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Concepções e processos democráticos de gestão educacional

uma perspectiva de superação efetiva das dificulda­


des cotidianas pela adoção de mecanismos e méto­
1 dos estratégicos globalizadores para a superação de
seus problemas1. Essa superação ocorre nas circuns­
Perspectivas da gestão educacional tâncias cm que se observa, por parte dos gestores
educacionais, a atuação inspiradora e mobilizadora
de energia e competência coletiva orientada para a
efetividade. Por efetividade, entende-se, pois, a rea­
No contexto da educação brasileira, tem-se de­
lização de objetivos avançados, em acordo com as
dicado muita atenção sobre a gestão do ensino que, novas necessidades de transformação sócio-econô-
como um conceito novo, supera o enfoque limitado mico-cultural e desenvolvimento criativo e aberto de
de administração, a partir do entendimento de que os competências humanas, mediante a dinamização do
problemas educacionais são complexos, em vista do
que demandam visão global e abrangente, assim co­
mo ação articulada, dinâmica e participativa. Assenta-
1. Registra-se ser comum a lógica de que o que dificulta o pro­
se, portanto, sobre a mobilização dinâmica e em equi­ cesso cnsiiio-aprendizagem c problema e não desafio, resultando
pe do elemento humano, coletivamente organizado, desse entendimento a expectativa de solução dos problemas edu­
cacionais e escolares. Lembramos, no entanto, que essa expecta­
enfocando-se em especial sua energia e competênciá tiva está associada a urna perspectiva segundo a qual os problemas
como condições básicas e fundamentais da qualida­ não deveríam existir, sendo, portanto, encarados com sentimento de
rejeição e com uma perspectiva reativa Em vista disso, conforme
de da educação e das ações realizadas nos sistemas de temos observado, as medidas assumidas para atuar em relação aos
ensino, assim como, em última instância, da transfor­ mesmos adotam uma perspectiva ígualmente reativa, em decor­
rência do que os resultados são invariavelmente limitados e inade­
mação do próprio significado da educação brasilei- 23 quados. Evidencia-se que os “problemas”. istoé, situações de ten­
24
ra, dos sistemas de ensino e de suas escolas. são, conflito e resistência a mudanças, são naturais em todo pro­
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cesso social. Eles, de fato, são desafios que, ao serem superados,


A gestão emerge para superar, dentre outros as­ constituem uma nova base de desenvolvimento, a partir da qual
pectos, carência: a) de orientação e de liderança cla­ novos desafios surgem naturalinente.Wcrifica-se que a tendência
a enfocar "problemas” é negativa, uma vez que se costuma identi­
ra e competente, exercida a partir de princípios edu­ ficar que em educação os problemas são sempre os mesmos, fican­
cacionais democráticos e participativos: b) de refe­ do cada vez mais resistentes, tal como os vírus tratados com anti­
bióticos, que se tomam cada vez mais resistentes; também porque,
rencial teórico-métodológico avançado para a orga­ mediante essa ótica, orienta-se a ação para alcançar ou realizar as­
nização e orientação do trabalho em educação; c) de pectos específicos do que faltava no passado, sem perspectiva e
orientação estratégica de futuro.
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

talento humano, sinergicamente organizado, e a or­ A gestão educacional dos sistemas de ensino e
ganização competente do trabalho e emprego criati­ de suas escolas constitui uma dimensão e um enfo­
vo de recursos os mais diversos. que de atuação na estruturação organizada e orien­
Com esse entendimento em mente, a gestão edu­ tação da ação educacional que objetiva promover a
organização, a mobilização e a articulação de todas
cacional corresponde à área de atuação responsá­
as condições estruturais, funcionais, materiais e hu­
vel por estabelecer o direcionamento e a mobilização
manas necessárias para garantir o avanço dos pro­
capazes de sustentar e dinamizar o modo de ser e de cessos SoCioeducacionais. Estes se justificam na me­
fazer dos sistemas de ensino e das escolas, para rea­ dida em que são orientados para a promoção efetiva
lizar ações conjuntas, associadas e articuladas, visan­ da aprendizagem pelos alunos, de modó a contribuir
do o objetivo comum da qualidade; do ensino e seus para que se tomem capazes de enfrentar adequada­
resultados. Sem essa orientação, todos os esforços e mente, dentre Outros aspectos, os desafios da socie­
gastos são despendidos sem muito sucesso, median­ dade complexa, globalizada e da economia, que pas­
te a atuação orientada por: a) adotarem perspecti­ sa a centrar-se cada vez mais no conhecimento para
vas burocráticas, isoladas e eventuais; b) focaliza­ o seu desenvolvimento.
rem projetos isolados, na busca de soluções tópicas e A partir da perspectiva de visão de conjunto, me­
localizadas, e sem participação, na fase de planeja­ diante uma figura de quadrantes, é possível visuali­
mento, dos envolvidos na ação para implementá-los; zar objetivamente a distribuição em eixos à medi­
da em que são realizadas ações ou atendidas deman­
c) enfatizarem a realização de atividades, sem orien­
das de áreas complementares entre si no exercício da
tação clara e empenho determinado pela realização
gestão, como é o caso da estrutura e do funcionamen­
de objetivos e promoção de resultados significativos. to (eixo horizontal) e das condições materiais e das hu-
No entanto, estes aspectos, dentre outros, têm <>cor- 2g manas (eixo vertical) no trabalho da gestão educa­
rido na educação brasileira, evidenciando-se a íal------- cional. Na medida em que estas são efetivadas com
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ta de reconhecimento de que a realidade é dinâmica frequência ou intensidade aproximada, entre os di­


e que os desafios e dificuldades experimentados no ferentes eixos, verifica-se o equilíbrio das ações ei
processo educacional são globais e abrangentes, de- uma visão de conjunto, isto é, uma verdadeira práti- i
mandando ação compreensiva, perspicaz c criativa, £ ca de gestão. Porém, na medida em que ocorre maior
pelo empenho de pessoas organizadas em torno de £ ênfase sobre uma condição e desatenção em rela-t
um projeto conjunto. = ção a outra, verifica-se a tendência adotada pelo en­
foque administrativo que prioriza uns aspectos so­
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

bre outros, e em vista do que ocorre o desequilíbrio A gestão educacional constitui, portanto, uma áreãi
das ações e, portanto, a falta de efetividade na obten­ importantíssima da educação, uma vez que, por meiolp-
ção de resultados. dela, se observa a escola e se interfere sobre as quesa
Conforme se pode observar na Figura 01, pon- tões educacionais globalmente, mediante visão de coii^
tuando-se a atenção da condição em um eixo e esta­ junto, c se busca abranger, pela orientação com vi|
belecendo-se uma linha de ligação com o ponto de rea­ são estratégica e ações interligadas, tal como em rede
lização das demais condições, nos seus respectivos pontos de atenção que, de fato, funcionam e se maii;
eixos, pode-se observar a tendência ao desequilíbrio têm interconectados entre si, sistematicamente, re
de atenção, em um caso hipotético, em que o atendi­ forçando-se reciprocamente.
mento às questões materiais ganhou nível de aten­
ção 8, enquanto que se registrou atenção de nível 6 Tendo como pano de fundo as novas demanda:
para as questões estruturais, nível 4 para as de fun­ que a escola enfrenta, e às quais a ela compete res
cionamento e nível 3 para as humanas. ponder, são analisadas questões fundamentais e o|
novos desafios afetos à gestão educacional. Muitos
Figura 01 — Eixos de realização das áreas do trabalho de desses desafios já se acham assimilados conceituais
gestão escolar mente, ou pelo menos genericamente, pela comunií
Condiçoes dade educacional, por se constituírem em aspiração
humanas
da sociedade, já absorvida na proposição da Lei dq
10 Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394/9(1 A
I 9
1 8
I 7 como é o caso da democratização da educação e sei
6
5
desdobramentos. No entanto, sua prática em nossl
4
contexto é ainda um livro aberto a aprendizagens
2
| Estrutura ;( tfXagfel jfK 27 28 básicas que demandam muita observação, reflexão,^
, , 3
10 98765.. „ _
2 1, 1 2 3456789 10
estudo, mesmo porque, tendo em vista a complexil
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dade dos processos sociais, estes são afeitos à atril


