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Características do haicai
O haicai é um subgênero literário, com caráter lírico, de origem japonesa, que, tradicionalmente,
é caracterizado pelo(a):
objetividade
simplicidade
serenidade
sobriedade
casualidade
solidão
não intelectualidade
bucolismo
antissentimentalismo
condensação
uso de imagens
ausência de título
ausência de rima
kigo
cesura
O kigo é uma palavra que evidencia a estação do ano em que o texto foi produzido. A cesura é
uma palavra utilizada, no final do primeiro ou do segundo verso, para provocar uma quebra
sintática e evitar que o poema pareça ser composto apenas por um verso ou frase. Já o
antissentimentalismo deve ser associado ao haicaísta ou ao eu lírico, pois uma das características
do haicai tradicional é a existência de uma palavra que dispara a emoção na leitora ou no leitor.
Quanto à estrutura tradicional, o haicai é um poema que apresenta apenas três versos, portanto,
é um terceto formado por redondilhas, assim distribuídas:
Verso 1 e 3: redondilha menor (cinco sílabas poéticas)
Desse modo, o haicai é um poema de caráter popular, que, de forma sintética e com linguagem
impessoal, busca retratar uma experiência concreta por meio do equilíbrio entre a forma
(metrificação) e o conteúdo objetivo.
Para aprendermos como se faz, vamos analisar um haicai de Masuda Goga (1911-2008), principal
representante do haicai tradicional japonês escrito em território brasileiro:
Em cima do túmulo,
cai uma folha após outra.
Lágrimas também...
Esse verso é composto por cinco sílabas poéticas, portanto, uma redondilha menor. Não se
esqueça, na separação de sílabas, devemos contar até a última sílaba tônica. Como a palavra
“túmulo” é uma proparoxítona, contamos até a sua primeira sílaba.
Esse verso é composto por sete sílabas poéticas, isto é, uma redondilha maior. Além disso,
contamos até a última sílaba tônica da palavra paroxítona “outra”.
Atenção: quando uma palavra acaba com som de vogal e a palavra seguinte inicia-se com som de
vogal, é permitido, segundo as regras de metrificação, juntar a última sílaba de uma palavra com a
primeira sílaba da próxima, como ocorreu em: “cai uma folha após outra”. Até porque, ao
declamar-se o haicai, na língua portuguesa, junta-se os dois as: cai-u-ma-fo-lhapós-ou-tra.
Assim como o verso 1, o verso 3 é uma redondilha menor, pois possui cinco sílabas poéticas, já
que a última palavra do verso é uma oxítona e, logo, sua última sílaba entra na contagem.
No mais, podemos apontar o kigo, ou seja, a folha que cai, pois essa imagem indica o outono,
estação em que foi escrito o haicai. Também é possível indicar a cesura — a palavra “outra”, que
encerra a imagem construída nos dois primeiros versos para dar lugar à imagem do verso seguinte,
que representa o choro de alguém. Assim, a palavra “lágrimas” dispara a emoção.
Em conclusão, para fazer-se um haicai tradicional, é necessário expressar-se uma ideia, imagem ou
emoção de forma rápida, sintética e objetiva. Além disso, deve-se seguir as regras estruturais
desse tipo de poema, ou seja, três versos apenas, sendo os versos 1 e 3 compostos em redondilha
menor, e o verso 2, em redondilha maior.
Leia mais: Trovadorismo – estilo de uma época em que era recorrente o uso das redondilhas
Haicai no Brasil
O haicai chegou ao continente europeu no século XIX e foi trazido ao Brasil pelos modernistas no
século XX. Ele é particularmente associado ao escritor Guilherme de Almeida (1890-1969), que
adaptou o gênero ao anticonvencionalismo modernista.
Depois dele, o concretismo também dialogou com esse tipo de poesia, principalmente por meio
do poeta Pedro Xisto (1901-1987). Por fim, a poesia marginal dos anos 1970 teve em Paulo
Leminski (1944-1989) um dos maiores representantes dessa estética.
Outros haicaístas são Afrânio Peixoto (1876-1947), Helena Kolody (1912-2004), Millôr Fernandes
(1923-2012) e Alice Ruiz. Esses artistas, no entanto, possuem, cada um, suas peculiaridades.
