 pag. GO.

'
96 EPILEP.J'HA E CRIME

admillindo (por insfanles) que este lenha sido dotado daquellas


imperfeições ligadas á criminalidade. Mas entã .o, ha o dilemma,
ou esta theol'ia explica só a criminalidade aclual e toda a outra
comprehendida entre a prehistoria e a actualidade flca
inexplicada, . e é imperieita e unilateral, ou se appli.:a á crimina-
lidade de /odos os tempos e o proprio facto da continuidade
exclue o ataYismo, lembrando · antes um leg~do directu de.
gerações succcssi\'as.
A algumas das objecções precedentes escapa a doutrina de
Guillelmo Ferrero sobre o atavismo por equival_enle. Elle
não cáe no erro de Lombroso de querer provar que o homicídio
e o roubo foram factos regulares da vida primitira, mas prnlende
firmar somente que no criminoso o que é ata rico «são caracteres
p!;ychologicos que erentualmente sob um dado estimulo deter-
minam o crime, isto é, a incapacidade de trabalho e a impulsi-
vidade a) Ferrero affirma · que os caracteres que destinguem o
selvagem e barbaro do homem commum são a inercia, a
inexcitabilidade physio-psychica.
O fundamento destas asseverações é, como no ediflcio
lombrosiano, de factos, aneédolas aprendidas de viajantes e de
fontes outras. Para dar uma amostra do valor destes contos,
. retiro do artigo de Ferrel'O os exemplos que dizem respeito ao
selvagem brazileiro, e que de mais perto é possível julgar.
Os Botocudos são apaixonados, sem reflexão, promptos
rara a e,ffcnsa.- Os Tupis batendo o p~ em uma pedra enfure-

• .•n J Flei~·ero-La JJ1oraleP.1·imítiva e l'atavismo del cleliflo. A,·chivio cli


Psichia .tricr..1896 pag. 84.

/,'
ÁF~<\"NIO PEIXOTO 91,

ce-sc e mordem-na como um c-ão.-Os Dolocudos como lodos os


povos indígenas da America vivem excluaivame;ite da c~ça e da
pcsra.-Ora alii estão lres affirm~çõcs e trcs desacertos
el'iden[C!;.As duas primeiras proposições, com quanto colhidas
u111aem D enys e outra em Spence,., que a refere sem dizer ·a
fonte em que a buscou e fazendo-a p1•ecedcr de um esquivo e
amarello •dizem» a) muito em uso no cabeçalho das anecdotas,•
não se eximem a dnrida, pois não logram confirmação dos que
sc-ientcmente escreveram sobre o selvagem brazileiro . A ullima li
absolutamente falsa. Já não querendo fallar dos Toltecas e dos
Incas que possuiarn arte s, industrias, occ~pações regulares, um-
progresso brilhante em summa, os índios da America, especial-
mente os do Brazil, cultirnvam o algodão, o milho, o feijão e até o
cacau, conhecendo a ceramica, como alleslam os ceramios do·
Pacoval, Maracá, Meracauera, Canul.ins, ele., execptando até
lrabalhos com alguma perfeição. O Professor H al'lt chegou a•
comparar os índios do Baixo j\mazonas aos oleiros da G1·ecia
Antiga pela habilidade admiraivel com que sabiam insculpi1'
adornos graciosos e complicados b).
_Os exemplos que apontei são os que referem-se aos
selragens brazileiros, delles pode-sr inferir de quanta injus-
tiça não se tem acoimado os pobres selvagens pelo mundo em
fóra.

a) Spencei·---:P·rincip ea ele Socíologie, trm/.. franc. Cazelea, 18116, t. I


pag. ss.
b) apwl. Glot•is Bovi laqtta -G riminolo,qia e Dir ei/o, l:Jahia, 1896
pag. 22G.
Peixoto t4
EPILEPSIA E CRIME

Assim escreve-se a lii~toria; é em taes bases que assentam-se


muitas doutrinas de porte. elevado e subidas presum pções.
• t
Herbe,·t Spencer, numa de suas grandes obras, estudando
o homem primitivo emocional, a) busca na,; raças inferiores os
elementos para esta reeonstrucç·ão e com um grande criterio
dissocia e corrimenla os caracteres que vae apontando. Assim,
· vê-se que a impulsÍvidade tão geralmente notr,da «não se percebe
por toda parle», ha porns apathicos e mesmo alguns que leram
vantagem «sobre os civilisados pela faculdade de dominar suas
emoções» (p. 82). Si existe em muitos a incapacidade de trabalho
perse\'eranle, muitos ha lambem de grande perseverança,
de~pend~ndo longo_tempo em seus trabalhos (p. 88). A sociabili-
dade nestas raças existe em gráos diversos; uns curvam-se a
j'ugos pesados, outros não supportam absolutamente qualquer
freio (p. 90).-Finalmente seus sentimentos ego:altruist:ls
po9em constituir o esteio de organisações sociaes perfeitas.
'
~Eu vivi, confessa 1Fallace, em sociedades selvagens da
A:nerica do Sul e do Oriente, onde nenh11ma lei existe, nenhum
tribunal, alem da opinião pi.lblica da aldeia que exprime-se
livren1ente. Cada um respeita escrupulosamente QS direitos de
seu companheiro e é raro, si é que isso se dá, que uma infracção
seja feita a estes dir,eitos. Ne;;las sociedades todos os l10mf!ns
são eguoes» V.).
A.prendam nestes mestrns, aquelles que ligeiramente e para

n}
b)
Spence1·-0p. cit. t. I pag. f8 a. 109,
Cit. J!01'pencer-Op. cit. t. I pa.g. 96.
. ,

1'

·~.
AFRANIO PEIXOTO 99

a salisfa ção de ideas preconcebidas, esmiu çam num vaslo repo-


silorio de faclos somenle uma porção de anecdotas que lhes
!
comêm, eclipsando lodo um resto injuslamente.
«E' muito difficil desprender um facto e generalisal o» b).
Si sobre esle conceilo do ponderoso philosopho ini(lez medi-
tassem, necessariamente muilos reconheceriam a ligeireza com
que procederam. Spencer, como para melhor indicar o molivo
das contradicções, faz ver que rns indivíduos como os grupos
differP.m muilo »; «uma tribu se moslra decididamenle pacifica e
outra decididamente lurbulenla » (p. 97).
c1Jns lem grande amor aos filhos, outros são até crueis para
elles » (p. 99). «Ao lado de alguns sem piedad<J, maos, brutaes
vingalirns, crueis,encontram-se na .mesmalribu e lribus diversas, '
bons, generosos, bone~tos, doceis, ama veis, pacifico!:',verdadeiros,
ele. » (p. 100 -101).
Em summa, é preciso modificar o juizo pouco criterioso que
se lem feilo dos seln1gens, julgando-os arrebatados, máos
perversos, pregui çosos, immoraes; é preciso pesar as circum-
,1

slancias, investigar, perquirir, conhecer-lhes a fundo o caracter,


não por um faclo isolado, mas por uma serie delles -que se
conheça b,em claramenle a origem, molivação, fi~s e só_assim
poder-se-á chegar a um resultado segurn. Demais é preciso não
descurar ne&les esludos da influencia do elemenlo eslrangeiro
no seio destas populações, que em muitos casos perverleram-se
'
ao influxo desles, que com a luz levaram-lhes a corrupção e a
maldade.
Os hespanboes foi os que levaram a,o·l\1exico e ao Pen'.\.
100 EPILEPSIA E CRJl\iE

No Brazil o gentio perseguido pelo colono portugue¼ ambi-


cioso, depravado e máo, que pretendia roubar -lhe a vida, a liber-
dade, a fortuna, a honra, pe'.'dcu por isso, sua Londade e
mansidão naluraes, sendo impellido a vingan ça e a r~presalia.
Que o digam . os Ires seculos de domínio, durante os quacs
Portuga 'l envenenou, destruiu, esbulhou a rai;a inteira elos verda-
deiros brazileiros, dando-lhes a civilisação do extermínio.

Em Jarn os selvagens da parle da ilha pouco visitada pelos


Europeos «tem uma moralidade superior a cios naluraes cio
lado seplentrional» a).
Em ilhas do Pacifico ha população selragens capazes ele
ensi!!at' honestidade e deconcia a muito commercianle Europco e
'civilisado b ).
No Brazil, os selvag~ns Carahibas, quando scnliam faltar-
1

lh~s u m objccto, diziam logo «algum chrislão andou aqui» e), o


que bem indica cm que conta tinham os Eur0peos _, que necessa-
.riamente deram mol1ro a _esse juízo.

Corre di~-me com a grande franqueza que é seu li1bito e


sua característica: «Os selvagens mais fe1:ozes não apparecem
sinão em contacto · com os civilisados, os Europeos ensinaram
aos indianos e aos negros a impiedade e a improbidtlde » d).
O _genio adamanlino de Guy de Maupassanl escreveu:

n) Cit. por Spencer-Op. cit. t. I pag. 96.


b) Spencer-Op. cit . pag. 97.
e) Spe11cer·-Op. cit. /. I pag. 97.
q) Clovis Be-vilct2u;1-- 0p. cit, pa,q. 236 ,
AFRANIO PEIXOTO- iOi

, verdadeiros sehagens não s·ão os qú é se Latem para comer os


ven cidos, mas os que o fazem para malar e só para malar». a)
«Nãa sé encontram muitas vezes entre os não civilisados a
crueldade pela crueldade, encontrar-se frequentemente nos
homens mais civilisados» bj .
Sirvam estas palavras de Spencer, na sua ínflexivel rigeza,
de desmentido aos boatos suspeitos e an'ec:dolas equivocas, cuja
origem quasi nunca se canhece, o que não impede que os desa-
certos levem -nas por ahi além, de bocca em pocca.
Finalmente, para que nada re ste ao·Dr. Ferl'ero lembro-me
qu e o Dr. Lu igi Roncoroni, apreciando suas doutrinas, mostrou
qu e aquelles tres caracteres (impulsividade, in ercia, ·inexcitabili-
dade physio-psychica) pertenc e m todos . ao elemento psy.cho-
molor de nossa alma » e).
A hypothese de Napoleon e · Colajannl d), na textura da
qual foi despendida uma volumosa erudi ção e um longo esforço,
é um pouco vaga, impalpavel. ~ão se trata no crime úe um pro-
duelo dei atavismo physico,mas muito .simplesmente de condições
moraes que sobrevêm ao homem -aclual, como legado de seus
avós primitivos. O atavismo moral não tem base alguma, visto
como é o proprio Colajanni quem contesta o atavismo · phy-
sico, invocado por Lomb,·oso e) e então fica-lhe a absurdeza

a/ Corre-C 1-i111
e et sui cide, Pmris , 1891, p ag. 61.
b) irpttà R ené Domn ic - L ~s E crivains à 'cmjoiml' hui, Paris 1896
pa.g . 76.
C) Sp e11cer - loc. cit. pag. 101.
d) Ar chivio de Psi chiatr ia-1 896, pag :' 312 a. 3/l .
e) L a So ciologia Cri11ii11çile._ Cata-1ti a, 1889. rn(. I pag . .449 .a 506.
102 EPILEPSIA E CRIME

de suppor a existenci:1 de uma funcção para qu3 não existe


orgam . Esta physiologia metaphysica não resiste as criticas de
Tarde e Ferri, que valentemenÍe a enfrentaram a).

A pezar de vivamente combatida, a doutrina alavistica con-


serva ainda algumas adhesões. Lombroso abandonando-a em
seu exclusivismo, fundiu a noção do atavismo á parada de desen-
volvimento b), a epilepsia, a degeneração para explicar o
crime.
Um alienista francez, de nomeada bem vasta e bem justa,
Mar·andon de Montu el, persi.:1te em considerar o crime como
um phenomeno de regressão atavislica e) . Um dos nossos cri-
minalistas, o Prof. Nina Rodrigues tem já manifestado acc~n-
tuadas tendencias para o atavismo, smão como hypothese unica,
ao menos como explicação de muitos factos criminaes d);
A doutrina que pode-se chamar do infantilismo, defendida
pelo Pr. Lombroso e) é a mais justa que já sahiu de sua penna,
si bem que participe da tara original de muitas outras: o exces-
sivo exagero. Parece-me felicíssima a comparação eRtabelecida
entre os criminosos e as criancas, si não se quizer fallar de
lodos os criminosos, nem de lodos os me:.ninos. Tarde já 0 disse,
mostrando que ao lado de wás, ha egualmonte bôas crianças.

a) Tarde-L' ,1tavism e llforal in Étltdes pen. et soe. cif.. pag. 117 a 141
Fen·i-La Sociol. C1·'inf.cit. pag: 69.
b) O atavismo não é já uma parada de clesenvolvimeiitu?
e) llfaranclon, De la críminalité et de la dégénéresce.nce18911,pag. 3. etc.
c1) Nina Rodrigues-As .-a.ças humanas e a 1·esponsabilidade penal
no Bmzil . Bahia, 1894 pag. 84 e seg.-Nagres C,·iminelsau Bresil-A.rchivio
de Psic7viatria, 189õ v. 16 pag. · 362.
e J L'ho1mr}i cri1n-i11el-cit.pag. 99 e segiiint es.
AFRANIO PEIXOTO ' 103

a) O exilo da hypolhese tem sido com as .restri~·ões devidas,


bastpnte comp!eto. Para não ciLar outro, seja exemplo o Pro.f.
Alexandre Lacassagne, a quem deve-se no Congresso Paris,
eslas palavras: «alguns ; criminusos são com effeito grandes
meninos » b).
Das hypotheses atavaslicas ãs propriamente pathologicas,
não é possiuel passar sem enconlr:;r em camioho uma hypo-
these de um sabio jurista, o barão Rajaele Garojalo (de Na-
p~les). Para _elle o crime ou delicio natural «consiste em uma
acção nociva que viola o sentimento médio de piedade e de
probidade, «sendo o criminoso» um homem em que ha ausep-
cia, eclipse ou fraqueza de um ou outro destes sentimentos >>e).
E isto .porque lia uma anomalia . moral d) por falta conge-
nila ou adquirida dos sentimentos de piednde ou probidade,
movida por imperfeições biologicas destas mesmas organisa- ·
~ões.As idéas de Garqfalo são excessivamente rngas, abstraclas, ·
indefinidas, não resistindo sua fragiliqa ·de a qnalque ·r discussão.
Este conceito lheorico começa , a cahir desde a deíinição do
crime, até as applicações prnvaveis que pô'desse ler. Com
effrilo, com as acções criminaes baralhar-se-iam, como vio-
J'ando os sentimentos de probidade e pi-edade, bastantes ·act0s
humanos de limpa reputaçi)'o social e juridic~; fôra preciso

a) Tarde-Études péna.les ef sociales Lyo11, 1882 pag. 1h, .


b ) .dctes eh, II Cong. rl' Anthrop. Cri,n. c-it.pag. 166.
e) R. Garo.falq-Le clelit nat1wel-Revite Philophlqut , Paris 1887, t.
XXIII, pa._q.·s5-La Crimi nologie, Pari111.•sB,pag. 1 e seg.
d ) R. Ga.1•ofalo-L'a.noinali e du criminel, R et"!tePhifosopltique, Paris
1887 t. XXIIlprrg. 261--Lacriminolog ·ie, cit.pag.õ9 e seg.
i04 . EPILEPSIAÉ CRíME

especificar, delimitar preci samente a média d,} probidade e da


piedâde, dando o pad1·ão pelo ·qual &e podesse ajuizar, si tal
oti tal acção humana haviá passado além ou não Linha ainda
tocado a zona, cuja lesão constitue o crime, o que, allenta
a relatividad~ de pondera ção daquell es sentimenlos pelo vario
juizo humano, seria totalmente impos.sivel. Demai s, a ano-
malia moral nada exprim'! na sua \'asta imprecisão, sendo
mister dizer em que ccnsíste, mas com fundamento menos
abalavel, que o da falta dos dois sentimentos referidos, -urgindo
separal-a da normalidade moral sem o que será sempre uma
expr.,ssã,o vasia pará explicar um phenomeno já ele si bas-
tante obscuro pela complexidade de sua trama, como é o
crime ,
A ajuntar á anomalia moral de GarojaJo está a molestta
rrforal de Despine a), mole s tia que o psychologo francez
não pre cisou qual fosse, nem como dever- se -ia comprelwnder,
par ecendo pela dubiedade de seus lermos, contrndiclorios
muitas vezes, que aquelln expressão fôra antes uma formula
litteraria para resolver uma d1fficuldade ardua á precisão
scientifica.
A menção d:is hypolheses palhologicas deve começai·
pela d~ Antonio Marro, que após laboriosos estudos sobre
os caracteres dos criminosos, chegou a conclusão de que o
crime era devido a «uma nutrição defeituosa do systema ner-
Yoso central», «não permittindo resistencia ás cirnumstancias

a ) Étucle siw l'etat psychol. (les crimínels-Ann . med. psyr.h.-Parill


1872-õ s. t. VIlJ pag. 231.

• 1 •
AFRA.XIO PEIXOTO lo5

occasinnaes prorocadoras » a). Esta latissima Lypothese esboç'l


muito imprecisamente á etiologia do delicto, pois deixa aindá
oscillar no espírito a interrogação: em que consisle, ó que
more e porque provoca esta nutriç .ão defeituos ·a o phen0meno
do delicio tão complexo?
O crime para lvl auríiz . Benedikt é a resultante de um<i
fraqueza congenita ou adquirida do syatema nervoso , em
outros lermos, de uma ne1frastbenia, que pode ser physica,
trazendo a incapacidad e de um esforço duravél para um
trabalho regular e impellindo á rngabundugerri" e àos attcntá-
dos á propriedade, ou moral, farorecendó as mas lendencias
e dando Jogar a qualqúer das formas de criminalidade, espe-
c·i'almente a de linqucncia profüsional b). Ferl'i fez já \'er quanto
era unilateral esla liypotliese qne não podia bastar a exp lica-
ção da maior copia de acções criminaes e). Colajanni lembra
que esta nenraslhenia pode bem ser antes um effeito qne
uma causa da delinquencia, como já fizeram saliente os estu-
dos do f>rincipe de Ifrapo(lfine, E. Gautlier e os seus
proprios d).
Hen l'!J lvlaudsle!J, num lil'ro sobejamen te conhecido e já
hoje classico, após um e.;boço suecinto desta orgari isação
\
cariada que constitue o _typo commum dos criminosos, afí1rma

n) Marro-I Garatteri clei clelinqtt enfi Torino, 1s97, pag. 446 a 449.
b ) 1/eneclikl·- Des 1·apports exislanf enfrn la .foi ie et la crimiwrlité,
Gancl 1RR6pag. 9 e seg.-A.ctes clu I Gong. cl'A.nthrop. Grün . C'it. Pª .'l·
142 a. 143 .
<!'
) Fen ·i--Op . cit :pag. 70.
c1) Golaja11ni---Op. cil. t·ol. I pag. 427.
Paixolo )5
í06 EPtU:PSIA E CRli\lE

qur o e crime é ' uma especie do e!llunclorio pelo qual se


escoam suas lendencias doentias.• E' como um equivalente:
pa loucura, porqu e «elles tornam-se -iam louéos si não foss em
criminosos, e é porque são crimino~os que não se tornam
loucos , . Para maior precisão de seu juízo, o medico-legisla
inglez admitte uma p.~yciwse criminal , que é ap ena s o lado
mental de uma rerdadeira nevro se a).
Dally des de 1863 Yiu a es treita analogill entre a lou-
cura e,-o crime, cl1e~ando affirmar que lodo s os crimin psos
são alienados b) .
Yirclww fica bem perto des ta affirma ção quando Yê
num criminoso um -alienado em eia elejurmação e).
Vir!Jilio, admillindo uma nevrose c riminal identi ca a do
JIJaucl:;lP!J, Jlifunzloff ::icceitando uma e»treita analogia entre
tf crime e a loucura e ainda K esleven, sustentando que « todo
c 1ime é lou cura •, junlam -.so aos pr ece dentes d).
1

Lomb,·osó, já na romparaç.'ã o dos Cl'iminosos e dos lou cos ,


já na id entifi cação dos lou cos morar.s a se us crimino sos
nato s, deixou escapar se u modo de julgar a que s tão.
Não confundindo o crime com a lou cura, nlle faz yer
comludo quanto se vae apagando a nitid ez da linha limjürnl e
que os sepa rara .

· 11) H e1wy 1,fmulsley-Le Crime et ln fo li e, Pn-ris, 1891 G. ed . p ng.


80a 81, etc.
b) A.mi. llfetl, Psych. Sd. 1863, It e1n 1891, G. s. t. Ypags. 90 e 291.
e) apud P au l Dubu isson . D e l' evol. dea opi11io11srni matihe ele
respons.-Arch. d,, l' Anth rop. Crim.. 188i, t. II 1'ª9· 129.
d) apud Colajanni-Op. t:it.pag. 408.
AFRANIO PEIXOTO 107

A observação de um cerlo numero ·de crimes pelas


circumstancias que os reresliram e qualidades que se encontra-
ram em se11:, protogonislas trouxe a diffusão destas ideas de·
identificação que não podem ler a extensão desmesurada que
lhe quizeram emprestar .
Certamente entre os criminosos ha muitos loucos; muitos
nas suas manifesta ções anti-sociaes são i-npulsionados pela
~

profunda perturbação que lhes desconcerta o espirilo, mas d'ahi,


destes alguns c-asos, concluir tão extensamente, generalisar as
excepç·ões, affiançando que lodo o crime si não é loucura é um
seu equivalente, vae muito. O louco e o louco criminoso que
não differem entre si, separam-se da maioria dos criminosos por
multiplos signaef!.
A aniilomia, a pbysiologia, a psychiatria, a socÍologia
unanimemente levantam entre uns e outros uma bar1;eira que
simples asseverações doulrinari~s não tem o poder de · destruir.
Semell1anlcs seriam as ponderações a fazer ao prnfessor
Lombroso a proposilo da iâerHifrcação,feita por elle, dos epile-
pticos com os criminosos, considerados lodos sob a designação
de epileptoidcs. Adiante, mais miudamente considerarei esta
questão. 1

A doutrina da degen_eração achou na criminologia um


terreno amplo a seu vicejamento. Prestando-se excellenlemente·
a lodos os esgrimidores com rara felicidade, parecia que se
linha encontrado a explicação tão anciosamente buscada do
prnblema do crime. As hypolheses pathologicas eram chamadas
ao gremio da degeneração e a nutrição defeituosa de Marro, a .
108 EPILEPSIA E CRIME

neurasthenia de Ben edickt, a epilepsia de Lom.br oso, a loucura


de Jvlaudsleu e até o proprio atavismo de S ergi eram defeitos,
fundindo-se na larga hypothe se da degeneração que a tudo se
accomodava, explica_ndo tudo.
S 'ergi no C.ongresso de Roma fazia depender seu ata\'ismo
bestial ou prehumano, da degfmeração. O abaixamento do typo
humano ao lypo bestial fazia-se pela de~eneração primitiva e
pela degen eração adquirid a a) . Poste riorm ent e não se clPt.evc
cm affirmar que os criminosos são degenerados, foi mais alem,
pretendendo qu e elles sãQ «a syntliese de toda a degenera-
ção » b).
Fér é num li,vro qt:c fez cpocha propencleu claram enle em
acceitar a criminalidade como um produ elo da clcgenera~·ão, de
que ella «é uma das formas inferio_res» e) .
Ang elo Zuccar elli nãa é menos affirmativo neste caso.
Para elle « degeneração é algumas vezes primitiv a• não consen-
tindo que o individuo possa adaptar au meio·. Outra s r ezes,
porém, qnando b meio social age, é para produzir «um desvio
ou aJ:,aixamenlo do ni1·el organico», a degeneração crn uma
palavra, tornando -se o individuo incompalivcl com o meio como
no piimeiro éaso d).
Hou ze asserera que rnad ,1 auctorisa a separar os crimi-
nosos dos degenerado s» e) .

. n) ·Ar-tesdu I Gúng. d'A nthrop. G,·i1n.- cit. pag. 14.


b) Gius epp e S ergi- L e Degen erazio1ie uma11e 1Ylila 110,1889 pag. 85 .
e) Fêr é D egénérescen ce et Grimi na li té-c it . png . 63.
d I Act es d,,
I Con_g . cl' A nth,·op. Cri nt. -c it. p a_q . 168.
e ) Actes cf" Iíl Conr cl'Anth ro_p . C,·i11t.-ci t. p aq. 121,
AFRAXIO PEl 4 0TO 109

No Congresso de Bruxellas em 1892 «estas i<leas íluctuavam


no ar, impr egando, saturand o as discussões» a) .

O proprio Dall emagne, que po3Leriorment,; collocou-se em


posição menos atacavel, em communicação a este congresso,
atrav ez de sua prolixid ade ha~ilual, dei;<a entrever uma opinião
farnr avel ao conceito do crime degeneração. Todos os actos
normaes ou patliologicos, individu ?.es ou sociaes tem uma
referencia mais ou menos direcla, 01.1 são desvios morbi<l')s ele
fae:lores chamados nutriti vos, genesicos, inlellectuaes.