6 buiçãó de múltiplos significados, muitas vezes difil
8
9
ceis de captar e interpretar.
10 Considerando que a orientação desse processo dá
Condiçoes
materiais
pende da ótica assumida e que o orienta, são aprçg
sentados inicialmente novos desdobramentos sobrS
1
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

a questão da mudança paradigmática da gestão edu­ vemos a realidade e de como dela participamos. No
cacional, de modo a estabelecer diretamente o contex­ geral, em toda a sociedade, observa-se o desenvolvia
to das questões da descentralização do ensino, da ges­ mento da consciência de que q autoritarismo, a cení
tão democrática e da autonomia na gestão escolar, que tralização, o conservadorismo, a fragmentação e a ótfr
são objeto deste livro. Delineia-se, dessa forma, o pano ca do dividir para conquistar, do perde-gariha ess
de fundo dessas questões, que são aqui tratadas como tão ultrapassados por conduzirem ao desperdício, ap
expressões da participação plena2 por aqueles que fa­ imobilismo; ao ativismo inconsequente, à divisão de
zem parte do movimento educacional. poder, que o destrói, e ao fracasso em médio e lon=
De modo a estabelecer esse contexto, questões go prazos quando se pensa em promover mudanças
atuais da gestão educacional são objeto de análise, evolutivas e ganhos de desenvolvimento; sobretudo^
como, por exemplo, o desenvolvimento de um corpo por essa orientação corresponder a uma fragmenta^
teórico sobre essa gestão, a mudança de consciência ção do ser humano e sua alienação em relação à exí
social sobre a escola, a escola como organização so­ periência vital e a uma distorção dos rumos estrutuj
cial, a visão estratégica sobre a escola, o reconheci­ rais de sua formação. 1
mento da importância da gestão educacional. Emerge, portanto, dessa conscientização, um nos
vo paradigma3, que procura superar tais limitações,,
No equilíbrio da atenção entre diferentes dimensões que na busca de uma atuação mais efetiva.
se manifestam em uma realidade educacional reside o en­
Essa mudança de paradigma é marcada por uma
foque da gestão efetiva.
forte tendência à adoção de práticas interativas, parj
ticipativas e democráticas, caracterizadas por movi­
1.1. A dinâmica de mudança e suas implicações
quanto à gestão 29 O mentos dinâmicos e globais pelos quais dirigentes;
funcionários e clientes ou usuários estabelecem alian­
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Já é lugar comum a afirmação de que vivemos


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ças, redes e parcerias, na busca de superação de pro.|
uma época de mudança. Porém, a mudança mais sig­ blemas enfrentados e alargamento de horizontes e
nificativa que podemos registrar é a do modo como novos estágios de desenvolvimento. Tais movimen­

2.0 V'ol. III desta série, sob o título A gestão participativa na es­ 3. A esse respeito, veja-se o Vol. I desta série, sob o título Ges?
cola, explicita mais amplamente a questão. tão educacional: uma questão paradigmática, que examina essa
questão. *4
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

tos partem do pressuposto de que qualquer difi­ rém, ela se consolida gradualmente e oferece grande 1
culdade específica é, em si, global por afetar e di­ impacto sobre o que acontece na escola. Aliás, obser-1
zer respeito, direta ou indiretamente, a todas as pes­ va-se o interesse de grupos e organizações em cola-1
soas, e por estar interligada a todos os aspectos de borar com a escola, constituindo-se essa colaboração
uma realidade. um campo fértil para a realização de parcerias e um ■
Em meio a esse processo de mudança, não ape­ grande desafio para os gestores escolares atuarem dei
nas a escola desenvolve a consciência sobre a neces­ forma colaborai iva com a comunidade.
sidade de orientar o seu processo interno de mudan­ São, portanto, demandadas mudanças urgentes]
ça, de modo a acompanhar as novas condições exter­ na escola, a fim de que esta garanta a formação com-1
nas, como a própria sociedade cobra que o faça. As­ petente de seus alunos, de modo que sejam capazes ]
sim é que a escola encontra-se, hoje, no centro de aten­ de enfrentar criativamente, com empreendedorismo 1
ções da sociedade. Isto porque se reconhece que a e espírito crítico, os desafios cada vez mais comple-1
educação, na sociedade globalizada e economia cen­ xos e instigantes da sociedade. Considerando essas 1
trada no conhecimento, é dotada de grande valor questões, não basta à escola ensinar o aluno a prepa- 1
estratégico para o desenvolvimento de qualquer so­ rar-se para níveis mais elevados de escolaridade, de 1
ciedade e da qualidade de vida de seus cidadãos. So­ modo que o ensino volte-se para demandas internas41
bretudo, no entanto, é importante reconhecer que a da escola. O que a escola precisa fazer, em todas as 1
educação é condição necessária para a formação de experiências que realiza, é promover o desenvolví- ;
indivíduos, sem a qual estes não se alçam a níveis mento de competências significativas do aluno, tendo j
mais elevados de desenvolvimento humano, como pes­ como foco as necessidades evolutivas que o mesmo ;i
soas e cidadãos.
Destaca-se que essas atenções não estão sendo 32 ---------------------------
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realizadas de maneira plena e ainda estão, muitas ve­ 4. Infelizmente, observa-se que esta tem sido uma realidade na prá- i
ticadeensino-aprendizagem e organização curricular e do projeto 1
zes, orientadas por um velho e já enfraquecido para­ pedagógico de escolas, que se têm orientado muito mais para a coe- j
digma orientador da cobrança a governos, em vez de rência lógica interna do conhecimento construído, do que para o 1
estabelecimento da coerência desse conhccimento«curn a realida- j
participação ativa para promoção da educação, junto de. que estaria supostamente representando, lêssa representação ]
com os governos, a partir do princípio de que edu­ c a capacidade de as experiências educacionais levarem os alunos í
a conhecerem a realidade e a si mesmos na realidade, constitui-se J
cação não é apenas responsabilidade de governo, mas em objetivo do processo ensino-aprendizageni. juntamente com o j
de todas as instituições e membros da sociedade. Po- desenvolvimento de seu potencial pessoal.

