Você está na página 1de 76

Ministério da Educação

Secretaria de Educação Especial

A Construção de Práticas Educacionais para


Alunos com Altas Habilidades / Superdotação

Volume 3: O Aluno e a Família

Organização: Denise de Souza Fleith

Brasília, DF
2007
FICHA TÉCNICA

Secretaria de Educação Especial Projeto Gráfico


Claudia Pereira Dutra Michelle Virgolim

Departamento de Políticas de Ilustrações


Educação Especial Isis Marques
Cláudia Maffini Griboski Lucas B. Souza
FICHA CATALOGRÁFICA
Coordenação Geral de Desenvolvimento Fotos
da Educação Especial Vini Goulart
Kátia Aparecida Marangon Barbosa João Campello
Banco de imagens: Dados Interncaionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Organização Stock Xchng


Denise de Souza Fleith Fleith, Denise de Souza (Org.)
Capa A construção de práticas educacionais para alunos com altas
Revisão Técnica Rubens Fontes habilidades/superdotação: volume 3: o aluno e a família /
Renata Rodrigues Maia-Pinto organização: Denise de Souza Fleith. - Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007.
Tiragem 73 p.: il. color.
5 mil cópias

ISBN 978-85-60331-16-1

1. Educação dos superdotados. 2. Aluno superdotado. 3.


Aluno com altas habilidades. 4. Família e educação. 5. Relação
escola-família. I. Fleith, Denise de Souza. II. Brasil. Secretaria
de Educação Especial.
APRESENTAÇÃO

A proposta de atendimento educacional especializado para os alunos com altas habilidades/superdotação


tem fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva e como objetivo formar
professores e profissionais da educação para a identificação dos alunos com altas habilidades/superdotação,
oportunizando a construção do processo de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno
desenvolvimento das potencialidades desses alunos.
Para subsidiar as ações voltadas para essa área e contribuir para a implantação, a Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação – SEESP, convidou especialistas para elaborar esse conjunto de quatro
volumes de livros didático-pedagógicos contendo informações que auxiliam as práticas de atendimento ao
aluno com altas habilidades/superdotação, orientações para o professor e à família. São idéias e procedimentos
que serão construídos de acordo com a realidade de cada Estado contribuindo efetivamente para a organização
do sistema educacional, no sentido de atender às necessidades e interesses de todos os alunos, garantindo que
tenham acesso a espaços destinados ao atendimento e desenvolvimento de sua aprendizagem.
A atuação do MEC/SEESP na implantação da política de educação especial tem se baseado na
identificação de oportunidades, no estímulo às iniciativas, na geração de alternativas e no apoio aos sistemas de
ensino que encaminham para o melhor atendimento educacional do aluno com altas habilidades/superdotação.
Nesse sentido, a Secretaria de Educação Especial, implantou, em parceria com as Secretarias de Educação, em
todas as Unidades da Federação, os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S.
Com essa ação, disponibiliza recursos didáticos e pedagógicos e promove a formação de professores para
atender os desafios acadêmicos, sócio-emocionais dos alunos com altas habilidades/superdotação.
Estes Núcleos são organizados para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos,
oportunizando o aprendizado específico e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso crítico,
com espaço para apoio pedagógico aos professores e orientação às famílias de alunos com altas habilidades/
superdotação.
Os professores formados com o auxílio desse material poderão promover o atendimento e o
desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotação das escolas públicas de educação básica e
disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, comunidades escolares e famílias nos
Estados e no Distrito Federal.

Claudia Pereira Dutra


Secretária de Educação Especial
SUMÁRIO

Introdução 9

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento 13


Marília Auxiliadora Dessen

Capítulo 2:A Família do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação 29


Cristina de Campos Aspesi

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades/Superdotação 49


Cristina Maria Carvalho Delou

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola 61


Maria Clara Sodré S. Gama
INTRODUÇÃO 9
Denise de Souza Fleith

Volume 3: O Aluno e a Família


Segundo Deslile (1992), o fenômeno (d) da falta de informações sobre recursos,
das altas habilidades/superdotação produz um programas e serviços disponíveis para estes
impacto nos papéis exercidos pelos pais e pela indivíduos;
criança no contexto familiar, demandando (e) da dissonância entre as práticas usualmente
mudanças nas interações entre pais e filhos. recomendadas para a criação de um filho e
Neste sentido, não é possível ignorar a influência a realidade vivenciada com o filho superdo-
da família no desenvolvimento do indivíduo tado e
com altas habilidades. A família, tanto quanto a (f ) da preferência por ter um filho que seja
escola, tem sido reconhecida como uma dimensão “normal” a ter que pagar o preço por ser
crítica e essencial no desenvolvimento de talentos. diferente.
Ademais, conforme lembrado por Dessen e Braz Neste sentido, pais de crianças e jovens
(2005), a família é vista como um dos primeiros com altas habilidades /superdotação podem se
contextos de socialização do ser humano, “além sentir isolados e sem apoio. Por isso, é impres-
de ser um espaço de transmissão de cultura, signi- cindível manter abertos os canais de comunicação
ficado social e conhecimento agregado ao longo entre família e escola. Atento a esta questão, a
das gerações” (p. 128). Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Entretanto, os pais, geralmente, têm poucas Educação propôs para os Núcleos de Atividades
informações acerca das características e necessi- de Altas Habilidades/Superdotação, além de
dades de seu filho com altas habilidades. Como unidades de atendimento ao professor e ao aluno,
conseqüência, se sentem confusos a respeito do seu uma unidade de apoio à família visando prestar
papel: estimular ou inibir o potencial promissor informação, orientação e suporte à família do
de seu filho? Este cenário pode ser explicado em aluno com potencial elevado. O objetivo deste
função (Colangelo,1997; Silverman,1993; Webb & trabalho é contribuir para que a família adquira
DeVries, 1998): uma melhor compreensão do comportamento
(a) de idéias preconceituosas e estereotipadas do filho superdotado, seja uma parceira da escola
disseminadas na sociedade sobre o indivíduo no estímulo ao desenvolvimento das potenciali-
superdotado; dades da criança ou jovem com altas habilidades,
(b) da hostilidade encoberta por parte da socie- promovendo o incremento das relações interpes-
dade àqueles que apresentam um potencial soais nos contextos familiar e escolar.
elevado; Neste volume, o foco é a família do
(c) do apoio limitado da sociedade a projetos na aluno com altas habilidades/superdotação.
área de superdotação; No capítulo 1, “A Família como Contexto de
10

Desenvolvimento”, Maria Auxiliadora Dessen e Escola” para o desenvolvimento acadêmico,


chama a atenção para a importância da família cognitivo, emocional e social dos alunos com
como promotora do desenvolvimento, discute altas habilidades/superdotação. Além disso,
o conceito de família nos tempos modernos, fornece estratégias de suplementação curricular
examina os ciclos de vida familiar, destacando as que podem ser implementadas na Educação
principais tarefas e desafios da família, e analisa Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
o papel dos valores, das crenças e das práticas Também apresenta uma discussão interessante
parentais e sua influência no desenvolvimento das de aspectos administrativos que devem ser
altas habilidades. No capítulo 2, “A Família do considerados na educação dos alunos com altas
Aluno com Altas Habilidades / Superdotação”, habilidades.
Cristiana de Campos Aspesi ressalta caracterís- Esperamos que estes capítulos possam
ticas da família do aluno com potencial elevado contribuir para o reconhecimento do importante
e oferece exemplos de atividades que podem ser papel que a família desempenha no desenvolvi-
desenvolvidas no contexto familiar com vistas mento das altas habilidades/superdotação ao
a estimular talentos, habilidades e interesses. criar um ambiente saudável em que a criança ou
Este capítulo constitui uma fonte valiosa de jovem possa construir sua identidade, expressar
ajuda a profissionais envolvidos na tarefa de pensamentos e sentimentos sem medos ou
orientação a famílias. imposições (Olszewski-Kubilius, 2002). É nosso
No capítulo 3, Cristina Maria Carvalho desejo ainda que este volume seja uma fonte de
Delou, ao abordar o “Papel da Família no subsídios para o trabalho conjunto e produtivo
Desenvolvimento de Altas Habilidades”, aponta entre família e escola.
os principais desafios que a família do aluno
superdotado enfrenta, descreve o funciona-
mento destas famílias, discute o papel familiar
na orientação profissional do filho com altas
habilidades, no desenvolvimento das relações
interpessoais e hábitos de estudo. Ademais,
orienta a família a como proceder no caso do
filho com dupla excepcionalidade, em especial
àquele que, além de possuir altas habilidades,
apresenta síndrome de Asperger ou dificuldades
de aprendizagem.
No capítulo 4, Maria Clara Sodré Gama
destaca a importância da “Parceria entre Família
11

Referências

Volume 3: O Aluno e a Família


Colangelo, N. (1997). Counseling gifted Olszewski-Kubilius, P. (2002). Parenting
students: Issues and practices. Em N. Colangelo & practices that promote talent development, creativity,
G. A. Davis (Orgs.), Handbook of gifted education (2a. and optimal adjustment. Em M. Neihart, S. M. Reis,
ed., pp. 353-365). Needham Heights, MA: Allyn N. M. Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The social
and Bacon. and emotional development of gifted children. What do
Dessen, M. A. & Braz, M. P. (2005). A família we know? (pp.205-212). Washington, DC: Prufrock
e suas inter-relações com o desenvolvimento humano. Press.
Em M. A. Dessen & A. L. Costa Jr. (Orgs.), A ciência Silverman, L. K. (1993). Counseling families.
do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspec- Em L. K. Silverman (Org.), Counseling the gifted
tivas futuras (pp. 113-131). Porto Alegre: Artmed. and talented (pp. 151-178). Denver, CO: Love.
Deslile, J. R. (1992). Guiding the social and Webb, J. T. & DeVries, A. R. (1998). Gifted
emotional development of gifted youth: A practical guide parents groups: The SENG model. Scottsdale, AZ:
for educators and counselors. New York: Longman. Gifted Psychology Press.
Capítulo 1

A Família como Contexto de


Desenvolvimento

Marília Auxiliadora Dessen


15

A família é um sistema complexo,


composto por subsistemas
a família e sua importância para o desenvolvimento
de altas habilidades, com ênfase em como as experi-
união, com papéis de gênero claramente definidos,
ou seja, o pai ocupa a função do provedor material

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


integrados e interdependentes, ências familiares contribuem para o desenvolvimento da família e a mãe, a de responsável pelas tarefas
que estabelece uma relação bidirecional e de mútua humano e nas características das famílias dessas domésticas e pelo cuidado dos filhos. Mas, as
influência com o contexto sócio-histórico-cultural no crianças. Para finalizar, são apontadas algumas consi- mudanças no papel feminino geraram uma maior
qual está inserida (Dessen & Braz, 2005). A família derações a respeito da importância da família para flexibilização das relações, provocando instabilidade
é, também, vista como um dos primeiros contextos a promoção do desenvolvimento humano, sobretudo e volatilidade nas relações íntimas, sobretudo de
de socialização dos indivíduos, possuindo um papel para o desenvolvimento de altas habilidades. famílias nucleares, e uma constante reformulação
fundamental para o entendimento do processo de de projetos individuais e grupais.
desenvolvimento humano (Dessen, 1997; Kreppner, A família nuclear tradicional está decres-
1992, 2000, 2003). Além de constituir o contexto cendo nas últimas décadas por várias razões, parti-
promotor do desenvolvimento primário, da sobrevi- cularmente, porque os critérios que a definem são
vência e da socialização da criança, ela é um espaço restritos (Petzold, 1996). Em outras palavras,
de transmissão de cultura, significado social e conhe- (a) as leis e restrições legais tratam a família e o
cimento comum agregado ao longo das gerações. casamento de maneira rígida;
Neste espaço, tanto a criança quanto os membros (b) a abordagem genealógica restringe os laços
familiares são participantes ativos. familiares às linhas de parentesco e ances-
Portanto, para compreender os processos de tralidade;
desenvolvimento do indivíduo, incluindo o desen- (c) a perspectiva biológica associa a idéia de
volvimento de altas habilidades, precisamos conhecer família à de parentes, em função dos laços
o contexto de desenvolvimento primário, isto é, a de consangüinidade; e
família e seus modos de funcionamento. Com este (d) as estatísticas governamentais definem,
propósito, este capítulo aborda, inicialmente, o que em geral, a família com base na divisão da
vem a ser família, nos tempos modernos; em seguida, mesma residência e na presença de filhos
trata, brevemente, dos ciclos de vida familiar, desta- O que Constitui uma “Família” nos em comum.
cando as principais tarefas e desafios da família. Na Tempos Modernos? Esses pressupostos definidores da família
terceira seção, destaque é dado às relações familiares, tradicional estão sendo ultrapassados, na medida
enfatizando as mudanças no relacionamento do casal Por muito tempo, a família conjugal moderna em que os padrões de mudança na vida familiar
em decorrência do nascimento de filhos e a rede social predominou como modelo socialmente aceito; moderna colocam a família nuclear, ou “casais de
de apoio como fonte de equilíbrio para a família. A entretanto, a participação e a inserção da mulher genitores casados ou solteiros vivendo com seus
quarta seção é dedicada a discutir o papel dos valores, nas diferentes esferas sociais e sua constituição filhos solteiros em uma mesma casa” (Petzold,
das crenças e das práticas parentais como um fator como indivíduo abalaram o patriarcalismo e, conse- 1996, p. 29), em um espaço secundário. Embora
preponderante para a compreensão do desenvolvi- qüentemente, a “família tradicional nuclear” (Singly, este modelo de família ainda seja o tipo mais
mento da criança e, conseqüentemente, da criança 2000). O modelo tradicional é entendido como um encontrado nas sociedades ocidentais, diversas
com altas habilidades. Já, na quinta seção, o foco é grupo composto por pai, mãe e filhos naturais desta outras formas têm surgido e diferentes padrões
16
de institucionalização de relações afetivas e sexuais todos os seus membros e as dificuldades podem Finalmente, as “famílias multigeracionais”,
passaram a coexistir de forma legítima, havendo, continuar por muitos anos após a inserção do cujo convívio familiar ocorre entre quatro ou até mais
hoje, uma pluralidade de tipos de casamento e padrasto ou madrasta na família” (Stratton, 2003, p. gerações, surgiram a partir da melhoria da qualidade
formas alternativas de família (Trost, 1995). 346). Neste caso, as crianças têm que se adaptar à de vida, fator responsável pelo prolongamento dos
diminuição do tempo despendido com seu pai/mãe anos de vida da população em sociedades ocidentais.
A Diversidade de Famílias e às mudanças na rotina da casa, enfrentar o conflito Esse convívio entre gerações tem sido muito
que surge freqüentemente entre a “lealdade” com o freqüente em famílias com adolescentes grávidas ou
Algumas tipologias de família são genuina- pai/mãe biológico(a) e a formação de uma relação nas quais os genitores trabalham fora, com os avós
mente novas, como famílias de homossexuais ou com mais íntima com o padrasto/madrasta. assumindo os papéis de mãe e pai. Segundo Stratton
filhos concebidos por meio de inseminação artificial, Três outras formas de família vêm aumentando (2003), o convívio entre diferentes gerações propicia
enquanto outras sempre existiram, mas só receberam nas sociedades ocidentais modernas: a “poligamia”, as relações mais enriquecedoras para todos os membros,
uma denominação recentemente, como no caso das “famílias extensas” e as famílias denominadas “multi- mas pode também se tornar um risco, na medida em
“famílias reconstituídas”. Independentemente da geracionais”. Com relação à primeira, apesar de ilegal, que a complexidade de papéis, responsabilidades e
tipologia, as estatísticas têm mostrado um aumento constitui uma estrutura familiar cuja existência não identidades se confundem entre si.
crescente de crianças que vivem em lares com apenas podemos negar, particularmente no Brasil, onde os Estas diversidades nos conduzem às seguintes
um genitor (Stratton, 2003). homens formam nova família, mantendo, ao mesmo premissas:
O que significa crescer em um lar com apenas tempo, esposa e filhos de um casamento legal. Estes (a) a definição de família deve estar baseada na
um genitor? No passado, a existência de famílias e outros arranjos similares, em que casais casados opinião de seus membros, considerando a
constituídas por um genitor decorria, geralmente, legalmente toleram relações estabelecidas fora do afetividade e a proximidade com os entes
da morte do pai, enquanto hoje, a maioria delas, é casamento por seu cônjuge, merecem a atenção dos queridos como critério para a composição
resultante de divórcio. O divórcio, por sua vez, intro- professores, pois têm implicações para o desenvolvi- de família; e
duziu novos componentes no funcionamento das mento de seus alunos. (b) a diversidade de tipos e possibilidades de
famílias, cujas conseqüências e implicações para o Embora a “família extensa” seja comum em família no contexto atual, não se restringindo
desenvolvimento de crianças e adolescentes não são, muitas culturas, o compartilhamento do mesmo a uma única forma. Arranjos familiares, como
ainda, conclusivas (Erel & Burman, 1995). O que espaço, nas sociedades ocidentais, ocorre mais pessoas solteiras vivendo sozinhas; cônjuges
dizer, então, de mães que decidem criar, sozinhas, por razões práticas do que por concepção cultural não casados que habitam a mesma casa; o
os seus filhos, isto é, sem a participação de um pai (Stratton, 2003). De acordo com este autor, a razão casamento “experimental” ou a convivência
biológico, social ou legal? Embora sejam inúmeras principal é econômica e, por isso, encontramos temporária antes da tomada de decisão de
as razões pelas quais um genitor cria, sozinho, seus famílias extensas mais freqüentemente em grupos oficializar o casamento; os casais homosse-
filhos, em todos os casos, o genitor tem pouco tempo com rendimento familiar insuficiente. Neste caso, a xuais; as famílias recasadas; os cônjuges que
para estar com a(s) criança(s), além do estresse e do inclusão de parentes e mesmo de pessoas que não moram em casas diferentes; as pessoas que
cansaço provenientes dessa situação peculiar, o que têm laços de consangüinidade traz muitas vantagens, vivem com parentes que exigem cuidados,
pode prejudicar a qualidade das relações parentais. uma vez que há um aumento das fontes de renda e são todas construções de vida familiar base-
As “famílias reconstituídas”, por sua vez, o compartilhamento dos problemas e dos cuidados adas, principalmente, nos sentimentos subje-
“requerem considerável ajustamento por parte de das crianças. tivos nutridos pelas pessoas envolvidas.
17
Portanto, “uma família é um grupo social século, tiveram impacto na vida familiar, enfraque-
especial, caracterizado por relações íntimas e inter- cendo a relevância do modelo tradicional nuclear

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


geracionais entre seus membros” (Petzold, 1996, p. de família, tanto no contexto brasileiro (Dessen &
39). Neste contexto, os familiares são aqueles com os Torres, 2002; Neder, 1998), como no americano e
quais mantemos um vínculo baseado na intimidade europeu (Petzold, 1996; Trost, 1995).
e nas relações intergeracionais, sendo tal vínculo Apesar da ocorrência de diversas mudanças
mantido não somente entre os cônjuges e entre nas interações familiares e, conseqüentemente, um
genitores e filhos, mas também com outras pessoas aumento da igualdade e do equilíbrio entre marido
que passam a fazer parte da família, independente- e mulher no âmbito das famílias, ainda permanece
mente dos laços de consangüinidade. Isto significa a manutenção de padrões tradicionais de gênero
que alguns critérios, como um relacionamento (Dessen & Braz, 2000). Em outras palavras, as
heterossexual, vitaliciedade e outros, não podem interações mãe-filho baseiam-se em atividades
mais ser uma condição sine qua non para definir relativas à criação e ao cuidado dos filhos, enquanto mudanças também nos papéis da criança dentro da
família. O importante é que as relações interpes- o pai continua desempenhando a função de prover família, pois são exigidos dela uma maior indepen-
soais sejam sustentadas por afeição, apoio, partilha o sustento material, embora venha compartilhando dência e uso de competências técnicas, quer para
de tarefas domésticas, cuidados com os filhos e cada vez mais com a mãe algumas tarefas relacio- preparar sua própria comida no forno de micro-
cooperação mútua em várias outras atividades. nadas ao cuidado das crianças (Lewis & Dessen, ondas, manusear lava-louças ou preparar o seu café
Em síntese, não podemos negar que, nas socie- 1999). As evidências mostram que as mulheres ainda da manhã, quer para cuidar de suas próprias roupas
dades contemporâneas, há uma pluralidade de tipos são responsáveis pela grande maioria dos trabalhos e de seus quartos. Evidentemente, não estamos nos
de família e que precisamos tentar compreendê-los domésticos e cuidados da criança, enquanto referindo aqui às famílias brasileiras pobres ou que
sem produzir preconceito ou exclusão em relação a os homens participam apenas como ajudantes vivem abaixo da linha da pobreza, que não dispõem
este ou àquele tipo de família. Mas, somente isto (Stratton, 2003). de equipamentos domésticos e cuja dinâmica de
não é suficiente; para compreender o seu funciona- A ambivalência da mulher em relação ao relações é totalmente diferente de famílias de classe
mento, hoje, precisamos entender como as famílias seu papel profissional e de mãe provocou não só média (Dessen & Torres, 2002).
evoluíram ao longo das últimas décadas. mudanças nas relações maritais e parentais, como As modificações nas relações parentais têm
também propiciou uma maior valorização do papel sido acentuadas nas últimas décadas, sobretudo
As Transformações Ocorridas nas dos avós e dos irmãos como agentes de cuidado e quanto aos valores relativos à educação e ao processo
Famílias ao Longo do Tempo suporte social no contexto familiar (Dessen & Braz, de socialização dos filhos (Dessen, 1997; Kreppner,
2000). Apesar da maior participação dos avós e 1992). As mudanças ocorreram particularmente
A família, e as relações que os membros dos pais na vida da família, as crianças estão cada nos hábitos de alimentação, decorrente do estilo de
familiares mantém entre si não são mais vistas, vez mais chegando da escola e encontrando uma vida moderna, tanto em cidades urbanas de porte
hoje, sem levar em consideração a sua integração casa vazia, bem como participando de arranjos grande quanto médio. Uma das mudanças refere-se
ao contexto sócio-histórico-cultural. As transfor- complexos em que o transporte e os seus cuidados à diminuição no número de refeições conjuntas, que
mações sociais, econômicas e políticas ocorridas nas são compartilhados com outras famílias. Segundo pode acarretar prejuízos para as relações familiares,
sociedades ocidentais, particularmente no último Stratton (2003), este estilo de vida tem acarretado uma vez que fazer as refeições em conjunto é uma
18
râneas, a tendência em manter um compromisso e relação complexa entre constituição genética e fatores
o suporte social e econômico entre os membros de ambientais que, por sua vez, é delimitada por um
uma família, visando fornecer uma infra-estrutura contexto de relações específicas (Kreppner, 2003).
para o desenvolvimento de suas crianças, preva- O processo de desenvolvimento implica
lecem enraizados. momentos de estabilidade e caos, continuidade e
Como argumenta Kreppner (2000), a família descontinuidade (Aspesi, Dessen & Chagas, 2005).
está em constante processo de adaptação e readap- O movimento de mudança e continuidade ocorre
tação em função de eventos normativos e não- a partir da influência de vários fatores, dentre os
normativos próprios de seu desenvolvimento que, quais destacamos o momento histórico de vida do
por sua vez, dependem do contexto histórico, social indivíduo; a sociedade e a singularidade de seus
e cultural. É “olhando” para a família que podemos aspectos econômicos, políticos, culturais; o sistema
compreender como as crianças aprendem sobre sua familiar de origem do indivíduo, envolvendo sua
cultura e adquirem os seus valores e, conseqüente- dinâmica e especificidades, como valores, crenças,
mente, desenvolvem uma identidade, que continua regras, opiniões; as características físicas e de perso-
fonte potencial de interação positiva, que enriquece a sendo fortemente influenciada pelas experiências nalidade do indivíduo e sua subjetividade.
experiência e amplia o repertório social da família. e relações mantidas com outros membros de sua Os processos de continuidade e desconti-
Portanto, as transformações ocorridas nas família (não importa que forma de família), ao nuidade no desenvolvimento do indivíduo ocorrem,
sociedades industrializadas, principalmente a partir longo do curso de vida. sobretudo, dentro do contexto familiar, que, por
de meados do século XX, provocaram alterações na sua vez, possui seu próprio processo de transfor-
estrutura e na dinâmica das relações familiares, o Os Ciclos de Vida Familiar: Tarefas e mação e desenvolvimento como grupo (Dessen,
que nos leva a tentar compreender a família como Desafios 1997; Kreppner, 1992, 2000). A família, por ser um
um sistema complexo, influenciado por múltiplos sistema complexo formado por vários subsistemas,
fatores e eventos internos e externos, que sofre O desenvolvimento humano1 é um fenômeno como marido-esposa, genitores-filhos, irmãos-
variações em função dos contextos cultural, social complexo, pois compreende um processo de trans- irmãos, avós-netos, passa também por transfor-
e histórico. No entanto, “a família ainda continua formação que ocorre ao longo do tempo, sendo mações ao longo do tempo. E são as diferenciações
sendo uma instituição com forte influência, mas um multideterminado tanto por fatores próprios dos de um momento anterior e a emergência da nova
pouco mais complexa e flexível do que as imagens indivíduos (traços de personalidade, características condição ou situação que provocam a perda de um
do passado nos levariam a pensar” (Stratton, 2003, físicas), quanto por aspectos mais amplos do contexto equilíbrio já estabelecido e o restabelecimento de um
p. 337). De acordo com este autor, independen- social no qual estão inseridos. Constituem exemplos novo equilíbrio, com base na condição que emerge.
temente da diversidade de tipos de famílias que de tais aspectos o ambiente físico, as oportunidades Estes períodos caracterizam o que denominamos de
caracterizam as sociedades ocidentais contempo- e os recursos oferecidos pelo contexto, os valores e “transições no desenvolvimento” ou “crises norma-
as crenças disseminadas em determinada cultura, os tivas”. Assim, nesta seção, destacamos, sucintamente,
momentos históricos específicos, questões sociais e as transições no ciclo de vida da família, enfatizando
1 Para uma melhor compreensão do conceito e dos
processos de desenvolvimento humano, consultar Dessen econômicas, além de diversos outros componentes. as principais tarefas de desenvolvimento familiar,
e Costa Jr. (2005). O desenvolvimento nada mais é do que a inter- peculiares a cada estágio.
19
As Etapas Evolutivas do Grupo de origem dos noivos e a dificuldade de formalizar o comum enfrentada pelas famílias, nesta fase, é o
Familiar relacionamento do novo casal em função das defici- que Carter e McGoldrick (1989/1995) denominam

