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Universidade Católica de Moçambique

Instituto de Educação à Distância

Tema: Processo de Construção da Nação Moçambicana

Nome: Claúdia Luís Rafael

Codigo: 708204667 – Turma. ‘A’

Curso: Licenciatura em Ensino de História


Disciplina: História das Instituições Politicas

Ano de Frequência: 4º ano

Tutor: Belito Vasco Francisco


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Quelimane, Junho de 2023

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organizacionais  Discussão 0.5
 Conclusão 0.5
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Conteúdo  Contextualização
(Indicação clara do 1.0
problema)
 Descrição dos
1.0
Introdução objectivos
 Metodologia
adequada ao
2.0
objecto do
trabalho
Análise e  Articulação e 2.0
discussão domínio do
discurso
académico
(expressão escrita
cuidada,
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coerência / coesão
textual)
 Revisão
bibliográfica
nacional e
2.
internacionais
relevantes na área
de estudo
 Exploração dos
2.0
dados
 Contributos
Conclusão 2.0
teóricos práticos
 Paginação, tipo e
tamanho de letra,
Aspectos
Formatação parágrafo, 1.0
gerais
espaçamento entre
linhas
Normas APA  Rigor e coerência
Referências 6ª edição em das
4.0
Bibliográficas citações e citações/referência
bibliografia s bibliográficas

Folha para recomendações de melhoria: A ser preenchida pelo tutor


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Índice
Introdução..........................................................................................................................4

Objectivos..........................................................................................................................4

Geral..................................................................................................................................4

Objectivos Específicos......................................................................................................4

Processo da Constituição da Nação Moçambicana...........................................................5

A Nação Moçambicana.....................................................................................................7

A construção do Estado-nação e o surgimento do homem novo.......................................8

Conclusão........................................................................................................................13

Referência Bibliográfica..................................................................................................14
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Introdução

O presente trabalho aborda a complexidade da construção nacional em Moçambique,


tendo especial atenção ao período pós Independência (1975). Inicialmente discute
algumas matrizes teóricas sobre o caso das identidades africanas de modo geral e dos
nacionalismos africanos de modo particular. Argumenta pela necessidade de abdicar das
leituras generalistas e propõe o enfoque do caso moçambicano. Analisa a construção do
projeto político e ideológico da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique)
tendo atenção na forma como é compreendida a construção nacional em Moçambique.
Destaca, assim, a maneira como as identidades tradicionais e as heranças do período
colonial e racista são contrapostas ao projeto de criação de um Homem Novo no país
através de uma particular leitura da moçambicanidade.
Objectivos

Geral
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 Analisar o processo de construção da Nação Moçambicana


Objectivos Específicos

 Verificar o processo de nacionalização após a independência;


 Mencionar as fases da construção da nação Moçambicana;
 Debruçar-se dos intervenientes da construção da nação moçambicana.

Processo da Constituição da Nação Moçambicana

Nenhum Estado-nação abdica da produção e evocação de um imaginário político e


identitário, feito de histórias de lutas e de resistências homéricas, com os protagonistas
investidos de um papel essencial no processo de construção e instituição de uma
identidade nacional. Relativamente a esta deve-se assinalar o carácter processual, quer
dizer, histórico, da sua criação, como justamente sublinha Sobral (1999: 84). Aliás, o
mesmo se aplica à nação e ao Estado: "Nem os Estados nem as nações existiram sempre
e em quaisquer circunstâncias. Além disso, as nações e os Estados não constituem a
mesma contingência" (Gellner 1993: 19). Quer isto dizer que não são inseparáveis, isto
é, a nação pode existir sem o Estado e este pode existir sem aquela. Por outro lado, ao
invés do defendido pelos nacionalismos das mais diversas matizes, as nações estão
muito longe de encontrarem as suas origens em tempos quase imemoriais, antes
possuem um carácter profundamente histórico (Sobral 2001: 2).
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Os processos de construção da nação são marcados pela intervenção decisiva do Estado,