í
|
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacionai

enfrenta e enfrentará, em cada estágio de sua vida, Todo esse movimento, no sentido de rever a cor
que, em última instância, demandam que ele apren­ cepção de educação, de escola e da relação escola-sc
da a compreender a vida, a sociedade e a si mesmo ciedade, tem demandado dos estabelecimentos d
inserido nesse contexto e dele participante como in­ ensino um esforço especial de gestão, de organizaçã
fluente e influído. A cada estágio de desenvolvimen­ dos processos soçioeducaeionais e de articulação d
to, novas necessidades e possibilidades de expres­ seu talento e energia humana, de recursos e proces
são e compreensão emergem, formando ciclos con­ sos, corn vistas à promoção de experiências de foi
tínuos e cada vez mais aprofundados de aprendi­ mação de seus alunos, capazes de transformá-los efe
zagem e desenvolvimento. Por conseguinte, a edu­ cidadãos participativos na sociedade. J
cação, no contexto escolar, se complexifica e exige or­
ganização da ação educacional e esforços cada vez 1.2. Superação de modelo estático e segmentado
mais redobrados e renovados, como um processo de de escola e de sua direção
vida e de trabalho, vinculados ao mundo real, para Até bem pouco tempo, o modelo de direção dl
o que é fundamental a participação da comunida­ escola que se observava como predominante era ceó
de tanto interna quanto externa do estabelecimen­ tralizado na figura do diretor, que agira como tuté
to de ensino. lado aos órgãos centrais, competindo-lhe zelar pelí
Por outro lado, a própria sociedade, embora mui­ cumprimento de normas, determinações e regulamen
tas vezes não demonstre ter bem claro qual o tipo de tos deles emanados. Dessa forma, atuava sem voz pró
educação de que seus jovens necessitam, tendo em pria para determinar os destinos da escola e, portam
vista a diversidade de pontos de vista expressa por to, desresponsabilizado dos resultados de suas ações
seus diversos segmentos, vem gradualmente exigin­ Seu papel nesse contexto era, por assim dizer, o dc
do maior competência da escola e que esta demons- 33 34 gerente de operações ditadas, a partir dos níveis e
tre ao público essa competência, com bons resulta­ gãos.centrais, mediante “programas detalhados e uni­
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dos de aprendizagem pelos seus alunos e bom uso formes para a realização generalizada em todas ai
de seus recursos. Por outro lado, também tem demons­ escolas” (SILVA, 2001: 110). *
trado tendência a contribuir para a realização des­ Essa situação, é importante destacar, cria mm
se processo, mediante trabalho voluntário e realiza­ perspectiva estática, burocratizada e hierarquiza^
ção de parcerias. da do sistema de ensino e das escolas, por orientar-sé
pelo estabelecimento de uniformidade do sistema de
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

ensino — em vez de pela sua unidade — reforçando pa­ ciação a este entendimento, estabelece-se uma con­
drões não de resultados e sim de formas de desem­ cepção, segundo a qual direitos são separados de de
penho que desconsideram a necessidade de criativi­ veres, e governo é separado da sociedade, daí por qul
dade, iniciativa e discernimento em relação a dinâ­ o governo seria responsável pela escola e pelos será
micas interpessoais e sociais, envolvidos na reali­ processos, sendo a sociedade constituída de usuários
zação do processo educacional. Nesse contexto, o tra­ a quem cabe receber os benefícios oferecidos.
balho do diretor escolar constituía-se, sobretudo, em Diante dessa compreensão, que corresponde a<
repassar informações, assim como controlar, super­ paradigma positivista, adotou-se uma íundament^
visionar, “dirigir” o fazer escolar, em acordo com as ção teórica de caráter normativo, determinado por po-
normas estabelecidas pelo sistema de ensino5. Bom larizaçoes, como por exemplo, entre certo-errado, per-
diretor era o que cumpria essas obrigações plena e feitó-imperfeito, função-disfímção, p roduto-proccssd
zelosamente, de modo a garantir que a escola não fu­ ensino-aprendizagem. Adotou-se o método de admi­
gisse ao estabelecido em âmbito central ou em nível nistração científica, orientado exclusivamente pelõl
hierárquico superior. princípios da racionalidade limitada; da inearida
Essa situação explicar-se-ia pelo entendimen­ de; da influência estabelecida de fora para dentro-
to limitado de que a escola é do governo, visto como do emprego mecanicista de pessoas e recursos para
uma entidade superior e externa à sociedade. Esse realizar objetivos organizacionais de sentido limia
entendimento, é possível conjeturar, pode estar as­ tado, dentre outros aspectos. Com esse enfoque, adã
sociado à leitura ao pé da letra da determinação cons­ ministrar correspondería a comandar e controlar, mc^
titucional de que educação é dever do Estado, inter­ diante uma visão objetiva de quem atua sobre a uni=
pretando-se de forma inadequada essa determina­ dade e nela intervém de maneira distanciada, até mesí
36 mo para manter essa objetividade e a própria autos
ção legal, no sentido de que caberia à sociedade ape- 3 5
ridade funcional. E, para manter essa objetividade^
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nas o direito de educação e não a responsabilida­
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tudo seria considerado pela ótica utilitarista como rei


de conjunta de zelar por ela e promovê-la. Em asso­
cursos, inclusive pessoas. A expressão ‘recursos liuj
manos” traduz claramente essa concepção utilitaris-j
5.0 mesmo entendimento também ocorria em relação a estabele­ ta, que destitui das pessoas o seu valor, oculta a suá
cimentos particulares de ensino, cujas mantenedoras fazem as ve­
zes dos órgãos centrais de sistemas e, tendo em vista sua maior
personalidade e a desvincula das suas ações e res-í
proximidade com a escola, exerciam de maneira mais direta e efi­ pectivos resultados, eliminando, em suma, a humaã
caz esse controle.
Heloísa Lück
Concepções e processos democráticos de gestão educacional

nidade das pessoas e de processos sociais, gerando, xo, a partir de normas, regulamentos e planos limita­
dessa forma, um acentuado espírito de alienação. dos e funcionais. Também segundo esse enfoque, os ;
Mediante a adoção de tais pressupostos, resul­ problemas recorrentes seriam sobretudo encarados :
tou a hierarquização e verticalização na condução dos como carência de insumos, sobretudo os financeiros -i
sistemas de ensino e das escolas, a desconsideração e os de pessoas, em desconsideração à falta de orien- '
aos processos sociais neles vigentes, a burocratiza- tação de seu processo.e dinamização da energia social ;
ção dos processos, a fragmentação de ações e sua in­ necessária para promovê-lo.
dividualização e, como consequência, a desrespon- Cabe destacar que os sistemas de ensino como j
sabilização de pessoas em qualquer nível de ação, pe­ um todo, e os estabelecimentos de ensino, como uni- •
los resultados finais de seu trabalho. A esses pressu­ dades sociais, são organismos vivos e dinâmicos e co- 3
postos e suas implicações está associada a adminis­ mo tal devem ser entendidos. Ao serem vistos como ■:
tração por comando e controle, centrada na autorida­ organizações vivas, caracterizadas por uma rede de j
de funcional, em detrimento da formação de espa­ relações entre todos os elementos que nelas interfe- :
ços de participação coletiva e atuação criativa de su­ rem, direta ou indiretamente, a sua direção deman- 1
jeitos responsáveis por suas ações. da um novo enfoque de organização. |
Verifica-se que a realidade em geral e os ambien­ E é a esta necessidade que a gestão procura res- 1
tes educacionais, por sua dinâmica vital, são consti­ ponder. Ela abrange, portanto, a dinâmica das inte- ]
tuídos por processos interativos, caracterizados pela rações, em decorrência do que o trabalho como prá- |
diversificação e pluralidade de interesses e objeti­ tica social passa a ser o enfoque orientador da ação I
vos, num contínuo embate entre diferentes dimen­ do dirigente, executada nas organizações de ensino de ;
forma compartilhada e em equipe. O mesmo se orien- <
sões easpectos. Essas condições criam nas organiza­ 37
ta por uma "perspectiva mais humana, integrada e J
ções sociais e processos interpessoais nelas ocorren-
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coletiva, que desvela [dentre outros aspectos] as tra- 1


