Você está na página 1de 7

Estomatologia - Bloco II

Ana Carla Campos - 2021.1

Atendimento odontológico ao paciente sistemicamente comprometido:

→ doenças crônicas não transmissíveis


- consideradas as principais causas de mortes(71%);
● doenças cardiovasculares
● neoplasias
● doenças respiratórias
● diabetes
- essas doenças possuem fatores etiológicos múltiplos, normalmente condições
multifatoriais mas que, em algum momento, poderiam ser prevenidas.
- hábitos que podem favorecer o aparecimento das DCNT’s:
relacionadas ao estilo de vida
- tabagismo
- obesidade
- sedentarismo
- dieta inadequada
- alcoolismo
- baixo diagnóstico de hipertensão e diabetes
→ bagagem no atendimento aos pacientes
- conhecer a doença de base , sua causa e estadiamento.
- entender a farmacologia das prescrições médicas(benefícios, efeitos colaterais)
- se a doença ou medicamentos prescritos causam manifestações orais
- manejar complicações
- humildade(se não souber atender, encaminhe)

I. DIABETES MELITO
- é a principal condição que afeta a porção endócrina do pâncreas(além de ter as células
beta-pancreáticas, também tem as células alfa que produzem glucagon).
- é caracterizada por distúrbios no metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas.
- também caracterizada pela hiperglicemia persistente= defeito da ação da insulina nos
tecidos alvos ou redução da produção da insulina pelo pâncreas
** a insulina é a chave que abre a membrana na célula, os receptores celulares de
glicose para que a glicose consiga entrar; após a digestão e absorção, ganha a corrente
sanguínea para que consiga entrar dentro da célula e exercer suas funções.
> diabetes melito tipo 1: não produz insulina
- doença autoimune= as células do nosso próprio corpo, principalmente os linfócitos T, se
dirigem contra as células beta-pancreáticas(células que produzem o hormônio insulina).
- redução absoluta dos níveis de insulina(pâncreas para de produzir)
- causas: genéticas e\ou ambientais
- ínicio precoce: acredita-se que logo na infância, nos primeiros dias de vida da criança, a
destruição do pâncreas já começa, mas o corpo consegue se adaptar por alguns anos, até
que seja inevitável a observação de sinais e sintomas clínicos da doença.
- tratamento: aplicações regulares de insulina
- se não tratada: cetoacidose(o corpo utiliza alternativas como suprimento energético, e
neste caso, os estoques de gordura) e coma(se dá pelo uso dos lipídeos na beta oxidação
de ácidos graxos; em algum momento, parte da acetil-CoA começa a ser desviada para
produção de corpos cetônicos, que podem reduzir pH sanguíneo).
> diabetes melito tipo 2: resistência à insulina
- condição multifatorial complexa
- fatores: obesidade, hábitos alimentares, estilo de vida sedentário.
- excesso de ácidos graxos + aumento da inflamação sistêmica(no corpo inteiro, mesmo em
pequenas quantidades, atrapalha o funcionamento dos receptores de insulina, o pâncreas
funciona mas a insulina não consegue entrar na fechadura da célula).
- redução da capacidade dos tecidos em responderem à insulina: resistência à insulina
- em longo prazo: prejuízo à função das células beta-pancreáticas(entram em exaustão e
param de produzir insulina).
- tratamento: hipoglicemiantes
❖ complicações do diabetes melito:
. macrovasculares: relacionadas, principalmente, à aterosclerose aumentada,grandes
vasos começam a acumular lipídeos na camada íntima, isso acontece nos principais vasos
sanguíneos; paciente com risco elevado para infarto agudo do miocárdio e risco aumentado
para outras complicações)
> O metabolismo do diabetes resulta em partículas de gordura que são quimicamente
modificadas e tóxicas à parede da artéria. Essas partículas de gordura modificadas e
tóxicas são absorvidas pelas células dentro da parede da artéria.
. microvasculares: normalmente acontece em vasos pequenos, ex paciente com neuropatia
periférica, nefropatia diabética e complicações oculares.
❖ características clínicas:
. poliúria: urina em excesso
. polidipsia: sede excessiva
. polifagia: fome excessiva
> se dá por conta do desequilíbrio osmótico pela grande quantidade de glicose; muitas
caem nos túbulos e não são reabsorvidas. Em contrapartida, pela grande perda de líquido,
há aumento da sede e a medida que a doença evolui, não tem fonte de glicose, começa o
gasto de lipídeos que, ficam exauridos e as proteínas começam a ser destruídas, como
fonte energética, fazendo com que o paciente tenha muita fome.
- é diagnosticada laboratorialmente; os principais exames utilizados são: glicemia em jejum
de 8h(ferramenta de rastreio de como está o nível glicêmico) e hemoglobina glicada(a
glicose/ hiperglicemia em excesso se fixa a algumas frações da hemoglobina, conseguimos
saber como estava o diabetes melito/ controle glicêmico do paciente ao longo de um
período de tempo, pelo menos de 2-3 meses).

