Você está na página 1de 18

A taxa SELIC - o que é, como funciona e

outras considerações (Parte 1)


por Leandro Roque, domingo, 9 de agosto de 2009

Vários leitores já nos escreveram pedindo explicações mais detalhadas sobre o


que é a taxa SELIC, como ela é determinada, o que ela influencia e por que é
importante.

Seu mecanismo de funcionamento é simples, porém a explicação é um tanto


longa. Não obstante, vale a pena fazer um esforço e tentar acompanhar o artigo
até o final, para que finalmente não restem dúvidas sobre essa que é considerada
a mais importante variável da economia, pois é ela quem baliza o mais
importante preço do sistema econômico: o preço do dinheiro.

Prometo ao bondoso leitor me esforçar para deixar o artigo o mais claro, leve e
atraente possível. Até nem farei críticas ao sistema.

OS TÍTULOS DO TESOURO

Toda a encrenca se origina de um fato muito simples: o governo é incapaz de


manter um orçamento equilibrado - isto é, o governo é incapaz de gastar apenas
aquilo que ele arrecada.

Como sua receita tributária é sempre menor que suas despesas - afinal, vivemos
em uma democracia, e quanto mais o partido governante gastar com seus
apaniguados e com toda a sua base de apoio, maiores as chances de ele se
eternizar no poder -, o governo está sempre precisando arrumar outros meios de
financiamento.

E o responsável por conseguir esse financiamento é o Tesouro Nacional. O


Tesouro pode se financiar apenas com a emissão de títulos (ele não tem o poder
de imprimir moeda, como tem o Banco Central - que ainda não entrou na
história). Quando a arrecadação de impostos é insuficiente para cobrir os gastos
do governo, o Tesouro tem de emitir títulos para conseguir mais dinheiro.

Até aqui tudo bem?

Prosseguindo. O Tesouro precisa emitir títulos - isto é, precisa se endividar -


para conseguir financiamento. Quem compra esses títulos? Em sua maioria,
bancos (também chamados de 'intermediários financeiros', no jargão
politicamente correto). Entretanto, pessoas físicas como você também podem
comprar esses títulos diretamente do Tesouro. Basta ir aqui e se tornar um
parasita, vivendo dos juros pagos pelos impostos arrancados do setor produtivo
da sociedade...
Digressões à parte, pessoas físicas comprando títulos ainda representam uma
exceção - o grosso dos títulos é de fato comprado pelos bancos. Mas não é
qualquer banco que pode comprar esses títulos diretamente do Tesouro. Apenas
10 têm esse privilégio (Bradesco, Citibank, Banco Do Brasil, Itaú, Banco Safra,
Santander, UBS Pactual, Votorantim e Caixa Econômica Federal). Esses bancos
são chamados de Dealers Primários.

Assim, quando o Tesouro decide emitir títulos, ele vai ao 'mercado primário' e
vende esses títulos a esses 10 bancos.

Quais são esses títulos? Existem seis tipos de títulos, que diferem entre si de
acordo com seu tipo de rentabilidade: fixa ou variável (ou pré-fixado e pós-
fixado, respectivamente). Eis a seguir uma especificação mais detalhada de cada
um deles:

· LTN - Letras do Tesouro Nacional: títulos com rentabilidade definida (taxa


fixa) no momento da compra. Você sabe de antemão quantos reais vai ganhar.
Forma de pagamento: no vencimento;

· LFT - Letras Financeiras do Tesouro: títulos com rentabilidade diária


vinculada à taxa de juros básica da economia (a taxa SELIC). Forma de
pagamento: no vencimento;

· NTN-C - Notas do Tesouro Nacional - série C: títulos com rentabilidade


vinculada à variação do IGP-M, acrescida de juros definidos no momento da
compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento
(principal);

· NTN-B - Nota do Tesouro Nacional - série B: título com rentabilidade


vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da
compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento
(principal);

· NTN-B Principal - Nota do Tesouro Nacional - série B: título com


rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no
momento da compra. Não há pagamento de juros semestrais. Forma de
pagamento: no vencimento (principal);

· NTN-F - Nota do Tesouro Nacional - série F: título com rentabilidade


prefixada, definida no momento da compra. Forma de pagamento:
semestralmente (juros) e no vencimento (principal).

Alguns detalhes:

Observe que, com exceção da LFT, todos os outros títulos têm seus juros
definidos no momento da compra (a única variável é o índice de inflação,
utilizado para a correção monetária).
A LTN, por sua vez, é um título cujo valor de resgate é o seu valor de face
(R$1.000 ou um múltiplo de 1.000). Ou seja, você o compra por um
determinado valor (sempre menor que seu valor de face) e, na data de seu
vencimento, o Tesouro vai lhe pagar exatamente o valor de face do título
(R$1.000 ou seu múltiplo). Os mais aficionados podem se informar melhor aqui.

Até agora, tudo bem?

Resumindo tudo: o Tesouro emite vários tipos de títulos que são comprados
pelos bancos. Uma vez em posse dos bancos, esses títulos podem ser livremente
comercializados entre si (algo que veremos mais à frente), porém eles somente
serão resgatados pelo Tesouro (isto é, serão retirados do mercado, após o
pagamento do principal e juros) na sua data de vencimento. Quando esses títulos
são leiloados pelo Tesouro, já se sabe de antemão (exceto para as LFTs) quais
serão os juros que o Tesouro terá de pagar aos compradores dos títulos. Vale
repetir, a única variável será o índice de inflação utilizado em cada título como
forma de correção monetária.

