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FACULDADE DE AMERICANA

CURSO DE PSICOLOGIA

BEATRIZ FORTI

MARIANE FERNANDES MARTINO

RAFAELA FRANCISCA SNIQUER POSSOBON

DEPENDÊNCIA EMOCIONAL DE MULHERES E A


PERMANÊNCIA EM RELACIONAMENTOS ABUSIVOS

AMERICANA - SP
2018
FACULDADE DE AMERICANA

CURSO DE PSICOLOGIA

BEATRIZ FORTI

MARIANE FERNANDES MARTINO

RAFAELA FRANCISCA SNIQUER POSSOBON

DEPENDÊNCIA EMOCIONAL DE MULHERES E A


PERMANÊNCIA EM RELACIONAMENTOS ABUSIVOS

AMERICANA - SP

2018
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da FAM
(Faculdade de Americana)

Forti, Beatriz
F741d Dependência emocional de mulheres e a permanência em relacionamentos
abusivos / Beatriz Forti, Mariane Fernandes Martino, Rafaela Francisca Sniquer
Possobon – Americana, SP: [s.n.], 2018.
39f.

Orientador: Jessica Particelli Gobbo.


Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia - Faculdade
de Americana - FAM.

1. Psicologia. 2. Dependência emocional. 3. Relacionamentos abusivos.


I. Gobbo, Jessica Particelli. II. FAM. III. Título.
CDU – 159.9
BEATRIZ FORTI

MARIANE FERNANDES MARTINO

RAFAELA FRANCISCA SNIQUER POSSOBON

DEPENDÊNCIA EMOCIONAL DE MULHERES E A


PERMANÊNCIA EM RELACIONAMENTOS ABUSIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


à Faculdade de Americana, como exigência
parcial para a conclusão do curso de
Psicologia. Orientadora: Prof.ª Ms. Jessica
Partielli Gobbo

Data de Aprovação ____ /____/ _____.

________________________________________
Profª Ms. Jessica Partielli Gobbo
Faculdade de Americana

________________________________________
Profª. Ms. Cristiane Helena Dias Simões
Faculdade de Americana

________________________________________
Profª Ms. Tomíris Forner Barcelos.
Faculdade de Americana
“Você me diz para ficar quieta porque
minhas opiniões me deixam menos bonita
mas não fui feita com um incêndio na barriga
para que pudesse me apagar
não fui feita com leveza na língua
para que fosse fácil de engolir
fui feita pesada
metade lâmina metade seda
difícil de esquecer e não tá fácil
de entender”
(“Outros jeitos de usar a boca”, Rupi Kaur)
FORTI, B.; MARTINO, M.F.; POSSOBON, R.F.S. Dependência Emocional de
Mulheres e a Permanência em Relacionamentos Abusivos. TCC (Graduação) -
Curso de Psicologia, Faculdade de Americana, Americana. 2018
Orientadora: Prof ª. Ms. Jessica Particelli Gobbo.

RESUMO

A proposta deste trabalho consiste no estudo sobre a dependência emocional em


mulheres. Este estudo buscou analisar o apego por elas internalizado ao longo de seu
desenvolvimento e os reflexos deste comportamento nas relações amorosas, fazendo
com que, quando adultas, se envolvam e permaneçam em relacionamentos abusivos.
Desde a década de 70, o tema violência contra a mulher já estava sendo discutido na
sociedade de forma mais ampla, porém, apenas em 2006, com o surgimento da Lei
Maria da Penha, é que o assunto passou a ser discutido com mais notoriedade e
passou a ser divulgado com maior amplitude pela mídia. Contudo, mesmo diante de
diversas pesquisas que apontam para a importância da discussão sobre o tema, ainda
é pouco aprofundada às questões emocionais e os prejuízos psicológicos que
acometem essas mulheres, impossibilitando identificar se os fatores estariam
relacionados com a questão cultural, social ou advindos de uma questão patológica.
Por isso, é relevante que o tema seja discutido no âmbito acadêmico, já que pode ser
explorado de diversas formas através do olhar da Psicologia.
Palavras-chave: dependência emocional; violência contra a mulher; relacionamento
abusivo; psicologia.
FORTI, B.; MARTINO, M.F.; POSSOBON, R.F.S. Women Emotional Dependence
and the Permanence in Abusive Relationships. TCC (University Graduate) -
Psychology Course, Americana College, Americana. 2018
Advisor: Profª. Ms. Jessica Particelli Gobbo.

ABSTRACT

The purpose of this work is to study the emotional dependence of women. This study
sought to analyze the behavior and the psychology reflex that are involved that can
explain why they remain and accept to live in an abusive relationship. Since the 1970s,
the issue of violence against women was already being discussed in society, but only
in 2006 with the appearance of the Maria da Penha Law the subject become showed
more in the media. However, even in the several studies that point for the discussion
of the subject, they don't deepen in the psychological and emotional issues that affects
these women. So it is possible to considerate and identify if the factors would be related
to the social cultural or arising from a pathological question. Therefore it is relevant that
the topic have been discussed in the academic scope since it can be explored in
various ways through the Psychology look.
Keywords: emotional dependence; violence against women; abusive relationship;
psychology.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ano de Publicação.........................................................................28


Tabela 2 - Tipo de Pesquisas Aplicadas........................................................ 28
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 7
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA..................................................................................... 7
1.2 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................... 7
1.4 OBJETIVO ................................................................................................................ 9
1.4.1. OBJETIVO GERAL 9
1.4.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 9
2. MÉTODO 10
2.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO.......................................................................... 10
2.2 PROCEDIMENTOS .................................................................................................... 10
3. DESENVOLVIMENTO 13
3.1 A CONCEITUAÇÃO DO AMOR ............................................................................... 13
3.2 O PERFIL DA MULHER DEPENDENTE EMOCIONAL ........................................ 15
3.3 O AMOR PATOLÓGICO .......................................................................................... 19
3.4 TRANSTORNO DE PERSONALIDADE DEPENDENTE ...................................... 22
3.5 DEPENDÊNCIA EMOCIONAL E A VIOLÊNCIA .................................................... 24
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 29
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 34
REFERÊNCIAS 37
7

1. INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação do tema


A proposta deste trabalho consiste no estudo sobre a dependência emocional
em mulheres. Este estudo buscou analisar o apego por elas internalizado ao longo de
seu desenvolvimento e os reflexos deste comportamento em relações amorosas,
fazendo com que, quando adultas, se envolvam e permaneçam em relacionamentos
abusivos. Sendo assim, é necessário investigar essa dinâmica a fim de verificar o
processo sócio histórico destas mulheres que vivem em um relacionamento abusivo,
como também explorar os dispositivos efetivamente disponíveis para o apoio
emocional e fortalecimento desta mulher enquanto protagonista de sua própria vida.

1.2 Justificativa
Desde a década de 70, o tema violência contra a mulher já estava sendo
discutido na sociedade de forma mais ampla, porém, apenas em 2006 com o
surgimento da Lei Maria da Penha, é que o assunto passou a ser discutido com mais
notoriedade e passou a ser divulgado com maior amplitude pela mídia. Contudo,
mesmo diante de diversas pesquisas que apontam para a discussão do tema, quanto
é pouco aprofundada às questões emocionais e os prejuízos psicológicos que
acometem essas mulheres, possibilitando identificar se os fatores estariam
relacionados com a questão cultural, social ou advindos de uma questão patológica.
Por isso, é relevante que o tema seja discutido no âmbito acadêmico, já que
pode ser explorado de variadas formas através do olhar da Psicologia. A discussão é
de grande relevância tendo como base a amplitude em que o assunto é disseminado
na sociedade. Assim ao ampliar o conhecimento, pode-se propiciar o entendimento
desse fenômeno e que, através dessas produções, possam ser elaboradas novas
formas de enfrentamento que possibilitem remodelar comportamentos e concepções
enraizadas em nossa sociedade.
Diante do exposto, cresce a reflexão de como os indivíduos se dedicam aos
seus relacionamentos e a qualidade dessas relações. Partindo do princípio de uma
relação estabelecida entre duas pessoas, sendo vivenciada de forma abusiva e,
muitas vezes, marcada pela submissão, o que pode ser prejudicial para sua saúde
mental na medida em que se torna uma dependência absoluta. Pode-se observar que
existem indivíduos que se relacionam de forma simbiótica, tornando-se incapazes de
8

conduzir suas próprias vidas. O interesse pessoal pelo assunto se deu mediante a
vivência do estágio acadêmico na Delegacia de Defesa da Mulher de Americana, onde
diversos conflitos puderam ser acompanhados.
Dessa forma, a relevância deste tema está também em explorar o
desenvolvimento do empoderamento feminino, de fazer com que a mulher explore
formas de se relacionar mais saudáveis e tenha a capacidade de firmar sua
autonomia, refletindo em seu movimento na sociedade, que ainda é sujeita ao olhar
tradicional do patriarcado. Diante desta problemática, parte-se da hipótese de que
impedimentos de ordem moral, social, histórica e psicológica operam como fatores
que contribuem para a dependência emocional, e, esta por sua vez, resulta na
produção de comportamentos suscetíveis a permanência da mulher em
relacionamentos abusivos, evoluindo para situações de violência.
9

1.4 OBJETIVO

1.4.1. Objetivo geral


O objetivo deste trabalho é analisar a dependência emocional de mulheres e a
possível influência em sua permanência em relacionamentos abusivos.