.
➢ manejo odontológico:
- HIPERGLICEMIA= não há valores máximos que limitem o atendimento odontológico; crise
hiperglicêmica possui início lento, polidipsia, poliúria, polifagia, secura de boca e fraqueza.
Complicações mais graves: síndrome hiperosmolar (DM II) e cetoacidose diabética (DM I).
- HIPOGLICEMIA= instalação rápida e possibilidade iminente de dano neurológico; como
sintomas temos sudorese e tremores. Com < 70 mg/ dL o paciente deve se alimentar antes
da consulta odontológica;
** tratamento de crise hipoglicêmica: ingestão de 10-15g de glicose(carboidrato de absorção
rápida: colher de açúcar) ou glucagon IM/subcutâneo. Para um atendimento odontológico
tranquilo e seguro, devemos manter a glicemia superior a 100-120 no mínimo.
- as crises hiperglicêmicas são muito incomuns de acontecerem no consultório, por isso não
existe na literatura um valor máximo que impossibilite o atendimento odontológico de rotina.
Já as crises de hipoglicemia, são mais graves e mais comuns (podem acontecer no consul-
tório odontológico) - podem ocorrer devido o jejum feito pelo paciente ou administração de
grandes quantidades de medicações que reduzem a glicemia; devem ser tratadas como
emergência médica.
- paciente com crise hipoglicêmica: solicitação de serviço de emergência médica + sachê
de alta concentração de glicose (líquido ou gel) aplicado em toda mucosa, região sublingual
- a medida que o paciente vai se recuperando, a administração aumenta para que o mesmo
consiga melhorar. Quando há perda total da consciência, uma das possibilidades é utilizar o
hormônio oposto à ação da insulina, que é glucagon - pode ser feito por via intramuscular
ou subcutâneo.
➢ diabetes x doença periodontal:
- tem fatores que podem ser relacionados, mas não são causais (uma condição interfere no
controle da outra). As infecções são capazes de aumentar a inflamação sistêmica (reduz a
sensibilidade dos tecidos a responderam à insulina) e esta, por sua vez, está relacionada à
insulina.
- em um paciente com diabetes de mellitus e doença periodontal, a doença interfere no
controle glicêmico. Ao mesmo passo, com uma diabetes melito totalmente descontrolada, a
hiperglicemia causa uma diminuição da função dos neutrófilos + danos ao colágeno
causado pelos AGEs = incapacidade dos tecidos periodontais em responder ao tratamento.
- pacientes com diabetes melito sem controle/ descontrolada podem ter dificuldade de repa-
ro, mas não há evidências suficientes de que a hiperglicemia influencie negativamente a
cicatrização após extrações dentárias simples e por isso, não há indicação de profilaxia
antibiótica para prevenir complicações pós cirúrgicas.
> em caso de amplo procedimento cirúrgico em paciente com ampla condição de doença
periodontal, com focos de infecção ativa (com pus e áreas de abscesso), o antibiótico pode
ser prescrito de forma terapêutica, devido a infecção ativa.
➢ mais informações:
- pacientes com uso crônico de corticoides podem desenvolver diabetes
- antidiabéticos orais:
> secretagogos= estimulam a secreção de insulina pela célula beta
> dessensibilizantes de insulina= diminuem a resistência à insulina
- a diabetes mellito modifica o grau de periodontite(sua progressão); sendo assim, o
tratamento periodontal é importante para o diabético.
- chance de ter abscesso periodontal em diabético.
- não há evidência que a hiperglicemia influencia negativamente no uso de antibióticos em
cirurgias orais.
- implantes dentários são seguros para diabéticos.
➢ cirurgia oral e diabetes
- avaliar a extensão e tempo cirúrgico
- recomendar que o paciente se alimente normalmente antes e use as medicações usuais.
- reconhecer o choque insulínico.
- procedimentos longos
o paciente consegue se alimentar após procedimento?
SIM: não altera a dose de insulina
NÃO: realizar interconsulta com o médico do paciente

II. HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA


- condição clínica multifatorial caracterizada por elevação sustentada dos níveis pressóricos
pressão sistólica: ≥ 140mmHg
pressão diastólica: ≥ 90mmHg
- primeira coisa a se fazer é aferir a pressão arterial do paciente; o processo diagnóstico se
faz quando após várias verificações, temos o aumento de forma sustentada.
● primária= idiopática, não se sabe o motivo específicos; possíveis razões: genética,
>60 anos, sobrepeso, sexo, dieta rica em Na, sedentarismo, etilismo, tabagismo,
diabetes e fatores socioeconômicos
● secundária= causa identificável que se tratada leva à resolução do quadro
hipertenso: apneia obstrutiva do sono, hiperparatireoidismo, doença renal
crônica e doença de cushing.
● do avental branco= quando o paciente é hipertenso no consultório e normotenso fora
dele; associada a maior atividade adrenérgica.

- estar atento aos sinais de descompensação da doença= cefaleia, irritabilidade,


alterações visuais, zumbido e epistaxe(sangramento nasal).
➢ manejo odontológico:
1. redução do estresse e ansiedade(por manejo da fala, comportamento e explicação do
procedimento ao paciente).
2. adequação de prescrição medicamentosa: uma alternativa em casos difíceis de controlar
é o uso de benzodiazepínicos ansiolíticos( ex: 10-15 mg de diazepam de 30 min a 1h
antes do procedimento).
3. considerações quanto ao uso de vasoconstritores: a quantidade de vasoconstritor em
um tubete anestésico é muito pequena para causar um evento hipertensivo. Em situação de
estresse e ansiedade, a quantidade de catecolaminas endógenas liberadas é alta, então
podemos utilizar anestésicos locais com os vasoconstritores - anestesia profunda,
duradoura e tranquila);
4. manejo de crises hipertensivas (existem cursos de emergência médicas); necessidade de
acionar a urgência.
5. atenção aos efeitos colaterais das medicações anti-hipertensivas: existem vários
medicamentos de diversas classes, alguns podem causar efeitos colaterais importantes:
★ Desidratação (diuréticos), hipocalemia, hipotensão ortostática, depressão, diarreia,
diminuição do potássio, dificuldade de respiração, aumento gengival induzido por
medicamentos, xerostomia e hipossalivação.
- evitar uso prolongado de AINES; todos os AINES têm sido associados com eventos reais
e renovasculares; 5% dos usuários regulares irão desenvolver hipertensão.
➢ aumento gengival induzido por medicamentos:
- acomete de 6-83% de pacientes que fazem uso de bloqueadores de canais de cálcio
(classe de anti-hipertensivos utilizados para situações de difícil controle e manejo,
normalmente não é a primeira classe indicada;
ex: amlodipina, nifedipina, diltiazem).
- tratamento: troca de medicação, controle do biofilme, gengivectomia ou gengivoplastia - se
o paciente continuar utilizando o medicamento, a lesão continua crescendo. Quando o
comprometimento estético é muito extenso e já foram feitos diversos procedimentos,
podemos entrar em contato com o médico do paciente para tentar substituir o medicamento.
➢ xerostomia e hipossalivação:
- a primeira indica sensação de boca seca e a segunda não há produção de saliva; as duas
coisas podem coexistir ou podem ser individuais. É um tema complicado pois existem
estudos que falam que as medicações não causam xerostomia e hipossalivação - é algo
que não possui muita comprovação científica mas é comum na clínica odontológica.
- complicações= com pouca saliva, há um aumento da atividade dos micro-organismos que
causam a lesão de cárie, pois a saliva é um fator protetor para o desenvolvimento de cárie e
doença periodontal;
dificuldade de mastigação, deglutição e fonação; desenvolvimento de outros tipos de
infecções, como candidíase; sensação diferente do gosto na boca(disgeusia).
- tratamento= depende do grau da condição, se for um coisa mais leve, podemos estimular
a salivação com o uso de sialogogos (pilocarpina), pedir para que o paciente aumente a
ingestão hídrica, utilize alimentos cítricos para estimular a salivação; em casos graves,
podemos entrar em contato com o médico do paciente e pedir uma mudança da medicação.
➢ manejo de crise de hipertensão:
- elevação aguda da PA ≥ 180\120 mmHg
- requer redução rápida e gradual da PA
- desconforto torácico, dispneia, papiledema, tontura e cefaleia
- conduta emergencial= interromper o atendimento
- Captopril(25-50 mg) ou Clonidina(0,1-0,2 mg)
- atendimento médico emergencial

III. DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA


- é o resultado da obstrução das artérias coronárias: os vasos sanguíneos que irrigam o
músculo do coração.
> antiagregantes:
inibe a formação do trombo induzido predominantemente por plaquetas sem interferir de
forma significativa nos demais segmentos da coagulação.
● AAS(Aspirina)= inibe a síntese de tromboxano A2
● Clopidogrel(Plavix)= inibe a síntese de difosfato de adenosina
> anticoagulantes:
inibe a formação de colágeno atuando na via de coagulação.
● Varfarina(Marevan)= inibe a síntese de fatores de coagulação dependentes de
vitamina K.
● Rivaroxabana(Xarelto)= inibe a síntese do fator Xa
➢ manejo odontológico:
1. avaliar o risco de sangramento
2. manejar o sangramento
3. considerações quanto ao uso de anestésico
4. adequar a prescrição farmacológica
5. manejar quadros de emergência de dor torácica aguda
- hemograma= quantitativo de plaquetas
- coagulograma= tempo de protrombina; até 13,1s, INR; normal: 0,9-1,3; anticoagulação:
2,5-3,5.
** pacientes em dupla anti-agregação plaquetária ou em uso de varfarina podem apre-
sentar sangramento mais intenso frente a procedimentos orais.
> esse sangramento é bem manejado com medidas hemostáticas locais.
** não há indicação de suspensão da terapia antiagregante ou anticoagulante para a
realização de procedimentos cirúrgicos orais; a suspensão dos medicamentos pode
aumentar o risco de eventos trombolíticos.
** avaliando o risco de sangramento em pacientes com doença arterial coronariana em uso
de Varfarina:
INR < 2,5= apenas hemostáticos locais e cuidados pós-operatórios intensivos
2,5 < INR < 3,5= encaminhamento a ambulatório especializado
INR > 3,5= solicitar ao médico mudança para heparina de baixo peso molecular
** é seguro utilizar anestésicos locais com vasoconstritor em pacientes cardiopatas, desde
que sejam seguidas as doses, posologias e técnicas adequadas e preferencialmente não
excedendo um total de 3 tubetes.

IV. ENDOCARDITE INFECCIOSA


- inflamação do endocárdio(membrana interna que reveste o coração, as câmaras cardíacas
e as válvulas cardíacas) causada por uma infecção.
- esse processo inflamatório\infeccioso costuma destruir ou comprometer a integridade das
valvas cardíacas, causando, junto com o comprometimento estrutural, um comprometimento
funcional das valvas.
- o grande problema dessa condição é que possui altas taxas de mortalidade e infecção, os
pacientes que sobrevivem convivem com reduzida qualidade de vida e 35-45% dos casos
são causados por bactérias provenientes da cavidade oral (bacteremia).
> com o micro-organismo na boca, um procedimento cirúrgico pode abrir uma porta de
entrada e o micro-organismo consegue atingir a corrente sanguínea e chegar ao coração
(um dos maiores vínculos com a saúde sistêmica explicados pela literatura da boca com o
coração).
- pacientes com alto risco de desenvolver endocardite infecciosa:
❖ válvula cardíaca protética;
❖ endocardite infecciosa prévia;
❖ receptores de transplante cardíaco que desenvolveram valvulopatia cardíaca;
❖ doença cardíaca congênita(DCC)
obs: Não inclui pacientes que realizam cirurgia de bypass (ponte safena), acessos
venosos centrais, marca passo ou angioplastia (cateterismo).
- existem procedimentos cirúrgicos que vão causar uma bacteremia, são aqueles em que
temos abertura da mucosa ➛ ex: extrações dentárias; procedimentos periodontais,
incluindo cirurgia, raspagem e alisamento radicular e sondagem; colocação de implantes
dentários e reimplante de dentes avulsionados; endodontia - instrumentação ou cirurgia;
colocação inicial de bandas ortodônticas; injeções de anestésico local intraligamentar.
>> recomenda-se realizar profilaxia antibiótica (paciente com uma das quatro condições
anteriores com necessidade de um desses procedimentos, é preciso reduzir a quantidade
de microrganismos circulantes devido a circulação de micro-organismos da corrente sanguí-
nea decorrente do procedimento).
- não é necessário realizar profilaxia antibiótica: injeções de anestésico local; remoção de
sutura; colocação de aparelho protético ou ortodôntico removível; moldagens; tratamentos
com flúor; tomada de radiografia oral; ajuste de aparelho ortodôntico; extração de dentes
decíduos; restaurações (não causam bacteremia).

Você também pode gostar