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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

Darlan do Nascimento Lourenço

FICHAMENTO

MACEIÓ
2021
DARLAN DO NASCIMENTO LOURENÇO

FICHAMENTO

Trabalho solicitado pelo Professor Doutor


Silvio Ancisar Sanchez Gamboa, docente
da disciplina de Educação e
Epistemologias do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito para
obtenção de nota.

MACEIÓ
2021
BACHELARD, Gaston. A Epistemologia. tradução: Fátima Lourenço Gondinho,
Mário Carmino Oliveira. 1ª ed. Lisboa, Portugal. Edições 70, 2006. Pp. 15-29; 110-
190.

“[...] Com efeito, a unidade da experiência aparece sob um duplo ponto de vista:
para os empiristas, a experiência é uniforme na sua essência porque tudo vem da
sensação; para os idealistas a experiência é uniforme porque é impermeável à
razão. Tanto na adoção como na recusa, o ser empírico forma um bloco absoluto.
[...]” (p. 15)

Comentário: ambas as propostas epistemológicas, a saber, o empirismo e o


idealismo, veem a experiência enquanto um fenômeno absoluto, seja enquanto um
fenômeno da sensação, seja como impenetrável à razão.

“[...] a ciência do século passado oferecia-se como um conhecimento homogêneo,


como a ciência do nosso próprio mundo, no contato da experiência quotidiana,
organizada por uma razão universal e estável, com a sanção final do nosso
interesse comum. [...]” (p. 15)

Comentário: a ciência, portanto, não se distanciava da realidade próxima do sujeito


epistêmico.

“[...] É inútil levar a análise até isolar sob todos os pontos de vista um objeto único,
porque, segundo parece, no mundo da microfísica, o único perde as suas
propriedades substanciais. [...]” (p.16)

Comentário: ao isolar por completo um objeto de estudo, perde-se de vista toda a


ligação e referência que ele tem com o contexto o qual está inserido, promovendo,
portanto, uma perda significativa com seus elementos constitutivos.

“[...] O conhecimento científico é sempre a reforma de uma ilusão. Não podemos,


pois, continuar a ver na descrição, mesmo minuciosa, de um mundo imediato, mais
do que uma fenomenologia de trabalho exatamente no mesmo sentido em que se
falava outrora de hipótese de trabalho. [...]” (p. 17)
Comentário: o conhecimento científico se coloca como um conhecimento parcial, do
qual sua possibilidade de atualização, ou mesmo modificação, se apresenta de
modo bem aparente.

“As ciências físicas e químicas, no se desenvolvimento contemporâneo, podem ser


caracterizadas epistemologicamente como domínios de pensamento que rompem
nitidamente com o conhecimento vulgar. [...] O filósofo deve tomar consciência das
novas características da ciência nova.” (p. 18)

Comentário: os domínios da nova ciência que são sistematizados, cabíveis de


experiência a posteriori e metodologicamente organizados apresentam-se de
maneira diversa do saber do senso comum.

“[...] aquilo que o homem faz numa técnica científica [...] não existe na natureza e
não é sequer uma continuação natural dos fenômenos naturais.” (p. 19)

Comentário: explicita, mais uma vez, a diferença entre a abordagem da ciência


moderna, baseada no domínio técnico e racional, o saber quotidiano.

“[...] O homem de ciências, de pensamento tão obstinado e tão ardente, de


pensamento tão vivo, é apresentado como um homem abstrato. Cada vez mais,
todos os valores do homem estudioso, do homem engenhoso, são desacreditados.
A ciência está reduzida a uma pequena aventura, uma aventura nos países
quiméricos da teoria, nos labirintos tenebrosos de experiências factícias. [...]” (p. 21)

Comentário: o sujeito epistêmico é encarado como um ser que lida com formas de
conhecimentos que representam formas de saber distante da realidade concreta do
mundo.

“[...] o pensamento científico define-se como uma evidente promoção da existência.


[...] a ciência propõe-nos um existencialismo pela ação enérgica do ser pensante. O
pensamento é uma força, não é uma substância. Quanto maior é a força, tanto mais
elevada é a promoção do ser. [...]” (p. 22)
Comentário: a existência da ciência confunde-se com a própria existência do ser da
ciência.