O Banco Central não participa dessas vendas no mercado primário (até maio de
2002 ele podia emitir títulos próprios; hoje, não pode mais. Todos os seus títulos
já foram resgatados). Ele vai atuar apenas no mercado secundário, do qual
falaremos adiante. Além disso, sua atuação não vai alterar o fluxo dos juros
pagos pelo Tesouro aos portadores dos títulos (exceto, novamente, no caso das
LFTs, cujo rendimento é sim alterado pelas ações do Banco Central). O fluxo de
juros de cada título (exceto para as LFTs) é determinado no leilão primário.
Atuações posteriores do Banco Central não vão gerar alterações no montante de
juros pagos aos portadores desses títulos.

Observe que, até agora, o Banco Central não entrou na história. Apenas o
Tesouro e os bancos participaram do esquema.

O COMPULSÓRIO

Façamos aqui um pequeno porém extremamente importante paralelo.

A única entidade que goza do monopólio da emissão de moeda é o Banco


Central. Embora seja o Banco Central a única entidade que cria a moeda física
(as cédulas e moedinhas metálicas que utilizamos no dia a dia), o sistema
bancário é capaz de, literalmente, criar de dinheiro do nada, algo que os
economistas chamam de moeda escritural. Trata-se de dinheiro 'fictício', pois
não existe fisicamente. São apenas números eletrônicos.

Funciona assim: João deposita R$ 10.000 em sua conta-corrente no Banco A.


João pode até achar que esses R$ 10.000 ficarão ali parados, como um carro em
um estacionamento pago, mas não ficarão. Como o sistema bancário é
de reservas fracionárias, os bancos mantêm como reservas apenas parte do
dinheiro que neles foi depositado. Assim, o Banco A vai guardar uma parte
desse dinheiro (digamos, R$ 3.000) e emprestar o restante (R$ 7.000) para José.
José vai gastar esse dinheiro de alguma forma, e ele (o dinheiro) inevitavelmente
acabará sendo depositado em outro banco, o Banco B. O Banco B vai guardar
uma parte desse dinheiro (digamos, R$ 2.100) e emprestar o restante (R$ 4.900)
para Antônio, que adotará o mesmo procedimento de José, dando assim
continuidade ao ciclo. Ao mesmo tempo em que o dinheiro de João foi sendo
"passado adiante", o próprio João continua tendo acesso integral a esse mesmo
dinheiro (que é seu), seja emitindo cheques ou utilizando cartão de débito. Dessa
forma, os R$ 10.000 iniciais se multiplicaram.

A porcentagem que cada banco teve de guardar (no exemplo acima, 30% do
valor do depósito) é determinada pelo Banco Central. Essa porcentagem é
chamada de depósito compulsório. Os bancos são obrigados a depositar essa
quantia junto ao Banco Central. Trata-se de um mecanismo de controle da
expansão monetária. Quanto menor for essa porcentagem, maior será a
quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos. Os bancos
criam dinheiro (eletronicamente) em uma quantia que é inversamente
proporcional à taxa do compulsório. No Brasil, o compulsório está atualmente
em 28%, o que significa que os bancos podem criar dinheiro no valor de até 3,6
vezes o total de reservas compulsórias (1/0,28). Logo, os R$ 10.000 de João
acabam virando R$ 36.000.

Caso esse mecanismo ainda não esteja claro, esse texto certamente irá sanar todas
as dúvidas remanescentes. Porém, o essencial desse tópico é entender que os
bancos são obrigados a manter no Banco Central, diariamente, uma determinada
porcentagem de seus depósitos à vista.

Bom, e daí? Onde entra a SELIC? Mais abaixo.

O MERCADO INTERBANCÁRIO

Milhões de operações bancárias são realizadas diariamente em todo o país.


Depósitos, saques e transferências bancárias são as principais.

Assim, é normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas
reservas uma porcentagem menor do que aquela que o Banco Central determina
que ele deve ter em relação aos seus depósitos à vista. Da mesma forma, é
normal que um determinado banco chegue ao final do dia tendo em suas reservas
uma porcentagem maior do que aquela que o Banco Central determina que ele
deve ter em relação aos seus depósitos à vista.

Por exemplo, peguemos o compulsório vigente no Brasil: 28%. Se o Banco A,


ao final do dia, tiver um total de R$ 100.000 em depósitos à vista, mas suas
reservas junto ao Banco Central totalizarem apenas R$ 25.000, então ele terá de
conseguir mais R$ 3.000 para "fechar seu balanço". (Os motivos para ele estar
abaixo do limite podem ser vários, principalmente um número de saques maior
que o número de depósitos. Isso, acredite, é extremamente comum). O Banco A
terá duas opções para conseguir esses R$ 3.000: ele pode recorrer ao próprio
Banco Central e pedir um empréstimo (esse empréstimo é chamado
de redesconto) ou ele pode pedir emprestado para um outro banco que esteja com
excesso de reservas (porque teve um número de depósitos maior do que o de
saques).

O mecanismo do redesconto raramente é utilizado, pois os juros são punitivos


(justamente para coibir a prática). Assim, o procedimento mais comum é
recorrer ao banco que está com excesso de reservas.

Esse mercado onde um banco empresta para o outro é chamado de mercado


interbancário. Por lei, o banco que pede emprestado é obrigado a pagar esse
empréstimo no dia seguinte. Assim, se o Banco A tiver de pedir R$ 3.000
emprestados ao Banco B no final de uma segunda-feira, o Banco A é obrigado
por lei a pagar principal e juros ao Banco B já na terça-feira.

E o que é mais importante: como foi explicado lá no início, os bancos possuem


títulos que compraram do Tesouro. Assim, o Banco A, ao pedir R$ 3.000
emprestados para o Banco B, irá dar ao Banco B esses mesmos títulos públicos
como garantia (colateral) ao empréstimo.

Em economês, diz-se que esse empréstimo está lastreado em títulos públicos.