Segundo estes prin cipias que resumem em_ parl e Rua


e.s lirada e ommuni c:aç·ão, o crime é a emanação de uma perturb ação
l'unccional », a explosão de um centro em estado cle .er&lhismo,
traduz a este erethismo uma necessidade physiologica normal ou
u,na alteração funccional morbida». A ultima conclusão diz que
ludo isto, «estas anomalia s successirns» devem ser procurad as
«nos estados degenerados ou desequilibrado si b).

G. J elgersma ap reciando a origem patlwlogica dos cara-


cteres physicos, inlellectuaes 6moraes dos criminosos, inclina-se
i·cla degener;çã o para explicai-os e).

Paul N aeclce affirma que o crimino so é um typo . de ~e~e-


neraclo e a anthropol ogia criminal é a degeneração d) .

a) J ules Dalle1n(Jg11e -D égénéré8 et dé8équid rés. cit. pr1g.629.


l, ) .- cit . pa g . 140 a l 82.
A ctee dii JII Cong . d' An throp. Cri111
e) It e,n, pog. 36. 1
c1) Centrnlbl. nervenheik . ii. f. IV , 1803 - apw/·. A, ·ch. Nwi· . 1894, t.
X}(.VIII :pag. 402, .
110 EPILEPSIA E CRIME

Kirn penr;a que a rnnthropologia criminal é um simples


capitulo da degeneração• a).
A classificação dos criminosos no grupo dos degenerados
não escapa entretanto a criticas bem severas. Si é verdade que
.um grande numero de c~iminosos ·são portadorns de stygmas de
degeneração, outrora criminalisados e hoje trazidos a seu
verdadeiro Jogar, muitos outros não ·os trazem absolutamente,
sem que por issso diffiram entre si os actos criminaes.
De outro lado os stygmas assignalados nos pl'imeiros
encontram -se em indil'iduos que nunca altentaram contra a
sociedade, sendo degenerados inoffensivos. Olhando niais de
perto, in\"Csligando as relações da crimina lidad e com a degene-
rn<;ão, vê-se que ha uma percentagem crescida, entre os degene-
rados, de tendencias crim ináes, rio mesmo modo que nas pri sões
um-crescido numerá de e riminosos são deformados, perrertidos
pela degenera ção.
Todos estes factos permillem apenas a conclu são,que si bem
que por si, nem sempre, possa a degen eração crca r a criminali-
dade, .com tudo é um terreno perfeitamente preparado a sua
evoluc;ão. E' · pre ciso porém que a mão do semeador, o meio
social,lance àhi o germeri para que cresça e viceje a planta vene-
. nosa.
Aqui, para evitar duvidas, é preci;;o fazer uma reslricção.
O dominio da degenera ção é excessivamen _l.e vasto, indo do

n) XXV Cong. da Soe. PBych. <l'Allem. do Siicl-O~Bl.• 4rclt. Nwr. •


1894, t. XXV lII Pªf!· 414.
ÁFRANIO PKIXOTO 111

equilibl'io instarel de uma ?rganisação á sua perturbação il}leira,


completa, definitirn. Nas formas mais gra\'es _o · crime, como
qualquer dos actos executados pelo degenerado não tem outro
valoninão o puramente ·mcdico, que permille avaliar de algum
modo a perturbação profunda de sua organisação. «Elle não
tem mais valor que o menor de seus outros actos » disser:,tm já
doia,mestres neEtes assumptos Magnan e Legrain a).
Nas formas mais attenuadas da .degeneração, esta é simplcs -0
mente o terreno propi.cio-,o impulso que animando o revoltado,
dá -llie 1'orças para ferir a sociedade. Sem a degeneração elle.
não seria criminoso, porque sua revolta era impolente e conde-
mnada a inercia pela propria fraqueza.
Lumino, as · paginas do bellissimo lirro de JVlagnan e
Legmin, sobre a medicina legal dos dt>generndosb) fallam clara-
mente das relaç·ões algumas vezes estreitas, porêm indepen- .
der.tes, da d~generaç:ão e do criml': um e outro podem marchar
parallelamenl e, um · pode ser ·um acc:idente na marcha do out,·o,
mas não con\'em «confundir a semente com o terreno propicio á
. . '
sua germinação» e).
Os !:ignaes de degeneração foram encu·ntrados em 35,38 º}o
nos criminollos e 15,66 º/onos não criminosos pelo Prof. Mara-
vesile, de Budape~t, que o communicou ao · Congresso de
Ilruxellas, tirando com um raro crilcrio a unica conclusão

a) LPs Dí!g enérés -ci t. pag. 18G.


b J Op. cit. pag11. 180 ,a. 216.
e) 011. c'it. pag. 187. ,,
112 EPILEPSIA E CRll>1E

possível: « os degenerados são mais predispostos ao crime, que


os individnos normaes) » a). E n:'ío sei que outras possam as
conclusões de um estudo imparcial.
No ultimo Congresso de Anlhropologia Criminal, realisado
em Genebra, Dallemàune man.ifestou idéas· muilo }ustas a ·este
pt·oposilb·, ..asseg'm'andó a 'independencia dà degeneração e a da .
criminalidád'i~ e moslrando ã complexidade das relações de .uma
e oulra.
« Nos idiotr.s prnfundos, ào lado de uma tara degeneràtirn

elevada ao mais 'allo gráo, encontra-se· uma criminaliuade nulla.


Aqui a criminalidade e a degerieração estão em proporção
opposta, uma excluindo a outra.»· Dahi, passando por gradações
diversas, chegar-se-á alé aos casos crimes exime de suspeil~ de-
generatil'a, implicando «a · energia eroluti,a, o equil1brio func-
cional e psychico até, e cJm;)r 0!1Cndi1b alii, o aclo crimi-
noso.» b).
A critica, l'erificando os dados e deduzindo conclusões
n~ai:olicnpas de falhas, fui aparando ,·i:iorosamenle as braçagens
ousadas eh,arrore esgalhada do lombrosianismo. A vivacidarie
da Í'eacção corrcspondeu á intensidade do incilamenro, e Lom-
b,·oso, que cuidou baslarcm-lhe suas obsernições anlh!·opolo-
gislas para chegar ao lermo da questão, ou ainda alguns
revoltosos italianos contra as velhas iuéas clas.,icas que, mais
j"uslos, al,raçaram um ecleli3m::Jmais razaavel, dando, comtudo,

n) Acfes clu III Co11g. cl'Anthrop. Cirim.-cit. pag. 282.


b) Co111pte-Rencluclu IV cong. cl'anthl-op . criin . Geuú e, 1897 pags.
10,9 e l /O,

I
AFilANIO PEIXOTO 11ó

maior relevo ao factor b_iologico, foram perseguidos por umá


porç·ão de sociologos e outros que lhes foram solapando as
construc< ;õcs c reduzindo muitas vezes a ruinarias imprestareis.
O Prof. Alexandre Lacassa.gne, já no Congresso de Roma ·,
viu no problema do crime toda a imporlanc:ia do ftictor sociaL
« O meio social, disse elle, numa comparação infelizmente
defeituo sa, é como o caldo de cultura da criminalidade; @

microuio é o criminoso, um elcmento que não tem importancia


sinão na occa:;ião em que encontrn o caldo, qu·e o faz
fermentar h o). No Congresso de Paris, insistindo sobre esta ·s
idéas, chega alé a pensar que bem se ·poderiam desprnza1·
os dados biologicos, bastando somente atlenlar nas influencias
so :::iaes, porq11e o meio modifica o organi,;m'o e cria assin -1
certas anomalia~» b ). Finalmente, numa phrase bastantemenle
repelida, resumiu lodo seu pensamento, diz1mdo que ·• as
sociedades têm os criminosos que merecem>> e).
Gabriel Tarde, um scinlill;rnle espil'ito de grande prestigio,
foi um outro adrnrsario despiedado do fombrosianismo. Suas
. 1 .
obras, seus numerosos artigos são golpes repetidos na couraça
molestada da anlbropologia criminal.
Embora admilla -a existcncia de « predisposições organicas
e funccionaes ao crime•, julga ,que este é « devido á preponde-
rancia do meio social» d). O lypo criminal, ao qual arranca

· n) Actes dtt I Con,q.d' Anth,·op. C,·foi.-cit. pag. 166 a 167.


b ) Actes clii 1I Cong. cl'Anthrop. Cri,n.--cit. pa_q. !Gõ.
ui Actescl1iICong. cl'A.11tlwop. Orim.-cit. pag. 167.
d) Act es clu II Cong. d' .bthrOJJ. Crim.-cit. pag. 165.
Peixoto · 16
_116 EPILEPSIA E CRli\lE

muitas inderidas caraclerislicas, elle adrnille-o em parte,


.dando-lhe, porém, urna interpreta çã o enviezada á do mestre

.italiano, isto é, considerando-o as sirnilavel ou id enlico aos typos


.c-harnados profissiona es. « Porque, argúe elle, só a carreira
.criminal leria o direito de possuir um physico caract eristico, de
que as outras .seriam desprovidas? » a) Assim como cr iminosos
natos, devem existir advogados, piutores, marinh eiro s, co mmer-
cianles natos, possuinrlo lalrez cada um differencia <;ões photo-
graphicas, craneomelricas, graphologica s, algom elri ca•, etc.,
como o typo estudado pelo Prof. Lombroso.
Ao conceito do valente polemista, no entrclanlo, falia
-absolutamente base e o pouco qne tem dei l'erdade é ave ss o
;as s uas idéas de prepondcrancia social na etiolog_ia do crime.
Nenhuma det ermina çã o amflomica ou funccional sancciona
a·_existencia dest es typo s profiss iona cs e differenc;as observaveis
cm cada um delles, não se refe rem sinão ás proprias condi çi.'ies
profl ss iona es . Elias são ex lrin secas , exteriores ao individuo,
dcp·_
endcntes do habito, condu cla, condiç·ões da prnfissão dada.
C:e rlamcnle cm qualquct · parle recon hece -se i um camponcz, um
militar, um padr e co mo tnl, qualqu er que seja sua ra ça e s ua
·nadonalidade » b ).
Mas lambem o militar entrajado a pa,ire e exercendo as
func ções correlatas não se differ enciaria dos ministros da egreja
só pela observaç·ão do typo. O ad,·ogado que passasse revis ta á

11)G. Tarde-La G,·iminalilé Compm·ée, Paris, pag. 67.


b) It em, Op. cit: pag. ;;1.
AFRANIO PEIXOTO 117

enfermaria de um hospital differia apenas do medico pela habili 1


. dacle e a conducta espee:ial que o habito den a este.
De oulro lado, é verdade que uma profissão dada não é
apenas o resullado de cire:umstancias puramente sociaes; ha
aptidões manifestas, innatas, hereditarias ou não qne regulam de
algum modo a questão. Quem quer pode ser poeta, · pin-lor,
mu sico, adrogado , mas não será um verclaclei.ro poeta, pintor \
musi co. advogado si não re ceber do ber ço as aptidões "'para
,quaesquer destes mis teres.
Franklin, talvez máa ;;aboeiro e l.ypographo, foi eminente
político, os irmãos Goncourt seriam talvez pintores medíocr es ,
foram escriptores illuminaclos. Muitos outros votados a politie:a
e as lellras não têm passado de eunue:hos políticos e litlerarios.
E' com maxima razão que Benedilct dizia no Congresso
de B·rnxella s: poeta non (it sed nascitur, desenvolvendo esta
lhese e lembrando a pbra se de JrfaudsleJJ(tu· non fit sed nasciiw1
a). O proprio Tarde reconhe ce explicitamente a inneidado
deslas aptidõ es profi ss ionae , quando procura referir-se aos
operarias dados a uma certa profissão e ahi lendo exilo, b)
palavras que elle grypha como para mostrar bem o fundo de
seu pensamento.
Adiante, em nota e), referindo-s<::: a uma objecçãô de
Garofalo affirma ter querido apenas dizer o que «o criminoso
nato era levado por urr.a rnrdadeira vocação para a carreira do

a J Actea rlit III


Cong. cl'Anthrop. Orim.-ci(. paga. 3-12 e 3 l -1.
L) Tarcle-Op. cit. 1iag. õ2.
e) Loc. ât, pag. õ6 ,
118 EPrLEPSIA E CnillIE

crime, como o mathematico nato para as m1themati cas •. Poder-


se-ia depois disto dizer lambem, do mesmo modo que sem
uma o\·ação verdad eira, ninguem s~ria um grand e malh ematico,
se·m uma egual Lendencia para o crime ninguem seria um crimi-
noso m>.lo, e nesta ordem de criminosos 1'>factor soeial se ria
lan çado a um plano muito inferior, inteiramente secundario ou
mesmo absolutamente nullo.
Mas uma coisa é reconhecer a inne1tlade elas aptidões
e outra é pretender que ellas se cxteriorisem manifestam~nte,
constituindo typos reconhe cir eis, mesmo á simples vi;;la.
Tarcle, acceitando este ultimo partido, cae não só no erro de
L ombroso, admillindo o typo criminal, jul gado por elle simples-
mente profissional, como acceitando uma profusão de typos,
uma para cada profissão dada. E' r erdad e que elle se compraz
.cm mostrar que dois anthrop ologistas, Paul T opinard c L.
,]lifanouc1·ier, a) acceitam ·s uas idéas sobre os typos profi::i-
sionaes, mas isto não tem rnl or algum, pois os dois sabios
franccz es limitaram -se a meras affirmações platonicas, qne
não tem rnlor, m1Jsmo escorr endo da penna de anthropolo!-(is ths
de nota.
E agora, volvendo ,à Tard e, onde as icléas intran sig•rntes
_da preponderanc:ia do factor social na etiologia do crime, si o
erime é resullanl e de _uma aptid ão e esta aptid ão é innata?

a ) T opi11arcl- R P-t •u.e d'A nlh rop . P m·is, 18S7- Ma no iivr ier , A roh . de
l' A 11th1'op. Ori m . LIJ01i, 1886- ap,ul 'l'arde, L ctOr iminalo. 'Jie, R et'. il' .4.nfhrol .
1888 s . a.• t. li I p il,g. õ2I a õ3:J,

.. ..
AFRANIO PEIXOTO 119

Felizmente, o aievantaclo juri.;ta foi a Bruxellas modificar


em algumas pala nas muito do que dissera até ahi.

Heco nhece ,que se lem impropriamente usado da expressão


preponderante a prnposito dos factores sociaes e substitue -a
pela de determinant e, pois não lhe é poss ível comprehencle1 ·
o delicto a não se r co mo · «a resullante de um entrecrnzamento,
de um enconlrn, de um::t convergencia destes rliversos fa<'lores:
as impubõe s heredi ~arias e as suggeslões imitativas, o todo
impellindo ao crime» a).

Topinard e Manoiwrier, inimigos irrcconciliaveis das


idéas lombrnsiana s, apprnximam -se de Tard e e Laca ssagne,
marcando ao meio social a principal influencia na proclucçãó
do érime b).

B erna, •dino Alimena, um mestrP. tão erudito quanto


cr iterioso , conv em qu e o cr ime seja um facto complexo, mas
que em detrim ento do factor social muito se tem insistido sobro
o bio logico. Mesmo na hypotb ese de prerlí s posi ções e eslàdos
• j •

degenerativos, impellindo á criminalidade, elle julga não set·


possi vel des conhecer que lodo s « sejam ô effoito de condiç,ões
sociaes » e) .

I;'crdinando Puglia mostra a do se de relatividade existente


ne sta questão de prepond e rancia rios dois factores, que se podem

n) A ctes du III Cong. 1l'Anthrop. Crim .-cit . pags. 3.17a .138.


b) '1.'opi11c,rd- Uev. d' Anfhrop. pag. Actes du JI Cong. cl'.4.11throp.
l><S7,
cit . pag. 489 e seg. lú anouvrier It em png. 2R e seg. etc.
_q.d'.A.nth rop. Criin . cit,. :J1ª!l·
e) ,!ct çs 1l•i, II Co11 274.c, 27/j,
120 EPILEPSIA E CRI.ME

salientar conforme o caso dado, depenclu um do outro,


influenciar-se reciprocamente para o mesmo lermo-o crime a) '.
. A Felippo Turati b) e a B,ww Baila:;lia e) muito
importaram na genese da criminalidade as influencias economicas,
dando, sobre lodos os outros, a esl~ factor social uma axagerada
sobrclevancia, o que torna suas theorias por demais estreitas
e acanhadas. Eritretanlo, de quanto vale o problema economico
nesta ques;tão, diz muito allamente uma communicação de
Hector Denis ao Congresso de Brnxellas em 1892 d). Os socia-
listas ei;icontram ahi a cliave do enigma e pretendem que, uma
YCZ sanada .a crise economica, sem mais .temer as fluctuações tão
çleprimentc.;;, o crimo cessará de existir entre os ma]e;; humanos.
'
Um jol'cn e bem illuslre cscriplor italiano M. Angelo Vac-
çaro tentou explicar a genese do crime, considerando-o como
«manifestação especial da inadaptação» ao meio ou como
ruptura da adaptação, «sempre impel'Íeita e instavel » e). Esta
doutrina não permitte duvidas, pois parece que o accordo é
geral em affirmar que a maioria dos crimes como rcvollas
que são cont.ra a sociedade, revelam más ou falhas condiç·ões
de adaptação ao meio. A int_:ognita procuraria não é no entre-
tanto esta .c&usa Ião estreitamcmte ligada a maioria dos crimes e

a) Ite-111,,pag.214. ·
bJ Il delitto e la questione social 1-Milano , 1883.
<') La clintimica del delitto-Napoli, 1886.
d) Actes cb III C'ong. Anthrop. Crim. cit. paga. 366 e 371.
e) Vaccaro-Genesi e fm1zio11e delle lef!Í penale , Ronw, 1899, pag.
119 r, seq.·
AFJ3.ANIO PEIXOTO 121

chegando até a mislural'-se com elles, mas a razão porque se dá


ou cesr,a a adaptação e porque deste Jaclo decorre o crime.
O atavismo, a loucura, a neuraslhenia, a degeneração, etc.
repre~cnlam liypolheses aventadas a proposilo desla~ causas
tendendo Iodas como lermo para a inadaptação e o crime.
Fortíssimo apoio elas modernas icléas e paladino esforçaclQ
e imiclo nestas lides, Enrico Ferri a este - proposilo lança mão
ele uma extensa formula cceleli'ca e faz do crime um phenomeno
de origem bio-physico-social a).

Refulan ,do as principaes lheorias da criminàlidade, ferin-


do-as cm sua unilateralidade e em seu exagero, apontando as
falhas e as dernasias, considerando inteiro o polyedro b), ao
em ·Ycz do trabalho parcialissimo feito alé ahi, elle ~iu qi;i~
o deliclo criginava-sc de condições hiologicas, physicas e
sociaes, «por gráos e modalidades differentes, ,mas sempre com
o concurso simullaneo destas Lios ordens de condiçõP.s naluraes. ~
A tlrnoria de Ferri não l! m lido, e é de comprehender-se
a razão, fortes accusações; quando mui lo, os conlradictores
limitam-se a censur •ar a ma'ioi' prepond eran cia allrilrnida a esl(,l
ou áq uelle faclor. ·
Dallemagne c<,nsurou-lhe no entanto a falta de precisão e
de adapta ção , «porque el!a se applica a qua _lquer manifcslaç :à~
vila! e) . Este reparo justo, não a fere em re2lidadc, pois Fe1·1·i
apontando a multiplicidade dos factores do crime, pretende\1

a) Acfes clu II Cong. cl'Anfllf'op . Crim.-cjt. pags. 42 e 46.


b ) lt em·-p ag. 172.
e) Dall emagne- D í>gén.et deseqnil. cit..pag. 635.
122 1;:PILEPSIA · E CRE\IE

apenas demonstrai' que elle era devido a condiçõ ·c.; complexas


e não comu se suppunha, allribnindo-o a causas parciaes e
pretendendo absurdamente genera]i,;ar formulas estreitas. O
delicto, como qualquer ou Ira manifestação vila!, não escapa a
direcção de governos mulliµlos que promovem -lhe a apparição-
foi o que, parece, quiz demonstrar o prestigio so mestre.
O unico defeito deste jnizo não eslá al1i; é no seu amplo
ccclclis1río que a falba deve ser procurada. Cncarando o pro-
blema na sua complexidade habitual, julgou a maioria suppondo
fazei o a totalidade e dabi o escapar -lhe um pouco ele excln -
sil'ismo, apezar de ludo. Assignalando na producção do crime
a constancia e a simu,"/aneidade dos tres faclores referidos, sua
formula deixou fóra ·da nua alguns crimes, produclos simples e
puramente de uma ou duas das condicções apontadas.
- Quantos crimes são feitura exclusira de condições sociaes
viciosas, em nada influin ,clo o faclor biologico? Em quantos
outros pode -se verificar a iníluencia negaliv:. do mc10 physico?
E ainda cm quantos o fador biologico existe isoladamcmte,
prescindindo de qualquer adjunto para a sua manifestação?
O idiota que pelo simples prazel' de ver a chamma alêa um ,
inr.endio e determina uma grande calastropbe, em que influiu o
meio ~ocial para a consecução de seu desejo doentio?
O louco, cujo cerebro enfermiço engendrou uma alluci-
nação e mala guiado por este facho, prescinde de ccnd icções
sociaes para explicação de seu clelícto.
E' verdade, e eu já ouvi um argumento idenlico, que se tem
dilo serem estas condiç·ões biologicas em pai·te um "reflexo de
ÁFRANIO PE>IXOTO i23

perturbações sociacs; que a idiotia e a loucu~a contam entre


suas determinantes mais de uma condição social. Mas eu não
discuto a gene&e da idiotia, nem da loucura, vejo apenas nestes
terrenos, prepara.los por qua esqucr circurnslancias, surgir
debaixo ele sua exclusiva intervenção e sem fJ concurso de
fac lores extranhos, um crime, que é simplesmente um symptoma
da perturbação biologica.
Ao syllogismo da argumenta ção, usando da mesma arma,
poder se-ia dizer que sendo as c_ondições biologicas afastadas
e. primitivas, tudo reduzir se-ia e m uma palavra ao factor
biologico.
Aos rlieloricos deixo por ém esta briga syllogislica para
que esgotem ludo que em argnmentação capcicis,a clla pode dar.
Corre rrcor1hece como factores da criminalidade um
intríns eco , a predisposi<;ão, e doí;; outros exteriores, o ~eio social
e o meio cosmico a).
Tendo ,·indo das tlieurias unilaleraes ás mais complexas,
das de preponderancia biologica ás de aceenlnação social che-
• 1 •

ga -se, forç·ado pela s falhas de ca_da ,uma a uma formula bastante


complexa unica capaz de abrang'!r lodos os casos . •
Ü:; defeitos capilaes de quasi todas as theorias, a intran&i-
gencia e o exclusiri~mo, lirera~ de eeder a formula ampla qu~
forneceu explicação salisfacloria de todos os casos.
Parece que as luclas tão renhidas nos primeiros tempos da
. ' . . ~""'.
anthropologia criminal, rão cessar, pel~ menos perder seu

a) Corre-0, -ime etsu-ic-icle,cit . pags . 7 e 11.


Peixoto 11.
124 EPILEPSIA E'. Cl:W,IE

motivo, diante das concessões e das coneiliaç·ões que se lem


tentado.

Hoje, algumas duvidas que existem ainda de pé não se refe-


rem a nominação dos geradores do crime, mas a imporlancia
allribuida diYersamenle a cada um dPlles.