“Insistamos neste ponto e iremos verificar que a constatação de uma impossibilidade


não é de maneira nenhum sinônimo de uma limitação do pensamento. [...]” (p. 24)

Comentário: o pensamento não se esgota quando esbarra em uma barreira por


meio de um problema mal posto.

“[...] Somente a ciência se encontra habilitada a traçar as suas próprias fronteiras.


Ora, para o espírito científico, traçar claramente uma fronteira é já ultrapassá-la. [...]
Cientificamente, a fronteira do conhecimento apenas parece marcar uma paragem
momentânea do pensamento. [...]” (p. 25)

Comentário: quando o espírito científico encontra uma barreira, esta, por sua vez,
está relacionada a um problema mal posto e, isso, colabora para que a própria
ciência reveja o pensamento e proponha uma metodologia que dê condições de
superar tal fronteira que impede o conhecimento.

“[...] quando o sujeito do conhecimento é formalizante, torna-se formalizado. Não


haveria igualdade A=A se não houvesse igualdade ao nível da instância igualadora
Eu=Eu.” (p. 114)

Comentário: o próprio sujeito do conhecimento impõe uma lógica aos fenômenos


pesquisados que reproduzem a realidade da qual está inserido.

“[...] A cultura é um acesso a uma emergência; no domínio científico, estas


emergências estão de fato constituídas socialmente. [...] o consenso que define
socialmente um racionalismo regional é mais do que um fato, é o sinal de uma
estrutura.” (p. 115)

Comentário: a cultura cria condições para acesso a um pensamento situado no


âmbito de uma sociabilidade consensual de seus partícipes.
“[...] Pensa-se, naturalmente, com as palavras: para os filósofos, a hipótese é
hipotética, logo, quase uma ilusão ou, pelo menos, uma simples ficção. Não se vê
que se trata de um pensamento realizado pela técnica. [...]” (p. 117)

Comentário: crítica em torno da visão reducionista do filósofo em não compreender


que o pensamento encaminha a uma solução de algo através de proposições
tecnicamente estabelecidas, e não por um processo de abstração simplesmente.

“[...] O papel da filosofia das ciências é recensear essa variedade e mostrar como os
filósofos se poderiam instruir se quisessem meditar no pensamento científico
contemporâneo. [...]” (p. 118)

Comentário: a filosofia da ciência poderia visualizar a variedade de conhecimentos


e áreas do saber provenientes do pensamento científico contemporâneo realizando
uma nova maneira dos filósofos compreenderem a dinâmica que cerca o
pensamento científico em voga.

“[...] Não é possível fundamentar as ciências físicas sem entrar no diálogo filosófico
do racionalista e do experimentador [...]” (p. 120)

Comentário: quer dizer, sem levar em consideração as formas de conhecimento a


prior e a posteriori.

“[...] nem racionalidade vazia, nem empirismo desconexo, eis as duas obrigações
filosóficas que fundamentam a estreita e precisa síntese da teoria e da experiência
na física contemporânea.” (p. 121)

Comentário: de fato, apresentando o devido diálogo entre as formas de


conhecimento a priori e a posteriori, tão necessários para a física contemporânea.

“[...] O pensamento científico não pode encontrar as suas formas sólidas e múltiplas
nessa atmosfera de solidão, nesse solipsismo que é o mal congénito de todo o
idealismo. O pensamento científico necessita de uma realidade social, o
assentimento de uma cidade física e matemática. [...]” (p. 123)
Comentário: o pensamento científico, para bem localizado e legítimo, necessita de
uma contextualização que dê validade aos seus pressupostos evitando, portanto, o
exagero abstrato e a centralidade desmedida.

“[...] Ora, o espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, um


alargamento dos quadros do conhecimento. Julga o seu passado histórico,
condenando-o. A sua estrutura é a consciência dos seus erros históricos.
Cientificamente, considera-se o verdadeiro como retificação histórica de um longo
erro, considera-se a experiência como uma retificação de uma ilusão comum inicial.
[...]” (p. 125)

Comentário: o espírito científico busca, continuadamente, a superação de erros


cometidos no interior do seu próprio passado histórico, fazendo com que sua
retificação histórica faça emergir um pensamento que não pareça uma mera ilusão
científica.