1.4.2. Objetivos específicos


 Discutir as principais características da dependência emocional de mulheres;
 Investigar os aspectos que permeiam um relacionamento considerado abusivo;
 Discutir o histórico/atual da dependência emocional de mulheres e a
permanência em relacionamentos abusivos.
10

2. MÉTODO

2.1 Caracterização do estudo


Esta é uma pesquisa de natureza bibliográfica e caracteriza-se pela consulta a
materiais já publicados, sejam eles artigos, livros, entre outros, cuja finalidade é
analisar o conteúdo já produzido. Visa levantar informações e promover um diálogo
entre os autores que trabalharam com o mesmo tema, expondo as principais ideias e
opiniões sobre o mesmo, podendo explorar e elucidar o assunto. Permite ainda
explorar os fenômenos de forma ampla, bem como fazer um levantamento histórico e
de evolução do conteúdo já produzido (GIL, 2008).

2.2 Procedimentos
Para o embasamento teórico deste trabalho foram realizadas pesquisas nas
bases de dados do Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos
em Psicologia (Pepsic) e Google Acadêmico. A escolha das duas primeiras bases,
justifica-se por abrangerem diversas áreas do conhecimento, permitindo o acesso a
periódicos de diversas ciências, sendo elas biológicas, humanas, sociais, da saúde,
entre outras. Além do mais, são reconhecidas no meio científico, em virtude de suas
exigências quanto a conteúdos originais, permitindo acesso fácil e direto a textos
completos. Já o Google Acadêmico foi escolhido para uma busca com descritores
maiores, que permitisse trazer artigos do SciELO e Pepsic que não fossem localizados
através das palavras chaves. Também foram buscadas teses e livros que pudessem
auxiliar na exposição das ideias e complementar a discussão realizada.
Primeiramente, foram utilizadas as bases de dados Scielo Brasil e Pepsic para
uma busca mais direcionada, com as seguintes palavras chaves: “amor”,
“dependência”, “emocional”, “mulher”, “violência”, “conjugal”, “relacionamento”,
“comportamento” e “compulsivo”. Dos resultados apresentados, buscou-se selecionar
artigos publicados a partir de 2000, ou seja, nos últimos dezoito anos, no Brasil e em
português.
Numa segunda pesquisa, e mais abrangente, foi utilizada a plataforma do
Google Acadêmico. Foram utilizados descritores maiores como: “amor patológico em
relacionamentos abusivos” e “personalidade de mulheres em relacionamentos
abusivos”, a fim de verificar a possibilidade de aparecer outros artigos que pudessem
não ter parecido nas pesquisas das bases de dados anteriores. Foi ainda pesquisada
11

teses ou livros que propiciasse uma maior fundamentação do tema desta pesquisa.
Nesta etapa, filtrou-se a pesquisa para o período de 2013 até 2018, ou seja, nos
últimos cinco anos, no Brasil e em português, a fim de localizar material com dados
mais recentes.
Os critérios utilizados de inclusão e exclusão dos artigos para a elaboração da
pesquisa bibliográfica foram de: (a) incluir apenas estudos que tratassem da
dependência emocional tendo o amor como ponto central, justificando a dinâmica
emocional e a permanência da mesma em relacionamentos abusivos, principalmente
no que se refere ao desenvolvimento e manutenção da saúde mental da mulher, assim
como sua construção sócio histórico, podendo ser artigos, teses ou livros; (b) o ano
de referência, devido à crescente veiculação do tema no início dos anos 2000 e a
tramitação do projeto da Lei Maria da Penha, sendo sancionada mais tarde, em 2006;
(c) desconsiderou-se os artigos que voltavam à discussão para uma visão isolada,
fundamentada apenas por uma abordagem específica da psicologia e também artigos
não científicos; e (d) foram desconsiderados também produções que relacionavam o
tema da dependência emocional em mulheres a transtornos específicos dos quais não
se pretende abordar nesta pesquisa, discussões voltadas às relações de gênero,
artigos que analisam o comportamento do agressor, produções voltadas ao estudo do
fenômeno em determinados grupos sociais, artigos que analisam obras
cinematográficas e musicais, e ainda, material em duplicidade.
A primeira seleção de material foi sob a análise dos títulos em que, das 11.657
possibilidades encontradas, foram excluídos 8.742 títulos devido ao fato de estarem
fora dos critérios de inclusão. Das 2.915 possibilidades restantes, foram lidos os
resumos e selecionados 112 produções entre artigos, teses e livros, para leitura na
íntegra, por apresentarem conteúdos mais próximos da discussão que se pretende
discorrer na presente pesquisa. E, por fim, foram selecionados 21 materiais que
poderão, de fato, contribuir e articular com os objetivos desta pesquisa bibliográfica.
Na primeira pesquisa utilizando as bases de dados SciELO e Pepsic e
combinando as palavras chaves “violência”, “conjugal” e “amor” foram localizados e
selecionados 3 artigos para leitura na íntegra. Numa segunda pesquisa com as
palavras chaves “amor”, “violência” e “mulher”, foram localizados 10 artigos e
selecionados 2 artigos para leitura na íntegra. Na terceira busca com as palavras
chaves “violência” e “mulher”, foram localizados 608 artigos e selecionados 5 artigos
para leitura na íntegra. E por fim, com a combinação das palavras chaves
12

“relacionamentos”, “comportamento” e “compulsivo”, foram localizados 2 artigos e


selecionado 1 para leitura na íntegra.
Na pesquisa no Google Acadêmico, utilizando o descritor “amor patológico em
relacionamento abusivo”, foram localizados 3.290 possibilidades e, filtrando a partir
dos títulos e artigos publicados no Scielo e Pepsic, foram selecionados 27 artigos para
leitura dos resumos e posteriormente foram separados 5 artigos para leitura na
íntegra. Nesta pesquisa também foi selecionada duas dissertações de mestrado para
leitura na íntegra e dois livros. Numa segunda pesquisa utilizando o descritor
“personalidade de mulheres em relacionamentos abusivos” foram localizados 7.740
títulos, separados 43 artigos para leitura dos resumos e posteriormente 3 artigos para
leitura na íntegra.
Realizou-se uma leitura integrativa dos textos adotando-se como guia o exame
das dimensões que estruturam a comunicação de investigações científicas: objetivos,
introdução, metodologia e resultados. A seguir, apresenta-se ao leitor cinco capítulos
para melhor entendimento sobre o tema: a) A conceituação do amor, b) O perfil da
mulher dependente emocional, c) O amor patológico, d) transtorno de personalidade
dependente e e) Dependência emocional e violência.
13

