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Semiologia II

1º TVC
Semiologia do Sistema Endócrino

Síndromes endócrinas I
Diabetes e obesidade

Diabetes Mellitus

A palavra diabetes vem do grego e significa sifão. A doença recebeu este nome pela poliúria que a
caracteriza. Diabetes refere-se a um grupo de doenças metabólicas, de etiologias diversas, que geram
hiperglicemia, a qual está relacionada ao déficit de secreção de insulina e/ou à resistência periférica à insulina.
O diabetes mais comum é o tipo II (DM2). O paciente que o apresenta, geralmente, tem histórico familiar
e é obeso. Seus sintomas aparecem na fase adulta (45/50 anos de idade). O diabetes tipo I (DM1) é uma doença
autoimune e, portanto, mais comum em crianças e adolescentes, os quais apresentam sintomas agudos
(aparecem após um gatilho que desencadeia reação autoimune). Existe ainda o diabetes mellitus gestacional
(DMG), no qual o diagnóstico ocorre apenas na gestação. A gestante pode ou não continuar com os sintomas
após o término da gestação. Pode-se citar outros tipos de diabetes, relacionados a síndromes monogênicas¹, a
doenças pancreáticas, a outras doenças endócrinas (ex.: síndrome de Cushing, na qual o hipercortisolismo gera
hiperglicemia; produção excessiva de GH no acromegalismo também gera hiperglicemia) e induzido por drogas
(ex.: uso de glicocorticoides).
¹ O diabetes monogênico é uma forma hereditária de diabetes, que tem como causa a mutação de um determinado gene
autossômico e que interfere na produção de insulina.

Manifestações Clínicas

“Doutor, é uma sede, uma vontade de água gelada, que um galão de 20 litros é pouco. E muito, muito xixi. Ah, também estou 1
com muita fome, mas emagreci uns 15 kg nesses últimos dias.”

No DM2, a maioria dos pacientes é assintomática.


Sintomas clássicos agudos:
1- “Polis”: poliúria, polidipsia, polifagia.
- A glicose não captada pelas células, após filtração, exerce pressão osmótica nos túbulos renais, que gera
a poliúria. A polidipsia é resposta à perda de água. A polifagia, por sua vez, é consequência do déficit
energético.
2- Fadiga.
3- Emagrecimento.
4- Turvação visual (edema de mácula por mecanismo osmótico).
5- Tontura, fraqueza.
6- Desidratação.
7- Alteração do nível de consciência.
- Consequência da desidratação e do estado hiperosmolar.
8- Alteração do ritmo respiratório.
- Consequência da cetoacidose (corpos cetônicos são produzidos pela quebra de lipídios e de proteínas,
na indisponibilidade de glicose).
9- Outros: disfunção erétil, vulvovaginite (principalmente por Candida, devido ao ambiente propício por
causa da glicosúria).
Sinais de alerta: urinar com muita frequência, perda de peso não intencional, falta de energia e sede
excessiva.
Esses sintomas não são comuns e aparecem, geralmente, apenas em estados de descompensação.
Na obesidade, o DM2 ocorre devido à produção de determinados hormônios produzidos pelo tecido
adiposo, os quais induzem resistência insulínica.
A descompensação máxima, associada à cetoacidose, é mais típica do DM1. Entretanto, pode ocorrer

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também no DM2, na presença de algum outro fator, como uma infecção (nessa situação, há um
agravamento do déficit de produção de insulina).
Já que a maioria dos pacientes é assintomática, os pacientes no grupo de risco para a doença devem ser
rastreados. Quem são eles? Pacientes com IMC maior ou igual a 25 kg/ m² + 1 fator de risco.
Fatores de risco:
 Sedentarismo.
 Hfam.
 Síndrome dos ovários policísticos.
 Obesidade.
 Acantose nigricans (lesão na forma de faixa escurecida em regiões de dobra, como pescoço e axilas, de
característica aveludada).

 Doença cardiovascular.
 Hipertensão arterial.
 Dislipidemia.
 Passado de DMG ou macrossomia fetal (criança a termo que nasce com mais de 4 kg).

A partir de quando pesquisar? 45 anos. Se o primeiro exame laboratorial for negativo, pesquisar de 3 em
3 anos, aproximadamente.
Outros sinais clínicos: xantelasma (bolsas de gordura nas pálpebras) e xantomas (bolsas de gordura na
pele, tipicamente sobre articulações). Estes sinais têm como causa a dislipidemia e são mais raros.
2

Os pacientes doentes que não são rastreados podem chegar ao consultório já com complicações
crônicas, visto que a doença já pode estar instalada há muitos anos.

Complicações crônicas do DM
 Microvasculares (lesão de microvasos devido a estresse oxidativo): nefropatia diabética, retinopatia
diabética e neuropatia diabética.
 Macrovasculares: doença arterial periférica (claudicação), doença cardiovascular (IAM) e doenças
cerebrovasculares (AVE).
Esses sintomas não são óbvios. Por exemplo, o início da retinopatia diabética é assintomático, assim como
a nefropatia. Assim, essas complicações devem ser investigadas se o paciente tiver DM2 ao diagnóstico e após 5
anos do diagnóstico de DM1. Na nefropatia, o paciente pode relatar urina espumosa, a qual indica proteinúria.
Entretanto, a nefropatia não é muito sintomática.
Já a neuropatia costuma apresentar sintomas, tais como dor em queimação, em agulhada, que aparece
ao toque, picada “em botas” ou “em luvas”, ou perda de sensibilidade (este último classificado como um sintoma
negativo).
Existe uma outra neuropatia, mais grave, relacionada à alteração na inervação autônoma, a neuropatia
autonômica. O portador pode ter problemas no esvaziamento gástrico (gastroparesia), por exemplo, os quais
podem levar a picos de glicemia no momento de esvaziamento súbito e momentos de hipoglicemia enquanto o
estômago ainda se encontra cheio. Essa neuropatia pode estar relacionada, ainda, a disfunções urinárias,
cardiovasculares e à disfunção sexual.

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Exame Físico
 Peso, altura, IMC.
 Avaliação cardiovascular (medida da pressão arterial em 3 posições – se o paciente diabético possui
hipotensão postural, provavelmente, apresenta neuropatia autonômica, a qual é indicativo de gravidade da
doença).
 Fundoscopia.
 Exame dos pés (inspeção², pulsos, reflexos, propriocepção, vibração, monofilamento).
² Alguns exemplos de achados na inspeção dos pés são: tendões com maior visibilidade, dedo em martelo (devido à contratura dos
músculos intercostais), rarefação de pelos (relacionada à perda de vascularização) e unha distrófica.

Retinopatia Diabética
O primeiro achado são os microaneurismas. Os pontos dos vasos que são lesados pela hiperglicemia se
enfraquecem, predispondo o aparecimento de pequenos aneurismas. Nesses pontos, pode ocorrer exsudação
(exsudatos são pontos amarelos na retinografia) e hemorragia. Esses sintomas são encontrados na retinopatia
diabética não proliferativa.
Na retinopatia diabética proliferativa, acontece surgimento de novos vasos de forma compensatória à
isquemia causada pelo adoecimento dos vasos. Entretanto, essa compensação pode predispor descolamento de
retina sendo, portanto, muito grave.

Exame do Pé Diabético
3
Refere-se ao paciente que apresenta neuropatia e vasculopatia, além de um fator mecânico que
predisponha lesão.
 História do Paciente: ulceração prévia, amputação prévia, DM > 10 anos, HBA1c > 7% (hemoglobina glicada –
média da glicemia durante alguns meses), visão comprometida, claudicação.
 Exame dermatológico: pele seca, rarefação de pelos, úlceras, unhas encravadas, maceração interdigital
(intertrigo interdigital – micose entre os dedos).
 Rastreio para neuropatia: monofilamento 10 g (teste de sensibilidade).
 Avaliação vascular: palpação de pulsos, membro frio, ITB (<0,9).
 Avaliação biomecânica: marcha, deformidade dos sapatos.

Diagnóstico Laboratorial

Critérios Diagnósticos:
 Glicemia de Jejum (+/- 8 horas): maior ou igual a 126 mg/ dL (o exame deve ser feito mais de uma vez, para
confirmar).
 TOTG (teste oral de tolerância à glicose): o paciente tem sua glicose medida em jejum e duas horas após ter
ingerido uma solução adocicada. É um exame indicado para pacientes que apresentam glicemia em jejum de
100 a 126 mg/ dL.
Estágio Glicemia de Jejum TOTG/ Glicemia após 2
horas
Normal Menor ou igual a 99 mg/dL Menor ou igual a 140 mg/dL
Pré-diabético 100-125 mg/dL 140-200 mg/dL
Diabético Maior ou igual a 126 mg/dL Maior ou igual a 200 mg/dL
 HbA1C (hemoglobina glicada¹): maior ou igual a 6,5% (representa uma média em torno de 136 mg/dL). É um
exame mais utilizado no acompanhamento do diabético, mas também é considerado um critério diagnóstico.

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O diabético já diagnosticado, deve manter sua HbA1C entre 6 e 7%, sendo que valores maiores que 7%
indicam má adesão ao tratamento.
¹ A glicose tem a capacidade de se ligar à hemoglobina, formando a hemoglobina glicada. Quanto maior a exposição da
hemoglobina à glicose, maior é a dosagem da HbA1C. O exame avalia a média da glicemia nos últimos 3 meses.
 Glicemia randômica (casual/ medida em qualquer horário do dia): maior ou igual a 200 mg/dL em pacientes
com sintomas clássicos de hiperglicemia ou em crise hiperglicêmica.

Na anamnese do paciente diabético é importante pesquisar:

 Tempo de diagnóstico.
 Sintomas.
 Complicações.
 Doenças associadas.
 Medicações em uso.
 Histórico familiar.
 Histórico social.

Obesidade e Síndrome Metabólica

Obesidade

O Índice de Massa Corpórea (IMC) é o instrumento de definição da obesidade.

IMC Risco Classificação


< 18,5 Alto Abaixo do peso
18,5-24,9 Habitual Peso normal
25-29,9 Moderado Sobrepeso
30-34,9 Alto Obesidade classe I
4
35-39,9 Muito alto Obesidade classe II
> = 40 Extremamente alto Obesidade classe III

Quanto maior o IMC, maior o risco de o paciente apresentar outras doenças. Entretanto, a disposição da
gordura fala muito: pacientes com gordura mais concentrada nos quadris (ginoide) apresentam menor risco. A
obesidade androide, típica de homens, com acúmulo de gordura na região abdominal é mais perigosa: essa
gordura, visceral, é ativa na produção de citocinas e substâncias que aumentam o risco cardiovascular e que
predispõe a resistência insulínica. O IMC ainda não retrata a quantidade de massa magra e nem diferencia
gordura visceral de subcutânea (a visceral é a mais perigosa).

Na anamnese, devem ser questionados:


 Início e progressão do peso durante a vida.
 Alimentação e atividade física (trabalho e lazer).
 Fatores desencadeantes (ex.: ansiedade) e perpetuadores (ex.: paciente acamado, impossibilitado de fazer
atividade física).
 Outras doenças e complicações.

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 Tratamentos anteriores e resposta, medicamentos para perda de peso.
 Antecedentes familiares de obesidade.
 Recordatório alimentar de 24h.
O exame físico deve abordar:
 Peso, altura, IMC.
 Medida da circunferência abdominal.
 Ausculta cardíaca (devido ao grande panículo adiposo, a ausculta fica prejudicada e é indicado
ecocardiografia).
 PA (é necessário utilizar um manguito maior ou aferir no antebraço, para não hiperestimar a PA).
 Hepatomegalia (relacionada à esteatose hepática).
 Acantose nigricans.
 Xantelasmas.
Complicações Associadas:

 DM2.
 HAS (leve a moderada em 50-60% dos pacientes).
 Dislipidemia.
 Apneia do sono.
 Esteatose hepática.
 Doenças cardiovasculares.

Síndrome Metabólica

Síndrome metabólica refere-se a um conjunto de associações relacionadas à resistência à insulina, que


aumentam o risco cardiovascular. Tem como fator de risco a obesidade.
Para que um paciente seja diagnosticado como portador de uma síndrome metabólica, deve apresentar 3
dos critérios abaixo: 5
1- Obesidade abdominal (circunferência abdominal > 88 cm na mulher e > 102 nos homens).
2- Hipertrigliceridemia (> 150 mg/dL).
3- HDL baixo (< 50 mg/dL em mulheres e < 40 mg/dL em homens).
4- Glicemia alterada.
5- Hipertensão arterial.
Quanto maior o IMC e maior o número de associações da síndrome metabólica, maior a mortalidade.

Obesidade Infantil

O mais importante é a prevenção, que irá abranger estímulo à mudança de hábitos de toda a família.

Síndrome Endócrinas II
Hipófise e Tireoide

Anamnese em endocrinologia

Os hormônios agem em todos os sistemas, dessa forma os sintomas e sinais se repercutem em todo o
organismo. Se manifestam em decorrência do excesso ou do déficit hormonal e são, geralmente, locais.
Os sintomas são inespecíficos, podendo ser confundidos com muitas outras doenças. Entre eles estão a
fadiga, adinamia (fraqueza muscular), fraqueza, anorexia, depressão e alterações de peso.

Hipófise
Eixo hipotálamo-hipofisário

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A neuro-hipófise representa 1/3 da hipófise e é responsável pelo armazenamento da ocitocina (estimula a
contração uterina e a ejeção de leite) e do ADH (aumenta a volemia, provocando retenção de água). Tais
hormônios são produzidos pelo hipotálamo.
A adeno-hipófise (hipófise anterior), produz a prolactina (induz a produção de leite), o hormônio
gonadotrófico (estimula produção de testosterona e estrogênio), hormônio tireotrófico (estimula a produção de
hormônios tireoidianos), hormônios adrenocorticotróficos (o principal é o ACTH; estimulam a glândula adrenal) e
hormônio do crescimento (atua, principalmente, no osso estimulando seu crescimento).
A hipófise situa-se na sela túrcica, uma região específica do osso esfenoide. É importante compreender
seus limites, na medida em que processos expansivos podem acomete-los. Inferiormente, está o seio esfenoidal.
Lateralmente estão estruturas vasculares e nervosas (seio cavernoso com porção intracraniana da artéria carótida;
III, IV e VI pares cranianos). Superiormente, estão o diafragma da sela e o quiasma óptico (muito comprometido
em aumento da hipófise).

Apresentação Clínica

Uma porcentagem grande dos pacientes é assintomática. Seus casos são chamados de incidentalomas, 6
na medida em que são tumores hipofisários descobertos por acidente.
 Síndromes de hipersecreção hormonal: prolactina, hormônio do crescimento, ACTH e TSH.
 Destruição (síndrome de hipossecreção hormonal): hipogonadismo, baixa estatura, hipotireoidismo,
hipocortisolismo.
 Compressão local: perda visual (hemianopsia bitemporal, por compressão do quiasma óptico), cefaleia e
compressão de nervos cranianos.
 Alterações hipotalâmicas: distúrbios alimentares, sono e comportamento.

Síndrome de hipersecreção hormonal

Caso Clínico: JMC, 36, masculino, natural e procedente de Cataguases, motorista de ônibus.
QP: “minhas mãos estão crescendo”.
HDA: notou, há cerca de 3 anos, aumento no tamanho das mãos e dos pés, além de ganho de peso e perda do apetite
sexual. Procurou atendimento médico por insistência de alguns familiares, que referiam uma certa mudança na sua
fisionomia.
Achados do exame de físico: aumento da base do nariz e do sulco genolabial, rugas de espessamento, aumento dos
lábios, pavilhão auricular maior. PA: 150x80 mmHg, peso de 96 kg, altura de 1, 74 m, IMC: 31,7 kg/m².
Fáceis: prognatismo, profusão do osso frontal, macroglossia, alargamento da base do nariz.

RNM: expansão da hipófise, comprimindo o quiasma óptico e outras estruturas.