“[...] o homem que tivesse a impressão de que nunca se engana, estaria sempre
enganado. [...]” (p. 129)

Comentário: a ciência requer um comportamento que sugere uma parcialidade do


conhecimento, não uma postura absoluta, definitiva.

“[...] A investigação científica reclama, em vez da parada da dúvida universal, a


constituição de uma problemática. Toma como ponto de partida real um problema,
mesmo que esse problema esteja mal posto. O eu científico é então programa de
experiências, ao passo que o não-eu científico é já problemática constituída. [...]” (p.
130)

Comentário: a dúvida faz mover o espírito científico na medida que localiza um


problema que merece ser solucionado pelo eu epistêmico. Na ocasião da negação
dessa possibilidade, evidencia-se que o problema situa-se no próprio ser pensante,
inviabilizando o processo de tomada de conhecimento científico.

“[...] Não é o objeto que designa a precisão, é o método. [...]” (p. 132)
Comentário: o método oferece o melhor caminho para lidar com o objeto de
trabalho.

“[...] toda a experiência sobre a realidade já informada pela ciência é,


simultaneamente, uma experiência sobre o pensamento científico. [...]” (p. 134)

Comentário: o pensamento científico repercute uma reflexão da própria realidade o


qual está submetido o objeto de estudo.

“[...] É necessário, pois, conhecer o método para conhecer, para captar o projeto a
conhecer, isto é, no reino do conhecimento metodologicamente valorizado, o objeto
suscetível de transformar o método de conhecer. [...]” (p. 135)

Comentário: o método se mostra como ponto fundante para melhor compreensão


do fenômeno da experiência a ser conhecida.

“[...] um método científico é um método que procura o risco. Seguro de sua


conquista, arrisca-se numa aquisição. A dúvida está à sua frente e não atrás como
na via cartesiana. Por isso, pude afirmar, sem grandiloquência, que o pensamento
científico era um pensamento empenhado. Está constantemente a pôr em jogo a sua
própria constituição.” (p. 136)

Comentário: o método científico mesmo sendo responsável por ensinar o caminho,


não assegura que a trilha não terá momentos de inquietação ou insegurança. Na
verdade, o método é responsável por manter o espírito científico atento a
necessidade de busca contínua pelo conhecimento provenientes da dúvida e da
crise.

“[...] toda a crise profunda no método é imediatamente uma consciência da


reorganização do método. [...]” (p. 138)

Comentário: necessidade que a dúvida permaneça como guia no processo


científico para a obtenção do conhecimento cientificamente estabelecido proveniente
de um método seguro.
“[...] quanto mais se escava a ciência, mais ela se eleva. [...] Ao mudar de métodos,
a ciência cada vez mais se torna metódica. [...]” (p. 139)

Comentário: necessidade de perceber o espírito científico como algo em constante


transformação, dinâmico.

“[...] a ciência realiza os seus objetos, sem nunca os considerar totalmente


acabados. [...]” (p. 141)

Comentário: a ciência é um saber parcial, não é absoluto, acabado.

“[...] o pensamento científico é um livro ativo, um livro a um tempo audacioso e


prudente, um livro em ensaio, um livro do qual se desejaria apresentar uma nova
edição, uma edição melhorada, refundida, reorganizada. É verdadeiramente o ser de
um pensamento em vias de crescimento. [...]” (p. 148)

Comentário: o pensamento científico busca a atualização no novo, rever o que não


se apresenta atual e condizente com a realidade vivida no dado contexto.

“[...] as culturas mais especializadas são as mais abertas às substituições. [...] As


culturas especializadas são igualmente as que possuem uma maior sensibilidade
aos fracassos, daí uma maior solicitação de retificação. [...] Uma cultura sem
especialização seria um utensílio sem ponta, um cinzel de fio embotado.” (p. 152)

Comentário: as culturas especializadas vivem ao mesmo tempo abertas as


substituições e sensíveis ao fracasso, por isso a necessidade de constante
retificação.