3. DESENVOLVIMENTO

3.1 A conceituação do amor


O termo amor, tem origem do latim “amore” e possui uma grande variedade de
significados. O dicionário Aurélio (2018), um dos mais utilizados no Brasil, disponibiliza
cerca de 30 significados distintos para essa palavra. Dentre eles: sentimento intenso
entre duas pessoas; ligação afetiva com outra pessoa; dedicação e cuidado ao outro;
morrer de amor, por gostar muito de outra pessoa e não suportar perde-la; entusiasmo
ou grande interesse por algo ou alguém; sentimento que induz a aproximar, proteger
e conservar a pessoa na qual tem afeição ou atração. Essa variedade de significados
para o termo amor está relacionado com os diferentes objetos e as finalidades no qual
o amor pode representar para um indivíduo. Os objetos do amor são pessoas ou
coisas que podem ser o alvo desse sentimento, como por exemplo: amor amoroso,
amor aos pais, amor a deus, amor à ciência, amor à pátria, amor a si próprio, entre
outros. Como os objetos do amor, as finalidades do amor também podem ser diversas,
como: satisfação do desejo sexual até o denominado “amor puro”, no qual muitos
teólogos acabam por utilizar, entre vários outros. Tanto o objeto do amor como as
suas finalidades, tem em comum que ambas buscam formas distintas de procurar
outra pessoa na qual vai receber e compartilhar esse sentimento ao seu lado, ou seja,
a ideia de possuir o outro e de formar junto a ele uma totalidade. Esse é o principal
entendimento sobre esse termo que expressa um dos sentimentos mais importantes
para a vida dos indivíduos (SOPHIA, 2008).
O sentimento de amor é construído ao longo de toda a vida do sujeito, iniciando
na primeira infância e permeando toda sua vida. Na primeira infância, o bebê ainda
não possui o entendimento do que significa ou do que seja o sentimento de amar, já
que este é aprendido através da dependência e dos cuidados em que o bebê recebe
da mãe, sendo assim, esta relação vai permitir se estabelecer o primeiro vínculo
afetivo do bebê (BOWLBY, 2002). O mesmo autor afirma que as primeiras
experiências com o sentimento do amor na primeira infância são de extrema
importância, já que essa contribui para a formação da personalidade do indivíduo, que
persiste em todo o decorrer de sua vida.
A partir da adolescência, os indivíduos começam a experienciar outros vínculos
afetivos, além dos familiares, deste modo, passam a modificar alguns aspectos da
concepção que tinham sobre o sentimento do amor, já que é nesta fase que os
14

indivíduos começam a vivenciar os primeiros relacionamentos amorosos. Estes


relacionamentos amorosos, assim como os da primeira infância, acabam
influenciando os relacionamentos futuros, os quais os indivíduos vivenciarão em sua
fase adulta (DALBEM; DELL’ AGLIO, 2005).
Na fase da adolescência, o indivíduo passa a compreender o significado do
sentimento de amor para a sociedade na qual convive (DALBEM; DELL’ AGLIO,
2005). É nessa fase da vida que muitas mulheres acabam ouvindo de seus familiares
e de outras pessoas com as quais interagem, a ideia de que o sentimento de amor
romântico é algo necessário para a vida humana e que, para obter esse sentimento,
muitas vezes, precisam abrir mão de muitas coisas e se doarem ao máximo possível
para seus relacionamentos, como acaba sendo retratado em diversos livros e filmes.
A partir do momento que a mulher começa a internalizar essa concepção de amor
romântico, faz com que ela busque vivenciar esse tipo de amor retratado pelos filmes.
Na sociedade em que vivemos e os meios de comunicação, como filmes, livros,
novelas e programas de TV, acabam por vezes influenciando a cabeça da mulher,
fazendo com que essa acredite que precisa encontrar e vivenciar um amor como
àqueles que são retratos, para conseguir obter a realização de sentir-se completa
(MARTUCELLI, 2016).
A fim de distinguir a intensidade com que é vivido o sentimento de amor, nos
relacionamentos amorosos, o autor Norwood (2003), define que há dois tipos de amor
existentes, sendo eles: o amor Ágape e o amor Eros. O primeiro, denominado de
Ágape, fundamentado na ideia do amor verdadeiro, é caracterizado pelo
companheirismo com o qual duas pessoas que se gostam estão profundamente
compromissadas entre si. Estas acabam por possuir objetivos de vida em comum,
existindo respeito e confiança entre os parceiros, construindo um espaço onde as
diferenças individuais possam existir e serem toleradas de forma saudável. Cabe a
esta concepção de amor, a expressão e troca de sentimentos que transmitam a ideia
de equilíbrio, companheirismo, proteção, cuidado, apoio mútuo e conforto
(NORWOOD, 2003). O segundo, denominado de Eros é o tipo de amor no qual as
mulheres que são dependentes emocionalmente de seus parceiros, vivenciam.
Concebido da ideia do amor apaixonado e alimentado pela paixão, o amor Eros é
descrito como o amor dominador, distinto, profundo e estranho, caracterizado pela
intensidade em que é vivido, da conciliação do romance com os obstáculos a serem
superados para a concretização do amor, podendo transformar-se em uma obsessão
15

na qual o indivíduo alimenta pela pessoa amada. Estes acabam por deixar de fazer
coisas que eram importantes para si, para doarem todo o tempo ao parceiro, assim
como possuem a crença de que precisam muitas vezes suportar a dor e o sofrimento
que esses relacionamentos causam (NORWOOD, 2003).
Estas duas formas de assimilar o amor poderão ser constituídas pela mulher a
partir das experiências que forem adquiridas ao longo de sua história de vida e na
construção da personalidade da mesma, de forma que reflete diretamente no perfil da
mulher, como será discutido adiante.

3.2 O perfil da mulher dependente emocional


O sentimento do amor é vivenciado de forma subjetiva e pessoal, e os
indicativos de normalidade correspondem à maneira como um indivíduo cria um
vínculo com o outro, apegando-se a situações e sentimentos que o faça sentir-se
seguro (SOPHIA; TAVARES; ZILBERMAN; 2007). Para Bowlby (2002), as formas de
apego aprendidas na infância, são norteadoras do comportamento humano ao longo
de seu desenvolvimento. O autor descreve alguns tipos de apego dos quais, as
dinâmicas emocionais e comportamentais podem ser observadas enquanto bebê e
permanecem na fase adulta, em relacionamentos românticos. Dentre estes tipos de
apego, destacamos três como sendo os principais, que são: o apego seguro, que se
refere a uma vinculação afetiva tranquila entre a criança e o cuidador, onde a criança
sente-se estimulada em explorar o ambiente e seus limites obtendo cuidado e
proteção quando necessário, até mesmo em momentos que se sentir estressada; o
apego inseguro/desorganizado se refere a crianças que foram expostas a
experiências negativas ou sentiram ameaça constante em vincular-se ao cuidador,
não reagindo bem a situações de separação; e por fim o apego ambivalente que se
refere a situações em que a criança apresenta uma descontinuidade da relação do
apego ao ser separado do cuidador, se sentindo momentaneamente abandonada pelo
mesmo, apresentando pouco interesse em explorar o ambiente e evitando contato
com estranhos, ao retornar o contato com o cuidador divide-se em manter e evitar o
contato, como um comportamento de birra por não sentir-se querido. Dessa forma, os
vínculos de apego mal formados ou mal interpretados, acarretam na busca de um
relacionamento que supra o sentimento de afeto que lhe falta, trazendo distorções no
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entendimento de um relacionamento na fase adulta, do qual lhe remeta a falta de afeto


na infância (BOWLBY, 2002).
Pensando no desenvolvimento da mulher que apresenta problemas de
relacionamento na fase adulta, e considerando que esta cresceu em um lar
desajustado, que tenha interferido na concepção de um apego saudável quando
criança, Norwood (2003) nos alude ao fato de que indivíduos e famílias
desestruturadas, em geral, demonstram dificuldades em discutir sobre problemas
enraizados, causando graves danos e não permitindo um desenvolvimento emocional
sadio. Essas famílias são caracterizadas pela dificuldade em dialogar e expressar
seus sentimentos, incapacidade de desenvolver seu papel dentro da estrutura familiar,
demonstrando baixa tolerância à frustração e recorrendo a comportamentos
emocionais instáveis e muitas vezes violentos (NORWOOD; 2003). É neste contexto
que é possível traçar o perfil da mulher dependente emocional, como aquela que
reproduz em seus relacionamentos amorosos o desajuste do apego e assente a
permanência em relacionamentos abusivos.
Ao longo dos anos como psicoterapeuta, Robin Norwood recebeu em seu
consultório inúmeras mulheres que chegavam com a queixa de sofrimento advindo de
seus relacionamentos amorosos e pelo não entendimento da doação e do amor
constante que direcionavam a seus parceiros. As análises feitas pela psicoterapeuta
e o perfil apresentado por suas pacientes, corroboram com os milhares de
depoimentos que são encontrados em artigos acadêmicos ao longo da pesquisa
bibliográfica voltada ao tema: “violência contra a mulher e relacionamentos abusivos”.
Os atendimentos realizados por esta profissional, além de ampliar o entendimento do
perfil da mulher dependente emocional e vítima de relacionamentos abusivos,
resultaram na publicação de um best-seller denominado “Mulheres que amam
demais”, que se apresenta como uma ferramenta de investigação sobre a temática da
mulher que ama demais e suas consequências.
No Brasil, a produção de Norwood contribuiu ainda, para a fundação, na década
de 1990, do grupo de autoajuda Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA). O
MADA se apresenta com o intuito de trabalhar, a partir do sofrimento comum vivido
por um grupo de mulheres, o fortalecimento e aprendizado de como conduzir seus
relacionamentos amorosos, com foco no comportamento de dependência, na
recuperação do amar demais, objetivando a conquista de autonomia e independência
17