como sublinha Sobral (1999: 84), aliás na esteira do que defende Hobsbawm: "O Estado
não só fazia a Nação, como era obrigado a fazê-la" (1990: 190). No caso moçambicano
a nação começou a construir-se pela acção do movimento nacionalista a partir das
estruturas e práticas do Estado colonial:
Como todo o nacionalismo africano, o de Moçambique nasceu da experiência
do colonialismo europeu. A fonte da unidade nacional é o sofrimento comum
durante os últimos cinquenta anos sob o domínio português. O movimento
nacionalista não surgiu numa comunidade estável, historicamente com uma
unidade linguística, territorial, económica e cultural. Em Moçambique foi a
dominação colonial que deu origem à comunidade territorial e criou as bases
para uma coerência psicológica, fundada na experiência da discriminação,
exploração, trabalho forçado e outros aspectos da dominação colonial
(Mondlane 1995 [1969]: 87).
A construção da nação dependia, em boa medida, da eficácia da dicotomia nós, os
moçambicanos, em oposição a eles, os colonialistas, fundada na experiência da
opressão colonial que unia todos os povos que viviam sob o domínio português em
Moçambique. Conquistada a independência, a construção da nação prosseguiu através
da consolidação das estruturas jurídico-administrativas e da produção de discursos
identitários orientados para o enraizamento da ideia de pertença a um colectivo nacional
capaz de integrar e subordinar as diferenças fundadas na etnia, na língua e na religião
(ver Chabot s.d.: 120). Ou seja, tratava-se de transformar os habitantes do Estado
moçambicano em cidadãos moçambicanos, apesar da sua vinculação a diferentes grupos
étnicos e o uso de línguas locais muito diversas, através da acção estatal na produção de
símbolos, liturgias e discursos, a "identidade instituída" (M. Martins 1996), nos quais as
figuras históricas elevadas à condição de heróis ocupam uma posição fundamental.
Apesar de cada nação tender a ver a sua história como absolutamente original, a
fabricação dos heróis moçambicanos está longe de constituir uma situação singular,
antes possuindo semelhanças com processos ocorridos noutros países, sobretudo com
aqueles que saíram de dependências coloniais. Simultaneamente referências históricas e
símbolos da identidade colectiva, formas concretas de popularização dos discursos da
identidade nacional (cf. Sobral 1999: 72), os heróis são inseparáveis dos momentos
fortes do processo histórico, das datas consideradas mais marcantes da construção da
independência nacional. Presentes nas celebrações estatais mais importantes, fazem
parte do mito nacional, cuja função primordial é dar resposta à interrogação lancinante
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sobre o "carácter" da nação, como justamente refere Marienstras (1998: 65 e seguintes)


na sua reflexão sobre os Estados Unidos.

A Nação Moçambicana

Moçambique desenvolveu-se através da implantação de grandes companhias privadas


que se dedicavam à agricultura, à exploração mineira ou mesmo à construção de vias
rodoviárias e ferroviárias.
Estas companhias cresciam à custa da utilização de trabalho forçado, da imposição de
elevados impostos e do estabelecimento de baixos salários. Este quadro não se alterou
quando em Portugal o golpe de Estado de 1926 instituiu uma ditadura, baptizada mais
tarde de Estado Novo, que passou a controlar directamente as colónias. O governo
português terminou neste caso com as concessões a empresas privadas e aplicou
políticas proteccionistas por altura da Grande Depressão de 1930.
Estas medidas viriam a resultar na acumulação de capital que só seria investido na
década de 50 em grandes projectos para o desenvolvimento de infra-estruturas
comunicacionais. Este investimento coincidiu com a chegada de milhares de colonos
portugueses que pretendiam aproveitar as várias oportunidades que o Estado novo lhes
oferecia e que eram recusadas aos moçambicanos, um aspecto da política ultramarina
portuguesa que proporcionou o aparecimento de ideais independentistas.