No facto do crime é ao elemento individual ·que cabe a


predominancia affirmam Lombroso , Ferri, Caro/alo, Sergi,
Jl1arro, Frigerio, Taverni, Virgilio, Zuccar elli, Corre, lúll'ella,
Beneclikl, Alvarez Taladri:., Dallemagn e, Houzé, Pauline
Tarnowski, ele.
No Brazil chefia os deste grupo o Prof. Nina Rodrigue.~,
um mestre de superior engenho, que por seus traln1lhos sobre
a influeucia ethnica na criminalidade e tendencias alavisticas
merec eu ser chamado pelo Prof. Lombro .~o, apostolo da Antl1ro-
. polõgia Criminal a). O Prof. João Vieira de AratljO que
illustra a faculdadr de direito do Recife, abeberou-se de idcas
novas, unindo-se em muitos pontos a eschola moderna, espe-
cialmente as id eas de Garojalo, que lhe merec e m notada pre-
ferencia b ) '

Um norn e já bem illuslre, o Dr. Candldo Jlfoila, ainda num


recente trabalho e), .«a obra mai s perfeita sobre a classificação

n) L"Anthl'op. Orim..et se.9 recents pm_qres, Pa ris, 11196, decricatoria.


b) J. Vieira rle A, ;aujo-Codigo Criminal Bra zileir9, Commentario
co·- Recife, 1889 , pcig. 48 e seg.-90 e ,eg.-131
Pl,ilosophico S,:ie:,1.fiji e seg. etc.
e) Classificação dos crim.inosos-th ese 1Jctrfl . concwrso na Fa culdad e de
D ireito de S. Paulo, S. Paulo 1897 , l'."U· 9" 16.
AFRANIO PEIXOTO' '125

dos criminosos» no ajuizar ele Lombroso a), expende opiniões


deu~ lombrosianismo evid ênle.
O elemento social .é o dominante na cjúe'st/Loda criminaJi- ·
dade conclarnam Lacassor;ne, Tarde, 1íi1jinard, Manoúv,·ier,
Gauclder, Law·ent, Coutagne, Atimena, Colojanni, Mo,.selli,
Carneva.le, Baer, Naeclce, Lislz, Dimill'í Drill, Delâe!'ew,
Orchànslru, Bajenow, Ellis 1-laveloclc, Semal, Prins, ~t,.aelens,
111aus, Yati H amel, ele.
No Brazil o Prof. Clovis Bevilaqua, um nome que já
dispensa o ata rio de urii adjeclivo, inclina-se para as concepções
do crime, tendo « sempre uma feic;ão individual ao lado d.e onlra
social», concedendo ·a esta nllima notavel sobrelevancia b ).
Afóra estes, emprehenderam trabalhos de prôpaganda
e doutrinação scientifica, filiados ás modernas idéas, muitos
ot:lro·s nomes que não merecem esqµecidos. Artlwr Orlando
( escri pt?s na Philocl'alica em 1886 - Parecer sobre ~o novo
Codigo Penal, 1896 ), Curo de <Azevedo,Dr. Fer!'er, Dr. M al'co-
. 1 , '
fino Fragoso ( Genioide alitrico-lhese do ílio, 1890 ), Esfellit2
Tapajós, Adelino Filho, Viveiros de Castro (Nova Eschola
Penal-RiÓ-1894 ), Pedro de Queiroz,Au relino Leal ( Germens ,
do Crime-Bahia-1896) Dr. FelintoBastos (Dos Crimes e dos
Criminosos - these de concurso -Bahía-1897 e).

a) 11'-chivio di Psi chia/1·ia- JH07, t. XVIII, pag. 460.


b) Criminologia e Direito -Ba .hia , 1806,pag. n, 52 a. 63, etc.
e J Muito -.mbora 11 ieu esfoi·ço, tt bibliographi'a sobre o assmnpto no
Brasil vae escassíss ima , pois aqtt·i é mais .facil conhecer o estran,qeiro que
,rnspeita,· o 11acio11al.
A.lguns dos11-om es dados ,são empresti-mo elo Dr. C. Be-
i•ilaqua, op. cit., pa:g. w -20.

\•
126 EPILEPSIA E CRIME

A' Faculdade da Bahia neste anno foi presente um lral:-alho


consciencioso e de ,•alar avantajado do Dr. },1anuct Calnion-
Degenerados Criminosos-sobre o qual não me posso exprimir
por não ler sido dado ainda ao publico.

*
* *
Lanç·anilo um olhar relrospeclivo sobrn as lheoria s da
crimin!j.lidade que se foram snccedendo, vê-se q1ie em cada
uma, a par de fracções da verdade, ei:icontra -se um pertinaz
exclusivismo, uma generalisação ab,urda, qu ::itêm contribuído
para o $eu descrPdilo, ás vezes quasi inteiro.
Desla ful'ia pela conquista da verdade nasce lucla renhida,
em que domina sobretudo uma inlransigenc:ia e uma inlolerancia
sero limites ;,.cada qual, julgando ler acertado, manlem-se em
sua posição, aggride aos advers'1rios, não cede uma linha de seu
terreno, !)inão quando, balido de todos os lados, é forçado a
procura1· ,um ponto n;iai;; vantajoso. E o que mais espanta é que,
homens todos de sciencia, esquecem-lhe porventura a historia
das conquistas; , deslembram-se que nunca uma gr.ande verdade
sahiu inteira dA um cerebro c permaneceu immulavel, perpetua.
N!!,o, esle produclo ·vem necec;sariamel')le .~arado de um 1 vicio
original, de uma congPnita imperfeição. E' üm bloco de bronze,
lançad~ ainda quasi sem. for11as dblinclas, feiçoado grosseira-

mente, que oulrl)s lerão de desbastai· , aqui, cavar alli, pollir


adiante, . para conseguir no fim a obra cobiçada, a forma
perfeita de uma verdade.
Alravez de opiniões di;;cordantes , e alé oppos -Las. sobra
AFRANIO PEIXOTO 127

a genese do crime, poder se-ia ver sem grande custo esboçar-se


o verdadeiro conceito. O caminho seguro para islo seria uma
fusão regular, amputando as excrescenciás Yiciosas desta,
enchendo o rnsio cavado daquellas, chamando para o congraça-
menlo l1armonico todas as frací;ões verdadeiramente sans das
hypoll1cses mutiladas.
O alal'ismo, si se olham os faclos por uma cflrta face, não
merece a rejeição absoluta de algun:3, como ·não póde pretender
a extenRão desmedida qne lhe quizeram emprestar outrns. Si
se considera que muito .:; cl·iminosos lembram pelos seus senti-
mentos ante-sociaes os primitirns que amaram sobretudo sna
nalirn independencia e só obedeceram a ]P.i de bronze de força,
é pos,,i l'el comparai -os entre si e julgar a uns, símiles de outros.
!\las si estes factos podem existir, infeliz se me afigura a appell~- _
dação de ataYismo, porque si a comparação pode dar-se com
·os repi·esentanles ante-sociaés das geràções primitivas, não se
dará menos com o das gerações subsequ1mles, até ' a que imme-
. 1
diatamenle precedeu a nossa.
A 1.heoria do infantilismo lcm bem algm~,a parle de justo.
A criança é uma substancia malleavel que o meio póde
imprimir as fórmas mais diversas, lransf0rmar em um terrível
scelleraclo ou cm lÍm grande fusfo, mais é evidente que ellas
trazem, em sua maioria, todas as tendencias que em ponto )Jem
ampliado se tei11observado nos criminosos. E esta similitude · é
devida a que uns e outrns tem uma unica lei, a propria força~
um unico alvo a collimar, a satisfação de seu egoísmo, indiffe:
'
rentes a preconc~itqs s9çi<\e$ que desconhecem ou desprezam.
128 EPILEPSIA E CRIME

Estes pequenos seres ignoram a ·anecdota social, e offerecem


por esta razão um esboço de · muitos daquelles outros que
movidos pelos mesmos sentimentos quebram-nos aos pés .

As hypotheses expl ic,tlivas do crime pela ncurasthenia,
degeneração, loucura, epilepsia ele, já o dissfl, têm em muitos
casos, rnrdadeira applicaçãu. ~stcs estados morbidos quando
não crêam por si só o delicln, á semel han ça das outras manifes-
tações symptomaticas que as re\'elam aos olhos dos clinicos, são
de alguma sorte a predisposição que as condições sociaes defei-
tuosas levaram a produzir o phenonieno do crime.
As doútrinas sociaes tem grande parle da razão cm seu
modo de julgar.
Com effeito, capazes de por si só determinarem a producção
do-crime, em muitos outros casos; as más condicções sociaes,
polilicas, économicas, juridicas, religiosas e outras serão apenas
o faêho, que le\·ará o incendio á polvora, p:ua explosão do
crime ·.
Prornda a complexiclade dos lactores gencticos do delicto, o
deletminar-lhes a importancia de um modo absoluto, é uma
questão tbeorica,f!ue perdeu o valor, poisos dados podem variar,
segundo cada caso particular.
Só uma foriní:tla bastante larga poderá conter as hypo-
theses que se offerecem.
· O crime é a l'esultarite· nece~sa1'iada ·acção combinada
ou isolada de con1ições sociaes, indioiduaes e ph!Jsicas em
(ll'áo, numero e r1·oporçõesdiversas.
AFRAXIO PEIXOTO 129

***
A sociedade, por viciosas condições de sua organisélção,
pode p~r si, exclusirnmenle, determinar o plienomeno do' crimC:.
(-J.uelelef,
com profundo senso, dis se t:a, que rn sociedade
arma o bra ço do criminoso» a),
·O prof. Lacassagne, repelindo sua conherida e luminosa ·
plira se «a sociedade tem os criminosos que merece i, referindo -se
a propliylaxia do delicio, fizera rer qne si as sociedades se
aperfeiçoassem, melhora sse m a sorte dos Lumildes e dos pe•
queno s fariam diminuir o crime b).
M anoucrie,· reconhece a exislencia de crimes produzidos ·
«sob a influPn cia de- condições sociologicas más ou motivos
suscepliveis de agir regularmenle sobre homens perfeitamente
sifos e norma es » e).
Dalemagne com grande lucidez nu que ha crimes que
traduzem uni came nte instinclos normaes ,·iolenlados pelo
meio d).
A degeneiação incid indo sobre a organisaç ,ão individual
'
crêa uma outra o!·dem de faclores-os factores biologico s.
Nos grãos allenuados, quando ainda não se alling ·iu ao
desequilíbrio profun _do da organisa ção, estas condições mor bida s,
farorecPm apenas a explosão dos sentimentos de revolta, creados

n \ Apiul Denis -Actes dtt JII Co11g.ii'Anfhrop. Orim. cit. pag. 3i1.
b) Acfes d1; •JI Cong. ,l'.4.nfhrop. Crim., c-it. pag. 165 ci 167.
e l Acfes dii II Cong. cl'.4.nthrop. Orim. cit, pag. ,10.
d) Compfe Rendu dn IY (!ong. d' An~h,·op._Críni. çit, pag. Wi.
El'ILEPSIA E cnt:ME

pela sociedade, são por assim dizer os incitadores de uma paixão


que dormia por não se poder manifestar. Quando, porêm, a per-
versão da organirnção é completa, o deseq ui.librio prnfunda-
mente marcado na economia, falha to:io o criterio para uma
semelhante differenciação. O crime, si existe, é um incidente da
histona morbida, dependente unicamente destas proprias con-
dições.
Já, no Co~gres~o de Paris, . prnleslando contra a designação
de ulienados ,criminosos, Bajenow a) notara que em psychitria
seria errnneo classificar os alienados, segundo ou não liressem
praticado aclos deliriinles previs tos pelo codigo penal. «O alie-
nado lendo commellido um crimP. s.::melha-se em lodos os
pontos a outros alienados da mesma calhegoria e differe essen-
cialmente dos oulrns criminosos . Elles não podem ser classifi-
Cf!dos senão segundo o conjllncto de seus S!Jmplomas. Seja-me
permillido salienlar, gryphando, estas ulli mas palavras ele um
illuslre psychiatra, porque ellas secundam de um modo muito
efficaz minhas idéas.

Magnan e Legl'ain escre1:eram numa das paginas ele seu


iil'l'o h) que ern muitos casos «o crime é apenas uma das mul-
1· tiplas e differenles adapta ções do es pírito do desequilibrado.
Para o clinico elle não tem mais valor q11e o menor ele seus
outros aclos . »
«Ha crimes, disse-o, não ha muito tempo, Dalema[Jne e)

a ) Ad es tlu TI Cong. d'A n throp . Cri·,n. cit. p. 2117·2S8.


b ) Les Dégénérés-cit. p . 186.
e) Compte R ell(/.1,du IV Gong. cl'A11throp. Grim . cit. p. 1Ô7.
AFRANIO PEIXOTO 131.

que irnpli_carn o cjescquilibrio e revela:no como , fim ineYita\'~l.


Estes crimes são rnrdadeiros syndrorr,as ,degenerativos; sahin,m
da dPgenern~ão ao mesmo titulo que a obcessão, cjue a impulsão,
são episodios ineluclaveis da Yida do degenerado.»
Com effeilo, que ha de commum entre a criminalidade de ,
um h?mem normal e esla outra, apenas symptomatica .de uma
profond;i perturbação psychica inteiramente equipr,ravel aos ,·,
actos em apparcncia
.
tão dirersos que a mesma desorganisação
,•
pro_duz, c:orno simples manifestações? Ahi nenhuma circumsta'ncia , ~
preexistente innuiu. As pessoas de costumes mais severos e de
praticas virtuosas mais rígidas, aniquiladas por uma aliena,;ão
de seQs .territorios psycliicos podem e.ntregar-se a prat .ica dos
peores delictos. Um homem probo e honrado, tornado paraly-
tico geral, pode commeacr um acto infamante, ·um roubo, mas
si o faz, é porq11esua molestia roubou lhe lambem «o sentido da
distincção enl re o meu e o leu» a).
A reciproca é ainda verdadeira, si se considera que os
mai;; inveterados ricioso.s e delinqnenles podem ser alienados
1
inoffensi vos.
o idiota alêa o inccndio não é para ferir a SOC
•iedade, ma,;
para deleitar sua relma doentia do colorido fulgun.nte da
chamma dos brazido;.
O mono1J1anoho,oicida, o pyromano, o kleplomano são
lerndos pol' urnh necessidade, çot· um,a fatalidade de seu mal ao •
a5sassinato, ao incendio, ao roubo, como o onornatomano e o

!\) JJ. Uall - L eço11ssw· lcs il:Ialadies Me11tales, Paris, 1890, p. 82,~.
Peixoto 18
t32 ' EPILEPSIA E CRIME

kopr.olalico a rrjeição da palàvra importuna que lhes pesa e os


esmaga e que é rreciso proferir.
O t::xhibicionisla allentando contra o pudor não cuidou
f(\rir a sociedade, revelou um symptoma do seu mal, como
-p:1dia ler caliido preso de um alaqüe motor ou marchai; impul•
sionado por uma crise procmsiva.
Indicados os factores do crime lenho a comicç,ão que não
ando desarra;wad0, firmando nestas palavras meu juiw sobre
et.la ·diflicil questão. E' uma tentativa de boa fé para acertar, que
pode estar enviezada a verdade, mas nem por isso será
nieno;; leal.
No quadro da criminalidade claramente destacam- se Ires
grupos.
Em um, o crime existe por s1, como producto normal
dll-org(lnisaçõcs perfeit-amenle naturaes, embora antagoni..:as ao
artificio da sociedade, é uma condição da força e existe com
rel'elaçãQ de uma lei natural : é criminalidade essencial.
Ein -outro, o crime é o producto da violencia ,exercida pelo
meio sobre a forçn e da organisar ;ão deser1uilibrada pela mo-
leslia, guardando Independencia, mas correndo parelhas em gráos
dil'ersos: é a criminalidade mixta.
Finalmente, num lere:eiro, o ~ri1.ne não é mais que u·n sym-
µtoma _da perturbação organica, traduzindo-a apenas como
um phenomeno clini~o: é a criminalidade symplomatica.

'l

\
L\c .
'.

Epilepticos criminosos
.. . der .Eplleptlker nicht bloss
ln selnen Anfallen krank, sondem
dauernd leldend , , ,
R. von Kraflt -Eblng = Lehrbuch
der Psychlatrle--Suttgart = 1888=
pag. 539.

Inquirir das relações entre a epilepsia e o crime no


epileptico criminoso, eis um complicado problema que está
ainda a implorar uma solução.
Em , uma de suas successivas invest.idas, tendendo a
explicar a essencia mysteri~sa do crime, que tanto lem desafiado
os mais aigutos engenho~, o Prof. -4omb1:osofez um appe!lo
á epilepsia e pretendeu achar ahi ludo o que em vão ·hal'ia
buscado por outras parage'.ls.
A suas hypotheses, transformadas pelos arremessos despie-
dados da critica em ruinarias impreslaveis, succedeu esla, qúe
contentou a muitos, respondendo bastantes objecções e conquis :-
tando novos adeptos a suas phalanges. Uma quantidade
prodigiosa de factos e de cifras reunidos serviu de fundamento
(ls asscv_erações do mestre, que a principip 1 a.s:,imilando o

. 1
134 EPILEPSIA E CRIME

criminoso nato ao louco moral e ao epileptico, rasgou cm brern


a estreiteza dessa formula, e CJnsidcrou a lodos os criminosos
como gradações de uma só esscncia . Numa formula grapltica a),
para maior clareza, clle imaginou uma escada, assentando-se
sobce um fundo-epiteptoide-cle que eram degráos, cm ordem
succcssil'amente decr<Jscente,o criminoso epilepti_co, crimino so
louco moral, criminoso n11to,o criminaloide ou criminoso de
oc?asião e o criminoso por paixão.
Segundo o mestre, cada degráo em ordem a3cendcnte en1
uma exngeração do precedente. O criminoso cpilcplico repre-
sentaria um louco moral amplificado, como c.;te o crimino~o
nato exagerado, sendo a essenc ia e o fundamento de lodos a
epilepsia, que do criminoso por paixão requinta- se e amplia se
até toc·àt· o cimo- o cnmin-0so epileptico.
Adiante, b) ainda no ·intuito de mais esclarecer suas ideas,
elle divide os epileploides em -dois ·grupos: no primeiro se
achám ·a epilepsia larvada, a epi!epsia chronica, o louco moral,
ocriminoso rialo; no segundo, o criminoso por paixão c o crimí-
minoso de occasião. ·
'J. epilepsia e o crime acham se de tal modo confundidos
na trama lombrosiana que o estndo de suas connexões limita-se
- -a ·uma indicação de gr'áo, não harendo linha limitante alguma
entre o mais perverso dos· infrac·tores do codigo penal e" o mais
rnoffensivo comicial afogado no modorra da · demencia. · O

nl Lo1í;1,.,-oso
--L' Uomo debinqurnt e- :l.'01·i110, 1897, i-ol. sec. 1wr;. 60
li ) I,01núrr1so- OJ!-r-it. 1:ol. SlC. pag. ·18/J,

,
,1

\l
AFRANIO PEIXOTO 13'5

criminoso cpileplico é [.Iarao subio italiano simplesmente um


indil'iduo em que o mal commum si exteriorisou clinicamente
de um mudo mais de(]nicjo, mais claro; o criminoso é o
dominante no typo, pois a epilepsia nada mais é aqui, que
a accentur.ç·ão do mal gerador da criminalidade. ·
_ A essencia criminal se concentrou como para produzir a
aggrarnção dos phenomenos clinieos. As proprias manifesta-
ções comiciaes de ordem c:linic:asão p;:tra o psychiatra italiano
formas, _para usar de uma expt·e.;.:;ão apropriada, larvadan do
crime. O., accc.;sos de furor epilep:ico ou de eqniralente psychieo,
diz ellc1 forma:n . .. o que o epileplico é normalmente, uma
cari catura do ct,irl")ea).
Diante da ousadia inaudita dP, suas conclusões; rasgadas
até a extrema imprudencia, é natural se pergunte o que as .
motim e em que bases se assentam.
Todo o fundamento de suas novas icleas consiste em um
grande-archivo de factos com o fim de approximar o epileptico
do criminoso. Nesta faina djJ·approxima ção, nada escapa, • 11em
se indaga do valor dos caracteres approximados. As cifras
amontoam-se as vezes contn,dictorias; •O'> factos são lra:<1idos
a um parallelo violento muitas vezes e até desparatado; e no fim
de !oda esta cruzada ingrata a que não faltam as abundantes
conclusões do eostumeiro ' exagero, são tão inconsistentes " os
resultados auferidos que caem ao sopro de .uma objecçã?.

a) Lo111bros~- L'ho1mn e · criin-inel_--Paris , 1897, Pªf!, '6oS. L ' Çomo


clelini, , cit , i-ol. sec.,11ap. 134,
136 EPILEPSIA E CRI.ME

Não acompanharei o Prof. Lombro so na sua longa perigri-


na ção atravez do estudo comparativo do epilepli co e do criminoso,
prefirn encontrai -o no fim de seu caminho e ahi indagar ela
•historia de sua derrota.
Não resisto entretanto a tentação d.; não deixar platonicas
as affirmàções -precedentes; bastam alguns exemplos.
Depois de notar a alta esta lura e o peso superior a media
dos criminosos natos, diz que o facto se verifica lambem nos
epileplicos e para a.poio dessa affirmação, busca 410 casos
?bserrndos Cividalli, Adriani, A,·berlotli , Virgit:o e He,'J)Ín,
assim deslribuidos, e que são na sua frieza, · sem que perceba
isso o prnfessor italiano, o mais eloquente desmentido a sua
asseveração :
202- tinham a esta Lura mediana
106-linham a est. inferior a media
102-tinham a esl. superior a media a).
Paginas adiante, traz um quadrn · de observações de
Cicidalli, Tonnini e Bianchi, realmente typico pela exagerada
conlradicç·ão dos dados dos diversos auctores b). Aqui como
em todas as parles não é concedida grande atlenção ao caso na
discussão; na faina de armazenar _documentos e cifras tudo
serve e até dados opposlos são rlesdobrados com uma grande

despreoccupação. Assim, por exemplo, a memoria fraca encon-
tra-se em 91 °/o dos epileplicos para Cividalli, em 14 °/
0 para

n) Lombroso-L' Uomo delinq . cit . i·ol. sec. pag . 72.


b) Item , ite-m, Pªf/ · 9$.
,,
AFRANIO PEIXOTO 137

Tonnini e Bianclii; a mentira ~m 100 º/o para o primeiro, em


í º/o para os segundos; o furto em 63 °/0 para ó primeiro e em
4,6 °lopara os ui li mos; e assim seguidamente o que , bem mostra
a validade dêstes d~do~ e a dose de artificio que enlra heslas
obserYações, pois sendo a verdade uma e os obserl'adores
perfeitamente scientes de seu mist'.lr, é ~sp~ntoso um tal destaia-
mento.

Entre os noYos caracteres especificoS' do epileplico encon-


tram -se realmente algumas approximações, que seriam \'ioleutas
si não fossem qnasi irrisorias.

O automatismo ambulatorio epileptico é identificado - á


vngabm~dag~m a).

A calma e apathja que revela o epilep'tico ao referir um


facto de que se lembra e que em realidade quasi lhe é extranho,
encontra -se approximado da per\'ersão moral do criminoso qne
se traduz por aquellas qualidades b).

Em 306 epileplicos (lnão encontrou » 11 suicidas (3,5 º/o)


mas isso não o impede d,z-er l que a tendencia do snicidio é pois
y
frequente nos epilepticos » e).

Surgem as vezes armas de dois gumes.


A epilep1ia, mo3lrou R,mcoroni, d) tem uma nova analogia
com a cri'minalidade que consiste no parallelo que se dá enlre

a) Lombroso-L'Uomo deli11q. cit . i•ol. sec. 1wg. 96 .


b) Jt,11t, item JJag. 97.
e; Item, itef11-pag. 1o_s.
d) Item, ifr1n pags. 1u e.}16. )
138: EPILEPSIA E CRl:ME

ambas relativamente aos· sexos; uma e oulrasão muito mai;i.


frequentes no sexo masculino que no fe:ninino.
Esquir? ·l, Georgel, Foville, fJe,.pin, Burlureaux, Gow~rs,
tantos e lanLissimos ·outros estud •ieJsos do mal · sagrado protes-
taram quanto a parle do :issel'lo relaliro a epilepsia que clles
reconhecem mais frequentes nas mulheres a), mas o professor
italiano não lhes deu omidos.
E' prcci;:;o ver se élle alle1)de a si proprio.
(luando Tarde objectou que, .embora possuísse um::i maior
somma de indícios degenerativos, a mulher linha uma crimina-
]jdad('.) muilo · menor que a do homem, o criminalista italiano
conte ºstou o facto, affHmando que ella ~ão é abso.lulamentc
inferior á masculin41, quando se ronsidera a prosliluiç~o, b) que
só, bas·la para dar-lhe p-rernlencia e superioridade.
Eu entendo que em um caso fo,,se mister abaixar a crimi-
nalidade feminina, como no outro incremental-a, 'mas acho
lnuito ·pouco serio que os factos scienlificos sejam torcidos á
medida das necessidades de momento para amparar os su!Jter-
fugios de uma argumentação capciosa'.
Todo o mal não reside nesla3 falhas toinadas ao acaso e
relativamente insignificantes de um grande trabalho, mas no

11) Esquirol-op. cit. t. I, pag. 202-Geo,.g,,t. ctrt. Ép., Dict. de Med.,


l8'N, .t. B. 0 pag. 201-He11,in Du P•ronostic ef clii '1.'ra
.it. de l'Ép. Pciris /813, .
pag. 201~ Foville, art. Ép. Dict. de Mecl. etChirurg.prat., t. 7pag. 495-
JJu,·liweaux, A1·t. Ep. Dict. enc. elesSe. Med. cit. pag. 110-Gowers Manual
of dese.asesof thé ne,·voiis sysfem. Lonclon, 189,1t. II pag. 731 ..
b) Tarde-Rev . Philosophiqne f. XIX petg. 618.
Lom.bi·oso-R e-v. Philos aphique-t. XX, 1ssõ,_pag. zso.
AFRAXIO PEIXO'rO 139

principio que presidiu a aggremia~ão destes _ dados e na,s


conclusões que os vão succedendo, as vezes com bastante
extranheza.
E' cxaclo que um grande numero de criminosos possue
na sua organisa ção uma certa somma de defeitos que 11,es
foram <lados pela degencrnç-ão e que elles os possuem, não
porque são criminosos, mas porque são, antes de lud.o, degene-
rados; é exaclo egualmenle, que os epileplicos, degenerados
heredilarios, e em forte dóse, devem possnit· estas imperfeições
, organicas, nada lendo este fac lo de nola \'e], nem d~\·endo causa,r
lanlo alarma.
O epileplico parece-se om mais ce uma face com muitos
criminosos e o esforço si tendesse a demonstrar isto seria muito
proficuo, porque mostraria mais uma vez a existencia dos dege-
neradoR no grupo dos .criminoso!'<; mas da!ti deduzir a similitud2
e a identificação yae um abysmo,
Porque razão a epilepsia, cimo da degeneração, não se hade
traduzir por slygmas p11y·jcos e psychicos compara\'eis aos
slygmas de todas as . degenerações e porlanlo cl'aquellas qne,
sem espec1alisação, podem ser terrenos preparados ·para ll
ernlll<;ão elo crime?
Si o Professor Lombl'oso s'e _desse ao trabalho de cala:·
Jogar os stygmas de Lodos os degel)erados, havia de encontrar
.que elles parecem-se com os epileticos e com muitos de seus
criminosos .
l\las l:leu \'elho aehaque, e que lhe deve ler amargad ,o
bastante, não o co11sentiu; achada a parec ·cnça do· epileplíco
Peixoto 19
140 EPILEPSIA E CR1ME

com seu artificio.;o criminoso nato, a scontelha commúnicou o


incendio a toda a massa •e son, mais busr.ar a fio perdido da
razão, sua phrase alada, sem mulivação, SP.11]fundarnenlo
·a não ser seu exagero de meridional, alargou a forrnula,
quebrando o molde eslreilo e fez de todos os criminosos
epilepticos e alé mais, reduziu a epilepsia a uma forma larrada
·do crime.
DemaiR, quan,lo lança oslas ousadas conclusões, oscfuece
que cm realidade o conjun<:lo ele lraços degenerativos pode
mostrar em cada epileplico um typo de degenerado, não podendo
soffrer parallelo com o seu typo criminal, que não exisle.
E' com uma figura idealisadn, inçada do imperfc'iç·õcsorganicas
,criminalisaclas e que, segundo o seu proprio feilor, só exi,;te
em 40 °/ dos ·c1elinqurnles que Lomúroso co_mpara o typo

epileplico e cliega a sua atrerida conclusão.


