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Docente do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo.
CORRESPONDÊNCIA: Prof.Dr. José Geraldo Speciali – Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital das Clínicas
da FMRP-USP – Campus Universitário - Ribeirão Preto – CEP: 14048-900.
SPECIALI JG. Classificação das cefaléias. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 421-427, out./dez. 1997.
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A partir da década de 60, houve um grande avan- 2.2 Cefaléia do tipo tensional, crônica
ço no estudo das cefaléias. As definições dos vários 2.2.1 Cefaléia do tipo tensional, crônica, as-
tipos de migrânea, das cefaléias tipo tensão e de ou- sociada a distúrbio de músculos pericranianos
tras obedeciam critérios não universais, dificultando 2.2.2 Cefaléia do tipo tensional, crônica, não as-
a comparação de resultados entre os vários centros de sociada a distúrbio de músculos pericranianos
pesquisa. 2.3 Cefaléia do tipo tensional, que não preencha os
Em 1988, a Sociedade Internacional de Cefa- critérios acima
léia publicou a “Classificação e Critérios Diagnósti-
cos das Cefaléias, Nevralgias Cranianas e Dor Facial”. 3. CEFALÉIA EM SALVAS E HEMICRANIA PAROXÍSTICA
Esta classificação procurou correlacionar as várias eti- CRÔNICA
ologias com tipos específicos de dor de cabeça e pro-
3.1 Cefaléia em salvas
curou estabelecer critérios diagnósticos operacionais
restritivos para as cefaléias primárias. Introduziu, tam- 3.1.1 Cefaléia em salvas, de periodicidade não
bém, a noção de níveis de diagnóstico. Atualmente, determinada
esta classificação é aceita pelos principais centros de 3.1.2 Cefaléia em salvas, episódica
estudo e qualquer trabalho científico a respeito de 3.1.3 Cefaléia em salvas, crônica
cefaléia dificilmente será publicado, se não estiver de 3.1.3.1 Sem remissões desde o início
acordo com a classificação proposta. 3.1.3.2. Proveniente de episódica
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Classificação das cefaléias
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Classificação das cefaléias
12.5 Nevralgia do laríngeo superior 2.1.0.5. As principais causas de cefaléia tipo tensão
12.6 Nevralgia occipital reconhecidas pela classificação são: disfunção oroman-
dibular (2), estresse psicossocial (3), ansiedade (4),
12.7 Causas centrais de dor cefálica e facial, outras depressão (5), cefaléia como uma ilusão ou idéia (6),
que não a nevralgia do trigêmeo estresse muscular (7), abuso de drogas (8).
12.7.1 Anestesia dolorosa O item 3 da classificação refere-se a cefaléias
12.7.2 Dor talâmica unilaterais: cefaléia em salvas (CS) e hemicrania
12.8 Dor facial que não preencha os critérios dos gru- paroxística crônica (HPC). Ocorrem sempre de um só
pos 11 ou 12 lado da cabeça e só excepcionalmente mudam de lado,
diferindo portanto da migrânea. Além desta peculia-
13. CEFALÉIA NÃO CLASSIFICÁVEL ridade, são dores de curta duração (até cento e oitenta
minutos para a CS e até quarenta e cinco minutos para
2. COMENTÁRIOS À CLASSIFICAÇÃO DA SIC a HPC). A intensidade da dor é excruciante (princi-
palmente na CS) e ocorrem, principalmente, durante
Nível de diagnóstico: é dado pelo número de o sono (principalmente a CS). São acompanhadas por
dígitos utilizado no diagnóstico. É recomendável que fenômenos autonômicos do lado da dor (miose, ptose
todos os médicos conheçam a classificação até, no mí- palpebral, coriza, lacrimejamento, congestão con-
nimo, o nível de dois dígitos. Em pesquisa, todos os juntival) e têm respostas específicas a medicações
níveis de diagnóstico devem ser utilizados. (Sumatriptam e O2 para a CS e Indometacina para a
Mais de um diagnóstico: muitos pacientes têm HPC). O diagnóstico diferencial entre esses dois ti-
mais de um tipo de cefaléia. Nesses casos, devemos pos de cefaléia se faz, principalmente, pelo número
incluir todos os diagnósticos; por exemplo, migrânea, de crises diárias uma a três para a CS e mais de cinco
e cefaléia tipo tensão. na HPC, duração da dor e resposta às medicações es-
Ao se tratar de migrânea, o nível diagnóstico de pecíficas.
dois dígitos é o esperado: migrânea com aura (1.2), As crises de dor, nas duas variedades, podem
sem aura (1.1), etc. Ao acrescentarmos mais um dígi- aparecer agrupadas, em salvas, ocorrendo por um a
to ao diagnóstico 1.2., estaremos qualificando melhor dois meses, a cada seis ou mais meses (forma episódi-
o tipo de aura. Por exemplo, 1.2.6. indica que a aura se ca). Na forma crônica, as crises álgicas ocorrem dia-
instalou em menos de cinco minutos. riamente ou quase diariamente, por meses ou anos.