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


ências existentes nas fronteiras de um ou de ambos “crise do meio da vida”, que é vivenciada especifi-
No intuito de compreender as mudanças os cônjuges com a sua própria família de origem. camente pelo casal e caracteriza-se pelo questio-
no ciclo de vida familiar, Carter e McGoldrick A terceira etapa do ciclo de vida familiar namento e pela reflexão acerca das satisfações e
(1989/1995) propuseram estágios de desenvolvi- é a transição do casal decorrente do nascimento insatisfações pessoais, profissionais e conjugais.
mento familiar com base em peculiaridades da classe dos filhos; é o momento em que os cônjuges se A próxima etapa é a chegada das famílias
média dos Estados Unidos. Apesar de a proposta tornam genitores e a família convive com crianças ao meio da vida, proporcionando os recursos e o
dessas autoras ser restrita à família nuclear tradi- pequenas. A principal tarefa deste período é avançar suporte necessário para que os filhos se tornem
cional, ela nos orienta no sentido de entender melhor uma geração, cuidando da promoção do desen- independentes e construam seus espaços pessoais
a dinâmica e o funcionamento das famílias ao longo volvimento da geração mais nova ou dos filhos e profissionais, dando prosseguimento à trajetória
do tempo. pequenos. Os filhos passam, então, a ser genitores e do ciclo de vida familiar. A tarefa básica deste
Segundo elas (Carter & McGoldrick, os genitores, avós. A disfuncionalidade mais comum, período é encaminhar os filhos adultos e buscar
1989/1995), o primeiro estágio do desenvolvi- neste momento, é o conflito conjugal decorrente a reestruturação do relacionamento conjugal.
mento familiar é caracterizado pela separação do de desentendimentos relacionados ao cuidado dos Portanto, é fundamental que os cônjuges resgatem
jovem adulto de sua família de origem e pela busca filhos e à divisão das tarefas domésticas. É nesta fase o momento inicial de sua vida conjugal, para que
da própria independência financeira e emocional. A que ocorre o maior número de divórcios, estando os possam suportar a ausência dos filhos. Quando isto
tarefa da família e do jovem neste estágio é estabelecer casais, em geral, entre o primeiro e o quinto ano de não ocorre, os principais problemas são as famílias
esta separação sem, no entanto, romper bruscamente casamento. agarrarem-se aos filhos, dificultando o rompimento
com ou fugir das relações familiares. O problema O quarto estágio é a transformação do natural do vínculo genitores-filhos, e a emergência
ou a disfunção mais comum nesta etapa é a inexis- sistema familiar em função do período da adoles- de sentimentos de vazio e depressão por parte dos
tência de um relacionamento mais igualitário entre cência dos filhos. A adolescência é uma fase em que genitores, em especial entre as mulheres.
os genitores e seus filhos adultos, o que dificulta o os indivíduos buscam a construção de sua identidade O sexto e último estágio proposto por Carter
afrouxamento dos laços de dependência entre eles e o e, portanto, questionam diversas regras, valores e e McGoldrick (1989/1995) é a família no estágio
estabelecimento da independência do jovem adulto. crenças anteriormente estabelecidos no relacio- tardio da vida, ou seja, a etapa em que os genitores
O segundo estágio é a união das famílias de namento com seus genitores, visando se tornarem ficam idosos ou chegam ao que é quotidianamente
origem dos jovens adultos pelo casamento, ou seja, mais independentes e construírem seu espaço como denominado “terceira idade”. A tarefa básica é a
é a etapa de estabelecimento de uma nova relação indivíduos. A família vivencia estas experiências aceitação da mudança nos papéis geracionais, isto é,
conjugal. A tarefa de desenvolvimento própria desta juntamente com os adolescentes e o que representa aqueles que antes eram filhos passam a ser genitores;
fase é a transformação dos dois sistemas familiares de o marco de entrada do sistema familiar, nesta fase, aqueles que antes eram genitores passam a ser avós,
origem dos noivos, sua sobreposição e, conseqüen- é o “adolescer” do filho primogênito. A principal com o nascimento dos netos exigindo uma adaptação
temente, a promoção do surgimento de um terceiro tarefa, neste momento, é o aumento da flexibi- ao novo papel familiar e à consciência do envelhe-
sistema composto pelo novo casal. Os problemas lidade nas interações entre os genitores e os filhos cimento. O principal problema desta fase consiste
corriqueiros desta fase são a incapacidade de adolescentes e, conseqüentemente, uma diminuição em lidar com questões próprias da idade madura,
promover a modificação do status vigente das famílias da autoridade dos primeiros. A dificuldade mais como a aposentadoria, um casamento, muitas vezes,
20
desequilibrado e disfuncional, e o falecimento de cônjuges, gerando um elevado número de divórcios. outras palavras, quanto maior a manutenção dos
entes queridos. Segundo Gottman (1998), 50% dos divórcios papéis tradicionais de gênero acerca das tarefas de
Apesar de a proposta de Carter e McGoldrick ocorrem exatamente entre os primeiros sete anos casa, menor a satisfação, especialmente das esposas,
(1989/1995) não incluir características próprias das de relacionamento conjugal, coincidindo com o e maior a probabilidade de dificuldades no relacio-
formas alternativas de família,como estruturas monopa- nascimento de filhos. Neste contexto, é importante namento marital (Gottman, 1998). A rigidez desses
rentais e famílias recasadas, e também as especificidades que os casais possam contar não só com programas papéis fortalece uma menor divisão das atividades
dos diferentes contextos sócio-histórico-culturais, ela de orientação voltados para o funcionamento domésticas e, portanto, uma maior insatisfação das
ilustra a interconexão entre o desenvolvimento do da família como um sistema integrado em um esposas que, em geral, são as principais responsáveis
grupo familiar e o desenvolvimento do indivíduo. É contexto em desenvolvimento, mas também com o por tais tarefas e pelo cuidado dos filhos (Dessen
durante os períodos de mudança no desenvolvimento apoio da escola. Compreender esta etapa do ciclo & Braz, 2000; Petzold, 1995). Os parceiros que
dos indivíduos que novas necessidades e demandas têm de vida familiar possibilita ao professor lidar melhor vivenciam um relacionamento mais igualitário estão
que ser integradas no estilo e no conjunto de regras da com a criança, na escola, e favorecer a integração mais satisfeitos que aqueles que experienciam uma
família, ocorrendo, então, transformações em todo o escola-família. relação em que os papéis tradicionais de gênero são
grupo familiar (Kreppner, 2003). privilegiados (Gottman, 1998).
A descrição de estágios do ciclo de vida Nascimento de Filhos: Mudanças Entretanto, a diminuição na satisfação
familiar nos aproxima de realidades importantes do nas Relações Conjugais marital também depende muito da natureza do
processo de desenvolvimento familiar, definindo casamento e das expectativas que os parceiros têm
características próprias de cada período e elucidando Esse período de transição tem um impacto com relação a suas vidas depois do nascimento do
as tarefas de desenvolvimento, tanto da família como negativo na qualidade da relação conjugal, provo- bebê. Quanto maior a discrepância entre as expec-
de seus membros em particular, além de enfatizar os cando uma queda na satisfação marital, associada, tativas e a realidade do casamento após o nasci-
problemas próprios de cada fase. Uma das fases do na maioria das vezes, às dificuldades que o casal tem mento do primeiro filho, maior é a freqüência de
ciclo familiar, de particular interesse para a escola, é a para reorganizar a vida familiar e se adaptar a essa sentimentos negativos associados à relação conjugal
fase em que a família convive com crianças pequenas. nova situação (Dessen, 1997; Dessen & Braz, 2000). (Petzold, 1995). Além disso, o medo do marido de
Esta fase do desenvolvimento familiar requer uma O decréscimo na satisfação conjugal, em geral, perder o afeto da esposa, por ciúmes do bebê, e o
boa integração entre família e escola, sobretudo entre está associado ao nascimento do primeiro filho receio da esposa com relação à sua nova aparência
os pais e os professores (Polonia & Dessen, 2005). É (Trost, 1995). física também estão associados com a insatisfação
para este período que voltamos a nossa atenção. A divisão das tarefas domésticas e o cuidado conjugal, nesse momento de transição familiar.
dispensado aos filhos são os principais aspectos Em síntese, a satisfação conjugal está
As Relações Familiares: Implicações causadores de conflito entre o casal, durante esse associada à complexidade do sistema familiar, de
para o Desenvolvimento das período de transição (Carter & McGoldrick, seus subsistemas e do ciclo de desenvolvimento
Crianças 1989/1995). No que diz respeito à divisão das tarefas família, e depende de um constante processo de
domésticas, que está associada não só a este, mas a adaptação a situações novas que vão além do espaço
No estágio de desenvolvimento em que a outros momentos de transição familiar, quanto maior restrito da relação. Neste processo de adaptação,
família possui crianças pequenas pode haver uma a contribuição das esposas, menor sua satisfação a rede social de apoio da família exerce um
freqüência alta de discussões e atritos entre os conjugal e maior a dos maridos (Petzold, 1995). Em papel preponderante.
21
Rede Social de Apoio: Fonte de de diferentes níveis sócio-econômicos, sendo parti- Os suportes sociais recebidos e percebidos
Equilíbrio para a Família cularmente benéfico para genitores provenientes de pelas pessoas são fundamentais para a manutenção

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


classes sociais menos favorecidas. da saúde mental; para o enfrentamento de situações
Além de toda a dinâmica de funcionamento Os suportes sociais são, também, fatores estressantes, como se tornar pai ou cuidar de alguém
interno da família, outros sistemas fora da família importantes para a adequação dos comportamentos doente por muito tempo; para o alívio dos estresses
exercem importante influência nas interações maternos em relação aos filhos. Por exemplo, os físico e mental; e para a promoção de efeitos benéficos
e no desenvolvimento dos membros familiares, padrões maternos de suporte social estão relacio- nos processos fisiológicos relacionados aos sistemas
como a escola, o local de trabalho, a vizinhança e nados com a segurança da criança nas relações de cardiovascular, endócrino e imunológico (Basic
a comunidade. Várias são as pessoas que oferecem apego e com comportamentos mais adequados das Behavioral Science Task Force of the National
suporte à família e ao indivíduo, promovendo, mães em relação a suas crianças ( Jennings, Stagg & Advisory Mental Health Council, 1996). Por se
assim, uma melhoria na qualidade de vida daqueles Connors, 1991). Em outras palavras, as mães com constituir em fonte poderosa para a saúde física e
beneficiados (Dessen & Braz, 2000). Dentre elas, redes sociais mais satisfatórias são menos intrusivas emocional do indivíduo e, conseqüentemente, para
destacam-se os próprios membros familiares, outros e controladoras e estabelecem relações mais satisfa- o equilíbrio da família, os programas de atendi-
parentes da família extensa (avós, tios, primos), tórias com suas crianças. mento às crianças com altas habilidades precisam
amigos, companheiros, vizinhos e profissionais, As pessoas que compõem a rede social de considerar, em seus planejamentos, a diversidade e a
incluindo os professores. Essas fontes de apoio apoio e as funções que exercem mudam de acordo complexidade destas redes e dos apoios recebidos e
podem auxiliar de diversas maneiras: com o contexto sócio-cultural, o tempo histórico percebidos pelos membros da família.
(a) fornecendo apoio material ou financeiro; e o estágio de desenvolvimento do indivíduo e da Outro aspecto relevante a ser considerado
(b) executando tarefas domésticas; família. Assim, essa rede muda, por exemplo, quando na compreensão do funcionamento das famílias
(c) cuidando dos filhos; a família passa por transições decorrentes do nasci- é o papel exercido pelos valores, crenças e práticas
(d) orientando e prestando informações e mento de filhos, quando as crianças vão para a escola parentais na complexa rede de relações entre os
(e) oferecendo suporte emocional. e em diversos momentos do ciclo de vida familiar. As membros familiares. Neste processo, a classe social
Hashima e Amato (1994) analisaram os mães apontam o suporte do marido/companheiro e o nível educacional dos indivíduos colaboram na
dados de 1.035 respondentes de um levantamento como o principal dentre os apoios recebidos e, em construção dos valores e crenças que, por sua vez, têm
sobre famílias e atividades domésticas e verificaram segundo lugar, o de suas próprias mães. O apoio um impacto positivo ou negativo nas práticas dos
que quanto maior o suporte percebido menor a dos amigos e de outros membros familiares, como genitores em relação aos seus filhos (Dessen, 2006).
freqüência de relatos de comportamentos punitivos pai, sogro e sogra, é considerado menos impor-
dos genitores em relação aos filhos, principalmente tante. Além disso, casamentos saudáveis propor- Os Valores, as Crenças e as Práticas
em famílias de baixa renda. O mesmo ocorreu em cionam mais suporte para os cônjuges, em especial Parentais e sua Importância para a
relação ao auxílio recebido da rede, isto é, quanto do marido para a esposa, e que o apoio emocional Compreensão das Relações Familiares
maior o auxílio recebido, menor a freqüência de oferecido pelos pais às mães contribui para o desen-
relatos dos genitores a respeito de não apoiar os volvimento dos filhos (Erel & Burman, 1995). O Os genitores são as primeiras pessoas com
filhos. Portanto, o suporte social diminui a proba- pai é, portanto, um dos membros mais importantes as quais a criança interage com maior regularidade
bilidade de ocorrência de comportamentos disfun- da rede social no que tange ao apoio oferecido à e por mais tempo, desde o seu nascimento; além
cionais (punitivos e/ou não-apoiadores) em famílias mãe e à família. disso, eles são “...uma fonte primária de influência
22
genética, social e psicológica” (Sigel, McGillicuddy- genitores de classes sociais distintas apresentam responsivos e afetivos, ofereciam menos suporte. Já
DeLisi & Goodnow, 1992, p. vii). É na relação comportamentos parentais diferentes e valorizam as mães que acreditavam que suas crianças deveriam
entre a criança e seus genitores que se estabelecem características diferentes em suas crianças? De ser livres para explorar o ambiente, ofereciam mais
os intercâmbios culturais por meio dos quais os acordo com as proposições de Kohn (1979), quanto suporte. Por sua vez, as mães que valorizavam a
valores, as crenças e as práticas são transmitidos mais baixa a classe social, mais provável a valori- conformidade usavam como estratégia a restrição
de uma geração para outra. Portanto, os valores e zação da conformidade e autoridade externa e, e a punição, enquanto as mães que valorizavam a
as crenças parentais constituem o principal ponto quanto mais alta, mais freqüente é a valorização da autonomia enfatizavam este papel no alcance do
de contato entre a cultura social mais ampla e a autonomia, do autocontrole e da responsabilidade. comportamento desejável da criança, oferecendo
cultura pessoal e exercem influência nas práticas dos As práticas também diferem, isto é, “em função de mais suporte aos filhos.
genitores dirigidas às suas crianças. seus valores serem diferentes, os genitores de classes Além da classe social, o nível de escolaridade
Segundo Luster, Rhoades e Haas (1989), média e menos favorecidas avaliam diferentemente dos genitores também influencia a transmissão inter-
as crenças sobre o cuidado dos filhos agem como a importância relativa do suporte e da restrição na geracional de valores, crenças e práticas. Segundo
mediadoras entre os valores e os comportamentos criação de filhos” (Kohn, 1979, p. 140). Goodnow e Collins (1990), o nível de escolaridade
parentais. Por exemplo, uma mãe que deseja que Luster e colaboradores (1989) realizaram é um importante preditor dos efeitos das atitudes e
seu filho se torne obediente e submisso às regras um estudo para examinar a relação entre valores comportamentos da mãe em relação às suas crianças.
impostas por ela (valor), provavelmente acredita que parentais e comportamento maternal. Participaram O nível de escolaridade é até mais importante que
não pode expressar claramente seus sentimentos de do estudo 65 díades mãe-criança; a maioria das outros aspectos presentes na interação mãe-criança,
amor e afeto pelo seu bebê (crença), segurando ou mães era casada (83%) e dona-de-casa (60%). pois envolve um sistema diferenciado de valores,
balançando-o muito, pois pode mimá-lo, tornando- Os resultados mostram que quanto maior o nível crenças e, conseqüentemente, de práticas. Mugnatto
o desobediente e, por isso, não balança seu bebê educacional, o prestígio ocupacional das mães e a (1997) realizou um estudo sobre os padrões intera-
quando este está chorando (prática ou comporta- renda familiar, menor a freqüência de valores de tivos de mães com seus filhos em uma situação
mento). O processo de educar um filho envolve, conformidade e maior a de autonomia nas relações estruturada de supervisão de uma tarefa, que
portanto, o sistema de valores e crenças dos genitores mãe-filhos. Neste estudo, as mães que valorizavam a envolvia conhecimento acadêmico. Os seus resul-
que, por sua vez, influenciam suas ações e práticas, conformidade deram ênfase à restrição de compor- tados mostraram claramente diferenças nos padrões
facilitando ou dificultando o alcance de determi- tamentos inadequados e acreditavam que genitores de interação de mães alfabetizadas e analfabetas.
nados objetivos (valores) que os genitores almejam eficientes eram disciplinadores, exercendo controle As mães analfabetas apresentaram um estilo
para suas crianças. no comportamento de seus filhos. mais “autoritário”, uma linguagem de controle
Identificar os valores e as crenças dos As crenças parentais sobre o cuidado dos dos filhos expressa predominantemente por meio
genitores sobre a educação de filhos constitui filhos estão baseadas nos resultados que os genitores de sinais não-verbais e uma maior ansiedade na
um dos passos essenciais para a compreensão do esperam alcançar com suas crianças e estão correla- situação de observação. Os seus filhos, por sua
processo de socialização da criança. Um dos temas cionadas com os valores parentais e com o compor- vez, apresentaram respostas compatíveis com tais
que tem merecido a atenção de psicólogos e educa- tamento de oferecer suporte aos filhos. Luster e comportamentos, esperando pela opinião ou pela
dores nos últimos anos refere-se às diferenças nos colaboradores (1989) encontraram em seu estudo ordem da mãe para executarem a tarefa e apresen-
modos de educar de pais e mães provenientes de que as mães que acreditavam que seu filho poderia tando menos oposição ativa às suas ordens. Já as
contextos sociais distintos. A questão básica é: ficar manhoso, em função de seus comportamentos mães alfabetizadas apresentaram uma linguagem
23
mais elaborada com suas crianças, sugeriram mais Os valores e as crenças estão imersos em
do que ordenaram e promoveram um clima de determinada cultura e influenciam a construção

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


afetividade e cooperação ao desenvolver a tarefa, do sistema de construtos e as práticas de cuidado e
usando estratégias de controle mais sutis com seus educação de pais, mães, professores e demais cuida-
filhos. Seus filhos também responderam adequa- dores. Todas essas pessoas têm, portanto, um papel
damente a essa demanda, realizando a tarefa com crucial para a promoção do processo de desenvolvi-
maior independência da mãe e apresentando maior mento humano, especificamente das crianças, mas
oposição ativa a ela, mas aceitando suas sugestões e são os pais, em especial, as pessoas com as quais
impondo seus interesses e sua competência. a criança interage com maior regularidade e por
Portanto, as mensagens de determinada mais tempo, conforme mencionado anteriormente.
cultura são comunicadas pelos genitores ativamente Os genitores são aqueles que exercem o papel
e, da mesma forma, reconstruídas ativamente pelos primordial de influenciar seus filhos, sendo uma
filhos que as recebem; a transferência das mensagens fonte primária de influência genética, social e psico-
culturais se dá de forma bidirecional e reconstrutiva lógica. O tipo de contribuição parental pode ocorrer
da geração mais velha para as gerações seguintes. Em tanto nas interações imediatas, quanto nas distais.
função disso, a influência dos genitores no desenvol- Em um nível imediato, os genitores influenciam suas da criança, transmitindo significado social à vida
vimento das crianças deve ser compreendida conside- crianças por meio de seus comportamentos dirigidos de seus membros (Kreppner, 1992, 2000). Por ser a
rando, pelo menos, as inter-relações entre o contexto às mesmas; já as interações distais são representadas família um contexto primário de desenvolvimento,
(valores, crenças e práticas parentais) e as caracterís- pelo sistema de valores e crenças parentais. o ciclo de vida do indivíduo se insere no próprio
ticas e o papel ativo do indivíduo em desenvolvimento Estudar os valores e as crenças comparti- ciclo de vida familiar.
(criança), os quais se modificam ao longo do tempo. lhados pelos genitores sobre o desenvolvimento A concepção dominante, por muito tempo,
O processo de interação do indivíduo com o infantil, e como tais sistemas influenciam as práticas no âmbito das ciências que estudam a família,
ambiente é mediado pela cultura. Nessa perspectiva, parentais adotadas por eles nas suas interações com restringia o seu papel à transmissão de genes,
a cultura é o meio pelo qual o indivíduo constrói seus filhos, constitui condição fundamental para dando pouca ou quase nenhuma importância para
sua relação com o mundo e consigo mesmo. a compreensão dos processos de desenvolvimento sua função de construção do conhecimento inter-
Os valores, as crenças, as práticas cotidianas, os humano, dentre os quais os processos de desenvol- geracional. No entanto, o seu importante papel na
costumes, a linguagem são todos aspectos por meio vimento de altas habilidades. proteção do funcionamento biológico, na sobrevi-
dos quais ocorre a sua interação com o ambiente. É vência humana, na manutenção e transmissão de
neste contexto em que a personalidade e a subjeti- A Família e sua Importância para o valores, tradições e significados culturais é inques-
vidade do indivíduo é co-construída, num processo Desenvolvimento de Altas Habilidades tionável.
de contínua e mútua influência. O ambiente de De acordo com esta concepção, os membros
cuidado e socialização das crianças, criado através A família constitui um contexto em desen- de determinadas famílias e culturas precisam
das estratégias usadas pelos genitores, têm um volvimento, que promove a evolução dos indivíduos constantemente se adaptar às demandas e
grande potencial de impacto no desenvolvimento e, portanto, é o nicho ecológico primário para a tarefas propostas pelos contextos nos quais estão
social e pessoal da criança. promoção da sobrevivência e para a socialização inseridos, uma vez que cada família possui seus
24
próprios padrões de comunicação, que, por sua criança, o que definirá, futuramente, seus relaciona- vimento comportamental são afetados, tanto do
vez, influenciam as experiências de seus membros mentos e proverá um fundamento essencial para as ponto de vista temporal quanto quantitativo. Em
(Kreppner, 2000, 2003). Segundo Kreppner, esses suas possibilidades de explorar o mundo e construir outras palavras, as experiências facilitadoras aceleram
padrões de comunicação são construídos nas significado. Portanto, já nos primeiros meses de vida, o aparecimento do estágio final de um processo de
relações estabelecidas pelos indivíduos no contexto a criança se engaja em diversas interações peculiares desenvolvimento e operam em conjunto com as
da família, com base em um determinado clima com os membros familiares, possibilitando o estabe- experiências indutivas (Gottlieb, 2003). Já o terceiro
emocional associado a eles. Dessa forma, lecimento e a manutenção de uma relação. tipo de contribuição refere-se à “manutenção”, cuja
cada família e sua forma particular de manter A família funciona, então, como mediadora finalidade das experiências é sustentar a integridade
DPRWLYDomRHRVLJQL¿FDGRHQWUHVHXVPHPEURVSRGH desse processo, tanto promovendo uma cultura de sistemas comportamentais ou neurais já formados.
ser interpretada como representando uma “cultura” específica de comunicação e um clima emocional O papel da experiência é o de manter em funciona-
particular, um tipo de unidade que produz modos particular, como oferecendo suporte ou até mesmo mento o estágio final de um processo de desenvol-
peculiares para se comunicar com o mundo externo impedindo o desenvolvimento de várias habili- vimento já alcançado, ou seja, já induzido. Usando o
e para avaliar experiências (Kreppner, 2000, p. 13). dades infantis. Mas, afinal, como as famílias podem nível comportamental como referência, essas experi-
Esta “cultura familiar”, ou “cultura das relações influenciar o desenvolvimento das crianças? ências evitam que haja perdas ou decréscimos em
familiares”, é entendida como “um conjunto de habilidades ou competências sociais e cognitivas já
regras tradicionais, implícitas e explícitas, valores, Como as Experiências Familiares dominadas pelo indivíduo.
ações e ambientes materiais que são transmitidos Contribuem para o Desenvolvimento? Obviamente, estes três tipos de influências
pela linguagem, símbolos e comportamentos, por um das experiências podem tomar vários rumos durante
grupo de pessoas que interage de forma duradoura” As experiências vividas pela pessoa em desen- o desenvolvimento. Por exemplo, experiências
(Saami, Mumme & Campos, conforme citado volvimento, em seus diferentes ambientes, podem indutivas e de manutenção restritas podem acarretar
por Kreppner, 2003, p. 208). Assim, a troca entre a ocorrer de três formas, segundo Gottlieb (2003). A problemas que afetam os padrões de normalidade do
criança e seu mundo externo vai formando o que primeira, denominada de “indutiva”, canaliza o desen- desenvolvimento humano. No caso do desenvolvi-
Kreppner (2000) denomina “ambiente proximal” da volvimento em uma direção mais que em outra. Tais mento de altas habilidades, as famílias passam a ter
experiências são essenciais para atingir o estágio final um papel fundamental, pois compete a elas propiciar
de um processo de desenvolvimento. Em se tratando ou não tais experiências. A seguir, apresentamos um
do nível comportamental, por exemplo, a aquisição panorama das experiências e das características do
de uma habilidade cognitiva ou social só ocorrerá na ambiente familiar de crianças com altas habilidades.
medida em que o indivíduo for exposto a experiências
indutivas. Este é o caso do aprendizado de línguas, A Família e o Desenvolvimento de
em que a criança aprende a falar a língua em que foi Altas Habilidades
exposta durante o curso de seu desenvolvimento.
Uma outra forma de a experiência influenciar Dentre as características do ambiente familiar
o desenvolvimento é denominada de “facilitadora”. de crianças superdotadas, destacamos o fato de tais
Neste caso, os limiares ou a velocidade (taxa) da famílias serem centradas nos filhos, isto é, a organi-
maturação fisiológica e estrutural ou do desenvol- zação familiar gira em torno das necessidades dos
25
filhos; os ambientes são “ricos” de experiências e As famílias de superdotados são mais coesas com crianças que se encontram em muitas idades
combinam altas expectativas e estímulo por parte e têm menos conflitos que as de crianças que não de desenvolvimento, em decorrência da falta de