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Síndrome do excesso de GH
É decorrente de adenomas hipofisários secretores de GH, em 30% dos casos. Nas crianças, gera
gigantismo. Nos adultos, que não possuem cartilagem em suas epífises ósseas, gera acromegalia.
Como manifestações da acromegalia se pode citar a proliferação de partes moles (aumento de
extremidades, aspecto facial grosseiro, aumento de peso, parestesias – visto que podem desenvolver síndrome do
túnel do carpo – e artralgias). Também ocorrem manifestações sistêmicas (visceromegalias – a cardiomegalia
predispõe IAM e é uma importante causa de óbito nesses pacientes –, hiperidrose, intolerância ao calor, fadiga,
HAS e DM). É importante fazer comparações com fotos antigas do paciente.

Hiperprolactinemia
É a alteração endócrina mais comum do eixo hipotálamo-hipofisário e o sinal mais comum é a
galactorreia espontânea.
Causas fisiológicas (gestação e lactação), uso de medicamentos e o adenoma hipofisário devem ser
diferenciados. A etiologia mais comum é a medicamentosa.
Em relação aos sintomas, o hipogonadismo hipogonadotrófico¹ gera redução da libido (nos homens),
irregularidade menstrual, amenorreia, infertilidade e perda de massa óssea (nas mulheres). O paciente ainda
apresenta galactorreia e sintomas de massa (ocorre nos macroprolactinomas, nos quais há compressão de
estruturas cerebrais adjacentes – pode ser uma cefaleia ou uma hemianopsia, por exemplo). A galactorreia é o
sintoma mais característico, mas não é o mais frequente. Os níveis de prolactina são sempre dosados em
mulheres com infertilidade ou em mulheres jovens com osteoporose.
¹ A hiperprolactinemia causa hipogonadismo hipogonadotrófico, principalmente, por inibir a secreção de GnrH, além de inibir
diretamente a estereoidogênese gonadal.
O histórico familiar e as características do ciclo menstrual devem ser sempre indagados. Na história
patológica pregressa, é importante questionar os fármacos em uso. Anticoncepcionais podem cursar com
hiperprolactinemia, assim como antidepressivos, ansiolíticos, neurolépticos, anticonvulsivantes, antagonistas do
receptor H2, procinéticos, anti-hipertensivos, narcóticos, inibidores da bomba de prótons e estrogenioterapia.
7
Síndrome de excesso de corticoide (Síndrome de Cushing)
Possui causas exógenas (uso excessivo de glicorticoide) e endógenas (doença de Cushing², adenoma
suprarrenal, ACTHectópico³ e carcinoma suprarrenal).
² Doença de Cushing: tumor hipofisário produtor de ACTH.
³ No ACTHectópico, células de tecido não-hipofisário começam a produzir ACTH.
Sinais e sintomas: fáceis típica (fáceis cushingoide), obesidade central, giba (acúmulo de gordura na
região cervical posterior), estrias violáceas, fraqueza muscular, fadiga, acne, hirsutismo, distúrbios menstruais,
facilidade para sangramentos, labilidade emocional, HAS, DM e osteoporose.

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Síndromes de hipofunção hipofisária (hipopituitarismo)

É importante distinguir se é uma causa congênita ou adquirida. O quadro clínico depende da idade de
início, da etiologia e da severidade da deficiência.

Deficiência congênita do GH (nanismo)


Gera uma redução discreta do comprimento ao nascer (- 1 desvio padrão), mas a velocidade de
crescimento reduzida após o nascimento é mais marcante.
O paciente apresenta bossa frontal (fronte olímpica), face de boneca, alteração na ponte do nariz, voz
infantil e retardo na erupção dos dentes. Observa-se, ainda, hipoglicemia recorrente, icterícia prolongada ou
micropenis. Inclusive, o hipopituitarismo congênito deve ser sempre levado em consideração em caso de
micropenis. Também existe possível relação com apresentação de nádegas (bebê que, no parto natural, vem ao
mundo pelas nádegas e não pela cabeça). É importante perguntar sobre cosanguinidade.

Síndrome de Sheehan
Refere-se a um hipopituitarismo pós-parto, devido à necrose hipofisária. Durante a gestação, a hipófise
sofre hipertrofia e aumenta sua vascularização, para aumentar a produção de prolactina. Alguma complicação no
parto que leve a uma hemorragia na mãe, ocasionando hipotensão e choque, provocará isquemia hipofisária
importante, base etiológica da síndrome.
O diagnóstico é tardio e a síndrome se apresenta, geralmente, através de agalactia (deficiência de PRL),
ciclos menstruais irregulares ou que não reiniciam (hipogonadismo), além de sinais e sintomas de insuficiência
adrenal (hipocortisolismo). Sintomas inespecíficos, como fadiga e hipotensão, também ocorrem.

Deficiência de corticoides
Pode ser primária ou secundária (central). A
deficiência primária de corticoides ocorre na doença de 8
Addison, a qual tem caráter autoimune e é marcada
pela destruição das glândulas adrenais. Já a secundária
pode se referir ao uso crônico de glicocorticoides,
seguida de supressão abrupta4, e à deficiência de ACTH.
4 O uso crônico de glicocorticoides provoca um feedback negativo na adenohipófise, que deixa de produzir ACTH. Assim, na
supressão abrupta do medicamento, não há estímulo para se produzir corticoides. É uma situação grave, pois pode levar o paciente
ao estado de choque, visto que, na ausência de glicocorticoides, os pacientes não são capazes de responder bem ao estresse.
Os sintomas relacionados à deficiência de glicocorticoides são astenia, mal-estar, anorexia, perda de peso,
distúrbios do TGI, hipotensão (postural) e hipoglicemia.
Por deficiência de mineralocorticoides se tem
avidez por sal, hipovolemia, hipotensão, hiponatremia,
hipercalemia e acidose metabólica leve. Essa
deficiência ocorre apenas na doença de Addison. Nas
doenças secundárias, a adrenal continua produzindo
aldosterona sob o estímulo da angiotensina II.
Já a deficiência de androgênios adrenais
ocasiona, em mulheres, redução de libido e da
pilificação axilar e pubiana e, em homens, rarefação e
enfraquecimento de pelos.
Na insuficiência primária ocorrem sintomas de
deficiência de glicocorticoides, de mineralocorticoides
e de androgênios. Além disso, há hiperpigmentação
cutânea, pois há aumento dos níveis de ACTH, cujos
precursores são comuns à de um hormônio que estimula a produção de melanina. Os efeitos androgênicos são
mais importantes nas mulheres, porque os homens também produzem tais hormônios em seus testículos,

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enquanto a adrenal é fonte exclusiva para as mulheres.
Na insuficiência secundária, não há hiperpigmentação e nem depleção de volume. A hipercalemia
(situação secundária à deficiência de aldosterona) é ausente ou muito discreta.

Síndrome de compressão tumoral

Geram cefaleia por distensão da dura-máter, hemianopsia bitemporal (lesão do quiasma óptico), ptose
palpebral (III) e/ou diplopia (VI).
Geralmente, o primeiro hormônio que sofre deficiência é o GH (gera poucos sintomas no adulto e não
traz risco de morte), seguido pelas gonadotrofinas e, por último, do ACHT (traz grande risco).

Qual é o melhor exame de imagem para estudar a hipófise?


É a ressonância magnética. É importante pedir o exame específico da hipófise, visto que ela é muito
pequena (em torno de 5 mm) e no exame normal poderia ser pega em apenas um corte.

Semiologia das doenças tireoidianas

Exame físico

É importante pedir para o paciente deglutir, para se visualizar a movimentação da glândula, a qual está
abaixo da cartilagem cricoide.
Na abordagem posterior, o paciente está sentado e o examinador, de pé, posiciona os polegares na nuca
do paciente e os indicadores e médios próximos à linha média. O lobo direito é palpado pelos dedos da mão
esquerda.
Na abordagem anterior, ambos estão sentados ou de pé. Deve-se palpar com o polegar, com os outros
dedos apoiados na fossa supraclavicular. 9
Hipertireoidismo

Primeiramente, é importante diferenciar o hipertireoidismo da tireotoxicose. A tireotoxicose se refere a


qualquer excesso dos hormônios tireoidianos, tanto exógeno (uso de medicamentos) como endógeno (tumor
ovariano, produtor de hormônios tireoidianos). O hipertireoidismo se refere a um excesso de produção dos
hormônios pela tireoide.

Doença de Graves
Um anticorpo análogo ao TSH (TRAb) estimula a glândula a produzir
os hormônios. O paciente apresenta bócio difuso, oftalmopatia e dermopatia
(pele enrugada, por acúmulo de glicosaminoglicanos, e mancha violácea). O
paciente também pode ter unhas de Plummer (descolamento das unhas).
Além disso, é importante reter que retração palpebral e protrusão ocular são
específicos da doença de Graves.

Sinais de sintomas do Hipertireoidismo


 Sintomas gerais: emagrecimento, intolerância ao calor, tremor de extremidades.
 Sintomas cardiovasculares: taquicardia, palpitação, dispneia, fibrilação atrial, síndrome hipercinética, PA
divergente (aumento da sistólica e diminuição da diastólica) e bulhas hiperfonéticas.
 Sintoma digestivo: hiperdefecação.
 Sistema reprodutor: oligomenorreia.
 Sistema musculoesquelético: fraqueza muscular.
 Sintomas oculares: relacionados a qualquer etiologia (sinal de Lid-lag5) e
relacionados à doença de Graves.
5 Sinal de Lid-lag: normalmente, a pálpebra segue o movimento do globo ocular (em um teste de

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motricidade extrínseca ocular). Pacientes com hipertireoidismo, têm um atraso de movimentação das pálpebras superiores, deixando
a esclera exposta. Este é o sinal de Lid-lag.
 Sistema nervoso: agitação, ansiedade, agressividade.
 Pele e fâneros: pele quente, fina e úmida, unhas de Plummer.

Hipotiroidismo

A causa primária mais comum é a tireoidite de Hashimoto, na qual um anticorpo (anti-TPO = anti-
tireoperoxidase) provoca destruição lenta da glândula. Também ocorre por deficiência dietética de iodo.
 Sintomas gerais: astenia, sonolência, intolerância ao frio, edema facial, ganho de peso, fala lenta.
 Sistema nervoso: hiporreflexia profunda (reflexo aquileu lento), parestesias dos membros, déficit
cognitivo.
 Sistema cardiovascular: bradicardia, bulhas hipofonéticas, baixo DC, dislipidemia, cardiomegalia
(derrame pericárdico).
 Sistema musculoesquelético: fadiga, mialgia, cãibras.
 Sistema renal: elevação da creatinina.
 Pele e fâneros: pele seca, descamativa e áspera, cabelos e unhas quebradiças.

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Semiologia do Trato Gastrointestinal

Introdução

O estudo das doenças gastrointestinais é de suma importância, visto que são muito frequentes. No Brasil,
elas representam cerca de 11% das internações.

Esôfago

Os distúrbios esofágicos contemplam sintomas como disfagia, odinofagia, pirose, regurgitação e dor
torácica.
O terço proximal do esôfago é composto por musculatura estriada, enquanto que os dois terços distais
são constituídos de músculo liso. Funcionalmente, o esôfago é dividido em (1) esfíncter esofágico superior, (2)
corpo esofagiano e (3) esfíncter esofágico inferior. O último é muito importante para evitar retorno de conteúdo
gástrico e seu mal funcionamento é a maior causa de Doença do Refluxo Gastresofágico (DRGE).

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A funcionalidade do esôfago depende de uma adequada integração entre o Sistema Nervoso Central
(SNC) e o Sistema Nervoso Entérico (SNE).
A deglutição compreende 3 fases: oral, faríngea e esofagiana. No entanto, na prática clínica, é relevante
dividi-la em 2 fases: orofaríngea e esofagiana. Diante de um paciente disfágico, cabe ao médico identificar qual
das fases está comprometida.

Sintomas relacionados ao esôfago

1- Disfagia
É definida como dificuldade à deglutição, a qual o paciente pode relatar como “o alimento para/ não
desce”.
Sua incidência aumenta de acordo com o envelhecimento. A prevalência é maior que 15% acima de 65
anos de idade.
Pode ser classificada em dois tipos:
a) Disfagia de transferência ou orofaríngea:
- Compromete a fase orofaríngea da deglutição (algo que afete a região faringoesofagiana ou o esfíncter
esofagiano superior). Há dificuldade de transferir o alimento da cavidade oral para a parte proximal do
trato digestivo.
- Sintomas: tosse, engasgo, regurgitação nasal e dificuldade de iniciar a deglutição. Todos esses são
quase que imediatos.
- Causas:
* Neuromuscular (comprometimento da inervação): AVE, doença de Parkinson, esclerose múltipla, ELA.
* Doença da musculatura esquelética: poliomiosite, distrofia muscular, miastenia grave.
* Obstrução mecânica: divertículo de Zenker, osteófito cervical, tireoidomegalia, abscesso retrofaríngeo.
b) Disfagia de condução ou esofagiana:
- A fase afetada é a esofagiana (afecções do corpo esofagiano). Há dificuldade de conduzir o alimento do
esôfago para o estômago, com fase orofaríngea normal.
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- Não apresenta sintomas típicos, logo após a refeição, como ocorre na orofaríngea. A disfagia é o
sintoma mais importante.
- Pode ser obstrutiva (mecânica) ou motora (funcional).
* Obstrução mecânica: estenoses benignas, anéis¹/membranas, neoplasias, divertículos e a. vasculares.
¹ Exemplo: Anel de Schatzki – distúrbio raro, caracterizado por falsa membrana, que dificulta a passagem do bolo alimentar, de
etiologia desconhecida.
* Distúrbio motor: a principal causa é a acalasia esofagiana (megaesôfago), a qual se refere a uma
hipotonia do corpo esofagiano associada ao não relaxamento do esfíncter esofagiano inferior, secundários a
comprometimento da inervação do esôfago.

Na anamnese, é crucial diferenciar a disfagia orofaríngea da esofagiana. Alguns questionamentos são


úteis para refinar o agravo:

Natureza dos alimentos (início dos Evolução Sintomas associados


sintomas)
Sólidos: obstrutiva Progressiva: neoplasias Pirose: DRGE
Sólidos e líquidos: motora Intermitente: distúrbios motores do Dor torácica: distúrbio motor
esôfago
- - Emagrecimento: neoplasia

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2- Odinofagia
Definida como dor à deglutição, não é um sintoma exclusivo de distúrbios esofagianos. É resultado de
processo inflamatório intenso da mucosa esofagiana.
Causas: esofagite infecciosa (mais frequente em pacientes imunocomprometidos, embora rara
atualmente) e esofagite induzida por medicamentos².
² Alguns medicamentos provocam ulcerações da mucosa esofágica. Ex.: bifosfanatos, utilizados no tratamento da osteoporose.

3- Pirose
É o sintoma gastrointestinal mais comum, caracterizado por uma Sintomas cardinais do
12
queimação retroesternal. É desencadeada pela alimentação (cerca de 1 hora após DRGE: pirose e
refeição). regurgitação.
Causa principal: DRGE. Quando presentes em
mais de 2 vezes por
4- Regurgitação semana, por mais de 4
Retorno de conteúdo gástrico ou esofágico sem esforço para a cavidade semanas, são critério
oral. diagnóstico para DRGE.
Causa principal: DRGE.
Obs.: Na regurgitação não há contração do diafragma, o que a difere do vômito.

5- Globus faríngeo (stericus)


Sensação de constrição, enforcamento, dor ou desconforto na garganta não relacionada à deglutição.
Cerca de 40 % das pessoas têm, pelo menos, uma vez na vida. É mais comum em mulheres de meia-idade e é
mais frequente em pacientes com distúrbios psiquiátricos.

6- Dor torácica
Pode se dever a várias etiologias. Quando não é cardíaca, o paciente, geralmente, tem distúrbio
esofagiano e DRGE. Tais etiologias podem ser confundidas, na medida em que coração e esôfago possuem
inervação sensitiva comum.
A relacionada a distúrbio esofagiano/DRGE é retroesternal, piora com ingestão alimentar e, assim como
na doença coronariana, irradia para os membros superiores.

Exames Complementares

Videoglutograma: é de escolha para diagnóstico de disfagia orofaríngea e como esta é a menos

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comum, é pouco utilizado. Refere-se à filmagem do processo de deglutição, com uso de contraste.