do sofrimento que os relacionamentos amorosos trazem para a vida dessas mulheres


(FERREIRA, 2016).
O comportamento de amar demais é visto como a insistência no hábito de
pensar no outro, o cuidado excessivo e a incessante necessidade de dar amor e
atenção ao parceiro, fazendo com que a mulher invista uma grande energia psíquica
em prol do outro, se tornando viciada em uma relação. Muitas vezes são relatadas
situações em que a mulher não recebe o mesmo tipo de doação que é investida, ou
ainda que a maneira de o parceiro se comportar transparece de forma desatenciosa
e distante da relação, embora também sejam relatados perfis de homens que
demonstram carência, além da apresentada pela parceira, resultando em situações
de ciúmes extremo e sentimentos de posse (FERREIRA, 2016).
Norwood (2003) elenca uma série de características típicas que contribuem
para a compreensão do comportamento das mulheres que amam demais e se
encontram dependentes em um relacionamento e de como fatores históricos, social e
psicológico estão entrelaçados. Inicialmente, deve ser levado em consideração a
qualidade do lar em que essa mulher se desenvolveu e se suas necessidades
emocionais foram satisfeitas ou não, isto porque, assim como na teoria de Bowlby
com relação ao apego, a forma como se deu esse desenvolvimento refletirá
diretamente em seu comportamento amoroso. A mulher poderá apresentar uma
necessidade de suprir a falta através do outro, se tornando superatenciosa e doadora
incondicional ou ainda se relacionará com pessoas que apresentam comportamento
similar ao recebido na infância, projetando no outro a necessidade que ela sente de
reparar e transformar o comportamento de seu parceiro, tentando modifica-lo de forma
que este seja a pessoa amável e atenciosa que deseja. Costumeiramente, pessoas
que vivenciaram experiências dolorosas na infância, mais tarde, tendem a recriar
situações parecidas buscando estabelecer domínio sobre tais situações, quando na
realidade não conseguem lidar corretamente com elas, de forma a superá-las
(Norwood, 2003). A repetição do comportamento de suprir suas necessidades afetivas
provoca transformações em suas emoções e sentimentos de acordo com sua
vivência.
A imaturidade emocional apresentada por essa mulher, reflete diretamente em
sua personalidade, que vai sendo moldada dentro de um contexto fora de controle
(ZANIN; VALÉRIO; 2004). Psicologicamente, a incapacidade da mulher de julgar uma
situação de forma realista, faz com que a mesma reproduza atitudes que demonstrem
18

passividade, disciplina, persistência, honestidade e culpa, apresentando também


características com preocupação excessiva e instabilidade de humor. Do mais ainda
pode ser acrescentando, fatores de amabilidade ao comportamento da mulher,
demonstrando ser agradável, generosa, otimista e afetuosa (PINTO; VARELA;
VINHAL; 2012). Norwood (2003) ressalta ainda que a mulher habituada à falta de
atenção em seus relacionamentos amorosos, demonstra estar disposta a ter mais
paciência e buscar cada vez mais agradar o parceiro, com o intuito de conquistar o
amor que deseja, além de estar disposta a arcar com a maior parcela de
responsabilidade e culpa pelas falhas que acontecerem durante a construção do
relacionamento.
Papalia e Feldman (2013), ao descreverem os processos de desenvolvimento
psicossocial, apontam que esses aspectos estão diretamente ligados ao autoconceito
e autoestima da mulher. O autoconceito desenvolve-se continuamente desde a
infância e está ligado a funções descritivas e avaliativas sobre nós mesmo, é a
percepção própria de quem somos e orientador de nossas ações (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Já a autoestima é a parte autoavaliativa do autoconceito que
determina nosso valor pessoal, possibilitando descrever e definir a si próprio e como
nos sentimos a partir disso. Podemos dizer ainda, que a autoestima é construída a
partir da vivência pessoal e do apoio social que o indivíduo recebe (PAPALIA;
FELDMAN, 2013). Sendo assim, se a mulher cresceu e se desenvolveu em um
ambiente onde era desacreditada do merecimento de amor e atenção, provavelmente
internalizará a ideia de não ser merecedora de algo realmente bom, sub julgando a
qualidade de seus relacionamentos e aceitando o pouco que lhe é oferecido, ou ainda
se esforçando ao máximo para superar falhas ou defeitos que acredita ter, por não
saber seu real valor como pessoa, reflexo de sua desvalorização e sofrimento pessoal
(NORWOOD, 2003).
Assim, por ter experimentado pouca segurança no desenvolvimento de suas
relações, a mulher se submete constantemente ao medo de ser abandonada,
reproduzindo comportamentos de ciúmes e tentativas de controle do parceiro
(NORWOOD, 2003). Diante do conteúdo apresentado, apresenta-se a seguir a
conceituação do amor patológico.
19

3.3 O amor patológico


Em todos os relacionamentos afetivos, é necessário que haja uma troca de
atenção e cuidados em relação ao companheiro, porém, quando o indivíduo passa a
não conseguir controlar, ou tomar as próprias decisões referentes a sua conduta em
nome do amor que sente pelo outro, pode caracterizar que o indivíduo desenvolveu
uma dependência emocional, transformando a vivência do amor em algo patológico
(BERTI et al., 2011). Nesse sentido, pode-se caracterizar a relação de amor vivido
como uma questão patológica, uma vez que se mostra prejudicial àquele que a
vivencia.
Sophia, Tavares e Zilberman (2007) expõe a dificuldade de estabelecer um
limite entre o normal e o patológico com relação às atitudes amorosas, devido ao fato
de que, envolver-se amorosamente refere-se a uma questão muito subjetiva na qual
cada um o faz de uma maneira, porém a intensidade com que o faz e o comportamento
resultante desta dedicação aos sentimentos, é que será considerado ao identificar
como algo fora do limite normal. As autoras afirmam ainda que para caracterizar o
amor como patológico, é necessário uma verificação sistemática acerca do histórico
de vida desta pessoa, conforme foi abordado anteriormente, que pode indicar várias
formas de influência para tal comportamento no decorrer de sua vida. Além disso, é
importante verificar como seu comportamento limita e prejudica o convívio familiar e
social, a possível diminuição da qualidade de vida, produzindo sofrimento psíquico
que pode levar a depressão, transtornos obsessivos compulsivos ou ainda a
dependência química.
Ao considerar os aspectos destrutivos que poderão surgir na vida adulta, é
relevante entender que, diante de frustrações a relacionamentos mal sucedidos, o
sentimento de amor poderá deixar de ser atribuído como algo positivo, que promove
prazer, felicidade e realizações, tornando-se um sofrimento psíquico (SOPHIA;
TAVARES; ZILBERMAN, 2007). Os autores salientam ainda que, esse sofrimento,
marcado por conflitos, é diretamente influenciado pela dependência emocional que se
desenvolve na relação afetiva (SOPHIA; TAVARES; ZILBERMAN, 2007). A
dependência emocional influencia o comportamento de submissão, em que o
indivíduo se sente na obrigação de obedecer e se sujeitar a aceitar situações de
subordinação. Há uma perda de identidade, um processo de abrir mão de si mesmo
e apresentar fragilidade para que outros se sintam comovidos a não o abandonar.
Outra questão importante é que quando esses parceiros tomam a iniciativa de romper
20