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


dos pais, com educação e apoio fornecido aos filhos são superdotadas; elas também apresentam taxas sincronia que caracteriza o seu desenvolvimento, ou
(Winner, 1998). Para esta autora, harmonia e apoio de divórcio abaixo da média e as crianças têm seja, crianças com habilidades intelectuais avançadas,
combinados com estimulação e altas expectativas relacionamentos mais positivos com seus pais enquanto as habilidades motoras e sociais são geral-
é o ambiente propício para o desenvolvimento do (Winner, 1998). Entretanto, as relações familiares, mente apropriadas para a sua idade cronológica. Por
talento. Essas famílias estabelecem padrões de reali- sobretudo a diretividade na socialização da criança exemplo, torna-se difícil lidar com uma criança que
zação, independência e perseverança na infância superdotada, parecem estar relacionadas ao tipo de tem argumentos verbais de uma idade mais avançada
precoce bem como focalizam a atenção e disponi- aptidão especial da criança. Por exemplo, famílias de e comportamento emocional de sua faixa etária.
biliza recursos às suas crianças (Silverman, 1993). crianças superdotadas em música e atletismo são as As características de crianças superdotadas como
Em geral, as famílias de crianças superdotadas mais diretivas; em artes visuais, as menos diretivas; perfeccionismo, sensibilidade e argumentação, por
interagem com suas crianças em casa, perguntando e as famílias de crianças academicamente superdo- si só, já provocam um tipo de funcionamento que é
e respondendo questões, discutindo e se engajando tadas ocupam uma posição intermediária. muito diferente de outras famílias.
em atividades de leitura e conversas freqüentes. A A maioria dos pais reconhece as habilidades Além disso, há ciúmes e competitividade
superdotação se desenvolve em famílias de diferentes de suas crianças por volta de 5 anos de idade, o que nas famílias nas quais há irmãos com altas habili-
níveis econômicos. “Pais pobres de crianças super- intensifica os desafios do ciclo de vida familiar em dades/superdotação e com desenvolvimento típico
dotadas são responsivos e estimulantes e provêem que as famílias convivem com crianças pequenas. De (Silverman, 1993). Os conflitos na família aumentam,
oportunidades para leitura, brinquedo e conversa” acordo com Silverman (1993), desde o nascimento, sobretudo, em decorrência da confusão sobre o papel
(Winner, 1998, p. 148). Portanto, os valores culturais estas crianças apresentam um conjunto não usual de da criança na família e as expectativas dos pais a
que priorizam a educação constituem importante comportamentos, dentre os quais responder inten- respeito da criança. Os pais, muitas vezes, assumem
fator de desenvolvimento da superdotação. samente a outros ambientes. Desafios que são mais que tal criança é superior, estimulando padrões de
Os pais de crianças superdotadas monitoram tranqüilos em famílias que não possuem crianças interação competitivos entre irmãos, indispondo-
os filhos visando o acompanhamento de seu superdotadas, não o são para famílias de superdo- se contra a escola por demandas irracionais, dentre
progresso, mas raramente são rígidos, dominadores tados. Decisões a respeito de qual escola colocar a outros. Contudo, as famílias podem funcionar de
e autoritários, já que valorizam a independência criança, sobre acelerar ou não o ensino fundamental modo saudável, desenvolvendo padrões de interação
nos filhos. Eles também fornecem padrões claros são apenas alguns dentre os inúmeros desafios positivos e um nível de ajustamento satisfatório.
de conduta, valores fortes e apóiam os interesses de impostos aos pais. Tais desafios são mais intensos
suas crianças, bem como encorajam a autonomia, e podem até gerar mais conflitos entre os pais no Considerações Finais
curiosidade, a exploração e a expressão emocional que se refere à concordância nas decisões a respeito
e verbal (Silverman, 1993). Os padrões morais são de suas relações parentais. Isto significa que a rede Em síntese, a potencialidade para promoção
transmitidos de forma clara, respeitando a indepen- social de apoio destas famílias precisa ser fortalecida ou não de um ambiente apropriado para o desen-
dência e tolerando os erros das crianças. Conhecer para evitar estresse e desgaste nas relações mantidas volvimento e a adaptação dos membros da família
os valores, as crenças e as práticas parentais destas dentro do ambiente familiar. pode ser creditada à qualidade das relações estabele-
famílias passa a ser preponderante para a compre- Um outro desafio enfrentado pelas famílias cidas entre eles. Os padrões familiares que se estabe-
ensão do desenvolvimento de altas habilidades. de superdotados é o fato de elas terem que lidar lecem dependem das trajetórias de desenvolvimento
26
que, por sua vez, são manifestadas de diferentes Referências
formas e em diferentes lugares. Portanto, a ecologia
social de cada ambiente dará uma forma parti- Aspesi, C. C., Dessen, M. A. & Chagas, J. F.
cular aos acontecimentos históricos que marcam (2005). A ciência do desenvolvimento humano: uma
uma determinada geração. Tendo em vista que as perspectiva interdisciplinar. Em M. A. Dessen &
diferenças individuais e as trajetórias de vida estão A. L. Costa Jr. (Orgs.), A ciência do desenvolvimento
em constante interação com as mudanças presentes humano: tendências atuais e perspectivas futuras (pp.
nos ambientes sociais, as respostas produzidas são 19-36). Porto Alegre: Artmed.
variadas, gerando conseqüências específicas para o Basic Behavioral Science Task Force of the
indivíduo e para a sociedade. National Advisory Mental Health Council (1996).
“A superdotação é uma qualidade da família, Basic behavioral science research for mental health:
mais do que uma qualidade que diferencia a criança Family processes and social networks. American
do resto de sua família” (Silverman, p. 171). Isto Psychologist, 51, 622-630.
não é devido somente ao fato de os pais também Carter, B. & McGoldrick, M. (1995). As
possuírem, em geral, nível intelectual elevado, mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para
de cada indivíduo e do grupo familiar. A conexão similar ao de suas crianças, mas porque a família a terapia familiar. Em B. Carter & M. McGoldrick
existente entre o desenvolvimento do indivíduo e é o espaço que fornece um ambiente encorajador (Orgs.), As mudanças no ciclo de vida familiar (pp. 7-
da família é facilmente compreendida a partir dos e estimulador, propício ao desenvolvimento de 29). (M.A.V. Veronese, Trad.) Porto Alegre: Artes
estágios do ciclo de vida familiar, conforme descrito altas habilidades. Não só a família afeta a criança Médicas. (Trabalho originalmente publicado em
anteriormente neste capítulo. A noção de ciclo de e o desenvolvimento de sua potencialidade, como 1989)
vida familiar traz, inerente a ela, a importância das a criança afeta a organização da família, mas nem Dessen, M. A. (1997). Desenvolvimento
gerações mais velhas na transmissão de valores e um nem o outro é o responsável pelo surgimento familiar: transição de um sistema triádico para
crenças, contribuindo para a formação da “cultura e desenvolvimento de tais talentos. A genética e o poliádico. Temas em Psicologia, 3, 51-61.
das relações familiares”. ambiente atuam de forma interativa, favorecendo, Dessen, M. A. (2006). Vivendo em família:
Os padrões e trajetórias comportamentais mantendo ou dificultando o desenvolvimento de os desafios do ciclo de vida e as relações familiares.
relativos às idades dos indivíduos, por sua vez, estão altas habilidades. Manuscrito em preparação.
embutidos nas estruturas sociais e culturais. Essas Conhecer o funcionamento dessas famílias Dessen, M. A. & Braz, M. P. (2000). Rede
estruturas variam desde pequenos núcleos como constitui um caminho promissor para a compre- social de apoio durante transições familiares decor-
família e amigos, até grandes núcleos formados ensão do desenvolvimento de altas habilidades. rentes do nascimento de filhos. Psicologia: Teoria e
pelas grandes hierarquias ditadas pelas organi- Com este propósito, os capítulos subseqüentes Pesquisa, 16, 221-231.
zações sociais ou políticas do Estado (para maiores deste volume aprofundam a temática, abordando Dessen, M. A. & Braz, M. P. (2005). A família
detalhes, ver Dessen & Costa Jr., 2005). Como os seguintes tópicos: características da família do e suas inter-relações com o desenvolvimento humano.
as estruturas sociais e culturais também estão aluno com altas habilidades/superdotação, o papel Em M. A. Dessen & A. L. Costa Jr. (Orgs.), A ciência
sujeitas às mudanças históricas, as vidas das pessoas da família no desenvolvimento de altas habilidades do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspec-
refletem as influências de seu tempo histórico e a parceria entre família e escola. tivas futuras (pp. 113-131). Porto Alegre: Artmed.
27

Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento


Dessen, M. A. & Torres, C. V. (2002). Family Kohn, M. L. (1979). The effects of social class Petzold, M. (1995). Aprender a ser pai. Em J.
and socialization factors in Brazil: An overview. Em on parental values and practices. Em D. Reiss & H. Gomes-Pedro & M. F. Patricio (Orgs.), Bebé XXI:
W. J. Lonner, D. L. Dinnel, S. A. Hayes & D. N. A. Hoffman (Orgs.), The American family: Dying or criança e família na viragem do século (pp. 133-150).
Sattler (Orgs.), Online Readings in Psychology and developing (pp. 45-68). New York: Plenum Press. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Culture (Unit 13, Chapter 2), (http://www.www. Kreppner, K. (1992). Development in a Petzold, M. (1996). The psychological
edu/~culture), Center for Cross-Cultural Research, developing context: Rethinking the family’s role definition of “the family”. Em M. Cusinato (Org.),
Western Washington University, Bellingham, for the children’s development. Em L. T. Winegar Research on family: Resources and needs across the world
Washington, USA. & J. Valsiner (Orgs.), Children’s development within (pp. 25-44). Milão: LED-Edicioni Universitarie.
Dessen, M. A. & Costa Jr., A.L. (Orgs.). (2005). social context (pp. 161-180). Hillsdale, NJ: Lawrence Polonia, A. C. & Dessen, M. A. Em busca de
A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais Erlbaum. uma compreensão das relações entre família e escola.
e perspectivas futuras. Porto Alegre: ArtMed. Kreppner, K. (2000). The child and the Psicologia Escolar e Educacional, 9, 303-312.
Erel, O. & Burman, B. (1995). Interrelatedness family: Interdependence in developmental pathways. Sigel, I. E., McGillicuddy-DeLisi, A. V. &
of marital relations and parent-child relations: A Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 11-22. Goodnow, J. J. (Orgs.). (1992). Parental belief systems:
meta-analytic review. Psychological Bulletin, 118, 108- Kreppner, K. (2003). Social relations and The psycological consequences for children. Hillsdale, NJ:
132. affective development in the first two years in family Lawrence Erlbaum.
Goodnow, J. J. & Collins, W. A. (1990). contexts. Em J. Valsiner & K. J. Connolly (Orgs.), Silverman, L. K. (1993). Counseling families.
Development according to parents: The nature, sources, Handbook of developmental psychology (pp. 194-214). Em L. K. Silverman (Org.), Counseling the gifted and
and consequences of parents’ ideas. Hillsdale, NJ: Londres: Sage. talented (pp. 151-177). Denver, CO: Love.
Lawrence Erlbaum. Lewis, C. & Dessen, M. A. (1999). O pai no Singly, F. (2000). O nascimento do “indivíduo
Gottlieb, G. (2003). Probabilistic epigenesis of contexto familiar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15, 09- individualizado” e seus efeitos na vida conjugal e
development. Em J. Valsiner & K. Connolly (Orgs.), 16. familiar. Em C. E. Peixoto, F. Singly & V. Cicchelli
Handbook of developmental psychology (pp. 3-17). Luster, T., Rhoades, K. & Haas, B. (1989). (Orgs.), Família e individualização (pp. 13-19). Rio
London: Sage Publications. The relation between parental values and parenting de Janeiro: Editora FGV.
Gottman, J. M. (1998). Psychology and behavior: A test of the Kohn hypothesis. Journal of Stratton, P. (2003). Contemporary families
the study of marital processes. Annual Review of Marriage and the Family, 51, 139-147. as contexts for development. Em J. Valsiner &
Psychology, 49, 169-197. Mugnatto, A. M. (1997). Interação mãe-criança: K. Connolly (Orgs.), Handbook of developmental
Hashima, P. Y. & Amato, P. R. (1994). um estudo dos padrões interativos em uma situação psychology (pp. 333-357). Londres: Sage.
Poverty, social support, and parental behavior. Child estruturada de supervisão na tarefa. Dissertação de Trost, J. (1995). O processo de formação da
Development, 65, 394-403. Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília. família. Em J. Gomes-Pedro & M. F. Patricio (Orgs.),
Jennings, K. D., Stagg, V. & Connors, R. E. Neder, G. (1998). Ajustando o foco das lentes: Bebé XXI: criança e família na viragem do século (pp.
(1991). Social networks and mothers’ interactions um novo olhar sobre a organização das famílias no 55-67). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
with their preschool children. Child Development, 62, Brasil. Em S. M. Kaloustian (Org.), Família brasi- Winner, E. (1998). Crianças superdotadas.
966-978. leira: a base de tudo (pp. 26-46). São Paulo: Cortez. Mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed.
28
Capítulo 2

A Família do Aluno com Altas


Habilidades/Superdotação

Cristina de Campos Aspesi


31

F amílias de pessoas com altas


habilidades/superdotação têm
humano. Os pais costumam questionar a origem
das altas habilidades do filho e buscam compre-
Bagagem Biológica, Bagagem
Sócio-Cultural e Clima Afetivo

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


sido estudadas e suas caracterís- ender o motivo pelo qual seu filho apresenta essas
ticas têm sido mapeadas pela literatura há mais habilidades diferenciadas. Observa-se ser comum Alguns estudos clássicos indicam que há uma
de um século, indicando a influência do contexto encontrar pais que se identificam com as caracte- relação entre o perfil familiar e o desenvolvimento
familiar no desenvolvimento dos talentos dos rísticas dos filhos e que relatam ter apresentado das habilidades dos filhos (Bloom, 1985; Terman,
filhos (Aspesi, 2003). Desta forma, o olhar diante as mesmas facilidades e dificuldades obser- 1926). Da mesma forma que as características da
das altas habilidades/superdotação não deve ser vadas, quando tinham a mesma idade dos filhos família influenciam a trajetória de vida e as carac-
restrito à visão do aluno isolado de seus contextos (Silverman, 1997). terísticas de seus membros, cada membro influencia
de desenvolvimento. Deve, sim, focar todos os Infelizmente, esses pais, quando crianças, a construção das características de sua família. O
ambientes que influenciam no desenvolvimento não encontraram nenhum apoio e suas famílias ambiente familiar pode ajudar a criança a encontrar
do aluno, principalmente, sua família, já que as não receberam informações adequadas que as a própria identidade, a descobrir seus interesses e
altas habilidades/superdotação são consideradas auxiliassem na compreensão das características a emergir potencialidades latentes. Potencialidades,
um fenômeno que atinge todo o sistema familiar de desenvolvimento dos filhos. Dessa forma, seus inclusive, oriundas de traços geneticamente herdados
(Silverman, 1997). talentos, na maioria das vezes, se embotaram ou que podem ou não assumir formas aparentes, depen-
Para se prestar um adequado atendimento adormeceram em algum momento da trajetória dendo das experiências que os membros da família
às necessidades especiais de um aluno super- de vida, ou então, esses pais tiveram que enfrentar encontram disponíveis no curso de suas vidas.
dotado, deve-se reconhecer o papel atuante da muitas dificuldades para lidar com as caracterís- A interação entre a família e um membro
família na manifestação do seu potencial superior. ticas de seu potencial superior (Aspesi, 2003). com altas habilidades/superdotação deve ser sempre
Nesse capítulo, será exposta uma revisão de infor- Devemos considerar as altas habilidades/ considerada como uma via de mão dupla, visto que
mações sobre o contexto familiar de alunos com superdotação como um fenômeno que está a família é um ambiente de interações e influências
altas habilidades/superdotação com o objetivo presente, sob alguma forma, no contexto familiar. bidirecionais (Olszewski-Kubilius, 2002). Por um
de auxiliar os profissionais do contexto escolar Dentro da família, inclusive, é que os primeiros lado, a família se apresenta como terreno fértil
a construírem suas estratégias de atuação com o sinais de precocidades são demonstrados. Para para o desenvolvimento das potencialidades dos
olhar voltado para esse importante contexto de atender melhor o aluno e sua família, os profis- filhos, por outro, ela vai adquirindo características a
desenvolvimento que é a família. sionais que atuam nessa área precisam compre- partir da própria demanda dos filhos ou membros.
ender como a família contribui para a emersão Dessa forma, torna-se complexo conhecer mais
A Expressão das Altas Habilidades dos talentos do filho. Portanto, precisam compre- profundamente como a interação entre o que é
no Contexto Familiar: Aspectos do ender primeiramente como ocorre a relação entre herdado geneticamente e o que é adquirido a partir
Desenvolvimento Humano a bagagem biológica familiar e a bagagem prove- da experiência pode resultar na emersão das altas
niente das experiências vivenciadas nos contextos habilidades/superdotação do filho.
Nessa seção, serão abordados aspectos da sociedade e de uma cultura, bem como de todo É provável que pais de crianças com altas
introdutórios sobre a relação entre a família e o o clima afetivo que permeia as interações sociais habilidades também apresentem tais caracterís-
filho com altas habilidades/superdotação, consi- e que estarão atuantes na manifestação das altas ticas e que estas sejam passadas geneticamente, ao
derando conhecimentos sobre o desenvolvimento habilidades/superdotação. mesmo tempo em que esses pais criem seus filhos
32
em ambientes mais ricos em estímulos, simplesmente, têm um papel importante na transmissão, não somente Segundo Saarni, Mumme e Campos (1998),
porque os próprios pais expressam altas habilidades da carga biológica, como dos sistemas sócio-culturais a comunicação sobre os sentimentos e a forma como
e, portanto, constroem ambientes familiares enrique- que darão suporte emocional e oferecerão alternativas são tratadas as questões emocionais criam a cultura
cidos em estímulos (Winner, 1998). Ou então, é para o desenvolvimento das habilidades dos filhos. específica do ambiente familiar. Essa cultura, para os
possível que a criança com altas habilidades natural- Para Kreppner (2003),as pesquisas recentes sobre autores, proporciona o clima emocional geral no qual a
mente crie uma demanda nos pais procurando interações sociais no contexto familiar têm enfatizado criança cresce. Um ambiente que favoreça a liberdade
ambientes mais ricos em estímulos ou atividades fora a existência de um clima emocional nas interações para que a criança desenvolva sua identidade única é
do currículo escolar que levarão seus pais a desenvol- familiares que muito influencia o desenvolvimento da visto como o clima familiar mais favorável ao desenvol-
verem uma atmosfera familiar rica em oportunidades criança. Esse clima é o elemento que dará qualidade ou vimento das potencialidades dos filhos. Crianças consi-
de desenvolvimento. Ao interagir com o filho, os pais não às interações entre os membros da família. Dessa deradas como mais criativas são provenientes de lares
percebem desde cedo algumas facilidades apresen- forma, além da bagagem biológica e da bagagem sócio- onde há um baixo monitoramento por parte dos pais e
tadas por ele. Isso fará com que os pais estabeleçam cultural, a qualidade de afeto, de estímulos, dos padrões respeito pela maneira de pensar e construir a realidade
interações verbais, com jogos e com brincadeiras em e ciclos de ação e reação nas interações afetivas dos entre seus membros.
níveis mais elaborados. Mutuamente, o ambiente membros familiares são experiências que servirão de Por fim, cabe ressaltar que o clima afetivo
familiar e o filho com altas habilidades vão tecendo base para o desenvolvimento das habilidades do filho. familiar recebe influência dos diversos contextos os
suas características (Aspesi, 2003). Na ilustração a seguir, procurou-se exemplificar, quais a família escolhe para compor sua rede de apoio
Há autores que dizem que a bagagem biológica de forma figurativa, os fatores relacionados à expressão social, como a escola dos filhos, o trabalho dos pais,
ou genética é responsável por grande parte do do talento considerando-se a relação entre bagagem a rede de amigos e demais familiares, os clubes ou as
potencial das habilidades cognitivas gerais (Freeman biológica, bagagem sócio-cultural e clima afetivo. Essa associações, os grupos religiosos, os cursos extracurricu-
& Guenther, 2000; Simonton, 2002). No entanto, o ilustração pode ser utilizada em palestras oferecidas aos lares e os serviços oferecidos à comunidade, entre outros
ambiente tem o papel de instigar as habilidades parti- pais e à comunidade escolar, para que estes compre- contextos que compõem o universo sócio-cultural da
culares inatas a encontrarem caminhos de realização endam de forma simplificada, no entanto eficiente, família. Esse universo, por sua vez, permeará o reper-
(Bronfenbrenner, 1994). Caso contrário, as habilidades como as altas habilidades/superdotação se expressam. tório de crenças, valores e práticas educativas adotadas
ficarão apenas como talentos latentes, aguardando o De um modo geral, as famílias de crianças pelos pais e que atuarão diretamente no desenvolvi-
contexto adequado ou propício para emergirem e se com potencial elevado são descritas pela literatura mento do filho.
expressarem em forma de um talento aparente. como famílias harmoniosas, afetivas, coesas e com
Além do aspecto da herança biológica que liga menos conflitos do que as famílias de crianças que não Práticas Educativas e Estilos Paren-
as características da família às características dos filhos, demonstram características de altas habilidades/super- tais Associados às Altas Habili-
estudos recentes na área da superdotação (Olszewski- dotação. Em estudos que comparam esses dois grupos dades/Superdotação dos Filhos
Kubilius, 2002) afirmam que as crenças e os valores de famílias, nota-se que nas famílias de filhos superdo-
presentes no ambiente familiar criam sistemas de tados, os filhos possuem mais sentimentos positivos em PRÁTICAS EDUCATIVAS
códigos cognitivos e padrões de pensamento sobre a relação ao seu ambiente familiar. Já as crianças do outro As práticas educativas, disciplinares ou de
realidade. Esses sistemas de códigos e padrões afetarão grupo descrevem seus pais como sendo pessoas com cuidado são estratégias utilizadas pelos pais na
os valores e as atitudes da criança frente às próprias alguma hostilidade e que demonstram alguma rejeição socialização dos filhos, sendo tais práticas influen-
potencialidades. Esta perspectiva assinala que os pais pelos filhos (Winner, 1998). ciadas pelos fatores filosóficos, sociais, históricos
33
e culturais. As práticas educativas, portanto, estão a realidade (O’Connor, 2002). As práticas indutivas, relacionada à qualidade das interações familiares,
baseadas no repertório de atitudes ou crenças e portanto, estão mais relacionadas ao perfil familiar fruto do estilo parental do aluno. Os estilos parentais

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


valores dos pais e podem ser agrupadas em técnicas do aluno com características de superdotação. também são descritos por Maccoby e Martin (1983)
coercitivas e técnicas indutivas. As técnicas coerci- ESTILOS PARENTAIS em uma tipologia baseada nos estudos de Baumrind,
tivas são definidas como a aplicação do uso direto O perfil psicológico dos pais, também a partir de duas dimensões: a exigência e a “respon-
de força verbal ou física, punição e privação de chamado de estilos parentais, diferem-se das sividade” dos pais. Na dimensão denominada de
privilégios para forçar a criança a comportar-se da práticas educativas por incluírem, além de atitudes exigência parental, incluem-se as atitudes dos pais
maneira esperada pelos pais. As técnicas indutivas e práticas parentais, aspectos globais das interações que buscam monitorar o comportamento dos filhos
aplicam o uso da explicação e da descrição de regras, pais-filhos, como o contexto afetivo, por exemplo. por meio de regras e limites. A “responsividade”, por
esclarecendo a respeito das conseqüências físicas e Os estilos parentais são definidos por Reppold, outro lado, refere-se às atitudes compreensivas dos
emocionais do comportamento do filho para com Pacheco, Bardagi e Hutz (2002) como sendo “um pais para com os filhos, visando sincronia na relação,
as pessoas. conjunto de atitudes e manifestações dos pais em apoio emocional, comunicação, desenvolvimento da
Em um estudo envolvendo famílias de direção aos filhos que caracterizam a natureza da autonomia e da autoconfiança dos filhos.
crianças superdotadas em idade pré-escolar (Aspesi, interação entre esses” (p. 23). Os autores citam a Maccoby e Martin definem como pais
2003), concluiu-se que as famílias de crianças com categorização clássica definida por Baumrind (1967) com autoridade aqueles que combinam as duas
altas habilidades/superdotação utilizam as práticas sobre os padrões de monitoramento e afetividade dimensões, sendo este estilo parental associado aos
indutivas com mais freqüência do que as práticas adotados pelos pais em relação aos filhos diante mais altos índices de desempenho escolar, de ajusta-
coercitivas. De acordo com a percepção dos pais, de questões de hierarquia, disciplina e tomada de mento social e maturidade psicossocial. Pais muito
as crianças com altas habilidades/superdotação decisões. responsivos, mas pouco exigentes são definidos
mostram-se mais auto-reguladas e capazes de Esta categorização define o estilo dos pais em como indulgentes. Pais muito exigentes, mas pouco
compreender por meio do diálogo o que é certo, três grupos: autoritário, com autoridade e permissivo. responsivos são definidos como autoritários. Pais
errado ou o que se espera de suas condutas. Desta A suscetibilidade do indivíduo em desenvolver-se pouco responsivos e pouco exigentes são definidos
forma, dispensa-se o uso freqüente de práticas mais plenamente, incluindo suas habilidades, está como pais negligentes.
coercitivas, as quais a autoridade dos pais é exposta
de maneira concreta.
Alguns autores (Silverman, 1997; Winner, figura: semente figura: árvore
1998) sugerem que o desenvolvimento moral de figura: semente
brotando com frutos
crianças com altas habilidades acompanha as preco- Talento Emergente
Talento Latente Talento Aparente
cidades de seu raciocínio abstrato. Isto significa que,
somente por meio de explicações dos pais, as crianças
percebem, com clareza e profundidade, as conseqü-
ências de seus atos e têm mais autonomia sobre suas
Bagagem Sócio-Cultural
condutas. Parece que essas crianças desenvolvem-se Bagagem Biológica e Clima Afetivo
a partir de valores mais altruístas e menos egocên- Genética Experiência
tricos em função de suas precocidades ao lidar com
34
A emersão das altas habilidades dos indivíduos dos filhos. Estudos com crianças superdotadas e não (2) As crianças com altas habilidades/super-
parece estar também relacionada ao estilo parental superdotadas mostram que as famílias mais efetivas dotação crescem em ambientes “enrique-
no qual foram criados. Apesar de o ambiente familiar em termos de desempenho dos filhos são as famílias cidos”;
de crianças superdotadas ter como característica um com autoridade, mais do que as famílias autoritárias (3) As famílias são centradas nos filhos, sendo
monitoramento mais intenso dos pais em relação ou permissivas. o foco da família voltado para assegurar
aos filhos, Winner (1998) afirma que esses pais não que seus filhos recebam treinamento, desde
são muito rígidos ou autoritários. Pelo contrário, Características das Famílias de tenra idade, no domínio o qual tenha mani-
são pais que valorizam a independência nos filhos Alunos com Altas Habilidades/ festado talento;
e esperam que estes possam assumir suas respon- Superdotação (4) Os pais definem como modelo, para os
sabilidades e os riscos por suas escolhas. Os pais filhos, padrões altos de desempenho, além
que concedem ao filho autonomia e padrões claros A literatura já se ocupou em descrever algumas de expressarem alta expectativa em relação
de conduta e desempenho são citados na literatura características do contexto familiar de crianças com ao rendimento ou à produção dos filhos;
como pais que possuem autoridade e suas famílias altas habilidades/superdotação e que poderão auxiliar (5) Os pais sabem conceder independência aos
demonstram os melhores desempenhos. tanto as famílias quanto os professores a lidarem com filhos, ao mesmo tempo em que monitoram
Já os pais muito rígidos e autoritários ou, por um dos principais contextos de desenvolvimento dos seu desenvolvimento;
outro lado, os permissivos, são citados como não alunos com potencial promissor. Nessa seção, serão (6) O ambiente familiar de crianças com
promotores dos talentos dos filhos. Quando os pais expostas algumas das principais características do altas habilidades/superdotação que mais
se mostram extremamente exigentes com seus filhos, ambiente familiar considerado como promotor das conduzem o desenvolvimento dos talentos
com padrões muito alto de desempenho, preocu- habilidades ou talentos dos filhos. Inicialmente, dos filhos é aquele que combina alta expec-
pando-se apenas com as habilidades superiores da serão examinadas algumas generalizações apontadas tativa e estímulos, ao mesmo tempo em que
criança e não com o desenvolvimento global do filho, pela literatura. Em seguida, será dado um enfoque oferece suporte e apoio aos filhos.
geralmente provocam ressentimento, depressão e nas práticas existentes no contexto familiar de POSIÇÃO ESPECIAL NA FAMÍLIA
falta de motivação nos filhos. Crianças ou adoles- crianças talentosas, tido como ambientes enrique- A posição especial que o filho ocupa no
centes que não recebem autonomia de seus pais cidos, considerando essas práticas como uma rede de contexto familiar é uma característica ou genera-
para perseguirem os próprios interesses, ou seja, que apoio para o desenvolvimento das altas habilidades/ lização sobre o ambiente familiar de superdotados
são direcionados apenas pelos interesses dos pais na superdotação. amplamente descrita pela literatura. Dos estudos
busca pelo alto desempenho, geralmente desistem SEIS PRINCIPAIS GENERALIZAÇÕES clássicos como o de Galton em 1874 ou o de
de alcançar seus objetivos assim que crescem e Winner (1998) expõe seis principais carac- Terman publicado em 1926 às pesquisas contem-
escapam da pressão dos pais (Winner, 1998). terísticas que podem servir para generalizar o perfil porâneas de diversos autores como Bloom (1985) e
Portanto, os pais que concedem indepen- de um ambiente familiar relacionado às altas habili- Csikszentmihalyi, Rathunde e Whalen (1993) têm
dência aos filhos e que sabem combinar tolerância dades/superdotação dos filhos. As seis generali- constado que o ambiente exerce um papel funda-
e exigência, oferecendo apoio em diversos níveis e zações desse perfil são: mental no desenvolvimento das habilidades ou
demonstrando com clareza suas altas expectativas (1) O superdotado ocupa uma posição especial talentos, já que não há nenhuma explicação plausível
em relação ao desempenho dos filhos, são descritos entre os membros da família, sendo, geral- que afirme que a genética venha oferecer vantagens
pela literatura como pais promotores dos talentos mente, primogênito ou filho único; ao nascimento do primeiro filho.
35
Então, quais seriam as vantagens ambientais valorizam a educação formal, como a colocam em
oferecidas ao primeiro filho que não beneficiariam posição de prioridade na vida familiar, indepen-