“[...] Enquanto não se tiver realizado a dupla ancoragem no mundo do sujeito e no


mundo do objeto, o pensamento não encontrou as raízes da eficácia. [...]” (p. 153)

Comentário: o pensamento científico necessita realizar o devido diálogo entre o


sujeito e o objeto levando em consideração suas dimensões constituintes.
“[...] a cultura científica surge como uma coleção de tipos de progresso inegáveis. As
especializações constituem, no domínio do pensamento científico, tipos particulares
de progresso. [...] A cultura científica, propões, ao longo de todas as suas
aquisições, objetos de progresso, objetivos para a necessidade intelectual de
progredir.” (p. 154)

Comentário: o progresso é o motor que move o espírito científico na medida que faz
emergir as variadas especialidades na ciência e estas são marcas efetivas do
progresso promovido pelo espírito científico.

“[...] o pensamento filosófico, tal como o pensamento científico, não pode interessar-
se senão por fenômenos estruturados, sistemas definidos, sistemas que, através de
uma sequência de aproximações bem conduzidas, podem ser definidos num
isolamento. [...]” (p.157)

Comentário: o pensamento filosófico e o pensamento científico surgem da mesma


necessidade de serem articulados de maneira sistematizada.

“Não podemos falar de causalidade se não nos atribuirmos, pelo menos em


imaginação, o embargo sobre condições iniciais. [...] Uma causa só pode ser
conhecida se se inserir num sistema de causas, se passar por um exame causal.
Não existem verdadeiramente causas excepcionais. Uma causa excepcional é um
milagre. Um milagre não instrui.” (p. 161)

Comentário: o sistema de causas requer, portanto, a ideia de condições iniciais.


Isto incide no fato de que fora deste contexto, o conhecimento não é instrutivo.

“A ciência, na sua necessidade de aperfeiçoamento como no seu princípio, opõe-se


à opinião. [...] A opinião pensa mal; ela não pensa: traduz necessidades em
conhecimentos. [...] Nada se pode fundar a partir da opinião; é necessário, antes de
mais, destruí-la. Ela constitui o primeiro obstáculo a ultrapassar. O espírito científico
proíbe-nos de ter uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre
questões que não sabemos formular claramente. É preciso, antes de tudo, formular
problemas. [...] Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a
uma questão. Se não houver questão, não pode haver conhecimento científico. [...]”
(p. 166)

Comentário: o conhecimento científico não partilha da opinião. A opinião não


pressupõe um domínio compreensivo em torno de um fenômeno. A ciência requer,
portanto, que o conhecimento seja fruto de um processo questionador que
encaminhe para a solução de um problema.

“[...] descobrir os obstáculos epistemológicos é contribuir para fundar os rudimentos


de uma psicanálise da razão. [...] Na formação do espírito científico, o primeiro
obstáculo é a experiência inicial, é a experiência situada antes e acima da crítica,
que é necessariamente um elemento integrante do espírito científico. [...]” (p. 170)

Comentário: os obstáculos epistemológicos surgem como necessidade para se


fundar uma base e o ponto de partida para o exercício científico, o momento de
crise.

Considerações finais

A presente obra aqui fichada de autoria de Gaston Bachelard e intitulada: “A


Epistemologia” desenvolve, de maneira articulada com as mais variadas áreas do
saber, um exame em torno do conhecimento enquanto um saber científico. Além
disso, é trazido como ponto fundamental a ideia de crise, ou seja, para que a
investigação possa se desenvolver e produzir um conhecimento válido e legítimo, se
faz necessário que sejam problematizados objetos temáticos e estes submetidos a
procedimentos metodologicamente aplicáveis a seus contextos, isto é, por meio da
relação entre sujeito e objeto, é possível produzir um conhecimento que represente
a realidade dessa relação e, portanto, não sendo possível advir da opinião.
Não obstante, outro ponto fundamental para a compreensão do texto reside
na concepção de que o conhecimento científico não se coloca como absoluto, pelo
contrário, se mostra em constante transformação, possível de ser refutado. É na
atualização do novo, que o conhecimento científico se mantém em constante
movimento em relação ao progresso da ciência.
SAVIANI, D. Epistemologia e teorias da educação no Brasil. Pro-Posições,
Campinas, SP, v. 18, n. 1, p. 15–27, 2016. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643570.