Desta forma, o Banco B vai comprar títulos públicos do Banco A, tendo a
garantia de que o Banco A vai recomprar esses títulos no dia seguinte, pagando
juros. Como essa operação dura um dia, ela é batizada de overnight - que no
economês anglófono significa uma operação financeira com prazo de 24 horas.

O que é realmente importante em tudo isso é a taxa de juros utilizada nesse


empréstimo interbancário. Essa taxa de juros - que um banco cobra do outro no
mercado interbancário, para operações de um dia e que possuem lastro em títulos
públicos federais - é exatamente a taxa SELIC.

Vou repetir a definição da taxa SELIC, dessa vez utilizando o preguiçoso


artifício de recorrer à Wikipédia: a taxa SELIC é a taxa usada para operações de
curtíssimo prazo entre os bancos, que, quando querem tomar recursos
emprestados de outros bancos por um dia, oferecem títulos públicos como lastro
(garantia).

Por exemplo, ontem, dia 4 de agosto, a taxa SELIC foi de 0,032927%. (Você
pode acompanhar essas taxas diariamente aqui). Isso quer dizer que o Banco A
teve de pagar ao Banco B, além dos R$3.000, um juro de 0,032927% desse valor
- que é igual a R$ 0,99. Ou seja, em uma operação 100% segura (os títulos são
garantidos pelo governo), o Banco B lucrou quase R$ 1 ao emprestar R$ 3.000
por apenas um dia. (Considerando o volume de empréstimos interbancários que
ocorrem diariamente, conclui-se que o negócio não é nada ruim).
Como a taxa SELIC é a taxa de juros para empréstimos de apenas 1 dia, seu valor
é pequeno. Por isso ela é divulgada em termos anuais, tendo como base 252 dias
úteis ao ano. Em termos matemáticos, pegamos o valor da taxa diária, dividimos
por 100, somamos um e elevamos o resultado ao expoente 252.

Fazendo a operação acima para o nosso exemplo, temos que:

(1,00032927)252 = 1,0865 = 8,65%

O que dá uma SELIC anualizada de 8,65%, bem próxima da meta atual do Banco
Central, de 8,75%.

Pelo bem da simplificação, utilizamos um exemplo em que havia apenas dois


bancos. É óbvio que, no mundo real, existem vários bancos incorrendo em vários
empréstimos mútuos diariamente. Nesse caso, as taxas variam de um
empréstimo para o outro, porém dentro de um intervalo muito pequeno - sendo
esse intervalo estritamente controlado pelo Banco Central, como veremos na
próxima seção.

No final do dia, calcula-se a taxa de juros média de todos os empréstimos


interbancários. Essa média é ponderada pelo volume dos negócios que foram
realizados nesse mesmo dia. O resultado final será a taxa média SELIC do dia,
que normalmente é publicada por volta das 20h00 do próprio dia. No nosso
exemplo, essa taxa média foi de 0,032927%.

Portanto, o que temos até agora: o Tesouro precisa de financiamento. Ele vende
títulos para os bancos. Esses títulos serão resgatados em uma determinada data.
Simultaneamente, os bancos são obrigados pelo Banco Central a manter um
determinado percentual de seus depósitos à vista depositados junto ao Banco
Central. Aqueles que não cumprirem essa meta ao final do dia terão de pedir
empréstimos para outro banco que tenha reservas "em excesso". A taxa de juros
desses empréstimos, que têm a duração de 1 dia, é exatamente a taxa SELIC, que
é divulgada em termos anualizados.

Ah, sim, o que significa SELIC? Sistema Especial de Liquidação e de Custódia,


que nada mais é do que o sistema informatizado que gerencia todas as operações
que envolvem títulos públicos. Aqui vai um resumo bem básico, porém correto.

AMARRANDO OS PONTOS

Agora só falta amarrarmos as pontas soltas. Como o Banco Central atua para
alterar a SELIC? Por que ele faz isso? Quais as consequências? Qual a relação
da SELIC com os juros pagos pelos títulos do Tesouro? Qual a relação que você
como correntista de um banco tem com tudo isso?

Vamos lá.
Existem dois tipos de mercado para os títulos públicos: o primário e o
secundário. O primário é aquele que já foi descrito (bancos selecionados
- dealers primários - compram os títulos diretamente do Tesouro); o secundário é
aquele que envolve o Banco Central e os bancos (ou qualquer outro agente em
posse de títulos públicos).

Quando o Banco Central quer alterar a base monetária - tanto expandi-la quanto
contraí-la -, ele precisa realizar aquilo que chamam de operações de mercado
aberto (open market), isto é, o Banco Central compra e vende títulos públicos no
mercado secundário. Vale repetir que o Banco Central não emite títulos; ele
compra e vende os títulos do Tesouro, que inicialmente estavam em posse dos
bancos.

Quando o Banco Central realiza compras no mercado aberto, ele expande a base
monetária. Como? Grosso modo, ele aperta um botão no computador e
acrescenta alguns dígitos na conta (as reservas compulsórias) que o banco que
está vendendo os títulos possui junto ao Banco Central. De onde veio esse
dinheiro? De lugar nenhum. O Banco Central o criou do nada. Nenhuma outra
conta foi debitada. A base monetária expandiu magicamente. Nesse caso, as
reservas desse banco aumentaram, o que o permitirá conceder empréstimos a
juros menores no mercado interbancário. Como isso está ocorrendo
simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário caem. Logo, a
taxa SELIC caiu.