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


os filhos subseqüentes? De acordo com Winner dente do nível sócio-econômico e da escolaridade
(1998), a primeira grande explicação para isso seria dos pais. Dessa forma, as altas habilidades dos filhos
o aspecto da motivação do primeiro filho em tentar certamente podem ser desenvolvidas em famílias
não perder a posição de centralidade nas atenções sem muitos recursos financeiros. Crianças com nível
dos pais quando o segundo irmão nasce. Dessa sócio-econômico desfavorecido e que foram identi-
forma, o filho dedica-se, de forma automotivada, ficadas como superdotadas têm pais responsivos
a atingir elevados padrões de desempenho para às necessidades de desenvolvimento dos filhos e,
manter-se em destaque aos olhos dos pais. portanto, estão sempre à procura de oportunidades
Em relação ao filho único esse aspecto educacionais, culturais e atividades extraclasse
motivacional, no entanto, não justificaria o desen- oferecidas à comunidade.
volvimento das habilidades do filho. Winner afirma FAMÍLIAS CENTRADAS NOS FILHOS
que o aspecto genético somado ao fato de o filho As famílias de superdotados são descritas ALTOS PADRÕES DE DESEMPENHO
único receber mais estimulação dos adultos em como famílias centradas nos filhos e que sacrificam O alto desempenho do filho está associado ao
seus primeiros anos de vida faz com que ele desen- a vida pessoal para investir no talento dos mesmos, fato de os pais terem alta expectativa em relação ao seu
volva seu potencial cognitivo de forma privilegiada. principalmente se o talento do filho acompanhar potencial. As altas habilidades/superdotação parecem
Nota-se que os filhos nascidos em ambientes onde performances públicas como eventos esportivos, se manifestar em famílias em que os pais e, principal-
já havia irmãos passam a maior parte do tempo em exposições, recitais ou campeonatos. Os sacrifícios mente a mãe, valorizam padrões altos de desempenho
companhia de outras crianças. feitos por esses pais são de diversas ordens: finan- e expressam isso ao filho. Os pais são incentivadores
AMBIENTES ENRIQUECIDOS ceiro, social, educacional e profissional. Os pais, diários para que o filho se esforce e atinja um nível alto
Ambientes interessantes, variados e cheios de inclusive, mudam de endereço, cidade ou país para em sua performance, seja artística seja acadêmica.
estímulos são apontados como ambientes “enrique- que seu filho talentoso possa receber melhores Alguns estudos citados por Winner (1998)
cidos” e propícios para se encontrar crianças com oportunidades para seu sucesso. sugerem que, dependendo da área de talento do
altas habilidades/superdotação. Geralmente, são É importante ressaltar que o fato de a família filho, há diferença nas atitudes dos pais quanto
ambientes repletos de livros, onde há o hábito da ser centrada nas necessidades do filho, dedicando à dedicação dos filhos em atingir altos desem-
leitura, com pais engajados em discutir idéias de tempo e recursos de diversas ordens para favorecer penhos. Como exemplo disso, a autora diz que
forma sofisticada com seus filhos e em levá-los a o desenvolvimento das suas habilidades, não as famílias de crianças com talento em música e
eventos culturais e a museus, desde pequenos. significa que a família seja a criadora do talento atletismo são famílias mais diretivas na expectativa
O fator que deve ser considerado como no filho. O talento, por ele mesmo, se apresenta por altos desempenhos. Por outro lado, famílias de
relevante para o alto desempenho dos filhos e que primeiro. Pais atentos e responsivos, ao notarem crianças com talento em artes visuais são as menos
faz com que o ambiente familiar seja visto como os primeiros sinais diferenciados de uma ou mais diretivas em suas expectativas. Já as famílias de
“enriquecido” é o valor que a família atribui ao habilidades em seu filho, passam a dedicar-se com crianças academicamente superdotadas ocupam
acesso à cultura e à educação formal dos filhos. devoção para que ele venha a desenvolver com uma posição intermediária quanto à demonstração
Pais de crianças com altas habilidades não somente plenitude seu potencial aparente. de suas expectativas.
36
Nesses lares, valoriza-se o trabalho antes do ALTA EXPECTATIVA, ESTÍMULOS E APOIO A Família como Rede de Apoio
lazer. Além disso, desaprova-se a falta de compro- O ambiente familiar ideal para o desenvol- Promotora de Habilidades
misso ou irresponsabilidade com o próprio desen- vimento de talento combina afetividade, apoio, Acadêmicas, Habilidades Artísticas
volvimento ou o uso do tempo com atividades estímulos e expectativa por altos padrões de desem- e da Criatividade
medíocres. Os pais parecem ensinar o valor diário penho dos filhos. É necessário, no entanto, que os
do trabalho e que o sucesso somente é atingido pais compreendam que esses elementos devem se São os pais que, desde a tenra idade do filho,
com dedicação e esforço. Observa-se no ambiente apresentar combinados e que o ambiente familiar constroem as teias sociais de apoio para o seu desen-
familiar de crianças superdotadas a presença de deve estar atento em nutrir as necessidades globais volvimento. As teias sociais consistem no grupo de
alguém da família que atue como um modelo de de desenvolvimento dos filhos, ter apenas uma pessoas no qual a família e a criança se inserem e
dedicação, empenho e alta realização na atividade grande expectativa por altos padrões de desem- que servem como referência para o convívio social.
profissional que executa. penho do filho, forçando-o de forma autoritária À medida que o filho cresce e seu talento se desen-
Segundo Winner (1998), em geral, um a atingirem tais padrões, sem vê-lo como um ser volve, novos elementos da teia social se apresentam
superdotado que apresenta baixo desempenho ou integral e que necessita de afeto, compreensão, como importantes ou significativos. Inicialmente, a
rendimento possui pais que não valorizam ou não apoio e estímulos educacionais, culturais e sociais família atua como principal rede de apoio promotora
estabelecem altos padrões de desempenho para adequados, resultará em indivíduos desmotivados, das habilidades do filho. Posteriormente, são os
o filho. No entanto, os pais que demonstram o ressentidos e deprimidos. professores, técnicos, mentores, amigos ou outros
valor da dedicação diária ao trabalho, por meio do Os pais que somente enxergam as altas pares também talentosos que formarão uma rede de
próprio exemplo, exercem muito mais influência habilidades/superdotação do filho como o aspecto apoio emocional para o alcance do talento naquele
no desempenho do filho do que os pais que não mais relevante entre todos os que ele pode domínio específico.
praticam, em suas vidas, o que esperam para os expressar e que, por isso, pressionam ou expõem o Diversos estudos descritos por Olszewski-
filhos. filho a circunstâncias críticas e que geram desgaste Kubilius (2002) revelam que a família, ao exercer
INDEPENDÊNCIA E MONITORAMENTO emocional, estarão construindo um futuro de seu papel de rede de apoio, pode ocasionar diferentes
Apesar de o ambiente familiar de crianças fracasso e infelicidade para este indivíduo. Pais reações nos filhos. As diversas combinações entre
superdotadas indicar um monitoramento mais com este perfil parecem acreditar que o talento do as variáveis da dinâmica familiar irão, de fato, gerar
intenso em relação aos filhos, Winner afirma que filho é fruto ou criação dessa obsessiva exigência, diferentes resultados nas crianças, podendo apoiar
esses pais não são muito rígidos ou autoritários. enaltecendo as suas habilidades em detrimento da mais ou menos as altas habilidades acadêmicas ou o
Pelo contrário, são pais que valorizam a indepen- liberdade e personalidade próprias. A criança passa desenvolvimento da criatividade.
dência nos filhos e esperam que eles possam a acreditar que o amor dos pais é condicional ao CARACTERÍSTICAS DE UMA REDE DE APOIO
assumir suas responsabilidades e os riscos por seu sucesso. Longe de ser um contexto saudável PROMOTORA DAS HABILIDADES ACADÊMICAS
suas escolhas. Os pais que concedem à criança para o desenvolvimento de talentos, uma família E ARTÍSTICAS
independência ou autonomia, ao mesmo tempo com pais que exigem demais do filho, por acredi- Vários estudos investigaram a atuação
em que estabelecem padrões claros de conduta e tarem que são os criadores do seu alto desem- dos pais na formação das redes de apoio para o
desempenho, são citados na literatura como repre- penho, estarão oferecendo um contexto opressor e desenvolvimento das habilidades observadas nos
sentantes de famílias em que os filhos atingem que poderá embotar suas habilidades, bem como filhos (Olszewski-Kubilius, 2002). Em relação
melhores desempenhos. seu desenvolvimento saudável. ao apoio material e emocional, os pais fornecem
37
apoio financeiro para aulas, materiais e equipa- (d) Estiverem permeadas por prazer e ao filho, enviando cartões postais em ocasiões
mentos, instrumentos, cursos extraclasse, dedicam divertimento. de viagem, deixando bilhetes pela casa etc;

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


seu tempo auxiliando os filhos em pesquisas e ativi- A seguir, estão expostos alguns exemplos de `Criar um momento em família para se fazer
dades de interesse, sugerem programas interessantes atividades que fazem da família uma importante rede explanações sobre algum tópico de interesse
para fazer com eles nos tempos livres, dirigem ou de apoio promotora das habilidades acadêmicas do do filho;
levam-nos para suas atividades, monitoram as suas filho, desde tenra idade. Os exemplos dados poderão `Promover jogos que envolvam diferentes racio-
práticas e dão apoio e suporte emocional quando os ser substituídos considerando a etapa de desenvol- cínios sobre o uso da linguagem, tais como: criar
filhos estão diante de desafios. vimento em que o filho se encontra. Além disso, rimas, memorizar poemas, soletrar palavras,
Em relação às habilidades acadêmicas, os eles poderão ser enriquecidos a partir das experi- lembrar o maior número de palavras iniciadas
pais participam ativamente dos assuntos escolares ências de cada contexto familiar. O objetivo desses com a mesma letra e que pertençam à mesma
e buscam estabelecer contato freqüente com os exemplos é apenas ilustrar a dinâmica de atividades categoria (“adedonha”), inventar histórias que
professores, bem como demonstram suas expecta- realizadas em família como a primeira rede de apoio contenham determinadas palavras etc.
tivas quanto ao desempenho dos filhos e ao cumpri- ao desenvolvimento dos talentos do filho. USO DA MATEMÁTICA
mento das tarefas acadêmicas. Na realidade, os pais USO DA LINGUAGEM ` Criar problemas a serem resolvidos a partir
parecem preocupar-se com o desenvolvimento global ` Escutar atentamente a tudo o que o filho de situações da vida real, partindo de objetos
dos filhos e desejam que a experiência acadêmica expressar verbalmente; concretos e manipuláveis para, então, utilizar
seja algo que contribua para outros contextos ` Deixar o filho sentir-se à vontade para os números (raciocínio abstrato);
da vida dos filhos. expressar suas idéias; ` Explorar o conceito de “relação” questionando
Não é somente na escola que o aluno irá ` Dar explicações claras e com termos adequados a relação entre objetos, números, tamanho
encontrar oportunidades ou atividades promotoras quando o filho faz um questionamento, no entre objetos, distância entre lugares etc;
das habilidades acadêmicas. Há várias atividades que momento em que ele expõe curiosidade sobre ` Explorar o conceito de “espaço” por meio de
os pais podem realizar em casa e que desenvolvem um tema; brinquedos como Lego, quebra-cabeça ou
as habilidades acadêmicas do filho. É importante ` Estimular o filho a reconhecer a linguagem oral blocos de madeira com figuras geométricas,
considerar, no entanto, que para nutrir as habili- e escrita como veículo de expressão, acompa- solicitando que o filho forme figuras ou monte
dades dos filhos, as atividades devem ser apresen- nhada da linguagem corporal, das expressões objetos criativos;
tadas com naturalidade e acompanhar o interesse ou faciais e dos sons adequados a cada situação. ` Explorar o conceito de “categoria” solicitando
a demanda apresentada pela criança. De acordo com ` Ter o hábito da leitura entre os membros da ao filho que agrupe itens a partir de atributos
Saunders e Espeland (1991), a saúde psicológica do família, ler histórias para o filho, freqüentar similares, cores, tamanho, forma;
filho será promovida se as atividades propostas: livrarias e bibliotecas; ` Explorar o conceito de “medida” perguntando
(a) Estiverem niveladas com a capacidade ` Orientar o uso ou a pronúncia das palavras não sobre a largura, tamanho, altura ou peso dos
espontaneamente demonstrada pelo filho; ressaltando o erro, e sim repetindo a sentença objetos. Estimular os filhos a criarem seus
(b) Forem escolhidas pelo filho, a partir de um de maneira correta e dando novos exemplos; instrumentos de medida e acompanhar o
leque de opções de atividades de seu interesse; ` Valorizar os veículos de expressão da próprio crescimento;
(c) Permitirem o máximo de participação do linguagem oferecendo dicionários, livros de ` Explorar o conceito de “conservação de
filho na execução; literatura, revistas, jornais, escrevendo cartas número, área e volume” solicitando que o filho
38
ponha a mesa e adivinhe o número de pessoas mentas de jardim, utensílios de cozinha que desperta. A criança, desde cedo, estará desenvolvendo
que irão jantar posicionando os talheres, pratos não ofereçam perigo em sua manipulação etc; um reconhecimento de sensações, percepções, pensa-
e copos de diferentes maneiras, organizando ` Disponibilizar um gravador ou uma câmera mentos e idéias representadas em formas visuais ou
seus brinquedos no armário etc; fotográfica para que o filho possa exercitar sua performáticas, se os pais oferecerem uma rede de
` Explorar o conceito de “padrão” durante passeios habilidade de coletar ou registrar dados sobre apoio que desenvolva o senso estético e a sensibi-
ao ar livre, observando a natureza, sementes, algo de seu interesse; lidade para analisar obras artísticas.
árvores, animais, solicitando ao filho que analise ` Incentivar o filho a observar os fenômenos da De acordo com Saunders e Espeland (1991),
e associe formas e desenhos que se repetem; natureza, o clima, as estrelas, o movimento de para estimular o senso estético do filho, o ambiente
` Jogar baralho, dominó, bingo e outros jogos insetos e de animais próximos etc; familiar deve favorecer a compreensão de que a arte
que envolvam números e contagem. ` Incentivar o filho a usar os sentidos (tato, é um caminho para se criar e desenvolver idéias. Por
USO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO audição, paladar, visão e olfato) para perceber meio da arte, o filho estará desenvolvendo habili-
` Estimular a curiosidade natural da criança e o as características do que está a seu redor; dades de análise e relação entre símbolos, bem como
desejo pelo conhecimento; ` Ensinar o filho a comparar, contrastar e classi- desenvolvendo a percepção de elaboradas experi-
` Permitir que o filho desmonte ou utilize peças ficar objetos; ências pessoais e de processos mentais superiores.
de eletrodomésticos que estão quebrados ou ` Ensinar o filho a predizer situações ou circuns- A seguir, estão expostos alguns exemplos de
fora de uso; tâncias, tais como: “O que aconteceria se...”; atividades que fazem da família uma importante
` Montar um pequeno laboratório em algum ` Ensinar o filho e relatar a causa e o efeito entre rede de apoio promotora das habilidades artísticas
cômodo da casa, onde a criança possa fazer os fenômenos. do filho, desde tenra idade. Os exemplos dados
experiências com elementos ou materiais O senso de estética é fundamental para que poderão ser substituídos considerando a etapa de
simples encontrados na natureza. Os utensí- qualquer pessoa produza arte ou demonstre gosto desenvolvimento em que o filho se encontra. Além
lios do laboratório podem ser sucatas, ferra- pelas artes em geral. A família atuará como uma rede disso, eles poderão ser enriquecidos a partir das
de apoio promotora de alguma habilidade artística experiências de cada contexto familiar. O objetivo
do filho se os primeiros sinais de talento ou de senso desses exemplos é o de, apenas, ilustrar como pode
estético forem identificados e apreciados como uma ser a dinâmica de atividades realizadas em família
forma de arte (Saunders & Espeland, 1991). A partir que servem como primeira rede de apoio ao desen-
do exemplo dos pais, o filho aprenderá a dar valor a volvimento dos talentos do filho.
suas produções e buscará caminhos para aprender e USO DAS HABILIDADES ARTÍSTICAS
aperfeiçoar suas expressões artísticas. ` Disponibilizar uma “caixa de artes” com
Os estímulos oferecidos no ambiente familiar, diversos materiais de artes plásticas, tais como:
mais uma vez, são importantes para que a criança papéis, tintas, lápis coloridos, tesoura, massa de
tenha acesso ao mundo das artes visuais ou das artes modelagem, argila, sucata, areia colorida etc;
performáticas desde cedo. Os pais poderão apresentar ` Fazer comentários sinceros e construtivos
ao filho diferentes estilos de expressão artística, ao sobre as produções do filho, ressaltando os
mesmo tempo em que orientarão sua atenção para pontos fortes e perguntando sobre a técnica
a qualidade de sensações que cada estilo de arte lhe utilizada na produção;
39
` Levar o filho em museus de arte ou eventos é o respeito pela individualidade dos filhos, o experiências importantes ao desenvolvimento da
artísticos e culturais, encorajando-o a fazer que contribui para o desenvolvimento da sua criatividade das crianças. Isto significa que os pais

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


observações sobre suas percepções acerca das autoconfiança. estão sempre receptivos e interessados em prover o
obras ou performances vistas; Segundo Amabile, no ambiente familiar de apoio necessário para que o filho coloque em prática
` Guardar as produções do filho, para que seja crianças criativas, há poucas regras impostas, mas suas idéias.
feito um portfolio e o filho tenha um histórico há uma grande exposição de valores morais e éticos. O momento em que a criança mostra mais
de seu desenvolvimento artístico; Esses pais esperam que seus filhos tenham atitudes criatividade é quando as suas habilidades entram em
` Apresentar diferentes estilos musicais, ressal- independentes e que saibam agir de forma respon- interseção com seus interesses. Segundo Amabile,
tando ritmos, movimentos e questionar sobre sável. Para os pais citados pela autora, o importante parece que os pais de crianças criativas sabem e
as sensações que cada estilo desperta no é que os filhos assumam compromissos com seu valorizam esses momentos. Esses pais também
filho; desenvolvimento e desempenho acadêmico, mais sabem que os interesses dos filhos se desenvolvem e
` Construir instrumentos musicais com do que tirar boas notas na escola. Características mudam com o passar do tempo, sendo este ponto de
sucatas (canos, caixas, latas, vidros, chaves, como honestidade, imaginação e criatividade são interseção, portanto, flexível aos olhos dos pais.
sementes ou grãos, embalagens etc) e fazer apreciadas pelos pais dessas crianças. Em lares tidos As barreiras ao desenvolvimento da criati-
uma orquestra com o filho; como rede de apoio promotora de criatividade, há vidade também podem estar presentes dentro de
` Brincar de mímica; muitos equipamentos, experiências estimulantes, casa. Esse alerta é feito por Amabile ao afirmar “ser
` Improvisar um pequeno palco para apresen- além de pais competentes e com interesses em ativi- impossível criar os filhos efetivamente sem usar
tações performáticas; dades criativas dentro e fora de casa. Esses pais são, recompensas, avaliações e restrições aos comporta-
` Estar atento a qualquer manifestação de inclusive, modelos para seus filhos. mentos dos filhos” (p. 114), que para ela, são carac-
interesse ou talento por alguma área artística, Quanto ao desenvolvimento afetivo, os lares terísticas que minam a criatividade. No entanto,
sejam as artes visuais sejam as artes performá- citados por Amabile (1989) mostram ter laços a autora orienta os pais a estarem atentos a dois
ticas. Procurar na comunidade alguma escola afetivos fortes, no entanto, mostram ter respeito importantes aspectos, para que a criatividade dos
de artes ou professor que possa orientar o pela individualidade de seus membros. Há uma filhos não seja bombardeada em casa. O primeiro é
desenvolvimento daquele talento emergente. atitude de encorajamento pelos talentos e habili- que os pais devem mostrar tanto em sua fala como
CARACTERÍSTICAS DE UMA REDE DE APOIO dades de cada um, bem como de apoio às idéias que em suas ações que objetivos extrínsecos, como ser
PROMOTORA DA CRIATIVIDADE brotam no seio familiar. O senso de humor parece pago por um trabalho, são secundários aos objetivos
Em relação à promoção da criatividade no permear as interações familiares e há um clima intrínsecos, como o sentimento de fazer bem seu
ambiente familiar, Amabile (1989) indica algumas de descontração entre os membros. Amabile cita trabalho. O segundo é que os pais devem elogiar
atitudes presentes nos pais que podem atuar como algumas experiências comuns às famílias de pessoas constantemente seus filhos, dando destaques as suas
uma rede de apoio para o desenvolvimento da criativas, como a freqüência de mudanças de criações, como colocar seus desenhos em quadros e
criatividade dos filhos. A primeira atitude descrita endereços, cidades, estilos de vida e culturas. Parece pendurá-los em casa.
pela autora refere-se à liberdade. Pais de crianças que tais vivências exigiram habilidades de adaptação Existem outros aspectos citados por Saunders
criativas se mostram menos controladores, menos e flexibilidade nos filhos, sendo estas características e Espeland (1991), em um livro repleto de dicas a
ansiosos e menos preocupados com os riscos que associadas à personalidade criativa. A receptividade pais de crianças com altas habilidades para que a
seus filhos podem assumir. Outra atitude presente dos pais às idéias dos filhos também promove criatividade do filho não seja prejudicada. A primeira
40
dica é que os pais devem evitar pressionar o filho a ter é apenas ilustrar a dinâmica de atividades realizadas que será que o forno falaria se colocassem um par
uma idéia de sucesso no momento em que ele ainda em família que servem como primeira rede de apoio de meias molhadas dentro dele?”.
está na fase de experimentar e formar idéias. Os pais ao desenvolvimento da criatividade do filho. A partir do que foi exposto nessa seção, é possível
devem ficar atentos à ansiedade de querer que todas as USO DO PENSAMENTO CRIATIVO afirmar que o ambiente familiar mais favorável à
idéias do filho culminem em uma produção criativa. Os ` Praticar a “tempestade de idéias” com o filho, promoção de altas habilidades/superdotação dos filhos
pais devem respeitar o período de incubação das idéias sugerindo que o filho pense no maior número apresenta, de um modo geral, um perfil com caracte-
do filho. Além disso, os pais devem evitar frases que de idéias possíveis, sem nenhum tipo de censura rísticas similares. Quando o profissional da educação
inibem a criatividade do filho, tais como: “Está ótimo, ou crítica, sobre os impasses cotidianos da vida tem conhecimento sobre esse perfil familiar e sobre a
mas seria ainda melhor se...” , “ Eu já havia dito para em família. Por exemplo: “O que faremos nesse importância do contexto familiar no desenvolvimento
você que isso é impossível”. domingo chuvoso?”; das características do aluno, é possível ampliar o olhar
Além desses aspectos, Amabile (1989) relata ` Encorajar o filho a tecer relações entre dois objetos sobre o fenômeno da superdotação e traçar estratégias
outros resultados de pesquisas sobre lares atuantes não similares existentes em casa. Por exemplo: “O de atendimento mais adequadas e eficazes.
como rede de apoio para a promoção da criatividade. que nós podemos criar se combinarmos o tele- Com o objetivo de auxiliar na identificação
Esses ambientes possuem pais engajados intelec- fone com a máquina de lavar louça?”; das características das famílias de alunos com altas
tualmente em discussões saudáveis com seus filhos, ` Usar técnicas de relaxamento, massagem e respi- habilidades/superdotação, foi criado um checklist
buscando explorar idéias sob variadas perspectivas. ração com o filho, para acostumá-lo a vivenciar (apresentado ao final do capítulo) com um resumo do
Esses pais dedicam horas em leituras, questionando um estado de relaxamento imaginativo, em que que foi abordado nessa seção, a partir de uma revisão
e investigando diversos assuntos em conjunto com os ele poderá ser guiado pelos elementos criados por de literatura feita por Aspesi (2003). Esse checklist
filhos. Os pais permitem barulhos e atitudes lúdicas sua imaginação. Por exemplo: “Feche os olhos, poderá ser um instrumento utilizado tanto no processo
em casa, inclusive os próprios pais constantemente se respire fundo, relaxe e deixe um belo cavalo com de identificação do aluno com altas habilidades, como
engajam nas brincadeiras de seus filhos, permitindo asas carregar você para um jardim encantado, para trazer mais informações sobre o contexto familiar
que a criança tenha o controle da mesma atitude. A onde coisas incríveis acontecem...”; para toda a equipe que estará lidando com o aluno. A
autora lembra que crianças que passam mais tempo de ` Mostrar respeito por todas as produções do família do aluno, inclusive, poderá se beneficiar com a
sua infância brincando são crianças mais criativas. filho. Por exemplo: criar um espaço de destaque lista de características do checklist, no sentido de criar
A seguir, estão expostos alguns exemplos em casa onde os desenhos são pendurados, mais consciência sobre o próprio perfil e sobre a influ-
de atividades que fazem da família uma impor- esculturas ficam expostas e demais produ- ência desse perfil no desenvolvimento das habilidades
tante rede de apoio promotora da criatividade do ções possam ser admiradas pelos membros da de seu filho.
filho, desde tenra idade. Assim como os exemplos família ou pelas visitas;
sobre habilidades acadêmicas e artísticas, anterior- ` Ler histórias para o filho, criando suspense e Desafios Vivenciados pelas Famílias
mente citados, os exemplos dados a seguir sobre dando pausas na leitura, perguntando ao filho “o de Alunos com Altas Habilidades/
a promoção da criatividade também deverão ser que será que aconteceu depois?”; Superdotação
substituídos considerando a etapa de desenvolvi- ` Contar histórias absurdas e pedir para que o filho
mento em que o filho se encontra. Além disso, eles continue-as; É comum observar nas famílias de filhos com
poderão ser enriquecidos a partir das experiências de ` Incentivar o filho a construir histórias a partir da altas habilidades/superdotação certo conflito no que
cada contexto familiar. O objetivo desses exemplos percepção dos objetos da casa. Por exemplo: “O se refere ao tipo de orientação dada à educação dos
41
filhos. Por um lado, há os pais que pensam que seus serão abordadas algumas das dificuldades eviden- de apoio à aprendizagem dos superdotados, de fato,
filhos deveriam viver sua infância e adolescência sem ciadas tanto pela família como pelo aluno com altas irão auxiliar seu desenvolvimento ou irão causar