o relacionamento, a pessoa dependente sofre como uma criança sendo abandonada


pelos pais (BOWLBY, 2002).
Dessa forma, o amor patológico é caracterizado pela dependência do sujeito
ao parceiro no qual possuí um relacionamento amoroso, produzindo um
comportamento excessivo de prestar atenção e cuidados ao mesmo. Esse fenômeno
é observado com maior frequência em indivíduos que possuem personalidade
vulnerável, com baixa autoestima, sentimento de rejeição, abandono e raiva. Os
fatores familiares também estão associados ao desenvolvimento deste fenômeno,
principalmente em indivíduos que possuem histórico de negligência emocional, ou que
contêm pais com histórico de dependência química. (BERTI et al., 2011).
Berti et al. (2011) esclarecem que os manuais diagnósticos de transtornos
mentais, Classificação Internacional de Doenças (CID) e Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), não possuem um diagnóstico para o “amor
patológico” considerando-o mais como uma síndrome comportamental, porém alguns
países já possuem escalas validadas para avaliação desse fenômeno. Desta forma,
os profissionais da área de saúde acabam por utilizar o diagnóstico de substâncias
químicas para potencializar o diagnóstico, considerando que o amor patológico acaba
sendo uma doença que causa dependência, assim, o que diferencia é o objeto no qual
se é dependente em cada transtorno (BERTI et al., 2011). Comparando os sintomas
da dependência de álcool e outras drogas elencados pelo DSM-V, com as
características apresentadas pelas mulheres com dependência emocional no
relacionamento, a Associação Psiquiatra Americana (APA) elenca seis critérios que
podem ser utilizados para avaliar o transtorno de amor patológico, sendo necessário
que o indivíduo possua pelo menos três dos critérios para ser diagnosticado com o
transtorno, sendo eles: (a) Sintomas de abstinência quando o parceiro estiver distante
ou perante ameaças de abandono; (b) Ato excessivo de cuidar do parceiro; (c)
Tentativas para reduzir ou controlar o comportamento patológico de interromper a
atenção despendida ao parceiro; (d) Quando o indivíduo passa a abandonar os seus
próprios interesses e atividades na qual antes valorizava, para viver em função do
parceiro; (e) Quando o indivíduo passa muito tempo controlando as atividades de seu
parceiro; (f) Quando o amor patológico é mantido mesmo o indivíduo tendo
consciência dos danos que a mesma causa em sua vida e aos seus familiares.
(ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2013)
21

Sophia, Tavares e Zilberman (2007) esclarecem que esse padrão patológico


de se relacionar pode ocorrer em homens e mulheres, mas devido a questões culturais
estabelecidas ao longo dos séculos, o amor patológico acabou por se tornar mais
prevalente na população feminina, por essas darem maior ênfase aos
relacionamentos amorosos se comparadas com os homens. Essas mulheres crescem
ouvindo o estereótipo de que a mulher precisa encontrar um parceiro com quem irá
dividir sua vida, dar significado a ela e viver um pelo outro, essa ideia acaba por se
tornar a principal prioridade na vida destas mulheres e muitas vezes as tornam
dependentes e viciadas em seus parceiros. Os mesmos autores afirmam ainda que,
o amor patológico se particulariza pela excessiva desconfiança e possessividade da
mulher com o seu parceiro, sendo frequentemente relacionado ao fato de possuírem
baixa autoestima. Desta forma, o amor patológico se constitui pelo desequilíbrio
comportamental da mulher de cuidar excessivamente de seu parceiro, com isso
deixando de fazer coisas particulares, essenciais em sua vida, como trabalho, cuidar
dos filhos, entre outras coisas (SOPHIA; TAVARES E ZILBERMAN, 2007).
De acordo com estudos que buscam construir um diagnóstico comportamental
da mulher com amor patológico, a maioria das mulheres estudadas tiveram em sua
infância relações familiares conflituosas, por isso quando adultas a presença do
parceiro faz com que elas se sintam protegidas, assim possuindo uma ilusória defesa
contra o sofrimento mental (SOPHIA, 2008). A mesma autora afirma ainda, que o amor
patológico está relacionado ao transtorno de ansiedade, o que explicaria a
permanência desses indivíduos em relacionamentos tensos e conturbados, no qual
muitas vezes acabam por ocorrer violências físicas e psicológicas. A mulher acaba
tendo dificuldades em aceitar e admitir que algo está errado, dificultando assim uma
intervenção, procurando por um tratamento somente quando se veem abandonadas
pelo parceiro. O tratamento para esta patologia é feito com os profissionais das áreas
de psiquiatria e psicologia (SOPHIA, 2008). Além da identificação do amor patológico
como fator clínico, outro transtorno pode ser considerado ao avaliar o perfil da mulher
emocionalmente dependente, como é o caso do transtorno de personalidade
dependente que será abordado a seguir.
22

3.4 Transtorno de personalidade dependente


Os autores Zanin e Valério (2004), destacaram em seus estudos que os
indivíduos que possuem transtorno de personalidade dependente exibem
constantemente comportamentos que sugerem uma incapacidade de funcionar sem
o auxílio de outras pessoas, além da necessidade permanente de reasseguramento e
anseio excessivo em ser cuidado pelo outro. Tais comportamentos se assemelham
ao quadro de amor patológico, possuindo características semelhantes para
diagnóstico, principalmente no que diz respeito ao sentimento de desamparo quando
estão sozinhos. Porém, o que pode ser observado no transtorno de personalidade
dependente é a prevalência de comportamentos depressivo que nem sempre estão
presentes em indivíduos que demonstram o amor patológico.
A personalidade se refere a um conjunto de características específicas na qual
particulariza o indivíduo, e que estão envolvidas em um processo dinâmico
constituídos de bases fisiológicas, emocionais e habilidades sociais, que determinam
a maneira como o indivíduo interage e responde ao meio em que vive (HALL;
LINDZEY; CAMPBELL; 2000). Quando as características da personalidade do
indivíduo começam a causar algum problema de adaptação, contribuindo para o
sofrimento deste ou das pessoas com quem possui uma convivência diária, começa
a se pensar na hipótese do indivíduo possuir um transtorno de personalidade, sendo
que este transtorno possui diversos subtipos, como o paranoide, esquizoide, entre
outros (MARTINS, 2010).
O transtorno de personalidade dependente se caracteriza por um padrão de
comportamentos submissos no qual o indivíduo apresenta uma necessidade
excessiva de proteção e cuidados, além de não conseguir tomar iniciativas próprias
ou expressar sua opinião, por isso acaba sempre esperando que a figura na qual é
dependente tome as decisões em seu lugar (MARTINS, 2010). Segundo o DSM V
(2013), o diagnóstico de transtorno de personalidade dependente infere que esse
transtorno pode começar a surgir no início da fase adulta e pelo menos cinco dos oito
sintomas precisam estar presentes, sendo eles: (a) dificuldades em tomar decisões
sozinha; (b) necessidade que os outros tomem decisões sobre alguns aspectos de
sua vida; (c) dificuldade em expor sua opinião por medo do que o outro irá pensar;
(d) não consegue realizar projetos sozinho, por falta de autoconfiança; (e) capacidade
de cometer atos extremos com o objetivo de obter carinho; (f) medo exagerado de não
conseguir cuidar de si próprio; (g) necessidade excessiva de estar em um
23

relacionamento amoroso; (h) medo intenso de ser abandonado (ASSOCIAÇÃO


AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2013).
O diagnóstico de transtorno de personalidade dependente é mais comum em
mulheres, mas isso não significa que os homens não possam desenvolver tal
patologia, porém esses apresentam uma taxa muito menor se comparado ao
diagnóstico em mulheres (ZANIN E VALÉRIO, 2004). Os indivíduos que possuem o
transtorno de personalidade dependente se sentem inseguros e incapazes para iniciar
ou dar continuidade em algo sozinho, como projetos, ou até mesmo coisas básicas do
dia a dia, pois este sempre precisa do auxílio e aprovação de outra pessoa para
conseguir concluir o que deseja, desta forma o indivíduo sempre faz com que o outro
tome as decisões de sua vida em seu lugar (MARTINS, 2010).
Mulheres que possuem o transtorno de personalidade dependente, acabam por
se comportar de maneira submissa aos seus parceiros de medo que os mesmos as
abandonem, desta forma acabam muitas vezes se permitindo passar por situações
constrangedoras e humilhantes, com o intuito de agradar e provar o amor que sente
ao seu parceiro. Muitas mulheres acabam se sacrificando em troca do carinho e da
atenção do parceiro, sacrifícios esses que muitas vezes acabam lhe causando dor e
sofrimento, mas ela se permite passar por essas situações, apenas por medo de
perder o companheiro, se sujeitando, até mesmo, a situações de abuso sexual, verbal
e físico. Muitas mulheres que possuem o transtorno de personalidade dependente
acabam por permanecer em relacionamentos abusivos, por se sentirem culpadas
pelas agressões sofridas, afirmando que poderiam ter se doado mais à relação
(ZANIN; VALÉRIO, 2004).
Quando um relacionamento, que é significativo para a mulher que possuí o
transtorno chega ao fim, esta acaba passando por um sofrimento muito profundo, já
que acaba perdendo o principal sentido de sua vida. Ela logo vai à procura de um novo
relacionamento que possa oferecer o apoio e cuidado que precisa, já que acredita que
não pode funcionar sem estar vivendo um relacionamento íntimo (ZANIN E VALÉRIO,
2004). Ainda, segundo os autores, o comportamento dependente deve ser
considerado característico do transtorno quando o mesmo causar sofrimento ao
indivíduo ou a pessoas próximas, estes devem procurar ajuda psiquiátrica e
psicológica para que se possa iniciar um tratamento adequado para o caso.
Zanin e Valério (2004), destacam ainda em seus estudos que, os indivíduos
que possuem transtorno de personalidade dependente exibem constantemente
24

