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Controle de Constitucionalidade: histórico no Brasil

Profª. Drª. Maíra de Paula Barreto Miranda

Bibliografia:
SARLET, Ingo Wolgang et al. Curso de Direito Constitucional. 10ª. ed., São Paulo:
Saraiva Educação, 2021.

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Constituição Início da vigência Fim da vigência Número de emendas Duração
Império 1824 1889 1 65 anos
República 1891 1930 1 40 anos
Rev. 1930 1934 1937 1 3 anos
Estado Novo 1937 1945 21 8 anos
Redemocrat. 1946 1967 27 21 anos
Rev. 1964 1967 1969 -- 2 anos
AI-5 1969 1987 26 18 anos
Const. cidadã 1988 -- 115 33 anos

Fonte: adaptado de MARINHO, Rodrigo Saraiva. Por que o Brasil (não) dá certo? A história das constituições.
Curso online disponível em: https://conteudo.mises.org.br/por-que-o-brasil-nao-da-certo

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A Constituição Imperial de 1824

• Constituição outorgada por D.


Pedro I;
• 4 poderes: Poder Legislativo,
Poder Judiciário, Poder
Executivo e Poder Moderador
(art. 10).

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A Constituição Imperial de 1824

• O art. 15, VIII, conferiu à Assembleia Geral a tarefa de elaborar as


leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las. Assim, deu-se ao
Legislativo o poder de editar a lei, interpretá-la, suspendê-la e
revogá-la, nos moldes dos valores que inspiraram a Revolução
Francesa e a Lei Revolucionária de 1790, que, proibindo a
interpretação judicial da lei, exigiu que o juiz, diante de dúvida,
recorresse a uma Comissão Legislativa.
• Função de interpretar a lei era do próprio legislativo. Basicamente,
negava-se poder ao juiz para, aplicando a lei, pronunciar mais do
que as palavras do seu texto. Nessas condições, não havia, como é
óbvio, qualquer espaço para o controle judicial da
constitucionalidade das leis.

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A Constituição de 1891

• Instituiu a Federação e a
República.
• O controle de
constitucionalidade foi
com ela sedimentado.

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A Constituição de 1891

• Não houve mais espaço para o Poder Moderador,


apresentando-se o Executivo nos moldes presidencialistas, o
Legislativo com duas casas – o Senado e a Câmara dos
Deputados – e o Judiciário fortalecido com as garantias da
vitaliciedade e da irredutibilidade de vencimentos e dotado do
poder de controlar a constitucionalidade das leis sob a forma
difusa.
• Grande a influência do pensamento de Rui Barbosa;
• Influência do direito estadunidense.
• O habeas corpus, já previsto pelo Código Criminal de 1830,
aparece pela primeira vez como garantia constitucional.

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A Constituição de 1891

• Rui Barbosa argumentou que se deu poder aos juízes para apreciar
a legitimidade das leis em face da Constituição.
• O STF podia julgar, mediante recurso, as decisões das Justiças
Estaduais que considerassem leis válidas em face da Constituição,
isto quer dizer que o Judiciário teria o poder de analisar a
conformidade das leis com a Constituição.
• Este é o fundamento do controle difuso, então admitido em face da
Constituição de 1891, nos moldes do controle de constitucionalidade
estadunidense.
• Os juízes da época, ainda absortos no regime anterior, em que valia
a plena e radical supremacia da lei, não confrontavam a lei com a
Constituição, negando-se, assim, a exercer o controle difuso.

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A Constituição de 1891

• a inércia dos juízes em relação ao controle de


constitucionalidade é que parece ter levado Rui, ao participar
da elaboração da Lei 221, de 20.11.1894 – que
complementou a organização judiciária da Justiça Federal da
República –, a propor o texto do art. 13, § 10, cuja norma é
enfática no sentido de que “os juízes e tribunais apreciarão a
validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos
casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e
os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis
ou com a Constituição”.

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A Constituição de 1891

• Porém, se é certo que as mentes privilegiadas que


influenciaram a Constituição de 1891 tinham forte pendor
pelo direito estadunidense, tendo Rui sustentado, com lógica
e profundidade teórica, a razão pela qual o judicial review
deveria se impor no cenário brasileiro, bem como a
necessidade da adoção de precedentes vinculantes, pelo
menos no que diz respeito às decisões de
inconstitucionalidade emanadas do STF, é curioso verificar
que a importância do stare decisis foi renegada no
desenvolvimento do direito brasileiro, até ser recentemente
retomada.

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A Constituição de 1891

• A ideia de controlar a constitucionalidade se relaciona com a


necessidade de unidade do direito. O controle da conformidade das
leis com a Constituição cria um direito uno mediante o fio condutor
das normas constitucionais, permitindo a aplicação do direito de
modo coerente em todo o território nacional, fortalecendo a
Federação. É absurdo e irracional ter juízes estaduais e juízes
federais aplicando as normas com base em fundamentos
constitucionais díspares.
• a Constituição de 1891, não obstante a inação dos juízes, teve o
grande mérito de ter sedimentado o controle judicial de
constitucionalidade no direito brasileiro, permitindo ao Judiciário
aferir a legitimidade das leis em face da Constituição.

