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Doença de Chagas

Introdução
O agente etiológico responsável pela doença é o Trypanosoma cruzi, descoberto em 1908 pelo
pesquisador Carlos Chagas. Essa doença é considerada endêmica na região amazônica e
apresenta alta prevalência em áreas predominantemente tropicais da América Latina, onde são
registrados casos de transmissão por diferentes vias, seja por meio de alimentos ou contato entre
pessoas.

Transmissão
A doença é transmitida por diferentes modos, incluindo o contato com as fezes do triatomíneo
(popularmente conhecido como barbeiro), embora seja uma forma rara de transmissão
atualmente no Brasil. Outras formas de transmissão incluem a transfusão de sangue e
hemoderivados (excepcionalmente registrada no Brasil), transmissão congênita (também rara),
via oral (principal forma de transmissão responsável por surtos epidêmicos, destacando-se
alimentos como açaí, bacana e caldo de cana), transmissão acidental em laboratórios (muito
rara), transplante de órgãos e picada de agulha contaminada.
Considerando a frequência, a ordem de ocorrência mais comum das formas de transmissão é: via
oral, seguida pelo contato com as fezes do vetor e, por último, o transplante de órgãos.

Na região amazônica temos 57% a mais de chance de contrair a doença de


chagas do que quem não mora. No Suriname e na Guiana Francesa essa
chance é 100%.

Etiologia
O barbeiro é um inseto hematófago que, durante a alimentação, elimina fezes irritantes. Quando
uma pessoa coça o local da picada, ocorre a inoculação da forma infectante do Trypanossoma
cruzi, chamada de tripomastigota metacíclico. Essa forma do parasita é flagelada, o que
possibilita seu movimento e penetração na corrente sanguínea, resultando no desenvolvimento da

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doença. O barbeiro, ao se alimentar do sangue de um humano infectado, adquire o tripomastigota
da corrente sanguínea, mas não a forma metacíclica. Dentro do inseto, o parasita passa por um
ciclo, transformando-se em esferomastigota, epimastigota e, finalmente, tripomastigota
metacíclico, que é a forma infectante.

Quadro clínico
O período de incubação varia de acordo com o tipo de transmissão. No caso da transmissão
vetorial, o período é de 4 a 15 dias, enquanto na transmissão oral é de 3 a 22 dias. Portanto, se
aplicando também ao quadro clínico, a manifestação da doença depende da diversidade do
parasita e do hospedeiro, como por exemplo, se este possui comorbidades. A doença de chagas
possui duas fases:
A fase aguda da doença é assintomática em 90% a 98% dos casos. Quando sintomática,
apresenta febre (geralmente intermitente e prolongada), edema de MMII, astenia, cefaléias,
mialgias, artralgias, taquicardia, palpitações, cansaços aos esforços, hepatoesplenomegalia, sinal
de Romaña (edema bipalpebral no local onde o barbeiro se alimentou) e chagomas de inoculação
(edemas em outras regiões onde o barbeiro se alimentou). No estado do Pará, onde ocorre
transmissão oral, a maioria dos pacientes evolui para a forma sintomática, mas geralmente
manifestam apenas febre prolongada e astenia, sem a presença de chagomas de inoculação ou
sinal de Romana, uma vez que a transmissão principal é oral.
Após a fase aguda, o parasita deixa a corrente sanguínea e se aloja em tecidos musculares, com
predileção pelo coração e tubo digestivo, dando início à fase crônica da doença, que se manifesta
de diversas formas. A forma indeterminada é oligossintomática em 50% a 69% dos casos, devido
à resposta imunológica do paciente. A forma cardíaca ocorre em 13% dos casos, resultando no
alargamento das fibras cardíacas e causando a cardiomegalia chagásica. A forma digestiva
acomete 10% dos pacientes, levando ao desenvolvimento de megaesôfago ou megacólon. Existe
também a forma mista, na qual ocorre o acometimento cardíaco e digestivo em 8% dos casos.

Além dessas formas, há uma variante chamada fase nervosa crônica, na qual o sistema nervoso
central é afetado, resultando em meningoencefalites. Essa forma é rara e ocorre principalmente
em pacientes imunodeprimidos.

A causa de morte mais frequente da doença de chagas aguda é o


tamponamento pericárdico.

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Diagnóstico e diagnóstico diferencial
O diagnóstico da doença de Chagas possui um componente clínico-epidemiológico importante,
no qual são investigados a procedência do indivíduo, seus hábitos alimentares, condições de
moradia, presença de barbeiros e animais no entorno, entre outros.