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tcs complexidades tais que não se pode conceber se­


mas, as correlações de força, ostinteresses, as espe- 1
jam elas geridas pelo enfoque limitado da adminis­
cificidades” que particularizam uma escola, cuja com- j
tração científica, pelo qual tanto a organização como
preensão e respectiva atuação sobre esses aspectos |
as pessoas atuando em seu interior são consideradas
permite a realização de “gestão mais coletiva, trans- 1
como componentes de uma máquina a ser manejada
parente e democrática da instituição” (CRUZ et al. ]
e controlada de fora para dentro e de cima para bai­ 2005: 70-71).
Heloísa Lück W* ■•■^■^ÔNCEPÇÔES e processos democráticos de gestão educacional;

1.3. A descentralização do ensino, a democratização Em consequência, muito embora as concepçõe'^


da escola e a construção da autonomia da de descentralização do ensino, democratização da e^
gestão escolar cola e autonomia de sua gestão sejam parte de um mesj
Um paradigma corresponde a uma visão de mun­ mo corolário, encontramos certos sistemas de ensb
do que permeia todas as dimensões da ação humana, no que buscam o desenvolvimento da democratb
não se circunscrevendo a esta ou àquela área, a este zação da escola, sem pensar na autonomia da sua ges­
ou àquele nível ou âmbito de operação. Porém, como tão e sém descentralizar poder de decisão para a mes­
um paradigma é fruto de uma consciência social e co­ ma; ou que pensam em construir a autonomia da es­
letiva de um tempo, e esta não se dá de modo homo­ cola, sem agir no sentido de criar mecanismos sóli­
gêneo, sobretudo em sua fase de gestação, é possível dos para sua democratização e desenvolvimento dà
identificar certa diversidade de orientações e expres­ consciência de responsabilidade social e competên­
sões que manifestam graus de intensidade diferente cia para exercê-la, em vista do que se cria o entendi­
em relação à orientação em tomo de um paradigma. mento inadequado da autonomia e sua prática. Por
Isso porque o grau de maturidade de diferentes gru­
outro lado, ainda, observa-se o esforço realizado em
pos e segmentos sociais varia segundo o conjunto
de suas experiências e sua consciência sobre as mes­ alguns sistemas de ensino, no sentido de desenvol­
mas e o seu papel em relação a elas. Em decorrência, ver nas escolas os conceitos de democratização e au­
podemos afirmar que vivemos em uma condição de tonomia, a partir de métodos e estratégias centrais
transição dialética entre um paradigma e outro, de qüé zadores, o que implica uma contradição paradigmá­
resultam tensões c contradições próprias do proces­ tica muito comum, que faz com que os esforços se
so a serem encaradas como naturais. Nessa transição, anulem (LUCK, 1987). Porém, na medida em que se­
idealizamos perspectivas diferentes, mais abertas, orien­ jam essas situações examinadas, a partir de sua me-
tadas pelo novo paradigma e, no entanto, vemos a fal­ 40 Ihor compreensão, é possível fazer avançar as prá­
ta de correspondência entre as ideias e a realidade, 39 Série Cadernos
ticas, o entendimento sobre elas e o nível de cons­
que será superada apenas e na medida do esforço de
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ciência das pessoas envolvidas,tque, por sua vivên­


orientação para a sua implementação6.
cia, tómam-se sujeitos de sua atuação, evoluindo, ao
mesmo tempo em que promovem evolução das or-
6. Apesar dos aspectos de tensão c de conflito dessa condição, « ganizações sociais de que participam.
O
pode-se afirmar que, ao vivê-la, ternos a oportunidade dc viven- </,
ciar condições riquíssimas de desenvolvimento, pois conforme in­ 03*
dicado por Ubaldi 19Sfi: 30) "só (piem se colocou no meio de dois
extremos pode vê-los e avaliá-los ambos ao mesmo tempo .
Heloísa Lück pllÍ^^,(jErçÕES É PROCESSOS DEMOCRÁTICOS DE GESTÃO EDUCACIONAL ;

Daí por que a importância de se delinear as ideias previsto, atendido e acompanhado em âmbito ex-|
básicas dos múltiplos aspectos da gestão, que devem terno e central; c) os ideais democráticos que de-d
ser entendidos de forma associada, uma vez que a vem orientar a educação; a fim de que contribua pa- 1
realização de uns, necessariamente remete à de ou­ ra a correspondente formação de seus alunos, ne- j
tros, estabelecendo um processo de desenvolvimen­ cessitam de ambiente democrático e participativo; j
to em rede. d) a aproximação entre tomada de decisão e ação 1
não apenas garante a maior adequação das decisões i
e efetividade das ações correspondentes, como tam- i
A gestão democrática ocorre na medida em que as práticas bém é condição para a formação de sujeitos de seu :
escolares sejam orientadas por filosofia, valores, princípios destino é a maturidade social.
e ideias consistentes, presentes na mente e no coração das
pessoas, determinando o seu modo de ser e de fazer.
Portanto, há três ordens de entendimento napro- |
posição de descentralização: a) uma de natureza ope- !
racional, que aponta para uma solução para os gran- j
1.3.1. 0 processo de descentralização des sistemas de ensino, que falham por não pode- ■
do ensino rem diretamente gerir as condições operacionais do
ensino; b) outra de caráter social, que reconhece a i
O movimento de descentralização em educa­
importância da dinâmica social da escola, com uma
ção é internacional e emerge com características de
cultura própria e, portanto, demandando decisões lo­
reforma nos países cujo governo foi caracterizado
cais e imediatas ao seu processo, a fim de promover
pela centralização, sobretudo aqueles que tiveram
o melhor encaminhamento do processo educacio­
regimes autoritários de governo. Esse movimento está nal; c) mais outra ainda, de caráter político, que en­
relacionado a vários entendimentos: a) de que as es- 41 tende o processo educacional como formativo, de­
colas apresentam características diferentes, em vis­
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mandando para a formação democrática a criação


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ta do que qualquer previsão de recursos decidida de ambiente democrático.


centralmente deixa de atender às necessidades es­
Há sistemas de ensino, como o americano, que emer­
pecíficas da forma e no tempo em que são deman­ giram, desenvolveram-se e são mantidos de forma
dadas; b) de que a escola c uma organização social descentralizada, a partir dos esforços e recursos lo-
c que o processo educacional que promove é alta­
mente dinâmico, não podendo ser adequadamente
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