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


receber qualquer diferenciação em sua educação. habilidades/superdotação. problemas de ajuste social devido aos “rótulos” e
Esses pais não demonstram expectativa alguma em discriminação pelos colegas em seu contexto escolar.
relação ao desempenho dos filhos. Dessa forma, as Dificuldade dos Pais ao Lidarem Os pais, de um modo geral, têm a noção do brilhan-
necessidades dos filhos ficam desatendidas e percebe- com as Altas habilidades/Superdo- tismo de seus filhos, no entanto, desconhecem as
se um sub-rendimento de suas capacidades e talentos, tação dos Filhos suas características ou habilidades específicas. Por
além de desajustes de ordem emocional e social isso, os pais sentem-se impotentes em decidir quais
(Silverman, 1997). A literatura afirma que os pais, ao tomarem alternativas educacionais seriam mais adequadas
Por outro lado, há os pais que enfatizam em conhecimento de que seu filho apresenta caracterís- para atender às necessidades de aprendizagem dos
demasia, ou seja, de forma não natural, as habili- ticas de altas habilidades, demonstram uma reação filhos.
dades ou talentos dos filhos a ponto de nunca se similar aos pais de filhos que apresentam algum Dettmann e Colangelo (2004) expõem uma
mostrarem satisfeitos com o desempenho deles, transtorno de aprendizagem (Dettman & Colangelo, revisão de literatura sobre as principais necessidades
mesmo quando estes estão dando o máximo de seus 2004).Tal reação dos pais é conseqüência da ansiedade que esses pais demonstram quando se deparam
esforços. São pais que parecem realizar-se pesso- e insegurança que acompanha o fato de seu filho com as altas habilidades/superdotação dos filhos. É
almente por meio das conquistas ou sucessos dos ser “diferente” e de precisar de um acompanha- importante que os profissionais que prestam atendi-
filhos. Nesse último grupo de famílias, percebe-se mento especializado para que seu desenvolvimento mento ao aluno e às famílias tenham conhecimento
uma grande pressão dos pais em relação ao desem- acadêmico e sócio-afetivo ocorra de forma saudável. sobre as fragilidades evidenciadas pelos pais destes
penho dos filhos e uma superexposição de suas Além disso, o tema “altas habilidades/superdotação” alunos. A seguir, estão expostas quatro principais
habilidades superiores. Apesar deles receberem é carregado de mitos e estereótipos gerando vários necessidades evidenciadas pelos pais, que Dettman
um forte investimento por parte dos pais, outros preconceitos que confundem os pais no processo de e Colangelo agruparam como delineadoras dos
aspectos nocivos ao desenvolvimento, como a falta compreensão das características e necessidades do serviços psicoeducacionais prestados à família do
de autonomia e a privação de um desenvolvimento próprio filho. aluno superdotado:
sócio-afetivo saudável, parecem comprometer o seu Os pais de crianças com deficiência costumam (1) Os pais mostram-se confusos sobre seu
bem-estar psicológico (Winner, 1998). procurar, desde a identificação da necessidade papel na identificação da superdotação do
Alguns dos desafios ou dificuldades que os especial do filho, atendimento educacional especia- filho. Alguns pais acreditam que a respon-
pais têm são conseqüências da falta de informação lizado a fim de que ele possa desenvolver toda a sua sabilidade em identificar as altas habilidades
e do despreparo da comunidade escolar e da família potencialidade, enquanto que os pais de crianças do filho pertence exclusivamente à escola.
em lidar com as altas habilidades/superdotação dos com altas habilidades quase sempre se deparam Muitos pais demonstram interesse em se
alunos. Para que o profissional escolar que atua na com a decisão de permitir ou não que seus filhos envolver nesse processo de identificação de
área de superdotação possa prestar benefícios aos participem de programas especiais. habilidades, no entanto, os pais não sabem
pais, orientando-os na tarefa de criar um filho com É comum observar uma carga de ansiedade como agir ou o que eles devem observar
potencial elevado, é importante que esse profis- nos pais de crianças com altas habilidades quando sobre os filhos para auxiliar o mapeamento
sional já esteja sensibilizado e preparado para seus filhos são convidados a participar de tais das características do filho. Em resumo, os
atender as principais queixas da família. A seguir, programas. Isso porque há a dúvida se os programas pais necessitam de informações sobre as
42
características cognitivas, sócio-afetivas e que a escola também deve exercer para a lidar com tensões intelectuais ou fortalecer seu
acadêmicas evidentes no perfil de alunos que seu filho seja bem atendido em suas pensamento divergente, características comuns a
superdotados, além de uma clara direção necessidades especiais de aprendizagem. pessoas altamente criativas. Há constatações de
sobre seu papel na educação e desenvolvi- Na maioria das vezes, os pais atribuem à crianças que fizeram de seus problemas familiares,
mento dos filhos; escola toda a responsabilidade pelo desen- desafios positivos, estimulando essas crianças na
(2) Os pais sentem-se profundamente ansiosos volvimento do filho e mostram-se descon- vida adulta a assumirem uma postura pró-ativa
sobre o desempenho dos filhos e confusos tentes com os serviços, soluções ou resul- quanto à resolução de problemas sociais.
sobre a medida adequada de estímulos que tados conduzidos pela escola. Esse aspecto Por outro lado, Csikszentmihalyi, Rathunde
deve ser oferecida aos filhos. O pensamento denuncia a dificuldade existente na relação e Whalen (1993) afirmam que é necessário haver
inicial dos pais é o de oferecer livros e ativi- família-escola. um balanço entre a tensão no ambiente familiar
dades extracurriculares, no entanto, a lite- A literatura também faz referência a ambientes e o apoio emocional criado entre seus membros,
ratura indica que os pais carecem de infor- familiares onde se nota dificuldades de relaciona- como sendo o ingrediente condutor do alto nível
mações substanciais sobre como ocorrem mentos entre pais e filhos, ocorrência de infortúnios de desenvolvimento do talento e da boa saúde
as complexas interações dentro do sistema na vida familiar ou com pais ausentes na educação mental. Um aspecto importante nos estudos desses
familiar e a natureza dessas interações que dos filhos. Nesse último exemplo, ao mesmo tempo autores é que eles dizem que essas famílias possuem
mais estimulam as habilidades do filho; em que a ausência dos pais pode ser considerada membros que se apóiam mutuamente, encorajam a
(3) Os pais relatam não saber lidar com alguns como uma dificuldade parental em acompanhar expressão e o pensamento individual e demonstram
problemas de relacionamento no âmbito a educação dos filhos, a ausência dos pais pode ser alta expectativa em relação ao desenvolvimento dos
familiar, tais como a rivalidade entre irmãos considerada um aspecto benigno na vida dos filhos, talentos dos filhos.
ou problemas de disciplina. Os pais também segundo Ochse (1993) e Olszewski-Kubilius (2002),
demonstram ter dificuldades pessoais resul- quando for conseqüência da dedicação dos pais à Dificuldade dos Alunos ao Lidarem
tantes do fato de terem um filho superdo- carreira profissional, sugerindo um modelo de valores com suas Características de Altas
tado, dificuldades de comunicação sobre as em relação à conduta profissional para os filhos. O Habilidades/Superdotação
expectativas relacionadas ao filho e senti- bom resultado desse processo fortalecerá os próprios
mento de inadequação ou despreparo para valores adquiridos pelos filhos, em uma retroalimen- As características de altas habilidades/super-
atender as necessidades desta criança e lidar tação do processo de identificação pais-filhos. dotação, quando se apresentam, podem trazer uma
com a discrepância entre o desenvolvimento As circunstâncias estressantes no ambiente combinação de reações afetivas e comportamentais
intelectual e o desenvolvimento emocional; familiar poderão desenvolver na criança uma tanto no aluno como no ambiente em que ele está.
(4) Por fim, os pais têm desejo de participar maturidade psicológica precoce, além de fazer Ao contrário do que muitas pessoas pensam, ser
ativamente na educação de seu filho e de se com que ela busque segurança em atividades superdotado não significa ter uma vida de sucesso
sentirem atuantes na comunidade escolar. intelectuais ou use a criatividade para lidar com os garantido. A literatura indica que há dificuldades
No entanto, desconhecem os meios pelos desafios. Essa mesma argumentação é levantada a serem superadas e, em muitos momentos desse
quais possam auxiliar na educação do por Csikszentmihalyi (1990), Feldman (1994) percurso, nota-se sofrimento devido ao fato de
filho, sentem-se inseguros sobre seu papel e Simonton (2002). Segundo esses autores, os o aluno sentir-se diferente e inadequado na vida
no contexto escolar e não sabem o papel desafios na infância poderão preparar o indivíduo acadêmica e social (Cross, 2001).
43
No Quadro 1, é possível analisar como às principais dificuldades sócio-afetivas enfrentadas sub-rendimento acadêmico é um sintoma que pode
alguns traços valorizados pela sociedade podem pelo aluno superdotado. Uma delas, por exemplo, é ocorrer em alguns destes alunos em função de uma

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


espelhar problemas comportamentais no dia a dia que não há evidências de que o aluno superdotado combinação de causas - ambientais e individuais.
das relações de um aluno com altas habilidades/ traz, inerente às suas características especiais, uma As causas ambientais são relacionadas às
superdotação e seus contextos de desenvolvimento condição de vulnerabilidade social e emocional. Os experiências acadêmicas pouco motivadoras como,
(Saunders & Espeland, 1991). índices de mau ajustamento social, delinqüência e por exemplo, um currículo não desafiador, pouco
estimulante e com dinâmicas de aulas monótonas
Quadro 1. Descrição de Traços Admirados em Alunos com Altas Habilidades/Superdotação e para o aluno. Pode ser também devido ao fato de
Respectivos Problemas Comportamentais Associados. o aluno não querer se destacar, por ter sempre o
TRAÇOS ADMIRADOS PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS melhor desempenho nas atividades, em relação aos
Fala em demasia sobre assuntos que seus pares não acompanham ou colegas para não se sentir diferente ou excluído do
Proficiência verbal
se interessam. grupo. Além disso, pode ser pelo fato de o aluno
Longos ciclos de atenção Hiperfoco de atenção, com muita resistência de interrupção. se isolar socialmente e não participar das atividades
Aprendizagem rápida Negligência com o conteúdo acadêmico. acadêmicas ou então porque o aluno esteja vivendo
algum conflito em sua dinâmica familiar.
Criatividade Fuga para a fantasia; rejeição à norma.
Já as causas individuais referem-se ao estado
Inabilidade para aceitar ajuda; estabelecimento de padrões elevados
Aprendizagem independente psicológico do aluno, que pode evidenciar depressão,
e não razoáveis de desempenho.
ansiedade, perfeccionismo ou baixa auto-estima. As
Pensamento crítico Atitude crítica em relação aos outros; perfeccionismo. causas individuais geradoras de sub-rendimento
Preferência por complexidade Resistência para soluções simples. acadêmico também podem estar relacionadas a um
traço de rebeldia, irritabilidade, não-conformismo
As pesquisas indicam que quando o aluno com outras desordens severas de comportamento são e raiva vivenciados pelo aluno. Há algumas outras
altas habilidades/superdotação é identificado ainda iguais entre a população de alunos com altas habili- causas individuais que pode interferir no rendi-
quando pequeno e lhe é oferecido apoio em suas dades e a população de alunos que não apresentam mento acadêmico do aluno, como algum transtorno
necessidades especiais de aprendizagem e desenvol- altas habilidades. O que se observa, no entanto, é de aprendizagem, déficit de atenção ou desorgani-
vimento, esse aluno desenvolve resiliência aos eventos que o aluno com altas habilidades tem necessidades zação. Outra causa evidenciada pela literatura diz
negativos que ocorrem em sua vida. Dessa forma, o especiais de aprendizagem e características cognitivas respeito à imaturidade sócio-afetiva, resultando em
aluno torna-se apto a utilizar seus talentos no sentido e sócio-afetivas que se não forem compreendidas ou estratégias pouco realísticas de adaptação ou de
de atingir satisfação e produtividade em sua vida. atendidas poderão gerar uma série de desajustes ao superação de objetivos (Reis & McCoach, 2002).
No entanto, é necessário acompanhar o desenvolvimento do aluno, colocando-o em situações Outro problema importante que o aluno com
desenvolvimento do aluno para que ele possa ser de risco acadêmico e social. altas habilidades/superdotação pode vir a demonstrar
apoiado nos desafios que se apresentam a partir de O sub-rendimento acadêmico é um dos é o perfeccionismo, que segundo Schuler (2002), é a
suas características de altas habilidades. Há algumas problemas importantes que o aluno com altas questão mais citada pelos profissionais que prestam
conclusões evidenciadas pela literatura (Robinson, habilidades/superdotação pode vir a demonstrar. De aconselhamento a estes alunos. De acordo com essa
Reis, Neihart & Moon, 2002) que dizem respeito acordo com a literatura (Reis & McCoach, 2002), o autora, o perfeccionismo deve ser visto como uma
44
potente força capaz de trazer frustração e paralisia, A manifestação negativa do perfeccionismo,que educacional do aluno poderá ser desenvolvido a
ao mesmo tempo em que pode trazer um sentido ocorre devido a traços de personalidade e de experi- partir dessa parceria.
de satisfação intensa e de contribuição criativa. ências aprendidas, pode ser trabalhada no sentido de No Brasil, o psicólogo escolar ainda encontra-
Ou seja, o perfeccionismo pode ser tanto um traço converter-se em seu aspecto positivo. Pais, profes- se em processo de delineamento de suas ações
destrutivo e negativo, como pode ser uma parte sores e psicólogos deverão trabalhar juntos trazendo (Guzzo, 2001). O atendimento educacional ao aluno
saudável da personalidade, dependendo da forma consciência e compreensão ao aluno sobre suas carac- com altas habilidades/superdotação expressa com
que for canalizada. terísticas. É importante que o aluno aprenda que, para clareza a necessidade de atuação deste profissional,
Schuler define o perfeccionismo como uma atingir altos padrões de desempenho, há um caminho desde o processo de encaminhamento do aluno aos
combinação de pensamentos e comportamentos a percorrer. O aluno precisa aprender a apreciar a programas especiais, passando pela avaliação psico-
geralmente associados a altos padrões e expectativas ordem, a organização, a estabelecer prioridades, a ter diagnóstica e pelo atendimento às necessidades
de performance. Essa combinação pode ser descrita tempo para refletir sobre seus erros e a lidar com a psicológicas do aluno, bem como prestando apoio
como normal ou neurótica. O perfeccionismo carga de ansiedade que acompanha a manifestação à família e à comunidade escolar sobre como lidar
normal ou saudável é aquele que deriva de um negativa do perfeccionismo. A determinação e o com as necessidades de aprendizagem dos alunos
senso real de prazer em dedicar-se a um trabalho, esforço do aluno devem ser elogiados por aqueles que com altas habilidades (Aspesi, 2003).
com igual liberdade para ser menos preciso em seu acompanham o aluno. Suas conquistas e passos dados A literatura na área da superdotação concorda
desempenho se as circunstâncias reais não permi- devem ser sempre reconhecidos, lembrando sempre que há importantes benefícios para a educação e o
tirem um alto padrão de desempenho. O perfeccio- que as futuras oportunidades de aprendizagem devem desenvolvimento sócio-afetivo dos alunos quando os
nismo neurótico, por outro lado, relaciona-se com ser vividas com prazer. pais ou a família estão diretamente envolvidos aos
um sentimento de incapacidade de atingir satis- programas especiais de atendimento ao superdotado
fação, porque seu olhar nunca vê os resultados de Acompanhamento Psicológico à (Dettmann & Colangelo, 2004). A principal premissa
seu trabalho como suficientemente bons. Família e ao Aluno com Altas em envolver a família nos serviços de atendimento
Habilidades ao aluno com altas habilidades/superdotação é que
esse envolvimento gera um fundamental apoio para
Um dos modelos eficientes de atendimento o desenvolvimento tanto do aluno quanto de sua
ou acompanhamento psicológico à família e ao família, ao se deparar com os desafios e ansiedades
aluno é o que busca uma parceria família-escola. em educar um filho com habilidades diferenciadas.
Essa parceria é a melhor alternativa para concentrar Para que os pais sejam, realmente, envolvidos
os recursos dos dois principais contextos de desen- na educação de seus filhos, são necessários coope-
volvimento do aluno (Dettmann & Colangelo, ração e apoio de toda a comunidade escolar, princi-
2004). Os pais têm a oportunidade de participar palmente o psicólogo escolar, que desempenhará,
ativamente no atendimento às necessidades educa- dentre outras funções, o papel de um conselheiro
cionais do filho e os profissionais do contexto atuante no espaço de interseção entre o contexto
escolar podem oferecer informações e orientações familiar e o contexto escolar. Cabe ressaltar que o
específicas aos pais. O papel da escola e da família psicólogo que atua na área de aconselhamento ao
poderá ser definido em conjunto e o planejamento aluno, família e escola deve ter conhecimentos tanto
45
a condução dos grupos de aconselhamento (Reis & dades, criar uma rede de apoio social aos
Moon, 2002). Ao aplicar um determinado modelo pais e construir estratégias para que os pais

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


de aconselhamento, é importante que as atividades possam participar ativamente na educação
sejam previamente definidas tendo como base carac- dos filhos (Fleith & Guimarães, 2006);
terísticas e dificuldades evidenciadas nesse capítulo (4) Conduzir grupos de atendimento psico-
e, por fim, que sejam verificados seus resultados educacional direcionados aos alunos com
dentro do contexto no qual foi implantado. altas habilidades/superdotação. Os grupos
Algumas sugestões de estratégias serão forne- de alunos consistem em reuniões periódicas
cidas com o objetivo de nortear a ação do psicólogo previamente agendadas que têm o objetivo
nos programas de atendimento ao aluno com altas de orientar e subsidiar os alunos com infor-
habilidades / superdotação. mações sobre suas características e de como
(1) Fornecer o máximo de informações sobre lidar com elas, realizar dinâmicas de inte-
as características cognitivas e sócio-afetivas ração e integração sócio-afetiva, acolher
dos alunos com esse perfil para que os pais sentimentos e idéias sobre as dificuldades
da área clínica como da área escolar. Visto que esse e toda a comunidade escolar sintam-se vivenciadas pelo fato de serem superdo-
profissional estará diante de questões comuns a mais confiantes em tomar decisões acerca tados, prestar suporte ao seu desenvolvi-
essas duas áreas de atuação. da identificação e educação dos alunos com mento sócio-afetivo, desenvolver atividades
De acordo com a literatura (Fleith & altas habilidades; promotoras de criatividade e criar uma rede
Guimarães, 2006; Reis & Moon, 2002) há diversos (2) Participar do processo de identificação do de apoio social aos alunos para que eles
modelos de aconselhamento que orientam os psicó- aluno com altas habilidades/superdotação, possam atuar na construção de estratégias
logos em suas atuações junto ao aluno, à família e à no que se refere ao processo de avaliação educacionais e de projeções profissionais
escola. Cada contexto escolar deve investigar qual psicológica; por eles vivenciadas;
modelo melhor se aplica às necessidades locais. Há, (3) Conduzir grupos de atendimento psicoe- (5) Conduzir reuniões para estudos de caso,
por exemplo, modelos mais voltados para o ajusta- ducacional direcionados aos pais de alunos quando houver necessidade de esclarecer
mento emocional do aluno, outros orientados ao com altas habilidades/superdotação. Os observações sobre o desenvolvimento de
desenvolvimento de suas habilidades sócio-afetivas, grupos de pais consistem em reuniões peri- um aluno, definir estratégias de intervenção,
ou então, voltados para as características intelectuais ódicas previamente agendadas que têm o prestar orientações a professores e a família,
e de traços de personalidade. objetivo de orientar e subsidiar os pais com bem como envolver outros profissionais da
A literatura faz referência a modelos que informações sobre as altas habilidades, ao saúde ou de outras áreas no acompanha-
combinam atividades psicoeducacionais dirigidas mesmo tempo em que é oferecido um espaço mento ao aluno.
em grupo para pais e para alunos e, se necessário, de trocas de vivências e de apoio psicoedu- (6) Fazer visitas periódicas à escola regular do
com algumas sessões individuais para atender às cacional às famílias. Esse tipo de grupo é aluno, com o objetivo de esclarecer dúvidas
necessidades mais restritas de uma determinada muito eficiente para esclarecer dúvidas, da comunidade escolar sobre estratégias de
família ou de um aluno. A utilização de vídeos, diminuir a carga de ansiedade evidenciada adaptação curricular, avanço de série e sobre
textos e dinâmicas de grupo é indicada para facilitar entre os pais de alunos com altas habili- características específicas do aluno.
46
Referências

Amabile, T. A. (1989). Growing up creative. 220). Thousand Oaks, CA: Corwin Press. Dabrowski’s theory to the gifted. Em M. Neihart,
Buffalo, NY: The Creative Education Foundation Feldman, D. H. (1994). Creativity: Dreams, S. M. Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon. (Orgs.),
Press. insights, and transformations. Em D. Feldman, M. The social and emotional development of gifted children.
Aspesi, C. C. (2003). Processos familiares Csikszentmihalyi & H. Gardner (Orgs.), Changing What do we know? (pp. 51-60). Washington, DC:
relacionados ao desenvolvimento de comportamentos the world: A framework for the study of creativity (pp. Prufrock Press.
de superdotação em crianças de idade pré-escolar. 85-102). Westport, CT: Praeger. Olszewski-Kubilius, P. (2002). Parenting
Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Fleith, D. S. & Guimarães, T. G. (2006). practices that promote talent development,
Brasília. Psycho-educational service for parents of gifted and creativity, and optimal adjustment. Em M. Neihart,
Baumrind, D. (1967). Child care practices talented students: A Brazilian experience. Gifted S. M. Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon. (Orgs.),
anteceding three patterns of preschool behavior. Education International, 21, 63-68. The social and emotional development of gifted children.
Genetic Psychology Monographs, 75, 43-88. Freeman, J. & Guenther, Z. C. (2000). What do we know? (pp. 205-212). Washington, DC:
Bloom, B. S. (1985). Developing talent in Educando os mais capazes. Idéias e ações comprovadas. Prufrock Press.
young people. New York: Ballantine. São Paulo: EPU. Reis, S. M. & McCoach, D. B. (2002).
Bronfenbrenner, U. (1994). Ecological Guzzo, R. S. L. (2001). Saúde psicológica, Underachievement in gifted students. Em M.
models of human development. Em T. Huten & T. sucesso escolar e eficácia da escola: desafios do novo Neihart, S. M. Reis, N. M. Robinson & S. M.
N. Postelethwaite (Orgs.), International encyclopedia milênio para a psicologia escolar. Em Z. A. P. Del Moon. (Orgs.), The social and emotional development
of education (2a. ed., Vol. 3, pp. 1643-1647). New Prette (Org.), Psicologia Escolar e Educacional. Saúde of gifted children. What do we know? (pp. 81-91).
York: Elsevier Science. e Qualidade de Vida (pp. 25-42). Campinas: Alínea. Washington, DC: Prufrock Press.
Cross, T. L. (2001). On the social and emotional Kreppner, K. (2003). Social relations and Reis, S. M. & Moon, S. M. (2002). Models and
lives of gifted children. Waco, TX: Prufrock Press. affective development in the first two years in family strategies for counseling, guidance, and social and
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The contexts. Em J. Valsiner & K. Connolly, Handbook emotional support of gifted and talented students.
psychology of optimal experience. New York: Harper of developmental psychology (pp. 194-214). London: Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M. Robinson & S.
& Row. Sage. M. Moon. (Orgs.), The social and emotional develo-
Csikszentmihalyi, M., Rathunde, K. & Maccoby, E. & Martin, J. (1983). pment of gifted children. What do we know? (pp. 251-
Whalen, S. (1993). Talented teenagers: The roots of Socialization in the context of the family: Parent- 266). Washington, DC: Prufrock Press.
success and failure. New York: Cambridge University child interaction. Em P. H. Mussen (Org. Série) & Reppold, C. T., Pacheco, J., Bardagi, M. &
Press. E. M. Hethrington (Org. Vol.), Handbook of child Hutz, C. S. (2002). Prevenção de problemas de
Dettman, D. F. & Colangelo, N. (2004). A psychology: Vol. 4. Socialization, personality, and social comportamento e desenvolvimento de competências
functional model for counseling of gifted students. development (4ª ed., pp. 1-101). New York: Wiley. psicossociais em crianças e adolescentes: uma análise
Em S. M. Reis (Org. Série) & S. M. Moon (Org. Ochse, R. (1993). Before the gates of excel- das práticas educativas e dos estilos parentais. Em C.
Vol.), Essential readings in gifted education: Vol. lence: The determinants of creative genius. New York: S. Hultz (Org.), Situações de risco e vulnerabilidade na
8. Social/Emocional Issues, Underachievement, and Cambridge University Press. infância e na adolescência: Aspectos teóricos e estratégias de
Couseling of Gifted and Talented Students (pp. 213- O’Connor, K. J. (2002). The application of intervenção (pp. 7-51). São Paulo: Casa do Psicólogo.
47
Checklist sobre as Características da Família do Aluno com
Altas Habilidades/Superdotação

Capítulo 2: A Família do Aluno com Altas Habilidades


Robinson, N. M., Reis, S. M., Neihart, M. &
Moon, S. M. (2002). Social and emotional issues:
What have we learned and what should we do now? Na escala abaixo, identifique a freqüência com que o comportamento dos pais é evidenciado:
Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M. Robinson & S. (1) nunca; (2) poucas vezes; (3) normalmente; (4) com grande freqüência e (5) sempre.
M. Moon. (Orgs.), The social and emotional develo- CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA 1 2 3 4 5
pment of gifted children. What do we know? (pp. 267-
288). Washington, DC: Prufrock Press. 1. Os pais demonstram bastante dedicação por seu trabalho profissional.
Saarni, C., Mumme, D. L. & Campos, J. J. 2. Os pais expressam o valor pelo trabalho ao seu filho.
(1998). Emotional development: Action, commu-
nication, and understanding. Em W. Damon & N. 3. Os pais investem diariamente na educação de seu filho.
Eisenberg (Orgs.), Handbook of child psychology: Vol. 4. Os pais praticam o hábito da leitura e do estudo.
3. Social, emotional, and personality development (5a.
ed, pp. 237-309). New York: Wiley. 5. Os pais expressam elevado valor pelo estudo formal.
Saunders, J. & Espeland, P. (1991). Bringing 6. Os pais encorajam o filho a ter pensamentos independentes.
out the best: A guide for parents of young gifted children.
Minneapolis, MN: Free Spirit. 7. Os pais encorajam o filho a ter pensamento crítico.
Schuler, P. (2002). Perfectionism in gifted 8. Os pais oferecem apoio emocional ao filho.
children and adolescents. Em M. Neihart, S. M.
Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon. (Orgs.), The 9. Os pais percebem as precocidades e os talentos do filho.
social and emotional development of gifted children.
10. Os pais estão engajados no desenvolvimento do filho.
What do we know? (pp. 71-80). Washington, DC:
Prufrock Press. 11. Os pais têm alta expectativa pelo desempenho acadêmico do filho.
Silverman, L. K. (1997). Family counseling
12. Os pais priorizam valores ao invés de regras rígidas.
with the gifted. Em N. Colangelo & G. A. Davis
(Orgs.), Handbook of gifted education (2a. ed., pp. 382- 13. Os pais demonstram receptividade às idéias imaginativas do filho.
397). Needham Heights, MA: Allyn and Bacon.
14. Os pais demonstram preocupação pela motivação do filho em aprender.
Simonton, D. K. (2002). A origem do gênio.
Rio de Janeiro: Record. 15. Os pais se mostram responsivos às indagações apresentadas pelo filho.
Terman, L. M. (1926). Genetic studies of
16. Os pais valorizam a troca de idéias, discussões intelectuais e desafios.
genius: Mental and physical traits of a thousand gifted
children. Stanford, CA: Stanford University Press. 17. Os pais oferecem um ambiente enriquecido em estímulos para o filho.
Winner, E. (1998). Crianças superdotadas.
18. Os pais mostram-se centrados no desenvolvimento do filho.
Mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed.
Capítulo 3

O Papel da Família no
Desenvolvimento de Altas
Habilidades/Superdotação

Cristina Maria Carvalho Delou


,
50
51

N o início da vida, os contatos


sociais da criança se restringem
Assim sendo, as atitudes tomadas pela família
são de fundamental importância para o desenvol-
cedo, na maior parte das vezes sem saber o que
fazem. Existem famílias que, logo após a chegada