“Epistemologia é um termo de origem grega que está referido ao conhecimento. Mas


a língua grega contém vários termos que designam, de uma ou outra maneira, o
conhecimento. Assim, encontramos “doxa” que significa opinião, portanto, o
conhecimento ao nível do senso comum; “sofia”, que traduzimos por sabedoria,
corresponde ao conhecimento decorrente de grande experiência de vida; “gnosis”,
cujo sentido remete ao conhecimento em seu significado geral; e o termo “episteme”
que, especialmente a partir de Platão, se refere ao conhecimento metódico e
sistemático, portanto, ao conhecimento científico.” (p. 16)

Comentário: O termo epistemologia é uma palavra de origem grega que se refere


ao conhecimento. No mesmo idioma é possível encontrar outros termos que também
tem vinculação ao conhecimento, é o caso de “doxa” (opinião); “sofia” (sabedoria);
“gnosis” (conhecimento em sentido geral) e “episteme” que, desde Platão, refere-se
ao conhecimento como um dado metódico e sistemático, portanto, científico.

“[...] cabe considerar que a expressão “teoria da educação” não tem um sentido
unívoco. Aliás, o próprio título, ao colocar essa expressão no plural, já aponta essa
questão. Na verdade, o significado da teoria da educação deve ser aferido no âmbito
da concepção em que se insere. E, como podemos detectar diferentes concepções
de educação, inevitavelmente nos deparamos, também, com diferentes teorias da
educação.” (p. 16)

Comentário: a expressão “teoria da educação” pode assumir variadas


interpretações. Neste sentido, ao considerar que existem variados sentidos para o
termo, deveremos considerar que existem diferentes teorias da educação, uma vez
que teremos que consentir que cada concepção se legitima dentro da própria
concepção em que se insere.
“[...] as principais concepções de educação podem ser agrupadas em cinco grandes
tendências: a concepção humanista tradicional, desdobrada em duas vertentes, a
religiosa e a leiga; a concepção humanista moderna; a concepção analítica, que
cabe considerar paralelamente à concepção produtivista; a concepção crítico-
reprodutivista; e a concepção dialética ou histórico-crítica. Cada uma dessas
concepções comporta, via de regra, três níveis distintos, mas articulados entre si.
São eles: a) o nível correspondente à filosofia da educação; b) o nível da teoria da
educação, também geralmente chamado de pedagogia; e c) o nível da prática
pedagógica. Assim, postulamos que uma concepção pedagógica se distingue de
outra não necessariamente por conter esse nível e não aquele, mas,
frequentemente, pela maneira como articula esses níveis e pelo peso maior ou
menor que cada um deles adquire no interior da concepção.” (p. 16)

Comentário: são cinco as principais concepções de educação, a saber: humanista


tradicional, esta em duas vertentes: a religiosa e a leiga; a humanista moderna; a
analítica, a produtivista e a dialética ou histórico-crítica. Nelas se vê reproduzir três
níveis distintos, mas articulados entre si: o nível da filosofia da educação, da teoria
da educação (pedagogia) e o nível da prática pedagógica. Assim, o que diferencia
uma concepção da outra é a maneira como cada uma se articula com cada um
desses níveis.

“No caso da concepção tradicional o nível preponderante é, sem dúvida, o da


filosofia da educação, a tal ponto que poderíamos mesmo dizer que a teoria da
educação, a pedagogia, é subsumida, assimilada à filosofia da educação. Nesse
contexto, o que chamamos de “pedagogia tradicional” é um conjunto de enunciados
filosóficos referidos à educação, que tomam por base uma visão essencialista do ser
humano, cabendo à educação a tarefa de conformar cada indivíduo à essência ideal
e universal que caracteriza o homem[...].” (pp. 16-17)