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A Constituição de 1934

• Com a Constituição de 1934, a mais alta Corte do País


passou a se chamar de “Corte Suprema” (art. 63, a),
deixando-se de lado a nomenclatura “STF”. A Corte
Suprema, além de competência originária, passou a ter
competência para julgar mediante recurso ordinário e
recurso extraordinário (art. 7).

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A Constituição de 1934

• Ao lado da expressa possibilidade de a Corte Suprema conhecer da


questão de legitimidade constitucional em virtude de recurso, afirmou-se
que, “só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes,
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do
Poder Público” (art. 179), objetivando-se, com isso, outorgar maior
segurança aos juízos de inconstitucionalidade. A maioria deveria tomar
em conta a totalidade dos juízes e não apenas os juízes presentes na
sessão de julgamento. Surge com o art. 179 o que passou a ser
denominado “regra de reserva de plenário” – vale dizer, regra que
estabelece quorum mínimo para a declaração da inconstitucionalidade da
lei –, que adentrou nos ordenamentos estaduais e regimentos internos
dos tribunais, lembrando-se que o Código de Processo
Civil brasileiro surgiu apenas em 1939.

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A Constituição de 1934

• Restou estabelecido, ainda, o poder do Senado Federal de


suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato,
deliberação ou regulamento, declarados inconstitucionais pelo
Poder Judiciário (art. 91, IV).
• Ao dar-se ao Senado Federal o poder de suspender a execução da
lei declarada inconstitucional, pretendeu-se conferir à decisão de
inconstitucionalidade efeitos para todos (erga omnes). É importante
considerar o contexto no qual surgiu a regra da suspensão da
execução da lei pelo Senado (constante do art. 91, IV, da Carta de
1934 e reproduzida, hoje, no art. 52, X, da CF/1988). Pretensa
ofensa ao princípio da separação de poderes.

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A Constituição de 1934

• o Senado assumiu a função de suspender a execução da lei apenas


em razão de que, no contexto histórico, foi necessário conferir tal
poder ao “Conselho” que possuía a função de “coordenação dos
Poderes”.
• a eficácia vinculante é uma decorrência absolutamente natural dos
precedentes da Suprema Corte.
• a regra constante do art. 91, IV, da CF/1934, ao contrário do que se
pode pensar, não estava impregnada da lógica do estabelecimento de
uma função típica do Poder Legislativo, o que demonstra o equívoco
de se negar eficácia vinculante aos precedentes com base na
desgastada ideia de que apenas o Senado Federal pode suspender a
execução da lei declarada inconstitucional pelo STF em sede de
controle difuso.

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A Constituição de 1937

• De marca centralizadora e
autoritária, surgiu em momento
negro da história da vida política
brasileira.

15
A Constituição de 1937

• A ditadura de Getúlio Vargas, além de ter negado garantias e


liberdades individuais, notabilizou-se pela corrupção de
valores e pela criação de um sistema de poder que, contando
com a violência institucionalizada, soube empregar as forças
da demagogia e do populismo para viabilizar as conquistas
políticas e patrimoniais dos seus parceiros e clientes.
• Embora falasse em Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, não havia separação de poderes na Constituição
de 1937, dada a concentração de poderes nas mãos do
Executivo e o enfraquecimento do Legislativo e do Judiciário.

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A Constituição de 1937

• A Constituição estabeleceu, no art. 96, caput, que “só por maioria


absoluta de votos da totalidade dos seus juízes poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do
Presidente da República”. Por sua vez, o parágrafo único do
mesmo art. 96, realçando o caráter autoritário da Constituição,
proclamou que, “no caso de ser declarada a inconstitucionalidade
de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária
ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional
de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la
novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois
terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a
decisão do Tribunal”.

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A Constituição de 1937

• o juízo do Presidente acerca do que é necessário ao


“bem-estar do povo” ou revelador do “interesse nacional”
pode passar por cima do que é inconstitucional. Na
estratégia da norma, o parlamento é obrigado a agir
quando o Presidente reputar conveniente

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A Constituição de 1946

• A primeira e verdadeira manifestação de controle abstrato, na


história do direito brasileiro, ocorreu mediante a EC 16, de
26.11.1965. Esta emenda constitucional alargou a
competência originária do STF – tal como definida pela
Constituição de 1946 –, conferindo nova redação à alínea k
do art. 101, I, e, assim, passando a atribuir ao STF
competência para processar e julgar “a representação contra
inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa
federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da
República”.

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A Constituição de 1946

• Além do mais, inseriu novo inciso (XIII) no art. 124, dando ao


legislador o poder de “estabelecer processo, de competência
originária do Tribunal de Justiça, para declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a
Constituição do Estado”.
• Assim, estabeleceu-se a previsão de controle abstrato
(concentrado) de normas estaduais e federais e de possível
instituição, pelo legislador, de forma para o controle de lei ou ato
municipal contrário à Constituição Estadual. Ademais, qualquer
norma estadual, e não mais apenas a norma que violasse princípio
constitucional sensível, passou a poder ser declarada
inconstitucional.