Ultrassonografia endoscópica: utilizada para o estadiamento dos tumores esofagianos, pois permite um
estudo mais detalhado das camadas do esôfago.

Estudos radiológicos contrastados: úteis no estudo da anatomia do órgão e do tempo de trânsito


esofágico.

Endoscopia digestiva alta (EDA): é o exame de escolha para distúrbios esofagianos, em geral. Utilizado na
terapêutica (possibilita, por exemplo, ligadura elástica de varizes esofágicas em hemorragias) e na análise
histológica.

(Câncer de esôfago)

pHmetria de 24 horas: cateter é introduzido pelo nariz até o esôfago, no intuito de se medir o pH. É o
teste mais sensível na DRGE e é, geralmente, feito junto com a manometria.

Manometria esofagiana: detecta a pressão/compressão do corpo esofagiano e do esfíncter esofágico


inferior. Útil no diagnóstico de distúrbios motores.

Algumas Anomalias
13
Divertículo de Zenker
Saculação da parede posterior do esôfago superior, que gera disfagia orofaríngea de causa mecânica.

(Esofagograma contrastado, evidenciando um divertículo de Zenker)

Acalásia
Disfagia esofagiana caracterizada por hipotonia do corpo esofagiano, que causa dilatação progressiva do
mesmo, com perda da capacidade motora.
Na imagem, o esôfago fica em bico de papagaio, pela não abertura do esfíncter esofágico inferior.

(Esofagograma contrastado, evidenciando acalasia)

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Espasmo esofagiano difuso
Distúrbio motor, caracterizado por contrações espasmódicas do esôfago, as quais causam odinofagia.

Esofagite erosiva
Descamação distal da mucosa esofágica. É comum a ocorrência de pirose e regurgitação, mas não
odinofagia.

Neoplasia de esôfago
Causa diminuição da luz esofágica, resultando em disfagia obstrutiva. Na biopsia, é comum visualização
de fibrina.

Caso Clínico: Homem, 53 anos. Iniciou, há 10 anos, quadro de pirose, quase diária, associado a episódios eventuais de
regurgitação, sobretudo ao deitar e após refeições copiosas. Nos últimos 3 meses, iniciou com disfagia para sólidos. Esta
progrediu de modo rápido e, no momento, o paciente só é capaz de ingerir alimentos líquidos pastosos. Houve perda de
6 kg desde o início dos sintomas. Nega odinofagia e dor torácica.

Resolução: Pirose e regurgitação indicam DRGE. Há 3 meses, iniciou com disfagia esofagiana mecânica. O quadro
progressivo e rápido sugere neoplasia de esôfago, a qual pode ser confirmada por uma EDA. O que pode ter ocorrido? A
DRGE gerou metaplasia da mucosa esofágica (esôfago de Barrett), a qual, provavelmente, evolui para um
adenocarcinoma esofagiano (neoplasia mais comum na DRGE).

Estômago e Duodeno

Incialmente, cabe fazer um adendo em relação à dor abdominal. Esta


pode ser visceral ou somatoparietal. A dor referente a comprometimento dos
órgãos abdominais é a visceral e é, normalmente, sentida na linha média do 14
abdome, de forma mal localizada, variando a altura de acordo com a víscera
acometida.
Epigástrio: fígado, vias biliares, estômago e porções proximais do intestino
delgado.
Mesogástrio ou região periumbilical: porções mais distais do intestino
delgado, proximais do cólon e apêndice.
Hipogástrio ou região suprapúbica: intestino grosso, rins, vias urinárias e
sistema genital.
A dor visceral pode se transformar em somatoparietal. Na apendicite,
por exemplo, a dor é inicialmente mesogástrica e do tipo visceral. Depois,
torna-se muito bem localizada, no flanco direito, sobre o apêndice.

A dor visceral é o principal sintoma de acometimento estomacal ou duodenal. Suas principais


características são:
 Epigástrica
 Urente (em queimação)
 Piora com jejum
 Melhora com alimentação (especialmente a úlcera péptica duodenal; úlcera gástrica nem sempre melhora
com alimentação)
Além da dor, pode-se citar outros sintomas: clocking (despertar noturno devido à dor, que é mais
frequente na úlcera duodenal), plenitude pós-prandial e saciedade precoce, náuseas e vômitos.

Dispepsia

Síndrome prevalente na população (aproximadamente presente em 20% desta), sobretudo na atenção

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primária. É caracterizada por dor ou desconforto recorrente em andar superior de abdome, após as refeições.
Classificada em síndrome dispéptica primária e secundária.

a) Primária (funcional)
À investigação do paciente, não há condição clínica e nem achado endoscópico que justifique a
dispepsia. É a mais comum. Geralmente, é de natureza crônica (sintomas podem sumir por um tempo e
recidivarem) e benigna.
b) Secundária (orgânica)
É possível identificar alguma causa que justifique os sintomas. Exemplo clássico: úlcera duodenal.
A história clínica (anamnese e exame físico) é o principal instrumento para a diferenciação entre esses dois
tipos.

Critérios para diagnóstico de dispepsia funcional (Roma IV)


1 ou mais:
a) Plenitude pós-prandial Nenhuma evidência de doença estrutural (inclusive na
b) Saciedade precoce endoscopia), que explicaria os sintomas.
c) Dor epigástrica
Critérios deverão estar presentes nos últimos 3 meses e terem iniciado há pelo menos 6 meses.

Sinais e sintomas de alarme se referem a questionamentos e achados do exame físico que sugerem dispepsia
secundária. São eles:
 Idade > 45 anos;
 Sintomas de início recente;
 Histórico familiar de câncer gástrico ou úlcera;
 Massa abdominal;
 Linfonodomegalia;
 Sangramento nas fezes ou ematêmese;
15
 Emagrecimento;
 Despertar noturno;
 Exame físico alterado.
Para o diagnóstico, não é imprescindível fazer endoscopia. No entanto, se o paciente apresentar sinais e
sintomas de alarme, sempre que possível, deve-se fazê-la.

Caso Clínico: GF, sexo masculino, 52 anos, relata que há cerca de 2 meses iniciou com dor epigástrica do tipo queimação,
que melhora com alimentação e piora com jejum. Nega irradiação. Relata, ainda, a presença de plenitude pós-prandial,
mas sem vômitos. Nega emagrecimento, disfagia, melena ou hematoquezia. Relata que o sono está prejudicado, visto
que acorda, às vezes, pelo surgimento de dor durante a madrugada, tendo que comer algo para obter alívio.

Resolução: Síndrome dispéptica orgânica, provavelmente uma úlcera duodenal, a qual deve ser investigada por
endoscopia.

Semiologia das Hemorragias Digestivas

Introdução

A hemorragia digestiva é uma das urgências médicas mais comuns na prática clínica, sendo causa
frequente de admissão hospitalar em caráter de urgência. É responsável por cerca de 300.000 internações/ano
nos EUA. A mortalidade é relativamente estável, nas últimas décadas (7-10%).

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Conceito e Classificação

Pode ser definida como qualquer sangramento que ocorra ao longo do trato gastrointestinal (TGI), mas a
origem da lesão deve, necessariamente, ter origem no TGI. É dividida, classicamente, quanto à localização em:
a) Hemorragia digestiva alta (HDA): sangramento oriundo de lesões proximais ao ligamento de Treitz, o
qual marca a junção entre o duodeno e jejuno. É assim, localizada no esôfago, estômago ou
duodeno.
b) Hemorragia digestiva baixa (HDB): sangramento oriundo de lesões distais ao ligamento de Treitz:
jejuno, íleo, colón, reto e ânus.
A HDA representa 80% das hemorragias digestivas (sendo os outros 20% representados pela HDB). O
choque e a necessidade de hemotransfusões são mais frequentes na HDA.

Manifestações Clínicas

As principais são:
1- Hematêmese
 Sangue “vivo” rutilante.
 Em “borra de café”.
2- Melena
3- Hematoquezia ou enterorragia
4- Sangue oculto nas fezes (é, na verdade, uma manifestação subclínica)

Hematêmese
Refere-se à presença de sangue no vômito. Pode ser um “sangue vivo” ou “em borra de café” (vômitos
escurecidos).
16
Possui um grande valor topográfico, porque é sempre indicativa de sangramento acima do ligamento de
Treitz (HDA).
Diagnóstico Diferencial:
1. Pseudo-hemorragias: condições em que o indivíduo não está sangrando, mas que podem simular uma
hemorragia digestiva.
Um exemplo são os vômitos de estase gastrointestinal. Nesta, há uma obstrução intestinal ou gástrica, na qual o
vômito é de coloração escura e se assemelha muito à hematêmese “em borra de café”.
2. Pseudo-hemorragia digestiva: o paciente está, de fato, sangrando, mas a hemorragia não se origina no
TGI.
Exemplos: epistaxe (o sangue de origem nasal é deglutido, provoca irritação gástrica e desencadeia o reflexo do
vômito com conteúdo que simula uma hematêmese), sangramento da cavidade oral (decorrente de uma cirurgia,
por exemplo, na qual o sague é deglutido e ocorre o mesmo mecanismo explicado na epistaxe) e hemoptise (o
médico deve prestar atenção em relação a esse quadro; para diferenciar, pergunte ao paciente se há tosse; além
disso, o volume de sangue na hemoptise é, geralmente, menor que nos vômitos).

Melena
Definida como fezes enegrecidas (piche) de odor fétido, em decorrência da exteriorização de sangue
digerido (perda de pelo menos 100 ml, teoricamente¹). Habitualmente, decorre de lesões acima do ligamento de
Treitz (90% dos casos). Para que ocorra melena por lesões abaixo do ligamento de Treitz, o sangramento deve
ocorrer lentamente e o trânsito intestinal do paciente deve ser lento.
¹ Entretanto, na maioria dos casos, o paciente que exterioriza sangue nas fezes tem perda de sague do TGI muito mais volumosa, em
torno de 400 ml de sangue.
Diagnóstico Diferencial:
 Ingestão de sais de ferro e alimentos contendo sangue animal.

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 Epistaxe e sangramento de cavidade oral deglutidos.

Hematoquezia/ Enterorragia
Refere-se à eliminação de sangue vivo pelo reto e, habitualmente, decorre de lesões abaixo do ligamento
de Treitz (90% dos casos). Para que a hematoquezia ocorra por lesão acima do ligamento, deve haver um grande
volume de sangue na luz intestinal e este sangue deve exercer uma grande ação catártica, laxativa, estimulando o
peristaltismo.
Os termos hematoquezia e enterorragia podem ser entendidos como sinônimos. Entretanto, alguns
autores definem hematoquezia como eliminação de pequena quantidade de sangue logo após a evacuação
(gotejamento), com fezes normais, representando lesões mais distais. Já a enterorragia seria a eliminação de
maior quantidade de sangue nas fezes e com coágulos.
Diagnóstico Diferencial:
 Ingestão excessiva de beterraba, por exemplo.

Sangramento Oculto
Identificado, apenas, em exame complementar (pesquisa de sangue oculto nas fezes), na ausência de
sangramento clinicamente detectável.

Etiologias

* HD Alta:
1- Úlcera Péptica – causa isolada mais comum.

17
2- Lesão Aguda de Mucosa Gástrica e Duodenal (LAMGD) – por drogas e “úlceras” de estresse.
3- Varizes esofagogástricas – representam hemorragias decorrentes de hipertensão portal.
4- Outras:
 Esofagite (no contexto de uma DRGE);
 Neoplasias (de esôfago e estômago, mas com sangue pouco volumoso);
 Síndrome de Mallory-Weiss.
Em algumas publicações a síndrome de Mallory-Weiss é considerada uma das principais causas de HD
alta. É caracterizada por hematêmese de grande volume, de sangue vivo, provocada por uma laceração,
geralmente, superficial da mucosa na transição esofagogástrica, provocada por esforço repetitivo de vômito. Tal
síndrome é característica de alcoolistas crônicos² e da hiperêmese gravídica³.
² São pacientes que estão constantemente irritando a mucosa gástrica, se tornando mais sensíveis ao reflexo do vômito.
³ Condição patológica que ocorre no primeiro trimestre de gestação, sem etiologia bem definida (provavelmente, decorrente das
alterações hormonais).

* HD Baixa:
a) Cólon
Globalmente, as duas causas mais comuns, incluindo o intestino delgado, são:
1- Doença Diverticular dos Cólons

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2- Angiodisplasias dos Cólons (ectasias vasculares)

Outras causas:
 Doença hemorroidária (causa pouco significativa);
 Carcinoma (HD baixa é um sinal de alarme para este);
 Doença inflamatória intestinal (ex.: doença de Crohn);
 Colite isquêmica;
 Lesões actínicas (“retite” actínica, que acontece em decorrência de tratamento de tumores do
sistema reprodutor – ex.: radioterapia de câncer de colo de útero)
 Amebíase;
 Coagulopatias;
 Drogas (ex.: AINES).
b) Intestino Delgado
1- Divertículo de Meckel (causa mais comum em jovens);

18
2- Tumores (Ex.: leiomiomas)
3- Ectasias vasculares (acometem mais os idosos);
4- Outras: Doença de Crohn; tumores mais raros (carcinoides).

Doença Ulcerosa Péptica

É a causa mais comum de HD alta (40-50% dos casos). A hemorragia pode ser a primeira manifestação
clínica em até 20% dos casos e a melena isolada é a principal forma de exteriorização hemorrágica.
As úlceras duodenais sangram, mais frequentemente, que as úlceras gástricas.

Lesão Aguda de Mucosa Gástrica e Duodenal (LAMGD)


(“Gastrite hemorrágica aguda”)

Possui dois tipos principais:


a) LAMGD por drogas (AAS, AINES)
b) “Úlceras” de estresse
 Úlceras de Curling, as quais ocorrem em grandes queimados.
 Úlceras de Cushing, descritas em pacientes com lesões no SNC.
As “úlceras” de estresse são comuns em pacientes críticos, que estão submetidos a estresses orgânicos, o
que explica do nome das mesmas. Se caracterizam por múltiplas erosões superficiais puntiformes na mucosa, que,
eventualmente sangram. Ou seja, não são úlceras verdadeiras.

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Doença Diverticular dos Cólons

A principal causa de HD baixa é mais frequente nos idosos, visto que é uma anormalidade adquirida com
o tempo, por enfraquecimento da parede intestinal. Os constipados crônicos também têm tendência a apresenta-
la.
A hemorragia diverticular se caracteriza por sangramento indolor (diferencial clínico importante),
volumoso e com coágulos. O sangramento é, frequentemente, precipitado pelo uso de antiagregantes
plaquetários e anticoagulantes.

Angiodisplasias (Ectasias Vasculares)

As angiodisplasias são causa importante de HDB. São distúrbios degenerativos, também mais frequentes
nos idosos. As localizações mais comuns são ceco e cólon ascendente.
Podem se manifestar, eventualmente, por sangramento discreto ou enterroragia de vulto (de sangue vivo
e em grande volume).

Doença Anorretal

Referem-se a sangramentos discretos com sangue vivo rutilante, misturado com fezes de aspecto normal.
Causas:
 Doença hemorroidária, cujo sangramento é indolor.
 Fissura, na qual há sangramento e dor intensa à evacuação.

Diagnóstico da Hemorragia Digestiva (HD)


19
Confirmação da presença de HD
A melhor forma de confirmar a HD se dá através da visualização direta do produto das evacuações ou
dos vômitos. Quando o paciente não está evacuando ou vomitando no momento, o toque retal tem grande valor
diagnóstico (presença de estigma de sangramento).
É importante tomar cuidado com as falsas hemorragias e com as falsas hemorragias digestivas, que
representam 20% dos casos.

É HD alta ou baixa?
Basta avaliar o tipo de exteriorização hemorrágica:
 Hematêmese: HDA.
 Melena: HDA.
 Hematoquezia: HDB.