Na fase aguda da doença, realiza-se a pesquisa do Trypanosoma no sangue periférico, utilizando


métodos como a gota espessa (o mais utilizado e eficaz), exame a fresco e o método de
concentração chamado creme leucocitário. Na fase aguda, também é possível realizar testes
sorológicos. Um resultado de IgM acima de 1:40 é considerado reagente, assim como um
resultado de IgG acima de 1:80.

Na fase crônica, o diagnóstico é realizado apenas por meio de testes sorológicos, uma vez que o
parasita não está mais presente na corrente sanguínea. O IgM não está mais presente e o IgG
apresenta uma titulação mais elevada.
Em casos de lesões adenomegálicas e hepatosplenomegalias nos quais nenhum dos outros testes
apresentou resultado positivo, raramente é realizado o exame histopatológico.
A primeira doença a ser diferenciada no diagnóstico é a leishmaniose visceral, devido ao quadro
clínico muito semelhante ao da doença de Chagas, que inclui febre, hepatosplenomegalia, edema
de membros inferiores, dor torácica, anemia, entre outros sintomas. Além disso, a malária
também pode se enquadrar, porém possui uma febre característica distinta. A dengue causa febre
por um período mais curto. A febre tifoide provoca uma febre prolongada, mas não apresenta
sintomas semelhantes. A toxoplasmose geralmente está associada a adenopatia cervical, assim
como a mononucleose.

Tratamento
A única droga disponível no Brasil para o tratamento da doença de Chagas é o benzonidazol. No
entanto, essa medicação apresenta diversos efeitos colaterais, como eritema polimorfo (um dos
mais frequentes), cefaleias, tonturas, anorexia, perda de peso, dermatite e depleção das células da
série vermelha. Caso o uso do benzonidazol não seja possível, conseguir outra droga é um
processo demorado. Além do benzonidazol, existe o nifurtimox, que não é aprovado no Brasil e
precisa ser obtido por meio das secretarias de saúde, importado da Colômbia. Ainda há estudos
limitados sobre o uso de derivados triazólicos, como itraconazol, fluconazol, posaconazol e
ravuconazol.

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O benzonidazol possui uma ação tripanomicida rápida e alcança pico sérico em 3-4 horas.
Embora a bula contraindique seu uso durante a gestação, ele é utilizado off-label no Brasil.
O tratamento das formas musculares cardíacas é feito por meio do tratamento de uma
insuficiência cardíaca, ou seja, com o uso de cardiotônicos, diuréticos, antiarrítmicos,
vasodilatadores e, em alguns casos, a implantação de marcapasso. Nas formas digestivas, são
utilizadas dietas, laxativos ou lavagens. Em estágios mais avançados, é possível corrigir
cirurgicamente o órgão afetado.

As indicações para o tratamento abrangem qualquer diagnóstico de doença de Chagas, incluindo


forma congênita, forma aguda de qualquer natureza, forma crônica recente, todas as crianças
chagásicas e reativação da doença de Chagas (em casos de transplante, imunossuprimidos como
neoplasias, especialmente linfomas e leucemias, e HIV).

Durante o acompanhamento do paciente em tratamento, é importante solicitar hemograma,


provas hepáticas, provas de coagulação, ultrassonografia abdominal total em caso de dor
abdominal, eletrocardiografia, ecocardiografia, endoscopia digestiva alta (em caso de
epigastralgia ou sangramento) e radiografia de tórax. Esses exames são realizados para monitorar
a evolução do quadro clínico do paciente e possíveis complicações.

Os critérios de cura incluem erradicação completa do parasitismo com negativação total e


permanente dos testes, ou seja, negativação das parasitemias durante 4 semanas, caso o paciente
tenha apresentado parasitemias positivas no diagnóstico. Caso contrário, utiliza-se a negativação
dos testes imunológicos, ou seja, sorologias, sendo considerado IgG em 1:40 (geralmente o
método mais utilizado). Além disso, é necessário o desaparecimento dos sinais e sintomas
clínicos. O paciente continuará sendo acompanhado ao longo da vida, realizando sorologias a
cada 6 meses.
A profilaxia é realizada pelo combate ao barbeiro, controle dos doadores de sangue, melhoria de
habitações rurais, melhoria da educação sanitaria e comunitária.

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