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades


à família e, pouco a pouco, ela vimento das crianças e dos adolescentes, inclusive do hospital, colocam seus bebês deitados de bruços
vai ampliando sua socialização. À medida que o dos indivíduos com altas habilidades/superdotação. no berço. Nesta posição, a criança é obrigada a fazer
repertório social vai aumentando, a responsabilidade Estudos longitudinais realizados por Bloom,Freeman, esforços, de início involuntários, e à medida que se
pela mediação do desenvolvimento global passa a Perleth e Heller (citados por Freeman, 2000) sobre desenvolvem, seus esforços se tornam voluntários
ser compartilhada com a escola e, mais tarde, com a o desenvolvimento dos talentos mostraram os efeitos para atingir o que desejam.
sociedade como um todo. cumulativos das atitudes parentais com relação ao alto À medida que crescem, as famílias permitem
A hereditariedade exerce importante papel desempenho de seus filhos. Não basta que crianças e que a criança use os espaços disponíveis na casa,
sobre a constituição biológica do ser humano, adolescentes apresentem, espontaneamente, talentos diminuindo ao máximo barreiras que impedem seus
mas é na família, conjunto de sujeitos que vivem e e capacidades precoces ou que exibam notável poten- deslocamentos. Nada de chiqueirinhos, andadores ou
convivem com a criança no dia a dia, atendendo às cialidade nas diversas áreas do aprender a conhecer, qualquer coisa que não dê a estabilidade que o chão
suas necessidades básicas de manutenção e sobre- aprender a fazer, aprender a conviver ou do aprender propicia. Isto acaba por estimular o rolar, arrastar,
vivência, servindo-lhe de modelo para formação, a ser, se a família não estiver atenta para o impor- engatinhar, levantar, andar com ajuda até que soltem
imitação e inspiração, que ocorrerão as primeiras tante papel que ela exerce sobre o desenvolvimento suas mãozinhas para que ela ande livremente. Nesta
relações interpessoais, logo, sociais. É na família dos filhos. trajetória, observa-se que a criança anda e fala mais
que começa a construção da nova personalidade, cedo do que o esperado para a idade.
com base nos parâmetros ético-morais, cultivados O Desenvolvimento Inicial de Crianças Existem famílias que, desde muito cedo,
pelo grupo, alicerce das subjetividades em formação com Altas Habilidades/Superdotação conversam com as crianças ou cantam músicas no
e que os pequeninos apresentarão, quando forem cotidiano do lar. Estas famílias valorizam todas as
atores sociais, cidadãos com direitos e deveres das Quando nascem crianças com más- tentativas de comunicação da criança, passando
sociedades a que pertencerem. formações e deficiências físicas explicitadas por a interagir ludicamente com os esforços que ela
sintomas ou síndromes muito conhecidas, imedia- faz para se comunicar desde cedo. Neste sentido,
tamente a condição de criança com necessidades tudo é importante: o sorriso, os sons guturais, a
especiais pode ser identificada, diagnosticada e, lalação, o balbucio, as primeiras palavras, as frases,
suas famílias, orientadas para o atendimento mais as perguntas, a música ou a teatralização dos
adequado. Contudo, o nascimento de crianças que eventos corriqueiros do cotidiano do lar. Meninos
virão a ser identificadas por suas altas habilidades/ e meninas precoces na fala apresentam impor-
superdotação não traz evidências imediatas ou tante vocabulário em torno dos 12 meses. Formam
pistas prenunciadas. É apenas no decorrer do seu frases completas, dialogam clara e corretamente
desenvolvimento que suas características singu- com seus familiares. Chamam a atenção de todos
lares chamarão a atenção da família. por sua fluência verbal e argumentação.
A escuta sobre a história de vida de crianças Foi o que aconteceu com a família de
talentosas mostra que existem famílias que Vinícius, ao constatar que seu filho mais velho
estimulam a psicomotricidade das crianças desde andou e falou aos 9 meses. Com 1 ano ele não só
52
andava, corria e pulava com segurança, como falava Como Funcionam as Famílias de a primeira orientação foi feita no sentido de que a
“como gente grande”, deixando todos admirados Crianças com Altas Habilidades? família pudesse se conduzir de modo adequado para
com seu vocabulário e diálogos. Crianças o desenvolvimento de Vinícius. Além dos pais de
precoces mostram ainda que conhecem cores e É fundamental conhecer o modo como Vinícius, os avós maternos, com quem ele estava mais
suas gradações em torno de um 1 ano e 6 meses. funcionam as famílias de crianças e adolescentes freqüentemente em contato, também foram orien-
Vinícius já conhecia as cores com suas complexas com altas habilidades/superdotação para a compre- tados quanto ao modo de se relacionar e lidar com
gradações aos 2 anos de idade. ensão dos efeitos do desenvolvimento diferenciado os interesses do neto. Não raras vezes, o avô materno
Muitas vezes, as famílias são surpreen- destes indivíduos e do impacto, na família, da notícia deu-lhe pequenas explicações, estudou junto, tirou
didas pela precocidade da expressão e do pleno de que um dos seus membros é superdotado. dúvidas para saciar curiosidades e desejos.
domínio de habilidades de leitura, escrita ou O contato sistemático com famílias de Embora esteja superado o mito de que as
cálculo matemático esperadas, apenas, para o crianças e adolescentes com altas habilidades/ famílias não devem ser informadas de que alguma
período em que a criança já estivesse matriculada superdotação revela que há famílias que vivem de suas crianças é superdotada (Alencar, 1986),
na escola e vivenciado experiências pedagógicas. o cotidiano da vida de modo agradável, natural, observa-se que muitas não sabem como lidar com
Leitura, escrita, cálculos, domínio e interesse permitindo que os filhos e as filhas expressem o fato de ter um filho com potencial elevado. Além
por conteúdos diversos, expressão de diferentes espontaneamente pensamentos e emoções e que disso, a família sofre quando se conscientiza de que
tipos de operações mentais, pensamento rápido, cresçam na busca de respostas às suas questões. São a sociedade ainda cultiva preconceitos com relação
capacidade de julgamento crítico, independência famílias que alimentam novas questões e interesses às altas habilidades/superdotação. Um deles é
de pensamento, memória notável, capacidade para naturais dos filhos, o que faz com que o ambiente negação de que altas habilidades/superdotação não
resolver e/ou lidar com problemas são algumas rico em atenção, escuta, diálogo e pesquisa conjunta existem, pois todos são iguais. Outro é o de que a
das habilidades apresentadas por esta criança. acabe por estimulá-los a expressarem suas elevadas criança não precisa de apoio ou ajuda pedagógica
No primeiro período de educação infantil, potencialidades. especializada para desenvolver suas habilidades, pois
Vinícius chamava a atenção pelos seus desenhos. Vinícius, aos 5 anos, apresentou perseve- já nasceu inteligente e existem muitos mais alunos
Aos 4 anos, interessou-se por cálculos, calendários rança diante dos temas e projetos do seu interesse. que precisam de ajuda do que os alunos com altas
e eletro-eletrônicos. Nesta fase, começou a estudar Quando esgotava o assunto, renovava seus interesses habilidades/superdotação.
inglês. Logo, interessou-se pelas letras, juntando- sem qualquer dificuldade ou resistência pessoal ou A família sofre porque não encontra profis-
as e formando as sílabas. A família nunca impediu familiar. Contudo, sua mãe se preocupava. Ela queria sionais especializados, tanto nas escolas públicas
o letramento de Vinícius. O resultado foi que oferecer mais oportunidades ao filho. A família como nas particulares, ou nos poderes públicos
ele mostrou domínio da leitura e da escrita, sem de Vinícius foi pela primeira vez à Universidade constituídos, para as providências, hoje legalizadas,
ajuda, aos 4 anos e 6 meses. Em pouco tempo Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, para reali- de aceleração de estudos, de enriquecimento ou
chamava a atenção dos familiares pela fluência zação do diagnóstico de talento no ano de 1997, de aprofundamento curricular. Estas estratégias
na leitura. Tal era sua habilidade que, por decisão quando Vinícius contava 7 anos de idade e cursava a poderiam ajudar a minimizar o desinteresse e o
própria, a escola informou à família que ele seria 2ª. série do Ensino Fundamental. Sua preocupação tédio que a criança apresenta em sala de aula.
acelerado do 3.º período para a 1.ª série. Ao final era poder dar melhores oportunidades ao filho. Vinícius entediou-se com a escola. Durante
do ano, Vinícius teve um desempenho excelente e Concluído o diagnóstico de que Vinícius era os anos do Ensino Fundamental e os dois primeiros
conclui-a em primeiro lugar. uma criança com altas habilidades/superdotação, anos do Ensino Médio, nenhum desafio lhe foi
53
apresentado pela escola. Assim, as atividades obriga- O Desenvolvimento das derante no desenvolvimento dos talentos humanos.
tórias não passaram de meros exercícios de repetição Competências em Família A escola não é só uma instituição social, central para

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades


automática para acompanhar a turma. a formação do ser humano, mas uma instituição
A família sofre preocupada com as repre- Existem sujeitos que apresentam espontanea- especializada em práticas pedagógicas, responsável
sentações cristalizadas de que a criança precoce, mente altas habilidades, independentemente de nível por favorecer o acesso dos alunos ao conhecimento
autodidata, talentosa ou com altas habilidades/super- sócio, econômico e/ou cultural, assim como de oportu- produzido e/ou acumulado pela sociedade e um lugar
dotação perde a infância quando não se interessa pelas nidades de acesso ou de aprendizagem. É a expressão no qual as famílias deixam seus filhos pensando que
práticas lúdicas habituais de seus pares, dedicando-se de competências e habilidades que surpreendem os estão oferecendo a melhor educação escolar que está
aos interesses acima de sua faixa etária. Não é raro próprios pais. Não são competências treinadas, mas a ao seu alcance.
a família ouvir comentários equivocados, produzidos manifestação de um saber-fazer que nem sempre está A família sabe que todos os filhos são diferentes,
por imagens que representam formas universais de de acordo com a cultura vigente aos familiares mais inclusive os gêmeos univitelinos, todavia, até bem
infância, ou que fazem referência a infância com próximos. É o caso de crianças muito pequeninas que pouco tempo, as escolas trabalhavam sob a égide do
base em parâmetros estereotipados, estigmatizados, apresentam talentos para a música, desenho, leitura, paradigma da igualdade. Todos os alunos eram vistos
impostos ou, mesmo, comerciais. escrita, matemática ou mecânica, entre outros, sem como iguais e deviam aprender o mesmo conteúdo ao
Também há famílias, e estas são em menor que qualquer familiar saiba dizer como começou. mesmo tempo e do mesmo jeito. Atualmente, cada
número, que se envaidecem com o fato de ter, entre Simplesmente, relatam o que um dia a criança fez. vez mais conscientes da diversidade dos modos de
seus membros, uma criança identificada como Existem crianças e adolescentes que vivem em ser, sentir, agir e pensar dos alunos e da singularidade
superdotada. A dificuldade, aqui, está no fato da condições sociais adversas, desde as mais abastadas dos ritmos de aprendizagem, as escolas estão atentas à
família querer tirar proveito das altas habilidades/ até comunidades muito pobres, em que é comum diversidade humana de modo a favorecer o desenvol-
superdotação do filho, exibindo-o ou pleiteando que os pais e as mães sejam semi-escolarizados ou vimento integral de cidadãos mais éticos e solidários.
benefícios indiretos. até analfabetos. Contudo, ao contrário do que preco- Pela cultura de exclusão, historicamente
Quanto menos esclarecida for a família, mais nizam as teorias materialistas, crianças e adolescentes praticada, a escola transformou-se na principal
ela fantasiará os proveitos e vantagens que poderá com altas habilidades/superdotação surpreendem barreira encontrada pela família para o desenvolvi-
tirar da situação de ter um filho com altas habili- a família e especialistas pelo domínio de conheci- mento das altas habilidades/superdotação dos seus
dades/superdotação. Quanto mais esclarecida, mais mentos incomuns à cultura familiar. filhos. Romper esta barreira e buscar parcerias devem
conflitos poderá viver por não encontrar na sociedade Como estamos vivendo tempos de políticas ser os propósitos atuais das famílias empenhadas
receptividade, aceitação e atendimento apropriado às públicas inclusivas, de práticas diagnósticas ressig- em que os direitos dos alunos e das alunas com altas
necessidades educacionais especiais de sua criança. nificadas e de legislações educacionais voltadas para habilidades/superdotação sejam cumpridos.
É importante que a família esteja informada a diversidade humana, é preciso ressaltar como a
dos avanços legais que a sociedade brasileira já família pode contribuir para o desenvolvimento das A Síndrome de Asperger
conquistou e dos direitos que a criança e o adoles- altas habilidades/superdotação de filhos em conso-
cente com altas habilidades/superdotação já nância com a escola e a sociedade. Apesar de não haver consenso entre os
adquiriu. Assim, a família poderá requerer o atendi- É importante relembrar que a questão das estudiosos quanto ao perfil das crianças, adolescentes e
mento educacional especializado mais adequado à altas habilidades/superdotação não está superada. A adultos que apresentam esta síndrome, é consenso que
sua criança ou adolescente. família, em parceria com a escola, exerce papel prepon- pelo menos três características básicas ele apresenta:
54
(a) a peculiar idiossincrasia da manifestação de indicador de precocidade, mas para caracterizar as As crianças, adolescentes e adultos com altas
áreas de “interesse especial”, responsáveis altas habilidades/superdotação a criança deverá ser habilidades/superdotação e síndrome de Asperger
pela identificação de áreas de talento; acompanhada durante alguns anos do seu desenvol- têm direito à inclusão escolar. Entretanto, as escolas
(b) a deficiência na socialização e, embora sejam vimento infantil, a fim de se verificar a ocorrência não sabem como lidar com estas pessoas. O estudo
freqüentemente notados como estando “em de outros comportamentos próprios às altas habili- de suas trajetórias escolares mostra que, mesmo
seu próprio mundo”, preocupados com seus dades/superdotação (veja características e diferenças sabendo ler e escrever, enquanto não completam 6
próprios compromissos, raramente são comportamentais entre altas habilidades e síndrome anos de idade, a família não consegue matriculá-
distantes como as crianças com autismo; de Asperger nos Quadros 1 e 2). los na escola pública. Além disso, mesmo depois de
(c) diferenças observáveis na forma como
usam a linguagem, cuja prosódia (aspectos Quadro 1: Diferenças comportamentais entre Altas Habilidades e Síndrome de Asperger
da linguagem falada como volume, ento- ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO SÍNDROME DE ASPERGER
nação, inflexão, velocidade etc.) é, freqüen- Isolado socialmente Inábil socialmente
temente, diferente, podendo soar de modo Independente dos pares de idade Inábil com os pares de idade
formal ou pedante. Estes indivíduos não
Interesses altamente focados Interesses altamente focados
usam expressões idiomáticas e gírias ou as
empregam equivocadamente, porque são Vocabulário avançado e sofisticado Hiperlexia
tomadas literalmente. Cognição complexa Cognição simples
São indivíduos que conhecem as capitais, Compreensão avançada Memorização avançada
bandeiras, mapas de países do mundo inteiro, repetem Fonte: Gallagher e Gallagher (2002)
listas de todo tipo de coisas (números de telefones,
dicionário, seqüências de nomes de ruas, estações Quadro 2: Comparação entre características das Altas Habilidades e da Síndrome de Asperger
de trens, cidades etc), conhecem clima, astronomia, ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO SÍNDROME DE ASPERGER
vários tipos de máquinas ou aspectos de carros, trens, Excelente rotina; compreensão relativa-
aviões e foguetes. Muitos se mostram demasiada- MEMÓRIA Memória e compreensão excelentes
mente pobre
mente atentos aos itinerários das viagens de carro Altamente focado, pode comprometer as Altamente focado, mas não necessaria-
até os 3 anos de idade. Podem, também, apresentar INTERESSE interações sociais. Se não for desafiado mente relevante do ponto de vista acadê-
pode ficar entediado mico
áreas de fascínio exagerado. Constata-se que algumas
Geralmente amplo, mas pode ser especí-
crianças mudam a área de interesse com o tempo, VOCABULÁRIO Geralmente amplo fico para a área de interesse
substituindo um interesse por outro. Noutras, o
ORGANIZAÇÃO Interesses variados podem comprometer Déficits no processamento podem com-
interesse pode persistir até a idade adulta. a organização prometer a organização
É comum ouvir da família que a criança não Pode ter menor necessidade de muitos Isolamento social devido à falta de talen-
fala, mas já sabe ler e algumas até mesmo escrevem SOCIAL
amigos to social
números e palavras desde 3 ou 4 anos de idade. FLEXIBILIDADE Perfeccionismo, justiça social, honestidade Rotinas e regras podem interferir
É importante ressaltar, contudo, que a leitura e COORDENAÇÃO Normal Dificuldades motoras
a escrita em tenra idade pode ser considerada Fonte: Assouline e Bramer (2003)
55
matriculado, à medida que as características do responsabilidade da família buscar os meios pelos para não percorrerem os mesmos caminhos já
autismo vão sendo identificadas, começa uma quais a escola se tornará inclusiva para, realmente, trilhados por você;

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades


verdadeira peregrinação familiar, representada pela contribuir com a escolarização dos alunos com altas ` Nunca desista da sua criança! Tente sempre
mudança de escolas tanto públicas como particu- habilidades/superdotação e síndrome de Asperger. e de quantas formas forem necessárias para
lares ao longo da vida, porque inúmeros argumentos explicar o problema ou a situação;
são criados para justificar a “transferência” da criança Altas Habilidades/Superdotação e ` Se alguma das suas atitudes ou decisões tomadas
daquela escola. Dificuldades de Aprendizagem para ajudar seus filhos não funcionar, não tenha
Com relação à educação dos indivíduos com dúvida, ajuste-a ou modifique-a. Não devemos
altas habilidades/superdotação com síndrome de Estudos mais recentes revelam que alunos com insistir naquilo que não dá resultado;
Asperger, é a família, particularmente a mãe, quem altas habilidades/superdotação podem apresentar ` Aceite sua criança pelo que ela é e não pelo
está conseguindo romper barreiras de maior isola- dificuldades de aprendizagem. Também sabemos que ela deveria ser;
mento que a sociedade tenta impor a estas crianças que alunos com potencial superior podem apresentar ` Procure se aprofundar em questões relacio-
e adolescentes. É a mãe, interessada no desen- Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade - nadas às dificuldades de aprendizagem e/ou
volvimento de seus filhos e filhas, quem recebe TDAH. altas habilidades/superdotação. Você pode se
o diagnóstico. Quando a avaliação e orientação Como conseqüência, a família vive situações engajar profissionalmente em educação espe-
são bem feitas, começam as rotinas de psicólogos, de grande complexidade. Por um lado, filhos são cial, na universidade ou colaborar, como volun-
fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, a fim de altamente competentes e por outro apresentam grande tário, em cursos para alunos como seu filho.
desenvolver habilidades básicas ao ser humano como fragilidade cognitiva, o que pode afetar, profunda- ` Embora você respeite o ritmo e a singularidade
a expressão do sentimento e o autoconhecimento, a mente, seu desenvolvimento emocional, em especial de seu filho, encoraje-o a estabelecer objetivos
fala e a utilização do corpo de maneira adequada. sua auto-estima. Assim, recomenda-se aos pais: acadêmicos ou pessoais a fim de vivenciar cada
Médico, apenas para os casos em que filho com ` Encontre um sistema de ajuda, que pode etapa da vida com metas e propósitos, identifi-
síndrome de Asperger apresenta, também, hiper- ser outro pai, outra mãe, amigo, parente, até cando onde devem ou querem chegar;
tensão, um quadro neurológico mais grave como mesmo um terapeuta que os ouça e que escute ` Não deixe de elogiar o esforço de seu filho
convulsões, ou outro quadro qualquer. suas angústias com relação à educação de seus superdotado que apresenta dificuldades de
A escola é a etapa seguinte, aquela em que a filhos. Estes não vêm com manual de instrução aprendizagem;
mãe se desdobra para que o filho se adapte a uma e os pais precisam encontrar quem os oriente ` Busque ocupar o tempo de seu filho com ativi-
sociedade, seja escolarizado com competência profis- sobre seus modos de ser, sentir, agir e pensar; dades, após a escola, que possibilitem a socia-
sional. Mas a escola ainda apresenta certas dificul- ` Não se sinta culpado. Procure fazer o melhor lização e o convívio com outros de sua idade.
dades para trabalhar com a diversidade extrema, ela que puder por seu filho com altas habilidades/ Busque atividades que possam transmitir a
não consegue estabelecer vínculos com sujeitos que superdotação e dificuldades de aprendizagem, sensação de prazer aos seus filhos como esco-
dependem dela, como mediadora, do seu desen- a fim de ajudar à sua criança ou adolescente. Se tismo, esportes ou clubes. Isto vai ajudar sua
volvimento. Embora vivamos em um período das você também teve uma história de percalços e criança ou adolescente a desenvolver amizades,
práticas inclusivas, em que a escola é quem tem que insucessos na escola, evite cultivar a imagem aprender como agir com outras pessoas e
se transformar para receber os alunos com neces- de que seu filho fracassará. Eles poderão ter resolver problemas com mais freqüência;
sidades educacionais especiais, ainda tem sido dificuldades, mas contam com sua experiência ` Preste atenção no que há de positivo em seu
56
filho e tente minimizar o negativo, sem deixar seu futuro. Em suas recomendações, pesquisadores do Quando Vinícius estava com 12 anos, sua
de reconhecer que ele existe. A vida de crianças campo das altas habilidades/superdotação e do talento família foi informada sobre o Projeto de Atendimento
e adolescentes com altas habilidades/superdo- sugerem que os pais e as mães conversem, debatam, a Alunos com Altas Habilidades/Superdotação, da
tação e dificuldades de aprendizagem é muito realizem tempestade de idéias sobre novas formas de Faculdade de Educação, da Universidade Federal
complexa, ambivalente e contraditória; fazer o cotidiano, pois são algumas estratégias que Fluminense, localizada na cidade de Niterói no
` Aceite que todos os esforços que você faz para podem ser usadas para estimular o desenvolvimento Estado do Rio de Janeiro. Ciente da possibilidade
ajudar seu filho são atitudes positivas que visam de seus filhos. de incluir o filho em um grupo de adolescentes
ajudá-lo a enfrentar as dificuldades. Se você é Educar é tarefa que exige envolvimento e com o mesmo diagnóstico, que eram atendidos na
positivo, sua criança ou adolescente tenderão a compromisso. Algumas horas dedicadas a conhecer Universidade, a família considerou o fato de que esta
ser positivos, também; a respeito de como e o que pensam os filhos, sejam seria a oportunidade para que seu filho tivesse acesso
` É verdade que todos erramos. Por eles crianças ou adolescentes, contribui para ativar a um ensino de alto nível. Assim, Vinícius passou a
isso aprenda a continuar. Reveja onde a capacidade de raciocínio deles. É provocá-los à fazer parte do projeto semanal de atendimento.
errou e tente de novo. É assim que nós reflexão. É ajudá-los a pensar com profundidade A família pode colaborar, também, ajudando
evoluímos; sobre suas idéias. É estimulá-los a rever seus pontos aos filhos e às filhas a encontrarem pares apropriados,
` Leve em consideração a opinião da sua criança ou de vistas. É formá-los para a autonomia, mas adultos ou estudantes, para a estimulação do desen-
adolescente com altas habilidades/superdotação também é uma oportunidade ímpar para aprender volvimento de suas altas habilidades/superdotação.
e dificuldades de aprendizagem sobre escolas e com eles. É fundamental para o desenvolvimento de novos
seus sonhos futuros. Regra geral, suas opiniões Crianças e adolescentes são dotados da talentos, o convívio com pessoas talentosas porque
revelam fatos que desconhecemos sobre a escola capacidade de ressignificar a cultura em que vivem seus aprender, conhecer e fazer exigem a presença de
onde estudam ou mostram que eles precisarão pais e suas mães. São dotados de capacidade crítica modelos. Então, a convivência com aqueles que já
de ajuda até o início da vida adulta. quanto aos valores familiares e capazes de apontar desenvolveram seus talentos em níveis superiores
as fragilidades destes valores. Ouvi-los, debater é útil para aqueles que apresentam potencialidades
Como a Família pode Ajudar no com eles, pedir-lhes sugestões para novas regras de que ainda não desabrocharam.
Desenvolvimento de seus Filhos com convívio familiar podem causar surpresas quanto à Quando chegou ao Projeto de Atendimento
Altas Habilidades/Superdotação? sua maturidade e precocidade de julgamento. a Alunos com Altas Habilidades/Superdotação,
Cabe aos pais e às mães pesquisar, fortalecer Vinícius estava interessado em egiptologia. A família
Não se pode ignorar o papel da família no desen- e ajudar na construção dos interesses de cada um de foi orientada sobre a possibilidade de realização de
volvimento dos talentos de seus membros, no encoraja- seus filhos, procurando oportunidades e recursos na estudos independentes, além de ser encaminhada
mento de características que podem exigir ações perse- própria comunidade em que vivem. Contudo, nem ao Prof. Ciro Flammarion, do Departamento de
verantes, disponibilidade de acesso e modelos próximos sempre as famílias possuem as condições materiais História da Universidade Federal Fluminense, para
que sirvam de parâmetros para a formação. Os pais e as necessárias para oferecer o que seus filhos neces- as apresentações iniciais e supervisão de estudos do
mães têm a oportunidade, a possibilidade e a respon- sitam. É aqui que a escola assume importância filho. A família acompanhou todo o progresso dos
sabilidade de interagir de modo lúdico e verbal, a fim maior, facilitando o acesso às universidades, aos estudos realizados e apoiou no que foi necessário,
de estimular positivamente as altas habilidades de suas grandes cientistas da cidade, às escolas de música, dada a pouca idade e inexperiência universitária
crianças e adolescentes, favorecendo a construção de de artes e de esportes. de Vinícius.
57
Os pais podem estimular o desenvolvi- se estão sendo seguidos, se estão sendo valori- longos exercícios de escalas, dedilhados e/ou sopro,
mento das altas habilidades/superdotação de seus zados, porque caso contrário, é preciso imple- podem dar início a belíssimas carreiras artísticas

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades


filhos lendo notícias em companhia deles, para que mentar novas estratégias; solo ou orquestral, clássica ou popular.
juntos possam comentá-las, discuti-las de modo a ` Manter contato com adolescentes porque eles Encorajar o desenvolvimento das altas
contribuir para a construção do pensamento crítico- servem de monitores para o seu pensamento, habilidades/superdotação no campo das artes, da
reflexivo. Podem, também, interpretar editoriais de pois quando avôs e avós comentem erros, o ciência, dos esportes, da política e da tecnologia é,
jornais e revistas, analisar o noticiário cotidiano, adolescente percebe, aponta e ajuda à reno- certamente, uma forma de investimento em capital
apreciar fotos sobre fatos do dia-a-dia, relembrar vação pessoal de seu ente querido, partici- social, pois várias famílias assim agindo, certamente,
notícias relacionadas a eventos complexos que se pando, assim, da vida dos avôs e avós; estarão contribuindo para a construção de uma
desdobram no tempo e avaliar a profundidade com ` Encorajar seus netos a formarem sua perso- sociedade melhor. A família de Vinícius apoiou sua
que as notícias mais recentes são veiculadas. nalidade segundo padrões éticos e de cida- escolha profissional pelo Direito. Uma escolha feita
Os avós também podem ajudar seus netos dania, como tratar as pessoas ao seu redor de desde longa data e com base em motivações e senti-
com altas habilidades/superdotação como o fizeram forma mais justa, mostrar vontade para ajudar mentos valorizados pela família.
os avós de Vinícius. Por tudo o que já viveram, pela as pessoas, ver o lado bom das coisas, dedicar Em relação à escola, a família pode colaborar
experiência de já terem criado filhos, por já terem se tempo ao que é importante, desenvolver senso no desenvolvimento do potencial do seu filho quando
distanciado dos compromissos diários que crianças e de humor saudável, colocar os seus argumentos a valorização do rendimento escolar vai além de
adolescentes requerem, os avós podem ver com mais de forma calma ou pacífica, evitar grosserias e notas ou menções elevadas. Na verdade, o bom rendi-
clareza a dinâmica da família. Eles podem avaliar ser pacientes ao lidar com as pessoas. mento escolar está mais relacionado ao processo de
o rigor das normas domésticas, o que vale a pena e aprendizagem e não, simplesmente, às notas. Estas
o que não vale insistir na relação interpessoal com Contribuição da Família para a representam um certo tipo de avaliação, um recorte
as crianças, o modo como negociar com crianças e Formação Profissional, Relaciona-
adolescentes de temperamento mais incisivo, entre mento Interpessoal e Hábitos de
muitas outras possibilidades. Estudo
Strom (2002) faz algumas recomendações úteis
a avôs e avós que têm e/ou convivem muito próximos Pais e mães que estimulam o desenvolvi-
a netos com altas habilidades/superdotação: mento dos talentos dos filhos podem estar prepa-
` Dar e procurar conselhos porque aconselhar rando-os para a escolha profissional, pois muitas
promove aprendizagem; vezes as escolhas das futuras profissões são feitas em
` Estimular a família a explorar a diversidade de função de habilidades e interesses que já se possui
idéias que podem produzir; desde a infância. Muitas vezes aquele interesse pelo
` Valorizar sempre a verdade; desenho, expresso nas inúmeras folhas de caderno
` Buscar conselhos para si mesmo, principal- rabiscadas nas beiradas ou nas longas horas na busca
mente quando não estiverem alcançando obje- do traço perfeito, dá início à longa construção das
tivos positivos na relação com netos e netas; altas habilidades/superdotação para as artes visuais.
` Buscar feedback quanto aos conselhos que dão, Também as aulas de piano ou de saxofone, com seus
58
feito pelo professor, com base em objetivos nem relacionamento interpessoal. Enfrentar o desafio e vindas, a família matriculou-o em uma escola
sempre tão valiosos. Aprendizagem significa uma de aumentar o número de amigos é tarefa de que avaliou suas competências e habilidades
mudança de atitude em relação a um conteúdo. todos da família. As famílias, portanto, podem escolares e assegurou a conclusão do ensino médio
Nem sempre os conteúdos de interesse da criança ajudar seus filhos a desenvolver relacionamentos do aluno em menor tempo. Em 2005, Vinícius foi
ou os quais ela tem mais acesso na família são interpessoais. o primeiro colocado no vestibular de Direito em
os conteúdos mais valorizados pela escola. Então, Com relação aos hábitos de estudo, nos uma reconhecida universidade federal.
como se contentar com notas apenas? deparamos tanto com alunos que estudam muito Certamente, com a ajuda da família,
Muitas vezes nascemos sem saber como para garantir bons resultados nas avaliações, Vinícius encontrou condições para o pleno
fazer amigos. Isto é coisa que se aprende e a como com os que não estudam, não têm cadernos, desenvolvimento de seu potencial. Sua família
família pode ajudar com o batizado de bonecas, não fazem as tarefas escolares e mesmo assim não se preocupou em capitalizar em cima de seus
a exposição de carrinhos, bonecos e tantos outros conseguem ter ótimos rendimentos. Vinícius não talentos, mas em atender às suas necessidades e,
brinquedos, sem falar nas seções de videogames era daqueles que passava horas a fio estudando. para isso, não poupou esforços.
ou de cinema à tarde com direito a lanche coletivo Pelo contrário, ele sempre teve suas horas de lazer
com pipoca e refrigerantes. Trazer os amigos de e de estudo. Vinícius sabia administrar bem o seu Conclusão
crianças e adolescentes com altas habilidades/ tempo e por isso nunca deixou de fazer o que
superdotação, tímidas, para dentro de casa pode gostava para estudar. Hoje estamos mais conscientes acerca da
ser o primeiro passo para a solução do problema Mas, o auge da orientação feita à família de importância da mediação social para o desenvolvi-
dos relacionamentos interpessoais e das amizades. Vinícius foi quando ele estava no segundo ano do mento do talento humano. Todavia, se estamos aqui
Se os pais e as mães são tímidos e também têm ensino médio, inscrito no vestibular para Direito. tratando de questões relacionadas às altas habili-
poucos amigos, tornam-se modelos restritos de A decisão de fazer vestibular, ainda nesta etapa dades/superdotação, o fazemos porque crianças
da educação básica, foi incentivada pela família e adolescentes mostram tendências e talentos,
que confiava em sua real capacidade de desem- primeiramente, no seio da família. Na maior parte
penho. A família recebeu então um documento, das vezes, o movimento social para o atendi-
relatando toda a trajetória de Vinícius, justifi- mento especializado ao talento é decorrente da sua
cando, legalmente, a possibilidade de aceleração expressão espontânea na família e não porque a
de estudos para concluir o ensino médio antes que sociedade tenha reconhecido sua importância.
o resultado final do vestibular fosse divulgado. Diante da necessidade de ajuda, a família
Por se tratar de aluno com necessidades busca a escola na expectativa de encontrar
educacionais especiais, apresentando altas habili- condições adequadas ao atendimento das altas
dades/superdotação, a família foi orientada a habilidades/superdotação de seu filho. A família
buscar uma avaliação de aprendizagem com vistas depende de sistemas de ensino esclarecidos e
à reclassificação de série uma vez que Vinícius desejosos de transformar práticas pedagógicas
apresentava competências plenas da Educação tradicionais e cristalizadas em concepções de
Básica, podendo, inclusive, abreviar o tempo de igualdade de desempenho, em lugares de apren-
escolaridade. Depois de muitas tentativas, de idas dizagem significativa, de prazer e alegria.
59
Quando a família recebe a orientação sobre e espiritual, têm histórias filo e ontogenética Referências
as altas habilidades/superdotação de seu filho e diferentes, têm personalidade própria, contudo,