Dados da anamnese
 Idade e procedência (área endêmica para esquistossomose, a qual causa HD por hipertensão portal)
 Dor epigástrica, em queimação, “dor de fome”: úlcera péptica?
 Ritmicidade: relação com a alimentação: úlcera péptica?
 “Clocking” (despertar noturno): especificidade para úlcera péptica.
 Uso de AINE, AAS: LAMGD ou úlcera?
 Vômitos claros, repetitivos, antecedendo a HD: S. de Mallory-Weiss?
 Histórico de doença hepática ou alcoolismo crônico: varizes esofágicas, secundárias à hipertensão portal.
 Pode ser uma HD baixa? Indicativos: enterorragia volumosa, pouco dolorosa ou indolor e com coágulos.
 É uma doença diverticular?

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 É importante determinar a relação do sangramento com: idade do paciente (pacientes jovens são mais
acometidos por distúrbios benignos); hábito intestinal basal (ex.: aumento do trânsito intestinal na doença
inflamatória crônica); uso de medicamentos precipitantes.
 Sinais de alarme para neoplasia de cólon: (1) alteração recente do hábito intestinal; (2) anemia; (3)
emagrecimento; (4) história familiar de carcinoma.
 Dor abdominal importante: colite isquêmica? Doença inflamatória intestinal?
 Sangramento de pequeno volume em “gotejamento”: sugere doença hemorroidária.

Dados de exame físico


Sinais periféricos de hepatopatia crônica, tais como icterícia, “aranhas vasculares”, além da presença de
esplenomegalia sugerem hipertensão portal, a qual pode causar hemorragia através de varizes esofágicas.
Massa palpável e adenomegalia levantam a hipótese de câncer gástrico.
O exame físico permite, ainda, avaliar a gravidade do sangramento através da detecção de sinais de
repercussão hemodinâmica (sinais de sangramento extremamente significativo). São eles: sudorese, palidez,
hipotensão e taquicardia.

Exames subsidiários (HD)


Objetivam confirmar e avaliar a gravidade de perda sanguínea, além de determinar a origem do
sangramento. Respectivamente, lançamos mão dos exames laboratoriais e da investigação diagnóstica etiológica
(endoscopia).

a) Exames laboratoriais
 Hemograma completo (há anemia? 4)
4 Obs.: nas primeiras 24 horas de sangramento, o hemograma não é muito revelador, pois na fase aguda o paciente perde
a mesma quantidade de componentes sólidos e líquidos do sangue.
20
 Coagulograma
 Ureia, creatinina, eletrólitos (os pacientes podem estar com função renal comprometida devido ao baixo
fluxo renal; além disso, na fase aguda de sangramento, podem haver taxas de ureia muito mais altas que
as de creatinina, visto que a metabolização do sangue, que fora absorvido no intestino, pelo fígado
produz ureia).
 Provas de função hepática (são muito importantes nos casos de HDA)
 Outros: ECG, radiografia de tórax, gasometria arterial.

b) Investigação etiológica
 Endoscopia digestiva alta: HDA
 Colonoscopia: HDB
 Outros:
* Avaliação proctológica / retossigmoidoscopia: suspeita de doença anorretal.
* Em casos de HD de origem obscura (pacientes com enterorragias, cuja investigação inicial não fechou
diagnóstico): enteroscopias (tradicional, duplo-balão, cápsula endoscópica5), cintilografia e arteriografia
mesentéricas. HD de origem obscura, geralmente, tem como causa afecções do intestino delgado, que é
melhor estudado pelos exames supracitados.
5 É considerada padrão ouro no diagnóstico de doenças do intestino delgado.

Caso Clínico: JSN, 39 anos, sexo masculino, branco, casado, comerciante, natural de JF. “Estou vomitando sangue”. Há 4 horas
apresentou um episódio de hematêmese volumosa se sangue vivo. O quadro se repetiu há uma hora. Nega dor abdominal, diarreia ou
emagrecimento. Refere dispneia, que se instalou após os vômitos. Tabagista 25 anos/maço. Etilista há 20 anos. Sonolento, emagrecido,
dentes malconservados. Há esplenomegalia. Hipocorado, ictérico, acianótico.
Qual é a hipótese diagnóstica mais provável? Varizes gastroesofágicas, na medida em que é etilista crônico, apresenta esplenomegalia e
estigmas periféricos de comprometimento hepático.

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Semiologia das diarreias

Introdução

A diarreia é uma experiência humana universal. A diarreia aguda ainda é responsável por um grande
número de internações em países de primeiro mundo (cerca de 250.000 hospitalizações/ano nos EUA). Em países
subdesenvolvidos, é a principal causa de mortalidade entre crianças menores de 5 anos.

Definição

Diarreia refere-se à alteração do hábito intestinal, caracterizada pelo aumento da frequência evacuatória
(3 ou mais por dia) e redução da consistência fecal. A definição de base científica refere-se a um aumento do
peso fecal diário (> 200 g/dia), mas não é utilizada na prática clínica.

Características especiais de diarreia

Disenteria: diarreia mucopiossanguinolenta.


Esteatorreia: presença de gordura fecal em excesso (> 7 g/dia). Em geral, acompanha as formas crônicas
de diarreia. Clinicamente, se caracteriza por fezes amareladas, volumosas, brilhantes e flutuantes, associadas à
significativa perda de peso.

Fisiopatologia

Os intestinos têm duas funções básicas: (1) secretar substâncias que auxiliam na digestão e (2) absorver
líquidos, eletrólitos e nutrientes. Fisiologicamente, a absorção excede a secreção (cerca de 10 litros líquidos
chegam no jejuno proximal em 24 horas; destes 70-80% são absorvidos no jejuno e no íleo; aproximadamente, 2
litros chegam ao cólon, mas apenas 5-10% do que chega ao cólon é eliminado nas fezes).
21
Qualquer fator que aumente a secreção ou reduza a absorção pode causar diarreia. A fisiopatologia de
uma diarreia pode estar associada a 4 mecanismos principais: diarreia osmótica, secretora, motora e inflamatória.

Diarreia osmótica
Depende da presença de um soluto hiperosmolar mal absorvido na luz intestinal, promovendo um
deslocamento de água para essa região.
Tem duas características principais:
1. Melhora com o jejum ou com a parada de ingestão do agente causador.
2. Cursa com o chamado “gap” osmótico (hiato osmótico).
As fezes devem ser isosmóticas em relação ao plasma. Em uma diarreia secretora, a osmolaridade é dada
pela soma dos eletrólitos fecais usais (apenas pequena quantidade de substâncias osmoticamente ativas
contribui). No entanto, na diarreia osmótica são as substâncias osmoticamente ativas que determinam a
osmolaridade fecal. Para que este conteúdo fique isosmótico, há uma redução dos eletrólitos, os quais
são reabsorvidos. Assim, a osmolaridade efetivamente calculada seria a subtração do valor estimado da
osmolaridade fecal (+/- 290 mOsm) da exercida pelos eletrólitos. Esse grande hiato, caracteriza a diarreia
osmótica.

Ex.: deficiência de dissacaridases (lactase); ingestão de substâncias omoticamente ativas, como lactulose (laxante).

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Diarreia secretora
Provocada por secreção ativa de água e eletrólitos para a luz intestinal a partir da ativação de sistemas
enzimáticos intracelulares (AMP-cíclico). Não cessa com o jejum. Ex.: diarreia pelo Vibrio cholerae (“diarreia com
aspecto de arroz”) e determinados tumores neuroendócrinos, que estimulam a produção de secreção pelo TGI.

Diarreia motora
Resulta de uma alteração primária da motilidade intestinal e é o mecanismo mais frequentemente
causador de diarreia crônica. Ex.: síndrome do intestino irritável (SII)¹, hipertireoidismo (o aumento do
metabolismo basal interfere no trânsito intestinal), supercrescimento bacteriano/estase (esclerodermia)².
¹ Síndrome funcional (não existem alterações estruturais no TGI que justifiquem os sintomas do paciente), crônica e benigna.
Acomete, principalmente, pacientes jovens. É caracterizada por dor e distensão abdominais, além de alteração do hábito intestinal,
seja por diarreia, constipação ou alternância entre os dois. Acontece uma hiperatividade elétrica do TGI, que gera o distúrbio motor.
Essa hiperatividade elétrica pode se relacionar com fatores emocionais, embora não seja causada por eles.
² A esclerodermia é uma doença autoimune cutânea, que pode ter comprometimento visceral. Nela, há uma fibrose progressiva do
intestino e a perda de tecido muscular leva à estase intestinal, a qual predispõe supercrescimento bacteriano, que, por sua vez, causa
diarreia.

Diarreia inflamatória
É a mais grave e ocorre por dano à mucosa intestinal com liberação de mediadores inflamatórios,
provocando exsudação de sangue, muco, leucócitos e proteína. Não melhora com o jejum. Cursa com presença
de hemácias e leucócitos nas fezes. Ex.: Shigella, Salmonela, E. coli enteroinvasiva, Retocolite Ulcerativa Inespecífica
(RCUI)³.
³ Doença inflamatória crônica, sem causa específica.

É muito frequente a concomitância de ação de mais de um desses mecanismos na determinação final da


diarreia. É o que de fato ocorre com a maioria das diarreias clinicamente significativas.

Classificação
22
A de maior relevância clínica é a que distingue a diarreia de acordo com o seu tempo de evolução:
diarreia aguda x diarreia crônica.
A diarreia aguda é definida pela presença de três ou mais evacuações líquidas ou amolecidas ao dia por
um período máximo de 30 dias, entretanto, permanecendo habitualmente restrita a 15 dias.
Fala-se em diarreia crônica quando esta tem duração superior a 30 dias ou quatro semanas.

Diarreia Aguda
São processos benignos, autolimitados. Sua principal etiologia é a infecciosa. E, neste contexto, o
diagnóstico é eminentemente clínico. A conduta terapêutica é de suporte clínico e ajuste hidroeletrolítico. É uma
urgência médica, devido ao risco de desidratação (maior em idosos e em crianças pequenas).

Diarreia Crônica
Associada à ampla gama de fatores causais distintos e mais complexos. Raramente, necessita de
abordagem emergencial e permite investigação planejada.

Abordagem clínica das diarreias

 Realização de anamnese e exame físico cuidadosos.


 Exames complementares (utilização racional).
 O mais importante é distinguir diarreia aguda de crônica.

Anamnese
A anamnese pode sugerir:
 Localização do processo patológico

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Diarreia “alta” – intestino delgado.
Diarreia “baixa” – cólon.
 Natureza da doença: inflamatória, infecciosa, neoplásica ou funcional.

Localização
a) Diarreia de delgado (“alta”)
Caracterizada por fezes volumosas, claras e aquosas. Além disso, há menor número de exonerações. Não
há sangue, muco ou pus nas fezes. Às vezes, com restos alimentares nos casos de má absorção4. A dor
abdominal, quando existe, é periumbilical.
4 Ex.: carboidratos e proteínas. Alimentos de origem vegetal não são considerados, na medida em que, fisiologicamente, não são
digeríveis.
b) Diarreia de Cólon (“baixa”)
Caracterizada por fezes pouco volumosas, escuras e com maior número de exonerações. Acompanhadas
de sangue, muco ou pus. A dor abdominal, quando existe, é hipogástrica ou localizada no quadrante inferior
esquerdo, com irradiação para a região sacral. Às vezes, com sensação de urgência evacuatória e tenesmo
(sensação de evacuação incompleta, com necessidade de voltar ao banheiro).

Natureza da doença
 Eliminação de sangue: indica doença inflamatória, infecciosa ou neoplásica. Praticamente, exclui a
possibilidade de diarreia funcional.
 Eliminação de pus: indica processo infeccioso.
 Eliminação de muco sem sangue: sugere colopatia funcional – SII.
 Presença de fezes gordurosas, brilhantes, espumosas e volumosas: sugere esteatorreia, característica de
síndrome de má-absorção.
 Alternância de hábito intestinal (paciente que intercala momentos de diarreia e constipação): câncer
colorretal5, colopatia funcional6.
5 Paciente acima de 50 anos e alteração recente do hábito intestinal são sinais de alarme para o câncer colorretal.
23
6Se acontece em um jovem, sem sinais de consumo orgânico (emagrecimento, por exemplo), com exames laboratoriais normais, a
alternância sugere SII.
 Diarreia noturna: em geral, indica doença orgânica. Ex.: diarreia por disautonomia diabética.

Ainda na anamnese:
 Verificar a presença de outros sintomas, tais como febre, perda de peso, artralgia (quadro diarreico crônico
com artralgia pode indicar doença inflamatória crônica, como Doença de Crohn e retocolite ulcerativa).
 Checar outros dados:
* Uso de antibióticos ou alimentos “suspeitos”.
* História pregressa (ex.: cirurgias – Síndrome da Alça Cega: pacientes gastrectomizados que ficam com uma
área do estômago exclusa, por onde não há trânsito estomacal, a qual predispõe a colonização de bactérias
e, consequente, diarreia).
* História familiar (presença de doença inflamatória intestinal).
* História social (ex.: etilismo) e atividade sexual (ex.: infecções oportunistas que cursam com quadro diarreico
em imunodeprimidos, como aidéticos).

Exame físico
Três alterações ganham destaque:
1- Sinais de desidratação (mucosas e pele ressecadas, turgor cutâneo diminuído, olhos encovados, por
exemplo).
2- Sinais de desnutrição (alopecia, baqueteamento digital, por exemplo).
3- Presença de dor abdominal.
A localização da dor pode indicar diarreia “alta” ou “baixa”. Além disso, é um fator de diagnóstico
diferencial com abdome agudo cirúrgico/apendicite aguda (dor à palpação importante, que simula irritação).

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Exames complementares

Princípios Importantes
Deve-se empregar o menor número possível de exames, evitando gastos e desconfortos desnecessários
ao paciente.
É recomendável iniciar com exames mais simples. Tenha cuidado com exames sofisticados sem valor de
discriminação.
Uma investigação explosiva, diante de uma diarreia pode refletir ausência de uma anamnese cautelosa e
a falta de conhecimento sobre a provável causa da diarreia.

Diarreia aguda

Quadros autolimitados e benignos. O tratamento é de suporte clínico. Não se justifica qualquer


investigação complementar.
Exceções:
 Quadros prolongados (> 3 dias) com diarreia inflamatória.
 Sinais de desidratação significativa.
 Presença de toxemia importante (queda do estado geral importante).
 Febre alta persistente.
 Indivíduos imunossuprimidos (idosos).

Quais são os exames?


1- Hemograma (é um quadro infeccioso?)
Leucocitose com desvio, linfocitose (vírus).
2- Função renal e eletrólitos
A hipovolemia pode causar insuficiência renal. Além disso, casos diarreicos mais graves cursam com 24
distúrbios hidroeletrolíticos. É importante atentar-se para o desequilíbrio do potássio, que pode gerar problemas
cardíacos.
3- Pesquisa de leucócitos fecais
Teste mais utilizado na avaliação de diarreia aguda.
4- Coprocultura
Não deve ser solicitada de rotina, pois possui índice de positividade muito baixo, além de ser muito cara.
Única situação de indicação: pacientes com diarreia aguda inflamatória persistente (entre 15 e 30 dias de
duração).
5- Pesquisa de ovos e parasitas (EPF)
Não é custo-efetiva. Parasitoses intestinais, na maioria das vezes, cursam com diarreia recorrente/ crônica
e apresentam história clínica favorável ao diagnóstico.
6- Radiografia simples de abdome
Reservada para casos mais graves. Útil no diagnóstico diferencial com abdome agudo.
7- Outros:
Pesquisa nas fezes das toxinas A e B do Clostridium difficile.
Retossigmoidoscopia/ colonoscopia: suspeita de doença inflamatória intestinal (DII), como uma RCUI.

Diarreia Crônica

Permite investigação planejada, mas é um desavio para o diagnóstico médico.


