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TÓPICOS DE PARTE DA PALESTRA DE MIGUEL ARROYO

Esta palestra está disponível em video neste endereço: http://www.cefetsp.br/edu/eja/palestramiguelarroyo.html

Elaboração: Prof. Laerte

A) PRIMEIRO PONTO

Como pensamos os jovens e adultos no Proeja? A tendência é pensar pelo negativo.

1) VISÕES NEGATIVAS:

Primeira forma de vê-los pelo negativo: são os EXCLUÍDOS SOCIAIS. Partimos do pressuposto que os
jovens e adultos estão excluídos. Será que estão? Será que estão?
Devemos ter coragem de criticar a visão que temos dos educandos pois condiciona todos os projetos de
educação.
Esta é uma questão muito séria. Vamos rever, seriamente, se temos a visão de excluídos, aqueles que estão à
margem do social. Quem chega no Eja não está excluído. Está numa forma de inclusão excludente que é diferente.
O capitalismo não deixa nada de fora. Os jovens e adultos não são de fora, lixo que vamos tentar reciclar. Não
precisam de nossa compaixão. Tenhamos muito cuidado. A compaixão foi uma invenção da modernidade e a
pedagogia pegou isto para ela. O Proeja não pode ser um projeto de compaixão com os excluídos porque os jovens e
adultos da EJA não estão excluídos. O capitalismo não deixa nada de fora.

Segunda forma de vê-los de forma negativa: são subtrabalhadores. Também uma visão muito perigosa,
pois significa que não são trabalhadores. Se forem qualificados talvez cheguem a ser trabalhadores. Cuidado com
uma dicotomia que nos persegue: uma coisa é a classe trabalhadora, o trabalhador e outra coisa é o que vive do
biscate, do trabalho informal, da sobrevivência e por isto é subtrabalhador.
Então, vamos oferecer para eles um proeja qualificante, tecnológico para que deixem de ser
subtrabalhadores e passem a ser trabalhadores? Cuidado com isto. Estamos repetindo uma dicotomia pela qual
somente o trabalho sobretudo o industrial é trabalho.... O próprio marximo nos leva nesta direção perigosa...
Pedagogias compassivas em cima deles, não.

Terceira forma de vê-los de forma negativa: vê-los como carentes de instrução, de diploma, de
escolarização que garanta o direito ao trabalho. Há duas coisas nesta visão: esta visão continua dominando a EJA. É
muito cara para a Pedagogia.....
Não caiam nesta armadilha. Não são carentes de instrução, de escolarização, de diploma. Devemos reagir
violentamente ao fato de que o diploma seja colocado como um dos instrumentos de exclusão ao direito do
trabalho..... A política de Estado correta é não condicionar o direito ao trabalho ao diploma. No entanto, esta visão é
bem típica do nosso país, de uma república de doutores, de diplomas.

Quarta forma de vê-los de forma negativa: vê-los como cidadãos porque não passaram pela educação.
Porventura, quem não passa pela educação não é cidadão? Cuidado com estas visões que nos perseguem.

2) VISÕES POSITIVAS:

2.1) Vê-los como trabalhadores já e não como subtrabalhadores: “carregam uma história de trabalho longa,
sempre trabalharam, trazem as marcas do trabalho. Por isso, não devemos desqualificar o trabalho
deles, dizer que é subtrabalho. Devemos reconhecer suas histórias de trabalho. Montar todo o programa
em cima de suas histórias de trabalho, vivências de trabalho, a luta pelo trabalho, a luta para sobreviver,
o que significou para eles suas histórias de trabalho. Isto muda radicalmente a proposta da EJA.
2.2) Pertencem a coletivos de trabalhadores: imigrantes que vieram do campo para a cidade, que estão no
campo. São histórias de coletivos de trabalhos. Que histórias são estas?
2.3) Carregam uma história de lutas por trabalho, por vida, por dignidade. Trabalham para comer.... Toda
luta por comida é digna porque o primeiro direito de todo homem é comer. Brecht: “Primeiro comida,
depois moralidade”.
2.4) Têm histórias diversas: as lutas pela vida e trabalho são muito diferentes para o homem e para a mulher.
Não têm só uma história genérica, mas história marcada pelo gênero, pela raça. (observação do
professor Laerte: raça, etnia, gênero são temas da pós-modernidade). É muito diferente a forma de
luta de um menino branco e de um menino negro. Levar em conta o lugar de origem: favela, campo. O
lugar de moradia também condiciona as histórias.