Estes ideais foram consolidados, em 1962, com o nascimento da Frente de Libertação


de Moçambique (FRELIMO) que, após alguns desentendimentos internos, iniciou uma
política de guerrilha armada em 1964, provocando uma guerra que, para Portugal,
representava mais um conflito a juntar aos que ocorriam nas outras colónias portuguesas
em África.
A revolução de 25 de Abril de 1974 derrubou a ditadura em Portugal e implantou a
democracia, abrindo as portas ao processo de descolonização, classificada por muitos
como apressada e pouco lógica. A FRELIMO, aproveitando as suas posições militares
no norte e centro de Moçambique e com apoio de países comunistas, com o Mundo
mergulhado na Guerra Fria, liderou o processo de independência, declarando, no dia 25
de Junho de 1975, a República Popular de Moçambique como estado independente e
com uma Constituição que permitia apenas a existência desse partido conduzida pelo
malogrado Samora Machel.
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Existe todo um quadro histórico, complexo e denso, na formação da nação


moçambicana que, após várias fases de avanços e recuos, apenas se fundou quando o
país atingiu a independência. Num passado longínquo, encontramos no espaço
geográfico em que se configura Moçambique de hoje vários grupos étnicos, várias
dinastias ou impérios mais ou menos organizados do ponto de vista social. Com efeito,
para a maioria desses agrupamentos, a dimensão da Nação em que se inseriam não ia
para além dos horizontes do limitado espaço em que circulavam.
Ninguém tinha a noção de pertencer, em partilha com outros, a uma Nação que se
chamasse Moçambique. Aliás, a própria história explica, de forma lendária, a origem da
palavra Moçambique: ela provem de um Sultão Árabe que se estabelecera na Ilha, hoje
conhecida por Moçambique, o qual se chamava Sultão Mussa Hal Biq, nome que
passou, por corruptela, para o qual é hoje conhecido.
Esse longo processo histórico tem como consequência, na actualidade, uma identidade
culturais partilhada por oito países, unidos por um passado vivido em comum e por uma
língua que, enriquecida na sua diversidade, se reconhece como una.
Os países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Angola,
Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e
Timor) são responsáveis pelo facto de o português ser a sexta língua mais falada do
Mundo, com duzentos milhões de pessoas a utilizarem diariamente a mui nobre e digna
língua de Camões.
Também não foi por acaso que a FRELIMO, quando teve que decidir qual seria a
língua oficial de Moçambique, tenha optado pelo português. Afinal, esta era a única
língua comum que as inúmeras tribos e etnias moçambicanas sabiam falar, embora de
forma limitada, o que a tornava mais eficaz para consolidar a ideia de uma nação.

