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Manual de Linguística: Semântica, Pragmática e

Enunciação
Parte II - Pragmática

Disciplina: Estudo do texto: Texto e Sentido

Professor: Erick Kader Callegaro Correa

Aluno: Alessandro Martins dos Santos


● A Pragmática é a área da Linguística que estuda o significado em uso;
● Compreender como os processos subjacentes à utilização da linguagem verbal
operam de modo a produzir sentidos que vão além daqueles reconhecíveis no nível
de análise puramente sentencial;

Modelo de análise Griceano - Existem dois tipos básicos de implicaturas,


segundo Grice:

● Implicatura Convencional que está presa ao significado convencional das palavras;


● Implicatura Conversacional que não depende da significação usual, sendo
determinada por certos princípios básicos do ato comunicativo;
Na prática, é que, no que diz respeito à compreensão da linguagem como instrumento
de produção de sentido, o aluno termina o ensino médio fortemente condicionado por uma
concepção herdada do estruturalismo linguístico, aquilo que se convencionou chamar de
modelo de códigos, apresentado a seguir sob a forma de esquema:

Emissor Canal Destinatário

(Código) Mensagem (Código)

A transmissão de conteúdos ocorre entre dois agentes, um emissor e um destinatário, que


compartilham um código comum (uma língua).

O estudo da pragmática pode ser colocado como uma forma de suprir a insuficiência do modelo
de códigos.
A comunicação existe através de uma série de recursos que não podem ser
considerados parte de um código, como os modos de direcionar o olhar, os movimentos
corporais e até mesmo os ruídos sem valor linguístico.

Ex: Duas pessoas, vendo a aproximação de um desafeto comum, se olham de modo


significativo e, sem maiores comentários, entendem que é o momento de retirar-se do
ambiente em que se encontram.

● Há muitas maneiras de compartilhar conteúdos e impressões, de modo que, mesmo


não decorrendo de uso de códigos, devem ser classificadas como formas de
comunicação.
● O modelo de códigos é, no mínimo, insuficiente para caracterizar a comunicação
humana.
Mecanismos como figuras de linguagem (metáfora, metonímia, ironia, hipérbole) merecem
um olhar mais atento de quem pretenda compreender de forma adequada os modos de
produção de sentido a partir do uso de enunciados linguísticos, a inferência pragmática
que concorre para a produção de significados que o falante comum tende a ver como
literais.

● As sentenças de uma língua, quando vistas como enunciados, são fenômenos


pragmáticos que colaboram tanto para a produção de sentidos intuitivamente literais
quanto para a de sentidos marcadamente derivados.
Exemplo (1):

— Eu fui bem cedo e não peguei fila.

Temos o sujeito expresso por um pronome pessoal. Para identificar a referência de eu, é
necessário ser capaz de determinar quem é o falante.

Identificar essa referência depende da consideração de dados situacionais, apreendidos


pelos sentidos (neste caso, visão e audição).

Há uma interação entre elemento do código (o pronome eu) e elementos extracódigo


(outputs da percepção).

Há uma interação entre código e situação de comunicação.

A forma (fui) é expressão do pretérito perfeito do ver ir. O verbo ir é um predicado de dois
lugares (alguém sempre vai a algum lugar).
Outra lacuna referencial no exemplo é da ocorrência de uma elipse¹ com um
funcionamento anafórico².

A identificação de vínculos anafóricos entre porções de texto é um processo


pragmático de produção de sentido, porque depende crucialmente da capacidade do
intérprete de identificar uma identidade de referência plausível a partir de uma busca num
espaço discursivo que extrapola os limites da sentença.
A regra para o caso da elipse é algo como “procure na situação de comunicação ou no
discurso precedente o único (de preferência) referente que preenche plausivelmente a
lacuna sinalizada pela elipse”. Em ambos os casos, trata-se de sanar a carência de uma
referência.
¹A elipse é uma figura de linguagem que ocorre quando um termo é omitido em um
enunciado, mas fica subentendido pelo contexto. Trata-se de um recurso estilístico muito utilizado
em discursos e em ditados populares.
²Pronomes anafóricos aqueles que estabelecem uma referência dependente com um termo
antecedente.
Outra atribuição de referência realizada de modo pragmático no exemplo está relacionada
ao uso da expressão bem cedo e seu domínio temporal.

