Mercado & Negócios Setembro de 2014 Agroanalysis 23

Terras no Brasil
Cuidados na aquisição
do imóvel rural
Sérgio Barbieri*

A valorização dos preços das

terras no Brasil, bem como das com-
modities agrícolas, aliada à expansão das
novas fronteiras agrícolas, diversidade de
culturas, clima, mão de obra e tecnolo-
gias, tornou o investimento em imóveis
rurais um dos mais atraentes negócios,
seja para o produtor agrícola aqui resi-
dente, seja para o investidor interno ou
externo decidido a produzir, ou mesmo
para aqueles investidores mais conserva-
dores e que pretendam apenas lucrar com
a valorização.
A importância do processo de
due diligence
A grande disponibilidade de terras
agricultáveis no País e a valorização das
commodities agrícolas já seriam, por si só,
os fatores principais e decisivos de con-
vencimento aos pretendentes na aquisi-
ção de terras no Brasil, não fosse a im-
prescindibilidade quanto à observância
de regras básicas que antecedem quais-
quer formalizações de compromissos
definitivos de venda e compra de imóveis
rurais. Infere-se daí que o processo de due
diligence deve ser realizado com absolu-
to critério, atestando, ao final, tratar-se
de uma aquisição idônea, oferecendo às
judicial ou administrativa, com escopo de
mitigar todos os riscos mapeados e iden-
tificados no processo.
Ao final, o resultado desse trabalho pro-
picia ao adquirente revisar todas as infor-
mações prestadas pelo vendedor sobre a
propriedade, objeto do negócio jurídico,
validando ou não a exaditão de tais infor-
mações, indentificando eventuais riscos
para o processo de negociação que se ini-
cia. Assim, torna-se indispensável analisar
as diversas certidões, visando atestar a
existência ou não de ônus reais (como hi-
poteca, usufruto, alienação fiduciária etc.),
cláusulas de impenhorabilidade e incomu-
nicabilidade, gravames (como penhoras,
restrições administrativas, ausência de
quitação etc.) constituídos sobre o imóvel
e, por fim, a existência de registros de cita-
ções relativas a ações judiciais reais (como
usucapião, hipotecária e/ou ações pesso-
ais reipersecutórias, entre as quais a mais
comum é a ação pauliana – fraude contra
credores), tudo a fim de evitar que o com-
prador seja surpreendido por questões que
possam comprometer o negócio realizado.
Uma das características mais peculiares
dos negócios de compra e venda de imó-
veis no meio rural e comumente enfren-
tada pelos adquirentes alude à existência
de dívidas que afetam o imóvel e de res-
trições vinculadas ao nome do alienante,
pois as operações de financiamento, se-
jam para custeio ou investimento, con-
templam garantia hipotecária (registra-
da no livro 2 do Cartório de Registro de
Imóveis) ou pignoratícia (registrada no
livro 3) ou, ainda, mediante aval. Nota-se
uma maior incidência em relação aos re-
gistros no livro 2, pois, sem dúvida algu-
ma, a melhor garantia que o proprietário
de imóvel rural pode oferecer ao credor é
o seu próprio imóvel.
A importância da análise
fundiária
Os cenários fundiário e ambiental no
Brasil variam de acordo com a região, pois
a origem das terras de um estado nem
sempre é reconhecida pela mesma fonte de
registro da outra. Os estados de Tocantins
e da Bahia são bons exemplos disso.
Depreende-se, então, que a segurança
jurídica perseguida pelos interessados não
se resume ao simples acordo de vontades
entre adquirente e transmitente, mas, sim,
pela certeza da origem dominial do imóvel
pretendido, tratando-se de tarefa árdua e
shutterstock

partes a necessária segurança jurídica, em

especial ao adquirente.
Resumidamente, o processo de due
diligence constitui-se numa avaliação de-
talhada de todas as informações e docu-
mentos pertinentes ao imóvel, bem como
aqueles do vendedor pessoa física ou
jurídica, podendo assumir enfoques de
natureza jurídica, ambiental, fiscal, con-
tábil, dentre outros. Na esfera jurídica,
que aqui nos interessa um pouco mais, a
due diligence tem o condão de indicar os
pontos críticos mais relevantes existentes
na estrutura jurídica do negócio, revelan-
do todos os passivos, sejam de natureza
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que não se pode elucidar com simples cer-
tidões requeridas em cartório.
Na aquisição de imóveis rurais, a aná-
lise fundiária por meio da cadeia domi-
nial é fundamental para garantir que o
imóvel objeto da aquisição possui uma
origem legítima, ou seja, que o mesmo foi
devidamente titulado pelo Estado ao par-
ticular e que não ocorreram fraudes no
decorrer das transferências deste imóvel.
Uma análise bem feita da cadeia dominial
do imóvel pode garantir que, após a aqui-
sição, o comprador não seja surpreendido
com o fato de ter comprado apenas um do-
cumento ou, ainda, descobrir que um tercei-
ro possui um documento sobreposto ao seu.
Georreferenciamento e algumas
contingências ambientais
A definição de georreferenciamen-
to comumente conhecida no mercado é
aquela de que ele “consiste na descrição
do imóvel rural em suas características,
limites e confrontações, realizando o le-
vantamento das coordenadas dos vértices