Quando o Banco Central realiza vendas no mercado aberto, ele contrai a base
monetária. Nesse caso, ele vende para um banco títulos do Tesouro que estavam
em sua posse. Assim, haverá um débito na conta que esse banco comprador tem
junto ao Banco Central. O dinheiro, que é eletrônico, desaparece (é como se a
tecla Del fosse apertada). Portanto, as reservas desse banco diminuíram, o que
fará com que ele tenha de pedir empréstimos no mercado interbancário para se
manter dentro da porcentagem exigida pelo compulsório. Como isso está
ocorrendo simultaneamente com vários bancos, os juros do interbancário sobem.
Logo, a taxa SELIC subiu.

Já sabemos, portanto, qual o canal de entrada e saída do dinheiro no sistema


econômico. Sabemos também que uma expansão monetária diminui os juros do
interbancário (a taxa SELIC), e que uma contração monetária aumenta esses
juros.

Até aqui, nada de complicado, certo?

Porém, apenas dizer que expandir ou contrair a base monetária diminui ou


aumenta os juros, respectivamente, não é suficiente. É correto na teoria, porém
na prática o Banco Central precisa de instrumentos tangíveis sobre os quais
sustentar sua política de determinação de juros. Por exemplo, se você é o
Henrique Meirelles e quer manter a SELIC em 8,75% ao ano, de nada vai
adiantar ficar injetando ou retirando dinheiro do mercado, na esperança de que os
8,75% surjam naturalmente. Você precisa ter uma baliza.

Por isso, vejamos agora o método operacional do Banco Central.

Os títulos emitidos pelo Tesouro, como mostrado lá no início, podem ser do tipo
que promete um único pagamento no vencimento (LTN, LFT e NTN-B
Principal), ou do tipo que promete pagamentos múltiplos antes do vencimento e
um pagamento no vencimento (NTN-F e NTN-B). Nesse segundo caso, os
títulos são chamados de títulos com cupom. Os cupons são justamente os
pagamentos efetuados pelo Tesouro antes do vencimento do título, sendo que o
principal é pago no vencimento.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma LTN cujo valor de face é R$
1.000 e seu vencimento se dê em um ano. O preço de compra desse título vai ser
definido pela oferta e demanda. Suponhamos que o Banco A tenha arrematado o
título por R$ 800. Dali a um ano o Tesouro vai pagar-lhe R$ 1.000. Sendo
assim, esse título está pagando juros de

(1.000 - 800) / 800 = 25% ao ano

Agora suponha que o Banco Central resolveu fazer uma operação de mercado
aberto, expandindo a base monetária. Ele, portanto, vai comprar títulos públicos
em posse dos bancos. Ao fazer isso, está havendo um aumento da demanda por
títulos. Aumento da demanda significa aumento do preço desses títulos. Assim,
um título que foi comprado por R$ 800, agora está sendo negociado a, digamos,
R$ 850. Substitua 800 por 850 na equação acima e você verá que os juros caem
para 17,64%. Ou seja, um aumento da oferta monetária levou a um aumento dos
preços dos títulos, o que gerou uma queda dos juros. Guarde essa regra: se o
preço de um título sobe, seus juros caem.

A mesma regra se aplica quando o título é de múltiplos pagamentos.

Por exemplo, imagine que o Tesouro emitiu uma NTN-B prometendo pagamento
de cupons de R$ 50 ao ano mais o principal na data do vencimento. O preço de
compra também será definido pela oferta e demanda. Suponhamos que o Banco
A tenha arrematado o título também por R$ 800. O rendimento atual desse título
é a razão entre o cupom e o seu preço. Portanto, o rendimento inicial será de
(50/800) = 6,25%.

Repetindo a mesma operação de mercado aberto acima, o aumento da oferta


monetária fará com que o preço desse título suba para, digamos, para R$ 900.
Logo, (50/900) = 5,56%. O rendimento atual caiu.

Tudo isso foi apenas para mostrar duas regras essenciais: (1) se o preço do título
sobe, o juro cai; se o preço cai, o juro sobe. (2) O Banco Central, através de suas
manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão
negociados no mercado intermediário. E isso é importante para entender o resto
da explicação.

Entendido isso, podemos ir para os finalmentes.

O Banco Central opera de uma única maneira: qual deve ser a taxa SELIC
(vamos nos abster de qualquer crítica ao esoterismo desse método de
determinação) e então faz operações diárias de mercado aberto, comprando e
vendendo títulos do Tesouro em posse dos bancos, de modo que a taxa de juros
do mercado interbancário fique dentro da meta. Por exemplo, a meta atual é de
8,75%. Sendo assim, o Banco Central deve fazer as manipulações monetárias
(injeções e retiradas) necessárias para manter a taxa do interbancário o mais perto
possível da meta. Atualmente, a taxa está em 8,65%, como mostrado.

Mas como ele se baliza para isso?

Como mostrado nos dois exemplos acima, cada título público tem um preço, uma
data de vencimento e uma taxa de juros associada a ele. Essa taxa de juros é
o rendimento do título. Em economês mais pedante, rendimento também é
chamado de yield. Rendimentos de títulos com vencimento curto (um ano ou
menos) são chamados de taxas de juros de curto prazo. Os rendimentos de
títulos de vencimento mais longo são chamados de taxas de juros de longo
prazo.

Em qualquer dia, em qualquer momento, é possível observar os rendimentos de


títulos de diferentes vencimentos, exatamente como procedemos nos exemplos
numéricos acima. De posse desses dados, é possível representar graficamente
como o rendimento depende do vencimento de um título. Essa relação entre
vencimento e rendimento é chamada de curva de rendimento - yield curve ou até
mesmo estrutura a termo das taxas de juros. O termo usado depende
exclusivamente da sua vontade de impressionar. O importante é frisar que,
quando os títulos são considerados conjuntamente, cada um com seu rendimento,
eles formam uma curva de rendimento. A figura abaixo mostra um exemplo de
uma curva de rendimento.
E daí?