A classificação das migrâneas em 1.3., Migrâ- O item 4 da classificação refere-se também a
nea oftalmoplégica, 1.4. Migrânea retiniana, 1.5. Sín- cefaléias primárias. O diagnóstico em dois dígitos é
dromes periódicas da infância, que podem ser precur- necessário. O segundo dígito refere-se ao tipo de cefa-
soras ou estar associadas a migrânea, e 1.6. Complica- léia (4.1) ou aos fatores desencadeantes (4.2 a 4.6).
ções da migrânea, requer conhecimentos mais apro- A cefaléia idiopática em facadas é caracteri-
fundados. É necessário lembrar que a migrânea, mes- zada por dores de cabeça fugazes, de poucos segun-
mo benigna, pode ter complicações graves, tais como dos de duração, em pontadas, facadas, alfinetadas, po-
o infarto cerebral migranoso, e o estado de mal migra- dendo ser únicas ou agrupadas em surtos de poucos
noso, e que crises vertiginosas e hemiplegia alternante, minutos. Podem repetir ou não no decorrer do dia.
em crianças, podem ser manifestações clínicas precur- Muitas vezes são diárias, mas podem aparecer em in-
soras ou acompanhantes da migrânea. tervalos de tempo variáveis, de dias a meses. Ocor-
O nível diagnóstico de dois dígitos para a cefa- rem, preferentemente, na região do primeiro ramo do
léia tipo tensão (CTT) também é fácil, e deve ser utili- trigêmeo, sendo comum em pessoas com migrânea.
zado de rotina: CTT esporádica (2.1) e CTT crônica As cefaléias dos itens 4.2 e 4.3 dispensam co-
(2.2). Como não há consenso para a avaliação de dis- mentários.
túrbios da musculatura pericrânica, o diagnóstico em As cefaléias classificadas em 4.4., 4.5. e 4.6. são
nível de três dígitos permanece subjetivo. Um quarto desencadeadas por esforço. Nestes casos, impõe-se o
dígito pode ser colocado, quando a causa da cefaléia diagnóstico diferencial com cefaléia secundária, rela-
tipo tensão é conhecida. Por exemplo, se a causa de cionada a rompimento de malformações vasculares ce-
uma cefaléia tipo tensão esporádica for depressão e rebrais. Em geral, são necessários exames subsidiários.
não conseguimos saber se há ou não distúrbio da mus- Os itens de 1 a 4 referem-se às cefaléias primá-
culatura pericrânica, devemos classificá-la como rias. Os itens de 5 a 11 correspondem, salvo poucas
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Classificação das cefaléias
O item 12 relativo às Nevralgias, dor de tron- particulares. Não há exames de laboratório que pos-
cos nervosos e dor de desaferentação e o item 13 (ce- sam ser utilizados como critérios diagnósticos, em
faléia não classificável) assim como cefaléias não cor- qualquer das formas primárias de cefaléia. Existem
respondentes da classificação de IHS são comentados síndromes típicas, mas, também, muitas formas de tran-
no Capítulo V. sição. Para o diagnóstico correto, a única informação
para o médico é a referida pelo paciente, sendo impor-
4. CONCLUSÕES tante saber ouvir e fazer perguntas objetivas no mo-
Classificações, mesmo tediosas e, por vezes, até mento adequado.
irritantes, são necessárias. A classificação atual desatualizou-se desde
A classificação da SIC é extensa, mas não é ne- 1988. De lá para cá, algumas novas síndromes foram
cessário conhecê-la em todos os seus detalhes. Seu definidas e outras melhor compreendidas, como cefa-
uso principal está relacionado à pesquisa, mas, com léia crônica diária, SUNCT, cefaléia cervicogênica,
certeza, facilita nossos diagnósticos no atendimento a dentre outras. Tal fato não indica falha da classifica-
pacientes. ção atual, mas indica que o conhecimento das algias
Classificar e definir doenças é sempre tarefa cranianas está se processando rapidamente como ocor-
difícil e, no campo das cefaléias, apresenta problemas re, aliás, em todas as áreas da Ciência.
SPECIALI JG. Classification for headache disorders. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 421-427, oct./dec. 1997.
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