● Bem cedo pode ter domínios temporais diferentes conforme o seu contexto e
conhecimento de mundo.

Portanto, algum tipo de referência (a uma pessoa, a um lugar ou a um intervalo de tempo)


só é alcançada a partir da ação de processo pragmático.

São os casos de atribuição de referência.


Caso de atribuição de sentido a uma expressão resultante de processo pragmático:

No exemplo anterior, o verbo pegar é altamente polissêmico. Para interpretá-lo, então, é


necessário escolher um entre tantos sentidos possíveis de pegar:

(a) Pegar fila. (g) Pegar alguém fazendo algo.


(b) Pegar dinheiro. (h) Pegar chuva.
(c) Pegar gripe. (i) Pegar frio.
(d) Pegar ônibus. (j) Pegar nojo.
(e) Pegar uma estação de rádio. (k) Pegar uma ideia.
(f) Pegar uma mania. (l) Pegar dois anos de cadeia.

O intérprete irá escolher (a) em função do sentido dos outros lexemas que compõem o enunciado.
Mas pegar fila não precisa querer dizer entrar em uma fila grande. Ex:

Um segurança de um estádio de futebol que odeie controlar a fila em dia de jogo poderia
proferir o exemplo, querendo dizer que se apresentou cedo no expediente e livrou-se de ter de
cuidar o público na fila de compra de ingressos. A atribuição de sentido a uma palavra ou expressão
depende da consideração de elementos externos ao código.
Enunciados como no exemplo, não ilustram apenas especificações de sentido e
referência.

Duas ideias não veiculadas semanticamente pela conjunção (e):

● A de sequência temporal de eventos (a chegada é vista como tendo ocorrido antes de um


atendimento que não precisou enfrentar uma fila);
● A de causa (a hora de chegada é vista como causa de ter-se evitado uma fila).

É comum a conjunção (e) unir duas ideias que estão relacionadas por mais do que uma simples ideia
de adição, ex:

(a) Renan rodou em duas disciplinas e perdeu a bolsa.

(b) Maria teve um filho e casou.

Mas há mais em (1) a ser considerado parte dos sentidos que tendemos a ver como literais, e que
dependem de inferência pragmática. Uma vez identificado o local a que se refere o enunciado
(posto de saúde, estádio de futebol etc.), o intérprete passa a supor a finalidade da fila aludida. Num
posto de saúde, é a mais plausível.
Esse tipo de inferência é chamado de bridging:

● Ocorre bridging quando o enunciado depende, para a sua interpretação, da consideração de


elementos pertencentes a um frame cognitivo (cf. FILLMORE (2009 [1982])) associado a
itens lexicais presentes nos enunciados.
○ A ida a um posto de saúde aciona elementos desse frame, como atendentes, médicos,
enfermeiros, consultas, filas para consulta etc.
○ A ida a um espetáculo acionaria um frame distinto, composto por elementos como artistas,
espetáculo, bilheteria, fila para compra de ingressos, fila de entrada etc.

Os frames cognitivos exercem um papel central na interpretação, permitindo que, ao proferir um


enunciado como (1) para referir-se à ida a um posto de saúde, o falante não precise ser completamente
explícito, ou seja, não precise colocar em palavras a finalidade de uma eventual fila.
O Exemplo (1) pode ainda assumir sentidos de caráter interpessoal:

A: Tenho que levar o Júnior ao posto pra consultar o pediatra, mas não quero esperar muito
para ser atendido.

B: Eu fui cedo e não peguei fila.

Aqui, na perspectiva da Teoria dos Atos de Fala, é executar com seu proferimento, o ato de
aconselhar.

No diálogo abaixo:

A: Conseguiu levar seu filho ao pediatra? Ele está precisando de atendimento médico urgente.

B: Não. Tinha muita fila no posto de saúde. Você levou a Marcinha também, né?

