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DAVID HUME, RESUMO DO TRATADO DA NATUREZA HUMANA. 1740.

Eis uma bola de bilhar pousada sobre a mesa, e outra que se move na direçã o da
primeira, com rapidez. As bolas se chocam; e a que antes se encontrava em
repouso adquire agora um movimento. Este é um exemplo tã o perfeito da relaçã o
de causa e efeito como qualquer outro conhecido, seja pela sensaçã o ou pela
5 reflexã o. Examinemo-lo, pois. É evidente que as duas bolas se tocaram antes que o
movimento tivesse se comunicado, e que nã o houve intervalo entre o choque e o
movimento. Contigü idade no tempo e no espaço é, portanto, unia circunstâ ncia
requerida à operaçã o de todas as causas. É igualmente evidente que o movimento
que foi a causa, é anterior ao movimento que foi o efeito. Prioridade no tempo é,
10 portanto, outra circunstâ ncia requerida em qualquer causa. Mas isso nã o é tudo. Se
experimentarmos quaisquer outras bolas do mesmo tipo, em situaçã o semelhante,
verificaremos sempre que o impulso de uma produz movimento na outra. Eis,
entã o,
uma terceira circunstâ ncia, isto é, a da conjunçã o constante entre a causa e o efeito.
15 Todo objeto como causa produz sempre algum objeto como efeito. Além dessas
três circunstâ ncias: contigü idade, prioridade e conjunçã o constante, nã o há nada
que eu possa descobrir nessa causa. (...)
Se um homem fosse criado, como Adã o, no pleno vigor do entendimento, sem
experiência, jamais seria capaz de inferir o movimento da segunda bola, a partir do
20 movimento e impulso da primeira. Nã o é algo que a razã o enxergue na causa que
nos faz inferir o efeito. (...) Nã o há nenhuma demonstraçã o, pois, para qualquer
conjunçã o de causa e efeito. E esse é um princípio geralmente admitido pelos
filó sofos.
Teria sido necessá rio, portanto, a Adã o, (se nã o fosse inspirado) ter tido a
25 experiência do efeito que se seguiu ao impulso das duas bolas. (...)
Segue-se que todos os raciocínios relativos a causa e efeito sã o fundados na
experiência, e que todos os raciocínios advindos da experiência sã o fundados no
pressuposto de que o curso da natureza continuará uniformemente o mesmo.
Concluímos que causas semelhantes, em semelhantes circunstâ ncias, produzirã o
30 sempre efeitos semelhantes. Vale agora considerar o que nos determina a tirar
uma conclusã o de tã o infinita conseqü ência. É evidente que Adã o, com toda a sua
ciência, jamais teria sido capaz de demonstrar que o curso da natureza deve
continuar uniformemente o mesmo, e que o futuro deve ser conforme ao passado.
(...)
35 Somos determinados exclusivamente pelo HABITO a supor o futuro conforme ao
passado. Quando vejo uma bola de bilhar movendo-se em direçã o a outra, minha
mente é imediatamente levada pelo há bito ao efeito costumeiro, e antecipa minha
visã o, concebendo a segunda bola em movimento. Nada há , nesses objetos,
considerados abstrata e independentemente da experiência, que me leve a tal
40 conclusã o. E mesmo depois de eu ter tido a experiência de muitos efeitos dessa
espécie, nenhum argumento me determina a supor que o efeito será conforme à
experiência passada. As forças pelas quais os corpos agem sã o inteiramente
desconhecidas. Percebemos apenas suas qualidades sensíveis: e que razã o temos
para pensar que as mesmas forças hã o de aparecer sempre unidas à s mesmas
45 qualidades sensíveis?
Nã o é, pois, a razã o que conduz a vida, mas o há bito.

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