O primeiro passo é a investigação não invasiva:
1- Hemograma
Anemia
2- Bioquímica e proteinograma
Hipoalbuminemia

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3- Provas de atividade inflamatória
VHS, PCR quantitativa
4- Avaliação metabólica
TSH (hipertireoidismo pode se manifestar com distúrbios digestivos. Ex.: hipertireoidismo inaparente do
idoso – não apresenta as manifestações clássicas da doença e a diarreia pode ser o único sintoma.)
5- E.P.F
Pesquisa de parasitas
6- Pesquisa de leucócitos fecais, gordura fecal – SUDAN III7.
7
Análise quantitativa de gordura fecal.
Sequencialmente, inicia-se a investigação invasiva:
7- Trânsito do intestino/ enterografia por TC – diarreia alta
DII (Crohn), tuberculose, linfoma, etc.
8- Colonoscopia – diarreia baixa
DII (RCUI e Crohn), câncer de cólon.
9- TC de abdome convencional
Suspeita de pancreatite crônica.
10- Outros exames:
* Triagem sorológica para doença celíaca
Anticorpo antitransglutaminase tecidual IgA
* Teste de tolerância oral à lactose
* Dosagem de hormônios
Tumores neuroendócrinos (ex.: gastrinoma).
* Cápsula endoscópica

Semiologia da Constipação Intestinal


25
Introdução

A constipação intestinal, inicialmente, deve ser entendida como um sintoma associado a diferentes
situações de doença. Representa uma das principais causas de consulta a clínicos e gastroenterologistas.
Constipação crônica é diferente de constipação transitória. A última refere-se a um paciente que sofre
alguma alteração de dieta e mobilidade física, que quando eliminada retorna o trânsito intestinal ao normal.
Epidemiologicamente, é responsável por cerca de 2,5 milhões de atendimentos/ ano nos EUA.
Aproximadamente, 10% da população mundial considera-se constipada.

Definição

A definição epidemiológica, no mundo ocidental, é baseada na frequência evacuatória, a qual deve ser
menor que 3 evacuações por semana.
A definição clínica, elaborada pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA, 2000) é a seguinte:
“Evacuação insatisfatória e caracterizada por hábito intestinal pouco frequente, dificuldade na eliminação das
fezes ou ambos. Essa dificuldade inclui esforço evacuatório prolongado, fezes endurecidas ou necessidade de
manobras para auxiliar o esvaziamento do reto”.
Em 2006 surgiu uma definição de consenso, os critérios de Roma III, que se segue:
O diagnóstico de constipação crônica requer a presença de 2 ou mais dos sintomas abaixo, por pelo menos 3
meses consecutivos, com início dos sintomas no mínimo 6 meses antes do diagnóstico:
1. Esforço excessivo em mais de 25% das evacuações;
2. Fezes endurecidas em mais de 25% das evacuações;
3. Sensação de evacuação incompleta em mais de 25% das evacuações;
4. Sensação de bloqueio anorretal em pelo menos 25% das evacuações;

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5. Necessidade de manipulação digital para facilitar a evacuação;
6. Menos que 3 evacuações por semana.
A definição clínica da AGA é a que tem maior valor prático, dentre as apresentadas acima.
Obs.: a redução do número de evacuações é apenas um dos critérios e não, necessariamente, o mais importante
como se pensaria.

Classificação e Etiologias

A constipação pode ser:


1. Primária: forma clínica mais comum de constipação crônica, que decorre de um distúrbio da função
motora colônica ou anorretal. É a constipação crônica funcional primária.
2. Secundária: decorrente de distúrbios congênitos ou adquiridos e de outros fatores, como o uso de
medicamentos. É a constipação como um sintoma.

1. Constipação Primária
Se subdivide em três categorias: constipação de trânsito normal, constipação de trânsito lento e disfunção
do assoalho pélvico (obstrução da “via de saída”).

1.1 Constipação de trânsito normal


Suas características incluem:
 Frequência evacuatória normal.
 Dificuldade para evacuar e/ou fezes endurecidas.
 Distúrbio psicossocial é frequente.
 Teste fisiológicos normais (ex.: tempo de trânsito colônico normal).
 Tipo mais comum de constipação primária.

1.2 Constipação de trânsito lento


26
Resulta de defeito primário global da atividade motora do cólon. É mais comum na mulher jovem e
caracteriza-se por baixa frequência evacuatória (uma vez por semana).
“Inércia evacuatória” é o termo usado para usa forma mais grave.

1.3 Disfunção do assoalho pélvico


Resulta de um defeito primário na coordenação motora anorretal em eliminar o conteúdo do reto. Muitas
vezes, há favorecimento de movimento retrógrado do conteúdo fecal. É mais comum nos idosos e, às vezes, é
associada a distúrbios estruturais, tais como a retocele e o megarreto.
Caracteriza-se por esforço excessivo com manobras manuais para facilitar as evacuações.

2. Constipação Secundária
Pode ser relacionada a causas:
a) Sistêmicas
Distúrbios metabólicos e endócrinos: hipotireoidismo (pode ser um fator agravante da constipação
primária), uremia, hipocalemia.
b) Neurogênicas (centrais e periféricas)
Centrais: Parkinsonismo, AVE, esclerose múltipla, lesões medulares, tumores. (Paciente que se movimenta
menos, especialmente com imobilidade da região pélvica, tende a ter constipação)
Periféricas: doença de Hirshsprung¹, doença de Chagas², neuropatias raras do TGI.
¹ É o megacólon congênito, caracterizado pela destruição congênita dos plexos mioentérico e submucoso.
² Também há destruição dos plexos nervosos.
c) Gastrointestinais (TGI superior e inferior)
TGI superior: câncer gástrico, lesões ulcerosas estenosantes (raras).
TGI inferior: câncer de cólon, estenoses colônicas espontâneas (o que pode acontecer na doença de
Crohn) e pós cirúrgicas, miopatias congênitas ou adquiridas.

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d) Uso de medicações
Anticolinérgicos (hioscina), antidepressivos (amitriptilina), opioides (morfina), anticonvulsivantes
(fenobarbital), antipsicóticos (haloperidol).
Essas causas devem ser sempre excluídas na avaliação inicial dos pacientes constipados, sobretudo, na
constipação de início recente (3 a 6 meses de evolução).

Avaliação Clínica

Baseia-se em uma boa anamnese, exame físico cuidadoso e investigação complementar mais específica
possível. A última pode incluir: exames laboratoriais, exames endoscópicos, avaliação radiológica e avaliação
funcional (reservada para constipação intestinal crônica refratária).

Anamnese

 O primeiro passo é definir o início dos sintomas:


Ao nascimento/ infância: sugere distúrbio congênito.
Idade adulta:
* História prolongada por mais de 2 anos sugere patologia funcional.
* Constipação de início recente sugere doença orgânica e, em paciente com mais de 50 anos, torna-se
um alarme para câncer de cólon.
 Relação do início dos sintomas com mudança na rotina do paciente (alimentar, profissional, etc.)
A inibição crônica do desejo de evacuar é frequente. Ex.: trabalhador se vê impossibilitado de evacuar e
inibe, conscientemente, o reflexo da evacuação. Com o tempo, isso pode se tornar uma patologia, a inibição
crônica, a qual não é consciente.
 Caracterização dos sintomas de constipação
Deve-se questionar frequência, esforço e aspecto das fezes. 27
 Presença de sinais de alarme
São eles: perda de peso, sangramento retal, anemia, dor abdominal intensa, história familiar de câncer de
cólon, instalação recente dos sintomas, alternância do hábito intestinal (> 50 anos = risco de câncer de cólon).
 Hábitos alimentares e atividade física
Deve-se questionar a regularidade das refeições, ingestão de água e fibras, além da prática de atividade
física regular. Respostas negativas inferem prejuízo do trânsito intestinal.
 Uso de medicações
Constipantes e laxativos¹.
¹ O uso crônico de laxativos deixa a função intestinal dependente do mesmo, com inibição do fator endógeno. Assim, com o tempo,
doses maiores são necessárias e o quadro de constipação é agravado.
 Antecedentes patológicos e familiares
Doenças neurológicas, metabólicas ou neoplásicas.
 Perfil emocional
Averiguar sintomas de síndrome do intestino irritável (cursa com sintomas digestivos e extra digestivos,
tais como cefaleia e fragilidade emocional).

Exame físico

É frequente que seja normal. No entanto, é importante pesquisar sinais de doença orgânica. No exame
geral, por exemplo, pode-se encontrar evidências de anemia, perda de peso, doença metabólica ou neurológica.
No exame do abdome, atenta-se a massas palpáveis.
No exame do períneo e toque retal se pode encontrar a presença de fissuras e tumores.

Investigação Complementar

Depende da avaliação detalhada de cada caso. É útil para excluir um distúrbio orgânico tratável (causas

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secundárias).
Inclui: exames laboratoriais, investigação endoscópica e radiológica, além de investigação funcional. A
última, reservada para casos refratários.

Exames laboratoriais
Hemograma completo, testes da função tireoidiana (TSH, T4), bioquímica (glicemia, função renal, eletrólitos),
sorologia para doença de Chagas (apenas quando houver um componente clínico ou epidemiológico que justifique o
teste). Esses exames, atualmente, não são mais obrigatórios na ausência de sinais e sintomas clínicos sugestivos. Nesses
casos, o médico pode fazer o diagnóstico de constipação funcional primária e fazer o acompanhamento do paciente.

Exames endoscópicos e radiológicos


 Colonoscopia: útil na suspeita de malignidade e na presença de sinais de alarme (ex.: anemia e história
familiar). Todo paciente acima de 50 anos deve ser submetido à colonoscopia.
 Endoscopia digestiva alta (EDA): não é habitual.
 Enema opaco/ “clister opaco”: é uma radiografia contrastada, utilizada para avaliação morfológica do cólon,
sobretudo no caso de megacólon. É pouco usado.

Investigação funcional
É realizada apenas nos casos refratários e sem uma causa orgânica secundária claramente identificável. É
representada, principalmente, por: (1) manometria anorretal, (2) proctografia/ defecografia, (3) tempo de trânsito
colônico. Esses exames são feitos na sequência apresentada.
Constipação intestinal crônica refratária se refere a pacientes que não respondem ao tratamento inicial
(aumento de aporte de fibras e hídrico e uso de laxantes leves).
Essa investigação deve se iniciar pelos exames anorretais, na medida em que os distúrbios do assoalho
pélvico são os que mais frequentemente adquirem caráter refratário.
 Manometria anorretal: 28
* Teste de expulsão do balão: revela obstrução da via de saída por força retal propulsiva inadequada ou
resistência aumentada à evacuação.
* Pesquisa do reflexo inibitório retoanal: útil no diagnóstico diferencial entre constipação funcional e
doença de Hischprung (no último, este reflexo está ausente).
 Proctografia:
* Avalia a dinâmica da evacuação por bário ou RNM. É utilizada, apenas, quando a manometria for
inconclusiva para distúrbio defecatório.
* Detecta distúrbios do assoalho pélvico. (Anatômicos: retocele, prolapso de reto; funcionais: reação
paradoxal do esfíncter/ “anismo”²).
² Incoordenação motora do esfíncter, que provoca movimentação retrógrada do bolo fecal. Pode ser causado por abuso sexual na
infância.
 Tempo de trânsito colônico (TTC)
Deve ser realizado numa fase tardia, para
pacientes em que um distúrbio defecatório foi
descartado. Utiliza marcadores radiopacos ingeridos,
que são avaliados 120 horas após, através de uma
radiografia simples de abdome.
Pode revelar: (1) trânsito normal (menos de
20% de marcadores no cólon no quinto dia); (2)
trânsito lento/ “inércia colônica” (mais de 20% de
marcadores retidos, dispersos ao longo do cólon do
paciente).

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29
Guideline – Gastroenterology, 2013, vol. 144, nº 1.

Icterícia

É um sinal clínico, que pode representar um número alto de diagnósticos diferenciais. Para conseguir
entender seu significado, são necessários boa história clínica, exame físico estruturado e uso racional de exames
complementares.

Metabolismo da bilirrubina

Produzimos cerca de 200-300 mg/dia de bilirrubina. 80% desta quantidade é o produto final da
degradação do grupo heme, da hemoglobina, responsável pelo transporte de O2.
São duas etapas de produção de bilirrubina. A heme oxigenase transforma o grupo heme em biliverdina
e esta é transformada em bilirrubina indireta (não conjugada) pela biliverdina redutase.
A bilirrubina não conjugada é insolúvel no plasma e só pode transitar no meio aquoso quando ligada à
albumina. A bilirrubina indireta é tóxica, especialmente para o SNC¹. O processo de conjugação, feito no fígado, é
uma forma de detoxificação.
No fígado, a bilirrubina não conjugada é desprendida da albumina. Por transporte ativo, é colocada
dentro do hepatócito. No interior da célula, sofre ação do complexo enzimático UDP-glucuronil transferase, o
qual é responsável pela sua conjugação. Forma-se, então, a bilirrubina direta (conjugada). Por transporte ativo, a
bilirrubina conjugada é colocada dentro do canalículo biliar. Através das vias biliares, ela chega ao duodeno. Após
passar pelo íleo e pelo cólon formam-se o urobilinogênio, o estercobilinogênio e bilirrubina não conjugada, por

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ação de enzimas bacterianas. O estercobilinogênio é responsável pela coloração das fezes. Esses pigmentos são
reabsorvidos pela mucosa intestinal e retornam ao fígado pela circulação entero-hepática e, assim, todo o
processo se repete. Pequena parte de bilirrubina é eliminada na urina.
¹ Kernicterus: deposição de bilirrubina indireta nos núcleos da base de recém-nascidos, acarretando distúrbios motores e sinais de
paralisia cerebral por encefalopatia bilirrubínica.

Hiperbilirrubinemias 30
O indivíduo normal possui os níveis de bilirrubina em torno de 1 – 1,2 mg/dl. A icterícia ocorre quando o
nível das bilirrubinas é superior a 3 mg/dl.
A icterícia é pesquisada através da observação da esclera e do frênulo lingual. Pacientes negros possuem,
constitucionalmente, a esclera mais amarelada. Para a pesquisa de icterícia nestes, olha-se a base da língua.
Pacientes vegetarianos podem ter hipercarotenemia, que torna a coloração da pele amarelada. No
entanto, tais pacientes não possuem alteração de cor na esclera e no frênulo.
É importante separar a hiperbilirrubinemia às custas da fração conjugada da às custas da fração não
conjugada. Tal divisão se refere a qual fração é predominante no exame laboratorial e é muito importante, visto
que os mecanismos e as causas para cada um desses grupos são diferentes. A colúria é um sinal de icterícia às
custas da fração conjugada, visto que a bilirrubina não conjugada só transita quando associada à albumina, a qual
é uma proteína de alto peso molecular e que, portanto, não sofre excreção renal. A acolia fecal aparece na
ausência de bilirrubina conjugada no intestino para formar estercobilinogênio, situação presente nas obstruções
das vias biliares (hiperbilirrubinemia conjugada).

Não Conjugada

O único sinal é a icterícia, a qual ocorre por dois mecanismos principais: (1) superprodução de bilirrubina e
(2) distúrbio na conjugação da bilirrubina.
A superprodução de bilirrubina indireta ocorre em estados hemolíticos, com ultrapassagem da
capacidade de conjugação pelo fígado.
A conjugação da bilirrubina está deficiente quando há uma redução do complexo UDP-GT. O gene UGT-1
é responsável pela codificação desse complexo e mutações neste reduzem a atividade do complexo. As
síndromes de Gilbert (reduz a 30%) e de Crigler-Najjar (tipo 1 – reduz a 0% e tipo 2 – reduz a 10%) são exemplos
de mutação do gene UGT-1. A síndrome de Gilbert é a mais frequente na prática clínica. O paciente desta possui
icterícia intermitente, a qual é intensificada em momentos de estresse, infecção e jejum, por exemplo.

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Conjugada

É muito mais comum na prática clínica que a icterícia às custas da fração não conjugada.
Existem duas síndromes genéticas, não muito bem esclarecidas e pouco frequentes, que cursam com
aumento da bilirrubina conjugada, provavelmente, por comprometimento da etapa de excreção canalicular
(comprometimento dos transportadores). São as síndromes de Dubin-Johnson (MOAT) e de Rotor.
A icterícia às custas de bilirrubina conjugada pode ser caracterizada em dois padrões principais: (1)
icterícia obstrutiva e (2) icterícia não obstrutiva. Na obstrutiva há algum processo mecânico impedindo o trânsito
de bile, como na coledocolitíase e em tumores de cabeça de pâncreas (a porção distal do colédoco é
retropancreática). Icterícia de padrão colestático extra-hepático² se refere a qualquer processo que interrompa ou
dificulte o fluxo biliar, de maneira obstrutiva.
² Extra-hepático é um termo que não se refere à localização da obstrução, mas apenas à existência de obstrução.
Obs.: A coledocolitíase pode ser secundária a uma colelitíase, na qual o cálculo se desloca da vesícula biliar para o ducto colédoco.
Causas principais: (1) cálculos biliares, (2) lesões periampulares (como o tumor de cabeça de pâncreas e o
tumor de papila duodenal), (3) obstrução por ascaris, (4) estenose pós-operatória.