A construção do Estado-nação e o surgimento do homem novo

Conforme explicitado, no processo de consolidação da independência moçambicana


emergiu a figura de Samora Machel como o grande dirigente e porta-voz da nação.
Neste bastião, uma de suas grandes tarefas era a formulação das diretrizes da educação,
que tinha o intuito de forjar o “novo homem” da luta e do ideal socialista. Portanto, a
educação seria uma das novas batalhas ideológicas da nova nação. Ademais, deve-se
relembrar que o país não possuía uma unidade étnica nem linguística. Justamente por
esse motivo, o idioma português foi escolhido como a língua oficial e, mesmo a
despeito de várias rusgas, fora escolhido com o intuito de não acirrar disputas entre os
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diversos grupos linguísticos – a ideia não seria se submeter simplesmente à língua dos
dominadores, mas gerar, a partir dela, uma nova unidade através da linguagem.
A forja de um pertencimento étnico-identitário seria mais complicada, haja vista que
não havia um grupo tribal único. Portanto, havia a necessidade de “criar” o novo
homem moçambicano e, com isto, o sentimento nacional de pertencimento a este
nascente Estado-nação: “Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas
diversas requer que na nossa consciência morra tribo a para que nasça a Nação”
(MACHEL, 1978 apud MACAGNO, 2009, p. 21). Essa tarefa era extremamente
hercúlea, uma vez que a criação dos tracejados territoriais moçambicanos fora fruto da
partilha da África no século XIX (HOBSBAWN, 2016) e não da vontade das tribos
nativas. Ou seja, além de terem que conviver em um território modelado pelos
portugueses através dos acordos do século XIX, a despeito da vontade das tribos e das
comunidades, ainda tinham que construir e ativar um sentimento de Estado-nação que
não lhes era natural.
Nesse sentido, evidencia-se que a construção da nação moçambicana como uma
entidade homogênea só seria compreensível sob a lógica do enfrentamento a outra
entidade homogênea: a nação portuguesa. Assim, a construção da nação moçambicana
dar-se-ia justamente para livrar essa nação definitivamente do seu passado colonial
(MACGANO, 2009). Nesta perspectiva, essa nova nação deveria nascer a partir da forja
desse novo homem, que seria educado dentro desta nova cultura e livre dos aspectos
coloniais, de acordo com a seguinte fórmula: o novo Estadonação seria o produto da
bricolagem, da junção das diferentes tribos tradicionais, desta vez em uma só nação –
Moçambique, erigida pelo partido que comandava o Estado (FRELIMO). Esse partido
forçava, sobremaneira, uma oposição à velha nação colonial portuguesa, já tornada uma
esvanecida metrópole sem força, naquela quadra política.
Em 1977, no seu III Congresso, a FRELIMO aprofundou politicamente o seu
referencial marxista e deixou definitivamente de ser uma frente ampla, transformando-
se em partido e vindo a adotar o marxismo-leninismo como ideologia do seu projeto
político, socioeconômico e cultural (GÓMEZ, 1999). Ou seja, o que antes era um
agrupamento de guerrilha se converteu em um partido político de orientação marxista-
leninista. O centralismo político e econômico foi marcante na forma de governar da
FRELIMO, com a justificativa de que era necessário manter e promover a unidade
moçambicana. Seguindo as diretrizes políticas em curso e como reflexo do modelo
partidário regido pelo marxismo-leninismo, a FRELIMO tornou-se a organização
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máxima dirigente de Moçambique. Conforme modelo bolchevique de partido marxista,


a organização político-partidária seria regida por um forte centralismo-democrático,
sendo a figura máxima e o dirigente principal o próprio presidente do país, Samora
Machel. Logo, a práxis marxista passaria a ser a viga mestra, tanto da política adotada
quanto do ideal do novo homem a ser seguido. Também se deve salientar que a
FRELIMO adquiria status de partido/Estado, de acordo com o mesmo modelo dos
demais países que adotaram o marxismo-leninismo, após a II Guerra Mundial. Quanto
aos princípios do marxismo de Samora Machel, ele declarou a um sociólogo como fora
despertado para esta teoria política e práxis de luta:
“Bem”, disse o Presidente, “quando era jovem costumava
ajudar o meu pai, que era camponês”. E, continuo
descrevendo como os camponeses africanos recebiam preços
muito mais baixos pelos seus produtos que os colonos
portugueses, e falou das várias facetas da exploração que
testemunhou em criança. Ziegler, começando a ficar
impaciente, disse: “Sim, senhor Presidente, mas quando leu
Marx pela primeira vez?” “Bem”, disse Samora, “mais tarde
na vida juntei à FRELIMO e tomei parte na luta armada”. E
continuou falando dos conflitos políticos dentro do
movimento, como a história de Ncavandame e dos novos
exploradores. Não querendo ser metido no bolso com esta
evasiva bem clara, o sociólogo insistiu; “sim, sim, mas ainda
não me disse quando foi a primeira vez que leu Marx”: “Ah,
isso”, disse Samora. “durante a luta de libertação alguém me
deu um livro de Marx. À medida que o lia, apercebi-me que
estava a ler Marx pela segunda vez (CHRISTIE, 1996 apud
MACAGNO, 2009, p. 24).
Desta forma, o grande porta-voz Samora era o exemplo vivo deste novo homem, assim
como foram os outros dirigentes políticos marxistas que ascenderam nas lutas dos
processos de libertação nacional, a exemplo de Mao Tse Tung na Revolução Comunista
chinesa. Em outras palavras, a partir do exemplo de Machel, a forja do homem novo
seria na luta, lado a lado com a população camponesa. O guerrilheiro e camarada daria
luz à construção do homem novo e adquiriria a consciência de sua nova condição de
classe, vindo, consequentemente, a se libertar do jugo colonial. Deste modo, nesta
construção do homem novo, o arcaico e o tradicional deveriam ser erodidos e não
somente a ultrapassada estrutura colonial portuguesa, mas também a tribo tradicional,
símbolo da ignorância, do atraso e da falta de consciência com a modernidade. Portanto,
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as falas de Samora Machel e o projeto político da FRELIMO possuíam raízes profundas