3) PERGUNTAS PARA ENCERRAR O PRIMEIRO PONTO:

1) Como pensar os jovens e adultos no PROEJA? Se domina uma visão negativa da sociedade sobre eles, têm
direito de saber sobre a forma negativa de pensá-los. Um programa do proeja deve dar centralidade às formas
como a sociedade, literatura, pedagogia, ciências, pensamento político, têm visto estes que agora acorrem aos
cursos técnicos. Tem o direito a saber-se pelo negativo para reagir a tanta negatividade. Nós trabalhamos nesta
perspectiva?

2) Que lugar damos nos nossos programas da EJA/PROEJA para afirmar esta visão positiva, para contrapor esta
visão positiva à negativa? Se insistirmos em uma crítica a esta visão negativa, estaremos conformando outro
trabalhador, com outra visão, com outra auto-estima. Isto merece ser central no EJA/PROEJA.

B) SEGUNDO PONTO:

1) O direito a SABER-SE trabalhadores, amarrados ao nosso padrão de trabalho. O direito de conhecer qual é
o padrão de trabalho em que estão se formando. Que padrão é este?

Duas direções para este SABER-SE:

1ª) Dar centralidade nos programas, nos currículos, ao conhecimento da organização do trabalho, às relações
sociais de trabalho. Não é suficiente dominarem tecnologias. Precisam conhecer as relações de trabalho nas
quais vão se inserir.

2ª) Dar centralidade à história do trabalho. A história do trabalho, do movimento operário, do movimento
docente está ausente da educação básica, dos cursos de Pedagogia, das licenciaturas. Se em algum lugar a
história do trabalho tem que ser central é um curso de formação, de qualificação tecnológica de trabalhadores.
Se não está incluído, não esperemos a inclusão por parte das diretrizes curriculares. Façamos acontecer.
- Dar destaque: qual o padrão de trabalho em nossas sociedades colonizadas? O padrão de trabalho nestas
sociedades nasceu racista: um trabalho para os negros, índios e outro para os colonizadores. Este caráter racista
está incrustado no padrão de nosso trabalho. Continua até hoje: o homem branco ganha mais do que o homem
negro. Este padrão também é sexista. Têm direito de conhecerem este padrão com estas características.
- O trabalho sempre foi negado, sempre foi para poucos, sempre foi incerto para muitos. Características do
trabalho informal que é incerto: não aposentadoria, rotatividade de trabalhos, etc... Esta marca de nosso trabalho
é terrível. Por que este trabalho é incerto? O trabalho incerto, a sobrevivência incerta foi uma das pedagogias
mais brutais de nosso capitalismo colonial para manter os outros na incerteza. Precisam entender de onde
chegam e onde vão cair depois do proeja? Que padrão vai continuar persegindo-os depois do Proeja? Ou seja,
ver este padrão de trabalho colado ao padrão de dominação, subordinação na especificidade de nossa história.
Se o programa tem somente o objetivo de fazer com que os alunos dominem tecnologias estaremos
enganando.

Conclusões sobre este padrão de trabalho:

1) O proeja não resolve padrões históricos de trabalho racistas, sexistas, incertos. Precisamos ser realistas. Não
adianta estar com o olho nas estrelas e cair no buraco.
2) Consequências deste padrão de trabalho: padrão conformador de corretivos inexistentes, ou seja, o trabalho
informal não existe para a economia. O trabalhador da informalidade, sem carteira, somente entrará na
formalidade se pagar imposto. Eis uma coisa perversa.
- Ilusão acreditarmos na garantia de emprego na formalidade: cresceu o número de pessoas com diplomas que
não conseguem trabalho. O problema não é de exclusão. Há um número significativo de trabalhadores na
economia informal, mas que não são considerados pela economia baseada no padrão de trabalho. São
considerados inexistentes ou vamos conhecer suas tentativas de afirmação?
- A Eja deve ser uma forma de afirmações de suas existências. Eu existo e porque existo, estou aqui. Faça dos
programas um momento de reconhecimento frente ao não reconhecimento, a inexistência.
- A escola deve ser lugar de reconhecimento dos setores populares tratados como inexistentes.
- Qual a política do Proeja? Uma política de afirmação de existências, reconhecimento de existências.
- São tratados como inferiores: índios, negros, mulheres são inferiores, opções sexuais diferentes. Esta idéia de
inferioridade descarregam para o Proeja. Muitos professores têm origem nestes inferiorizados. Se há esta
percepção, estamos mais capacitados para entender os alunos da EJA.
- Se o proeja for para reforçar as inexistências fechemos o Proeja. Deixemo-los em paz. O proeja tem que sair
na contramão destas tendências históricas de produção de inexistências....
- Não são subcidadãos, são cidadãos. São os considerados subcidadãos que estão se afirmando como cidadãos
pelas suas ações: os sem teto, quilombolas, índios. Os subcidadaõs são os cidadãos mais agressivos e não
tiveram nenhum curso para conscientizá-los, passaram a nos conscientizar. Mostram-se mais cidadãos do que
nós.
- Como assumir esta perspectiva? Se não consta nos programas e currículos, vamos fazer isto.

C) TERCEIRO PONTO:

- Direito a saber-se trabalhadores membros de uma classe trabalhadora. A burguesia não tem vergonha de dizer
que é burguesia. Nós é que temos vergonha. As classes não existem mais? Quem são estes trabalhadores que
chegam com suas histórias? São membros de uma classe social. Temos que trabalhar isto. Os alunos da
PROEJA/EJA devem saber sobre as resistências históricas de tantos outros trabalhadores que reagiram a estes
padrões de trabalho. Faz parte da história, da história do movimento operário. Devem saber sobre a história do
trabalho no movimento feminista. As mulheres não reivindicam apenas direito dentro de casa, mas direito ao
trabalho. E o movimento negro, as lésbicas, gays como lutam pelo direito ao trabalho!......

D) QUARTO PONTO:

- Os alunos da EJA/PROEJA têm direito aos saberes aprendidos nas histórias de luta pelo trabalho. Estes saberes
precisam estar incluídos na programação. São 3 saberes, 3 aprendizados:

Primeiro aprendizado na história do trabalho: na historia do movimento operários os trabalhadores aprenderam os


direitos do trabalho que não foram dádivas por parte da burguesia e sim aprendizado nas próprias lutas pelo
trabalho. Quais direitos? O direito à qualificação, ao domínio da ciência, da tecnologia. Se tenho que aprender é
porque este é um direito. Não se vincular a perspectiva mercadológica e sim a todo um histórico de lutas pelos
direitos: direito a estabilidade, direito a salários, direito a previdência, direito à maternidade, direito à greve... A
consciência destes direitos surgiram nas lutas pelo trabalho. Os alunos da EJA são herdeiros destas lutas..... A
história do trabalho deve ser visto como uma das arenas mais fecundas de afirmação de direitos.

Segundo aprendizado na história do trabalho: aprendizado dos direitos da cidadania. Não aprenderam isto na
escola, mas através de suas lutas elevando os direitos da cidadania ao direito político, ao plano da cidadania. O
direito ao trabalho não é somente pelo fato de ser trabalhador, mas pelo fato de ser gente, de ser cidadão. O direito à
maternidade não é porque trabalhou, mas porque mulher, mãe, tem direito como cidadã de cuidar de seu filho.
Proeja então é política pública. não curso de qualificação. Deve afirmar como sujeito de direito mas também
cidadão com direito ao trabalho qualificado. É um direito de cidadania, não direito de ser mais empregável.
Devemos politizar o proeja com dupla dimensão: colocar no campo dos direitos do trabalho e da cidadania política.

Terceiro aprendizado na história do trabalho: direito ao aprendizado das diferenças. Os direitos das mulheres
nunca foram iguais ao dos homens. Quem chega ao Proeja tem cor, tem gênero, tem orientação sexual.

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