Não querendo ma.is locar nesta questão já tão surrada do
lypo l.!riminal, pego der ·uma porção do cifras que constituem
uma das forças do meslre italiano.
' Diz olle a) que os estudos de Sommer, knelcli, 11!/arroe
v,,.gilio demonstram existirení nas pri,;õ:is epilepticos na pro-
porção de ó 0/
0, provando desle modo a cstatislica ·«com suas
·inexoraveis cifras» sua inieira razão. O;, nãô..· obstinados
enxergarão ahi o contiario.
A percentagem dos obserradores citados significa que em
100 criminosos, 9ó e1'ameximes do mal sagracl'o,que o Prof. Lom-

u) Lombroso-L'Uomo clelinq.- éit. v. aec., pag. 112 e 113.


AFRANIO PEIXOTO 141,

bro:;o, ao contrario, !obrigou em toda a centena. Cinco somente, _


inflma mino.ria, sobre 100, possu;am a molestia de que os
indigitava 0 psychiatra ilali.-,110
1 cuja generalisação ousada
recebia da inexorabilidade das cifras o mai.;;solE>rnnedesrnrntido.
'
De óutJ·o lado, olle nota que Clark verificou o crime E>m
·_
t1 ¾ dos epilepticos cornmuns e Tonnini em 35 ¾ a). Este
ul~irno observa «que nem se111prese offerccem ao cpileptico
11s occasiões e a possibilidade de cornmetter o crime, sendo
assim esta percentagem inferior á susceplibilidacle elos mesmos .
em delinquir. »
E diz urna verdade a primeira parle desta asserção, mas .
para e1·ilar duvidas e suspcilas, deveria Tonnini deixar
cg11almenlc claro que de seus 55 epilepticos muitos foratl\
buscados nqs carceres, onde não é possiv~l tirar uma conclusão
da criminalidadP. ou não dos epileplicos, pois ahi só os
epilepticos rriminosos estão encerrados.
Muito Pmbora este reparo, considere-se que sendo a
epilepsia uma caricatura . do, crime, no dizer do me&lre, uma
especie de forma larvada da criminalidade, é deveras surpre-
hendcnte que só em 11 ou cm 35 casos sobre 100 lenha-se
revelado cm sua manifestação elara e que a maioria destes
criminosos latentes· passe uma vida inl_eira como sif1?ples
doentes, sem um altentado contra o codigo penal, como ·
/
teimando em <leixar em falbtt as asseverações ·lorribrosianas.
Singular magia de Jogic~ é esta que faz o mal de 5

aJ Lq111broso
- 0JJ.cit,, Pª!I· ·1_1a e 114,
114:2 EPILEPSIA E CRl~fE

dissolrer-se por 100 e do crime de 11 accusa a urna serie de


89 pacificos companheiro s.
Quando os dados são acnnhado s e não auclorisam largu ezas
nas conclus9es, observa -se que não se considera sinão as
formas vulgares da epilepsia que consti tuem npenas uma
peque.na parle dos epilepticos .

Es ta sahida trancaria o caminho ás disc ussões , pois ca da


um pode ler a lib erdad e de usa r a sua vontade da faculdade
de fazer diagnostico s, si a gente não pndesse dizer lambem, que
em realidade não lia motivo para estas disco rda ncias, pois si
para uns a epileps ia é alguma coisa rnga, imp recisn, inth•finida
e qu e para cxi ,;lir b:1sla um esfo rço de boa vonladc do diagnos-
ticador, para outros é um mal claramente definido que se extc-
riorisa em conhecidas manife s laç·ões clinicas e perturbações
somaticas permanentes ou lran si loria s, mas det erminadas, e
não á mercê da vontade do clin ico ou ela sa tis fação de theorias
plianlasiosamenle travejada s.

E i3to explica a profunda di, ·ergenc ia entre as perct,nlag ens


dadas pelos diversos obse rvadores.

Entr" o~ crimino sos são epi lepl icos para Lombroso 60 °/0 ,
para R_ossi 32 °/0 , para Atfarro 13,G 0 / 0 , para Balcer 17,7 ¼,
para Sommer, Kn echt, e 1'irgilio 5 °lo, par~ Baer 3 a 5 º/ o, a).
As itléas do Prof. Lombr oso despe rtaram, especialmente
na Italia; vivissimas aclhesões. No Congresso de Roma Luigi

a) Lonibroso-op. cit. vol. sec., 11ag.112, - D;illem~gn e, 'l'héories de Ili


Cri>ni11alité, p,,g. 113, 1'.iris, 1897;]Ja,q. Xõ.

/
AFRANIO PEIXOTO f-i3

Frigerio secundou-o com uma communicação iden,tica a sua


proseple aos mesmos dou los antl,rnpologislas. Cividallí, Amati,
Tonrtini, Oltolenghi lêm lrazido podernso conlingenle de faclos
e documenlos ás mesmas idéas a). Luigi Rqn fl roni, escre-
.vendo um Trattato clinico clell'E1.jjlessia,moslrou em lodo o
correr deste livro a preoeçupação eonslanle de provar a veraci-
dade do juizo do mestre.
Na propria Italia, porem, surgiu o m:=tispoderoso conlraclietor
destas ideas, o Professor A ugusto Tamburini, qne após a
audi, ;ão das estirada;: communicações de FrigPT·io e Lombroso
ao Congres so de Roma, lerantou-se para protestar contra
a identidade eslabelecida entre a delinquencia congenita
e a epilepsia, pois que rns mesmas analogias são communs lambem
aos imbecis e aos hystericos. • Entre um e oulro estado o
· esclarecido psyehialra Yê grandes analogias, mas somenle
analogias, p.ois i)ara admiltir a identidade fora mister « que
todos os carncteres communs se enconlrass,,m abi de uma
máneira constante, o que n~o se dá. Os delinquentes nalos não
apresentam sempre os caracteres da epilepsia e os epilepticos
não apresentam sempre os da delinquencia ou da loucma
moral» b).
,,
J7.cq11e~llfolesc!toil, desde abi, e) aponlou os defeilos de

a) Frige1·io-Acf es du 1 Cong. d'Antlwo/ Crim. cit. paiJ . 312 e seg.-


Tb1111-ini-LeF,pilepsie,cit.-Cividalli e A.1nati,Actes dit 1 Cong. ll'Anth,·op.
Oriin., cit., pag 440 e seg.- Oltolenghi- Epilessie psiclticlte, Reggio Emitia -,
1890,- Loml,roso, op. cit. vol. ser..pa_q.70 a 30,1. -
b) Aclcs dit I Cong.· tl'.4.1i.th1·op.
Çrú11.,cit., pttg. 277 e )!78.
e) Item . item , pll._q.278, ~
EPILEPSIA E CRL\IE

s.eu amigo, que errou por «concluir genorali sando muito >l,.

P,Orler uma « perconlagem· defeilnorn • e finalmente por possuir


n phra se alada que o fazia ir « algumas \'Ozes muito longo ».

::: * *

Gabriel Ta,·cle,a) bisluriando o segundo volumo do Uomo


delinquent e do L ombl'oso em rna edição do 1889, referindo-se
a qu estão de epilepsia, exprim e-se do um modo singular que
deixa entrever seu j uizo sobro o problema do epiloplico
criminoso.
'
Parn elle, ao menos ele accordo com seu pensar sobro um
. caso lypico, no epileplico criminoso é possível fazer-se uma
dissociação, separand o o que d,we referir-se. a epilops1a do que
se de.rc Ievar a conta de suas londencias crimina es.
_ Si em mui los easos da incidoncia dos dois males sobre uma
só orga_ni;;ação, re.s ulla independencia _e modo livre de agit· dos
mesmos, em · muitos outro s, porém, a Ppile.p sia par ece não
fornener « as virtualidades crimina es sinão uma occasião tle se
re\'elar em. • E ainda mais, « esta occasião teria podido ser
procurada, tanto, sinão melhor, por cortas circum stancias da
\'ida social. »
' Assim, pois, alra\'ez da organisação rio epileµtico pode
di\'isar- se a outra individual.idad e, a do criminoso, corrom pido,
perverso , saturado de odio pela sociedade, prumplo para feril-a
e merecendo-lhe com a abjecção, a condemnação de seu s

a) L e Cl'in,i. et l' épil ,.p&ie- R .mt e P!úlosophir]lte, 1880, 2. vol., pag.


# 9e 46~ .
. ' AFtlANIO t>EI~OTQ 145

malfeitos, do ·mesmo modo · que sua outra porção, stia lesão ·


medicrt, a therapeulica apropriada. -0 juiz curaria <le p~ovi-
denciar, pela repressão, a defeza social, · càndcmna~do o
criminoso, emquanto o medico attenderia ·á defeza individual,
prodigalisando os soccorros de sua scjencia ao pobre dege-
nerado.

Isto na maio1·ia dos carns, sendo que ~111ou! ros o proceder


não so differencwria, sinão na allenuação da repres~ão pelo juiz,
considerando que a epilepsia havia favorecido ás ,·irtualidade ·s
criminaes a occasião de se aclararem, derendo-so notar
toda via que ainda cm mui Los destes caso; esta occasifo leria
sido buscada por circumstanc:ias socirtes.

Ora ahi osta um modo de ajuizar da questão de_\'éras


curioso ·e digno de apreço si não fosse carecer de total estrib~-
menlo nos fados correntemente ·obser\'ados. O conceito das
relaç·ões da epilepsia e do crime fac:ilitado pelo entender de
Tarde é uma phantasia de juri::;ta acostumado as argumentações
- 1· '
de momento para rebater theses adversas . .

Quem quor que fenlia conliec:imenlo de epilepticos o lhes


lirer sondado a psychologia, sentirá na pretendida dessociaçãq,
a impos3ibilidade absoluta de areriguações de tal ordem;
~ondemnando irremediar~lmenle um conceito theorico, sonhado
.,
.pór uma mente pliantasiosa, e que poderia, si fosse escutado,
arrastar a sociedade a maior som ma de iniqui~iades que as · até
agora - co•mmeffida •s para com - os epilepticos cri-minosos.
1 .à!._

O caso ele Misdéa referido por Lombros~ foi que forn'eceu

.,~.
145 EPILEPSIA E CRIME

ensanchas aos despropositados conceil0s do jurista francez,


apegando-se este a uma falha do mestre.
Em Misdé.a, diz Lombroso, «a insensibilidado,
__ a preguiça,
a midade, a violencia, o odio lerndo até o canibalismo, lodos
esses sy"mp.tomas que se encontram no criminoso nato e no louco
moral, são exagPrados pela epilepsia» a).
· Exrgerados, commenla Tarde, seja, mas não creados. Não
Lavia em l\lisdéa independentemente da epilepsia a trama de
um criminoso? E si por hypothese, esla trama J.he tivesse fal•
lado, isto é, si elle não th-esse sido nem preguiçoso, nem orgu•
lhoso, nem vingativo, nem crnel, nem mentiroso, teri"a commellido
em um accesso di:iepilepsia os assassinatos que o levaram ao
cadafalso,i b).
A estas interrogações que lança lriumphanlemente Ta,·de,
crendo talvez nada lhes ser possível retrucar á rigeza inteiriça,
eu respundo, não simplesmente com asseverações de e.gual
jaez, mas com lodo um amonlo9do de obserrnções que o crilerio
dos ce,mpelentes ajuntou para a elucidação do caracter e chs
manifestações Yiolenlas do epileptico.
Com que fundamento escreve Lombroso _que a epilepsia de
.Misdéa exagerou-lhe apenas a preguic;a, a vaidade, a violencia e
o odio, si o mal sagrado foi cerlamenle o creador destas dis-
posiç,ões?
Quem penriilliu a Tarde affirmar que estas disposições
podiam ser exagerndas, mas. não creadas?

\
111 LombrosO-· L' homme cri1ni11el,cit., png. 616.
b) Tai·de~loc. cit .. png. 4õii,
A.FB.AN10 ~EIXOfo ..

São duas .interrogaç ·ões qn8 aqui deixo e que espero nâfr
ver respondidas.
Quanto a sua du1·ida de, eliminados a prrguiç .a, o o,rgull10,
o oclio, a vingança bastar o accesso ele epilepsia para o com-
mett iinento de uma se1·ie de crimes, é destituida de base. Certa-
mente a comprovação indubita1·el do facto será clifflciJ, uma ve,,:
impossil'el e chimerica a dessociação do lypo epileplico pois a
epi·lepsia na~ce na grande maioria dos casos com o individu0.
Impossibilidade é que não existe; eu do~1 aqui a Tarde uma
ob.,ervnção sobre que meditará e colherá os proveito, do
en,inamento q1ie só os factos dão.

Observação D) biiilepsia- t,·iplo assassinato.--- Adão


Benedicto dos Santos, prelo, natural da Victoria da Conquista.
lavrador, alto, corpolento, cabellos e nariz caraéterislicos da
raça, zyl-(omas e arcaJas s11pei:-orbitarias salientes. Nada fói
passivei saber de seus antecedentes hereditarios. .
Sabe-se apenas que chegando do serlã0 li Amargosa foi
empregado como trabalhador na fa:t.enda Timbó, onde pouco
depois casou-se com Reinalda ele tal a).
Uorn trabalhador, moderado, rião _ se -dando a vícios,.
cumpridor ele seus tratos, extremoso pae de familia, bom
parente e geralmente que•ricl-0.
Contra este conceito se exprime somente o inspeclor
( no processo ), qualiflcanrlo-o de dec;ordeiro, contestando esta
afflrmação o sogro, cunhado, patrões e dirnrsas pessoas qL1eo
conlieceram. Até .ahi gosarn de saude, não lendo manifestação
alguma <=lpileplica. De urna feita, em 11ma feira, em Amargosa,
accusado injustamente de ladrão ele nma cangalba, que
realmente era sua, foi condaziclo á prisão por soldados que o

n) Muitas rlestes dados det·o ct gentileza dos S11rs. Drs. Ma ·uoel e


Edttal'Clo Pi'/'ltjll, de Am,rwgosa, qu e·,ne eni;í,wa,n o processo e 1mut noticia do
que ele vcril(l(/eiro pode,·a,n apurar. As ,necl-írl«santhrnpologicas não fomm
tomadas porque ad-iailas 11m·a m11nsessão posferio1· , a vario/a foi 1nais pre-
ci)iitada , .-OHbrnulo,n e .u doente.
Peixoto 20
148 EPILEPSIA E CRIME

bateram cruelmente, dando-lhe duros golpes na cabeça, que


muito o molestaram, começando deste incidente seu mal.
Aparvalhado e indifferente a tudo . ou impellido por impulsões
subitas, começou a manifestar-se seu mal, tendo crises convul-
sivas, accessos de delirio ambulatorio em que, desnorteado,
internava-se pelo matlo, tomado de allucinações internas e
çoncepções delirantes como a de intentar a edificação de casas
em Jogares elevados, para evitar o diluvio, para o que foz
algumas • vezes éxcavaçõe.;;, ele. Em 29 de Dezembro, apó<i
muitas horas de pass eio com a familia na fazenda Tirobó,
voltando á casa, foi aggredido por uma crise procursiva, errnndo
pelos mallos, de onde com muito sacrificio pô<;lflsua mulh er
· arrancai-o. Nesta mesma noite, sem motivação, ainda debaixo
da influencia accesa de seu mal, assassinou sua mulher, que se
acham cm adiantado flslado de gravidez, Yibrando -lhe repelidos
golpes na cabeça, nas · mãos, nos braços e assim nas mesmas
circumstancias a seu filho mt>nor. Erndindo-se, armado, foi ler
á fazenda Timbó, onde interrogado pelo estado de ,rna familia
respondia desconcerladamenle, dizendo eslat· ora boa, ora
duenle · ou desatando a chorar. Recolhido á Penitenciaria da
Ilahia, onde o encontrei, permaneceu ainda um anno o mezes,
ora numa clemencia lranquilla e pacifica, ora lendo c rises de
agjta<;ão e anciedade, até que em dias de Agosto veio a fallecer
de variola.
Penso !ralar-se nesle caso de uma degeneração epileplica
agudissima, determinada pelos fortes traumatismos craneanos
e precipitada em s ua marcha, chegando em brev(l espaço ao
termo, a clemencia epileplica. Lembro qne no crime se encontra
inteira a caraclerisliea, já velha, é verdade, do deliclo epileplico
para Legrand du Saulle a) e que para John Baker é a
epilepsia por traumatismo que traz mais facilmente o crime h ).

*
* *
Calculem-se · as mais disparatadas incoherencias, succe-
dendo-se de um extremo a outro com uma rapidt>z ás vezes
admiravel; ·imaginc-:-;c um mixto prodigioso de incongrnencias
baral11ando-se nas mais div ersas mutações e ler-se-í1 feito um

:i-) Étu.ile ,né:J. lég. sw· les épile11,, Pari&, 1877, pa,q. lll2.
Ti) ln The Journal ~f'mental 8cieiiceJulho, 1888,
AFRANIO PEIXOTO - 140

juizo summario do estado mental ordinario e do caracter dos


epileplicos, mesmo fóra da influencia immediala das crises de
seu mal.
#-

De suas curtas phases de um oplimismo bondoso,. de um


/

ent!tusiasmo ardente, de uma generosidade cavalheirosa, de


uma affectuol"idade expansiv -a, elle passará por muito pouco
á depressão profunda do pessimismo acrimonioso e caustico
ao cança ço impotente do desilludido, ao egoismo mais sordido,
á perversidade mais requintada.
A tristeza hypocondriaca, apathica, deprimente, succeder-
lhe -á á brusca explosão do um sentimento ardente como á crisé
violenta de seus musoulos e nervos succedo a impotencia do
esgotamento .
'
Alegre, ruidoso, gentil, polido, obsequioso, será muito
breve o atrabiliario irritavel, desconfiado, mornot invejoso,
grosseiro, corroi.do pelo odio, insuflado por uma ir;;pulsão
violenta.
Sua idéa, que o c·apJ.'icho e a obstinaçfo resolutamente
apoiaram confra os embates mais rudes, elle a cederá por pouco,
abandonando pelo mais descompassado disparate; religioso
com fervor ou com hypocrisia, irá da devoção _simulada e tartu-
fosa ao zelo ardente, a mortificação mais crua; submisso e
humilde, adulador e mesquinho, não é de admirar vel-o alcan-
dorado na altivez mais . arrogante, como no orgulho mais
intraclavél.
Sua organisa<,:ão, que se compraz da incoherencia, timbra
em faiel-o muita vei na propria mobilidade, e é ass'im que se os
iôO EP!i.EÍ'SIA E CÍUME

,:n, abrnçados -a uma ictéa, guiados por um -filo, ace nados por-
um longínquo sonl10, proscguirem com u~a tenacidade incrível
no meio de 'seus tlesfallecimentos a rola que os conduzirá á

realisa çã o de sna vontade doenlia, que póde Ler como objectivo .


· a gloria ou a execração, -u:11a grande obr_a ~i1 um crime nefando.
Tudo nelles é ,·io lento: o desejo, o sentimento, a idéa, como .
o tedio, a depressão, a impulsão, .e isso faz com _que se os veja
serem Cesar, .Mahomel, Flaub ert, como Calígula, TorquemadFL,
Iwan o Groznoi.
Muito embora, porém, eslas muta ções tão varias, ha nelles
alguma coisa de persistente e que não se apaga nunca, que por
dizer assim sedimenlou-se cm sua organisaç ·ão e que, encoberta
pela paixão opposla do momento, reapparecerá cm breve após
a desempcção desta .
Este fundo é de irritabilidade, ele odio, de colera, de violen-.
eia, de impiedade, de crueza e de perversidade .
Deprimido e melan cholico após cada explosão de seu mal
lerrirnl, elle conhece o abysmo em que me cahindo e encerrado
de. si comsigo, sentindo o d.esapego com que os oulros_ l1omens
o ferem, odeG a todos, ralado de conslanl~ pela ret ribuição ·
·do odioso ,julgamenlo de inferioridade com que o consideram.
Elemento de terror entre a massa ignornnte que o cerca e
que se afasia progressirnmenle, elle aprende a votar ª. causli-
~idade a todos e levedar dia a dia seu caracter, azedado já
de si, chegando numa crise de depressão profunda a buscar a
libertação do suicídio ou numa exacerbação impetuosa a abra-
ç·ar-se _a uma _,·iolencia desmedida .
AFilANIO PElXO'tó

Por isso Morel _a) que os conl;ecia bem escreveu que «a


irrilabilidade e a <:olerasão os lraços salientes do carnrler desles
doentes », palavras que Jule s Falrcl repeliu muilos annos
depois b).
Seu ego1smo feroz, monstrnosarnen(e hypertropltiado,
riLHJ Henreich S!iiile «em nenhuma oull'a forma de alienação
é Lão nota\'el » e).
Falret conheceu-lhes a m~ldade, as recriminar;ões injustas
e a Yiolencia a que chegam tantas ,·cies s13us transportes
subitos ti).
Despine considera que além da l'iolone:ia e da porrersidade
encontra-se em sua caracleri::;Lica a oxare:ebação apaixonada à
que facilmente o vel1iculam os mor eis de momento. A impul,;i-
vidado em nenhum outro eslado morbido mais accentuada
p1·.:>m
plifica em ae:los suas determinações doentias e).
Cs_Les tra ços geraes lrarPjam exactamente o arcabouço do
carae:ler epileplico.
Suas crises deprimindo.-o progrnssivamenle, perrerlem sua
moral que se torna rnai,; incon5islenl.e e seu caracler _que mais
se ferrnenla.
E não se pense que alard eio axcepções, prete~dendo gene-
ral isal-as.
Em 339 mulhere s epilepticns enlre as quaes ha maníacas,

a) Traí/é tles 1\IalacliC9M enlctles·- Pm·is, JMO , pn.g. 697 .


b) Ma/ adi es 1\Ie11t.et N eru us es, Paris , 1890, 11a?J.34 6.
e) 'l'rai lé Gli11ique des Malacl. Ment . tmcl.fran c., Paris, 1888. J}ll[J . 252.
d) Op. cit. pag. · 346. :r
e)Psycltologi e Naf'l,relle --Paris, 1868, t. II, pag. 131,
Peixoto . 2l
152 EPILEPSIA E éRrnt

furiosas, idiotas, dementes, exalladas, de inl ellizen<:ia pervertida,


caprichJsas, obstinadas, Esqu:r·ol affirma •l)lle todas tem
alguma coisa de singula,· no r.aracter.» D:.quellas, 203, «isto
é, os quatro qmntos são mais cu menos alie,,adas, um quinto
somente conserva o u;;o da razão, e que razão! a),
Auguste 1'oisin affirma que lodo epileptico é original,
ex lraraganlc, de trato difficil e pode em um Cérlo momento e
sem que se o possa pl'el'er commetter aclos irre s isli1·eis de
causa allucinaloria e ue natureza perigosa, b ).
A distincção dos epileplicos em alienados e não alienados é
para elle uma subtileza que não Lem valor no ponto de rista
pratico » e).
Em 60 corr iciaes Lidos como não alienado ·s e:n Bicêlre,
só 4 eram sãos de espírito, lia vendo entre os julgados alienados
22 nas condições dos primeiros. Em 148 observações recolhidas,
o illustre alienista julgou apenas 10 em estado de ponderaç·ão
perfeita, o que dá o crescido numero de 94 alienados sobre 100-
.M arando'n de Monlyel opjna lambem que a separação dos
comiciacs em simples e alienados não Lem mais rnotirnção,
sendo Lodos allingidos pdo alto mal suscepliveis, segundo as
<:ircumslancias e os tempos, de serem classificados em uma on
outra ealliegoria d).