comportamentos que sugerem uma incapacidade de funcionar sem o auxílio de outras


pessoas, além da necessidade permanente de reasseguramento e anseio excessivo
em ser cuidado pelo outro. Tais comportamentos se assemelham ao quadro de amor
patológico descrito anteriormente, possuindo características semelhantes para
diagnóstico, principalmente no que diz respeito ao sentimento de desamparo quando
estão sozinhos, porém o que pode ser observado no transtorno de personalidade
dependente é a prevalência de comportamentos depressivos mais agravados, que
nem sempre estão presentes em indivíduos que demonstram o amor patológico.
Em relação à permanência em relacionamentos abusivos, que pode ser
qualificada como violência doméstica, a temática é amplamente explorada no meio
acadêmico e respaldada por políticas públicas que visam prestar suporte jurídico a
mulher, conforme exposto a seguir.

3.5 Dependência emocional e a violência


A violência pode ser globalmente reconhecida como um problema de saúde
pública e caracterizada pelo uso intencional de força física ou psicológica contra si
mesmo, outra pessoa ou a sociedade, que resulte ferimentos, morte, danos
psicológicos, incapacidade de desenvolvimento e privação (LETTIERE; NAKANO,
2011). Segundo Fonseca, Ribeiro e Leal (2012), há cinco tipos de violência contra a
mulher, sendo eles o físico, que é quando fere ou causa algum dano ao corpo da
mulher; o patrimonial que refere-se à destruição de quaisquer bens materiais, objetos
e documentos que a vítima possui; a sexual que é quando o agressor força a vítima a
manter ou participar de relação sexual na qual não deseja; a moral corresponde à
quando o parceiro tenta denegrir a imagem da mulher e para isso utiliza meios como
calunia, difamação ou injuria. Os autores classificam a violência psicológica ou
emocional como a pior forma de agressão, pois esta é silenciosa e deixa marcas
profundas, sendo caracterizada por qualquer conduta que resulte em dano emocional
como baixa autoestima, humilhação, imposição, desrespeito e desprezo, ou seja,
qualquer comportamento que caracterize em violação dos valores morais do sujeito.
Segundo Leite et al. (2017) a violência engloba fatores individuais, relacionais,
sociais, culturais e ambientais. Também pode estar ligado à posição desigual das
mulheres nos relacionamentos e a superioridade masculina instituída pela cultura, de
controlar os bens e comportamentos femininos. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS) sobre a saúde da mulher e violência doméstica, de 15% a
25

71% das mulheres experenciaram algum tipo de violência física, sexual ou ambas,
cometidas pelo parceiro íntimo. No Brasil esta pesquisa foi realizada nos estados de
São Paulo e Pernambuco com prevalência de violência de 29% a 37%, sendo que a
maioria das vítimas não procuram nenhum tipo de ajuda e quando procuram, recorrem
a entes mais próximos, seguidos por instituições como a polícia, serviços específicos
para vítimas de violência doméstica e profissionais de saúde. Neste contexto, Fabeni
et al. (2015) citam empecilhos que fazem com que a mulher não denuncie seu
agressor, tornando-a mais dependente desta relação. Tais fatores seriam o medo da
denúncia e da reação do agressor; vergonha da agressão; dependência financeira;
preocupação com a criação dos filhos; acreditar que seria a última vez, bem como na
remissão e mudança de atitude do parceiro e não conhecer seus direitos perante a
lei.
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos (MDH), o Brasil ficou em
quinto lugar entre os países com maior taxa de homicídio, no Mapa da Violência
produzido pela OMS, divulgando, inclusive, o balanço do Ligue 180 – Central de
Atendimento à Mulher, com dados referentes ao período de janeiro a julho de 2018,
onde o “Ligue 180” registrou 27 feminicídios, 51 homicídios, 547 tentativas de
feminicídios e 118 tentativas de homicídios. No mesmo período, os relatos de violência
chegaram a 79.661, sendo os maiores números referentes à violência física (37.396)
e violência psicológica (26.527) já registrados no país. Entre os relatos de violência,
63.116 foram classificados como violência doméstica, abrangendo cárcere privado,
esporte sem assédio, homicídio, tráfico de pessoas, tráfico internacional de pessoas,
tráfico interno de pessoas e as violências física, moral, obstétrica, patrimonial,
psicológica e sexual (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS, 2018).
Em pesquisa encomendada pelo Data Senado, em 2017, verificou-se um
aumento do percentual de mulheres que declararam ter sido vítimas de algum tipo de
violência provocada por um homem. Esse percentual passou por um crescimento de
18% em 2015, para 29% em 2017, tendo a violência psicológica como segundo maior
fator de violência, ficando atrás da violência física. Ainda sim, mesmo com estes
dados, muitas mulheres continuam mantendo a relação abusiva. (DATASENADO,
2017).
No Brasil, desde a década de 80, apresentava-se uma luta crescente pela
criação de políticas de inclusão e valorização da mulher, produzindo marcos
importantes na Constituição de 1988, com a formalização das primeiras políticas
26

públicas voltadas para a mulher, com a criação de políticas de segurança e saúde


especializada (PORTO; BUCHER-MALUSCHKE, 2014). No entanto, o maior ganho já
registrado no país, aconteceu somente em 2006 com o sancionamento da Lei nº
11.340 conhecida como Lei Maria da Penha, a qual define que havendo violência
contra a mulher seja de forma física, sexual, psicológica, de dano moral ou patrimonial,
será a mulher amparada e deve receber assistência jurídica, de saúde e social,
buscando prevenir ocorrências de violências e punição dos agressores envolvidos
(BRASIL, 2006) Com a lei a discussão efetiva sobre o assunto deixa de ser
interpretada como um problema individual e passa a ser reconhecida como problema
social, de dever e intervenção do Estado, tornando mais fácil a discussão e
intervenção em nível social e cultural (BRASIL, 2006).
É possível observar, segundo a pesquisa de Leite et al (2017), fatores que
prevalecem na violência contra a mulher como: maior faixa etária, justificada por
mulheres mais velhas serem mais submissas; menor escolaridade e renda, pela falta
de formação escolar e conhecimento sobre seus direitos sociais e políticas públicas;
estado civil, sendo mulheres divorciadas mais vulneráveis a sofrerem abusos pelos
parceiros. A pesquisa também apresenta dados que confirmam a prevalência da
violência transgeracional, ou seja, de geração em geração, nesse sentido, mulheres
que testemunharam violência contra as mães se submetem mais facilmente ao
estabelecimento de um relacionamento abusivo na idade adulta. Em relação a religião
ou etnia, não foram constatados dados. Destaca-se também que as vítimas podem
contar com programas de apoio, seja de ordem governamental ou não-governamental
(LEITE et al., 2017).
Segundo Silva, Coelho e Caponi (2007) com base nos programas de apoio
percebe-se que 98% das queixas dessas vítimas são de mulheres que sofreram
alguma forma de violência no espaço doméstico, evidenciando que esse tipo de
violência está cada vez mais brutal mesmo considerando que as vítimas possam
contar com diversos programas e formas de atendimento especializado. Dessa forma,
nota-se uma contradição, visto que, o objetivo desses programas é a redução da
demanda, mas observa-se que a violência tem aumentado e ficado mais agressiva e
severa, ocasionando em mortes ou sequelas graves. O agravante destacado pelos
autores é a impossibilidade das vítimas para o trabalho o que complica ainda mais a
situação (SILVA; COELHO; DE CAPONI, 2007). Cardoso e Brito (2015) apresentam
os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os resultados alcançados com
27

a aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil que demonstram a baixa nas taxas de
violência no primeiro ano, em 2007, porém destaca-se um aumento significativo no
ano de 2010.
Profissionais que atendem as vítimas nos programas e serviços encontram
situações de violência doméstica que inicialmente aparecem de maneira silenciosa,
grande parte delas nem sequer são percebidas. Essa intensidade tende a aumentar e
progredir até gerar uma violência grave e aguda. O autor destaca que as violências
inicias não coíbem a manifestação de violência física, mas inicia pelo constrangimento
e humilhação (SILVA; COELHO; DE CAPONI, 2007). Neste aspecto Porto e Bucher-
Maluschke (2014) evidenciam a importância de analisar como são feitos os
atendimentos dos profissionais que trabalham nas redes especializadas de
atendimento à mulher, considerando as motivações da permanência das mulheres em
situação de violência, se são baseados no olhar à subjetividade humana ou se são
influenciados pelo olhar estigmatizado presente não só na sociedade, mas nos
serviços de referências, sustentados pela observação do comportamento de milhares
de mulheres que denunciam seus companheiros e depois voltam a viver com o
agressor.
Pensando em ações preventivas, Silva, Coelho e de Caponi (2017) destacam
a importância da realização de palestras informativas em escolas, do nível
fundamental ao médio, e nas universidades sobre direitos e serviços de apoio
existentes. Os autores abordam que a desinformação ainda é evidente e presente nos
níveis de ensino, tanto sobre as formas e características de violência quando a
existência de serviços para atendimento as vítimas, enfatizando que o
desconhecimento é maior quando se trata de violência psicológica e destacam uma
negação por parte das vítimas em compreender que humilhação, desqualificação,
críticas destrutivas, exposições e desvalorização são formas de violência contra a
mulher que são fatores que culminam na violência física e na dependência emocional
(SILVA; COELHO; DE CAPONI, 2007). Os autores destacam ainda, os danos à saúde
das vítimas no sentido de bem estar biopsicossocial e consideram consequências
como traumas, gravidez indesejadas, abortos, doenças sexualmente transmissíveis e
diversos tipos de transtornos psicológicos.
Desta forma, se faz necessário difundir e ampliar os programas de prevenção
e proteção à mulher, bem como políticas públicas que favoreçam a conscientização
28

da mesma quanto aos seus direitos, onde ela possa se sentir amparada e empoderada
para tomar decisões que lhe cabe, acerca de seus direitos.
29

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da revisão realizada nas bases de dados Scielo Brasil, Pepsic e Google
Acadêmico, foram selecionados, a partir dos critérios de inclusão, 16 artigos científicos
para serem consultados durante o trabalho. Dos 16 artigos resultantes da busca
bibliográfica, pôde-se extrair alguns resultados quanto aos estudos produzidos. Na
Tabela 1, são apresentados os resultados de acordo com o ano e frequência de
publicação dos artigos, levando em consideração as publicações a partir do ano 2000,
devido à crescente veiculação do tema no início desse ano e a tramitação do projeto
da Lei Maria da Penha, sendo sancionada em 2006.

Tabela 1: Ano de Publicação


Ano Frequência %
2004 1 6,25
2005 1 6,25
2007 2 12,50
2008 1 6,25
2010 1 6,25
2011 2 12,50
2012 2 12,50
2014 1 6,25
2015 2 12,50
2016 2 12,50
2017 1 6,25
Total 16 100

É possível observar que o estudo acerca da dependência emocional em


relacionamentos abusivos vem sendo trabalhado frequentemente ao longo dos anos,
porém, pode-se considerar um número baixo de estudos, ainda mais se levarmos em
consideração a forma crescente como que o fenômeno vem se apresentando,
principalmente depois de sancionada a Lei Maria da Penha em 2006.
Contudo, na tabela 2, podemos acompanhar a metodologia mais utilizada nos
estudos realizados, a fim de entender que tipo de pesquisa tem sido apresentada com
mais frequência.
30

Tabela 2: Tipo de pesquisas aplicadas

Tipo de estudo Frequência %


Empírico 9 56%
Teórico 5 31%
Revisão de literatura 2 13%
Total 16 100

A maior utilização do estudo empírico para as pesquisas apresenta-se como


um fator importante, pois este tipo de estudo utiliza a experiência e observação direta
de um fenômeno, oferecendo dados de comprovação prática a fim de sistematizar
determinada teoria. Desta forma, pode-se observar que ao longo dos anos de
produção acadêmica quanto ao tema apresentado, os estudos empíricos se
apresentam em maior número e como possibilidade para um melhor entendimento do
fenômeno.
Fabeni et al. (2015), elucida que diversos são os fatores apresentados para
justificar o ato da violência doméstica, principalmente as razões pelas quais as
mulheres permanecem em relacionamentos abusivos, como: a permanência por
dependência financeira, o medo do parceiro, vergonha da agressão sofrida, entre
outros; porém, nas pesquisas relacionadas ao tema, pouco se atribui a dependência
emocional como fator para a continuidade na mulher nesta relação. Segundo os
autores, conceder ao amor a razão pela qual justifique a permanência da mulher em
um relacionamento abusivo, corre-se o risco de colocar a mulher sob a ótica de sexo
frágil, de vitimizá-la em função de não ter capacidade de reagir à violência ou de ser
irracional em suas decisões, tornando-a responsável por sua condição. No entanto,
muitos casos de violência contra a mulher já foram justificados por agressores por
terem sido motivados por amor, em defesa da honra ou ainda crime passional, na
condição de proteger o homem opressor e machista, sendo encobertado pelo discurso
do patriarcado. Neste contexto, considerando que a mulher ainda é vista pela
sociedade como sendo inferior ao homem, com desvantagens subjetivas, sociais e de
direito, atribuir ao amor a justificativa da permanência em relacionamentos abusivos,
seria o mesmo que negligenciar anos de luta das mulheres nas busca de direitos
iguais (FABENI et al, 2015).
31

Contudo, conforme os resultados apresentados na presente pesquisa


bibliográfica, é crescente o número de pesquisas que apontam o amor romântico
como motivação para as mulheres permanecerem em situação de violência, pois sua
dependência emocional estaria vinculada ao seu desenvolvimento psicossocial e as
formas como significou o amor em sua vida, onde as marcas identitárias do amor
romântico produziram reflexos em sua personalidade, levando a dependência
emocional (BOWBY, 2002; ZANIN, VALÉRIO; 2004; DALBEM, DELL’ AGLIO, 2005;
NORWOOD, 2005; PINTO; SOPHIA; TAVARES; ZILBERMAN; 2007; VARELA;
VINHAL; 2012; FABENI et al, 2015).
Os estudos produzidos por Martucelli (2016) e Sophia, Tavares e Zilberman
(2007), constatam que o desejo do amor romântico contribui para que muitas mulheres
desenvolvam um quadro de amor patológico, já que a essência deste não é o
sentimento de amor em si, mas sim o medo de não possuir uma pessoa ao seu lado
para compartilhar os momentos de sua vida, acreditando não merecer vivenciar esse
sentimento, ou até mesmo um medo intenso de ser abandonada pela pessoa que
escolheu para compartilhar seus sentimentos. Os mesmos autores ainda afirmam que
se comportar dessa forma causa nessas mulheres um desconforto e prejuízo em suas
vidas, mas, ao mesmo tempo, esse comportamento se torna reforçador, já que
proporciona alívio e realização momentânea para a ansiedade que sentem em relação
ao amor que vivenciam pelos seus parceiros.
Norwood (2003) e Sophia, Tavares, Zilberman (2007), relatam que muitas
vezes, as mulheres que apresentam o quadro de amor patológico acabam se
envolvendo com parceiros que são distantes e inseguros ou ainda que possuem
dependência de substâncias químicas, como álcool e drogas. Esses tipos de
relacionamento fazem com que as mulheres aceitem comportamentos de remissão
de culpa, dito como “amorosos”, produzidos pelos parceiros que lhes dão presentes e
palavras carinhosas como meio de compensar os atos agressivos, fazendo com que
essas mulheres passem a adquirir o ilusório pensamento de que o parceiro irá amá-
la, mesmo que a raiva e a culpa alternem-se constantemente (NORWOOD, 2003;
SOPHIA, TAVARES, ZILBERMAN, 2007). Essa idealização faz com que muitas
mulheres permaneçam em relações abusivas que podem evoluir para violência
doméstica, se tornado cada vez mais a principal forma de violência contra a mulher
(SILVA, COELHO, DE CAPONI, 2007).
32