Icterícia obstrutiva – quadro clínico


Síndrome colestática do ponto de vista clínico se apresenta, classicamente, através de icterícia, colúria,
acolia ou hipocolia fecal e prurido (os sais biliares são irritativos).
Dor abdominal sugere cálculos biliares. Febre e calafrios, por sua vez, falam a favor de colangite – um
processo infeccioso das vias biliares, secundário à obstrução (a estase biliar favorece proliferação bacteriana). Nos
tumores da papila, ocorre icterícia flutuante (o paciente não está constantemente ictérico). Anorexia e
emagrecimento são característicos de neoplasias. Esses sintomas são sucedidos pelos sintomas clássicos da
síndrome colestática.
No exame físico se pode encontrar icterícia e sinal de Courvosier (vesícula palpável e indolor, presente em
30% dos pacientes com tumor de cabeça de pâncreas).
A dilatação das vias biliares, visualizada no exame de ultrassom, é a chave do diagnóstico de icterícia
31
obstrutiva.

Icterícia não obstrutiva (colestática intra-hepática)


Não há obstáculo mecânico ao fluxo biliar. Pode se dar por (1) lesão hepatocitária ou por (2) lesão de
colangiócitos (células epiteliais dos ductos biliares, responsáveis pela excreção de bile).
Nos hepatopatas, o transporte da bilirrubina conjugada para o canalículo biliar é o que está mais
comprometido. Dessa forma, a fração que se aumenta no sangue em maior proporção é a conjugada, mesmo
estando a conjugação comprometida pela perda de massa hepática funcional. É o que explica a icterícia na fase
aguda de uma hepatite A e em pacientes cirróticos.
A icterícia por lesão de colangiócitos é dita colestática intra-hepática e pode decorrer de processos
infecciosos graves e uso de determinados medicamentos, por exemplo. É, no entanto, uma situação mais rara.

Abordagem

Inicia-se através da história clínica e do exame físico. Sequencialmente, em todo paciente ictérico, mesmo
com hipótese diagnóstica muito provável, se realiza uma avaliação laboratorial padrão. De acordo com os
resultados iniciais, realizam-se exames de imagem, sendo que o ultrassom é o mais revelador.

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Testes Hepáticos
Predomínio de aminotransferases (AST/TGO Agressão Hepatocelular
e ALT/TGP)
Predomínio de fosfatase alcalina (FA) e Agressão Colestática
gama-glutamiltransferase (GGT)
Elevação de bilirrubinas
Redução do nível de albumina Disfunção hepática
Tempo de protrombina prolongado
Obs.: A dosagem de enzimas hepáticas (aminotransferases) é sempre utilizada para avaliar lesão hepática e não função hepática. FA
e GGT são ditas enzimas canaliculares ou colestáticas. Quando o quadro é agudo, a elevação das enzimas é exorbitante. Em quadros
crônicos, a elevação não é, comparativamente, tão expressiva.

32

Adaptado de Harrison Medicina Interna, 18ª edição.

Caso Clínico: Sexo masculino, 17 anos, estudante. Episódios de icterícia de resolução espontânea. Nega colúria, acolia
fecal e prurido. Nega uso de medicamentos, etilismo, antecedentes cirúrgicos, história familiar de hepatopatia. Nega
transfusão sanguínea, UDIV, comportamento sexual de risco. Exame físico normal, exceto pela icterícia.

Resolução: Síndrome de Gilbert.

Insuficiência Hepática e Hipertensão Portal

Insuficiência Hepática

Função Hepática

Os hepatócitos possuem funções importantes na manutenção da homeostase e da saúde. Essas funções


incluem a síntese da maioria das proteínas plasmáticas (albumina, proteínas carreadoras, fatores de coagulação,
hormônios e fatores de crescimento), produção de bile e seu conteúdo (ácidos biliares, colesterol, lecitina,
fosfolipídios), regulação de nutrientes (carboidratos, lipídios e proteínas) e metabolismo e conjugação de
componentes lipofílicos (bilirrubina, ânions, cátions, drogas) para excreção na bile ou na urina. Em uma

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insuficiência hepática todas podem estar comprometidas.

Classificação

Insuficiência hepática aguda


Injúria hepatocelular aguda, que ocorre na ausência de doença hepática pré-existente. Os principais
exemplos são as hepatites virais e a induzida por medicamentos. É a menos prevalente.

Insuficiência hepática crônica


Ocorre devido a uma agressão persistente e silenciosa do fígado por agentes diversos, como o vírus da
hepatite C. Essa agressão desencadeia processo inflamatório, que leva à morte celular, além de fibrogênese
hepática progressiva. No espaço de Disse, células estrelares ficam em estado quiescente, armazenando vitamina A
e lipídios. Os agressores ativam as células estrelares e estas começam a secretar matriz de colágeno, causando
fibrose. O acúmulo progressivo de matriz de colágeno pode culminar no comprometimento funcional do fígado,
caracterizando a cirrose hepática. Quase que universalmente, pacientes cirróticos desenvolvem sinais de
hipertensão portal. Assim, cirrose hepática e hipertensão portal são síndromes intrinsecamente associadas.

Causas de insuficiência hepática crônica

As principais são uso abusivo de álcool, hepatites virais (predominantemente os vírus das hepatites A e B)
e doença hepática gordurosa não alcoólica (secundária à síndrome metabólica). Existem ainda outras etiologias
menos frequentes, tais como as doenças colestáticas (CBP), hepatite autoimune e doenças metabólicas.

Apresentação Clínica

No exame físico de rotina se pode encontrar estigmas de insuficiência hepática crônica. Além disso,
podem ser encontrados sinais de hepatopatia nos exames complementares e o paciente pode procurar
33
atendimento com sinais de descompensação hepática, como uma ascite.

Histórica Clínica

Destaque para: sexo, idade, transfusão sanguínea (pacientes que receberam transfusão antes de 1992 têm
maiores chances de possuírem hepatite C), promiscuidade sexual, consanguinidade, etilismos, transtornos
metabólicos, história familiar de doença hepática, icterícia, aumento do volume abdominal, hemorragia digestiva e
alterações neuropsiquiátricas.

Exame Físico

Quando a suspeita de comprometimento hepático for levantada pela história clínica, deve-se procurar no
exame físico os estigmas de insuficiência hepática. São eles:
 Telangiectasias: são encontradas principalmente no dorso, tronco e membros superiores.
 Eritema palmar: é a acentuação da hiperemia nas eminências tenar e hipotenar.
 Clubbing ou baqueteamento digital: não é específico do comprometimento hepático (acontece em
acometimento pulmonar e cardiovascular, por exemplo). É caracterizado por ângulo entre a placa e a prega
ungueal proximal maior que 180º.
 Ginecomastia: é uma proliferação benigna do tecido glandular masculino, por aumento da circulação de
estradiol, na medida em que este não é metabolizado no fígado adequadamente.
 Hipogonadismo: caracterizado por atrofia testicular, impotência e infertilidade. Sua etiologia
é multifatorial, pelo aumento da circulação de hormônios sexuais e por efeitos tóxicos.
 Contratura de Dupuytren: refere-se ao espessamento e encurtamento da fáscia palmar, por
mecanismo fibrótico. É encontrado, especialmente, em cirróticos alcoólicos.

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Além desses estigmas periféricos, ao exame físico, o fígado pode se encontrar reduzido, com borda
romba, consistência aumentada (duro) e nodular, embora, frequentemente, indolor. O baço apresenta-se indolor,
mas devido à hipertensão portal, é aumentado e com maior consistência. O paciente ainda pode apresentar
ascite (líquido na cavidade abdominal), comprovada com o sinal da macicez móvel.
A icterícia é um sinal clínico e ocorre às custas da fração direta, por déficit da excreção hepatocelular.
Um outro achado de mal funcionamento hepático é o flapping ou asterix. Este é um
sinal caracterizado por tremor bilateral das mãos, que pode ser espontâneo ou resposta à
dorsiflexão forçada. Significa perda brusca do tônus flexor, consequente a uma encefalopatia
hepática. A não metabolização hepática da amônia é tóxica para as células nervosas,
especialmente os astrócitos.
O paciente também pode ter fetor hepaticus, o hálito adocicado, consequente do aumento de
concentrações de dimetilssulfido e mercaptanos.
Há ainda sinais de hipertensão porta, como a cabeça de medusa (veias proeminentes na parede
abdominal) e circulação colateral mais branda.

Exames complementares

Alteração das enzimas hepáticas


AST, ASL: danos hepatocelulares (aumento discreto nas hepatites crônicas e estrondoso nas hepatites
agudas).
FA, GGT: lesões canaliculares.

Testes de função hepática


Síntese dos fatores de coagulação e albumina.
Albumina e tempo de protrombina.

Citopenias (redução do nível de plaquetas)


34
A esplenomegalia causa o chamado hiperesplenismo. O baço aumentado capta excessivamente
elementos figurados do sangue, especialmente as plaquetas.

Exames específicos são solicitados de acordo com a suspeita etiológica.

Métodos de Imagem
Ultrassonografia: textura, tamanho, borda hepática; sinais de hipertensão porta; detecção de
complicações (ascite e nódulos).
TC e RNM.
Hipertensão Portal

Definição

Hipertensão portal é o aumento da pressão no território portal, acima de 6 mmHg.


A maior parte do sangue que chega ao fígado é oriundo do TGI, através da veia porta. Dessa forma,
muitos comprometimentos gastrointestinais podem causar hipertensão portal. Além disso, lembre-se que a veia
porta é formada pela união da veia esplênica com a mesentérica superior, o explica a esplenomegalia em casos
de hipertensão portal e vice-versa. O sangue oriundo dessas regiões tem seus componentes metabolizados e vai
para a circulação sistêmica através da veia cava inferior.
A causa mais comum de hipertensão portal é a cirrose hepática.

Fisiopatologia

A pressão no sistema porta é proporcional ao fluxo sanguíneo portal e à resistência vascular (PP = F x RV).
Os sinusoides hepáticos são capilares de baixa pressão e de alta complacência, sendo capazes de se

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acomodar ao variável fluxo sanguíneo que chega ao fígado pela veia porta. Como estão muito próximos dos
espaços de Disse, a fibrose, que ocorre na cirrose hepática, acaba por diminuir sua complacência, aumentando a
resistência vascular.
Na cirrose ainda ocorre um descompasso na produção de oxido nítrico. Há maior concentração deste na
circulação esplâncnica e menor na circulação intra-hepática. Na medida em que o NO é um vasodilatador, há
aumento do fluxo na circulação esplâncnica e maior resistência ao mesmo na circulação intra-hepática.

Classificação

A HP é classificada em 3 níveis, de acordo com sua localização:


1- Pré-hepática: ocorre antes do fígado. Seu exemplo clássico é a
trombose de veia porta.
2- Intra-hepática: como acontece na cirrose.
3- Pós-hepática: ocorre por obstrução de veias hepáticas (trombose),
que característica da síndrome de Budd-chiari.

Consequências

Manifestações clínicas associadas à hipertensão portal se seguem: ascite, circulações colaterais porto-
sistêmicas (tentativas de diminuir a pressão no sistema porta), peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia
hepática e síndrome hepatorrenal.

Abordagem

Na anamnese se deve questionar a procedência do paciente (é de uma área endêmica para


esquistossomose?), antecedentes de cateterização umbilical e onfalite, sinais de doença hepática, antecedentes
35
tromboembólicos e de hipercoagulabilidade.
No exame físico devem ser pesquisados sinais de insuficiência hepática crônica, atentando-se ao fato de
que na esquistossomose eles estão ausentes. Esplenomegalia, circulação colateral, ascite e edemas de membros
inferiores são recorrentes.
A investigação laboratorial se dá através da pesquisa de citopenias e de lesão ou disfunção hepática.
Incluem: ultrassonografia, TC ou RNM e endoscopia digestiva alta (pode revelar varizes esofagianas ou
gastropatia hipertensiva portal).

Caso Clínico: Indivíduo de 42 anos, previamente hígido, é encaminhado ao ambulatório de especialidade devido a episódios
prévios de hemorragia digestiva alta (VE). Nega etilismo, UDIV, promiscuidade sexual, história familiar de doença hepática. Nega
antecedentes cirúrgicos e uso de medicamentos. Nasceu no Norte de Minas Gerais onde, na infância, costumava tomar banho
de lagoa. Ao exame: anictérico, ausência de estigmas de doença hepática, Traube maciço e sinal de macicez móvel negativo.
Hepatomegalia (LD: 14 cm) e esplenomegalia (baço na cicatriz umbilical).

Resolução: Esquistossomose em sua forma esplênica.

Semiologia da dor abdominal

Introdução e Conceito

A palavra dor significa “algo penoso”, que vem do latim poena (castigo). Traduz-se em uma sensação
subjetiva, que resulta da transmissão central de estímulos nocivos recebidos perifericamente.
É um fenômeno psíquico complexo, influenciado por múltiplos fatores (étnicos, culturais e da

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personalidade) e direcionado para a proteção do corpo contra agressões (físicas ou não).
É responsabilidade do médico interpretar a queixa do paciente, determinar a sua causa e planejar o
tratamento apropriado.

Estímulos para a dor abdominal

As vísceras abdominais são insensíveis a estímulos que provocam dor quando aplicados à pele (ex.: corte
ou laceração). No entanto, a dor abdominal visceral pode ser provocada por (1) estímulos mecânicos e (2)
estímulos químicos.

Estímulos Mecânicos
O principal estímulo é o estiramento ou a tensão aumentada na parede do órgão. Pode resultar da
distensão serosa ou da cápsula por edema do parênquima, como em uma congestão hepática. No caso das
vísceras ocas, ocorre por distensão rápida ou por contrações vigorosas, como na obstrução intestinal.

Estímulos Químicos
Podem se originar de inflamação, isquemia tecidual e lesão actínica (lesão causada por radioterapia), por
exemplo. Há a liberação de mediadores (como prostaglandinas, bradicinina e radicais livres), que alteram o
microambiente do tecido lesado e reduzem o limiar para a dor.

Tipos de dor abdominal

A dor abdominal é classicamente dividida em 3 categorias: (1) visceral, (2) somática (parietal) e (3) referida.

Dor visceral
Surge quando estímulos nocivos afetam primariamente uma víscera abdominal. Em geral, é transmitida
por fibras não mielínicas, produzindo uma dor vaga e mal definida (“dor surda”). Sua localização é imprecisa, na
36
região médio-abdominal, porque as vísceras têm inervação multissegmentar e os órgãos abdominais têm
representação bilateral no SNC. Além disso, pode ter um caráter variável (cólica, em queimação, etc.) e pode estar
associada a sintomas autonômicos¹ (palidez, sudorese, náuseas e agitação).
¹ Fibras aferentes da dor visceral são comuns às vias autonômicas.

Dor somática (parietal)


Surge por estimulação nociva do peritônio parietal. Geralmente, é transmitida por fibras mielínicas e,
assim, a dor é de resposta rápida e circunscrita. É bem localizada, visto que o peritônio parietal tem representação
unilateral no SNC (ex.: ponto de Mcburney na apendicite aguda). Além disso, é muito intensa e percebida em área
próxima à região estimulada. É agravada pela movimentação e pela tosse.

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Dor referida
É percebida em áreas distantes do órgão doente, que são
supridas pelo mesmo segmento medular. Em geral, surge quando o
estímulo visceral nocivo se torna mais intenso. É relativamente bem
localizada (ex.: acometimento da vesícula biliar refere dor na região
infraescapular direita e um abscesso subfrênico esquerdo refere dor
no ombro esquerdo, por irritação diafragmática). A dor referida
ocorre porque fibras aferentes viscerais se comunicam com fibras
aferentes somáticas, que inervam a pele.