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Princípios constitucionais sensíveis

• CF/88: Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito
Federal, exceto para:
• VII - assegurar a observância dos seguintes princípios
constitucionais:
– a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
– b) direitos da pessoa humana;
– c) autonomia municipal;
– d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
– e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

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A Constituição de 1946

• Porém, o projeto da EC 16/1965 propunha nova redação


(rejeitada) ao art. 64 para se dar eficácia erga omnes à
decisão de inconstitucionalidade do STF. A norma daria
ao Senado Federal a exclusiva tarefa de publicar a
decisão de inconstitucionalidade, de modo que a eficácia
geral da decisão não dependeria da sua manifestação.
• É interessante que o direito brasileiro só veio realmente a
contar com o controle abstrato de normas no período da
Revolução de 1964.

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A Constituição de 1967/1969

• A Constituição de 1967 reafirmou o controle difuso e a


ação direta para o controle abstrato de normas estaduais
e federais, como delineada na EC 16/1965. Deu-se ao
STF a competência para processar e julgar
originariamente “a representação do Procurador-Geral da
República, por inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual” (art. 114, I, l, da CF/1967).

23
A Constituição de 1967/1969

• a Constituição de 1967 ampliou o objeto da


representação de inconstitucionalidade para fins de
intervenção no Estado, que, antes, era preenchido
unicamente pela tutela dos princípios constitucionais
sensíveis. Esta representação de inconstitucionalidade
passou a assegurar, além dos princípios constitucionais
sensíveis, a “execução de lei federal, ordem ou decisão
judiciária” (art. 10, VI, da CF/1967). Mediante a Emenda
7/1977 deixou-se clara a possibilidade de concessão de
liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
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A Constituição de 1967/1969

• O STF, ainda sob a égide da EC 1/1969, submetia as


suas decisões de inconstitucionalidade, inclusive aquelas
proferidas em sede de controle abstrato, ao Senado
Federal, para que este determinasse a suspensão da
execução da lei. Entendia-se que a decisão do STF,
tomada em face de ação direta de inconstitucionalidade,
não era dotada, por si só, de eficácia contra todos (erga
omnes), dependendo, para tanto, da atuação do Senado,
a suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional.
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A Constituição de 1967/1969

• O Senado Federal, por sua vez, nunca se viu obrigado a


suspender a eficácia da norma declarada inconstitucional.
Atuava quando entendia conveniente, ao ser comunicado
de decisão proferida em controle difuso ou de decisão
tomada em sede de controle abstrato, com o grave
inconveniente de frequentemente vir a agir depois de
passados muitos anos de a decisão ter sido proferida.

26
A Constituição de 1967/1969

• A conclusão a que se chegou, na Representação 933,


admitindo-se liminar no bojo da ação declaratória de
inconstitucionalidade sob o fundamento de que a atuação
do Senado é mera consequência da declaração de
inconstitucionalidade ou é a ela inteiramente adstrita,
permitiu que o STF chegasse a resultado consequente,
admitindo que a sua decisão de inconstitucionalidade
produz efeitos gerais (efeitos erga omnes) e que, assim,
a comunicação ao Senado, na hipótese de ação direta, é
desnecessária.
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A Constituição de 1988

28
A Constituição de 1988

• Dotou o cidadão de vários e sofisticados modelos de


proteção aos direitos individuais, difusos e coletivos. O
mandado de segurança foi estendido aos direitos
coletivos, passando a poder ser impetrado por partido
político com representação no Congresso Nacional,
organização sindical, entidade de classe ou associação
legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados (art. 5.º, LXX).
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A Constituição de 1988

• No que diz respeito ao controle de constitucionalidade, manteve-se


a força do controle difuso de constitucionalidade e ampliou-se, de
modo significativo, o sistema de controle concentrado.
• Em consonância com a preocupação com a omissão
inconstitucional, estabeleceu-se o controle abstrato da omissão,
dispondo o art. 103, § 2.º, da CF que, “declarada a
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para
a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.

30
A Constituição de 1988
• A ação direta de inconstitucionalidade, antes deferida exclusivamente ao
Procurador-Geral da República, foi potencializada. Passaram a ter
legitimidade à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, para o
controle abstrato de norma ou de omissão,
– (i) o Presidente da República;
– (ii) a Mesa do Senado Federal;
– (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados;
– (iv) a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal;
– (v) o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
– (vi) o Procurador-Geral da República;
– (vii) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
– (viii) partido político com representação no Congresso Nacional; e
– (ix) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (art. 103 da
CF).

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A Constituição de 1988

• Previu-se, ainda, a arguição de descumprimento de preceito


fundamental (art. 102, § 1.º), regulamentada pela Lei 9.882,
de 03.12.1999.
• A EC 3, de 17.03.1993, criou a ação declaratória de
constitucionalidade, que pode ser proposta perante o STF
pelos mesmos legitimados à ação direta de
inconstitucionalidade, listados no art. 103.
• A Lei 9.868, de 10.11.1999, regulamentou o processo e
julgamento, no STF, de ambas as ações diretas, de
constitucionalidade e de inconstitucionalidade.

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