Comentário: a concepção tradicional adota de maneira mais acentuada o nível da


filosofia da educação, tendo o nível da teoria da educação (pedagogia) assimilada à
filosofia da educação. Nesta concepção, portanto, se ver emergir uma visão mais
essencialista do ser humano, isto é, tendo a educação a tarefa de adequar a uma
deia de essência universal que caracterize o homem.
“Quando consideramos a concepção humanista moderna, cuja filosofia da educação
não supõe o homem como uma essência universal, mas entende que os homens
devem ser considerados na sua existência real, como indivíduos vivos que se
diferenciam entre si, notamos que a teoria da educação deverá dar conta das
diferenças que caracterizam os indivíduos, os quais devem ser considerados nas
suas situações de vida e na interação com os outros indivíduos. A teoria da
educação ganha, então, autonomia em relação à filosofia da educação, devendo
buscar apoio nas ciências, já que é através do método científico que nos é possível
ter acesso aos elementos empíricos que caracterizam a vida dos educandos. [...]” (p.
17)

Comentário: na concepção humanista moderna o homem não é visto como uma


essência universal. Mas, entendido como seres de existências reais capazes de
diferenciarem-se entre si em meio a situações de vida e interação. Neste caso, a
teoria da educação se sobrepõe sobre a filosofia da educação, assim, aderindo à
uma perspectiva científica, e assim, sendo possível de captar, por meio do método
científico, os elementos empíricos que permeiam a vida dos educandos.

“O caso da concepção analítica já apresenta uma outra peculiaridade. Dado que em


tal corrente filosófica a função própria da filosofia é definida pela análise da
linguagem, a filosofia da educação será entendida como análise da linguagem
educacional. Como tal, ela não tem como objetivo analisar e explicar o próprio
fenômeno educativo e, muito menos, orientar a prática pedagógica [...].” (p. 17)

Comentário: A concepção analítica leva em consideração a análise da linguagem


educacional. Não tendo como objetivo explicar o fenômeno educativo ou orientar a
prática educacional.

“[...] a pedagogia tecnicista vai se pôr como uma teoria que busca explicar o
fenômeno educativo a partir de sua descrição empírica, visando chegar a
enunciados operacionais suscetíveis de orientar a prática educativa e dando origem,
assim, à prática pedagógica tecnicista. [...] Filosoficamente, a matriz dessa corrente
pedagógica remete ao positivismo, na versão que se difundiu na segunda metade do
século XX sob a forma do estrutural-funcionalismo. A filosofia da educação própria
da concepção produtivista é, pois, de teor estrutural funcionalista.” (pp. 17-18)

Comentário: a pedagogia tecnicista é disposta como uma teoria que busca explicar
o fenômeno educativo por meio da descrição empírica, por meios de seus
enunciados operacionais capazes de orientar a prática educativa, originando uma
prática pedagógica tecnicista. Tendo como origem filosófica o positivismo da
segunda metade do século XX sob a forma do estrutural-funcionalismo e, neste
sentido, uma filosofia da educação de matriz estrutural funcionalista.

“[...] na concepção crítico produtivista não se põe, também, a questão da prática


pedagógica. Com efeito, a ambição dessa concepção, como teoria científica, é
explicar os mecanismos sociais que compelem a educação a exercer
necessariamente a função de reprodução das relações sociais dominantes,
independentemente do tipo de prática pedagógica que venha a ser implementada.”
(p. 18)

Comentário: a concepção crítico reprodutivista voltasse, enquanto teoria científica,


a explicar como os mecanismos sociais coagem a educação a efetuar uma
reprodução das relações sociais dominantes, sem considerar qual o tipo de prática
pedagógica esteja implementada.

“[...] na concepção pedagógica dialética ou histórico-crítica, os três níveis se fazem


presentes. O que a diferencia das demais concepções é o modo como se articulam
esses níveis, os quais estabelecem entre si relações recíprocas, de modo que cada
nível se comporta ao mesmo tempo como determinado e como determinante dos
demais.” (p. 18)

Comentário: a concepção dialética ou histórico-crítica vê-se os três níveis


presentes, articulando-se de maneira recíproca em suas relações, fazendo com que
ao mesmo tempo surja como determinado e como determinante dos demais.