Quando o Tesouro emite um título, com um dado juro de cupom e um dado prazo
de vencimento (ambos definidos pelo Tesouro), os bancos irão comprá-lo pelo
preço determinado pela lei da oferta e procura (trata-se de um leilão). Através de
uma operação matemática - que envolve a capitalização dos juros do cupom - é
possível determinar o preço ao qual este título será resgatado. A função que une
o preço inicial do título (o preço pelo qual ele foi comprado) a este seu valor de
resgate define a sua curva de rendimento. Vale enfatizar: o valor de resgate é
definido e imutável; o que pode mudar é apenas o preço em que esse título será
negociado no mercado secundário. (Apenas a LFT, que é pós-fixada e indexada
à SELIC, tem um valor de resgate variável)

E - eis o grande momento! - a tarefa do Banco Central é operar manipulando os


preços dos títulos de modo que eles se mantenham sobre sua curva de
rendimento. (Lembre-se do que foi dito acima: o Banco Central, através de suas
manipulações monetárias, pode determinar o preço em que os títulos serão
negociados no mercado intermediário).

Se a ficha ainda não caiu: manter os preços dos títulos sobre a sua curva de
rendimento é o mesmo que manter os juros constantes. Assim, o Banco Central,
através de suas operações de mercado aberto, compra e vende títulos no mercado
secundário de modo a fixar o preço de cada título sobre a curva de rendimento
dos títulos. Ao fazer isso, ele está garantindo que os juros de cada título se
mantenham constantes (com pequenas variações, é claro).

Atenção: o rendimento de um título não necessariamente será igual ao


rendimento de outro título, o que significa que cada papel paga juros distintos. A
questão não é essa. O que é importante é que o Banco Central é capaz de fazer as
manipulações monetárias necessárias para que cada papel seja precificado de
modo a se manter sobre a curva de rendimento dos títulos.

São esses papeis que serão utilizados como lastro no mercado interbancário, de
modo que a taxa SELIC determinada pelo Banco Central seja mantida. Afinal, se
todos os papeis têm juros constantes - em decorrência das manipulações
monetárias do Banco Central -, e esses papeis de juros constantes são utilizados
como lastro nos empréstimos interbancário, então resta claro que o Banco Central
pode determinar a taxa de juros cobrada no mercado interbancário. E essa taxa é
a taxa SELIC.

Se ele quiser aumentar a SELIC, ele vai vender títulos em sua posse. Essa maior
oferta irá deprimir os preços dos títulos, fazendo com que os juros aumentem.
Uma vez atingida a nova taxa, ele se limita a manter a nova curva de rendimento
dos títulos. Se ele quiser diminuir a SELIC, ele faz o oposto: compra títulos. A
menor oferta irá aumentar os preços dos títulos, fazendo com que os juros
diminuam. (Porém ele não pode diminuir os juros abruptamente, como quer
Heloísa Helena, pois isso depende da confiança dos compradores. Se eles
acharem que uma expansão monetária irá gerar uma grande inflação, ninguém irá
comprar os títulos não indexados, o que fará com que seus preços caiam, e os
juros subam. Ou seja: a tentativa de diminuir os juros acabou levando a um
aumento).

Vale re-enfatizar: o Banco Central determina uma meta para a taxa SELIC, ele
não determina a taxa exata. É por isso que a taxa SELIC efetiva pode apresentar
ligeira diferença da taxa oficial divulgada pelo Banco Central - a taxa efetiva
atual é de 8,65% e a meta é de 8,75%.

Outra conclusão importante: ao utilizar essa regra operacional - em que os juros


são fixados -, o Banco Central não pode determinar a quantidade exata de moeda
que ele quer na economia. Ele faz as operações de mercado aberto de modo a
manter a taxa SELIC constante, mas ele não determina a quantidade específica de
moeda para a economia. Diz-se nesse caso que a moeda é endógena.

CONCLUSÃO

Sei que o final pode ter ficado um pouco pesado, mas creio que a ideia básica foi
entendida. Como disse no início, o funcionamento do processo é simples, porém
trabalhoso.

No próximo artigo, além de discutirmos as perguntas feitas lá em cima e que


ainda não foram respondidas, vamos também adentrar um terreno bem
espinhoso: uma política monetária austera realmente exige juros altos ou é
possível ter juros baixos e pouca inflação de preços? Eis o debate infindável
entre keynesianos, monetaristas e austríacos.

Clique aqui para ir para a continuação.


A taxa SELIC - o que é, como funciona e
outras considerações (Parte 2)
por Leandro Roque, quarta-feira, 19 de agosto de 2009

No artigo anterior explicamos todo o mecanismo de determinação da SELIC.


Alguns leitores mandaram e-mails pedindo explicações mais detalhadas sobre o
que é CDI, Fundos DI, Renda Fixa e a relação que a SELIC tem com tudo isso.

Uma ótima oportunidade para explicar alguns detalhes adicionais do mercado


interbancário, bem como as consequências práticas que tudo isso gera pra você,
usuário do sistema bancário.

Os CDIs

Como explicado anteriormente, os bancos utilizam o mercado interbancário para


manter suas reservas em níveis determinados pelo governo. Nesse processo, os
bancos fazem empréstimos entre si utilizando títulos públicos como colateral.

Entretanto, uma dúvida pode surgir: se esses empréstimos têm a duração máxima
de 1 dia, determinada por lei, o que acontece quando um banco precisa de
empréstimos por mais de 1 dia? Mais ainda: e se, no extremo, um banco estiver
precisando de um empréstimo interbancário, mas estiver sem títulos públicos?
Seria ele obrigado a recorrer ao redesconto?