'J'ra·ilé des Ma/adi es Menta/e.•, ti{. t. I , pag. 21/õ.


al
11) A1·/. Épilep.úe-Kouv. D icl. de Merl. ,t de G!ti.-i,1·9. Pra/'iq11es,
Pm·is, I E!79, pag. 69G. •
e'Lo c. cit.-Pensain do mesmo modo Laitl'ent.-Les habitu és de.<p,·i·
sons de Pm·is, Lyon, 1890 , pag. 222, e 'tuasi do 11tesnw 1nodo· (),,tiseppe
Zú110 , ~lfetlicina lr_qale, Milmw, 1890, pag. sõx.
d) De l'hospita/isation <les épi/,pliques , Aim. M ell. Psyçl1. 1898, s. 7. t.
17 , pag. 48. ·
· AFRANJO PEIXOTO 153

Para elie basla ser epileplico para ser considerados peri-


goso e merecer o internamento «qualquer que seja o seu estado
mental » a).
Em indil'iduos de uma la! conlexlura organi..:a tão fonda-
menle pen-erlida, não é extranhavel que suas aberrações termi-
nem em infracções de toda ordem ao codigo penal; o crime
co mo seus aclos l'iol enlos outros, como seus parox •is mo5
psyc liicos é um curollario simplesmente do des equililirio de sua
organi sação , pervertida até a intimidade e não diversifica <:le
s uas oulras manifesta ções symrlomalicas revehdoras do
mesmo m~I.
Schüle diz que si se lhes oppõe «uma recusa ou a menor
resisleneia, crc<:,m-se logo em presença de um inimigo de que
se procuram dcsembara< ;ar pot; lodos os meios; » e continua: «á
menor resisleneia exacerbam-se, entregam-se a l'iolencia s,
proferem temiveis injurias, mallratam quem lhes desagrada,
podem mesmo eommetter crimes b) .
Falret disse que " dese nvolvem-se nelles as mais des-
agradarnis tendcncias e as peores inclinações; tornam se impor -
tunos, mentirosos, ladrões .... procuram ques tões, queixam-se de
tudo e de lodo,;, 1nitam-se com uma grande facilidade pelos
mais ligeiro s pretextos, entregando-se mesmo frequrntemente a
actos de violencia, instanlaneos as mais das l'ezes," sem prol'O·
cação nenhuma da pari.e daqueli'es que são vietimas delles e) .

n:It em-pag . õO.


u) Scltiile--cit. pag. 252.
e) J!'alret.-cit., pag. 348,
154 EPILEPSIA E CRIME

Comprovação exacta deste dizer, de s tas tenden cias crimi-


naes tão profundas e tão in_timas, tenEo eu conhecimenlo de
lrns factos, tres organi sações despenhadas no caminho d0
crime por for ç-a de sua epilepsia.

Observação E) Epilepsia, lentqtioas de assassinalo, e.~pan-


camerito~,l'oubos, vagabuncla,qem.
Hygino José dos Santos, 25 annos, prelo, nntnral do Ceará,
recolhido varia s Yezes ás penltc,ciarihs da Bahia por
gatunic:e, espancamento, vagabundagem.
Estatura 1,m6O - busto O,m77-perim. do peilo O,mDO -
g1ande <Jnv.1,m68:_comp. das mãos O,111182-comr. do s polle,,
d. O,m65 e. O,mO7-dos pes d. O,m24:-e. O,m2;15-Desenl'olvi-
mento . muscular bastante notavel, dynamometria a pressão d.
25 e. 28.-Pelle bronzeada escura, cabellos gl'Ossos, pouco barba;
zygomas salientes: nr.riz achatacio, comp. 53 mil!. larg . 38 mil!;
orelhas implantadas obliquamente, mal orladas, lobulo meio
adherente , comp. d. 60 mil!. e. 64, lar g. 38-Cesvio para fora
(congenit.o) aos dedos grandes dos pés, de modo que o 2. 0 dedo
~avalga sobro os uutl'Os. Hugas precoce~; cica triz es dil'ersas na
froJ1le. Seaphocephalia pronunciada; em seguida a apoplyse
mastoide, para cima apresenta dnas excrnscencias ossens
volumosas; abqbada pnlalina angulosa havendo no lario esque rdo
mna · sahencia perto do bordo alveolar, apophyse lumuriana a
e:;q. Hernia crural dir eita, pliymosis.
Craneometria-ci. ant. po ~t.. max . 180 mill.-1.r, :nv. max.
145-frontal min. 102-biz yg. 1O3-bianric 1.26-ophryoalv. 75 ·
ophryoment-1.16 urb. int. 27-orb. ext. 11-5-circ. lotai 5i
cent. .:_curva ant. p·Jst. 28-lran:iv. 3O-indice eephalico 80, 85 :-
brachyc ephalo.
Pe':lerasta aclivo e passivo - amor be st ial, onanista
ainda a;(ora. Percepç ão e ideação dernorndas, raciocínio 1m per-
feito, religiosidad e e affdcti vi d ade per1uenas; .gosta de armas
especialmente do revolver, da faca e de um pechtcinho de páo.
Somno agitar!o, sonhos pavol'030~ ern·que suppõe sempre ca hit·
de grandes alturas.
O pae mJt't·eu envcnenarl,1 e era dado a lu ~tas e rixas; a
mãe parànoica reli;lio;.::, co,np!etamente dement3 durante uma
gravidez; tio epileptic .1, cri mino ,o de morte; irmã pro s tituta,
irmão h 3re1itario d l;(Jn9 ra h, pr e,ez1 1i Li p:ir phJbia, diversas,
imp,ul.,õe.3 r;r1minae,, aB:H3in'J. ,Elle te :n tid o molestias venere as
e syi>~ililic.:u, vario:a, ~aru mp:ío, febre-palu s lre.
AFRANIO PEIXOTO 135

Não se recorda do primeirn accesso, tem lido diversos,


con nilsi \'OS / francamente epileplicos, durante os quaes urina-se
e fere a língua. Iuconlincnc:ia de mina. üe u1Pa feita por occasião
de um ncc:esso de febre paluslre ficou completamente alienado,
cl,egando a sahir de casn, internanrlo -se por uma rnça nlé? dia
scguinle em que lhe referiram o facto, que havia terminado per
um aceesso c:on\'nlsivo. Tem alem dislo ausenc:ias, cephaléas
inlensns, e bscnrec1mentos da Yista que muila rez o lançnm num
estado de deli rio f11rioso, rai l'as subi tas srguidas de
im;.ilu~ões criminars, lendo já pratieado diversas lenlatirns de
homicídio; esles accessos de raiva levam-no muitas vezes
a inconscicneia e se srgucm de uma crise de tremores.
E' um typico exemplo do caracter epJieplico; em curto
prarn, conforme o guie seu mal, é de uma covardia e baixeza
re,dadeiramenle rrpellenles, ou da ousadia e da coragem mais
alrel'ida.
Na~ prnximidades de suas crises é rixoso, provocador,
pervertido, praticando gatunice;; e espancamentos.

Observação F) - Epilepsia, roubos, espancamentos


tentatica:; de homicídio, rebellióes.
Anlonio Gregorio de Olivcirn, prelo, roreiro, natural de
l\lacahubas,
E9tatura 1,m G1-- busto 0,m77-perim. do peilo 0,m87
- grande env. 1,m65- com. das mãos 175 mil!. comp. dos
po_llex. d. 60 mill. e. 65-comp. dos pés 255 mill.-Pelle nrgrn,
cabel)os prelos, grossos, olho..; encovados, zygomas muilo
salientes: nnriz, c-llrto, grosso, dP.primido na raiz, narinas de
abertura a~ymrtrica, co.m ,40 mil!. larg. 39, orelhas delg:i.das
pequena orla, anlehelix n,uito ac·cenluado, lobulo um pouco
aril,erente, comp. d_. 52 mill. é. 57, larg. d. 35 e 32. A
symctria facial harendo predominanc:ia a esq. Syst. denlario reg.
caninos bem dcsenrnlvidos, inc:isiros pontnrfus por deforma<;ão
artificial; mandíbula com apophyse lenrnriana muito · notavel a
esquerda; abobada palatina ogival. Craneomrl ,ria d. ant. . posf.
max. 190 mill.-lran:;v. max 150-rrr[i('a] 143-bizyg. 145-
biamic. 130-frcrn .lal min.116 oµhryoalv. 72-oph. rnent. 101-
orb. P.xt.120..'.....orbinl, 31-circ. lolel 565-curva anl.275-post,
290- curva transv, 350.indice c:epha!ico, 78, 94, mernlecephalo.
Em pequeno ( não sabe precisar a edade) maswrbou-se muiw
e entregou-se ao amor bcslial; rapazinho tere as primeiras
relações sexuaes 1:ormaes mns a eslas preferiu sempre a paixão
bestial, vicio que apezat· de rec:onhecu· nunca leve força
para irnpedit :, Por maior C!Llºfossç SlJi:\•VO!ll1\flc!)O momento era
156 EPILEPSIA E CRUIE

qu:isi inconscienlemenle levado ao aclo; alem di.;to foi pe,ie-


rasf.a activo e gosla do onanismo buccal. Percepção e ideação
muito morosas, bastante ernbrulecirlo, memoria muito fraca,
sua propria edade esquece-se, altribuindo-se 20 annos, qnanrlo
parece Ler o duµlo. Nenhuma affectividadc; pouco religioso.
Gosta de armas cspPcialmenlc o facão e a lazarina; sonhos e
pesadellos horríveis o atormentam. Bebe pouco, gosta de vinho,
senso moral fraco, refere algumas façanhas com nfania. Aos
paes não conheceu, tem um irmão bandido e criminosJ de
morte e um primo germano epileptico.
Aos 18 annos corneçón a ler vertigens e ataques, qne
chegarnm a durar horas, sendo prcc(:'rlidos de dor precordial,
resultando profundo abalime!')lo. Neslc mesmo anno, após
excessos sexuaes, flincla no leilo, foi preso de um alaque convu l-
sivo, de qnc ficon muito abat1rlo. Contrariedades, farligas,
circumstancias indeterminadas ou cansa n!:lnburna anteciparam
um máo estar, aura gastrica e perdia o conhecimento num
grande accesso conrnlsivo. Um dia, enraivecendo-se por não
querer andar um cavall<f em que rnonlarn, leve um acccsso de
furor, seguido de cr ises convu lsirns durnnle muitos dias.
Os ataques sobrnvcm de enliJo para cá, inesperadarncnle, lendo
tido dircrsos na prisão.
Provocador e rixoso, um incidente p 0 queno inílamrnava-o,
batia mulheres e tomara as armas corno jagunço da politicagem
~ertaneja. EnlrPgarn -se ao roubo, sendo Lido geralmente como
bandido perigoso. Um individuo a quem havia roubado impede-
lhe um dia que faça seu cam inho por perto de sua casa, lanlo
bastou para que accommcllesse dias depoi,; ao mesmo,
culilando-o a facão, sendo secllndado pelo irmão, qne, apode-
rando -se de uma arma da victima, matou-a. Resiste á prisão,
tom a-se de uma furia desmedida, fere a auctoridnde e culi lu
seus agentes; preso, lcnla escapar, e encontrando uma mulher
gravida, sem moli vo empesinha-lhe o ventre. Recolhido á
µenitenciaria da Bahia, paga á justiça 12 annos; mas sempre
bulhento, insubordina-se e esbofeteia aos camaradas.

Observação G) - Epilepsia, dipsomania, kleptomania-


reincidenie- !llanuel Uenicio dos Passos, pardo, 31 annos,
natural dos ~lares, Bahia, reco lhido á Penitenciaria.
Estnlura 1m,83, busto 0m,855, grande enve ,,g. 1m,89,
comp. mãos d. 24cent. e. 20-pollex . d. 80 mill. e. 75 - pés 30cent.
S ystcma muscular regularmente desenvolrido, força verificada
ao dynamomet1·0 a pressão d. 22, e. 29; pelle cobreada, apresen-
.lí!Pdo m(\nch<1s e cjcatri,;es diversas, cabellos pretos, espessos 1
AFRANIO l:>EIXOTO 157

pouca barba, olhos pcqtwnos, um offerecendo uma opacidade


no cryslallino e maior fenda pupillar, orelhas tamanho regular,
não orladas na parle poslero-superior e ele peq. orla recortada no
nisto cio ronlorno, anle-helix saliente ', comp. d. 57 mil!., e. 60;
larg. d. 38, e. 85; nariz achatado, comp 53, larg. 37.Arcadas
suprr orbitarias e zyg. proeminenles. Lahios grossos, larga fenda
buc·cal, dentes rariados, implantados l'iriosamenle. Abobada
pêllalina escarada. l\faxilla pesada, bem rlesenvolvida, angulos
accenluados, apophyse lemuriana a direila. Cran. d. ant. post.
max. 180 mill., lransv. max. H5, front. min. 113, biorb. ex!.
120, biorb . .inl. 29, bizyg. 110, ophryoalv. 88, oph. menl. 142,
índice cephalico 80,55, brachycephalo. Percepção e ideação regu-
hu•es, falia com desembaraço, abt1sa dos alco.1lico~, fraca sexua-
lidade, religioso, não gosta de arma:,, sabe ler e escrever.
E' politico exaltado e talvez o mais firme monarchista cio
Brazil; espancamentos, prisões sem conta não conseguem um
inslanle demorei-o de suas idéas monarchicas, e uma vez posto
em liberdade, em breve se acha nas praças pu!J]i;)as, fazendo
discursos, insnltando a anctoridade, provocando dislurbios,
espancando, até ser preso de novo, de modo que é o mais
remlenle recidil'ista das prisõ.::s da Bahia. Esses senlimenlos
são exaltados pelo alcool, de qne abusa. Suspeita em lodos
ad\'Crsarios de suas idéas, conspiradores contra sua vida.
Recusou-se terminanl.emenle a fornecer informações i:,obre seu
estado, temendo represalias. As informaç :õr.s e dados que
consegui Õbler foram arrancados a prnlexlo de scre/TI emiados
ao Conde d'E11, que os pedia. O doente affitma que nada soffre
e é perfeitamente são, quando o Sr. l'rof. Tiüemont Fontes
asc;rguron -me que era um frequentador do Hospital de Mizeri-
cordiá e ahi leve mnitas 'crises epilepticas. Tive occ·asião de
asf'Í.;lir a um seu accesso conrnlsi\'O, em plena rua, após um
delírio de acção prolongado, vociferações, ele.
De ordinario, os ataques vem provocados por uma dose de
alcool; nestas occasiões torna-se rnidoso, transforma se em
tribuno popular, grila, esbraveja, provoca desordens, tendo
em alguma:< occa;;iões accessos kleplomaniacos. Esl'\s scenas
terminam de ordinario com a intervenção da policia, a quem
desobedece e resiste lenazmenle, do que resulta sah,ir grnve-
menle espancado e it· mais uma vez para a prisão. E de uma
analgesia e desl'lll.nerabilidade verrladeiramenle notaveis .: sup-
porta sem um gemido os mais barbaros ferimentos e cura-se
delles com uma facilidade prodigiosa. E' o maior reincidente
das c:asas correccionaes da Bahia, ..:onlando-se já por mais de
cimlena o numero de vezes em que tem sido ahi encarcerado.
(
158 EPILEPSIA E CRIME

Suas ollcessões e impubões têm um caracter ele Íl'l'~si,;tibi-


lidade que fol''(a alguma pode cunle r, a não sel' uma cil'cum-
stancia providencial ex(eriol'.
Sua indole pel'vel'sa não encontra freio então e elles cliegflm
a esses d·e]irios l101:1icidas, em que, num ÍUL'Ol'desmedido, são
capazes das maiores çruczas.
Não raro o crime, seja el le o roubo, o ineentliu, os allen-
lados uo pudor, o suicit':lio, o homicídio, são a tel'rninação de
accessos epiJcplicos, podendo existir isoladamenle, substituindo
mesmo de um modo inteiro.
As lioras que precedem ou seguem suas crises convub ivas
ou não, podem offereccr factos desta nalure2;n, motivados pelas
mesmas causas .
Um facto que me é uonliccido secunda este juizo.
Observação H)-hJJÍlepsia, ferimento, tentativa de ho-
micidio, impuls6es criminrtes.-An iceto l\farcellino Fel'reil'a,
21 annos, branco, Santo Amaro da Puríflca çã o, rece,lhido ao
Asy lo de S. João de Deus. J:!:.3tatura lm,59-grande enverg.
1m,60-- corn. das mãos e.17 cent. ,d. 17,5 cenl.-dos pollex 6
cenl., d0s pés 23 cent.-Cran<-10- -d. ant. post. max. 175 mm. d.
lransv. max. 146 mm., verfical 140 mm . frontal min. 102 mm.,
_bizyg. 126 mm., biauric. 135 mm,'ophryoalv. 78 mm., oµhryo-
ment HO mm., orb. ext. 117 mm, inl. 28 mm.-Nal'iz regular,
deprimido na raiz, ponta soerguida, comp. 50 mm. larg . 38 mm.
- orelhas mit! orladas um pouco eolladas ao couro cabelludo,
con1p. 57 mm . larg. 32-Pelle mol'ena; cabe llos prelos abun-
:c1antes, bigode ·qua,;i m11lo,,t!guma barba, falhada e espessa;
zygomas sa li entes, olhos regulares-Desenvo lvim ento muscular
·regular; dynamometria d. 41, e 36-Scxualidade exagerada.
Outras fun cções l'Pgulal'es. Pel'cepçiío e id_eaç:ão um tanto lentas, ,
memol'ia bastante lesada; tem alguma affe c tivir;lade; é• religioso
--Tem sonhos Horrorosos, pcsaciellos liorriv eis que o atonnen-
lam sempre. ·

..
AFUANIO PEIXOTO 159

A anamnese quanto aos anlecP,dentes fam iliaes nada for-


necen de nota vel nem preciso; o doente affirma que é o unico 1:ia
familia que tem esla molestia. Ha tres annos passados, Linha o
doente 18 annos, em um certo dia sentiLt qu e se acbava incom-
modado e a tard e desle dia s nccedeu, que encontrando seu pa--·
<lrnsto, ferin-o inopinadamente com um pedaço de páo, .abrindo-
llie u ma br er,ha na cabeç-a; momentos a pós este acto e á
~rande agitação em que SP. achava e cujo conhecimento Lem por
lhe t.ere,11rel'erido Jl03ter:iormente , sobreve iu-lhe um ataque con-
nrl~irn t.yprco e após este muitos ont ros na mes ma noite.
Fii:;011prostrado, aba tido, inerte por mui los dias no leito. Tempos
{iepuis 1:;occede11-llre um ataqúP. semelhant e prec':ldido de delírio
frrrio~o o q11elrw011a familia a internai-o n 'um as-ylo. Abi P.m
c1m do~ ac,,-nssos de d1~lirio e mania epileptica precipitou-se
;;uhre u111g11 ar da, procnrando mal.ai-o, no que foi obstado; sem -
1'"e nas crise;; q11eant<>cedemos saus ataques tem impul sos cri -
rnina11s l,ornieiuas e a lé suicidas.
S 1ias manifeslnç·õcs co mieiaes são d e tres ordens:
1°, nlaque r,onl'ulsir0 eomple to precedido de estado delirante
,. ruri,, rn; 2•, alaqnes eonvulsivos precedido s de deli rio como
110 prim eiro ea:so e ainda spguidos duran te .muito tempo por
11m estado c,rcpu8e1tln1· ern qne Lem impul soos l1omieidas,
.s11ir·iclns e allueinnr;ões ris uaes bem int ensa8; 3°; au sencias
1-igeirn s, n qun sncccclem on não cris es bastante prolongadas
cio sorn110tão intenso e p-rnfundo qu e o doente compára ao da
~•briedarlll. Sua,; •:iolenr:ias leraram a ser permane11Lemenle
<:11llu1 ,ado nnm ca rce re para evitar que nas suas manifestações
,el'ilcptieas li.ra au mate algnem.· ·

Um ?Hlro doer,ie que tive occasiào de observar na Peni-


tenc ia ria da Ual1ia tem im pulsões e riminaes apés os seus
:aci:;cssos.

Observação 1) Hf)ilepsia, roubo , vagabwidagem. -Manuel


Fa11stino Rodrig1rns, v~annos, pardo, marüimo, - natural de
Sa n lo Amaro da Puriflcação, recolhido á Penitenciaria Ja Bahia
por c,rin1e de roubo e· vagabnndagem. Estatura lm,57, busto
Orn,77,-~rand e env. 1m,57, eomp. das mãos ,18 r.ent., dos pollex 6,
do,-, pés 26; desenvulvimcnlo muscular pobre, franzino;
clynamom. á pressJlo mllo d. 21, e. 26, canl,oto. Cabellos d1iros
1GO EPILEPSIA E CRIME

e prel.o;;, olhos um ponco salientes; na1:iz achatado, comp. 46


mil!., larg. 35; orelhas mal orladas, especialmente a esquerda,
que não tem ol'ia na parle superior nem fosseta escaphoide
e offornce um rndimento de tubercnlo de Darwin, a concha é
dividida em duas porc,:ões pela rniz da helix, qne se prolonga
a té o antehelix, comp. e. 60 mill., d. 57, larg. e. 34, d. 31.
Cabeça triangular, asymetria craneo-fac ial. CrnnPometria d.
ant. post. max. 182 mil!., transv. max. 14-3, vertical 144, frontal
min. 107, bizyg. 112, biauric. 122, ophryo .nlv. 7G, oph. mPnl.
J32, birnand 82, biorb. ext. 113, biorb. int. 31, índice cephalico
78,5, mesaticephalo. Carie e diastema dentario dos incisil'os
infe!·iores. ln con tin encia de nrina. Mast11mbo11-,:ecom excPsso
em pequeno e. ainda o fa;r,, não aprrciando as rPlac,·ões ~exuae,:,
rine veio a conhecer tardianwnte. PercPpção e rnt:iocinio muito
imperfeitos, lentos e custosos, religio sidade fraea, affeclividade
nenhuma.
Pae epi leptico morlo em uma c·.rise conl'nlsirn, mãe Px<:es,:i-
Yamente nerl'osa,- hyslerica: um irmão, epile pli co q11e Linha
crises de fnror e rn qne batia e fPria aos circu111sta11te:;e um
outro que descor.hece.
Ha quatro annos tern o primeiro ataqne, de q11e não se
recorda, lendo tido depois deste diversos com a niPsma carac.lr-
risnção e arnda ausencias e ceplialéas intensas. Começ:a por uma
sen.sação de constricção e dor ao lqngo eia espinha dorsal, a
começar de baixo para cima, e dPpois urna aura gaslr ica, uma
qnentnra que riu es toma go sobP-l11e á garganta; 0ulras vp;r,e,:,
sensação de alfinetadas sobre a região precorciial 011 vi,,lenta"
ca im bras nas pernas; cae dPpois pre~o d!-lconv ,tlsõe;;, mordendo
a lingna, espumpndo P. ás vezes r.xpe llindo lll'ina. Após os
acces~os, doído pela queda, la sso, sente um appelile devorador,
furtando muitas Vézes para satisfazer esta necessidade; s ante
mesmo após suas cr ises uma certa perturbação e urna vo11tnde
(sic) de roubar quaesquer objeclos que lhe caiam sob as mãos,
não podendo conter estas impulsões.
Nos intervallos sente a lgumas ve;r,es esta mesma necessi-
ci:tde. l_;ma ve;r, entrado numa casa, tem uma predilecção accen-
tuada pela sala de visitas e pP.la alcova, porque ahi pode
fartar-se de objectos. Preso e recoll,ido á estação da Policia, por
crime de · roubo, alii mesmo roubou, Lentando fugir deµois.