na forma como se estabelecera a luta de libertação, bem como as suas concepções
políticas e, principalmente, o modelo teórico inspirado no marxismo-leninismo.
Nesse sentido, no plano econômico, os dirigentes da FRELIMO investiram seus
esforços na agricultura, em consonância com o caráter pedagógico da construção do
homem novo. Essa construção tinha como linhas 1) as machambas estatais, que
deveriam produzir bens de exportação e cobrir uma grande parte da necessidade total de
bem alimentares, e 2) as aldeias comunais, que consistiam em fomentar as famílias a
viverem em aldeias coletivas, a fim de melhorar a sua qualidade de vida
(ABRAHAMSSOM; NILSSON, 1994).
Porém, essa nova nação engendrada por esse novo homem seria um locus de constante
disputa, gerando, posteriormente, severos conflitos no território moçambicano. Melhor
explicando, nesse novo modelo pedagógico, o dirigente máximo Samora Machel
possuiria mais de uma frente de luta a combater: 1) primeiramente, os seus inimigos
internos; e, 2) posteriormente, tão gravoso quanto, os seus inimigos externos. Quanto
aos primeiros, registrou-se que eram os moçambicanos que não estavam enquadrados no
ideal disciplinar e moralizador imposto pela FRELIMO. Para fins de propaganda,
chegaram a criar o Xiconhoca, um personagem que representava o paradigma do
bêbado, corrupto e explorador, em síntese, a antípoda do homem novo moçambicano
socialista (MACAGNO, 2009).
No plano externo, o inimigo era bem mais deletério: tratava-se dos
contrarrevolucionários da nascente Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO).
Neste cenário, no imediato ao processo de independência, Moçambique passou a apoiar
os processos nacionalistas na Rodésia e a criticar o racismo da África do Sul; como
consequência veio a sofrer represálias dos seus vizinhos, bem como ainda havia os
moçambicanos de origem portuguesa que se refugiaram na África do Sul e que tinham o
objetivo de desestabilizar o governo socialista de Moçambique.
Após o III Congresso da FRELIMO e com a adoção do marxismo-leninismo,
Moçambique solicitou o apoio formal da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), com vistas a integrar o bloco comunista que fazia parte do Conselho para
Assistência Econômica Mútua (COMECON). Porém, com isto, perderam o apoio chinês
e norte-coreano ao seu país, ainda um reflexo do conflito sino-soviético dos anos 1960.1
Samora Machel estava querendo construir a nação e o novo homem em um terreno
extremamente conflitivo, o que ainda pesaria desastrosamente contra Moçambique.
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Portanto, nesta perspectiva e seguindo o pensamento do dirigente, pode-se considerar