cais7 e grande participação das famílias. Dessa for­ nentes fortes de criação de um senso de responsa­
ma, existe um entendimento claro e explícito de que bilidade das mesmas pelas escolas como centros im­
são as comunidades locais que mantêm a educação e portantes e significativos de formação dessas crian­
suas escolas e se sentem por elas responsáveis. Des­ ças e jovens. Essa consciência, é válido destacar, não
sa forma, “...cada vila ou cidade constitui um siste­ se associa ao entendimento distorcido pelo enfoque
ma escolar inteiramente autônomo. O Estado ape­ unilateral, de desresponsabilização por governos so­
nas dá algumas diretrizes de caráter extremamente bre a realização da educação, mas sim corresponde a
geral e compensações financeiras para as cidades e uma maior consciência de todos sobre essa respon­
vilas pobres, enquanto o governo federal apenas pro­ sabilidade complexa da sociedade toda. Este enten­
move programas, mobiliza debates e corrige graves dimento traduz-se no mote sábio identificado em
desequilíbrios” (CUNHA, 1995: 60). comunidades não desenvolvidas, mas extremamen­
Verifica-se, em contextos descentralizados, a cons­ te amadurecidas socialmente: “é necessário toda uma
ciência das comunidades sobre a importância da edu­ aldeia para educar uma criança”.
cação para a formação de suas crianças e jovens, e
Diagnósticos realizados sobre a educação brasi­
que a geração de recursos locais para a manutenção
de escolas e seu sistema constituem-se em compo­ leira revelam que nela ocorrem problemas crôni­
cos, de longa data, e são mantidos, apesar de esforços
para minimizá-los, uma vez que são mantidas as ten­
7. Nos Estados L indos, as escolas são mantidas com recursos de dências de decisão centralizadora. Esses problemas,
três origens, cuja distribuição traduz o seu caráter descentraliza­
do: cerca de 42,S' < de recursos despendidos nas escolas são locais, conforme apontado por Costa (1997: 16), são:
a partir de impostos de propriedade; 49,2% dos recursos provêm • Um alto grau de ineficiência e ineficácia tradu­
de âmbito estadual, que exerce o papel de promover equidade en­ 43
tre as escolas distritais, e 8% dos recursos são federais despendi­ zido por índices de repetência e evasão, ou seja, de
Série Cadernos de Gestão

dos a partir do financiamento a programas para atendimento a pro­ •4 exclusão.


blemas específicos. porém de caráter nacional - fmanciam-.se proje­
• A superposição de competências, o burocratismo,
Sérip Cadprnn< de Rpç+ãn

tos relacionados aos problemas focalizados, desenvolvidos por ini­


ciativa das escolas. E importante destacar que nos Estados l nidos o corporativismo e o clientelismo.
as escolas surgem como resultado da mobilização de comunidades,
que, cm associação com a consciência de qnc os recursos da edu­ • A homogeneização das políticas que tendem a
cação são próprios e não de uma entidade abstrata e externa 'o go­ ignorar as desigualdades.
verno), a perspectiva de atendimento das necessidades educacio­
nais, seu acompanhamento e contínua melhoria correspondem a • O inadequado gerenciamento na aplicação de re­
um processo descentralizado.
cursos, que privilegia instâncias intermediárias em
.detrimento da ponta do sistema.
Concepções e processos democráticos de gestão educacional
Heloísa Lück

bretudo a partir de sua postura e perspectiva com


• O distanciamento entre os que formulam políti­
cas, os que as executam e a clientela. que realizam o seu trabalho. Em face, pois, desses en­
tendimentos, os esforços centralizados e distantes da
• A inexistência de mecanismos de controle e ava­
liação que informem sobre o desenvolvimento de escola, sem envolvê-la em processos de decisão a res­
programas. peito de sua atuação, estariam fadados ao fracasso,
• A descontinuidade que caracteriza a implemen­ como de fato tem-se verificado. A descentralização é,
tação de programas, principalmente quando ino­ portanto, considerada tendo como pano de fundo tan­
vadores. to, e fundamentalmente, a perspectiva de democra­
• A diminuição dos recursos investidos no ensino tização da sociedade, como também a melhor gestão
em geral e no ensino fundamental em particular. de processos sociais e recursos, visando a obtenção de
• A multiplicação de cursos de formação de do­ melhores resultados educacionais.
centes em nível médio e/ou superior, sem controle
de qualidade.
A relação entre centralização e desconcentração
• A inexistência de uma política salarial que garan­
ta condições dignas de exercício profissional e seja Profissionais da educação identificaram8 que, a
capaz de tornar a profissão atraente. fim de que a democratização da escola fosse plena,
Diante desses aspectos, portanto, entende-se que seria necessário ocorrer uma verdadeira democra­
a situação demanda um grande movimento para sua tização do sistema de ensino como um todo, envol­
reversão como condição para a superação das condi­ vendo os níveis superiores de gestão. Em acordo com
ções da baixa qualidade e efetividade do ensino entre esse entendimento, estes deveríam, também, sofrer
nós. No centro desse movimento, verifica-se ainda, da­ o processo de gestão democrática, mediante a parti­
da a natureza das problemáticas identificadas, que ape- 45 cipação da comunidade em geral e de representan­
46
nas com uma efetiva participação, envolvimento e com­ tes das escolas, na tomada de decisões a respeito:
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prometimento local é possível promover a efetivi­ a) das políticas educacionais que delineiam, b) dos
dade do ensino, tendo em vista não apenas a distân­ programas que propõem para realizá-las e c) das nor­
cia dos governos federal e estadual, e até mesmo dos
sistemas municipais de ensino, em relação à escola,
mas sobretudo porque são as pessoas com atuação di­ 8. Coordenadores estaduais da Renageste/Consed - Rede Nacio­
nal de Referência em Gestão Educacional, do Conselho Nacional
reta ou indireta nas ações que fazem a diferença e so­ de Secretários de Educação, reunidos em Brasília, em setembro
de 1997.
Concepções e processos democráticos de gestão educacional
Heloísa Lück

acompanhados de medidas fortemente centralizado­


mas e regulamentos que definem para sua operacio-
ras, garantidoras da manutenção de uma postura de
nalização. Somente mediante uma tal prática é que
controle e cobrança. Mediante tais práticas, são des­
seria possível realizar a verdadeira descentralização
centralizadas condições para a autonomia da escola,
preconizada. Essa prática correspondería a uma real
sem o devido entendimento e aceitação das implica­
e importante descentralização do processo decisó-
ções relacionadas às práticas correspondentes, vindo
rio, que seria plena, na medida em que houvesse, jun­
dessa maneira a distanciar-se de critérios de autode­
tamente com a descentralização dos recursos neces­
sários à realização de objetivos e estratégias acorda­ terminação. Dessa forma, descentralizam, centralizando,
dos e definidos, a suspensão de práticas comuns de isto é, dando algo com .uma mão, ao mesmo tempo em
se propor, em âmbito de sistema de ensino, projetos que tirando outra coisa com outra.
pedagógicos a serem implementados pelas escolas9, Pode-se concluir que o princípio que adotam
em vez de políticas educacionais. Em última instân­ não seria o da democratização, mas, talvez, o de maior
cia, que houvesse uma mudança de postura e orien­ racionalidade no emprego de recursos e o de maior ra­
tação, mediante a adoção de um relacionamento su- pidez na solução dos problemas. Consistiría esse pro­
perador da verticalização e unilateralidade na defi­ cedimento em um mecanismo de administração, se­
nição dos rumos da educação. gundo um paradigma não participativo e não de ges­
No entanto, observa-se ser comum a adoção por tão, que pressupõe a participação e construção con­
sistemas de ensino, de políticas de descentralização, junta. Esse movimento é denominado de desconcen-
sem o entendimento das implicações quanto à bidire- tração (e.g. ALVAREZ, 1995; COSTA, 1997) que cor­
cionalidade e participação entre o nível de gestão ma­ responde aos esforços promovidos pelo Estado para
cro (sistema) e o micro (escola), em vista do que se ado­ conferir competências que lhe são próprias para re-
tam esforços de descentralização, apenas nominais, 47 48 giões ou municípios, de modo que estes sejam ca­
pazes de administrar as escolas sob sua dependên­
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cia. Esse movimento é em geral praticado como uma


