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Haicai é um gênero de poesia com forma fixa.

Possui três versos: o primeiro e o terceiro são


redondilhas menores — versos de cinco sílabas —, e o segundo, redondilha maior — verso de sete
sílabas. Portanto, é uma poesia objetiva e sintética. O haicai tradicional não possui título nem
rimas e apresenta temática bucólica. No Brasil, os principais haicaístas são: Masuda Goga,
Guilherme de Almeida, Afrânio Peixoto, Pedro Xisto, Paulo Leminski, Helena Kolody, Millôr
Fernandes e Alice Ruiz.

Leia também: Literatura de Cordel – produções típicas do Norte e Nordeste do Brasil

Características do haicai

O haicai é um subgênero literário, com caráter lírico, de origem japonesa, que, tradicionalmente,
é caracterizado pelo(a):

 objetividade

 simplicidade

 serenidade

 sobriedade

 casualidade

 solidão

 não intelectualidade

 bucolismo

 antissentimentalismo

 condensação

 uso de imagens

 ausência de título

 ausência de rima

 kigo

 cesura

O kigo é uma palavra que evidencia a estação do ano em que o texto foi produzido. A cesura é
uma palavra utilizada, no final do primeiro ou do segundo verso, para provocar uma quebra
sintática e evitar que o poema pareça ser composto apenas por um verso ou frase. Já o
antissentimentalismo deve ser associado ao haicaísta ou ao eu lírico, pois uma das características
do haicai tradicional é a existência de uma palavra que dispara a emoção na leitora ou no leitor.

A temática da natureza é característica do haicai tradicional.

Quanto à estrutura tradicional, o haicai é um poema que apresenta apenas três versos, portanto,
é um terceto formado por redondilhas, assim distribuídas:
 Verso 1 e 3: redondilha menor (cinco sílabas poéticas)

 Verso 2: redondilha maior (sete sílabas poéticas)

Desse modo, o haicai é um poema de caráter popular, que, de forma sintética e com linguagem
impessoal, busca retratar uma experiência concreta por meio do equilíbrio entre a forma
(metrificação) e o conteúdo objetivo.

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Como se faz um haicai?

Para aprendermos como se faz, vamos analisar um haicai de Masuda Goga (1911-2008), principal
representante do haicai tradicional japonês escrito em território brasileiro:

Em cima do túmulo,
cai uma folha após outra.
Lágrimas também...

Em relação ao conteúdo, note que a informação é sintética e objetiva, centrada em três


elementos: um túmulo, folhas e lágrimas. Quanto à forma, cada um desses elementos foi colocado
em um verso do terceto. Esses versos estão, segundo a estrutura tradicional, metrificados:

→ Escansão do verso 1: Em/ ci/ma/ do/ tú/mu/lo.

Esse verso é composto por cinco sílabas poéticas, portanto, uma redondilha menor. Não se
esqueça, na separação de sílabas, devemos contar até a última sílaba tônica. Como a palavra
“túmulo” é uma proparoxítona, contamos até a sua primeira sílaba.

→ Escansão do verso 2: cai/ u/ma/ fo/lha a/pós/ ou/tra.

Esse verso é composto por sete sílabas poéticas, isto é, uma redondilha maior. Além disso,
contamos até a última sílaba tônica da palavra paroxítona “outra”.

Atenção: quando uma palavra acaba com som de vogal e a palavra seguinte inicia-se com som de
vogal, é permitido, segundo as regras de metrificação, juntar a última sílaba de uma palavra com a
primeira sílaba da próxima, como ocorreu em: “cai uma folha após outra”. Até porque, ao
declamar-se o haicai, na língua portuguesa, junta-se os dois as: cai-u-ma-fo-lhapós-ou-tra.

→ Escansão do verso 3: Lá/gri/mas/ tam/bém...

Assim como o verso 1, o verso 3 é uma redondilha menor, pois possui cinco sílabas poéticas, já
que a última palavra do verso é uma oxítona e, logo, sua última sílaba entra na contagem.

No mais, podemos apontar o kigo, ou seja, a folha que cai, pois essa imagem indica o outono,
estação em que foi escrito o haicai. Também é possível indicar a cesura — a palavra “outra”, que
encerra a imagem construída nos dois primeiros versos para dar lugar à imagem do verso seguinte,
que representa o choro de alguém. Assim, a palavra “lágrimas” dispara a emoção.

Em conclusão, para fazer-se um haicai tradicional, é necessário expressar-se uma ideia, imagem ou
emoção de forma rápida, sintética e objetiva. Além disso, deve-se seguir as regras estruturais
desse tipo de poema, ou seja, três versos apenas, sendo os versos 1 e 3 compostos em redondilha
menor, e o verso 2, em redondilha maior.

Leia mais: Trovadorismo – estilo de uma época em que era recorrente o uso das redondilhas

Haicai no Brasil

O escritor Guilherme de Almeida foi um dos primeiros haicaístas brasileiros.

O haicai chegou ao continente europeu no século XIX e foi trazido ao Brasil pelos modernistas no
século XX. Ele é particularmente associado ao escritor Guilherme de Almeida (1890-1969), que
adaptou o gênero ao anticonvencionalismo modernista.

Depois dele, o concretismo também dialogou com esse tipo de poesia, principalmente por meio
do poeta Pedro Xisto (1901-1987). Por fim, a poesia marginal dos anos 1970 teve em Paulo
Leminski (1944-1989) um dos maiores representantes dessa estética.

Outros haicaístas são Afrânio Peixoto (1876-1947), Helena Kolody (1912-2004), Millôr Fernandes
(1923-2012) e Alice Ruiz. Esses artistas, no entanto, possuem, cada um, suas peculiaridades.