A: Sim. Eu fui cedo e não peguei fila.

Essa utilização seria mais bem caracterizada como uma crítica ou repreensão.
PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE SENTIDO PRAGMÁTICO DE GRANDE REGULARIDADE

● Os significados pragmáticos decorrentes da ação desses processos são mais regulares no sentido
de sofrerem menos variação de situação para situação.
● A ideia é dar início à apresentação de diversas camadas do que é pragmaticamente veiculado,
procurando identificar a motivação para sua produção.

Sentença, enunciado e proposição

Uma sentença sempre será uma organização particular, composta por elementos do léxico de uma
língua estruturados a partir de suas regras de combinação (sintaxe). Os três exemplos a seguir são
sentenças diferentes:

(a) Nicolas ama Sara.


(b) Sara é amada por Nicolas.
(c) Nicolas loves Sara.

Enquanto (a) é uma sentença na voz ativa, (b) é uma sentença na voz passiva. Já (a) e (c) diferenciam-se
pelo código utilizado. Enquanto (a) é uma sentença da língua portuguesa, (c) é uma sentença da língua
inglesa.
PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE SENTIDO PRAGMÁTICO DE GRANDE REGULARIDADE

● Os significados pragmáticos decorrentes da ação desses processos são mais regulares no sentido
de sofrerem menos variação de situação para situação.
● A ideia é dar início à apresentação de diversas camadas do que é pragmaticamente veiculado,
procurando identificar a motivação para sua produção.

Sentença, enunciado e proposição


Uma sentença sempre será uma organização particular, composta por elementos do léxico de uma
língua estruturados a partir de suas regras de combinação (sintaxe). Os três exemplos a seguir são
sentenças diferentes:

(a) Nicolas ama Sara.


(b) Sara é amada por Nicolas.
(c) Nicolas loves Sara.

Enquanto (a) é uma sentença na voz ativa, (b) é uma sentença na voz passiva. Já (a) e (c) diferenciam-se
pelo código utilizado. Enquanto (a) é uma sentença da língua portuguesa, (c) é uma sentença da língua
inglesa.
No exemplo (2) - O cachorro está no pátio.

É uma sentença com sentido amplo, ou que pode tomar um ou mais sentidos.

Um enunciado (uma sentença proferida, sentença em contexto) expressa uma ideia muito
mais restrita que a expressa como sentença pura (uma unidade abstrata da língua
portuguesa). A sentença usada deixa de expressar uma obviedade, o enunciado é sentido
como informativo. Um enunciado nada mais é que uma sentença em uso.

A proposição são as condições-de-verdade de uma sentença em uso, as


condições-de-verdade de um enunciado. Uma mesma sentença pode expressar muitas
proposições.

Quando usada em um dia por uma pessoa que mora em lugar X, pode expressar uma
proposição distinta de outra usada em outro dia no lugar Y.

Em cada um desses usos, há um enunciado distinto, expressando uma proposição


distinta, que pode ser verdadeira num caso e falsa no outro.
Enriquecimento de conteúdo sentencial subproposicional

Uma sentença, antes de ser proferida, apresenta condições-de-verdade, mas que, antes de
ser proferida, não expressa uma proposição efetiva.

Há sentenças que parecem muito próximas de expressar uma proposição completa, como é o
caso de: - Brutus matou Júlio Cesar.

É verdade, um fato histórico. Mas se ela fosse proferida antes do ocorrido, retrataria um
enunciado falso.

Nos leva a compreender que o reconhecimento de uma proposição, na maior parte das vezes,
depende do reconhecimento de suas condições de produção (tempo e espaço
fundamentalmente).
Enriquecimento de conteúdo sentencial proposicional pouco informativo

Outro tipo de enriquecimento pragmático diz respeito à necessidade de aumentar minimamente


a carga informativa do enunciado para que depois de uma sentença proferida, seja enriquecida a
fim de expressar uma proposição.

Exemplo (3): - Eu tomei café.