:j: :::

ílul'idar q11e o crim e nas condiç ·ões apontadas seja uma


rerelação pura e simples da moleslia, causada por ella em toda
AFRA.J.'s!OPEIXOTO 161

sua complexidade, é uma absurdeza que não carecA demon-


stração em contrario, pois accordam neste particular todos os
alienistas que têm mirado a quec;tão.
Um problema mais grave resta pedindo solução e dando
'
origem a disparatados conceitos.
O crime comm iittido no intervallq dos accessos · epilcpticos
gosando o doe11.lede seu estado mental ordinario é ainda uma
manifestação morbida como os outros praticados durante os
estados vertiginosos ou delirantes ou implica tendencias crimi-
naes alheias ao mai sagl'ado ·?
Bastantes ·auclores opinam por este ultimo julgar baseando
em futilissimae c,ambaleant.e argumentação.
Falret, mestre competentissimo, julga diflicultosa a· ques-
tão; não ha dul'idas quando o crime é commetticÍo num estado
delirante, outrn tanto não se dá quando a acção criminosa deu-se
tendo o individuo pleno conhecimento, i:;endo.então o caso . «dif-
flciJ de aprnciar exactamente » a).
Se si attentar, porém, em uma multidão de dados que
I
podem rasgar as nevoas que difficultam a percepção clara da
rnnlade, o caso poderá ser resolvido.
Em primeirn iogar attenda-seque a perversidade, a crueza
a ferocidade do epileptiro, traços tão salientes de sua personali-
dade, ~ão um vasa persistente, fructo de s11amolestia que as pai-
xões de momento podem velar, como. suas crises impellir a uma
maior exacerbação; estas qualidades bastam considerada a

nl Ann. 1l'H?1giene Pttbl . et de iJlecl. leg .. 1 e. s. t. XXIX- .ts93-


par;. J;1; .
162 EPILEPSIA E CRIME

jmpt'lnosidnrle do cpilepli"o e as suas irresislirnis impul sões,


facilm~nle ·dPspcrladns, pnra lernr ao crime.
V-Pja-seeste exemplo:
Um ofGcial lm.zileiro, epilepl1co confirmado e que lil'e
occasião de examinar cm uma das enfermarias do ho,:pitnl pro-
visorio dn Facnldade de ~ledicina, onde sô nc:liara em tn.dn-
menlo de ferimentos recebidos em Canndo•, di~se-me,'referinrlo se
ao fanalico Anlonio Consell1c,iro c os sen~ j,1g11nço•: «Todo
men desr.jo, si o podcsse, era degolal -os com 1111nhaproprin miio
um a um; quanto as crianças, e-;las, eu alravr.., ,rnria de baixo
n cima por um cs·pelo q1~e lhe.-; abrisse c:i.minlio pelas en-
tranhas.,
A feroeidnde ele conl'encido q11erec;nmal'a d'e;;las palarrn3
não me permillín duiidar do que fosse c:apaz de o fawr.
- Affirm9m n111ilosmeslrns sr.r 11mac:::irac·Leri:il1ca
do crime
épileplico durante os eslarius delirantes a falta de molirnçãn,
ora, islo se dá ainda nos c:asos em que;;lão, s1111do
de notar q ne
qt1asi sempre q11eha um molil'O a desforra é de:::proporcionada
11.offensa recebida. Tal ser.=Lr-apaz cio malar do modo mais
cruel a um individuo que lançou-lL1eum olhai· duvidoso, a u111
outro que deu -lhe um em puxão ou feriu-lhe ligeiramente a ex-
{Juisita sü5ceplibilidade.
· Não é exaclo qnc cslo nolan,l falia de corre lac,:ão entre o
criíne e sua m0livação é bem um indicio cio desequilíbrio orga-
nico qué falsêa o juizo, deforma o faelo, e abandona o freio a
uin cómmcll imenlo clesproporc:ionado?
E' focl.o rnbiilo que c:n seu estado ordinario re~iduam na
AFRA'NIO PEIXOTO 163

mente do epileptico as _impressões de passadas allucinações


internas ou outras e que podem bastar a consecução de um
crime.
Abaste-me, para exemplo, referir o caso do epileptico que
tirou a vida . do Dr, Geoffroy,'de Avignon.
C, era nm epileptico confirmado tendo tído uma multidão
_de accessos, e.rises de loucura epileptica, impulsões suicidas e
homicid~s, exaltaf ;ões, allucinações, etc. Em 21 de Abril encon-
,
irando o medico no asy lo estendeu-lhe a mão e pronunc iou a
palavra união. Dois dias depois conserva-se nd corredor por
' .
01de passam o medico e qmmdo este approxima -se chama-o,
queixando -se de um incommodo na parna . Quando o medico
al:>aixa-se para examinai-o, fere-o pelas costas, introduzindo-lhe
no coração uma das laminas de nma tesoura que trazia occulta
e aberta em cruz para facilitar a manobra. Na noite seguinte
teve um accesso 1.:onvulsivo. Interrogado sobrn seu crime res -
pondeu que havía muitas noites o,; membros de uma sociedade
r
secreta e cujas ,·ozés ouvia ordenavam- lhe de ma_tar o m~dic.o
,:ob pena de ser desgr;çitdo toda a vida . Para ve;·ificar si o
medico fazia part 'e da tal sociedade encontrando pronunciara a
palavra iinicio qt~e irrespondida levara -.o a ex(:eular posle-
ríormenle a àrdem recebida . Depois disto os accessos torna-
. rum -se mais frequentes depforando o doente seu crime nos raros
intervallos de lucidez.
Eis ahi um facto que ensina bastante; o crime de JC. leve
uma motivação embora allucinatoria, foi. praticado em pleno
estado de consclencia pois o doente foi capaz :ee ex,J'lica1-o
~~ n
164 EPILEPSIA E CRIME

de modo sali~factol'io, foi alem disl.o lndo premeditado


dL1rante dias não só em relaç ,ão a slla execução como no men-
tiroso incommodo da perna e ainda no modo dR u,;ar ela al'ma

.
hom·e ahi uma tenclencia criminal
.
homicida. i\las dir-se -á, depois da simples narração
alheia a rµilepsia
d?facl.o,
o mani-
que

festiíndo-se isoladamente ?

Não ó exae:to qne o doent.e apeznr de s011 eslado consciente


e podendo deliberar no planrjar1enlo de son crime foi condnzido
a isto por nma fatalidade ele seu mal, pelo residno de alln c i-
nações a qu,3 obedecia?

Demais cm 011lro!:l c:asos q1rnn110 nm aelo criminoso é


praticado por um epileplico fora da inílnenr.ia immerliafa de
se11s accessos apparenles, qnem podo dizer segnranwnte qne no
momemfo niio era elle impulsionado por 11111 accesso inslanlnnco
de de 1irio, por nm estado crepuscular, por nm accirlPnte n~rti-
ginoso, que por existirem sem as especlaculo sas conrnl.,õt~s
mo'loras, unica forma do acces30 opilcplico para o:; ignoranfe,; e
ainda para muitos medicas, passasse clespernebiclo a a:;sis-
lencia?

E emquanto outros cr.sos o aet.o criminal é somente a


manifes _laçào comicial inteira, 11111 !>eu <>qnirnlente como se dizia
em velha lingungem?

i\luilos accessos opilcptieos resumem -se numa oxhibiç·ão


rios orgão.s sexuaes, ntJm rnubo, nnm incendio, num liomici;lio.

Palll Garnier referiu a Soci~dacle lllcdico Psychologicn o


caso do um opilrplico qnc apenas revelara seu mal pela exhí-
AFRANIO PEIXOTO 165

bição de suas partes genitaes, sendo o acto seguido de amnesia.


Voisin na mesma sessão citou dois factos identicos a) .
Posso juntar aqui o conliecimento do interessante facto
que segue:

Obsc,rvação J) - Epilepsia, exhibicionismo; coexistencia


elo delírio de perseguição e delírio erotico. .
Francisco ele Assis, 19 annos, preto, creado, natural da
Feira de Sant' Anna.
Estalt11·n lm,65-busto Om,76-grande env. lm,71-comp .
flas mãos Hl cent., pollex 6, pés 27-desenvolvimento muscular
bastante - dynamom . ú pres~ão d. 26-e. 21-nariz achatado,
comp. 50 mill.-larg. 38-orelbas regularmente orladas, lobulo
aclherenle comp. [,3 mil!., larg . 30-carie dentaria, abobada
pnlatina cxr,nvacla; asyrnetria craneo-facial. Craneornetria-d .
:int. po;.t. rnnx. 181 mill.-transv. max. 158-vertical 154-
!Jizvg. 120-11iauric. 135-frontal min. 113-ophryoalv. 80-
oph. rnenl. 138-or1'. ext. 1.20-orb. int. 29-inclice· cephalico
87, 7 -- bracliyceplialo-Imbeciliclade completa. Herança clifficil
de aYPl"Íi.(11a!·,só se .-;abenrlo ser a mãe ~ã (?)
Tinha um anno quando por occasião da irrnpção dentaria
sobrcl"Pio lhe o primeiro aecesso convulsivo, espumejando e se
nrinanrlo todo; ontro;:, se sf>guirarn por esta epocha fic·ando o
dot -•nl.e até aos 1G annos sem manifestação outra. Nesta edade
sobreveio-lhe un, dia inopinadamente 1.1111delírio furio'so em que
ra,;gou torla a roupa, correu em direcções diversas, saltou
mmos,etc ., segnindo-se nm dr!irio de perseguição muito violento
q1rn d11ro11horas ntío deixando lembranr,:a alguma ao doente
('C~sacla a c-.rise. Vieram a cu1 lo praso outras semelhantes
11c:rPsc«nrlo 11m verdadeiro de delírio erolico em que o doente,
profere palavras e executa gestos obcenos, apega-se ás mulheres
que encontra. rornpe:1do-lhes as vestes e rompendo tarnbem as
s11n,-..Ha crises ele natureza diITerente: o doente snbitamente
' levanta-se, 011 se está caminhando pára, abaixa as calças desa- .
hot.oando-ns e expõe os orgãos sexuaes durante algun~ instantes,
execntant.o o acto sem escolha de logar e não guardando a menor
lombrança dello. Todos os objecto., que lhe possam cahir sob as
mãos, sem escolha cio valo1·, apossa-se clelle;; guardando·os nas
:dgibeiras; r01,1ba 111esmo dinheiro qne gasta nas vendas em

n) .frrh. de Nwrolo9ie - t. XXFJ l, 11i94, pn9. GL.


166 EPILEPSIA E CRD1E

bebidas, fnmo ou ninharias. ÜL1lra, vezes sem causa justificada


·ri, gargalha, corre, · salta, deita-se pelo chão numa grande
explosão de alegria. O estario mental nestes ti-es annos tem sido
profunda e pregressivarnente lesacio achando-se hoje num estado
de quasi im_becilidade. Acommcllido pela variula ha µouco
tempo, suas cri,es suspenderam-se inteiramente, esl.andu agora
pacifico, socegado.

* * :::

Uma cu riosa observação ele .llfotet mostra um cpileplico


Yerliginoso lendo-se revelado por 23 incendios na mesma aldeia
e nas mesmas circum stanc ias, sendo 15 em um domingo a tarde
após algumas lihac,:ões alcoolicas. -- Depois em um outro dia
sobreveio um grande ataque convn l~ivo seguido de delírio em
que via fogo e cliamma s a).
Na obsernçãn tão conhecida de Gall, referida por

Esqii°il'olb) e nas duas de Falret <'}, não é facto que a muno-


mania homicida subsliluin inteiramente as outras determinações
symptomaticas da epilepsia?
Um tal Cosme, epi leptico qne tive occasiào de examina t·
cm uma visita a S. João de, Deus, mas cuja observar ;ão inteira
não pude tomar por ter o mesmo fallecido dias depois, apresen-
tava crises de allucürn ções visuaes e auditivas de natureza
perseeutoria, em que, .procurando tenazmente defender-se de
invectivas e de golpes que lh e vibravam phantasticos inimigos,
atacava egua lmcnle, procumndo ferir.

n) A.nn. 1ned. z,sych. 5. s., t. II, 1883, pag. aos.


b> Op. cit., t. Ilpag. 831.
<') Ef.wl es cli11iqnes sw· les 1:r,,al.menf. et ·nerv.·-Paris, 1890 vag. ,18õ.
AFRANIO - PEIXOTO 1'6'7

Estes acéessos, nasta .nte pe-rigosos e que fizeram i>n.car::


cerar . o doente,- substituiam e alt ernavam crises - eonvulsivas,
typicas.
Feré, secundando Ech eoerria, a) affirmou · ,, qüe as:
viJlen cias dos · epite-plicos fora de seus ataques . merecem · se~
approxima 1ias dbs paroxismos . psyc,hicos, dos quaes nenhum-
caracter .esse ncial '0s separa b ).
Paul Sollier escreveu que a impulsão homicida sobre\·em
ao epileptico, aô mesmo titulo que qualquer outra i:npul::ião e):
Em sciericia as opiniões ·decisivas e dogmaticas têm sempre ·
o ·defeitq de, cedo ou tarde, soffrerem a acção contraria de .
outros factos que lhes abalam o ábsolutismo, ,rasgando de v.e:z.
a rJgiiiez para deixar ficar formulas abehas e _pejadas de
co ncessões e ex.eepc;ões rarias.
Estudando , os caraçtei-es do crime epileplico formou-se mn;
conceito inteiriço de sna caractenstica, .que passou de livro a
livro _ até -o tlP Legrand du Saulle, que çonC'reti.sciu todas as ·
idéJls . reinantes e todos _o.s conceitos , pessoaes sobre o assumplo _
dando em algnmas · iinhás os .cà.racteres da criminalidade
epileptic.a. , .
~ Os caracteres geraes mais communs dos crimes cpminet, ·
tidos . pelos epileplicos p"odem resumir-se _no seguinte grupo de .
signaes: aus~ncja de motivo ; falta de p1:emeditação; instant.a,

a) On epilepfjc _violf 1we-The joumal of _Menfal Scienc_e, Abril, 188õ.


t. XXXI , pag. 12.
b ) L es Ép. t. les épilepfiqttes-Par ·is, Jf/90, png . 423.
e J Guide pratique dP.s1',faladies· 111e11tales-l'aris, 11393; pag. 39õ.
168 EPILEPSIA E CRIME

neidade e energia na dete 1•mina ção do acto; ferocidade na


execução delle; dese nvolvim ento de uma violéncia insolita
e mulliplicidade de golpes, nenhuma 'dissimula çã o na pratica do
attentado e nenhum cuidado por parte d; seu anctor em
occultar-se depois; indifferen-ça absoluta, 2usencia de toda ·a
magua e de todo o ,remor so; esquecimento total ou rem inis-
cencias confusas e parciaes do acto levado a effeilo » a).
Tanto bastou para que a expe rien cià mais demorada viesse,
arrancando uma a uma todas eslas características inde\"idas,
mostrar que crimes epilepticos de natureza indu 'bitav&I podiam
se dar, sem que a ausencia destes signaes podesse por isso
ser uma contestação diagnost.icii.
Os ataques foram diverso s, devendo a justi ça nomear o
bello talento de Julio de Jl!latlos como dos m<lis esforçados
pelo restabelecimento da verdade neste particular.
Estudando em um bem ponderado trabalho b) os actos
violentos dos epilepticos, graças ás observa ções dos mais
notaveis alienistas, o sabio portuguez conseguiu demonstrar
que t<).essignaes, sobre não serem exclu.,ivos das violencias
epilepticas, não eram con~tantes, impedindo assim o facto da
verificação de sua auseneia em um crirr.e, a affirmação da não
-existencia do mal sagrado em um cri:ninoso. E' assim , que a
ausencia de motivo tem contra si bastantes factos que mostram

a) 'Legm;,_d du Saitlle, Éti,de mért. leg. swr des épileptiques-Pa1·is,


1877 ,pag . 162.
b) Ji.lio de.,Mattos-A louc1wa-S , Paulo, 1889 , pag, 137 a 208.
AFRA,NIO PEIXOTO 169

pode1:em os comiciaes cm suas determinações criminosas sei,


guiados -por est~s · ohjectivos.
Observ .ações de Echeoerria, Tamb :lrini, Delasiauoe,
LeJrand du Sa11lte, Blanche, Respaut, Julio de Mq,ttos vêm
rlepor affirmativamente neste sentido.
Por mim posso ajuntar factos criminaes praticados pot··
comiciacs, cm que se pode notar a existe1ncia de uma clara
motirnção. Uma é a observação seguinte, a outra vae adiante.

Observação K)Epilep8ia -fer1,mento -motivação. .


Domingos All"es Ferreira, 18 &nnos, mestiço escuro, de Ca-
d1oeira, magarcfe. Estatura 1m.40-grande enverg. 1,67 busto
83,5 cenl. perin1e.tro do peito 90,5 cent.-c .omp. das mãos e. 17
cenl. d. 18 cent., do pollex e. ·7 cent, d. 6;5 cent., do pé 26 cent; ·
desenvoll'imenlo musc:'ular muito nolavel, especialmente a es-
querda; dynamometria a pressão e. 26·, d. 20. 1-'elle bronzeada,
cabellos pretos e espes:,;o~, pouca barba r nullo bigode. Olhos
rngulare!:l, esclerotica suja, íris castanha radiada, sobrecenho e
seios frontaes um pouco proeminentes, zygomtts salientes,
nariz chato, deprimido na raiz, con'!a rn para cima; or~lhas ·
afastadas, regularmente orladas, lobulo pequeno, sessil.; syst.
dentrio · regular, caninos muito desenvolvi dos. Craneo-d. ·
ant-post-max 190 mill.-transv. max. 150 mill.-vertical 152
mill.-fronlal min. 107 _ mill.-bizyg. 125 mil.-biauric. 127
mill.-ophryoalv. 73 mill.- ·oph. meni. 130 mill.-orb. ex. 115
mil!., mt. 35 mill., 'circumf. total 57 cent., Cllrva ant. 29 cent.-
curva posl. 28 cent.-curva ant-po~t. 3-i,5 cent. c. tr:msv. 34' cenl..
índice ceµhalico 78,0-inesaticeµhalo.--Tatuagem na face in-
terna do antebraço d. J. M. J : mal ' traçados-na face ext. 'do
braço esq. um cornção de <Jarta de jogar encimado por uma
cruz _de muitos braços e atravessado por uma espada. Cicatri-
:.1es diversas na face e no couro ca!Jellu<il.Qdenunciando feri- ·
rnentos profundos. J\lasturbou-se mui lo ein pequeno, exercendo
n'esta epochet (12 an1os) a pedaraslia activa e pas~iva. O pri-
me11·0contacto sexnal data dos 12 annos, Onanista buccal, µer-
\'ersões genitaes. Percepção e raciocínio morosos e irnperfeit.os,
memoria muito lacnnosa, alguma affectividade, !·eligioso, não .
sahe ler nem escreref, gosta de armas. Sonhos agitados, pesa-
dellos horriveis, gritos e imprec&ções durante o somno. Usa dos
170 EPILEPSIA E CRIM •E

alcoohcos, joga, sendo o samba e as mulheres suas grandes .


paixões.
Pae morto de variola e mãe dé desynteria; esta alcoolisa-
rn-se muitas vezes, tinh(l máo genio, _irritavel, espancando-o
fortemente por coisas insignificantes.Teve 4 irmãos, dois mortos
pequenos, · uma proslitula se alcoo lisando bastante . Aos 18
· annos appareceu-lhe o primeiro ataque, a noite, emquanto
dormia; nas convn lsõP,s Yei•u a cahir do leito ferindo-sé na lesta.
Só ácordou na manhã seg11inte, sentindo-se P,xtraord _inari _amer ,te
abatido; junto a cama encontrou uma poça de sàngne qne disse-
ram-lhe ter sáhido da bocca na ocr:asião em que cahira ao chão,
a língua não estava fPrida e durante os dias qlle se . seguiram a
rRte e outros ataques expelliu muito .~ eRcarros sanguinolentos.
No mesmo anno teve 3 ou 4 crises semelhantes que se amindarn
caliindo sempre do leito e ferindo-se na face e couro cabei ludo.
Estas feridas tem a particularidade de sararem rapiJamenle.
Um dia, pouco tempo depois qne lhe sobrevieram · os pri-
meiros ataques, havia bebido um pouco, í!onversava com 1p11
amigo e na occasiào em q11e este se despedia, ·· viu aeercar-se de
sua casa um Pedro de tal, que conh·ecia de vista e pareceu -lhe
bebado. O Pedro qniz entrar, forçando sua porta, e dl! nada
ma·i,, pode saber. No outro dia, . recolhido a prisão, soube q11e
liavLa ferido com uma tranca de p.orta ao tal Pedro, e levado á
prisão n'uma grande agitação lá tivera nm accesso convulsi\'O.
Nenhuma lembrança guarda do acontecimento e suas seq.uen• .
cias, mas si feriu foi porque t.eoemotico e razão, pois nin,9uem
pode entra,• em casa de outro sem sua vontade. De então parH.
cá começou a ter ataques 1n,ais frequc:ntes, de mez em mez, 15
em 15 dias. Durante nm dos dias el]l que ·o exa ·minei te_ve á
noite 5 ataques seguirlos e nar, circumstancias ào;; .anteripres.
Está recolhido á Penitenciaria da Bahia, pagando com 4 arinás '
a ~esgraça de ·s.er doente. · · ··

*
* ~ *
A falta de premedita ção acha-se negada no caso do e!Ji•
leptico ass ,assino do Dr . Geojfroy a qne já me referi, como em
observações de Le;1rand da Saulle, Desmaison, Jvf agna11.
_
Um facto me é c_onh .ecido em que se acha infir-madaedesmen- .
tid·a a ausenda de premeditação como a instanta'ueidade na
determinação ..:riminal, outro caracle;· apontado.
AFllANIO PEIXOTO 171

Obs ervaçã o L)-Epilepsia, assassinaio, roubo, preme-


ditaçcio.
Pedl'O Mariano Rorlrignes, 28 annos, Therezina, Piauhy,
condemnado a prisão cellular pOl' 30 annos, recolhido a Peni-
tencial'ia da Bahia.
Estatura 1m,61-busto Om,81-perimetl'O do peilo Om,87
-g. enverg.1,rn625-comp . das mãosd.180 mill. e.183, pollex
<l. 65 e. 67 pé d. 250 e 2-t5.-Enxnto de musculos, franzino.
!II ui ato, cabellos grossos pouca barba e folhada . Um só olho
sendo o outro vasado pelu. ponta de um boi. Nariz fol')nando
<:om a fronte um angulo obt nso muito c!al'O, lobu lo descendo
rnnilo abaixo da in se rsuo das azas, comp. 45 mil!. larg . 38 .
OrPlhas delgadas. afastadas mal orladas, fosseta escapboide
pl'Olongando-se sobre o lobulo a direita-Syst. dentaria regular,
diasthema dos incisivos medios sup., grandes caninos. Man-
<iibula ponlnda, angulos salier,tes e ai:;opbyse lemuriana muito
accenlnada á direita Abobata palaliua excavada . ,
Craneo- ri. ant. pos l. max.180 mill.-transv. max. 15i mill.
Yertical 14-6 rnill. - bizyg.110 mill-biauric.130 mill.-front. .min.
108 111ill.-opl,ryomrmt.115 mill.-ophryoalv. 70mill. orb.-ext.
115 mill.-o. int. 25 mill.-circ. total 55 cent.-r,.urva ant. 28
ce nt. posl. 27 c,rmt.-ant. post. 315 mill.-transv. 32 cent. Indice
<:ephalico 85,ií-!Jrachyeer.1halo. Tatnado no braço direi o em
!Ptlrns in cer ta<; com o nome dP. um amigo Jerome Doto da
I17reja.ll!asl mbon -se mnito cedo, ainda crian<;>ae entregou-se ao
mn.Jr IJost ial. O primeil'O contacto sexual· deu-se já ern
rnpm1.
!loje rna paixão é o amor bestial e o onanismo
b11cr.al nas 11111\ltere;;.Percepção e ideação regu-Jat'mente claras;
ni,-pondn as peq~nnlas - pv.sando-as bem, como temendo re-
,·elat'-se; dü - a impressão de nrn individuo bastante astucioso:
l\!emoria nrni1n enfraquecida. Pouca affectividade , c rê em Deus
pon~rn não 4 bapti~ado e nnncã foi a uma egreja nem sabe reza '
alg11111a.E' s11perslieioso e gosta de feitiçarias. Não lê nem
esc,rern, gosta de armas. Pltobia dos lugares elevados e de .
<!Slat'só. . . •
Um dia oncoh·arando uma ro ça , ha uns 10 annos, linha 18
ànnos então, teve o primeil'O al.aqÍie .que durnu mui(as horas,
sobrevindo -lhe alaques semelltanles de voz em quando
}11lernanclo C\ltn rnrtigens e a11sencins. Qualquer coisa irrita-o e ·
tem C'nlão Yiolenlo5 .aec essos de raiva , que, quando não são
<:ontidos, adquirem grande Yiolencia. Nestas oceasiões sóbe.Jhé
(lo P.~tomago a garganla um aperto, sente na Yis ta alguma:
Peixoto · 23
1í2 EPILEPSIA E CRI:.\1E

confusão é leTT,Jimp1il~ões de ferfr e bater os que o cercam o que


já se tem <iado algumas l'e:,.es.
Em Maio de 1889 lendo dado ag.azalbo ao africano Manuel
Vcllio, maior de 70 annos, e qne ia ,·iagem, alla noit e, apro-
'í·eilando-se do sornno do mesmo assassinou-o para roubar-lhe
1.5$000 que de dia vir~ entre !>uas mãos. l;'ralleados estes crimes
rnu1ilon o cadaver, en terrando pari.e em nma fossa rasa perto de
casa e parle, perna e brnço, em nm ôcn de JHW nwUe.
Preso e reconhe cido o crirne disse rle nada se lembrar,
escusando-se não estar cm sou j11izo perfeito. Tempos dE:pois
disse ler-se lembrado do faeto P c ,,nla rnlào que nm dia
enlr:rndo em easa encontron o refe r1do africano qnerendo vio-
hmlar sua -mulher, possuiu de nmn grande fu,ia r. rnalon -,,.
Muito embora a prnmeditação e o n1orel, rste c rime é
realmente movido pela epilepsia e foi pralieado nu111a tal per-
lurba<;ão de espirita que o criminoso não soube occullat· os
vesligios de seu crim e, mutilando inutilmente o cadaver, enter-
rando em uma fossa ra sa junto de c:asa, no proprio quintal.
O facto de sua versão ult erior indi ca ainda islo, como bem noia
Broual'det a). Arlefactando seu conto µara eneher nma
lacuna e achar-se com ra;r,ão, esq 11eco se que foi \'Íslo vii· com o
africano para casa onde !i01,pedou o e qne este linha uma idade
superior a 70 annos, o que torna muito pouco prora\'el um
la! allentado.
·Jlía prisão continua a repelir o conto e fez já duas
lcnlalirns de evasão.