Nesses casos - e não apenas nesses casos, mas a todo momento - os bancos
podem emitir um Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Um CDI nada
mais é que um título que um banco lança com o intuito de levantar dinheiro para
suas necessidades. Nesse caso, enfatiza-se, não se trata de um título do Tesouro;
trata-se de um título privado. E esses títulos têm a vantagem de permitir prazos
de empréstimos interbancários mais dilatados.

E daí? Isso é importante?

Importante, é. Aliás, muito importante. Porém, como veremos mais abaixo, não
muda praticamente nada do raciocínio que foi desenvolvido até aqui.

Fundos DI e Renda Fixa

Quando você deposita seu dinheiro no banco, você pode destiná-lo à caderneta de
poupança, a um fundo de Renda Fixa ou aos Fundos DI.

A poupança não mexe com títulos de qualquer espécie. Seus juros são
determinados pelo governo. Via de regra, a remuneração é de 0,5% ao mês mais
a variação de um índice chamado TR (Taxa Referencial), que por sua vez é
calculada a partir da SELIC. Pouparei o leitor da chateação dos cálculos, até
porque são desimportantes. O que deve ser entendido é que a poupança tem
renda determinada pelo governo e não envolve aplicação em títulos.

Um fundo de Renda Fixa investe em títulos públicos com taxas pré-fixadas,


como as LTNs e as NTNs. (Ele também investe em títulos privados, seja de
bancos ou empresas, mas isso agora não vem ao caso).

Já os Fundo DI (DI significa Depósitos Interfinanceiros) aplicam a maior parte


do seu patrimônio em títulos públicos com taxa pós-fixada, como as LFT.

E qual a relação entre SELIC, CDI, Renda Fixa e Fundos DI?

Bom, sabemos que a SELIC é a taxa de juros no mercado interbancário resultante


de operações envolvendo títulos públicos. Já as operações envolvendo CDIs
resultam na taxa conhecida como CDI overnight - ou CDI over. A operação é
exatamente a mesma (mercado interbancário), só que com títulos privados (nesse
caso, títulos emitidos pelos próprios bancos). Ademais, o cálculo da taxa se
baseia nas operações realizadas entre instituições de conglomerados diferentes
(Extra-Grupo: bancos de redes diferentes), desprezando-se as demais (Intra-
Grupo: bancos da mesma rede).

Grosso modo, pode-se dizer que a SELIC = CDI + um spread mínimo. E como
você pode ver nessa tabela do Banco Central, a diferença entre ambas
dificilmente é superior a 0,04 ponto percentual. Ou seja: a taxa SELIC é
praticamente idêntica à CDI.

Entretanto, é a taxa CDI que serve de referência para a remuneração dos fundos
DI e fundos de Renda Fixa; ela é o parâmetro para avaliar a rentabilidade desses
fundos.

Traduzindo tudo: enquanto a SELIC é taxa de juros utilizada pelo Banco Central
para gerenciar toda a economia (o Banco Central nada mais é do que uma
agência de planejamento econômico, uma autêntica GOSPLAN), a taxa CDI é
utilizada pelos fundos de investimento dos bancos para aferir a rentabilidade de
suas carteiras. A SELIC é resultado das operações com títulos do governo; a
CDI é resultado da negociação entre os bancos. E como o Banco Central pode
interferir na primeira, a consequência prática é que a segunda está diretamente
relacionada à primeira. Ao fim e ao cabo, ambas são praticamente iguais.

Toda essa bagunça foi apenas para esclarecer que a CDI serve, no economês,
como benchmark (referência) para os fundos DI e Renda Fixa. Um gestor de
fundos opera de olho na CDI, e não necessariamente na SELIC. Só que a CDI,
por sua vez, tende a ser igual à SELIC. Confuso? Bom, em defesa do Instituto
Mises Brasil, jamais dissemos que o atual sistema financeiro, totalmente baseado
no intervencionismo estatal puro e no papel-moeda fiduciário, fazia algum
sentido.

Você e o Sistema Bancário

Superados todos esses tecnicismos chatos, vamos para a parte prática.

Suponha que os planejadores econômicos do Banco Central decidam que a


economia está muito aquecida e que os riscos inflacionários são altos (o fato de
que a inflação generalizada é algo que só pode ocorrer por causa do próprio
banco central, que tem o monopólio da emissão monetária, e que, portanto, o
banco central se auto-intitular o guardião da moeda é um paradoxo monstruoso, é
algo que não será mencionado aqui em momento algum, por pura pudicícia).

Os planejadores centrais irão então se reunir no Conselho de Política Monetária


(COPOM) para fazer o ajuste fino na economia (o fato de que isso é idêntico ao
que se fazia na URSS também não será mencionado aqui, por uma questão de
delicadeza). Após rodarem seus modelos econométricos - e jurar que ali estão
incluídas todas as variáveis importantes da economia -, os clarividentes irão
determinar, através de uma votação estilo "levanta a mão!", em quanto os juros
deverão ser aumentados.

Decidida a nova taxa, o Banco Central irá, no dia seguinte, fazer as operações de
mercado aberto (open market) necessárias para atingir essa nova SELIC. Como a
decisão foi pelo aumento dos juros, então o BC irá vender títulos públicos. Ao
fazer isso, as reservas bancárias diminuem e os preços dos títulos caem. Você
pode interpretar essa queda dos preços dos títulos de duas formas: aumento da
oferta de títulos e/ou diminuição da quantidade de dinheiro para comprá-los.

Como os bancos agora têm menos reservas, os juros do mercado interbancário


(tanto para títulos públicos quanto para CDIs) irão subir. Isso faz com que os
bancos tenham menos dinheiro disponível para empréstimos para pessoa física e
jurídica, o que causa um aumento dos juros para esta modalidade de empréstimo.