Conduta clínica

A avaliação clínica da dor abdominal se dá através de anamnese, exame físico e utilização racional de
exames complementares.
A principal causa de erro diagnóstico em pacientes com dor abdominal é a ausência de uma histórica
clínica detalhada.
Depende, primariamente, da duração da dor. Em casos de dor crônica, a investigação pode ser mais lenta
e organizada. Já na dor aguda, é necessário determinar uma conduta terapêutica, clínica ou cirúrgica, antes do
diagnóstico.

Anamnese

A análise da dor abdominal deve ser minuciosa e avaliar os seguintes aspectos: (1) localização, (2)
intensidade, (3) caráter, (4) cronologia/ evolução, (5) fatores agravantes e atenuantes, (6) sinais e sintomas
associados.
Localização: é importante detectar a região mais dolorosa, além de avaliar possível irradiação ou dor
37
referida (ex.: patologias duodenais e pancreáticas referem dor na região dorsal).
Caráter: dor em queimação sugere patologia péptica ou DRGE, enquanto que dor em cólica uma
obstrução intestinal ou etiologias biliares e ureterais.
Intensidade: geralmente, dor intensa e excruciante acontece em úlceras perfuradas e no infarto
mesentérico.
Cronologia: dor súbita, aguda e persistente, com duração de mais de 6 horas, sugere abdome agudo
cirúrgico em evolução. Já a dor crônica recorrente não sugere patologia urgente, como uma síndrome dispéptica
funcional.
Evolução: a dor pode ser de evolução autolimitada (gastroenterite) A, intermitente (cólica nefrética) B ou
progressiva (abdome agudo cirúrgico) C. Na isquemia mesentérica o início é abrupto D.

Fatores agravantes e de alívio: podem fornecer pistas importantes. Por exemplo, dor que piora com
estresse emocional sugere uma natureza funcional do quadro, como a síndrome do intestino irritável. Dor que
melhora com antiácidos (IBP) sugere origem péptica.
Sinais e sintomas associados: deve-se questionar o paciente sobre sintomas constitucionais (febre e
emagrecimento), digestivos (vômitos, alteração do hábito intestinal), urinários (disúria, polaciúria) e ginecológicos

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(metrorragia, corrimento, atraso menstrual).

Causas extra-abdominais da dor


Incluem causas cardíacas (IAM²), pulmonares (pneumonia³), hematológicas (anemia falciforme4),
metabólicas (DM5 e uremia) e neurológicas (epilepsia abdominal6 e radiculites).
² Um IAM pode ser diagnosticado, erroneamente, como síndrome dispéptica por gerar dor epigástrica, além de náuseas e vômitos.
3 Pneumonia de lobo inferior direito, com acometimento pleural, gera dor tóraco-abdominal capaz de simular acometimento biliar.

4 Pode causar obstrução dos vasos mesentéricos, causando dor semelhante à apendicite ou à colecistite.
5 Na cetoacidose acontece liberação de prostaglandinas, que estimulam a peristalse intestinal e causam dor.

6 É rara e mais presente em crianças, as quais apresentam dor abdominal e, logo em seguida, crise epilética.

Exame físico, exames complementares (ECG, radiografia de tórax e avaliação laboratorial), além de outros
sintomas associados e, no caso de doenças hereditárias como a anemia falciforme, histórico familiar são
importantes para identificar, corretamente, uma dessas causas.

Exame físico

Gera dados mais restritos, mas pode testar hipóteses levantadas na anamnese. É composto de exame
geral, exame específico do abdome e exame genital e retal.
1- Exame Geral
É importante observar a aparência e a atitude do paciente. Fáceis de dor ou sofrimento agudo, posição
antálgica (fetal) e sem movimentação são indicativos de dor parietal, ou seja, de peritonite. Paciente agitado, se
contorcendo, com alterações frequentes de posição, no entanto, indicam dor visceral pura, levantando suspeita
de cólica ureteral ou intestinal, por exemplo.
2- Exame específico do abdome
Na inspeção, deve-se observar se há distensão, cicatrizes, equimoses e peristalse visível.
Na ausculta, hiperperistalse (indicativo de gastroenterite ou obstrução intestinal) ou peristalse reduzida
(presente na peritonite generalizada) podem ser reveladas. 38
Na percussão, o hipertimpanismo indica excesso de gás intraluminal, que ocorre na obstrução intestinal,
ou extraluminal, presente na perfuração de uma víscera oca. No último, há sinal de Jobert positivo – timpanismo
na área hepática.
À palpação, deve-se atentar a sinais de irritação peritoneal e a massas palpáveis. Esta é a etapa mais
importante do exame físico do abdome.
3- Exame genital
Pode revelar hérnias inguinoescrotais, no homem. Na mulher, pode evidenciar alguma patologia
ginecológica.
4- Exame retal
Tumores palpáveis podem ser detectados.

Exames complementares

Devem ser solicitados de acordo com a suspeita clínica específica de cada caso. Na dor abdominal aguda,
a avaliação é, primariamente, laboratorial. Os principais exames são: hemograma, exame de elementos e
sedimentos (EAS) da urina, bioquímica, β-HCG (em mulher jovem, com dor baixa – gravidez tubária rota?), provas
hepáticas e amilase (em casos de dor abdominal alta).
A avaliação radiológica é, frequentemente, necessária. Inicia-se com uma radiografia simples de abdome.
A “rotina” radiológica de abdome agudo é RX de tórax em PA, RX de abdome em AP em pé e deitado. Esta pode
revelar desde um pneumoperitônio a uma obstrução intestinal.
A ultrassonografia é um método disponível, não invasivo e de baixo custo, muito utilizado, sobretudo em
suspeita de causas biliares, como colecistite aguda.
A tomografia computadorizada (TC – helicoidal, com reconstrução tridimensional) é o método mais
versátil na avaliação da dor abdominal aguda. Pode detectar pneumoperitônio com alto nível de sensibilidade,
sinais de obstrução intestinal, lesões inflamatórias7 (apendicite, diverticulite e pancreatite), lesões vasculares e
neoplásicas (embolia e trombose mesentéricas8; tumor de pâncreas e de outros órgãos).

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7 No caso das lesões inflamatórias, a TC é padrão ouro para diagnóstico.
8 Trombose de artéria mesentérica superior é a principal causa de isquemia mesentérica aguda.

Pancreatite Aguda
Tomografia computadorizada mostrando
áreas de hipodensidade pancreática,
revelando necrose.

Outros métodos são utilizados de acordo com a necessidade do caso. Endoscopia (EDA e colonoscopia) é
utilizada na avaliação da mucosa do TGI alto e baixo. A laparoscopia tem como principal utilização fazer o
diagnóstico diferencial entre doença anexial (salpingite) e apendicite aguda. Além disso, tem acurácia de 93-97%
em caso de dor abdominal aguda não traumática.

Diagnóstico

Em casos duvidosos e indefinidos, com dor abdominal crônica recorrente, deve-se lembrar de causas
mais raras de dor abdominal. Cabe a realização de exames especiais e considerar origem não orgânica da dor, ou
39
seja, que é um caso funcional (ex.: SII).
Algumas causas de dor abdominal: víscera perfurada (causa peritonite generalizada), apendicite,
diverticulite colônica aguda, pancreatite, obstrução intestinal, infarto intestinal, IAM, pneumonia, uremia e DM,
envenenamento por chumbo, febre familial do Mediterrâneo9, entre outros.
9Condição hereditária rara, frequente em pacientes de origem mediterrânea, na qual há síntese de proteína inflamatória fibrogênica
no peritônio, com simulação de sinais de irritação peritoneal. O diagnóstico é raro e o paciente pode ser submetido a vários
procedimentos cirúrgicos até que a doença seja identificada. O tratamento é simples, com droga antifibrogênica (colchicina).

Exame Físico do Abdome

O primeiro passo é a preparação do ambiente. Nesta objetiva-se uma iluminação adequada, que o
paciente esteja tranquilo e relaxado (conversar com o paciente a fim de descontraí-lo) e é importante uma
exposição total do abdômen.
É importante ter em mente que patologias que acometem sistemas diferentes do gastrointestinal podem
se manifestar através de sintomas clássicos distúrbios do TGI. Por exemplo, a pneumonia de lobo inferior refere
dor no hipocôndrio, cetoacidose causa náusea e vômito e infarto de parede inferior leva à dor abdominal, náusea
e vômito.
Dicas para melhorar o exame: esvaziar a bexiga, conforto do paciente (pequena inclinação da cabeça e
flexura dos joelhos, com auxílio de travesseiro, podem diminuir a tensão abdominal), braços ao longo do corpo,
iniciar sempre pelo lado contralateral à queixa (pedir para o paciente indicar o local doloroso), mãos e
estetoscópio aquecidos, unhas cortadas, evitar movimentos bruscos, distrair o paciente, imaginar o órgão que
está sendo palpado.
Sequência do exame: (1) inspeção, (2) ausculta, (3) percussão e (4) palpação.

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Divisão do Abdômen

a) Divisão em quadrantes
É a forma mais simples. Trace uma linha, no eixo vertical, do apêndice xifoide à sínfise púbica e outra, no
eixo horizontal, tendo como referência a cicatriz umbilical.

b) Divisão em 9 seções
É a mais utilizada. Tome como referência o gradil costal e
as cristas ilíacas, horizontalmente, e as linhas hemiclaviculares,
verticalmente.
É importante saber a correspondência anatômica:
1- Hipocôndrio direito: lobo hepático direito, vesícula biliar e
flexura hepática do cólon.
2- Epigástrio: extremidade pilórica do estômago, duodeno,
pâncreas e porção do fígado.
3- Hipocôndrio esquerdo: estômago, cauda do pâncreas e flexura
esplênica do cólon.
4- Flanco direito: cólon ascendente e porções do duodeno e do
jejuno. 40
5- Mesogástrio: parte inferior do duodeno, jejuno e íleo.
6- Flanco esquerdo: cólon descendente, porções do jejuno e do
íleo.
7- Fossa ilíaca direita: ceco, apêndice, extremidade inferior do íleo.
8- Hipogástrio: íleo, bexiga e útero.
9- Fossa ilíaca esquerda: cólon sigmoide.

Inspeção

Cicatrizes
Podem revelar algo que não foi abordado na entrevista.

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Pele
 Coloração (icterícia, palidez, descamação)
 Distribuição de pelos (rarefação)
 Estrias
Predominam no sexo feminino. As brancas são ditas fisiológicas, consequentes de emagrecimento. Róseas
ou purpúreas podem ser resultantes de síndrome de Cushing, tumores abdominais ou ascites volumosas.
 Erupções cutâneas (exantemas de doenças infecciosas)

Circulação Colateral
Circulações colaterais surgem após obstrução da via principal.
a) Tipo cava: a obstrução é no sistema cava. O fluxo nas metades superior e inferior sobem na manobra do
esvaziamento vascular (dois dedos comprimem a veia e, quando um é retirado, é possível ver a direção do
fluxo sanguíneo).

b) Tipo porta: a obstrução é no sistema porta. O fluxo da metade superior sobe, enquanto que o da metade
inferior desce, indo em direção ao plexo retal inferior.

A “cabeça de medusa” é um
tipo de circulação colateral por
distensão e ingurgitamento
das veias paraumbilicais, na
41
hipertensão porta.

Equimoses na região periumbilical caracterizam o sinal de Cullen, e


indicam que há sangue no hemiperitônio. Surge na gravidez tubária rota e
na pancreatite aguda, por exemplo. O sinal de Grey-Turner refere-se a
equimoses nos flancos, que podem indicar pancreatite aguda grave ou
obstrução intestinal.

Umbigo
Deve-se observar o contorno, localização (tumores podem desviar a cicatriz umbilical), se há inflamação
ou hérnia.
Hérnias não se restringem à região umbilical. Também podem ser epigástricas, femorais ou inguinais.
Muitas vezes, elas só são visualizadas com o auxílio da manobra de Valsalva.

Peristalse
Geralmente, não é observável em pacientes hígidos, exceto quando ocorrem na região mesogástrica de
pacientes magros. Quando há peristaltismo visível, configura-se o que se denomina de “ondas de Kussmaul”, as
quais são sugestivas de obstrução intestinal. Podem ser chamadas de “peristaltismo de luta”, na medida em que
ocorrem na tentativa de vencer a obstrução. Quando a obstrução se torna muito grave, o peristaltismo cessa e os
ruídos hidroaéreos são substituídos por um silêncio.
Obs.: Uma das causas de obstrução intestinal é a doença de Crohn, sendo secundária a um processo inflamatório.
Esta pode evoluir para perfuração.

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Estigmas periféricos de hepatopatia
São eles: icterícia, ascite, circulação colateral, eritema palmar, baqueteamento digital, telangiectasia¹
(aranha vascular) e hiperplasia de parótida.
¹ Telangiectasias são vênulas aumentadas (pequenos vasos sanguíneos) que causam linhas avermelhadas ou manchas na pele que
aparecem de forma gradual.

Tipos de Abdômen
 Plano: formato normal.
 Globoso: aumento do diâmetro ântero-posterior (indicativo de pneumoperitônio, tumor de ovário, gravidez,
hepatomegalia).
 Batráquio: aumento do diâmetro transversal (ascite).
 Pendular: porção inferior do abdômen cai por aumento de tecido (gravidez).
 Avental: visto em obesidade mórbida. Parede abdominal cai sobre a coxa do paciente.
 Escavado: observado em pessoas emagrecidas (comum, portanto, em pacientes com neoplasia). A parede
abdominal fica retraída.

Ausculta

O objetivo da ausculta é a identificação de motilidade intestinal, através dos


ruídos hidroaéreos (RHA), e de sopros. Quando os RHA não forem audíveis de Aorta

imediato, a ausculta deve durar 2 minutos. Artéria


renal
Na diarreia, os RHA estão aumentados. No início do processo de obstrução
Artéria
intestinal também estão aumentados, mas ficam diminuídos ou abolidos quando a ilíaca
obstrução é total. Eles estão diminuídos também no íleo paralítico. Na peritonite o Artéria

estado dos RHA é variável, a depender da etiologia. femoral

Em pacientes vasculopatas e hipertensos se deve pesquisar os sopros de grandes artérias: aorta, renal²,
ilíaca e femoral. O sopro tem como significado o estreitamento da luz do vaso ou a ocorrência de uma fístula
42
arteriovenosa (raro).
² Sua estenose é causa comum de HAS em jovens.

Percussão

A percussão objetiva avaliar a distribuição de gases e a presença de massa ou de líquidos. Além disso,
permite a pesquisa de visceromegalias. Deve ser feita nos 4 quadrantes.
O normal é se encontrar som timpânico globalmente, com exceção do hipocôndrio direito, onde há
macicez do fígado.
Ocorre hipertimpanismo em situações de aumento do meteorismo (formação de gases no estômago), na
obstrução intestinal e no pneumoperitônio. Já a macicez é encontrada na ascite, na existência de massas e na
esplenomegalia.

Percussão na ascite
1- Manobra de Piparote
Solicite ao paciente que comprima a linha média de seu abdome usando a borda da
mão. Essa compressão ajuda a interromper a transmissão de onda através da gordura. Dê um
“peteleco” em um dos flancos com uma mão e com a outra tente sentir no flanco oposto um
impulso transmitido pelo líquido. O sinal de Piparote só é aparece em
volumes acima de 3 litros e pode ser positivo em paciente sem ascite.
Portanto, não é o mais indicado.

2- Pesquisa de Macicez Móvel


Em decúbito dorsal o líquido ascítico tende a se distribuir uniformemente em
direção aos flancos. Na pesquisa de macicez móvel, primeiramente, com o paciente em

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decúbito dorsal, nota-se timpanismo no centro do abdome e macicez nos flancos. Posteriormente, com o
paciente em decúbito lateral, a macicez se desloca para o lado de maior declive, enquanto que o timpanismo
move-se para cima. É a melhor das manobras, pois detecta ascite com volumes em torno de 300 ml e 1 litro.
3- Semicírculo de Skoda
Como o líquido ascítico tipicamente se dispõe segundo a gravidade,
enquanto as alças do intestino repletas de gases flutuam na parte superior, a
percussão das regiões inferiores do abdome evidencia macicez. Pesquise esse
padrão percutindo, de dentro para fora, em várias direções, desde a região central
de timpanismo até a periferia. É possível identificar volumes entre 1 e 3 litros.