O caso de 'I'huviot referido por Legrand clu Saulle des-


mente egualmenle a constanci,1 pretendida da inslanlaneidade de
execução .
.ll{altos cita ainda exemplos em que não houv e ferocidadtl
·na execução, multiplicidade de go lpes, au,;encia de dissimulaç,ão
e de foga, indifferença absoluta, ausencia de remordim ento,

a/ Le ~riminel-Ga,. cl_eshopitaux-1890 apwl Lombroso-1..-0uv. rerl,.


de p.<ych. e 11,11throp.crim. Pm·is 1892-:pag. 167 a 170.
"I.FRAN!O PEIXOTO 173

ficando para ultima a discussão da amnesia e inconsciencia


constantes dos crimes como dos outros actos epileptieos.
Velha questão esta e que um deploravel preconceito tem
querido manter no seu primeiro pé, muito embora os choques
rndes com que a tom abalroado a observação.
Em uma outra pagina destas notas deixei firmada minha
íntoira convicção de que a inoonsciencia e a amnesia não
podiam absolutamente constituir signaes pathognomonicos da
epilepsia.
Dei sobtjas 'razões deste julgar que lenho ousadia de
antepor aos conceitos enganosos de muitos doutrinadores do
mal _sagrado, que a todo transe esforcejam para mantet·
um crru.
E' assim que Jalts Christian, dogmatico e absoluto em
suas a~severações, para não acceitar a verdade inteira, nega a
natureza epileptica a) das implusões conscientes d'aquelle
camponez de Krumbach observado por Gall e que Esqairol
refere com um caso typ1co de monomania homicida b): Egual:
mente posta e~ duvida são as duas outras observações de
Falrel e dcn·em-no ser lambem as que tive occasião de
mencionar quando anteriormente tratei da questão .
.Por um singu1ar paradoxo, destroe-~e a verdade de muitos
factos, inculpa-se de erro a mestres sagazes na arte do diagnos-
tico, só porque arraigou-se um preconceito estolido, inamovivel,

it) Op. eit. p. 1n.


h ) Esqwiri,/-op. cit. t. II:,. 35l.
1'7-1: EPILEPSIA E CRIME

.e-lhe ·apparecem patrocinadores que prelendem fazer sciencia


conservadora. a).
O proprio Legrand du Saulle, embora secundado por
Fal,,et, receiou fazer passnr Tbul'iot, o assassiflo .de · Maria
Cottard, como ep,iloptico, só porque o criminoso guardou a
memoria de seu crime e « es te phenomeno qnasi por si só
exc:lne a epilepsia• b ).
A verdade inflcxil'el, porêm, mostrou lhe q11e o que !tavia
de falso era esse prPjnizo P elle, corrigind o sua ingenu idad e,
veio afflrmar posteriormente tjue • ep ileptico clle foi, epileptico
elle é ainda ·• e),
Tal é o _resultado a que bão -dtl cliP.g:ir fnlalrn 1rntc aq11ellPs
que á deducc,,ão d_us facto.3 preferem as illações de sc n fabeado
juízo.
Ne~te · parliculu1· fica ainda demonst rado da;:; ob.:;en·nçõ,•,;
de Liman, Bo 'nfigli, Le_gl'and 'd1i Saulle, Genrg el, Tos elii,
Lomb1•030, Bianr.hi, Tomúní d) q11e a inconEc·iencia e a
amne;:;ia não são um caracter constante do crime epi]eplico,
como já !taviam demonstrado para outras; rcvelac;ões do mal
sngrado os estudos de Samt, H11.r;l,cs
., Echeve1·1'Ía, Ifro.!Jl·

_. n) Aindci em dirrn lleste a11110o Prnf . 1llarcio Nfl'y, do Rio, .,ahf. se com
eafa velharia: < N11ncn se percn de 1ne11101·ia qw um do.9 ca,·,z1·feresfu11da .
'llienfaes rl11selesor1le11s
z,ost-epilP.pficasé a cnmpleta ji,ltn de r11curdaçàoelo~
factos qi,e se 11ass111·,i71 dumnt e o pei'iorlo Ct"itico• -- D,·. 11:la,·cioN;e1·y-A
epilépsict sob o vonto de viste, m ecli co-legal - Archivos de J11,rispruclenciu
Medica e Anthrop .-Rio - ]89i-t . 111. 111.
b) Ann. d 'H ygienePubliqueetmeel. l,g.1875- 2 s. t. XLIV-p. 410.
e) Élude ,n e..l. leg. sur /e.• épileptiqttes - Pa ris-1877 z,. 170. ·
rl) Jlatf os-o p . cit. png. 177 e seg. :
AFRANIO PEIXOTO 175

Ebing, Lombroso, · a que já me referi, ~juntando minbi:t


pequena contribuição de doi~ factos observados.
Deste modo, si ao crime epileptico podem faltar todas estas
características que se lhe tem altribuido; si as crises comiciaes
podem rebentar instantanea e brnscamente, sem que nada o
possa prever e muitas vezes symptomas apparentes revelar a
existencia; si ellas pod'c!m deixar residuadas com demora
varial'el 011 se fazer pr~ceder ás vezes com bastante antece-
<lcncia de prnfundas e perigosas perturbações mentaes; si o
cpilcplico em si, em uma das alternativas de seu caracter,
mesmo fora da "influent:ia immedial.a da suas crises é um :;:er
tJerrnrlido, irritavel, cruel, impiedoso, pergunto, quem ha ahi
que diante do crime de um epileptico possa affirmat· scient-e
e com,cienlemenle que elle age de um modo deliberado, obede-
cendo a uma ' lendencia criminal e nã') levado por uma fatalidade
de seu mal?
Em f'nmma: Eu não pretendo affirmar que todo epileptieo
será fatalmente um criminoso devido ás tendeneias de seu
caracle'.' e aos íncitamenlo3 de sua molestia; não, absolutamente.
Prelcndi apP-nas demon~trar, e apoiado em juizos seg1;rissimos,
que todo epileptieo, em um momento dado, uma vez se
encontrem preparadas certas circumstancias, podará chel!ar
ao crime, como em muitos outros casos [(;'rminará numa
\·iolencia ou num aclo inoffensivo. O crime nestes indivíduos
nilo é mais que a continuação logiea, a terminação explosiva.
de sua impulsão, de sm determinação falseada pela molestia, e
isso não somente debaixo da influencia immediata de suas
crises, mas em toda continuidade de sua vida, mesmo quando
176 EPILEPS1A E CR!:\1E

elles inlervallem crises espaçaâas, porque o epileplico não é


·doente porque teve o accesso, mas leve o acc~sso como Le ria
- qualqtier oulra del erminação symptomalica, porque é doente e
e· ele uma molestia que se lhe apegou conslantemenle, perverteu
, seu intimo e mareou-o de se~ sello perturbador permanentemente.
Perguntar-me-ão, sem duvida, si pretendo, que por um
individuo ser epileptico se ·exirn0 do contrapeso de Lendencías ,
vieiosas e crim inaes, que se -encontram em lantes ontr?s homen s.
, Absolnlamente não. O que eu affirmo é q11e, Ambora possa
, existir em these a possibilidade d~ perpetra ção de um crime,
· sem que influa no aclo a individualidad e do epileplico, de facto
crilerio algum, sciencia alguma, pod e no esl.ario aclual pretend er,
num dado caso, apat:tat· a inflrrnn cia do mal sagrado de
suppostas tende,1eias criminacs anleriore~. ·
A ,que cifram-se estas londencias criminaes anteriores s i se
é na- maior parle das veze, . opileptico de nascPn ça e si é
. funcç -ão da epilepsia produzir más tendeneias, '.'irdosas ou mais
. fermentadas ainda, criminaes? !
A alma hnmana não é algnma coi$:t que se possa
snbmeller ás pesa das rigor osas p 0 la balança, nem ,i analy se
'subtil de uma experimentação chimina.
E será sempre assim?
Embora acr edite no caminliar progre ss ivo qne fazemos
-atravez do ob sc uro, o Ignol'anws et Ignnrabimus de Emil D1t
Bois Ra!Jmond . se me apparece corno_ nma escarnecedora
dese s peran ça .
Hesta-me, porêm, Ul1J'1 convicç:ão assentada pelo qu_e lem
de jnsteza e verdade e q·ue. a-qui deixo: a criminalidade elo
. epi~eptico é bem uma revelação F:!Jmptomatica ela epilepsia.
Inimputabilidade
jurídicae social
do epileptico
L'lgnoranzadel fenomenlepl-
lettlcl ed lsterlci ha causato molle
errorl gludiziarl,e la scier.zaposltlv1
cammlna per una vfa bagnata dai
sangue dl tanti lnlellcl neuropatlcl,
lmmolatl dall'lgnoranza sull'altare.
della glustizlalnorrldlta.
Bernardino Allmena=I Llmlti
e I . modlllcatorideli'Imputabllltá=
Vol.Sec. Torino1896=p. 29.

A qnestão da impula q ilidade do epileplico lem dado en-


sanchas ,\s c9gitaç·ões mais fundas e subtileias de logica mais
aguç-adas.
Alguem bouve para quem o comicial agindo criminosa-
mente obedecia a uma delibera ção de seu instincto ou suas
tendencias criminaes, estando alheia e nem havendo mister
lem))ral-a, sua mole s tia a).

a) G. Tarde-Le Crime él /'épi!Pp8ie-Revue Philosophiq11e-1ss9-2.•


V. 11. 45G.
1i8 EPILEPSIA E CRL\IE

.l\lnis razoados pensarum _outros que soria injusto respon-


sauilisar aos comiciacs pelas faltas eommoltidas durante seu
accesso.
A ostc crilorio apcrt.ado foram-se fazendo con<>es,;ões. Dois
illustres medico legislas francc:,rns, ae:liando-o por demais severo,
sobre os pobres Qpileptir.os derramam a graça de sua magnimi-

dade, fazendo notar que seria mesmo injusto faser pezar sobre
estes doentes Ioda a responsabilidade das ac·~:ões que nllos
podem commoltor immodialarnenlo antes destes nlaqncs ou
immedialamente após a) .
.Mais justo e mais consc,iencioso, nm velho anctor romano
y
Paulus Zacchias, poderia dar ao~ francezes lir,·õi➔ s dri liberali-

dade quando declara irresponsaveis o.s epileµlicos µelos aclos


commeltidos tres dias antes e l1·es dias depois elos accessos b).
Talvez mui lo os tres dias, la ]vez poneo rlemais, poi .~
a razão pode-se rnslabelecer in~tantr.s uepois de um accesso on
pode nfo voltar dentro de quinzP. e alé mais dias, obtemperon
!liguem.
I-Juquem -tenha pensado não dever ser a questão encarada
deste modo sentia mi;Ler procmar não confundir de 1naneir~
alguma «o opileptico que obedece a maldade de sua natureza, a
·~xaltaç·ão de sua eolera, ficando intacta a vontade» com aqnelle

11) J. B,·iimà et E. Ghaudé-ilfon. romp. de mecl. leg. t. I1 P.iris 1880


p. 189.

b) Paulus :zaccliias-Que3fionwm meclico-legalit,m-tomus fe,"fium-


ronsi/uem XVII-Ven~tiis-1751 png. 24.

./
AFRANIO PEIXOTO 179

oulro «que se aeha em furor, no eslado Labituál de delírio, de


demencia ou 110 paroxyamo _epileplico a).
Sobre todos, porque a lodos incluiu e ao ma10r numero
conlenlou, Legrand du Saulle, resistindo a uma memoravel dis-
cussão ou ainda cm um lil'ro de bastanle merilo, b) prncurou
traçar a gradação da responsabilidade _ dos cpi•leplicos adaplavel
a caria cas-:>particular.
O perspicaz medico -legisla distribuiu os comiciaes por lres
ngrnpamenlos.
No primeirn acham -se aqnelles cuja inlelligencia não foi
1.1llingida pela epilepsia, lendo bom exilo em seu meio e em seus
n egocios e conseguindo até mui_las vezes acobertar seu mal.
Os cio Eegunclo grnpo são os que em longos espaços iríler-
paroxyslicos gosam d9 «completa integridade de sua razão»,
Lendo apenas antes, d epois ou duranle suas crises, pass!lgeira-
menle, perturbações intellectu~cs.
No ultimo !lgrnpamenlo encontram se aquelles cujo espirilo ·
é alienado profnndame n te.
Esta distribuição dos epileplicos permille fac,ilinenlP. o
eslàbelecer as· gradações das responsabilidades, bastando para
isto inquirir do eslado menlal cio accusado no momento cio ·
crime.
«Si este accusado era são de espirilo, é re;iponsavel. Si ,seu
entendimenlo era parcialmente lesado, deve gosar dos boneficios

n) Ambrois e 'Pardieit-Étttd e merl.' leg. sur la Julie Paris 1872 p. 135.


b) Étiu1e med. leg. ~ur les épileptiq_ues:....ParisI87i pd89-199.
~m M

..
180 EPILEPSIA E CRIME

dé uma responsabilidade allenuacla e propor~wnal de algnm


modo, segundo o gráo de resistencia•moral _que pode ser opposto.
Si elle era alienado, é irresponsa vel.
Eu ja, em outra parle, com cxuberancia ele fl,clos e opi-
niõAse maior ainda de razão,prelendi ter demon3trado o desasiso
de mais de um entender destes; que me abaste discutir o de
L. du Saulle o mais amplo delles e que os inclue a tocl,1s.
Quando se allenla na enormidade 1c esforço dispenclido
por um lwmen amadurecido no c~tudo d'estes problemas para
firmar uma opinião como a· precedente, é qne bem se comprn-
hende a vanidade de muitas de nossas canceiras e quão enga-
nosas são as icéas porque tanta vei nos apaixonamo.,;.
O conhecimento cios epileplicos qne linha L. da Saulle
turvou-se n'este instante em prejuízo ele um conceito theorir:o
que lhe· salisfaziá a imaginação mas chocam a verdade.
Em primeiro Jogar sua classificaç·ão medico legal dos cpi-
leplieo;: é desacerlad,i, porque alienistas pondero3·os lrn que não
reconhecen. a sanídade de espirita dos cpilepticos durante os
interrnHos entre seus paroxysmos, porque não só n·esles pcrio-
dos mahiíesla~ões comieiaes podem apparecer, clifferentes elas
conn,ilsivas mas t~lrez mais graves ainda, escapando facilmente
a observnção pela sua forma, rapidez e fugacidade, como ainda
porque.ó epileptico, esle doente permanente, si não está preso
de sua manifestação motora ou vertiginosa, apre3enta oufro3
srmptomas, as determinações de seu caracter inflammaclo,
violento, perrnrtido profundamente.
Mais descompassada ainda é a idéa que se contém no pri-
AFRANIO PEIXOTO 181

1neiro ajuntamento: a que vem o foliar em intelligencia a pro -

posilo das violencias epil!Jpticas? Por ac::iso a posse d'esse ·


the souro, mesmo no eJ?ileplico, impeda o individuo de resvalar
nos clepcnhacleiro do crime?
Preciso seria notar ao conspícuo medico legisla que ha ·
epjleplieos ele intelligencia brilhante, genial até, «que vã0 e vem
em seus negocios, são bem succecliclos em seu meio e são
mesmo bastante felizes para dissimuldr o seu eslado1>, ?) mas
...
embora is to, commellem etimes e se entregam a toda especie de
más lenclencias.
E' veso de muitos dos qc1e discutem estes assumptos
le mbrar aproposito do effeito perversor cio mal sagrado qne
exisli ram epileptícos homens de genio, como si nestes casos a
genialidade fosse um anteparo que os defendesse contra os b0te;i
das dete rminações criminaes ou os livrasse de suas paixõe _s
tyrannicas b).
E porque Cesr.r e Napoleão possuíram o fogo sagrado, isto
lhes escnsa e perclõa _o se re m o gatuno e o condoti,ere, o assas-
sino e barbaro, o inrcrticio e pervertido sexualf
Ter inlelligenc;ia e até genio nã.o impede tambem ter p·essimo
caracter, entregar-se a tendencias viciosas e bolar-s ,e inteiro a
miseria cio crime.
E' pos sível acreditar que uma degeneração que envenena .!:)
.,

n) L er1rnnddu Saulle-op. cit. Zoe. cit .


b) < Persons of eminents genius . have bepn epileptic; but they ar~ a.{l
s1\bjectto jits of tmgovernable passions •-BittTows-Co ·1nme11taríes-_p.155
1 ent. Paris 1860 p. 699.
i1i B. A. lliorel-i'-raité des 11tal.111
1$2 EPILEPSIA E CRIME

perverte uma organisação, não n'um inslnnle mas permanente-


menle, fallie em grandes soluções de conlinuidade para deixar o
alienado de ha pouco ler «completa integridade de sua rnzão »
d,urante os momenlos que se seguem? Não; a perl'ersão epile-
,ptica não é capa que se vista e se çlispa em dado inslanlc: lodos
os .epileµlicos são mai:i ou menos alienaJo s, mas o são conti-
nuamente.
Si a classificação vicia-se desandada, crrnclue- se aPalando
ás co!:!clusões q:rn ella moliva.
Não ha epilepticos responsa~e .is. Quanto áquelles que
inquinados de falha parcinl devem gozar «de respon s abilidade
altenuada e proporcional .de algum modo, segundo o gráo de
-rcsistencia moral que podP ser oppo s lo », já não são l'i climas de
!lm dp.sc1certo, mas de uma sciencia pretenciosa. Apparcça-me alii
alguem que, homem de scienc:ia ·, consciencioso e senhor do que
sabe e do que pode, consiga avaliar sem erro «o gráo de rosis-
. tencia que pode ser opposto,i por uma mente qualquer, insana
ou immolesta, a perpetração de um t:•:ime e lhe possa dosar esta
quantidade de responsabilidade que se deve distribuir a cada
um na ' ,medida de sua culpa.
A responsabilidade não é droga q_uese pese como os m-
gregieptes pharmaceuticos, contando milligrnmma pOl' milli-
.grnmma. Desillndam-se os que movidos por especulações theo-
ricas pretendem lançar ás conchas de uma _bal ,ança a alma
humana, porque sua pretensão risível só lhes dará o dissabor
·das reacções justificadas.
A respo~sabilidadc altem1ada, phanlasia theorica e risil'al,
AFRANIO PEIXOTO 183

« transação entre Themis e Minerva medica», na phéase de


Bcrti a) ou « rralidade empírica, no pensar ponderoso de
Tamassia, a) «dividida em pesos e· pesinl1os a) no agur;ado
dilo do alevantado jurista Bernardino Alimena, é uma questão
Yencida: si Sc!twarze, Grye1', Carrara, Pessina, Ziino, Tardieit,
L. dtt Saulle, 1-lnjfenbauer, etc., a foputam justificada, os Tam-
burinc, Tam.assia, Lombros-:i, Fauerba ch, Scliultze,-Krajfl-
Ebing, Fricdrich, .!Vlaucii;le!J,
Alimena, b) Nina Rodrigues e)
justiçam de uma repulsa me.recicla.
São estes ablrnsos perigosos · conceitos da responsabilidade
. .
dos epilepticos, · int eira ou parcial, frnclos da ignorancia ' m-edicà
' e ela cegueira j uridi ca, os cansarlores de tantas inj usti cas que
se tem precipitado sobre .os corniciaes julgando suas acções.
Aqui mais especialmente toda a culpa deve ser lançada
aos medicos peritos, que se conh _ecessem m·elhor ' seu · mister
enconl~ariam nas legislações o caminho do dever e não mancha-
riam, como o fazem, o manto da justiça.
Qs codigos penaes das na çõ3s cultas consignam á clausula
defensiva destas arbitrariedades. · ·
Diz o Codigo Penal dos Paizes Baixos; ,,Arl. 37.-AqÚelle
que praticar um acto que não lhe possa · ser irilputado por
causa do desenvolvimento incompleto ou da perturbação
·doentia de sua intelligencia, não é punível.

n) Alimena-op. c-it. Vol. II p. 33.34, t


li) Aliin enci-op . cit. V. II p. 33-36.
e) Co11im1mic, a. Soe. de M ecl. Leg. da Hcihia J ii /110 l 897.

. '
184 EPILEPSIA E CRIME

S1 é evidente qne o facto com'mettido não lh e pode ser im-


putado por cansa do desenrnlvimenlo incomplclo ou da per-
turbação doentia de sua intelligencia, o_juiz pode ordenar que
elle seja collocado em nm hospício de alienados durante um
tempo para experiencia, não passando a du1•açã o de um anno. •
Si sobre estas palavras pensassem aquelles que julgam do
e$lado mental de um individuo e con he cem melhor, menos pre-
tenciosamente, o mal sobre que tem de emillir juízo, certamenlé
el'ilar-se-iam baslantés violencins judiciaes. Como o codigo
neerlandez consignnn\-o francez, arl. 64-o italiano, art. 46---
o b elga, nrt. 71-o allemão art. 51-o hungarn art. 76-o grego,
nrl. 86-o portnguez, ar:t. 41-o rnsso, art. 36-o dinamarquez,
§ 313-o hespanhol, arts. 30 e 31-o austriaco § 57 --o de Zurich
§ 4~·-~o de Neufchatel, al'l. 70-disposições 8Ímilares ás que com
tanta nitidez e feficidade expõe o art. 37 do codigo penal d-a
Hollanda.
O codigo brazil eiro de 1890, nas disposições correlatas dos
§§ 3.0 e 4. 0 do arl. 27 é muito inferior aos citados sob esta luz,
pois excusa a 1)enas da imput àbil idad e rns que por imb ecibi! i-
dade nativa on en.fraquecimento seni l forem ab.solularn enle in-
capazes de imputação » (§ 3.o) e «os qne se acharem em estado
de completa priração de sentidos e de intelligcncia no ado
de commelter crime » (§ 4. 0 ), o qne evid entemente muito deixa
a desejar e sepa ra inju stificadamente mnitos estados morbidos
capazes de conferir a nm delinquente completa inimputabili-
dade.
Felizmente o codigo penal que se acha em mãos do Con-
· AFRANIO PEIXOTO 18:',

gl'esso, e que é nm eclio do · corligo italiano, co!'rigiLÍestá falha


Ebnsirel.
Diz o arl. 23 do Projccto:-Não são responsareis os que
por alleração morbida elas funcções psycbicas não tiverem a
conscir.ncia ou a liberdade de determinação dos propríos · actos.

A rl. 21í- Em lodo caso os mencionados no ar ligo anlece-


clenle sel'ão recolhidos a um hospital penal ou a Jogar separado
elos hospícios communs para set'em obsenados, alé sua com-
JJlela cura ou se tornarem inoffensirns por phase posterior da
moiestia. »

Uma vez declarado irresponsa\'el o cJm ici:1!, franqueada a,


;_mputabilidacle pela sna degeneração, a clefez_a social deve ser
curada com zelo _egual por parle da j usliça publwa, para que.
não soja exposta a sociedade a ser lesada por estes perniciosos
indil'iduos.