“[...] o conceito de pedagogia reporta-se a uma teoria que se estrutura a partir e em


função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação, busca
equacionar, de alguma maneira, o problema da relação educador-educando, de
modo geral, ou, no caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando
o processo de ensino e aprendizagem. Assim, não se constituem como pedagogia
aquelas teorias que analisam a educação pelo aspecto de sua relação com a
sociedade e não têm como objetivo formular diretrizes que orientem a atividade
educativa, como é o caso das teorias que chamei de “crítico-reprodutivistas”.” (p. 18)

Comentário: o conceito de pedagogia diz respeito a uma teoria que se dá por meio
de uma prática educativa. Neste sentido, levasse em consideração a relação
educador-educando, especialmente na escola, orientado o processo ensino-
aprendizagem. Sendo assim, não se constituem pedagogia as teorias que analisam
a educação por meio da sua relação com a sociedade, caso das teorias ditas crítico-
reprodutivistas.

“[...] Dado que interferem na educação diversos fatores, compreendê-la implica levar
em conta diversas perspectivas, o que acarreta uma dispersão traduzida ou num
enciclopedismo vacilante ou na oscilação entre os diferentes enfoques decorrentes
das várias abordagens, supostamente científicas, que incidem sobre a educação.
[...] A pedagogia seria o recurso que nos permitiria unificar as perspectivas e eliminar
a diversidade de abordagens; haveria, para lá e acima da diversidade, uma e
mesma abordagem: a abordagem pedagógica. [...]” (p. 20)

Comentário: compreender a educação é levar em consideração diversos fatores e


perspectivas, o que traz consigo uma difusão de variadas formas e enfoques de
diversas abordagens ditas científicas. A pedagogia, por conseguinte, seria um meio
de unir todas as perspectivas e eliminar as diversas abordagens, incidindo apenas
uma única abordagem, a pedagógica.

“[...] Há os que definem a pedagogia como a ciência da educação. Outros lhe negam
caráter científico, considerando-a predominantemente como arte de educar. Para
alguns ela é antes técnica do que arte, enquanto outros a assimilam à filosofia ou à
história da educação, não deixando de haver, até mesmo, quem a considere como
teologia da educação [...]. Outra forma de entender a pedagogia é dada pelo termo
teoria, definindo-a como teoria da educação. Mas há, também, definições
combinadas, como ciência e arte de educar; ciência de caráter filosófico que estuda
a educação apoiada em ciências auxiliares; e teoria e prática da educação.” (p. 20)

Comentário: existe uma controvérsia entre a pedagogia ser ou não-ser uma ciência
da educação. Resumindo-a, para quem a nega, como uma arte de educar. Outros a
sugerem enquanto uma técnica educativa, ou filosofia, história, teologia e ou teoria
da educação.

“[...] um exame, mesmo que superficial, das diversas e múltiplas caracterizações do


termo pedagogia permite perceber que, para lá da diversidade, há um ponto comum:
todas elas trazem uma referência explícita à educação.” (p. 20)

Comentário: mesmo entre as mais variadas caracterizações do termo pedagogia, o


que há de comum em todas é sua vinculação explícita à educação.

“Como ocorre, em geral, com toda prática humana, a prática educativa também se
desenvolveu inicialmente de forma espontânea, como uma atividade indiferenciada
no interior da prática social global. Nessas condições, os procedimentos que
caracterizam a prática educativa foram se estabelecendo e adquirindo
características próprias no âmbito do senso comum, tendo como guia o bom senso
de seus agentes.” (p. 20)

Comentário: como toda prática humana, a prática educativa desenvolveu-se


inicialmente de modo espontâneo, como algo indiferenciado da prática social. Neste
sentido, tomando como características elementares aquelas advindas do próprio
senso comum, em que o ponto de partida reside no bom senso de seus agentes.