No Brasil, em alguns casos, o haicai reduziu-se a uma estrutura fixa e abandonou o elemento
filosófico de origem japonesa, como a existência de uma palavra que dispara a emoção ou de um
kigo (termo que indica as estações do ano). Outros poetas abandonaram também os 17 versos e
optaram por outro tipo de metrificação, ou mesmo pela sua ausência. Além disso, em vez de os
autores limitarem-se aos temas bucólicos, houve uma ampliação temática. Dessa forma, existem
haicais tradicionais ou almeidianos, por exemplo.
Exemplos de haicais
Arco-íris
Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.
O haicai “Arco-íris”, do livro Paisagem interior (1941), de Helena Kolody, apesar de apresentar
título, traz características do haicai tradicional, como as redondilhas e a ausência de rima. Nesse
poema, cada verso traz uma imagem distinta: um arco-íris no céu, um menino sorrindo e um
menino que chora.
Infância
Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chamava-se: “Agora”.
Nesse haicai, publicado no livro Poesia vária (1947), Guilherme de Almeida quebra com a tradição
ao colocar um título e rimar “amora” com “agora”. Dessa forma, o gosto de amora simboliza a
infância do eu lírico em um dia de verão. No entanto, o poeta mantém a metrificação do haicai
tradicional.
lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz?
Extraído do livro Distraídos venceremos (1987), esse haicai de Paulo Leminski não segue a regra de
metrificação do haicai tradicional, já que o primeiro e o terceiro versos possuem três sílabas
poéticas, enquanto o segundo verso possui cinco. Nesse poema, o eu lírico dialoga com a Lua, quer
saber se ela brilhava em Auschwitz, o campo de concentração nazista.
Perfume silvestre
As coisas humildes,
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...
Afrânio Peixoto, nesse poema publicado no livro Miçangas: poesia e folclore (1931), segue quase
todas as regras do haicai tradicional, com redondilhas, ausência de rima, presença de kigo e
cesura. No entanto, o terceto possui um título. Assim, nessa poesia, o capim melado é associado a
um encanto discreto, à humildade e ao perfume silvestre.
Esse haicai é de Alice Ruiz, publicado no livro Desorientais (1996), e não segue a metrificação do
haicai tradicional, pois apresenta sete sílabas poéticas no primeiro verso; três, no segundo; e
cinco, no terceiro. Nele vemos um trocadilho entre “assombrada” e “sombra”, e a ideia de que
alguém provoca medo no eu lírico, que, ao mesmo tempo, é protegido ou anulado pela sombra do
interlocutor.
Nesse haicai de Pedro Xisto, retirado do livro Caminho (1979), é possível perceber a presença de
assonância e aliteração, de forma a produzir-se um poema sonoro, tão característico do
concretismo. Assim, no primeiro verso, em redondilha menor, temos a repetição das letras “a”,
“l”, “m”, “e” e “u”; no segundo, em redondilha maior, repetem-se o “b”, o “a”, o “m”, o “e” e o
“o”; e, por fim, no terceiro, também em redondilha menor, as letras “f”, “l”, “a”, “e”, “m” e “u” são
repetidas.
Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
Esse poema de Millôr Fernandes, retirado de seu livro Hai-kais (1968), não segue a metrificação
do haicai tradicional. Afinal, o primeiro verso tem apenas uma sílaba poética. Como característica
do haicai millordiano, temos a rima — olha/ molha — e a ironia, ao afirmar-se que, para não se
molhar, é preciso ficar entre um pingo e outro da chuva.
Acesse também: Arcadismo – movimento literário que também tinha o bucolismo como
temática
Exercícios resolvidos
a) Complexidade
b) Síntese
c) Metrificação
d) Sobriedade
e) Cesura
Resolução
Alternativa A. O haicai é caracterizado pela sua simplicidade, não por sua complexidade.
Texto 1:
O pensamento
Guilherme de Almeida
Texto 2:
Manhã
Helena Kolody
Texto 3:
ameixas
ame-as
ou deixe-as
Paulo Leminski
Texto 4:
Goga Masuda
Texto 5:
Pedro Xisto
a) o texto 1
b) o texto 2
c) o texto 3
d) o texto 4
e) o texto 5
Resolução
Alternativa C. O haicai de Paulo Leminski apresenta duas sílabas poéticas nos versos 1 e 2. Já o
verso 3 possui três sílabas poéticas.