Capítulo 3: O Papel da Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades


decide estimular o desenvolvimento deste talento, ambos interagem com filhos de forma efetiva. Alencar, E. M. S. (1986). Psicologia e
um novo cotidiano se inicia para todos os seus Segundo Freeman (2000), bons pais e mães educação do superdotado. São Paulo: EPU.
membros. Pais e mães mais conscientes podem podem incrementar o potencial de seus filhos Assouline, S. & Bramer, D. (2003). A view
redefinir os propósitos de suas vidas, em termos e filhas: of the gifted child with asperger syndrome through
de bem estar, alegria de viver, crescimento bio- (a) interagindo com eles desde o nasci- the lens of positive psychology. Iowa City, IA:
psico-sócio-espiritual mais saudável para seus mento; Connie Belin & Jacqueline Blank International
filhos. (b) provendo um ambiente de segurança para Center for Gifted Educational and Talent
Todos os bebês nascem com determinado o crescimento da criança; Development.
potencial, mas é evidente que só alguns o desen- (c) oferecendo oportunidades para a aprendi- Delou, C. M. C. (2001). Sucesso e fracasso
volvem em níveis mais elevados. No Brasil, com a zagem; escolar de alunos considerados superdotados: um
diversidade econômica e cultural do povo, não se (d) favorecendo a vivência de uma série de estudo sobre a trajetória escolar de alunos que
pode atribuir que o que determina esta diferença experiências que aumentem a motivação receberam atendimento em salas de recursos de escolas
está sempre relacionado com a qualidade do início das crianças; da rede pública de ensino. Tese de Doutorado,
da vida dos bebês. (e) fornecendo materiais pedagógicos e Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
Claro que existem famílias que estimulam instrução de alto nível e produção cria- Freeman, J. (2000). Families: The essential
os talentos de seus filhos e filhas, oferecendo- tiva, incluindo boas relações com a escola context for gifts and talents. Em K.A. Heller,
lhes brinquedos variados, dialogando, estimu- da criança; F.J. Monks, R. Sternberg & R. Subotnik (Orgs.),
lando musicalmente, oferecendo oportunidades (f ) oferecendo liberdade emocional e mate- International handbook of giftedness and talent (2a.
em que as crianças podem tirar proveito muito riais para jogar e experimentar; ed., pp. 573-585). New York: Elsevier.
positivo para o seu desenvolvimento. Contudo, (g) estimulando o pensamento criativo das Gallagher, J. J. & Gallagher, S. A. (2002).
os contrastes econômicos e sociais brasileiros crianças; Giftedness and Asperger’s syndrome: A new
mostram que, apesar da pobreza da família, baixa (h) adquirindo habilidades pedagógicas para agenda for education. Understanding Our
escolaridade de pais e mães, salários reduzidos, desenvolver os potenciais gerais e espe- Gifted, 14(2). Disponível: http://www.cec.sped.
falta de um dos genitores, do significativo número cíficos das crianças, começando pelo org/AM/TemplateRedirect.cfm?template=/
de filhos nas famílias de baixa renda, ainda assim, próprio idioma da criança e pela cultura CM/ContentDisplay.cfm&ContentID=4171
podemos encontrar crianças e adolescentes com familiar e (04/06).
altas habilidades/superdotação em famílias (i) procurando desenvolver sensibilidade para Silverman, L. K. (1993). Counseling
inteiras (Delou, 2001). os talentos de crianças muito pequenas. families. Em L. K. Silverman (Org.), Counseling
Não há dúvida de que o desenvolvimento Como bem explica Silverman (1993), the gifted and talented (pp. 151-178). Denver,
humano é complexo e que a ciência ainda não “superdotação é uma questão familiar... é uma CO: Love.
consegue responder a todas as perguntas feitas qualidade da família ao invés de uma qualidade Strom, R. D. (2000). The grandparent role
para explicá-lo. Pais e mães são diferentes entre si que diferencia a criança do resto da família” in giving and seeking advice. Parenting for High
nos aspectos intelectual, emocional, social, cultural (p. 171). Potential, 8-15.
Capítulo 4

Parceria entre Família


e Escola

Maria Clara Sodré S. Gama


62
63
ais de crianças e jovens com altas se deu conta do fato. Quando, pressionada pelos pais, áreas do desenvolvimento. Isto quer dizer: o desen-

P habilidades/superdotação, como já não pode mais negar que há algo diferente com volvimento motor, o cognitivo, o sócio-emocional

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


os pais de quaisquer crianças com aquela criança, a escola rapidamente recomenda que e o da fala, por exemplo, ocorrem paralelamente,
necessidades especiais, são marinheiros de primeira os pais busquem um terapeuta, qualquer terapeuta: de forma harmoniosa. Porém as crianças com
viagem sem bússola ou leme: esperavam por uma fonoaudiólogo, psicomotricista, psicoterapeuta, altas habilidades/superdotação têm um desenvol-
criança que poderia ser criada/educada como eles psicopedagogo, alguém que diga que, de fato, a vimento que geralmente é desarmônico: uma ou
próprios o foram, como outras crianças da família o criança precisa ser tratada por um profissional de algumas áreas se desenvolvem muito mais depressa
são, como a criançada da vizinhança o é. No entanto, fora da escola, para “curá-la” do problema. Nesse do que outras. Por exemplo, a criança que aprende
percebem desde cedo que têm, em casa, uma criança momento, se inicia um caminho de buscas, de a ler muito antes da entrada no ensino formal
que apresenta um desenvolvimento não só mais avanços e retrocessos, de promessas e desilusões. geralmente não tem a coordenação motora neces-
rápido do que aquele das outras no seu entorno, Na verdade, a essa altura, os pais já se dão conta sária para escrever: não existe uma sincronia entre
mas também entremeado de comportamentos que, de fato, a criança é diferente. Eles percebem a capacidade de compreender a linguagem escrita e
“diferentes”: falam ou andam extremamente cedo, que o apetite para aprender é imenso e o alimento, a de se expressar por meio da linguagem escrita.
aprendem a ler sem ajuda, fazem cálculos mentais pouco; que as perguntas são infinitas, e que eles Leta Hollingworth (conforme citado por
em idade ainda pré-escolar, usam palavras difíceis nem sempre têm as respostas; que a personalidade Silverman, 2002), uma das primeiras grandes
e frases complicadas, fazem perguntas intermi- da criança começa a ser afetada pelo fato de sentir- estudiosas do desenvolvimento e da educação
náveis, se interessam por assuntos estranhos, enfim, se “diferente”; que as relações com amiguinhos de crianças com altas habilidades/superdotação,
chamam a atenção de todos por serem diferentes do parecem comprometidas; e que a escola não parece acreditava que a assincronia era a característica
que se determinou chamar “normal”. Logo os pais poder ajudar. Porém a escola não só pode, como deve dominante de crianças superdotadas. Segundo a
tentam um contato com a escola para confirmar ou ajudar. É sua obrigação. Não “curando-a” de seus pesquisadora, o fato de que elas têm a inteligência
afastar a idéia de problema. problemas, mas educando-a de forma apropriada. de um adulto no corpo de uma criança certamente
Para seu alívio, o primeiro movimento da Para isso, os pais terão que se aliar à escola, para traz problemas. Estes são maiores na proporção
escola é o de negar qualquer comportamento fora do dar aos seus filhos a educação de que precisam, para inversa à idade da criança, isto é, quão menor for a
padrão. No entanto, ainda que aliviados pela negação permitir que suas habilidades encontrem caminhos
da escola, os pais seguem observando os comporta- apropriados para se desenvolver.
mentos de seus filhos, comparando-os aos de outras
crianças. E voltam as dúvidas: “Será que é normal? Questões Acadêmicas
Por que será que não brinca como os outros? Por
que será que insiste em falar difícil? Onde aprendeu Quando a educação de crianças com altas
tanta coisa? Como aprendeu a ler?”. habilidades/superdotação é considerada, uma das
Às vezes, a escola nesse momento já percebeu primeiras questões analisadas é o fato de que o
que há algo de estranho. Às vezes a escola não quer seu desenvolvimento é assincrônico. O desenvolvi-
perceber, insiste em não perceber. Outras vezes a mento das crianças, em geral, desde a sua concepção
escola tem uma criança de 2 ou 3 anos, ainda no até a fase adulta, obedece a uma série de regras, uma
Maternal, que já sabe ler, mas nenhum profissional das quais é a sincronia existente entre as diferentes
64
criança, maior será a assincronia. Com o passar do de alunos de altas habilidades/superdotação, nessa mesma idade, o que geralmente ocorre quando as
tempo, as assincronias se tornam menos marcantes parceria, são o de demanda e o de apoio - demanda crianças entram para a escola e começam a conviver
e as adaptações mais fáceis. de suplementação curricular para seus filhos, e com outras. Nesse momento, não só eles percebem
As escolas, de uma forma geral, estão prepa- apoio ao corpo docente e à administração da escola, as diferenças, mas começam a notar que os outros
radas para trabalhar com turmas homogêneas: as que se propõem a fazer as adaptações necessárias. pais desconfiam que eles passam o tempo todo
crianças têm a mesma idade e, portanto, os profis- Por outro lado, cabe à escola fazer adaptações reais, “treinando” seus filhos em casa. E não são apenas
sionais concluem que terão os mesmos ritmos de que de fato promovam uma mudança no programa os outros pais, os profissionais da escola também
aprendizagem. Assim, o currículo é planejado de tal educacional do aluno. parecem suspeitar de treinamentos sistemáticos. No
forma que o mesmo conteúdo, a mesma metodo- entanto, os pais bem sabem que as aprendizagens
logia e os mesmos materiais sejam oferecidos a todos Os Anos da Educação Infantil ocorreram sem que eles se dessem conta. A bem
os alunos, na expectativa de que todos produzam, em da verdade, muitos deles achavam normal que as
troca, os mesmos produtos, os mesmos resultados. Uma das características da criança com altas crianças perguntassem tanto, ou fossem tão rápidas
Isto parece ser a regra, desde as primeiras etapas habilidades/superdotação é a precocidade. Algumas nos seus raciocínios e nas suas aprendizagens.
da educação, tanto nas escolas públicas quanto nas andam muito cedo, falam muito cedo, aprendem a A precocidade é mais freqüentemente notada
particulares. No entanto, sabe-se que, mesmo compa- ler ou a contar em tenra idade, outros são capazes nas áreas acadêmicas - linguagem e matemática - e
rando-se crianças que não apresentam especiais de tocar instrumentos musicais antes mesmo de nas áreas artísticas - artes visuais e música. Segundo
diferenças no seu desenvolvimento, seus ritmos completar 3 ou 4 anos de idade ou de desenhar Winner (1998), a razão pela qual essas áreas atraem
individuais são diferentes. Maiores são os problemas a figura humana antes dos 3 anos. O que carac- mais as crianças pequenas pode ser porque são áreas
das crianças com necessidades educacionais especiais teriza as crianças ditas precoces é o fato de que altamente estruturadas, regidas por regras e que não
cujas diferenças são ainda mais marcantes. apresentam um desenvolvimento avançado. Além dependem de vastos conhecimentos acumulados.
Porém sabe-se também que é possível planejar, disso, apresentam um desenvolvimento que é quali- No entanto, a autora afirma que há outras áreas em
dentro de uma mesma sala de aula, adaptações curri- tativamente diferente: aprendem sem que ninguém que a precocidade tem sido identificada: xadrez,
culares que atenderão tanto as crianças mais rápidas as ensine, têm uma memória extraordinária, usam balé, ginástica, patinação, tênis, natação e teatro.
quanto aquelas que aprendem mais lentamente. vocabulário sofisticado, são extremamente curiosas Qualquer que seja a área da precocidade, é impor-
É possível oferecer uma suplementação curricular e buscam explicações para tudo. As crianças tante que as crianças participem de programas de
para aqueles que já sabem o conteúdo que os outros precoces, ao entrarem para o Maternal ou o Jardim educação infantil que reconheçam o seu avanço e
devem aprender, ou que aprendem mais rápido do de Infância, muitas vezes apresentam uma área de permitam que continuem se desenvolvendo no seu
que seus pares em idade, da mesma forma que é seu desenvolvimento que se compara ao de crianças ritmo individual.
possível fazer adaptações curriculares para aqueles dois, três ou quatro anos mais velhas. Às vezes seus Porém muitos pais optam por não dizer nada
que não têm condições de cumprir todo o conteúdo pais se dão conta da precocidade, às vezes não. Às na escola, por medo de serem taxados de preten-
no tempo determinado para seus pares. Contudo isto vezes alertam a escola, às vezes não. ciosos, exibidos, dotados de imaginação fértil, à caça
requer, sobretudo quando a escola se propõe, pela Pais de primogênitos com altas habilidades/ de privilégios para seus filhos, e assim por diante.
primeira vez, a ser inclusiva, bastante empenho de superdotação muitas vezes não se dão conta de que Assim, se calam, na expectativa - ou esperança -
seus profissionais, bem como compreensão e apoio seus filhos são mais avançados do que a média, até de que talvez seja mesmo sua imaginação ou que,
das famílias. Assim, os papéis que cabem à família que os vêem na companhia de outras crianças da aos poucos, as diferenças desapareçam. Mas elas
65
criança. As escolas têm possibilidades de avaliar a ` Antes de mais nada, reconhecer a área de
teimam em não desaparecer, especialmente criança precoce a partir das comparações entre seu precocidade;

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


quando as crianças são pequeninas, pois ainda desenvolvimento e o daquelas crianças da mesma ` Adiantar o aluno um nível, para que as dife-
desconhecem os preconceitos da sociedade e, idade. Assim, constatam as áreas em que ela renças entre o seu comportamento e o de seus
com muita naturalidade, exibem seus talentos, apresenta um desenvolvimento avançado e aquelas coleguinhas não sejam tão profundas;
suas habilidades, seu comportamento desigual. em que o desenvolvimento está dentro dos padrões ` Oferecer atividades educacionais diferentes
Foi assim que um dia, uma criança de 2 anos e da maioria. Podem também solicitar uma avaliação daquelas que são oferecidas a seus pares, na
meio estava febril, e sua professora foi à procura feita fora da escola, por especialista no assunto. área da precocidade;
da caixa de primeiros socorros para dar-lhe um A avaliação garantirá que o foco do atendimento ` Permitir que o aluno freqüente alguma aula
antitérmico. Em pé, ao lado da professora, a especializado seja nas áreas avançadas. que é normalmente oferecida para crianças
pequenina leu: “aspirina, tilenol, novalgina ...” Um erro clássico é pensar que todas as áreas mais velhas, tais como uma segunda língua ou
e sua professora levou um susto. Não tinha a de desenvolvimento devem estar sincronizadas informática, na companhia de outra turma que
menor idéia de que a menina já sabia ler. e que, uma vez que o domínio em uma área está não a sua;
Num dado momento, a família começa avançado, é necessário trabalho árduo nas outras, ` Quando a criança já lê antes do ensino formal
a perceber que a criança já não quer ir à escola. para que a criança possa apresentar um desenvol- da leitura, permitir que salte a classe em que se
Não gosta das atividades que faz lá e parece vimento harmonioso, ainda que fora dos padrões dá a alfabetização;
não ter amiguinhos. Os pais, então, buscam a da idade. Isto não é possível. Também é impossível ` Aumentar os desafios através de jogos de
escola, à procura de alguma mudança que possa “segurar” o desenvolvimento das áreas precoces, na lógica, de leitura ou outros ligados à área da
dar à criança o interesse e o prazer perdidos. Aí espera de que as outras áreas se desenvolvam. precocidade;
deve começar a negociação. O que é possível Assim, é necessário que se planejem ativi- ` Possibilitar o envolvimento de um dos pais com
fazer para mudar o programa de uma criança dades que atendam às habilidades do aluno, mas a rotina da escola, para diminuir o impacto das
precoce na Educação Infantil? que, por outro lado, dispensem outras que, em demandas que a criança com altas habilidades/
Certamente qualquer atendimento crianças com desenvolvimento típico, costumam superdotação impõe aos profissionais da escola;
especializado deve se iniciar pela avaliação da acompanhar as primeiras. É o caso da criança de ` Criar mais opções para a criança que passa o
2 ou 3 anos que lê, mas que não tem a necessária dia todo na instituição - no caso da creche/
coordenação para escrever, ou a criança que já escola - uma vez que ela tem ainda mais neces-
soma de cabeça, mas desconhece a soma armada, sidade das suplementações, por ter o contato
na forma tradicional da aritmética dos primeiros com os familiares praticamente limitado ao
anos da escolaridade formal. Ela não deve ser final de semana.
obrigada a desenvolver a coordenação motora de A parceria entre a família e a escola deve ser
uma criança mais velha, ou a utilizar as formas estabelecida por meio de contatos abertos, francos
padronizadas de expressar as contas. Aos poucos, e honestos, de modo que os dois lados tenham, em
ela desenvolverá as outras áreas. comum, o objetivo de oferecer ao pré-escolar as
Algumas estratégias que podem facilitar a melhores oportunidades de desenvolvimento de seu
suplementação curricular na Educação Infantil são: potencial, facilitando o prazer pela aprendizagem
66
e a alegria da descoberta. Para que isso se dê, é do que lê e/ou tem grande facilidade com a lógica, Alfabetização e entrou para a 1ª série aos 5 anos.
necessário que se encare a tarefa como um desafio, o que facilita o aprendizado de aritmética. Assim, Cursou a série toda com notas excelentes, embora
em que as possibilidades são infinitas e as respostas geralmente lê com grande compreensão dos textos fosse dois anos mais nova do que a grande maioria
não estão previamente definidas, mas cujo objetivo e, por ler muito e ter grande curiosidade, escreve dos seus colegas. Quando iniciou a 2ª série,
seja sempre a oferta de caminhos múltiplos para o textos com vocabulário rico e variado. Ou ainda, se perguntou à sua mãe por que tinha que aprender
desenvolvimento do aluno e de suas habilidades. o talento está especialmente na área da lógica, as de novo tudo que já havia aprendido na 1ª série. Na
quatro operações são compreendidas muito rapida- verdade, os textos eram mais difíceis e os problemas
Primeiro Segmento do Ensino mente e as atividades de matemática se tornam de matemática mais complexos, mas para ela estava
Fundamental repetitivas e desprovidas de atrativos. estudando a mesma coisa. A opção de saltar mais
De maneira geral, as adaptações que devem uma série não parecia viável. A escola tinha que
O aluno com altas habilidades/superdo- ser solicitadas às escolas se referem à aceleração e propor algo diferente - o enriquecimento.
tação com talentos especiais nas áreas acadêmicas ao enriquecimento dos conteúdos. Os programas de O enriquecimento é feito para que o aluno
- principalmente linguagem e lógica - necessita de aceleração caracterizam-se por adiantar os alunos, possa, por um lado, aprender os conteúdos em
desafios acadêmicos para que suas habilidades se fazendo-os saltar séries ou adiantar-se em apenas maior profundidade e, por outro, estudar assuntos
desenvolvam apropriadamente. Quando este aluno uma ou algumas matérias. A justificativa para a que vão além dos determinados no currículo regular.
participa de ambientes acadêmicos em que não aceleração é o fato de que o aluno já sabe todo o O enriquecimento exige dos professores e demais
há desafios apropriados, ele se habitua a aprender conteúdo que será dado naquela série, ou naquela profissionais da escola uma habilidade maior - a
pouco e desiste da possibilidade de aprender mais matéria específica. A opção de saltar séries põe de diversificar as atividades dentro da própria sala
e de se superar (Rogers, 2002). É importantíssimo menos demanda na escola, ficando a responsabi- de aula. Como os alunos com talentos acadêmicos
que a família busque ambientes onde possam ocorrer lidade de adaptar-se a um conteúdo mais complexo geralmente têm muita habilidade na leitura, essas
verdadeiras aprendizagens e aprofundamentos, em todas as matérias entregue ao aluno. Porém suplementações são freqüentemente feitas em
especialmente nas áreas de talento. Para isso, as existe um limite quanto ao número de séries que um estudos sociais, ciências ou literatura, por meio de
bases da parceria entre família e escola devem ser aluno deve ou pode saltar: por vezes, é necessário estudos independentes de assuntos do interesse dos
fortalecidas a partir do momento em que o aluno evitar problemas que advêm da convivência com alunos. Cabe ao profissional selecionar os textos, em
inicia sua trajetória na escola formal. pares extremamente mais velhos. Quando o aluno nível de leitura compatível com a habilidade do aluno
Uma vez iniciada a educação formal, impor- apenas se adianta em uma matéria, por exemplo, em questão, e planejar atividades que o aluno possa
tantes adaptações são necessárias. Essencialmente, a matemática, ele pode estar na 3ª série, cursando fazer de forma independente ou semi-indepen-
durante o primeiro segmento do Ensino matemática com a turma de 4ª ou 5ª série. Para que dente, enquanto a turma se ocupa com atividades
Fundamental, ou seja, o período de 1ª à 4ª série, os isto seja feito, a escola necessita organizar as turmas demasiadamente fáceis e desprovidas de desafios
alunos aprendem a ler e escrever, a cada ano de forma de tal forma que haja coincidência de horários de para ele. As trocas entre escola e família auxiliam
um pouco mais complexa, e as quatro operações matemática de 3ª e de 4ª ou 5ª séries. Não é um na busca por assuntos de interesse do aluno e no
aritméticas. Fora isso, aprendem um pouco de problema de difícil solução. monitoramento do seu empenho e aproveitamento.
ciências, estudos sociais e projetos específicos de Certa vez, uma menina precoce, com talentos Outra adaptação viável é a substituição de
cada escola. O aluno com talentos acadêmicos tem acadêmicos, por saber ler e escrever com grande aulas com conteúdos que os alunos já dominam por
grande facilidade para ler e entender o conteúdo competência, saltou o Jardim III e a Classe de aulas de outras matérias, oferecidas em séries mais
67
adiantadas. É o caso das aulas de segundo idioma sitos para isso são o interesse em especializar-se e meio de estudo independente, por interesse próprio,
ou de informática, muitas vezes oferecidas apenas a existência de um profissional da área que queira ou ainda quando cursou a matéria fora da escola,