Documentos que devem ser checados na aquisição de imóvel rural

Quando o vendedor é pessoa jurídica: 9. Certidão Negativa dos Cartórios de Protestos;

1. Atos societários da compromitente vendedora:
a) Cópias autenticadas do contrato social e alterações pos-
teriores;
b) Cópia autenticada da ata de Reunião de Sócios da Ven-
dedora que autorizou a venda dos bens objeto do contrato;
c) Certidão da Junta Comercial que certifique os atos ar-
quivados.
2. Documentos pessoais dos representantes legais das partes;
3. CND – Certidão Negativa de Débitos da Receita Federal/
Dívida Ativa da União;
4. CND – Certidão Negativa de Débitos do INSS;
5. Certidão Negativa dos Distribuidores Forenses Cíveis/Fa-
mília/Criminais/Executivos Fiscais Municipais e Estaduais da
Justiça Estadual/Recuperações e Falências da comarca de si-
tuação dos imóveis e da sede social da compromitente vende-
dora – documento original;
6. Certidão Negativa da Justiça Federal da comarca de localiza-
ção do imóvel e da sede social da compromitente vendedora;
7. Certidão Negativa dos Cartórios de Protestos de Letras e
Títulos da comarca de situação do imóvel e da sede social da
compromitente vendedora – documento original;
8. Certidão Negativa dos feitos de 1ª Instância do TRT (Tribu-
nal Regional do Trabalho) da comarca de situação do imóvel e
da sede social da compromitente vendedora;
9. Declaração original de inexistência de ações administrativas
ou judiciais em que sejam partes a compromitente vendedora
e/ou seus representantes legais.
Quando o vendedor é pessoa física:
1. Documentos pessoais (RG e CPF);
2. Certidão de Nascimento ou Casamento;
3. CND – Receita Federal;
10. Certidão dos feitos do TRT.
Documentos do imóvel:
1. Cópia autenticada da Escritura Definitiva de Compra e Ven-
da dos imóveis ou outro título aquisitivo pelo qual a compro-
mitente vendedora adquiriu os imóveis;
2. Certidão original válida e atualizada de toda a cadeia domi-
nial dos imóveis até sua origem mais remota;
3. Certidão de Inteiro Teor da Matrícula, original válida e atuali-
zada dos imóveis emitida pelo Cartório de Registro de Imóveis
da comarca de registro do imóvel;
4. Declaração original de inexistência de ações administrativas
ou judiciais, cópias de notificações, de infrações, termos de
ajustamento de conduta (TACs), compromissos/acordos;
5. Certificado de Regularidade Ambiental e Certidão Negativa
de Débitos (CND), emitidas pelo Ibama e pela Secretaria de
Meio Ambiente do Estado, relativas à situação ambiental do
imóvel:
O Certificado de Regularidade Ambiental afirma que a pro-
priedade está regular perante a legislação ambiental, ou
seja, cumpre exigências como o registro de Reserva Legal,
manutenção de Áreas de Preservação Permanente ou, se
for o caso, guias de controle ambiental;
A Certidão Negativa de Débitos (CND) informa a existência
de multas de Auto de Infração Ambiental;
6. Certidão de regularidade fundiária emitida pelo órgão fun-
diário competente, relativa aos imóveis objetos do contrato;
7. Cópias autenticadas dos comprovantes de pagamento dos
5 (cinco) últimos ITR (Imposto Territorial Rural), DARFs con-
tendo a chancela mecânica de pagamento e CRFI (Certidão de
Regularidade Fiscal do Imóvel original);
8. Cópia autenticada do CCIR (Certificado de Cadastro de
Imóvel Rural) emitido pelo Incra;

