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Que é Administração?

(Extraído de Peter F. Drucker – Introdução à Administração: 1998, págs. 2 a 5)


(Texto original publicado em 1973 sob título An introductory view of management)

A administração e os administradores constituem necessidades específicas de todas as


entidades, da menor à maior. Constituem o órgão específico de toda entidade. São eles que mantêm
sua coesão e a fazem trabalhar. Nenhuma de nossas entidades poderia funcionar sem o recurso dos
administradores. E os administradores fazem o serviço que lhes é inerente – não o fazem por
delegação do “proprietário”. A necessidade da administração não deriva simplesmente do fato de o
serviço ter assumido dimensões grandes demais para que uma pessoa só se encarregue. Administrar
uma empresa privada ou uma entidade pública de prestação de serviços é intrinsecamente diferente
de dirigir o que nos pertença, ou de dirigir o exercício da medicina ou o de uma advocacia por si
mesmo praticada.
Naturalmente, muitas são as grandes e complexas empresas privadas que nasceram de uma
oficina individual. Mas conjuntamente com a evolução inicial, o crescimento provoca algo mais do que
uma simples mudança nas dimensões do empreendimento. Em determinada altura (bem antes de a
empresa chegar ao “tamanho médio”), a quantidade transforma-se em qualidade. Neste ponto, mesmo
se continuarem como os donos exclusivos, seus proprietários já não dirigem mais “a própria firma”. Aí,
o que eles tem nas mãos é uma empresa real – e se rapidinho não virarem seus administradores, em
pouco serão substituídos como “proprietários” ou então a empresa irá por água abaixo. Pois nessa
altura a empresa já constitui uma organização, e para sobreviver precisa de uma estrutura diferente,
princípios diferentes, comportamento diferente e trabalho diferente. Precisa de administradores e de
administração.
Juridicamente, a administração da empresa ainda é vista como delegação da propriedade,
mesmo no sistema soviético: pela legislação soviética, o Estado exerce o controle por que é o
“proprietário” que substituiu os acionistas particulares. Mas a doutrina que já está sendo posta em
prática, embora apenas evoluindo em matéria de legislação, é que a administração precede e até
supera a propriedade. O proprietário precisa subordinar-se à necessidade que a empresa tem, de ser
administrada e possuir administradores. Muitos, naturalmente, são os proprietários que desempenham
com êxito os dois papéis, o de proprietário investidor e o do administrador de cúpula. Mas se a
empresa não possuir a administração que precisa, será inútil a propriedade em si mesma. E se a
empresa for tão grande ou desempenhar um papel tão importante que sua sobrevivência e
desempenho passem a ser considerados assuntos de interesse nacional, a pressão popular ou as
medidas governamentais acabarão retirando o controle do proprietário que se ponha no caminho da
administração. Assim foi que na década de 1950 Howard Hughes foi obrigado pelo governo norte-
americado a renunciar ao controle da Hughes Aircraft Company, que lhe pertencia por inteiro,
produzindo componentes eletrônicos de decisiva importância para a segurança do país. Os
administradores foram introduzidos porque ele teimou em dirigir sua empresa como “proprietário”. Da
mesma forma, na década de 1960 o governo alemão colocou uma administração autônoma à frente da
cambaleante Companhia Krupp, muito embora a família Krupp possuísse 100 por cento de suas
ações.
É avassaladora a mudança que se observa entre a empresa dirigida pelo proprietário
empreendedor, com a ajuda de “auxiliares” e a empresa que exige administração. A empresa só
conseguirá concretizar essa metamorfose se introduzir uma radical transformação em seus conceitos e
princípios básicos, bem como no modo como seu proprietário a encare.
Pode-se comparar esses dois tipos de empresa com duas espécies diferentes de organismos:
o inseto, conservado unido por uma pele rígida e resistente; e o animal vertebrado, com seu esqueleto.
Os animais terrestres providos de pele dura não podem ser maiores que certo número de centímetros.
Para ser maiores do que isso, precisarão possuir esqueleto. Esse esqueleto, contudo, não evoluiu a
partir da pele dura do inseto; pois é um órgão diferente, com diferentes antecedentes. Da mesma
forma, a administração torna-se necessária quando a empresa chega a determinado tamanho e
complexidade. Embora substituindo a estrutura “pele dura” do empresário proprietário, a administração
não é sua sucessora. É, sim, sua substituta.
Quando é que a empresa atinge o estágio em que precisa passar da “pele dura” para o
esqueleto? Essa linha situa-se em algum ponto entre 300 e os 1000 empregados. Mais importante,
porém, talvez seja o aumento de sua complexidade. Quando obrigada a executar uma série de tarefas
em cooperação, sincronização e comunicação, a organização já precisará possuir administradores e
administração. Exemplo seria um pequeno laboratório de pesquisas com 20 ou 25 cientistas de
variadas especializações trabalhando juntos. Sem a administração, ele perderia o controle das coisas.
Seus planos deixariam de concretizar-se. Ou, então, pior do que isso, as diversas partes dos planos
caminhariam em ritmos diferentes e momentos diferentes, além de com diferentes objetivos e metas. A
consideração pessoal do “chefe” tornar-se-ia mais importante do que o próprio desempenho. Neste
ponto, o produto poderia ser excelente e o pessoal capacitado e dedicado. O chefe poderia ser – e
muitas vezes é, nessa circunstância – alguém de grande capacidade e poder pessoal. Mas a empresa
começaria a meter os pés pelas mãos, a estagnar, e logo a começar a descer serra, até que adotasse
o “esqueleto” da estrutura dos administradores e da administração.
A palavra inglesa “management” tem séculos de antiguidade. Mas sua aplicação ao órgão de
comando de uma entidade e particularmente da empresa privada é especialmente norte-americana – e
o significado norte-americano de “management” não tem correspondente em qualquer outra língua.
[Enquanto nos Estados Unidos se fala de “management”, na Inglaterra constuma-se falar de “The
Board” (o conselho, a Diretoria) ou “The executive” (o executivo, o poder executivo)]. “Management”
indica tanto uma função como a pessoa que a desempenha. Indica posição e autoridade social, mas
também uma disciplina escolar e um campo de estudo.
Mesmo no sentido norte-americano, não é fácil empregar a palavra “management”, pois as
organizações não-empresariais não falam, em regra, nem de “management” nem de “managers”. As
universidades e os organismos públicos possuem “administrators”, como os possuem os hospitais. As
forças armadas possuem seus “commanders”. Outras entidades falam de “executives”, etc.
Entretanto, todas essas organizações têm em comum a função da administração, a tarefa da
administração e seu trabalho. Todas elas precisam da administração. E em todas a administração é o
órgão real e ativo.
Sem a organização, não haveria administração. Mas sem a administração poderia haver
apenas um amontoado de gente, não uma organização. A organização em si mesma constitui órgão
da sociedade e existe apenas para cooperar com a sociedade, a economia e as pessoas, contribuindo
com o resultado necessário. Os órgãos, contudo, nunca se definem por aquilo que fazem, menos
ainda pela forma como o fazem. Eles se definem pela contribuição que prestam. E é a administração
que permite à respectiva organização prestar sua cooperação.
A administração é desincumbência de tarefas. A administração é uma disciplina de estudo.
Mas é também gente. Cada realização da administração é realização de um administrador. Cada
deficiência é deficiência de um administrador. São pessoas que administram e não “forças”, nem
“fatos”. É o descortínio, a dedicação e a integridade dos administradores que determinam se existe
administração ou desadministração.

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