No Brasil, em alguns casos, o haicai reduziu-se a uma estrutura fixa e abandonou o elemento
filosófico de origem japonesa, como a existência de uma palavra que dispara a emoção ou de um
kigo (termo que indica as estações do ano). Outros poetas abandonaram também os 17 versos e
optaram por outro tipo de metrificação, ou mesmo pela sua ausência. Além disso, em vez de os
autores limitarem-se aos temas bucólicos, houve uma ampliação temática. Dessa forma, existem
haicais tradicionais ou almeidianos, por exemplo.

Os haicais de Guilherme de Almeida são metrificados e utilizam rima e título. Já os de Paulo


Leminski não trazem métrica nem kigo, são mais libertários. Millôr Fernandes utiliza a ironia e a
rima. Já Afrânio Peixoto e Helena Kolody buscam aproximar-se da forma tradicional de fazer-se o
haicai. Assim, outros haicaístas inspiram-se em algum desses poetas, reproduzindo o seu jeito
particular de compor esse tipo de poesia.

Exemplos de haicais

Arco-íris

Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.

O haicai “Arco-íris”, do livro Paisagem interior (1941), de Helena Kolody, apesar de apresentar
título, traz características do haicai tradicional, como as redondilhas e a ausência de rima. Nesse
poema, cada verso traz uma imagem distinta: um arco-íris no céu, um menino sorrindo e um
menino que chora.

Infância

Um gosto de amora
Comida com sol. A vida
Chamava-se: “Agora”.
Nesse haicai, publicado no livro Poesia vária (1947), Guilherme de Almeida quebra com a tradição
ao colocar um título e rimar “amora” com “agora”. Dessa forma, o gosto de amora simboliza a
infância do eu lírico em um dia de verão. No entanto, o poeta mantém a metrificação do haicai
tradicional.

lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz?

Extraído do livro Distraídos venceremos (1987), esse haicai de Paulo Leminski não segue a regra de
metrificação do haicai tradicional, já que o primeiro e o terceiro versos possuem três sílabas
poéticas, enquanto o segundo verso possui cinco. Nesse poema, o eu lírico dialoga com a Lua, quer
saber se ela brilhava em Auschwitz, o campo de concentração nazista.

Perfume silvestre

As coisas humildes,
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...

Afrânio Peixoto, nesse poema publicado no livro Miçangas: poesia e folclore (1931), segue quase
todas as regras do haicai tradicional, com redondilhas, ausência de rima, presença de kigo e
cesura. No entanto, o terceto possui um título. Assim, nessa poesia, o capim melado é associado a
um encanto discreto, à humildade e ao perfume silvestre.

assombrada por você


minha sombra
se esconde de mim

Esse haicai é de Alice Ruiz, publicado no livro Desorientais (1996), e não segue a metrificação do
haicai tradicional, pois apresenta sete sílabas poéticas no primeiro verso; três, no segundo; e
cinco, no terceiro. Nele vemos um trocadilho entre “assombrada” e “sombra”, e a ideia de que
alguém provoca medo no eu lírico, que, ao mesmo tempo, é protegido ou anulado pela sombra do
interlocutor.

alma e lua ah lumes


bambo embalo de bambus
flauta e flume fluem

Nesse haicai de Pedro Xisto, retirado do livro Caminho (1979), é possível perceber a presença de
assonância e aliteração, de forma a produzir-se um poema sonoro, tão característico do
concretismo. Assim, no primeiro verso, em redondilha menor, temos a repetição das letras “a”,
“l”, “m”, “e” e “u”; no segundo, em redondilha maior, repetem-se o “b”, o “a”, o “m”, o “e” e o
“o”; e, por fim, no terceiro, também em redondilha menor, as letras “f”, “l”, “a”, “e”, “m” e “u” são
repetidas.

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
Esse poema de Millôr Fernandes, retirado de seu livro Hai-kais (1968), não segue a metrificação
do haicai tradicional. Afinal, o primeiro verso tem apenas uma sílaba poética. Como característica
do haicai millordiano, temos a rima — olha/ molha — e a ironia, ao afirmar-se que, para não se
molhar, é preciso ficar entre um pingo e outro da chuva.

Acesse também: Arcadismo – movimento literário que também tinha o bucolismo como
temática

Exercícios resolvidos

Questão 1 - Todas as características a seguir estão relacionadas ao haicai, EXCETO:

a) Complexidade

b) Síntese

c) Metrificação

d) Sobriedade

e) Cesura

Resolução

Alternativa A. O haicai é caracterizado pela sua simplicidade, não por sua complexidade.

Questão 2 - Leia e analise os textos a seguir:

Texto 1:

O pensamento

O ar. A folha. A fuga.


No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.

Guilherme de Almeida

Texto 2:

Manhã

Nas flores do cardo,


leve poeira de orvalho.
Manhã no deserto.

Helena Kolody

Texto 3:

ameixas
ame-as
ou deixe-as
Paulo Leminski

Texto 4:

Uma aldeia pobre,


ao pé da serra de inverno —
mina antiga de ouro

Goga Masuda

Texto 5:

abro após as sombras


de par em par as vidraças:
alçam voo as pombas.

Pedro Xisto

O texto que mais se distancia do haicai tradicional é:

a) o texto 1

b) o texto 2

c) o texto 3

d) o texto 4

e) o texto 5

Resolução

Alternativa C. O haicai de Paulo Leminski apresenta duas sílabas poéticas nos versos 1 e 2. Já o
verso 3 possui três sílabas poéticas.

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