9. Somos de parecer de que tal fato ocorre por múltiplas razões in-
reforma educacional, vindo, dessa forma, a consti­
ter-relacionadas entre si. Porém, tendo em vista o papel dos ges­ tuir um “modelo de gestão decretado” (BARROSO
tores na determinação dos rumos educacionais, destacamos que
os fatos são favorecidos, em grande parte, quando falta aos gesto­
et al. 1995), em vista do que assume um caráter jurí­
res de sistema a formação abrangente e estratégica necessária para dico e normativo, guardando, portanto, uma possi­
a atuação em âmbito macro, que demanda, dentre outros aspec­ bilidade de significado centralizador.
tos, visão sistêmica, de conjunto e de futuro. v
Concepções e processos democráticos de gestão educacional
Heloísa Lück

Por certas características de descontinuidade e De qualquer modo, como em qualquer outro mo­
inconsistências, parece estar ocorrendo no Brasil, em vimento social, a descentralização é um processo su­
geral, um movimento que nem correspondería à des­ jeito a contradições. Portanto, as contradições re­
centralização propriamente dita, que pressuporia o gistradas na educação brasileira não invalidam a im­
empoderamento local, de forma organizada e articu­ portância da questão e do movimento, uma vez que
lada com os sistemas de ensino, e nem à desconcen- apenas evidenciam um aspecto natural do proces­
tração. Por exemplo, a esse respeito, é interessante so, que demanda maior atenção, habilidade e deter­
apontar que em 2004 o MEC lançou e promoveu no minação para promovê-lo. E necessário perspicá­
Brasil um programa para fortalecimento específico cia e discernimento, a fim de se reconhecer expres­
de Conselhos Escolares, uma das estratégias de pro­ sões diversas e em níveis variados de manifestação.
moção da gestão colegiada (em vez de promover o A desconcentração se constitui em uma dessas ma­
fortalecimento de uma política de promoção de ges­ nifestações, no conjunto do movimento pela des­
tão democrática na escola, pela organização de me­ centralização. Conforme amplamente indicado na
canismos de gestão colegiada), desconsiderando as ex­ literatura (BULLOCK & THOMAS, 1997; MAR­
periências locais de desenvolvimento de práticas TINS, 2002) sobre a descentralização, esta se proces­
de participação na gestão da escola, com outras for­ sa simultaneamente com um processo de descon­
mas, como, por exemplo, Associação de Pais e Mes­ centração, isto é, enquanto se descentralizam cer­
tres; Associação de Pais, Alunos e Mestres; Associa­ tos aspectos, centralizam-se outros.
ção de Apoio à Escola; Associação Escola-Comuni-
A desconcentração, apesar de constituir um avan­
dade; Cooperativa Escolar; Conselho Deliberativo
Escolar, dentre outros. Portanto, ainda que bem-in­ ço, no sentido político e operacional da gestão, apre­
tencionadas, tais ações centrais, de certa forma cen- 49 senta limitações, dentre as quais se destaca o fato de
50
tralizam o que já se encontrava em processo de des­ -que “não provoca o compartilhamento de poder e
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nem assunção local de responsabilidades” (MARTINS,


o e em desenvolvimento de forma auten-
centralização
ticamente autônoma, mediante iniciativas locais. Isso 2002: 128). Algumas vezes são descentralizados es­
porque disseminam um único mecanismo para uni­ paços para a tomada de decisão pelas escolas, cuja
ficação de esforços e energias locais, que se desenvol­ cultura não está orientada e nem preparada para fazê-lo
viam de maneira diversificada, porém com unidade adequadamente. Em vista disso, gera-se de forma de-
conceituai e metodológica. , sassistida na escola uma desestabilização que, por sua
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

vez, promove junto ao nível de gestão do sistema a mitirá o acompanhamento individualizado de cada
criação de mecanismos de controle de resultados so­ estudante, em qualquer parte do país. As informa­
bre a escola, evidenciando a manutenção da concep­ ções serão registradas no Programa Gerador de Ca­
ção e viés centralizadores. Criam-se, por exemplo, me­ dastro (PGC) e transmitidas para o banco de dados
canismos centrais de monitoramento e avaliação da do Inep/MEC” (folder do MEC). O foco do progra­
escola e suas ações, como controle sobre a escola e ma assenta-se na centralização de dados no Inep, a
seus resultados, sem preocupar-se com a criação, a partir de mecanismos eletrônicos, tal como numa fá­
partir da escola, da cultura de monitoramento e ava­ brica, passando por alto sobre as práticas educacio­
liação locais, como estratégias importantes de ges­ nais e motivacionais da frequência escolar, estabe­
tão, em todos os níveis de ação. Isto é, os gestores lecendo a questão como um mecanismo meramente
em nível macro realizam apropriação de informações administrativo e desconsiderando a sua dimensão pe­
da escola, sem envolvê-la no trato das mesmas. dagógica e educacional, cuja gestão seria melhor pro­
Este é o caso, por exemplo, do Programa Siste­ movida localmente.
ma Nacional de Acompanhamento da Frequência Esco­ A Figura 02, a seguir apresentada, divulgada pela
lar - Safe, lançado pelo MEC em 2005, pelo qual se Diretoria de Estatística da Educação Básica, do Inep,
objetiva estabelecer o controle da frequência de cada ilustra a intenção de centralização, estabelecendo
aluno à escola, por via eletrônica, com controle dire­ a relação direta da escola com o Inep, para a coleta
to pelo Inep, sem passar pelos sistemas municipais de dados sobre a frequência escolar, envolvendo ou­
e estaduais de ensino, desconsiderando as questões tras organizações apenas nos casos em que as esco- ■
culturais e pedagógicas do controle de frequência, o las não tenham disponíveis recursos de comunica­
desenvolvimento de consciência local sobre o valor ção eletrônica. Observe-se na figura a desconside­
51 52
da frequência à escola e da autorresponsabilidade, ração em relação às secretarias estaduais e munici­
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condição importantíssima para o desenvolvimento so­ pais de educação como mantenedoras e, portanto, di­
cial. Segundo o programa, “todos os alunos da edu­ retamente responsáveis pela gestão da escola e pela
cação básica, incluindo as redes estaduais, munici­ qualidade do ensino.
pais e particulares, serão cadastrados, num total apro­
ximado de 55 milhões de alunos. Cada aluno recebe­
rá um Número de Identificação Social (NIS). Isso per­
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

Figura 02 - Programa Sistema Nacional de portância da descentralização e construção da auto­