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


no segundo segmento do Ensino Fundamental. Se ajudá-lo a explorar os limites do conhecimento. como é o caso das línguas estrangeiras. Obtendo
o aluno já provou que domina o conteúdo da aula de Segundo Jerome Bruner (1976), psicólogo da bons resultados nas provas, o aluno pode prosseguir
português, por exemplo, nada impede que, no horário Universidade de Harvard especializado em apren- para níveis mais avançados do que aquele em que
em que sua turma está ocupada com exercícios ou dizagem, “toda idéia, problema ou conjunto de seus colegas se encontram.
explicações, ele faça aula de inglês ou outro idioma conhecimentos pode ser suficientemente simpli- Quanto ao enriquecimento, cabe aos profes-
com turmas dois ou três anos à sua frente. Para os ficada para ser entendida por qualquer estudante” sores das matérias em que o aluno demonstra
alunos mais interessados nas exatas, a possibilidade (p. 51). De acordo com ele, qualquer assunto pode maior habilidade e/ou maior interesse oferecer
de vir a estudar ciências em turma mais avançada ser traduzido em termos simples para ser compre- conteúdos para serem estudados de forma indepen-
pode ser muito proveitosa do ponto de vista do aluno, endido por crianças. Isto ainda é mais verdadeiro dente ou semi-independente. O aluno pode
sem grandes problemas para a escola. quando se trata de crianças ou pré-adolescentes estudar na própria sala de aula, em outro espaço
com altas habilidades/superdotação particularmente da escola ou ainda em casa. A parceria entre a
Segundo Segmento do Ensino interessados em um determinado assunto. Bruner escola e os pais é fundamental para proporcionar
Fundamental prossegue dizendo: ao aluno o incentivo e os meios necessários para
Consiste a instrução em conduzir o estudante que ele proceda da forma mais eficiente possível
A entrada no segundo segmento do ensino ao longo de uma seqüência de proposições e com seus estudos.
fundamental significa o início do trabalho acadêmico confirmações, de um problema ou conjunto de
com especialistas. A partir da 5ª série, os alunos conhecimentos, que aumentem a sua aptidão para Ensino Médio
trabalham com profissionais que são formados compreender, transformar e transferir o assunto em
em suas áreas específicas de atuação: o professor estudo. Em resumo, a seqüência em que um aluno O aluno com altas habilidades/superdotação,
de matemática, em matemática; o professor de recebe a matéria de um campo de conhecimento que chega ao Ensino Médio tendo freqüentado
português, em letras; o professor de ciências, em influi na facilidade de compreensão (p. 55). uma escola que lhe proporcionava suplementações
biologia, física ou química, e assim por diante. Esta No segundo segmento, as possibilidades curriculares, normalmente está habituado a buscar
mudança é extremamente significativa para os são muitas, portanto os pais devem participar das os assuntos que lhe interessam e a trabalhar de
alunos com altas habilidades/superdotação. A partir decisões sobre o programa educacional de seus forma independente. Por outro lado, muitas vezes
desse momento, eles poderão trabalhar diretamente filhos para garantir que as modificações trarão, ao já cumpriu parte do conteúdo deste nível de ensino
com profissionais que conhecem suas matérias em mesmo tempo, novas possibilidades de aprendi- por meio de acelerações oferecidas durante o Ensino
muito maior profundidade do que os professores zagem, porém em seqüências lógicas que permitirão Fundamental. Assim, as suplementações deverão
do primeiro segmento, formados em cursos de nível que eles avancem de fato nos seus conhecimentos. oferecer aprendizagens em níveis ainda mais altos.
médio de formação de professores ou em cursos de As possibilidades novamente incluem aceleração e Nos dois primeiros anos do Ensino Médio,
pedagogia, nos quais maior ênfase é dada às teorias de enriquecimento. a aceleração pode significar cumprir os conteúdos
educação e de aprendizagem. Quanto à aceleração, o aluno pode prestar as típicos de 3º ano. É preciso que não se faça o aluno,
Na verdade, os alunos podem se especializar provas finais de algumas matérias sem ter que cursá- que foi avançado durante vários anos de sua escola-
em diversos assuntos, sendo que os únicos requi- las. Isto é possível quando o aluno aprendeu por ridade, esperar pela turma, para cumprir o tempo
68
de escola, quando o conteúdo já está mais do que de ensino/aprendizagem bastante antiga, existente desejam se engajar em um número desproporcional-
cumprido. A percepção que os alunos com altas na mitologia grega: mente grande de atividades. Com isso, a formação
habilidades/superdotação têm do ambiente de A relação entre Mentor e Telêmaco preserva, profissional muitas vezes esbarra em experiências
aprendizagem geram grande impacto sobre os seus sob a forma de mito, um dos mais antigos modelos iniciadas e jamais terminadas. O trabalho com um
resultados acadêmicos; pesquisas indicam que é de instrução que conhecemos. A deusa Atena mentor e a participação em programas de parcerias
freqüente o desinteresse de alunos com altas habili- assume a forma de Mentor e acompanha Telêmaco com universidades são algumas das experiências
dades/superdotação quando o ambiente de estudos na sua busca por Odisseu, depois da Guerra de que podem ajudar esses jovens a eliminar algumas
é pouco estimulante (Siegle & McCoach, 2002). Tróia. A intervenção de Atena pode ser vista como opções e focalizar outras, o que torna a escolha mais
Quanto ao enriquecimento, este dependerá representativa de um espírito divino que entra no objetiva e producente.
mais do que nunca de professores que possam relacionamento professor/aluno sob condições
avançar os alunos, recomendando estudos indepen- favoráveis. O nome de Mentor passou a significar um Questões Emocionais
dentes para além dos conteúdos típicos da escola. conselheiro sábio e confiável que oferece orientação
Isto pode ser feito por meio da dedicação de profes- e instrução individual para um jovem protegido seu. As emoções fornecem informações sobre
sores da própria escola, que proporão assuntos mais Sócrates foi o mentor de Platão, Aristóteles o de o impacto e a relevância das experiências de uma
complexos e atividades de pesquisa e produção, bem Alexandre, o Grande. (Cox, Danile & Boston, 1985, pessoa sobre ela mesma, isto é, o que é desejado,
como de oportunidades que ultrapassem as paredes p. 59) valorizado, querido ou necessitado por uma pessoa
da própria escola. Cox e colaboradores (1985) apontam a relação (Keiley, 2002). São, portanto, cruciais nos processos
Assim, a parceria das famílias com a escola com o mentor como aquela na qual o aluno trabalha de tomada de decisão. Até muito recentemente, os
deve se estender para englobar a parceria com com um indivíduo que lhe oferece um modelo fora estudos sobre superdotação apenas focalizavam os
outras instituições, tais como universidades, centros da sala de aula e do lar. Na verdade, segundo os desenvolvimentos acadêmico e social dos alunos
de pesquisas e institutos superiores de estudos, dos autores, trata-se de um modelo de educação com com altas habilidades/superdotação. Recentemente,
quais o Instituto de Matemática Pura e Aplicada excelentes resultados, especialmente para alunos porém, algumas pesquisas têm buscado identificar
(IMPA) é apenas um exemplo. Alguns pais e cujas necessidades não podem ser satisfeitas na sala as características emocionais destes alunos.
familiares estão em posição de poder ajudar a escola de aula regular. Neste modelo, o estudante observa Alguns estudos indicam que crianças e
no estabelecimento de tais parcerias. Por meio delas, e trabalha junto a um adulto em alguma atividade jovens com altas habilidades/superdotação são
professores ou pesquisadores tomam para si a tarefa do mundo real - um laboratório, um escritório ou altamente motivados, bem ajustados, socialmente
de auxiliar o aluno com altas habilidades/superdo- qualquer outra atividade profissional que possibilite maduros, abertos a novas experiências, indepen-
tação e, com isso, possibilitam o descortinar de novos que o aluno/aprendiz tenha uma experiência prática dentes e possuidores de autoconceito positivo e
conhecimentos e, quem sabe, de novas fronteiras. O ao mesmo tempo em que aprende com um especia- de altos níveis de tolerância em relação a ambigüi-
caminho do estudo individualizado, com um mentor, lista. dades. Outros estudos, no entanto, revelam que
permite que os alunos iniciem um trabalho sério em Um problema que afeta uma quantidade essas crianças e jovens são mais vulneráveis a
determinados assuntos tais como matemática, física, de jovens com altas habilidades/superdotação é a dificuldades sociais e emocionais relacionadas
química, biologia, ou mesmo literatura, história ou indecisão profissional. Por serem capazes em várias com a questão das altas habilidades/superdotação.
filosofia. Cox, Daniel e Boston (1985) lembram que áreas de produção humana e por terem uma curio- (Keiley, 2002). Na verdade, quanto mais altos os
a relação entre o mentor e o aprendiz é uma relação sidade extraordinária e um interesse sem limites, níveis de superdotação, maiores parecem ser os
69
riscos de desenvolvimento de comportamentos de frustração quando são capazes de entender intelec- árduo leva a produções excelentes. O perfeccio-
isolamento, que podem ser precursores de depressão tualmente a natureza e a gravidade de injustiças nismo que leva uma pessoa a refazer até chegar a

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


e ansiedade. No entanto, embora para muitos a busca pessoais ou globais, sendo, no entanto, totalmente uma solução bem sucedida é muito positivo; o que
pelo isolamento seja um comportamento negativo, incapazes de agir para evitá-las (Neihart, 2002). é negativo é o perfeccionismo que leva à paralisia,
Winnicott (1990), psicanalista britânico, acredita Na parceria entre os pais de alunos com altas negação, ansiedade e fracasso. Um menino de 6
que ela pode ser muito positiva: “a capacidade de habilidades/superdotação e a escola, é necessário que anos, depois de testes de habilidades acadêmicas
ficar só é um fenômeno altamente sofisticado e tem se discutam as questões emocionais dos alunos: o que que indicavam a sua capacidade para entrar na 2ª
muitos fatores contribuintes. Está intimamente fazer com relação ao possível isolamento, ao perfec- série, foi matriculado na 1ª série por ser considerado
relacionada com a maturidade emocional” (p. 37). cionismo e à grande sensibilidade deles, sobretudo no muito jovem pela escola. Por ter mais conhecimentos
O perfeccionismo é outra questão considerada que diz respeito a questões de justiça e moral. do que seus colegas quanto aos conteúdos da série,
quando se trata do desenvolvimento emocional da Em primeiro lugar, é necessário que ambas freqüentemente tirava nota máxima nos trabalhos e
criança e do jovem com altas habilidades/superdo- as partes entendam que estes alunos têm interesses provas. Uma vez, ao acertar 95% de uma prova, sua
tação. Schuler (2002) acredita que o perfeccionismo extremamente diferentes daqueles de seus pares em professora escreveu: “95%, que pena!” O que queria
é uma combinação de pensamentos e comporta- idade. Isto significa que muitas vezes o isolamento ela dizer com isso? Acreditava que ele deveria sempre
mentos geralmente associados com altas expecta- se dá pela falta total de pares com quem conversar acertar 100% das questões? Que escola mantém um
tivas para o desempenho individual. As pesquisas sobre assuntos de seu interesse. A existência de pares aluno em um nível cuja expectativa é que já saiba
e os estudos clínicos com crianças e jovens com com interesses semelhantes certamente funcionará todo o conteúdo? E o que dizer do impacto da
altas habilidades/superdotação concluiram que: (a) como elemento preventivo de eventuais depressões. decepção da professora sobre o aluno em busca de
indivíduos com altas habilidades/superdotação são, Assim, a busca por pares intelectuais parece ser um perfeccionismo impossível? Enquanto a busca
como grupo, caracterizados pelo perfeccionismo; prioritária, não apenas por questões intelectuais, mas da excelência deve ser sempre apreciada, é neces-
(b) eles parecem ser mais perfeccionistas do que também, por questões emocionais. É imprescindível, sário que os adultos significativos na vida dos alunos
seus pares com capacidades medianas e (c) o seu portanto, que os alunos disponham de tempo com concordem que o erro é saudável e representa um
perfeccionismo parece ser uma força positiva nos outros com quem dividam os mesmos interesses, caminho para novas aprendizagens.
resultados acadêmicos superiores. Segundo Schuler, paixões e habilidades, tanto na escola como fora Quanto à preocupação com questões de
geralmente o perfeccionismo é visto como um traço dela. Profissionais e familiares devem promover justiça e moral, é preciso que os alunos sejam
pouco saudável. No entanto, é possível ver o perfec- espaços variados onde os alunos possam trocar, levados a perceber que necessitam diferenciar os
cionismo como uma força extrema - capaz tanto de com outros, os diferentes interesses que possam problemas que estão ao seu alcance para serem
provocar uma frustração intensa seguida de paralisia, eventualmente ter em comum. resolvidos daqueles que estão muito além de suas
quanto de provocar uma satisfação intensa seguida Quanto ao perfeccionismo, é necessário possibilidades. Com isso, poderão canalizar suas
de contribuição criativa, dependendo de como se que tanto os profissionais da escola quanto os energias para resolver problemas relacionados a
lida com ela. pais demonstrem a valorização da excelência sem, injustiças praticadas com pessoas no seu entorno,
Outra questão relevante é a grande sensibi- contudo, a cobrança da perfeição. Isto significa por exemplo, mudando práticas estabelecidas no
lidade de alunos com altas habilidades/superdotação não ridicularizar o perfeccionismo, nem tampouco lar, na escola, na sua comunidade, etc. Certa vez,
com relação a injustiças sociais, perdas pessoais, incentivá-lo desmedidamente. O perfeccionismo uma aluna do segundo segmento do Fundamental
rejeições etc. Estes alunos demonstram grande em si não é negativo, uma vez que apenas o trabalho demonstrou bastante desconforto com uma regra
70
de sua escola, que indica um aluno de cada turma o aluno não é devidamente acelerado para receber a escola, outras famílias com situações semelhantes.
para ser encarregado de verificar se todos os alunos educação de que necessita, com pares intelectuais. E À escola, nem sempre ocorre que isto seja uma
fazem as tarefas de casa. Segundo ela, com isso o o grande problema do isolamento social é que, por necessidade do aluno. Quando todos os alunos do
colégio incentiva o “dedo duro”. Conversamos sobre vezes, conduz à depressão. grupo possuem potencial elevado, possivelmente é o
o assunto e, ao final, ela decidiu que, por meio de Um ponto interessante a ser considerado único grupo no qual esses alunos podem estar com
sua participação no grêmio da escola, tentaria abolir é a visão do aluno com relação ao isolamento pares intelectuais de sua faixa etária. Isto significa
a função. Sua angústia transformou-se, assim, em social. Pesquisas indicam que diferentes grupos de que eles têm prazer de estar juntos, por comparti-
energia produtiva. alunos com altas habilidades/superdotação inter- lharem assuntos em comum, desfrutarem de ativi-
Em síntese, os problemas emocionais dos pretam o isolamento social de diferentes maneiras. dades sociais apropriadas para todos e por serem da
alunos com altas habilidades/superdotação são geral- Enquanto alguns grupos consideram o isolamento mesma idade. Isto nem sempre acontece quando a
mente conseqüência de situações mal conduzidas. como negativo, muitos não o vêem como negativo única opção para os alunos é estar na companhia de
Assim, se for possível ajudá-los a encontrar pares de todo e consideram que o isolamento é extrema- outros mais velhos com os quais dividem interesses,
intelectuais e a ter prazer nas suas aprendizagens e mente positivo, pois permite o trabalho indepen- porém não acompanham nas atividades sociais.
nos seus desempenhos, se as suas produções forem dente e criativo. Uma aluna de 5ª série buscava Assim, cabe aos pais organizar, em parceria
valorizadas tanto pela família quanto pela escola e sempre a biblioteca da escola durante o recreio. A com a escola, encontros com famílias de outros
se puderem canalizar suas energias para as áreas de escola considerava seu comportamento esquisito, alunos com as mesmas necessidades e criar algum
talento, certamente será possível evitar problemas inapropriado. Quando perguntaram à aluna porque tipo de “grupo de apoio”. Tal grupo tem duas
emocionais e alcançar o desenvolvimento da paixão não gostava de estar com seus colegas durante o funções, especificamente: ser um espaço onde os pais
por aprender, o progresso em áreas de talento, a tempo livre, ela respondeu que o recreio no pátio possam se encontrar e trocar informações, dúvidas
produção criativa e a celebração de conquistas significava estar num lugar extremamente quente e e sugestões, bem como planejar atividades para os
(Schuler, 2002). barulhento, onde os alunos corriam de um lado para alunos, tanto acadêmicas quanto extracurriculares.
o outro ou jogavam bola. Ela adorava ler e sentia Clubes de livros, de xadrez ou, ainda, de matemática
Questões Sociais que devia aproveitar o momento para ler um bom ou de música são algumas das opções de atividades
livro, ao invés de fazer algo de que realmente não que podem ser organizadas nos espaços da escola,
O desenvolvimento assincrônico de crianças gostava. Não estava isolada. Estava apenas fazendo com o apoio de pais que tenham interesse e tempo
e jovens com altas habilidades/superdotação é uma atividade de sua escolha, de natureza essencial- para dispor e a concordância da escola. A oferta,
uma possível causa de desajustes sociais. Estes mente individual. pelos pais, de auxílio na organização e manutenção
ocorrem pelo fato dos alunos estarem sempre fora A escola normalmente oferece pares em de tais atividades, reforça a parceria com a escola.
do compasso em seu contexto social: quando são idade, que são excelentes companheiros para as
agrupados com pares da mesma idade, estão fora crianças com desenvolvimento dentro dos padrões Questões Administrativas
de compasso em termos cognitivos; quando são da normalidade. Porém os alunos com altas habili-
agrupados com pares intelectuais, estão fora de dades/superdotação necessitam estar, pelo menos por A escola, como qualquer organização, possui
compasso em termos sociais. Este descompasso por alguns períodos no dia ou na semana, na companhia um conjunto de normas e regras que regulam a
vezes leva ao isolamento social. O isolamento social de outros alunos com altas habilidades/superdotação. sua atividade, impondo limites e estabelecendo
ocorre com bastante freqüência justamente quando Para que isso se concretize, a família deve buscar, na direitos e deveres, isto se chama Regimento
71
Escolar. O regimento, como documento adminis- Espanha. Do documento originado nas duas decla- Com relação aos objetivos gerais e especí-
trativo e normativo, fundamenta-se nos propó- rações, cabe aqui ressaltar um trecho: ficos da educação escolar, estes são definidos em

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


sitos, princípios e diretrizes definidos na proposta Os administradores locais e os diretores de capítulos do regimento que tratam especificamente
pedagógica da escola, na legislação geral do país e estabelecimentos escolares devem ser convidados dos fins e objetivos do estabelecimento; entre eles, é
na legislação educacional. A parceria entre a família a criar procedimentos mais flexíveis de gestão, a importante verificar os que se referem aos conselhos
e a escola deve se fundamentar no regimento escolar, remanejar os recursos pedagógicos, diversificar as de classe, à associação de pais e mestres, à coorde-
quer garantindo que os direitos dos alunos com altas opções educativas, estabelecer relações com pais e a nação pedagógica e aos espaços de multimeios, tais
habilidades/superdotação definidos no regimento comunidade. (conforme citado em Brasil, 2001, p. 18) como biblioteca, laboratórios etc. O conselho de
sejam assegurados, quer propondo modificações em Quando a escola já optou por uma educação classe visa aprofundar o conhecimento sobre cada
seu texto, para que o documento venha a espelhar inclusiva e dispõe de programa para alunos com altas educando, com o objetivo de aperfeiçoar o processo
direitos conquistados pelos aprendizes com necessi- habilidades/superdotação, as questões administra- de forma individualizada. Se cabe aos conselhos
dades educacionais especiais por meio da legislação tivas demandam menor empenho dos pais que, via aperfeiçoar o processo educativo de cada aluno
do país - geral e educacional. de regra, podem apoiar integralmente o que já existe de acordo com suas especificidades, certamente o
Dois princípios devem guiar todas as ações ou solicitar apenas pequenos ajustes. Maiores são as reconhecimento das altas habilidades/superdotação
que caracterizam o atendimento especializado a questões quando a escola não tem qualquer tipo de é uma questão importante. Além disso, caberão
alunos com altas habilidades/superdotação. Um programa especial e os pais exigem que sejam feitas por vezes ao conselho as decisões que envolvem a
está definido na legislação geral do país e o outro, adaptações que acomodem as necessidades de seus aceleração dos estudos. Convém aos pais conhecer
na legislação educacional. O primeiro está expresso filhos. Nessas situações, a parceria entre pais e escola a extensão da ação do conselho e de seus membros.
no Título VII, Art. 208, inciso V da Constituição, passará, necessariamente, por sugestões de mudanças A associação de pais e mestres, que visa a melhoria
que institui o “acesso aos níveis mais elevados do estruturais na maneira como a escola é gerenciada, ou constante do processo educativo e do bem-estar dos
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a seja, pela revisão de seu regimento escolar. educandos, é essencialmente um órgão de integração
capacidade de cada um” (conforme mencionado em Em geral, fazem parte do regimento escolar: comunitária. Está, de certa forma, no centro da
Brasil, 2001, p. 10) e o segundo, na Lei nº 9.394/96, (a) identificação e caracterização da escola; parceria entre os pais e a escola, e deve ser o espaço
que estabelece as diretrizes e bases da educação (b) objetivos gerais e específicos da educação principal das propostas e das discussões relativas
nacional, no seu Artigo 59: “Os sistemas de ensino escolar; às necessidades dos alunos. Quanto à coordenação
assegurarão aos educandos com necessidades (c) gestão administrativa e normas de convi- pedagógica, muitas das questões acadêmicas dos
especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos vência; alunos com altas habilidades/superdotação devem
educativos e organização específicos, para atender (d) processo de avaliação; ser discutidas com a coordenação pedagógica, por
às suas necessidades” (conforme mencionado em (e) organização e desenvolvimento do ensino e exemplo, os programas de aceleração e de trabalho
Brasil, 2001, p. 12). (f ) organização da vida escolar. Os direitos com mentores. Finalmente, os espaços de multi-
O Brasil optou pela construção de sistema dos alunos com altas habilidades/superdo- meios são freqüentemente palco das suplementações
educacional inclusivo quando concordou com a tação passam, sobretudo, pelos objetivos da curriculares oferecidas aos alunos mais capazes: os
Declaração Mundial de Educação para Todos, educação escolar, pelo processo de avaliação, estudos independentes, por exemplo, são muitas
firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e com pela organização e desenvolvimento do vezes desenvolvidos em bibliotecas, laboratórios de
a Declaração de Salamanca, firmada em 1994, na ensino e pela organização da vida escolar. ciências e laboratórios de informática.
72
Com referência ao processo de avaliação, o cular, uma vez que os temas serão aprofundados gistas, nadadores olímpicos e tenistas campeões. Os
regimento escolar costuma ser minucioso quanto e/ou expandidos, para acomodar os interesses dos resultados de sua pesquisa indicaram que, quaisquer
à verificação do rendimento escolar, o que envolve alunos. Quanto ao plano escolar, este geralmente que sejam as características identificadas inicialmente
as formas de avaliação, as regras de promoção e define a caracterização da clientela, com suas poten- em crianças superdotadas, se não houver um processo
a compensação de ausências. O aluno com altas cialidades, necessidades e aspirações; define também intensivo de encorajamento, educação, cuidado e
habilidades/superdotação requer formas diversas critérios de adaptação pedagógica e aproveitamento treinamento, elas não atingirão os níveis mais altos
de avaliação de seu rendimento escolar, que vão de orientação de estudos. Com relação ao plano de produção em suas áreas específicas de talento.
desde exames de conhecimento dos conteúdos de de curso, estão aí definidos os objetivos gerais e Bloom identificou algumas características
uma matéria ou série no início do ano, para facilitar específicos do currículo, a carga horária, os critérios apresentadas por todas as pessoas estudadas:
a aceleração e o enriquecimento, até documentos e procedimentos de acompanhamento, avaliação ` Interesse e dedicação extremos com relação à
externos à escola que comprovem o conheci- e promoção, o calendário específico do curso e os área de talento;
mento dos alunos em determinados conteúdos, projetos especiais. O importante é que ambos os ` Desejo de atingir os níveis mais altos na área
tais como os diplomas de línguas estrangeiras. As planos permitam adaptações, necessárias de acordo específica de talento;
questões que dizem respeito à possibilidade de com a definição da clientela. ` Vontade de empenhar grande quantidade de
saltar séries na totalidade ou em algumas matérias Quanto à organização da vida escolar, os tempo e esforço para atingir os níveis mais
também devem ser contempladas no regimento, principais pontos de interesse para a parceria dizem altos em sua área de talento.
uma vez que esta é uma das adaptações possíveis respeito aos direitos e deveres dos alunos e de seus Segundo ele, se essas atitudes fossem mais
para esses alunos. Finalmente, quando os alunos pais. É necessário garantir que os direitos dos alunos regularmente incentivadas e aprendidas tanto
estão engajados em trabalhos com mentores ou com altas habilidades/superdotação e de seus pais em casa quanto com professores e com pares, um
em cursos fora da escola, é necessário garantir que não estejam apenas definidos em leis, resoluções número maior de jovens poderia atingir níveis de
as ausências serão compensadas e não implicarão ou políticas públicas nacionais, mas também nos excelência. Bloom (1985) acredita que essas atitudes
reprovação do aluno. regimentos. É preciso que se diminua a resistência são mais facilmente aprendidas “se forem valori-
A organização e desenvolvimento do ensino das escolas. Isto depende essencialmente dos pais, zadas no ambiente mais próximo do indivíduo, pois
incluem níveis e modalidades de ensino, fins que devem lançar as bases para uma parceria robusta raramente se desenvolvem quando as pessoas signi-
e objetivos dos cursos, duração e carga horária que facilite o reconhecimento das potencialidades ficativas no ambiente do aluno desestimulam ou
mínimas, critérios de organização e composição dos alunos e permita um planejamento que atenda caçoam das mesmas” (p. 545).
curriculares, a proposta pedagógica, o plano escolar a todas as suas necessidades educacionais. Certamente existem muitas razões pelas quais
e o plano de curso. A duração e carga horária a família e a escola devem desenvolver parcerias na
mínimas devem ser flexíveis, sobretudo para aqueles Conclusão educação do aluno com altas habilidades/superdo-
alunos que são acelerados e, portanto, cumprem as tação. O fato de que alunos talentosos necessitam de
exigências da matéria e/ou da série em menor tempo. Em 1985, Benjamin Bloom apresentou incentivo e valorização é apenas uma delas. Outras
Os critérios de organização e composição curri- pesquisa que desenvolveu durante quatro anos com razões são:
cular devem ser ajustados, permitindo a expansão cento e vinte jovens extremamente bem sucedidos ` Se a paternidade traz imensas e variadas respon-
dos currículos, em especial para aqueles alunos que nas suas áreas de ação. Os participantes do estudo sabilidades para os pais, ser pai ou mãe de uma
participam de programas de enriquecimento curri- incluíam pianistas, escultores, matemáticos, neurolo- criança com altas habilidades/superdotação é
73
uma responsabilidade ainda maior, que pode os materiais de educação, os profissionais da Keiley, M. K. (2002). Affect regulation and
ser causa de tremendo estresse e grande escola podem ser aliados dos pais nas suges- the gifted. Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M.

Capítulo 4: Parceria entre Família e Escola


pressão sobre os pais. Dividir a responsabili- tões de oportunidades educativas apropriadas Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The social and
dade com a escola diminui a pressão e, conse- para os alunos com altas habilidades/superdo- emotional development of gifted children. What do
qüentemente, diminui o estresse e aumenta a tação. É o conhecimento dos especialistas à we know? (pp.41-50). Washington, DC: Prufrock
eficiência da tarefa; disposição das famílias; Press.
` O aluno com altas habilidades/superdotação ` Finalmente, as escolas que criam atendimentos Neihart, M. (2002). Gifted children and
necessita de uma pessoa altamente interessada especializados podem contar com o apoio que depression. Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M.
que o ajude na busca da melhor educação, os pais se dão uns aos outros. o que diminui as Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The social and
aquela que permitirá que ele atinja os mais ansiedades e aumenta o conhecimento espe- emotional development of gifted children. What do
altos níveis de especialização que seu poten- cífico sobre o desenvolvimento e a educação we know? (93-102). Washington, DC: Prufrock
cial lhe permite. Ninguém melhor do que os de superdotados. Os benefícios serão sentidos Press.
pais para fazer o papel de intermediário entre por todos - pais, profissionais e alunos. Rogers, K. B. (2002). Effects of acceler-
o aluno e sua aprendizagem escolar; ation on gifted learners. Em M. Neihart, S. M.
` Por conhecerem muito bem seus filhos, os pais Referências Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The
são aqueles que melhor identificam os alunos social and emotional development of gifted children.
com altas habilidades/superdotação. Numa Bloom, B. S. (1985). Developing talent in What do we know? (pp. 3-12). Washington, DC:
parceria baseada na confiança e no respeito young people. New York: Ballantine Books. Prufrock Press.
mútuo, a escola ganha por ter o conhecimento Brasil. (2001). Diretrizes nacionais para Schuler, P. (2002). Perfectionism in gifted
dos pais a seu serviço; a educação especial na Educação Básica. Brasília: children and adolescents. Em M. Neihart, S. M.
` Os pais geralmente conhecem muito bem seus Secretaria de Educação Especial/Ministério da Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The
filhos: seus interesses, suas habilidades, seus Educação. social and emotional development of gifted children.
limites e suas necessidades. Assim, na parceria Bruner, J. S. (1976). Uma nova teoria de What do we know? (pp.71-80). Washington, DC:
da família com a escola, o maior beneficiário aprendizagem (4ª. ed.). Rio de Janeiro: Bloch Prufrock Press.
será o aluno, que verá seus objetivos facilitados Editores. Silverman, L. K. (2002). Asynchronous
pelo meio ambiente - tanto escolar quanto Cox, J., Danile, N. & Boston, B. O. (1985). development. Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M.
extracurricular; Educating able learners: Programs and promising Robinson & S. M. Moon (Orgs.), The social and
` Os pais têm o direito de esperar a ajuda e as practices. Austin, TX: University of Texas Press. emotional development of gifted children. What do
adaptações da escola na suplementação curri- Siegle, D. & McCoach, D. B. (2002). we know? (pp. 31-40) Washington, DC: Prufrock
cular para seus filhos com altas habilidades/ Promoting a positive achievement attitude with Press.
superdotação. Num ambiente de troca, de gifted and talented students. Em M. Neihart, Winner, E. (1998). Crianças superdotadas.
confiança e de parceria, as expectativas e as S. M. Reis, N. M. Robinson & S. M. Moon Mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed.
responsabilidades são repartidas e, portanto, (Orgs.), The social and emotional development of Winnicott, D. W. (1990). O ambiente e os
os objetivos são atingidos mais facilmente; gifted children. What do we know? (pp.237-250). processos de maturação (3ª. ed.). Porto Alegre:
` Por conhecerem as teorias, as metodologias e Washington, DC: Prufrock Press. Artes Médicas.
SOBRE AS AUTORAS

Cristiana de Campos Aspesi é psicóloga Superdotação (biênio 2005/2006).


com formação na área clínica e educacional. Maria Auxiliadora Dessen é doutora
É mestre em Psicologia pela Universidade de em Psicologia, com pós-doutoramento pela
Brasília e psicóloga do programa de atendi- Universidade de Lancaster, Ingla-terra, e pelo
mento ao aluno com altas habilidades/superdo- Instituto Max Planck para o Desenvolvimento
tação da Secretaria de Estado de Educação do Humano, na Alemanha. É professora da
Distrito Federal. Universidade de Brasília e pesquisadora do
Cristina Maria Carvalho Delou é Conselho Nacional de Desenvolvimento
psicóloga, especialista, mestre e doutora em Científico e Tecnológico (CNPq).
Educação. É também professora da Faculdade de Maria Clara Sodré S. Gama é doutora
Educação da Universidade Federal Fluminense em Educação de Superdotados pela Columbia
e vice-presidente do Conselho Brasileiro para a University, Nova York, Estados Unidos e
professora de pós-graduação lato-sensu na PUC
- Rio de Janeiro. Desde 2005 é diretora técnica da
ACERTA – Assessoria Cultural e Educacional
no Resgate a Talentos Acadêmicos.
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
Esplanada dos Ministérios - Bloco “L” 6º andar CEP: 70.047-900
seesp@mec.gov.br - naahs.seesp@mec.gov.br - www.mec.gov.br

Você também pode gostar