Na prática, ocorre o seguinte: como os bancos são meros intermediadores


financeiros, eles não investem dinheiro próprio (afinal, o dinheiro, na teoria, é
seu e não deles). Logo, quando ocorre um aumento da SELIC - o que significa
que o Banco Central está vendendo títulos -, os bancos comerciais irão,
obviamente, comprar estes títulos com o seu dinheiro que foi lá depositado. O
dinheiro irá para o Banco Central e lá será "deletado" (lembre-se que nessas
operações ocorre uma redução do nível das reservas compulsórias). Portanto,
houve uma diminuição da quantidade de dinheiro na economia.

Com menos dinheiro no sistema, os bancos que lançam seus CDIs para conseguir
dinheiro também têm de pagar juros mais altos sobre eles. O dinheiro que esses
bancos arrecadam ao lançar seus CDIs também será emprestado para a economia
real a um preço (juro) maior. Dessa forma, um aumento da taxa básica de juros
pelo Banco Central aumenta os juros de toda a economia.

Até aqui, nada de novo.

Mas e você que tem conta em banco? Como isso lhe afeta?

Bom, esses títulos públicos que agora estão em posse dos bancos, passarão a ser
comercializados entre si no mercado interbancário, ao lado também dos CDIs.
Os juros a que eles (títulos públicos e CDIs) serão emprestados no interbancário
será agora maior.

Se você tiver dinheiro aplicado em Fundos DI, um aumento da SELIC ser-lhe-á


extremamente benéfico. Afinal, fundos DI investem maciçamente em LFTs, que
são títulos públicos pós-fixados e que variam de acordo com a SELIC. Se você
tiver dinheiro aplicado em Renda Fixa, o preço dos seus papéis caiu (como
explicado no artigo anterior: juros sobem, preços dos títulos caem). Diz-se, nesse
caso, que houve uma perda de riqueza para os proprietários desses títulos - afinal,
o preço de seus ativos caiu. Porém, não houve uma perda de renda, já que os
juros são pré-fixados e pagos pelo Tesouro. Se você comprar esses papeis, você
terá com eles um rendimento maior do que terão aquelas pessoas que os
possuíam antes da alteração dos juros (afinal, os juros pagos pelo Tesouro são
constantes, mas você comprou o papel por um preço menor). Se você não vender
esses papeis, sua renda não será afetada, embora sua riqueza tenha, sim,
diminuído.

Isso significa que, ao contrário do que dizem, um aumento dos juros não
necessariamente favorece aqueles a quem Ciro Gomes chama de "rentistas". O
aumento dos juros irá favorecer apenas (1) quem possui LFTs, (2) quem possui
aplicações na caderneta de poupança, e (3) aqueles que comprarem esses papeis
no mercado secundário, agora a um preço menor.

Todo o resto ou fica na mesma ou perde. (Quando ocorre uma diminuição dos
juros, o efeito é exatamente inverso).

Com isso, agora podemos entender por que as políticas monetárias anteriores ao
Real jamais funcionavam no Brasil. Naquela época, a maior parte de dívida
pública estava na forma de LFTs, que pagam juros de acordo com a SELIC.
Assim, quando a SELIC aumentava, os portadores desses títulos obtinham um
amento imediato de renda, o que gerava o efeito oposto daquele tencionado pelo
aumento dos juros, que era o de contrair a demanda. Da mesma forma,
ganhavam aqueles que tinham aplicações na caderneta de poupança. Ou seja, no
Brasil, uma política monetária teoricamente restritiva acabava gerando um
aumento na demanda. E mais engraçado ainda: um aumento nos juros levava a
um aumento da oferta monetária, por causa do pagamento das LFTs. (Mais
detalhes sobre esse lúgubre período brasileiro aqui).
A Explicação Acadêmica

Faço aqui um pequeno paralelo apenas para explicar como a Academia explica o
efeito dos juros sobre a economia. A explicação dada acima é aquela que, a
nosso ver, é a mais sensata. Porém, os universitários gostam de embromar um
pouco, e sempre criam explicações mais convolutas sobre como o mecanismo da
manipulação dos juros afeta toda a economia. É mais ou menos assim.

Quando o BC eleva a SELIC (que é uma taxa de juros de curto prazo), isso induz
as pessoas e as empresas a venderem seus títulos públicos de longo prazo para
comprarem títulos de curto prazo (isso chama-se arbitragem). Essa fuga dos
títulos de longo prazo faz com que seus preços caiam e seus juros subam. Como
os preços desses títulos caíram, há uma perda de riqueza para os proprietários
desses títulos.

É aí que entram em cena as teorias de Modigliani, Brumberg e Friedman. Essas


teorias dizem que os gastos de consumo dependem tanto da renda proporcionada
pelo capital humano (renda do trabalho) quanto da renda proporcionada pelo
estoque de riqueza não-humana. Assim, se o indivíduo fica mais rico porque o
valor de mercado de sua riqueza não-humana aumentou, então ele vai consumir
mais. Se sua riqueza não-humana diminuiu, então ele irá consumir menos.

Portanto, quando o BC aumenta a SELIC, a arbitragem dos agentes econômicos


faz com que os juros de longo prazo também subam. Isso irá não só provocar
uma queda na demanda de investimentos, estoques e bens duráveis - como casas
e automóveis -, como também irá provocar uma perda de riqueza para os
proprietários da dívida pública. E essa perda de riqueza faz com que os gastos
sejam contraídos.

É um tanto difícil crer nessa última parte por dois motivos:

1) As pessoas - tanto físicas quanto jurídicas - apenas depositam seu dinheiro no


banco; elas não raciocinam que, "ah, se os juros subiram, os títulos nos quais
estou investido tiveram uma queda de preço, o que significa que estou mais
pobre". Não. A maioria se mantém nos títulos públicos como forma de
poupança, e não para fins de especulação diária.