Alguns paizes tomaram já serias deliberações a este 1:es-


poilo. A Allemnnlia e os Estados-Unidos têm já asylos e5peciaes
para crirr.inosos alienados. A Inglaterra ab:·iga na Prisão-Asylo -
<ileBradmore os epilepticos criminosos. A lei franceza de 30 de
J nnlio ele 1838, executada desde 187G, manda recolher os
criminosos alicnad,os em um compai'timento especia l de Gailloni
dPpois na prisão da Santé cm Par_is, rcserrando para as ·niu-
!11cr0s a casa central de Montpellier.-O decreto real da Itaha ·
de 1.0 ,de Cezembro · d~ 1889, al'ls .. 13 e 14, completando as
disposições do art. 46 do CocligoPennl deu ao juiz â faculdnde
ele, j 11lgc1ndo
perigosa a l1bcl'ta'c;ão cio, inculpado , decla.rado fr,
186 EPILEPSJA E CRDIE

responsarel «ordennr que elle seja remellido 11 aucl.oridade


compelenle para pro\'idencia1· segundo a lei. »
No Brazil o art. 24 do Codigo Penal em discussão no
Congresso eslá de anle-mão destinado a duranle annos dilatados
não ter a menor sus_pHila de execuç·ão. Nós somos ainda um ·
pol'0 que não possue u1n estabelecimenlo rngular para o trata-
mento de seus alienados ·n •uma cidade como a da B"lhia ... Os
alienadJs communs são muita vez enc errados na Casa de Cor•
recção d'onde pouco depo is saem morto s ... Qu e será dos
alienarias criminosos que têm ainda sobre si a colera da lei?
Para o caso particular dos epileplicos, unico sobre que
pretendo me ex pender, . as prrsões-asylos, Ião urgentemente re-
qurridas nos Congressos de A1~1!1ropologiaCriminal, não pare-
cem satisfazer a lodos os requesitos cubiçados.
Os cpilepticos criminosos ou não, si differem num momento
dado, em muitas outras occas iões são de uma similitude perfeita;
o que n 'elles apenas differn é Q momento em que os obs,in·amos
uns e outros: para que, pois estas casas mixtas que não são
asylos e ainda são prisões?
O epileptico cr!minoso, do mesmo modo que aquelle outro
que não feriu ainda o codigo penal, é unicamente pa ss ive] de
· tratamento e não de pena. Deem-lhe um asylo, guard'ls que
srjam enfermeiros, medicas que os tralem, e a sociedade lerá
tudo a· luçrar, dormindo sem receios delles (;) podendo alle-
grar-se de 'fazer obra util e humanitaria, poi& além de se~ este
pdever social, os individuas que recebem estes cuidados pode-
rão ainda ser prov(lilosos.
At1hA:"itO PEIXOTO 187

N'estc sentido petÍso•éom ur.n alieni:;ta de nota, o · Sr. ·Ma-


randon ele llfonl!Jel; entro epileplicos não ba dislincção a fazer,
mas somente um dingnoslico, e como medida de salvação pu-
blica e indi\'idual hospilalisal-os cm asyios e c0lonias agl'icolas,
regularmente dispcstos. Assim proceder é fazer obra de sciencia
e de humanidade.

:J: **

Do mesmo modo que r.stos pequenos epilepticos, q11e nn


sua humildade imploram para s11a desgraça a verdade da
scienc:ia e a justi ça das leis, outros, qnr; a forluna collocou
P.m caminhos clil'Crsos P, cercou de favores e graças ma1;,
np11radas, dando-lhes o genio, o exilo, os successos mundanos,
rcc:lámam no julgamento do sua Yid:i, do juízo social q11e se
-
faz pelo echo ela l1isloria, que antes de estudar sua'.l acç:ões,
pesando as e pcrquirinclo-as, se ·demore vista acurada sobre
sua indi\'idualidacle, pulsa ndo bem os estos de s11aorgahisação.
Si assim não fOr, q11cd:H-~e-á o e.studioso ·elos factos presentes
e das eras distante s, diante cJ·estas estranlias figuras, vereia.
cleiras anomalias humanas, sem poder cornprehender com
justeza que forç·a impulsionou-os a tamanhos commellimentos
nem que peso arraslou -os a cxecraç,ão tão funda.
Só o estudo das individualiuades permiltirá um juizo
yerdacleiro sobre os aclos dc.,cnrolados no drama humano.
Saulo de Tarso, pr&scnte ás investidas conh·a IT.st,,vmn,
consente na sua morte e so torna cumplice della, guardando os
Polxoto 25
188 EPILEPSIA E CRIME

\·estidos dos que o mataram a); blasphemo, perseguidor ê


oppressór b), respirando amer.ç·as e morles contra os discipulos
do_Senhe,r e), lauça na prisão, açoila !]&., synagogas, assola
em Jerusalém aos que in',éocamo nome de Chrislo d); enlrando
pçlas casas dalii arrasta homens e mulheres µara os lerar ao
carcere e) e juntat· nos muilos, santos que para ahi eonduziu,
caslig"ndo-os, fazendo-os blasphe .mar, tendo-os persegnido alé
nas cidades eslranhas, demasiadamente enfureeido contra
elles f) e dando o. seu 1•olopara os malarem ;;); não contenle,
dirige -de ainda -ao summo sace rdote, pede-lhe cartas para
Damasco, para ainda ahi atear o facho das perseguições 11)
e um incidente do caminho muda-o, odiento algoz, sanguinario
ropprnssur que só havia conhecido o oclio e a fereza, numa
lransfig_uração mirifica, n_estc vulto grandioso, P.sse Paulo _cuja
sombra deslaca'-se atrayez dos scculos, lraço inapagavel na

p:;gina dos tempos, como um dos maiores homens que a terra
tem vislo.
E isto porque era um epileplico.
Posso dizer assim, firmando-me nas proprias palavras do
_apostolo.

- a) Acto dos aposfolos-0. VIJI --v. 1-G XXII-1 ~-- 20.


b) Paiilo-I Fp . a Thimotheo-c. 1-v. 1.1.
e: Actos elos aposto/os-e. IX-v . 1.
cl) Ad. dos ap. e. XXII v. 19-ç. IX v. 21-Paulo I Ep. aos Cor. r.. XV
JJ. 9_-Ep. aos Gal. e. I v . 13-Ep . aos Phil. c. JII v. G-.4. ct. dos ap. e. IX
V . 13 C 14 .
e) .Act. dos ap. e. VIII v. 3.
fJ Act. dos ª11· e. XXVI v. 12.
g) A.ct. dos ap. e. x.,··n ' I V. 2.
h)" Act. dos ap. JX v. t e 2.
AFRANIO PEIXOTO i89

Não pade ce. duvida que elle fosse um homem doente e


fraco a) , qu e lil'ess e tido mole s ~ias graves que quasi o victi -
mam b). Sou viol ento odio aos christãos, os acc ess os de
sua furia sem lermo, as varia ções o ir reg ularidades de sou
ca ra cte r, o proprio accidente do caminho de Damasco ; não me
rleixam duvida sobre o diagno st ico . Elle mesmo diz aos Corin-
lhios :«E eu estive enl.re vós e m fraqueza e em ·temor e em
g rand e tr e.11or » e). Alem di s to tem allu .e:.inaç:õesque ellc chama
« visões e revelações do Senhor » d).

Seguindo para Dama sc o, j á qua s i achegado da cidade


«subitamente o ce rcou um resp lendor de luz do ceo» e) e ouvio
uma voz qu e lh e dizia «Saulo, Saulo, porque me persegues?»
com a qual trocou algu111aspalavra s, cabindb por terra f) .
Os que iam cor;nsigo viram a luz e se atamorisararn muito,
r;) «mas não ouviram a voz d'aquell e que fallava» h). «Tre-
m endo e attomto » res postou a voz que ouvia i), ll)as quando
levantou -se eabriu os olhos nada pode ver j) ·e foi pelos

-a) P aulo-Ep. I nos Coi·. e. II v. a-Ep. II aos cor. e. X v. 10- -c. XI


v. so- c. XII v. 6. 9 e 10-Ep. aos Gal:. e. IV v. 13.
b) Paulo-Ep. II ao.• Cor. e. I 11• se 9.
e) Pa11lo-E-p. l aos Cor. c. ll v . s.
d) Paulo-Ep. II aos Cor. e. XII ·v. 1"e sP.g. ·,
e) Act. elos ap. e. IX v . 3. .
f) A cf.. elos ap. e. XXII v. 7- Ernest R enan acrescenta < sem accordo >.
o., apostolos , fracl. port. Porto 1866 p . 112.
g) Renan julga verosi mil a hypoth ese ele 11111c1 trovoada s11bitci com
relam.pi.rgo8e fai scas electricas. Os a11ostolo.9, cit. p. 113.
h) J ct . dos ap . e. XX II v . 9.
j) Acf. dos ap . e. IX v: 6.
jl A.ct . elos ap. e. IX v. B,
190 EPILEPSIA E CRIME

companheiros lel'ado pela mão até Damasco a) . Sua cegueira


durou tres dias durante os qunes não comeu nem bebeu b).
faulo I efore aos Corinlltios, como fallanelo ele um mal
secrelo que o magual'a, que lho foi dado ,,um espinho na carne,
um mensageiro de Salanaz para me esbofele ar » e). Pediu ao
Senhor que o libertas se clesle mal, lres rer.e!'l,mas elle disse-lhe:
« A minha graç.a le basla poÍ·que o meu poder se a perfei<;ôa
na fraqueza ». «Pelo q11e, diz o apostolo, si nlo prazer nas
f1aquezas, nas injuria s, nas necessidade!:', nas perscgL1iç·õe~,
nas anguslias por amor de Chrislo. Porque quando eslou fraco
enlão sou forle• d).
Para mim nada mais. claro: Pau lo é um epileplieo. Fraco,
doentio, de caraotcr irrrgular, altivo, indomaoe[, ele egoísmo
infl,exiv{!l, lendo como sentimentos liabituaes a 1·eoolia e
o protesto e), acompanhado por visões, vem-lhe com a fraque-
za e os receios um grande tremor, possuo-se ele oelio pelos
chrislãós e é violento e exacerbado no seu fanatismo crimi-
noso, &egue para Damasco e sobrevem allncinações \'isuaes e
audilivase cae inconseienle, seguindo-se uma amaurose epileplica,
a iqappetencia, o esgolamenlo, e agora em sua imaginação doenlia
residúa firmemente sua gra~de allucinaçuo e elle, com a mesma
violencia agora na dedica ção, os mesmos transporlcs exaoer-

ai Act. elos ap.e, XXII v. 11-c. IX v . s.


b) Act. dos ap. e. IX v. 9.
e) Paulo-Ep. II aos cor. e. XII v. 7.
ai Paulo-Ep. II lia& COI' . () . XLI v. !) .e 10.
e,>Re11an-Op. cit. p. 119 e 1311-tc.-Decturõ cs do c(wacter de Paulo r,or
,ma vic/a e SU/!11 obrn~, ·
AFRANIO PEIXOTO H)i

baclos, lransforma-se no apuslolo elos gentios, no focu11clopropa-


gador ela fé christan pela Asia J\lenor, por Chypt·r., Epheso,
GaJlacia, Thessalonica, Athenas, Philippes, Corinlho, exce-
dendo mesmo aqmllles a quem Jesus liavia legado a divina
missão de llte serem os continuadores a).

E só assim se comrrehende como subita1Yienle um


monstro, Saulo de Tarso, se transforma num deus - o apostolo
Paulo.
A epilepsia, capaz destas mntações, pode conduzir tambem
í1 execraç·ão, -como elevar á gloria ac; frageis crnaturas que
arrasta em sua marcha.
J:-lel'Culesé o heróe invencido, esforçando -se em em-pt·P.zas
sobrnltumanas, como se o robustecesse o espírito ele um deus
e é somente a epilepsia que anima. Earipedes o descreve em
meio de um sar.rificio, parando subitamente preso de uma crise
comicial, com os traços alterados, a bocca a espumejar, alluci-
nações visuacs á succede ·rem-se kineloscopicamente, um delirio
elo acção homicida animando-o, uma crise ·procursiva arras -
tando-o numa carreira cega, atacando phantaslicos inimigos,
clerram·anclo o sangue de Mcgara e de seus filhos e tombando
finalmente por terra, inerme, abatido, sGpultando-se no. som no
do esgotamento.

n) R enan-falla op. cit. 11· 112 em • olhos i11fla.1nmados e em i.,n 11rin-


cipio de oph/halm ia • . .4. esta hypothese 'inconsi .•fente e que 11ão11odeexplicar
o jê, cfo ant eponho a minhrt 11111is rnso '!-vel e ,na.is justa.
a) R enan ,nte,,1,. efa o ar.cidenl e de Dn.mcisco como mn acccsso palusti-e•
• wn s1,bito delii-io f ebril : ,·esnlfado clP.um .a im11re.<sfiodo sol 01, de tt>na
ophthalmia •- op cit. 11· J J 2-113. Esta . hypothe.se ,,ao ft111.fu11dame1!foalgmn
ç é tocl1tdêstituicla de fOssiliilülade visills as cfrcum.sta?tcüis1lo acculente.
192 EPILEPSIA E CRIME

Oreste, o · filho de Agamenon, torna-se o assassino ela


propria mãe e cae desde este instante dnbaixo do dominio da
loucura epileptir.a, errando pela Attica, • por Trezcnn, por
Taurida, sempfe perseguido pelo que a linguagem imagino.sa
dos hellenos chamam as Furias.
Seà herc,ismo é bem o effeito de sua epilepsia. Em Tau rida
atacado pelos que · servem o templo de Dia:rn, é no ardor
do conibate surprehendido por uma cri::;esubita, treme agit"1do,
tem· horriv éis vii;ões allucinatorias, um deli rio furim;o em que
immola quasi um r-ebanho, a espuma corre dos labios, o furor
seda e clle cae inconsciente, inerme, anniquilado a).
Diante ela crueldade foaudita de Cambyses, e.:;te tyranno
Íurioso quP nem cio proprio sangue dos seu., se farta, 1-lerodoto
viu bem que, epileplico de nascen ça, • não era admirnvel que
o corpo sendo atacado de uma tão grande molestia, não"tivesse
o éspirilu são» b ).

• O conquistador das Galiias nunca será com prehendido sem


sua epilepsia. Como é pqssivel a um homem dJ scer ao ultimo
degráo da clignidade ·\·iril e P.arlilhar os leitos sumptuosos

a) Etwipitl cs-H ercul e f ÍH·ie11x, A ct. V . Se. I pa_q. 4-11 a 449- fra ct .
ele Pre vost in Th eatre eles Grecs-Pa ris 1826,
a) E iiripid es=Iphig enie en Ta1wi cle ac/. I1 sr.. I - tra cl. cle T'. Brwnoy,
:['hea,t•re cle., Grecs Pa,·is - 1826 t. 8 e p. 316 a 318.
b) • Et enim f ertttr Cambys es aú ipsis nafolibus granrli quoclcun labo -
rasse morbo, qu em quidain sa cruin nominant : ttl hattd ab fid e.fiierit quit1n
corpus ntagnct i·11fir1nitate correptmn ess et, eju s n cc 111
e11tem -sri11a111f11iiss e-
1Jerodof1ts H11licetrnassensis - Historia ., 'l'halia 3 . 0 , 33 p. 76 ea:ertition e
,laco/Ji Gronovii Glasgiute lí61. ,
AFRANIO PEIXOTO 193

e nubres das Servilia, Poslumia, Lollia, Terlulla, Muoia, Eunce,


Clcopatrn u)?
Como se comprnhende esta descida á cornrdia da galunice
miserarei h), ?o lado desla culminancia da coragem invencida,
que não conhecem o temor e é mais terrível que 0 proprio
perigo e)?
, Calligula, esta abjecla e monstruosa anomalia humana, é
um p1•oduclo da epilepsia.
Vê-se I ran IV receber da posteridade a appelidação de
Ameaçador ou Terrirel, porque depois de levar a guerra aos
Ta ri aros, Polacos, Sueco!!, inundou de crneldades .;sem conta,
crimes monfllruosos aos inimigos, aos subditos, apropriá fami-
lia, matando com apropria mão seu filho mais \'elho e esta fero-

nJ Lê -se e1nC. Suetonii Tranquilli-Duodecim Cesa,·es-Ca .ius Julius


Cesar: 2° . . . desedit apud ],;,:comedem non sine rttmore prostratce regi
Jntdicitia?; ,·~ferindo -se aimfa a este conwiei·cio com Nicoinedes a. 0 fulla:
r1ravi tamem et perenni . ovvrobri. Le-,r,.bra os i•ersos de Calvus Licinitts ...
Bilhynia quicquicl. et pfllldicator Ca;saris w1q1tam habttnt; os app,llidos que
lhe deram, Dolabella-pellice1n ,·egince, spo11dam i11teriore1n ,•egire lect~i .ce;
Curio Y elho - stabulmn Nicomedes, Uithy11icum fornice111; Bibttlu,ç -
Bif ,1,ynica,n reg-i-iu.ee aind<t ,·eferencias de Brutu• , Cicern etc., ( in Collection
eles Aufewrs Lat .ii,s Su efone Prtris 1848) p. 16 cr 10. ·
n) SuP.tonio-op. cit. § L e § LII=cabe aqi,i ainda o dilo ele Cttrio Pae
. a Cesm· « Omnimn muli erwn i·ir111ne o,nnimn virorwn 1ni,lien,1n • op.
cit. § LII. -
b) Su efonio r efe,·e que Cesar dunmfe o 1,0 consulado roubot, no Gapifol·io
3000 libras de 01wo e substituiu por mna eg11alporçiío de cobre dourculo, op·
cit. § LIV p. 19.
e) ... Dange1: lmows .(nll 111ell,
'l'hat Cresm· is ,nore clangerous than he
lre ,cere two lions litter'd in one day,
And I the elde,· nfül more te1·1·il,le.
lrillimn Shakespeare=7l/,e Complete Dramatric Works anel Jfiscel-
laneo11s Poems-.Julius Cesa,· art. I sr. I p. 6W - Lonllo11.

r
194 E.P!LEPSJA. I!: CRIME'

cidade já não espanla quando se veiu a conhecer que elle era


um epi_leptico a).

Foi ella; a molestia terrivel, que fez Henrique l[ mandar


assassinar nos altares da cathedra l de Cantorbnry ao venerando .
arcebispo Tliomaz 13ecket; qne irnpelliu a Thomaz Torquornada
a supplic:iar, conclemnar, confiscar, accencler fogueiras par[].
milhares de homens; b) que ele Napoleão Bonaparte fez elimi-
nador de quatro mill1ões elovidas o o destruidor das nacionali-
dades, que a l\lahomet, Pedrn o Grande, Carlos Quinto, íliche-
lieu, Wellington, como a · J\loliere, Petrarca, Pascal Handel,
Schiller, l\h1sset, Flaubort marcou de sua influen cia nefasta ou
deu alento para subirem a montanha escarp~da da gloria.
Quando a historia se occupar dest.;s homens o juiz d<Js
faclos 9eve ser ju sto lançando á balan ça o peso enorme ele seu
mal terrirel sem o que commettorá sempre iniquidades rorol-
tantos.
Um exemplo nosso· falln-nos ele mais perto.
• Nos dias angustiosos para a Republica Brazileira que se
iniciaram a 6 de Setombrn de 1893, no arrebatamento das
repulsas ánnadas e dos odios partidarios muitas crue ldade;; se
praticaram.
Em Santa Catliarina o militar a quem esta mm confiadas as

a) Stcpha11owsky-J(wop,·ossic1 o tsclwwstw en11onubyslivie-apwl Lo111,-


broso Nou v- rccl,. de psych. e an th,'Vp. crim. Pa ris 1R!l2p. 161.
b) Ramos Mejia= La. Lou c1wa en la Hi storia, Btt e110
-Ayr es=l8!!1i-
p. 33(í li 405.

.,
;AFRA~IO PEIXOTO 195

armas do governo, o coronel Antonio Moreira Cesar, banhou-se


em &angue de irmãos e bem preciosos, com uma fereza de que
se podem encontrar muito poucos exemplos na Historia.

-·-o echo de seus crimes revoltantes despertou em todo paiz


uma surda indignação que chegou explodil' na Repres ·cntação
Nacional pelas vozes do senador Costa Azevedo e deputado
Aug~sto de F'reitas.

Os tempos se passaram, mas o julgamento inflexível dos


homens permaneceu o mesmo. Em 1897, a frente de uma ex-
pedição militar, elle parte para Canudos, para morrer embora
mas para deixar ficar lambem a todos o segrndo de sua vida .
...
EmQuirinquinqual e l ,aginha,caminho da cidade fanatisada,
grandes accessos convulsivos explodiram. Elle proprio chegou
a fazer o diagnoslieo de set1 mal, e affirmava, proferindo uma
grande verdade: «não tinha nervos, tanto que nunl!a experi-
mentára prazer,,. Havia necessidade desta expressão para
conhecPi·-se sna insensibilidade moral levada ao extremo?
Continua a derrota da expedição, que elle command-a, apezar
de seu mal; mas este governa-o dahi por diante, vigiando-o de
perto. Visinho do arraial de Canudos, no ponto eseolhido para
. acampamento das tropas fatigadas pela jornada, planejado
o assallo para a manhã seguinte, toma-o o desejo de começar
a peleja neste mesmo dia, e este desejo é iri:efreavel, domi-
na-o inteiro e carece de uma satisfação immediala, que a '
obediencia Oll o terror de seus commandados não sabe de
modo algum recusar. Na acção sua altitude é a de um louco,
Palxoto 26


!-
!
l
196 EP!Ll:.P31.\ E CRIME

desnGrleado,_ atravcrssando a linha de fügo som ,·or o perigo,


aos grilos de Vioa a Republicu!, :.icliando-se fl _ J,·ente dos
;
cómbatenles no mais·· acceso da luc-t:11 Óffen•condo um ah-o
esplendido ás balas inimi_gas. E uma dellas \'eio-lhe destinada.
i'
Hoje, o poso de suas eulpas clel'e ser n111ilo111onor...
e a justiça o torna frresponsar el, pois elle oberlecia as
determinações de_ um estado morbido, ora 11m inslrnmunto
Pª;'>siv_ode sua- epilepsia .

·~-
---~ ·

'
.. ,.

"'·i

..
ERRATA
.As fnlhns typograpbícas, a pr ecipit ttção com qu e foram impr0 ssa s,
é so bl'etudo tt incap11cid11de do revi sor inçaram e~tas notas de impe1~
fei<;õeR var iHF. Pnra não abusar da indul gencia do leitor, aqui se for.em
11lgumna con·igcndas ·:

lin~a emvezáe leia-se


11 23 que em
ló signacs um signaes de um
Hi 9 cre,mças crianças
17 17 ncbou -se achou
18 10 refere -se se refere
21 13. 88 ás
22 20 A A'
22 notu Brita!, British
:!3 t toxiurini ernÍll toxiurinemia
:.!7 li T1·m,aaeau '1.'rouaae'Lu
~9 11 estrem einm -$e ent remeiam-se
~2 7 preposição preaisposiçll.o
1!2 ll 11fim uqui
46 ló cmb oçurnm -sc, esJ:>oçaram-se
47 4 :l á
41 segund11 segundo
•Ili J6 Dall e1nagn e, Dallemagne .
16 hercdítum ent o hereditariament e
i) ÇI 2 pr elim cnur preliminar
61 uota tossitá tos·sicitá
63 17 cr ies crises
f\4 nota Pari s 1s 'Paria zsss pag. 66õ.
etherieux et Serieux
.Folié Folie
21 defl'críndo aos differin do do s
66 2,3 a á
nuto pag. :1-1 pag. :u
70 20 . Solammbo Solammbó
71 13 , nm tenho em que tenho
73 epigrup . inabolibel e inobolibile
74 1 r1ue parasitou -lh e que lhe parasito u
!íO 17 Paul Pierre
linna, emvezde leia-si
88 :lG . eonrciti \"fl c:onret iY>I
88 4 IÍ
]5 "restnm -nos nos r cs tnm
]3 cleifoituoso~ def'c i tuosos
( '
14 <1ue po,le -se que se pode
];j scvar l'eV:IT
1 onfur eec -se c:nfur cccrn-se
'.!O referem -se ~e r efer em
{18 1 que nssentum FP se nsse 11lar11
q 110
l!J q ue exprirn c , e que se exprin, P
~9 27 os que o que
100 4· ,, . n á. . {L
102 1[j que pode-s e que se pod e
103 8 quem deve - e q uem se cle\·c
109 2 inpregnndo impregnnndo
122 5 ([UC promo\' Olll 1111• que lhe prom ove 111
187 6 destninmonto à estnncinmcnt"
189 24 pnre ecm se se par ece m
144 1H :l S :is
145 17 as ás
147 ·nota 111u
_ita11 . 11 111u-itos ,í,
163 18 dcscqn-ol \'{'111 F<• ,e desenvolnH 11
]54 H3 a IÍ
liS (; mngnimiclmlc· 11:::ig11nnimid11cl
c
180 · cicsusiso clcsnssiso
183 ]O ahtrusos nustru~os
198 5 c:vn'1·1ccc m çonhece

'


Você também pode gostar