Se for alguém que convivemos e tem o costume de tomar café; enriquecimento mínimo pois é
uma dedução clara. É sabido que ele(a) toma café;

Se for uma outra pessoa em um país distante que não tem como costume a bebida café; Teremos
um enriquecimento maior do enunciado. Pois, por exemplo, haverá maior espaço para o diálogo,
posto pelo espaço, tempo e interlocutor envolvidos.
RECONHECIMENTO DE INTENÇÕES

Os seres humanos desenvolvem a capacidade de reconhecer intenções muito cedo. Segundo


Tomasello et al. (2005), crianças com pouco mais de um ano já são capazes de se envolver em
atividades conjuntas que exigem o domínio de intenções compartilhadas.

Intenções só podem ser atribuídas a entidades com volição e iniciativa, o que é característico dos
seres humanos, estamos o tempo inteiro identificando as intenções de outras pessoas.

Tomamos por exemplo uma parada de ônibus, a intenção de todos é embarcar em direção a
algum lugar. Se parte das pessoas começam a se direcionar ao embarque de um ônibus específico
e uma pessoa não entra no coletivo, somos levados a pensar que ela desistiu de sua intenção
inicial em razão de uma intenção nova, ela qualquer, aqui existe o reconhecimento da intenção.

Temos também as intenções coletivas, em um time de futebol por exemplo, em um rally com o
piloto e o navegador, em situações críticas com o sniper e o observador, ou o médico e o
instrumentador.
Exemplos como esses nos fazem perceber o grau de complexidade da interação, que
envolve intenções, reconhecimento de intenções, planos, reconhecimento de planos,
reconhecimento de elementos contextuais, reconhecimento do caráter mútuo dos elementos
contextuais.

O MODELO DE ANÁLISE GRICEANO

Especificações de sentido pragmático ocorrem em decorrência de processos, e os mecanismos


envolvidos nos processos agem em função de princípios, postulados teoricamente.

Isso significa que, mesmo inconscientemente, os interlocutores trabalham a mensagem linguística de


acordo com certas normas comuns que caracterizam um sistema cooperativo entre eles, para que as
informações possam ser trocadas o mais univocamente possível. Chama-se esse conjunto de regras,
“princípio de cooperação”.
O Princípio da Cooperação – Máximas e Implicaturas

● Categoria da Quantidade - Relacionada à quantidade de informação que deve ser fornecida


numa mensagem. A ela correspondem duas máximas:
a. Faça com que sua mensagem seja tão informativa quanto necessária para a
conversação.
b. Não dê mais informações que o necessário.
● Categoria da Qualidade - Relacionada inicialmente a supermáxima “Procure afirmar coisas
verdadeiras” e, indiretamente, a duas máximas mais específicas:
a. Não afirme o que você acredita ser falso.
b. Não afirme algo para o qual você não possa fornecer evidência adequada.
● Categoria de Relação - Ligada à máxima “Seja Relevante”.
● Categoria do Modo - Ligada à supermáxima “Seja Claro” e a várias máximas como as
citadas abaixo, entre outras:
○ Evite obscuridade de expressão.
○ Evite ambiguidade.
○ Seja breve (evite prolixidade desnecessária).
○ Seja ordenado.

Embora possa haver outras regras, ainda, como a da polidez, por exemplo, no circuito da
comunicação, Grice deixa entender que as quatro categorias citadas são suficientes para
explicar o fenômeno da implicatura conversacional.
A relação entre os interlocutores e o Princípio da Cooperação.

1. Nenhuma máxima é violada, em exemplos:


a. – Estou com dor de cabeça.
b. – Há uma farmácia nesta rua.

(A) e (B) em diálogo, não estão considerando nenhuma implicatura por violação. Antes, é o
respeito ao Princípio de Cooperação que está gerando significações extralinguísticas.

2. Uma máxima é violada para que a outra não o seja


A relação entre os interlocutores e o Princípio da Cooperação.

Nenhuma máxima é violada, em exemplos:

a. – Estou com dor de cabeça.


b. – Há uma farmácia nesta rua.

(A) e (B) em diálogo, não estão considerando nenhuma implicatura por violação. Antes, é o
respeito ao Princípio de Cooperação que está gerando significações extralinguísticas.

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