4. CND – INSS; 9. Cópia autenticada da Certificação do Georreferenciamento

5. Certidão de Distribuidores Forenses Estaduais Cíveis;
6. Certidão de Distribuidores Forenses Estaduais Criminais;
7. Certidão Negativa da Justiça Federal;
8. CND – Incra;
das áreas junto ao Incra, acompanhada de mapas e memoriais
descritivos;
10. Licença de Instalação e Licença de Operação para as áreas
cultiváveis, expedidas pelo Ibama e pela Secretaria de Meio
Ambiente do Estado.
 Mercado & Negócios
definidores dos imóveis rurais, georrefe-
renciados ao sistema geodésico brasilei-
ro, com precisão posicional fixada pelo
Incra” (art. 176, § 4º, da Lei nº 6.015/75,
com redação dada pela Lei nº 10.267/01).
É cediço que o processo de certificação
do georreferenciamento é fundamental
para a concretização do negócio e con-
dição indispensável para a lavratura da
escritura definitiva de venda e compra,
observados os prazos e critérios esta-
belecidos no Decreto nº 4.449, de 30 de
outubro de 2002, que regulamentou a Lei
nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, res-
saltando-se que tal processo não constitui
prova de propriedade.
Contingências de ordem ambiental
devem ser criteriosamente observadas
no processo de due diligence, mormente
aquelas que aludem a eventuais passivos,
como: Reserva Legal, Áreas de Preserva-
ção Permanente (APP), autuações, inter-
venções, TACs, dentre outros.
O novo Código Florestal – Lei nº
12.651, de 25 de maio de 2012 – deu
significativa repaginada à defasada e
demasiadamente emendada legislação
anterior, a Lei nº 4.771/65, expressa-
mente revogada.
O novo Código Florestal inovou ao dis-
pensar a averbação das áreas de Reserva
Legal à margem da matrícula do imóvel:
Setembro de 2014 Agroanalysis
“Art. 18. A área de Reserva Legal de-
verá ser registrada no órgão ambiental
competente por meio de inscrição no
CAR de que trata o art. 29, sendo vedada
a alteração de sua destinação, nos casos
de transmissão, a qualquer título, ou de
desmembramento, com as exceções pre-
vistas nesta Lei.
(...)
§ 4º O registro da Reserva Legal no
CAR desobriga a averbação no Cartório
de Registro de Imóveis.” (grifos meus).
A sistemática registral no Brasil é regida
por vários princípios norteadores, sendo
um deles o “da concentração”, consistindo
na convergência de todas as informações
relevantes sobre um determinado imóvel
em único documento – no caso, a matrí-
cula –, constituindo-se num instrumento
facilitador aos interessados, já que a aná-
lise e conhecimento preciso da situação
jurídica de uma propriedade podem ser
estudados por meio de certidão única.
Torna-se evidente que tal desobrigação
rompeu o referido princípio, muito embo-
ra os entendimentos ainda sejam bastante
divergentes de estado para estado, como
para os casos daquelas propriedades rurais
que apresentem déficits de reservas cujas
compensações sejam objetos de áreas fora
dos perímetros da propriedade principal,
sendo que, para alguns estados da Federa-
shutterstock
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ção, esse ato registral continua obrigatório
aos proprietários/adquirentes de imóveis
rurais, enquanto, para outros, não.
Em relação aos eventuais TACs (Ter-
mos de Ajustamento de Conduta), tam-
bém conhecidos como Compromissos
de Ajustamento de Conduta – dos quais,
normalmente, alguns proprietários de
imóveis rurais são signatários, servindo
tais documentos como instrumentos de
resolução negociada de conflitos envol-
vendo direitos difusos, coletivos ou in-
dividuais, sendo muito utilizados pelos
órgãos públicos, principalmente pelos
Ministérios Públicos –, não há previsão
expressa em lei quanto à sua obrigatorie-
dade de averbação às margens da matrí-
cula do imóvel, valendo a mesma regra
para os casos de inquéritos civis, ações
civis públicas, autuações por descumpri-
mento da legislação ambiental, interven-
ções pelo poder público ou demais órgãos
ambientais, ressalvadas ordens judiciais
endereçadas aos registradores de imóveis.
Corrobora e ratifica tal entendimento
o “princípio da legalidade”, insculpido
no artigo 5º, inciso II, da Constituição
Federal, que expõe que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer algu-
ma coisa senão em virtude de lei”, indo ao
encontro do disposto também no artigo
5º, inciso XXXIX, do mesma Carta Mag-
na, que preconiza que “não há crime sem
lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”.
Infere-se, por essa breve análise sobre
os cuidados necessários no processo de
aquisição de imóvel rural no Brasil, que
não basta apenas a conjugação dos prin-
cipais ingredientes para uma receita ide-
al de venda e compra, como: “capital e
oferta”, pois a inobservância, negligência
ou até o desconhecimento de pequenos
detalhes que cercam uma due diligence
bem feita podem irrefutavelmente cul-
minar em sérios prejuízos aos investi-
dores/adquirentes, a exemplo da já co-
nhecida aquisição de “imóvel rural com
vários andares”.
* Gerente jurídico imobiliário da Cosan In-
dústria e Comércio S.A.