“Giovanni Genovesi, [...], distingue três etapas históricas no desenvolvimento da


pedagogia. Nas duas primeiras a pedagogia teria se comportado como filha da
educação, ao passo que na terceira ela se converte em mãe da educação.” (p. 21)

Comentário: Giovanni Genovesi coloca três as etapas históricas que a pedagogia


se desenvolveu. Nas duas primeiras a pedagogia se coloca como filha da educação,
enquanto na terceira se converte na mãe da educação.
“[...] a pedagogia é uma ciência autônoma porque tem a sua própria linguagem e
tem consciência de usá-la segundo um método e fins próprios, constituindo, por
meio dessa linguagem, um corpo de conhecimentos, uma série de experimentações
e de técnicas sem as quais lhe seria impossível qualquer construção de modelos
educativos [...]. E, como toda ciência, obviamente também a pedagogia se afirma
como uma construção teorética em função da prática sendo, porém, enganador,
definir uma ciência e, portanto, definir a pedagogia e as ciências da educação
apenas pela vertente prática, isto é, como ciência de intervenção.” (p. 22)

Comentário: a pedagogia se apresenta enquanto ciência autônoma devido possuir


linguagem e consciência própria de tal modo que seu método se converte em fins
próprios construindo conhecimentos, experimentações e técnicas típicos de seus
modelos educativos. Além disso, se mostra enquanto uma construção teorética em
função de sua prática.

“Genovesi admite a possibilidade de várias ciências da educação. Mas considera


que não é possível determinar, de uma vez por todas, quais são as disciplinas que
compõem o universo das ciências da educação, devendo-se, isto sim, definir o
critério a partir do qual uma ciência pode ser considerada uma das ciências da
educação. [...]” (p. 22)

Comentário: Genovesi ratifica a possibilidade de variadas ciências da educação.


Entretanto, impossível de determinar quais disciplinas responsáveis por constituir o
universo das ciências da educação, de tal modo sendo possível apenas qual o
critério pelo quando pode ser considerada uma das ciências da educação.

“No conjunto das chamadas ciências da educação a pedagogia ocupa um lugar


particular. O papel da pedagogia não é outro senão oferecer modelos formais sobre
o problema da formação do indivíduo, racionalmente justificáveis e logicamente
defensáveis, particularizando as variáveis que os compõem como instrumentos
interpretativos e propositivos de uma classe de eventos educativos [...].” (p. 23)
Comentário: entre as ciências da educação a pedagogia ocupa um lugar particular.
Isto é, ser capaz de oferecer modelos formais acerca do problema formativo do
indivíduo, observando elementos de ordem racional, lógico, interpretativo e
propositivo em meio às classes de eventos educativos.

“As chamadas ciências da educação, em verdade, são ciências já constituídas com


um objeto próprio, externo à educação, e que constituem, em seu próprio interior,
um ramo específico que considera a educação sob o aspecto de seu próprio objeto,
recortando, no conjunto do fenômeno educativo, aquela faceta que lhe corresponde.
Diferentemente, a ciência da educação, propriamente dita, se constituiria na medida
em que constituísse a educação, considerada em concreto, isto é, em sua
totalidade, como seu objeto.” (p. 23)

Comentário: as ciências da educação são ciências que já possuem seu objeto


próprio, muitas vezes externo, mas que carregam consigo, dentro de sua
especificidade, o recorte do fenômeno educativo correspondente. Diferentemente da
ciência da educação que necessita da própria educação enquanto meio de
desdobramento do fenômeno educativo.

Considerações finais

O presente artigo aqui fichado de autoria de Demerval Saviani e intitulado:


‘Epistemologia e teorias da educação no Brasil’, traz um apanhado das principais
concepções e níveis em que a educação está sendo reproduzida e refletida
enquanto proposta epistêmica ou mesmo enquanto teoria da educação. Diante
disso, o autor apresenta uma variedade de concepções, todas elas com suas
especificidades, fazendo com que seja possível visualizar suas formas de
reprodutibilidade em meio à sociedade de tal forma que ora se apresentem enquanto
uma proposta de conhecimento levando em consideração os fins que deseja
alcançar ou mesmo na sua prática pedagógica ligada, rigorosamente, à ideia de
educação. E, sob esse aspecto, como um processo que evidencie a relação
ensino/aprendizagem, ou seja, enquanto procedimento de caráter formativo em si,
apesar de suas especificidades enquanto objeto e fins.

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