Mulheres que enfrentam a situação de violência doméstica percorrem caminhos


que envolvem a interação de processos intrapsíquicos e sociais, como laços familiares
e institucionais. Esses fatores podem ser de proteção ou de risco, em relação à
violência. Nesse sentido, a família é compreendida como fator de proteção por atuar
como fator externo, se apresentando como possibilidade de amparo e reconstrução
frente ao sofrimento e uma influência que pode suportar a vítima frente a situação em
que se encontra, ou seja, frente à violência vivenciada. Porém, grande parte dessas
mulheres estão isoladas do seu meio social e rede de familiares e amigos, o que a
deixa mais vulnerável para o ciclo de violência. Nesses casos de rompimento de
vínculo com a rede social, é necessário que exista uma rede de apoio e serviços
sociais que são acionados para garantir a segurança das vítimas (LETTIERE;
NAKANO, 2011).
Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os
profissionais da área da saúde estejam capacitados para reconhecer e abordar a
violência doméstica através do acolhimento, e da reconstrução e reconhecimento da
integridade das mulheres, fazendo-as se visualizarem como seres com direitos
humanos. Para isso, a rede oferece recursos como delegacias de mulheres e casas
de abrigo, para que, em situações de risco, possam protegê-las em parceria com
outros setores da sociedade, porém, os autores também pontuam a fragilidade dessas
redes, como a falta de recursos suficientes para amparar as vítimas.
Os serviços de saúde, como pronto socorro, atentam-se no cuidado com
ferimentos e medicalização, atendendo a queixa de forma desestruturada e sem
capacitação. Enquanto que os serviços de segurança pública, demonstram lentidão
na resolução dos processos e só podem atender com emergência casos de violência
em flagrante, o que faz com que deixe de cumprir o seu papel de forma satisfatória
com os outros casos (LETTIERE; NAKANO, 2011).
Pensando sob essa perspectiva, a Psicologia como ciência do desenvolvimento
humano e suas relações com o meio, tem muito a contribuir para essa temática,
porém, conforme mostrado no estudo de Porto e Bucher-Maluschke (2014), a visão
que se tem quanto ao atendimento na rede especializada de atendimento a mulher, é
que as intervenções são limitadas ou mesmo inadequadas para o tipo de serviço.
Segudo as autoras, esse tipo de mediação é voltada com foco para a situação social
da mulher e não para o sofrimento psíquico em si, não contemplando ações de
enfrentamento e empoderamento da mesma, para que esta possa criar subsídios e
33

se projetar para fora dessa relação de violência. Desta forma, Porto e Bucher-
Maluschke (2014) destacam a importância da atuação do psicólogo em conjunto com
a rede especializada de atenção a mulher, mediando os atendimentos e orientando
os profissionais que lidam diretamente com as vítimas, propiciando a compreensão
de que o sofrimento psíquico está atrelado às questões sociais, de forma a não
produzir uma compreensão limitada às questões pessoais vivenciadas pela mulher, e
sim uma percepção da influência dos aspectos sociais e culturais na produção
daquele sofrimento e na possibilidade de sua superação, não deixando de considerar,
em hipótese alguma, a subjetividade da mulher. É preciso direcioná-la como foco da
intervenção a fim de alcançar resultados que conduza a mulher à libertação de seu
sofrimento.
34

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho propôs investigar a condição de dependência emocional em


mulheres que se mantém em relações abusivas a partir de uma revisão bibliográfica,
com o objetivo de buscar evidências que pudessem amparar a hipótese de que
impedimentos de ordem moral, social, histórica e, principalmente, psicológica, operam
como fatores que contribuem para essa dependência.
Desta forma, podemos concluir que existem diversos fatores que podem ser
utilizados como justificativa da permanência de mulheres em situação de violência,
como a força do patriarcado, as marcas identitárias do amor romântico e os ganhos
secundários advindos da relação abusiva. No que diz respeito à força do patriarcado,
deve-se considerar que este fator é caracterizado pela construção social da mulher
submissa ao homem, que aceita diversas condições em troca da preservação do
relacionamento e de ter um homem ao seu lado, da segurança financeira e da
conservação da família tradicional, condição essa estabelecida, muitas vezes, por
medo e vergonha frente à pressão familiar e as instituições religiosas. Já as marcas
identitárias do amor romântico, refere-se à idealização do amor perfeito e inabalável,
que necessita se sentir amado, reconhecido e valorizado de forma única, provocando
a condição da dependência emocional, aceitando expor-se a situações de violência
como caminho para conquistar àquilo que deseja. Por último, o fator dos ganhos
secundários advindos desta relação, onde a mulher mediante a dedicação e
permanência no relacionamento abusivo, espera e confia na possibilidade de
mudanças de atitude por parte do parceiro, nutrindo um desejo de amor e reparação
do relacionamento conturbado, porém, este é um sentimento vivido apenas pela
mulher, caracterizado também pela evitação de conflitos, do medo de ser abandonada
e se sentir só, ou ainda de ter que reconstruir uma vida do zero, desde a sua condição
financeira até reestabelecimento emocional.
A partir da revisão bibliográfica, evidenciou-se que as mulheres que
permanecem em relacionamentos abusivos, tem o fator da dependência emocional
atrelado ao motivo de se manterem com seus parceiros, onde na maioria das vezes a
mulher ainda não se vê como detentora de recursos psíquicos e subjetivos que
possibilitem que ela seja agente de mudança em sua própria história e capaz de
escrever novas perspectivas para si, para daí então ter a capacidade de elaborar e
fazer uso de todo o respaldo que lhe é oferecido pelas políticas públicas. O tema ainda
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é pouco explorado, visto que na maioria dos estudos encontrados, o objeto era
observar as questões sociais que permeiam o contexto da mulher em situação de
violência. Com isso, pensando em alternativas que possibilitem mudanças no cenário
da violência doméstica no Brasil, entende-se que é necessário o movimento contrário
do que vem sendo estudado até então, ou seja, buscar a produção de conhecimento
e intervenções que possibilitem explorar a dinâmica do sofrimento psíquico das
vítimas, de forma que possam compreender e fazer uso das políticas públicas
existentes.
As políticas públicas existentes de apoio a essas mulheres, tem como objetivo
proteger a integridade da mesma, auxiliá-las para que recebam os atendimentos
adequados e as manter em segurança. Algumas das redes existentes no país, são os
centros de referências, casas de abrigo, delegacias especializadas para o
atendimento à mulher (DDM), defensorias da mulher, ouvidorias, dentre outras, mas,
infelizmente, ainda no país muitas dessas políticas públicas não recebem investimento
e apoio necessário para o desenvolvimento adequado de suas funções. Por este fato,
muitas vezes, o trabalho dessas instituições acaba não sendo efetuado da forma que
deveria, o que faz com que as mulheres sintam-se inseguras para procurarem ajuda
desses serviços.
Nesta condição, a Psicologia se apresenta como mediadora do conflito e da
reconstrução da autonomia da mulher, colaborando para a conquista do ideal: o
empoderamento feminino. Para isso, é necessário estimular no campo acadêmico,
mais pesquisas voltadas ao sofrimento psíquico da mulher em situação de violência,
e pensar em novas estratégias de atendimento e de intervenção que podem ser
oferecidas pelos profissionais de saúde, aprimorando o espaço de escuta, o
acolhimento e assistência às vítimas, evitando o movimento de entrada e saída da
mulher nos serviços de apoio, bem como a revitimização advinda desta dinâmica.
Também se faz necessário compartilhar os conhecimentos produzidos através
das pesquisas realizadas pelos estudantes e profissionais da Psicologia com os
profissionais envolvidos no atendimento às vítimas, contribuindo para qualificar e
ampliar a rede de atendimento à mulher. É necessário oferecer informações e
condições reais de atendimento, visto que, grande parte dessas vítimas, não
conhecem seus direitos garantidos pelas políticas públicas já existentes.
Por fim, acredita-se que esse trabalho foi de extrema importância para destacar
a relevância de se estudar a dependência emocional em mulheres e a relação desta
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quanto à permanência em relacionamentos abusivos, além de contribuir


positivamente, de forma a estimular a produção de novas pesquisas com maior rigor
metodológico. A partir de novos estudos que possam surgir, espera-se que sejam
ampliadas as compreensões de alguns aspectos que ainda aparecem de forma rasa,
como as possibilidades de prevenção e tratamento do sofrimento psíquico
apresentado pelas mulheres que sofrem de dependência emocional e os motivos da
continuidade com os parceiros, constituindo definições mais claras que amparem a
criação de intervenções diretas e critérios diagnósticos mais específicos relacionados
ao fenômeno estudado.
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