que a independência completa de Moçambique somente se processaria com a extirpação
do velho colonialismo e a construção do novo homem, socialista e moderno. No
entanto, o sonho foi além das condições objetivas e do alcance de Moçambique, pois o
novo Estado-nação precisava lutar contra um inimigo infinitamente superior à antiga
metrópole lusitana: os Estados Unidos. Segundo Abrahamssom e Nilson (1994), o
projeto socialista de Moçambique foi encarado pelos Estados Unidos como uma afronta.
Como consequência desta disputa de orças, uma nova luta começaria a ser forjada em
Moçambique: FRELIMO versus RENAMO, esta última com o apoio da Rodésia, África
do Sul e Estados Unidos. Esta luta vai levando paulatinamente o país ao soterramento,
até a sua completa derrocada na década de 1980, quando figura em um nível de pobreza
altíssimo. Justamente em consequência desta luta, haverá também o esgotamento do
projeto revolucionário pedagógico do novo homem forjado pela FRELIMO, bem como
o desgaste do seu partido e, por conseguinte, a erosão do projeto comunista no final do
percurso revolucionário.
A tentativa de construção do novo modelo de Estado, igualmente com o intuito de
buscar o homem novo de acordo com os ideais do marxismo-leninismo, acarretou em
profundas divergências internas no próprio país, outrora já acentuadas pelo
colonialismo. De acordo com esse novo modelo marxista erigido sem o amplo consenso
popular, extirparam os modelos de comunas tribais, do mesmo modo alijaram o poderio
de grupos e líderes tradicionais, posto que somente ascendiam no governo as lideranças
da FRELIMO, através do partido. Com isto, avivaram rusgas e conflitos, o que acabou
por apoiar os rebeldes contrarrevolucionários da RENAMO, dispostos a restaurar outro
modelo político-econômico baseado no capitalismo, haja vista que contavam com apoio
dos Estados Unidos e da África do Sul.
Além desses condicionantes geopolíticos que erodiam forte e militarmente o país, a
URSS começava a esvair o seu apoio, principalmente em função das crises da Guerra
Fria, na década de 1980, e da Perestroika liderada por Mikhail Gorbachev, anos depois.
Assim, Moçambique foi perdendo os apoios internacionais, sendo invadida pela
RENAMO a partir dos seus vizinhos, que davam sustentação econômica e militar aos
contrarrevolucionários. Pesaria com grande gravidade a crise política e uma seca
devastadora em 1984, que veio a arrasar a produção agrícola do país, trazendo severos
dissabores. Consequentemente, houve o esgotamento do modelo proposto pela
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FRELIMO por exaustão, conflitos internos, contrarrevolução, pressões internacionais e


fim da ajuda do bloco socialista (VISENTINI, 2013).

Conclusão

O processo de libertação de Moçambique da metrópole portuguesa foi lento e


extremamente belicoso, tendo perdurado de 1962 a 1975. No entanto, conforme
exposto, o tempo estava a favor dos moçambicanos nacionalistas que lutavam em seu
próprio terreno e ganhavam novos adeptos com o desenvolvimento da insurreição
armada. De um início tímido e modesto, a luta armada eclodiu em um processo de
transformação ideologicamente ousado: o nascimento do “novo homem”. Como se não
bastasse criarem uma nação, os moçambicanos ainda possuíam a pretensão de construir
um Estado-nação socialista, edificando o novo e educando o povo na luta diária contra
os antigos sistemas tribal e colonial, que tinham outrora lhes aprisionado.
Grosso modo, a luta era construir uma nova sociedade, um novo Moçambique,
sepultando de vez todas as formas de dominação da antiga colônia portuguesa. Neste
processo, os dirigentes moçambicanos buscavam, através dos paradigmas socialistas,
adequar os seus discursos revolucionários e construir uma economia voltada para a
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coletividade. Porém, o poder de fogo do inimigo interno e externo fora devastador ao


sonho moçambicano de construção do novo homem. No imediato à independência, em
1975, começou a reorganização de forças contrárias à direção da FRELIMO e a
constituição formal da RENAMO, que contava com apoio internacional e forte poderio
econômico.

Referência Bibliográfica

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história de desenvolvimento durante o período 1974 - 1992. Maputo: CEGRAF,

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2007. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em
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