Acompanhamento da Frequência Escolar - Safe (Inep/MEC) nomia da gestão escolar. Em vista disso, só se pode pen­
sá-la em termos graduais e processuais, mediante con­
quistas sucessivas. Cabe aqui aplicar o princípio da par­
ticipação proposto por Pedro Demo (2001), no senti­
do de que participação é conquista.
Desse modo, “a descentralização educacional
não é um processo homogêneo e praticado com uma
única direção. Ela responde à lógica da organização
federativa” (PARENTE & LÜCK, 1999: 4) que, no
entanto, não se encontra claramente entendida em
nosso país, no qual o governo federal absorve e cen­
traliza a maior proporção dos impostos pagos pelos
cidadãos, devolvendo-os depois, de forma paternalis­
ta e dilapidada por práticas centrais governistas (em
A descentralização do ensino é, por certo, um pro­ vez de estadistas), insensíveis às necessidades regio­
cesso extremamente complexo e, quando se conside­ nais e locais e até mesmo às necessidades de desen­
ra o caso do Brasil, a questão se torna mais comple­ volvimento do país.
xa ainda, por tratar-se de um país continental, com di- Como se trata de um processo que se refere à
versidades regionais muito grandes, com distâncias transferência para outros níveis de governo e de ges­
imensas que caracterizam ainda grande dificuldade de tão, do poder de decisão sobre os seus próprios pro-
53 54 cessos sociais e dispêndio dos recursos necessários
comunicação, apesar de vivermos na era da comuni­
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cação mundial em tempo real. Acrescente-se ainda o para sua efetivação, implica existência ou construção
fato de haver enormes diferenças socioculturais es- de competência para tanto, daí por que a impossibi­
tabelecedoras de grandes distâncias de nível de com­ lidade da homogeneidade apontada. Aliás, a descen­
petência e formação, assim como de entendimento so­ tralização se justifica, dentre outros aspectos, justa­
bre a problemática educacional - aliás, esses mesmos mente pela diversidade, cujo aproveitamento e con­
fatores, por si sós, justificariam a necessidade e a im­ sideração se tornam necessários para a maior efeti­
vidade do ensino. A cotisideração a essa diversidade *•'
Concepções e processos democráticos de gestão educacional
Heloísa Lück

É apontado que a desconcentração seria mais o


não deve representar, no entanto, a preconização ao
caso praticado no Brasil, em nome da descentraliza­
trabalho isolado e fragmentado, em vista do que a des­
ção, estando, no entanto, se conduzindo para a des­
centralização pressupõe o atendimento a princípios
centralização, mesmo que ainda de forma inconsis­
gerais estabelecedores da unidade do sistema. Isso
tente. Essa tendência é registrada por Parente e Lück
porque o papel da autonomia é o de produzir conso­
nâncias e não dissonâncias, não representa perda de
(1999: 5), que em seu estudo sobre a descentraliza­
vínculos e de unidade pela dispersão, mas sim a in­
ção da educação brasileira nas redes estaduais do en­
terligação pelo exercício da energia construtiva e vi­ sino fundamental identificam que está "ocorrendo
tal de toda organização. na prática educacional brasileira [...] o deslocamento
do processo decisório, do centro do sistema, para os
Em muitos casos se pratica muito mais a descon-
níveis executivos mais próximos aos seus usuários,
centração, do que propriamente a descentralização.
ou seja, a descentralização do governo federal para as
Isto é, realiza-se a delegação regulamentada da au­
instâncias subnacionais, onde a União deixa de exe­
toridade, tutelada ainda pelo poder central, median­
cutar diretamente programas educacionais e estabe­
te o estabelecimento de diretrizes e normas centrais,
lece e reforça suas relações com os estados e os mu­
determinantes, dentre outros aspectos, do controle
nicípios, chegando até ao âmbito da unidade escolar.
na prestação de contas e a subordinação administra­
Da mesma forma, os sistemas estaduais vêm ado­
tiva das unidades escolares aos poderes centrais. Cer­
tando política similar, ou seja, transferem recursos
ceiam, dessa forma, a delegação de poderes de auto-
e responsabilidades com a oferta de serviços educa­
gestão e autodeterminação na gestão dos processos
cionais tanto para o município quanto diretamente
necessários para a realização das políticas educacio­
para a escola”.
nais, estas determinadas no centro, sem ouvir a so­
55 56 A descentralização é, pois, um processo que se
ciedade e com a participação de seus vários segmen­
delineia à medida que vai sendo praticado, consti-
Série Cadernos de Gestão
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tos. Destaca-se, no entanto, o fato de que, muitas ve­


zes, intenções claras de descentralização, em sua ori­ tuindo-se, portanto, em uma ação dinâmica de im­
gem, na sua aplicação não passam de esforços de des- plantação de política social, visando estabelecer, con­
concentração, tendo em vista o hábito arraigado de forme indicado por Malpica (1994), mudanças nas
obediência como forma de transferência de respon­ relações entre os sistemas centrais e suas escolas,
sabilidade pessoal. pela redistribuição de poder, passando, em conse­
quência, as ações centrais, de comando e controle,
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

para coordenação e orientação (descentralização po­ 1.3.2. A democratização da escola


lítica); pela abertura à autodeterminação no esta­ Descentralização, democratização da escola, cons­
belecimento de processos e mecanismos de gestão trução da autonomia, participação são facetas múl­
do cotidiano escolar, de seus recursos e de suas re­ tiplas da gestão democrática, diretamente associa­
lações com a comunidade (descentralização admi­ das entre si e que têm a ver com as estruturas e ex­
nistrativa e financeira). Ainda, conforme apontado pressões de poder na escola, tal como indicado por
por Parente e Lück (1999), conduz a escola à cons­ Martins (2002). Cabe destacar também que “demo­
trução de sua identidade institucional, constituída cratizar é a conquista de poder por quem não o tem”
pela formação da capacidade organizacional para (GHANEN, 1998: 98).
elaborar seu projeto educacional (descentralização Em vista disso, a proposição da democratização da
pedagógica), mediante a gestão compartilhada e a escola aponta para o estabelecimento de um siste­
gestão direta de recursos necessários à manutenção ma de relacionamento e de tomada de decisão em
do ensino. que todos tenham a possibilidade de participar e con­
Conforme Sander (1995: 67) propõe, “a verda­ tribuir a partir de seu potencial que, por essa partici­
deira descentralização só ocorre quando o poder de pação, se expande, criando um empoderamento10 pes­
decisão sobre o que é realmente relevante no campo soal de todos em conjunto e da instituição.
pedagógico e administrativo se instala na escola” e Como a escola existe para o aluno, iniciamos por
esta é uma condição que demanda o desenvolvimen­ analisar a questão da democratização a partir da sua
to de competências e capacidades especiais pela es­ vivência na escola. Via de regra, o que se observa na
cola, no sentido de sua autonomia. escola é um ambiente em que o aluno é colocado em
Para ir, portanto, além da des concentração geo- 57 58 uma situação de passividade e de obediência a de-
gráfica, de mudança de localização da tomada de de­ -------terminações de professores por entenderem o pro­
Série Cadernos de Gestão
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cisão e orientação do ensino, dos centros para as peri­ cesso educacional como aquisição de conhecimen­
tos. Com esse procedimento o professor reforça o seu
ferias, os movimentos de democratização da gestão
poder de influência sobre o aluno, como um valor
educacional devem focalizar a escola e o desenvolvi­
mento de uma cultura democrática efetiva e eficaz, li­
derada por um processo de gestão escolar orientada 10. A questão do poder e do empoderamento a partir da participa­
pela autonomia, conforme a seguir analisado. ção é expandida no Vol. III desta Série Cadernos de Gestão, inti­
tulado A gestão participativa na escola.
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