Sinal de Jobert
Refere-se à presença de timpanismo na região da linha hemiclavicular direita (área hepática). É sugestivo
de pneumoperitônio, o qual é decorrente de rompimento de uma víscera oca (perfuração de um divertículo, por
exemplo).

Percussão do Fígado
A percussão deve ser feita na linha hemiclavicular e o objetivo é se fazer a hepatimetria. Para encontrar a
borda superior, inicie a percussão em uma área atimpânica e vá descendo até encontrar macicez. Para a borda
inferior, comece em uma área timpânica e vá subindo até achar macicez. Faça marcações e depois meça. O
43
tamanho normal do fígado está entre 6 e 12 cm.

Uma forma fácil de encontrar a borda inferior do fígado se dá através da manobra do arranhão. Coloque
o estetoscópio na área hepática. Faça arranhões no abdome do paciente, de baixo para cima. Em área timpânica,
o barulho é quase inaudível ao estetoscópio. No entanto, ao se alcançar a borda hepática, será possível ouvir o
arranhão, visto que o som se propaga melhor em meios sólidos.

A presença de punho-percussão dolorosa no hipocôndrio direito, de moderada à forte intensidade, é


sugestiva de processo inflamatório hepático ou vesicular. Este é o chamado sinal de Torres-Homem.

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Percussão do Baço
O baço está aumentado quando se encontra macicez no espaço de Traube ou no
ponto de Castell. O primeiro é semilinuar e delimitado pela quinta ou sexta costela,
rebordo costal, linhas axilar anterior e paraesternal do lado esquerdo. O ponto de Castell
encontra-se no último espaço intercostal esquerdo, na linha axilar anterior.

Palpação Abdominal

Inicia-se pela palpação superficial, seguida da profunda, em todas as nove regiões do abdome. Depois
vêm as palpações do fígado, do baço e do rim.
A palpação superficial é útil para identificar hipersensibilidade abdominal, resistência muscular e alguns
órgãos ou massas superficiais. A rigidez involuntária (espasmo muscular) indica inflamação peritoneal.
Na palpação profunda, pesquise a presença de massas e registre localização, tamanho, formato,
consistência, hipersensibilidade, pulsações e mobilidade com a respiração ou com a mão que faz o exame. As
massas abdominais podem ser classificadas de várias maneiras: fisiológicas (útero gravídico), inflamatórias
(diverticulite de cólon), vasculares (aneurismas da aorta abdominal), neoplásicas (carcinoma de cólon) ou
obstrutivas (bexiga distendida ou alça intestinal dilatada).
Existem duas manobras para palpação profunda do fígado:
 Lemos-Torres: o examinador posiciona a mão esquerda na região lombar direita do paciente e faz uma
tração anterior do fígado. Com as falanges distais dos dedos ou com a borda radial do dedo indicador da
mão direita, tentar palpar a borda hepática inferior. Durante a expiração, o examinador aprofunda a mão
e durante a inspiração a movimenta, cranialmente, para palpar a borda.

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 Mathieu: o examinador posiciona-se à direita e com o dorso voltado para o paciente. Em seguida, coloca
suas mãos sobre o hipocôndrio direito e flete os dedos, formando uma garra, um pouco abaixo do nível
da borda hepática inferior (delimitado pela percussão). Deve-se fazer o mesmo sincronismo com a
respiração explicado para Lemos-Torres.

O baço cresce em sentido anterior e para a direita. Dessa forma, sua palpação deve ser feita
obliquamente. A técnica é, praticamente, a mesma da manobra de Lemos-Torres. A palpação é facilitada
colocando o paciente em decúbito lateral direito e com as pernas ligeiramente fletidas na altura dos quadris
(posição de Schuster).

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Pesquisa de irritação peritoneal
A dor abdominal desencadeada por tosse ou percussão suave sugere inflamação peritoneal. Peça para o
paciente tossir e determine o local doloroso.
Existe, ainda, a manobra de descompressão brusca dolorosa. Explique ao paciente que irá comprimir a
área dolorosa e peça-o que fale quando a dor é mais intensa, na compressão ou na descompressão. Maior
intensidade na descompressão é sinal de irritação peritoneal, denominado sinal de Blumberg.

Hipersensibilidade Renal
Na pesquisa de hipersensibilidade renal, o examinador coloca a mão
espalmada sobre o ângulo costovertebral e o percute com a superfície ulnar do
punho. Dor sugere pielonefrite, mas também pode ser uma causa
musculoesquelética.

Avaliação do Psoas e Sinal do Obturador


O músculo iliopsoas se estende da 12ª vértebra torácica até o trocanter menor do fêmur. Tem como ação
flexão da coxa sobre o quadril. A irritação desse músculo é um sinal de apendicite aguda. O sinal de Lapinsky
revela tal irritação e refere-se à dor à compressão da fossa ilíaca direita quando o paciente eleva o membro
inferior direito. Existe ainda o sinal do psoas, pesquisado através de uma hiperextensão passiva da coxa.

45

Irritação do músculo obturador também indica apendicite aguda. Dor em fossa ilíaca direita, à manobra
de Patrick-Fabere (flexão do joelho, abdução da coxa e rotação externa, do lado direito, seguida de força para
baixo com estabilização do quadril) é seu indicador.

CAROLINE FELICIANO – MED 107


Radiografia de Abdome

A radiografia é o método inicial básico de estudo do abdome. Suas principais incidências são decúbito
dorsal AP e ortostatismo AP.
É um método baseado na densidade das estruturas, sendo
as estruturas mais densas hipotransparentes e as menos densas
hipertransparentes. São quatro densidades básicas, em ordem
crescente: ar, gordura, água (partes moles) e cálcio. Há ainda a
densidade metálica.

Rotina de abdome agudo


Constitui-se de três incidências: decúbito dorsal AP, ortostatismo AP e tórax em PA (doenças de base do
tórax, como uma pneumonia, podem se apresentar através de dor abdominal; útil no diagnóstico de
pneumoperitônio).

O ar no TGI é importantíssimo para que haja diferença entre densidades, que permite a análise
do exame. Sem ele, todos os órgãos se fundem como uma sombra cinza confluente.

A: Abdome sem ar em
uma menina de 4 dias
de vida, que esteve
vomitando desde o
nascimento.
B: A mesma paciente,
com o estômago
insuflado de ar. 46
Distribuição Gasosa Normal
O intestino delgado, geralmente, possui pouquíssimo gás em seu interior e, portanto, não é visível. O
cólon ascendente possui menor quantidade de ar que os demais segmentos do intestino grosso e possui
conteúdo mais pastoso, o que dificulta sua identificação. As porções mais distais são bem visíveis em razão da
produção de gases pelas bactérias.
Quando não se vê a bolha gástrica e o ar se concentra no antro pilórico, pode-se dizer que o RX é em
decúbito dorsal, pois o ar se move para a região anterior. Em ortostatismo, o ar sobe, formando a bolha gástrica.

Planos de Gordura
A diferença de densidade entre as estruturas e a gordura adjacente forma sombras que as delimitam.
Podemos visualizar, por exemplo, as linhas do psoas, do fígado e dos rins. Quando há algum sangramento, essas
linhas desaparecem.

Repare, na segunda figura, o


contorno do rim E. A glândula
adrenal está calcificada, pois o
paciente possui doença de
Addison. A pelve e os cálices
renais estão visíveis em razão de
utilização de contraste.

CAROLINE FELICIANO – MED 107


Revestimento Mucoso
É melhor visualizado com a utilização de contrastes. Hoje em dia, o exame endoscópio tem substituído o
exame contrastado. É necessário saber as características específicas do revestimento mucoso de cada segmento
do TGI.

47

O que analisar?
 Distribuição gasosa
 Presença de gás extra-luminal
 Ossos e calcificações
 Órgãos intraluminais

Hepatomegalia: grande
área de opacidade de
partes moles
empurrando para baixo
todas as estruturas.

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Processos expansivos pélvicos podem tracionar os intestinos para cima. Algumas hipóteses surgem, como
mioma, tumor de ovário, tumor de bexiga, bexigoma.

Obstrução intestinal de delgado:


paciente em posição ortostática,
permitindo a formação de nível
líquido (o ar sobe e o líquido
desce, formando uma delimitação
entre eles). As pregas, muito
próximas às outras, em toda a
espessura da alça permite afirmar
que se trata de intestino delgado
– aspecto de “pilha de moedas”.

Em uma obstrução, consequente de uma hérnia umbilical por exemplo, tudo o que está proximal à
obstrução de dilata. No entanto, a distensão das alças intestinais não ocorre apenas em uma obstrução. Em pós-
operatórios, por exemplo, a peristalse pode diminuir a ponto de causa-la.
Atenção: quando todas as alças estão cheias de líquido, o raio X pode estar normal. A clínica é imprescindível.

Radiografia abdominal na qual


se visualiza grande dilatação 48
do cólon sigmoide, formando
a imagem de “U” invertido,
sugerindo o diagnóstico
de volvo do sigmoide.

Em casos de obstrução do intestino grosso, quando a válvula ileocecal for incompetente, a


dilatação do delgado pode ocorrer concomitantemente. O paciente pode, inclusive, vomitar fezes.

Pneumoperitônio: é melhor
visualizado na radiografia de
tórax PA. O ar sobe e separa
os órgãos abdominais do
diafragma.

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Quando o paciente não pode ficar em pé e há suspeita de pneumoperitônio existem duas possibilidades.
Uma delas é colocá-lo em decúbito lateral com raios horizontais: o ar irá separar o fígado (ou o baço) do
diafragma. A outra opção é o decúbito dorsal com raios horizontais.

Calcificações
A densidade é semelhante à óssea. São identificadas de acordo com a topografia. Mais comuns: 49
pancreáticas, vasculares, biliares, urinárias, hepáticas e esplênicas. Também é possível observar calcificações na
aorta, indicando doença aterosclerótica.

Cálculos Calcificações
biliares. pancreáticas,
características
da
pancreatite
crônica.

Obs.: Na radiografia, os cálculos biliares só são observados quando são calcificados. Na grande maioria, os
cálculos biliares são feitos de colesterol e apresentam a mesma densidade da bile.

Flebólitos:
calcificações em veias
pélvicas, que não
possuem significado
patológico.

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Apendicolito: é um achado da
apendicite aguda. Pequena
quantidade de fezes é
desidratada e calcificada,
podendo causar obstrução.
Nem sempre é visualizado e,
portanto, o RX não é pedido
para diagnóstico de apendicite.
No entanto, pode confirma-la.

Exames Contrastados

Ascaris lumbricoides

50

Estenose intestinal,
secundária a
tumor de cólon,
evidenciada pelo
“sinal da maçã
mordida”.

Divertículos colônicos

Obs.: para diferenciá-


los dos pólipos,
lembre-se que os
últimos são internos e
não se preenchem
pelo contraste.

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Radiografia de Abdome – Casos

Obstrução intestinal, pneumoperitônio (perfuração de alça intestinal), corpos estranhos e calcificações são
os principais achados do raio X de abdome.

Caso 1

Radiografia de abdome em ortostatismo.


Calibre do cólon normal. Delgado não está
distendido. Fígado e baço de tamanhos
adequados.
Há um pneumoperitônio – ar entre o
diafragma e o fígado.

Observação: se no lugar de ar fosse líquido,


não seria possível fazer o diagnóstico, na
medida em que líquido e fígado são da
mesma densidade (densidade de partes
moles).

Caso 2 51
Paciente em ortostatismo.

Obstrução de intestino
delgado.

Caso 3

Radiografia de abdome em decúbito dorsal


(não há nível líquido).
Intestinos delgado e cólon distendidos.
Possível obstrução pouco adiante do cólon
transverso, palpando colón descendente e
sigmoide (não estão distendidos).

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Métodos seccionais

A radiografia é um método de sobreposição, que pode não permitir a localização de um achado e muitas
vezes negligencia outros. A tomografia, no entanto, é um método seccional, que permite a delimitação anatômica
das achados.

Métodos seccionais
Ultrassom, TC, RNM.

Ultrassonografia
Possui um campo de visão menor. Quanto mais profunda a estrutura, menor a qualidade de imagem.
Uma esteatose hepática, por exemplo, pode limitar o exame. É muito mais útil para estruturas superficiais.

Tomografia Computadorizada
É adquirida em plano transversal. No entanto, a imagem pode ser reconstruída, em programas de
computador, no plano coronal.

52

Legenda: (1) fígado, (2) estômago com meio de contraste oral hidrossolúvel, (3) baço, (4) aorta, (5) rins, (6) duodeno, (7) cabeça do pâncreas,
(8) corpo e cauda do pâncreas, (9) adrenal esquerda, (10) adrenal direita, (11) artéria mesentérica superior, (12) veia cava inferior, (13) cruz
diafragmática, (14) colón transverso, (15) colón ascendente, (16) colón descendente, (17) artéria e veia esplênicas, (18) veia porta, (19) vesícula
biliar, (20) intestino delgado.

TC mostrando uma
hepatoesplenomegalia.

CAROLINE FELICIANO – MED 107


Ressonância Magnética
É adquirida em um plano coronal.

Ultrassonografia
Utiliza ondas de alta frequência (1 a 20 MHz), acima do que o homem consegue ouvir.
As estruturas têm impedâncias acústicas distintas. Vantagens: custo, disponibilidade, fácil realização, sem
radiação. Desvantagens: examinador dependente, equipamento dependente, paciente dependente.

Tomografia Computadorizada
É muito útil para estudos vasculares, através do uso de contrastes.
Contraindicação: gravidez (radiação ionizante)
Densidade radiológica
Água: 0 unidades Hounsfield.
+ : estruturas mais densas que a água (ex.: fígado)
- : estruturas menos densas que a água (ex.: gordura)

Ressonância Magnética
Permite maior diferenciação tecidual. No entanto, os exames são mais demorados. Maior custo e menor
disponibilidade.
Contra-indicações: marca-passo cardíaco, clipes de aneurismas cerebrais, implantes cocleares, resíduos
metálicos (ex.: P.A.F), próteses metálicos. Normalmente, não é um exame de emergência.

Meio de contraste endovenoso


TC
 Contrate iodado
 Contraindicações: alteração da função renal, alergia, uso de metformina. 53
RM
 Gadolíneo
 Contraindicação: alteração da função renal.

TC – Contraste iodado

Revela uma massa anormal, com padrão de


vascularização diferente do fígado (o contraste está
chegando em maior quantidade ao tecido
anormal).
O estudo é dinâmico. Se aplica o contraste
e se faz sucessivas imagens. No caso, pode-se dizer
que é uma lesão benigna, porque é homogênea e
ficou isodensa em relação ao fígado em uma outra
fase.

TC – Contraste iodado

Carcinoma hepatocelular: na outra fase, a estrutura


ficou hipodensa em relação ao fígado.

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RNM

Coledolitíase: dilatação proximal e


falha de enchimento distal. A
própria bile serve como contraste.

TC
Apendicite
aguda.

TC

Obstrução intestinal, secundária


à tumor de cólon: regiões de
54
espessamento da parede, com
alguns linfonodos alterados na
região.

Colecistolitíase

Na TC os cálculos não aparecem, porque


possuem a mesma densidade da bile. Na RM
eles aparecem, mas é muito mais eficiente
utilizar o ultrassom.

Estudos vasculares são feitos com o auxílio de ultrassonografia color doppler.

Caso Clínico: Feminino, 34 anos. Suspeita de


cálculos biliares.
US: A vesícula está normal. No entanto, é
possível visualizar nódulo hiperecogênico no
fígado.
Obs.: sabe-se que não é um cisto, pois caso fosse a
estrutura seria hipoecogênica.

CAROLINE FELICIANO – MED 107

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