2) Aquelas que praticam especulação diária com títulos públicos - e que, logo,
raciocinam da forma acadêmica - não compõem de modo algum o grosso do
setor produtor e/ou consumidor da economia, de forma que suas ações
dificilmente gerariam grandes impactos macroeconômicos, como pretende a
teoria.

Enfim, esse tópico foi apenas para mostrar como a academia explica o
mecanismo de influência da taxa básica de juros.
Por Que os Juros São Altos no Brasil?

A pergunta que ninguém, e ao mesmo tempo todo mundo, responde.

Até agora estivemos trabalhando com as taxas de juros do mercado interbancário,


a SELIC, que atualmente está em 8,65% (a meta é de 8,75%) ao ano.

Porém, isso quase nada significa quando se sabe que as taxas de juros para
pessoa física estão em 130,58% ao ano e para pessoa jurídica, 61,22% ao ano
(dados de julho).

Também se observa constantemente que, quando a SELIC cai, as outras taxas de


juros caem numa proporção muito menor. Ou seja, a SELIC praticamente pouco
influencia as outras taxas de juros da economia, que são as que realmente
importam. Por que isso ocorre?

Existem várias explicações, porém as mais plausíveis são:

1) Pouca concorrência no setor bancário. As regulamentações criadas pelo


próprio Banco Central impedem o fácil estabelecimento de novas redes
bancárias, que trariam mais concorrência para os grandes bancos já
estabelecidos. Como todo cartel, o sistema bancário também é um cartel que se
sustenta apenas por causa do estado. Os bancos, ao contrário do que se diz,
adoram ser controlados e regulados pelo Banco Central, pois é este quem lhes
protege de qualquer possibilidade de concorrência.

2) Judiciário leniente com o devedor. No Brasil parece valer a máxima "devo,


não pago; nego enquanto puder". O calote virou uma instituição protegida
judicialmente, pois aqui se segue a filosofia marxista de que o credor é um ente
espoliativo e malvado e o devedor é o coitado desinformado que contraiu uma
dívida involuntariamente. Sendo assim, por uma questão de 'justiça social', deve-
se manter o credor despido de suas posses e o devedor no pleno gozo delas.
Parece que é preciso ter um Ph.D em sociologia para não perceber que esse
arranjo corresponde a um roubo, pura e simplesmente. A solução mais prática e
viável - e que justamente por isso ninguém quer adotar - é permitir a alienação
fiduciária (ou reintegração de posse) em todas as modalidades de empréstimos.
Atualmente ela existe para o financiamento de carros. E, não por coincidência,
trata-se um mercado em que juros são dos mais baixos. Não é algo difícil de
entender. Se A empresta seu dinheiro (sua propriedade) para B, que utiliza esse
dinheiro para comprar um apartamento e não devolve a A o valor combinado,
então B roubou A. E se o apartamento comprado por B foi comprado com a
propriedade de A, então A é o dono legal desse apartamento. A tem o direito de
tomá-lo quando quiser. E é isso que a justiça brasileira não permite. Munido de
um bom advogado, B pode tranquilamente usufruir uma boa cobertura em
Ipanema utilizando a propriedade de A - tudo em nome da justiça social.
(Nos EUA existe a profissão do Repo Man, que é o sujeito contratado para reaver
os bens não pagos. Esse vídeo mostra um Repo Man em ação, recuperando um
carro cujo empréstimo não foi pago. O vídeo é de fato violento, mas é preciso ter
em mente que o carro não era legalmente da mulher, pois ela não pagou por ele.
Logo, era a mulher a ladra da história).

3) Governo. O maior devedor da economia brasileiro é o estado. Como ele não


consegue financiar todas as suas atividades meramente por meio da arrecadação
de impostos, ele precisa recorrer aos empréstimos bancários. (No primeiro
artigo explicamos o processo de lançamento de títulos pelo Tesouro). E como o
Tesouro faz isso com constância, os bancos direcionam boa parte do depósito de
seus clientes para a compra desses títulos. Logo, o dinheiro que poderia ir para o
setor produtivo na forma de crédito, acaba sendo sugado para o setor não
produtivo na forma de empréstimos que serão pagos via impostos ou via mais
empréstimos. Ou seja: o governo se endivida para pagar dívidas antigas (o que
se chama 'rolar a dívida'). Com um estado tão inchado e glutão, é realmente
difícil sobrar dinheiro para o setor produtivo da economia. O pouco que sobra é
encarecido tanto pela lei da oferta e demanda quanto pelos dois itens acima. Aí
fica difícil.

Ah, sim, o leitor mais atento provavelmente já concluiu o óbvio: se não


existissem títulos públicos, isto é, se o governo não se endividasse, não haveria
como o Banco Central fazer política monetária. Não haveria como o Banco
Central estipular juros. Não haveria como o Banco Central planejar a economia.
Os bancos comerciais teriam de concorrer entre si para fornecer empréstimos ao
setor produtivo da economia. Somente assim eles conseguiriam obter algum
lucro. Atualmente eles não precisam recorrer a essa faina inglória, pois podem
apenas aplicar em títulos públicos (100% seguros, garantidos pelo governo) e
acender o charuto. Os juros para pessoas físicas e jurídicas inevitavelmente
seriam menores. Haveria, enfim, um genuíno livre mercado.

Concluindo

No próximo texto (e eu juro ao bondoso leitor que será o último da série),


terminada a parte técnica, vamos discutir a polêmica questão do "nível da
SELIC". Ela é alta? Sempre foi? Tinha como não ser? Uma política monetária
austera realmente exige juros altos ou é possível ter juros baixos e pouca inflação
de preços? Trata-se do debate infindável entre keynesianos, monetaristas e
austríacos.

Você também pode gostar