em si, sem contribuir para o empoderamento deste. A mesma lógica serve para o relacionamento en­
Perceba-se que nesse caso o que ocorrería é a esco­ tre professores, funcionários e gestores da escola. Quan­
la estar a serviço do professor e não do aluno, pois se do o exercício do poder é orientado por valores de
não ocorrer o seu empoderamento, não ocorreu edu­ caráter amplo e social, como o são os educacionais,
cação e, sim, domesticação. estabelece-se um clima de trabalho em que os pro­
Na medida, porém, em que o professor consi­ fissionais passam a atuar como artífices de um resul­
dere que o papel do processo educacional é o de le­ tado comum a alcançar, de que resulta o aumento do
var o aluno a desenvolver seu potencial, mediante o poder para todos. Nesse caso, as pessoas trabalham
alargamento e aprofundamento de seus conhecimen­ com a maior competência possível, visando a que a
tos, habilidades e atitudes, de forma associada, pas­ escola atinja, da forma mais plena, os seus objetivos
sa a envolver o aluno em uma participação ativa, pela
sociais e o atendimento das necessidades educacio­
qual exercita processos mentais de observação, aná­
nais ampliadas de seus alunos. Nesse caso, pode-se
lise, crítica, classificação, organização, sistematização,
dizer que o direcionamento do poder é orientado para
dentre outros, e, fazendo perguntas, conjecturando
soluções a problemas, sugerindo caminhos, exerce o exterior ao sistema escolar, isto é, a sociedade. Po­
poder sobre o processo educacional e sobre como e rém, nesse processo, pelo desenvolvimento da com­
o que aprende. Dessa forma, constrói o seu empode­ petência e do papel social, todos são empoderados
ramento. Com essa prática, do ponto de vista do alu­ em conjunto.
no, ocorre a democratização da escola, tanto em re­ Como o poder da competência gera novas alter­
lação a seu processo como em relação aos seus resul­ nativas para o enfrentamento de desafios, o melhor
tados, pois o aluno é levado ao sucesso escolar. Cabe aproveitamento de oportunidades na superação de
destacar que não pode ser considerada como demo­ dificuldades e criação de novas e mais promissoras
crática uma escola em que os alunos fracassam, e 59 60 perspectivas de ação, ele tende a aumentar gradati­
que não pode ser democrática uma escola que não o
vamente. Assim, a atuação efetivamente competen­
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é para todos11.
te dos professores cria uma cultura proativa pela qual
se evita o errado comportamento de atribuir ao sis­
tema e a qualquer outra pessoa ou situação a culpa por
11. Seguindo essa lógica de raciocínio, podemos afirmar que não é
democrática a escola onde ocorrem reprovações e sobretudo as condições difíceis, em vez de considerá-las como de­
reprovações repetidas, pois o que ocorrería é a prática de demo­ safios e enfrentá-las com responsabilidade.
cracia para uns e não para outros e como democracia é um princí­
pio, se aplica à todos.
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

A democratização da escola correspondería, por­ considerados como pilares sobre os quais se assen­
tanto, na realização do trabalho escolar orientado pe­ ta a eficácia escolar.
la realização e desenvolvimento da competência de O conceito de autonomia da escola está relacio­
todos, em conjunto. Mediante essa orientação, dá- nado a tendências mundiais de globalização e mu­
se conta de três aspectos apontados nas análises de dança de paradigma que têm repercussões signifi­
democratização da escola: a) democratização como cativas nas concepções de gestão educacional e nas
ampliação do acesso e sucesso do aluno na esco­ ações dela decorrentes. Descentralização do poder,
la; b) democratização dos processos pedagógicos; democratização do ensino, autogestão, instituição de
c) democratização dos processos de gestão escolar parcerias, flexibilização de experiências, sistema
(HORA, 1994).
de cooperativas, multidisciplinaridade são alguns
dos conceitos relacionados a essa mudança. Enten-
1.3.3. A autonomia da gestão escolar
de-se como fundamental, nesse conjunto de concep­
No contexto da atenção sobre a gestão educacio­ ções, a mobilização de massa crítica devidamen­
nal, autonomia constitui-se em um dos conceitos mais te capacitada, para se promover a transformação e
mencionados, sendo focalizada nos programas de ges­ sedimentação de novos referenciais de gestão edu­
tão de sistemas de ensino, como também em progra­ cacional para que os sistemas de ensino e a escola
mas do Ministério de Educação e Desporto, como atendam às novas necessidades de formação social
condição para a realização de princípio constitucio­ a que cabe à escola responder, conforme anterior­
nal e da legislação educacional12, de democratização mente apontado.
da gestão escolar. Isto porque a autonomia de ges­ A autonomia da gestão escolar evidencia-se co­
tão da escola, a existência de recursos sob controle mo uma necessidade quando a sociedade pressiona
local, junto com a liderança pelo diretor e participa- 62 as instituições para que promovam mudanças ur­
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ção da comunidade e a competência pedagógica são


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gentes e consistentes, em vista do que aqueles res­


ponsáveis pelas ações devem, do ponto de vista ope­
racional, tomar decisões rápidas para que as mudan­
12.0 Art. 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -
Lei 9.394/96 — estabelece que “os sistemas de? ensino assegurarão ças ocorram no momento certo e da forma mais efe­
às unidades escolares públicas de educação básica que os inte­ tiva, a fim de não se perder o momentum de transfor­
gram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrati­
va e de gestão financeira observadas as normas gerais de direito fí- mação. Também para que se sintam comprometidos
nanceiro público '. com a manutenção dos'avanços promovidos por es- Mçí
Heloísa Lück Concepções e processos democráticos de gestão educacional

sas mudanças. Mas, acima de tudo, adotando-se uma cidade de agir independentemenh do sistema. A ex­
perspectiva política e formadora, para que se desen­ pressão desse entendimento foi observada pela auto­
volva o sentido de cidadania e de responsabilidade ra em ocasiões diversas em que diretores escolares
social de todos, pelos destinos das organizações em negavam a autoridade de seu Secretário de Educação
que atuam e das quais são usuários. sobre várias questões, como, por exemplo, a de con­
Tendo em vista a complexidade da questão, tor­ vocá-los para reunião na Secretaria de Educação -
na-se necessário, no entanto, que se reflita sobre o não compareceríam, sem antes consultar as bases
significado de autonomia e de autonomia da gestão para decidir se deveríam comparecer a essa reunião.
escolar e se explore as suas repercussões no âmbi­ Há diretores escolares que até mesmo boicotam orien­
to da escola e sobre os processos educacionais, uma tações centrais e ações de monitoramento e avaliação,
vez que concepções diversas e até mesmo conflitan­ mesmo aquelas em que são demonstradas como estra­
tes estão sendo expressas, gerando desentendimen­ tégias importantes para a própria gestão da escola e
to e confusão sobre a questão, de que resultam ações melhoria de seus processos educacionais.
menos eficazes, e até mesmo resultando em grandes Em decorrência de tais situações, pode-se depre­
desgastes institucionais. Julga-se que se promoven­ ender a atribuição de conotações nem sempre ade­
do um melhor entendimento da questão toma-se pos­ quadas à autonomia no âmbito do ensino, em vista
sível o melhor emprego de esforços de gestão e seus do que se torna conveniente analisá-la mais deta­
resultados, superando-se a prática do exercício vazio lhadamente.
e descomprometido do discurso sobre a autonomia e
do seu entendimento como um valor em si mesmo, A aproximação entre tomada de decisão e ação não apenas
ou de distorções produzidas em associação a orien­ garante a maior adequação das decisões e efetividade das
tações corporativistas, em detrimento aos interesses 63 64 ações correspondentes, como também é condição de for­
mação de sujeitos de seu destino e maturidade social.
sociais amplos.
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Em muitos programas de sistemas de ensino, a


autonomia é entendida, em última instância, como o
resultado de transferência financeira: “a autonomia é
financeira, ou não existe”, conforme afirmou uma di­
rigente de sistema estadual de ensino. Para muitos
diretores de escola, a autonomia corresponde à capa­

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