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Assunto
Cosmovisão Reformada
D. A Reforma e o Humanismo-renascentista
A despeito da importância do humanismo como uma
preparação para a Reforma, a maioria dos
humanistas, e principalmente Erasmo entre eles,
nunca alcançou nem a gravidade da condição
humana, nem o triunfo da graça divina, o que
marcou os reformadores. O humanismo, assim
como o misticismo, foi parte da estrutura que
possibilitou aos reformadores questionar certas
suposições da tradição recebida, mas que em si
mesma não era suficiente para fornecer uma
resposta duradoura às obsessivas perguntas da
1
época. – Timothy George.
O mal uso desses empreendimentos pode ser nocivo como a história tem
demonstrado.3 Porém, pode ser de grande utilidade para todos e em especial para a
1
Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 50.
2
Francis A. Schaeffer, La Fe de los humanistas, 2. ed. Madrid: Felire, 1982, p. 10.
3
“Um avanço médico que nos ajuda a entender como o corpo humano funciona pode levar a novas curas;
todavia, também pode levar a uma arma de destruição em massa projetada para usar esse conhecimento da
fisiologia humana a fim de destruir populações inteiras” (Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido:
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 2
Tudo o que é sólido e criterioso nas artes humanas, tudo o que é verdadeiro
e considerável em filosofia, tudo o que é elegante e gracioso na ampla
extensão da literatura acadêmica. Tudo flui do Pai das Luzes, a inesgotável
Fonte de toda razão, verdade e beleza; e tudo isso, portanto, coletado de
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toda parte do universo, deveria novamente ser consagrado a Ele.
Dito isso, devemos entender que a Reforma não foi um movimento celestial, no
sentido de um movimento encarnacional-histórico, antes surge daqui de baixo, por
meio de homens que viveram a sua época e se depararam com problemas
concretos, que buscaram na Escritura uma resposta para as questões vigentes.
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“O humanismo renascentista redescobriu e reafirmou os gregos, a Reforma redescobriu e reafirmou a Bíblia.
Tanto o classicismo como o biblicismo renasceram de forma purificada” (Gene Edward Veith, Jr., Tempos
Pós-Modernos, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 25).
9
Veja-se: Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos séculos: Uma História da Igreja Cristã, São Paulo:
Vida Nova, 1984, p. 223.
10
Ver: Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lisboa: Edições 70, (1995), p. 85-86.
11
Cf. Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo, Campinas, SP.: Editora da UNICAMP., 1992, p. 195. “A
Reforma Protestante não apenas buscou purificar a igreja e livrá-la dos erros doutrinários, como também
buscou a restauração da integralidade da vida. Isso acarretou a libertação da vida natural do homem e das
várias esferas na sociedade do senhorio excessivo da igreja. Enquanto o Humanismo foi uma tentativa de
proclamar a liberdade do homem em relação a Deus e a toda autoridade, reforçando a autonomia contra a
heteronomia, os reformadores se uniram em sua paixão pela liberdade do homem cristão, o que significava a
subserviência à Palavra do Senhor” (Henry R. Van Til, O Conceito calvinista de cultura, São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, p. 20).
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Zuínglio que era um admirador dos clássicos, na juventude, seguiu as ideias de Erasmo – quem conhecera
em 1516 –; posteriormente, 1519-1520, abandonou as suas concepções, descrendo parcialmente do programa
humanista e da visão pelagiana de Erasmo; passou a sustentar a total depravação do homem e que este só
teria salvação se fosse transformado por Cristo. (Cf. Bengt Hägglund, História da Teologia, Porto Alegre,
RS.: Casa Publicadora Concórdia, 1973, p. 219; Roger Olson, História da Teologia Cristã, São Paulo:
Editora Vida, 2001, p. 409). George falando sobre o jovem Zuínglio, assim o descreve: “O desenvolvimento
inicial de Zuínglio foi moldado por dois fatores que continuaram a influenciar seu pensamento por toda a sua
carreira: o patriotismo suíço e o humanismo erasmiano” (Timothy George, Teologia dos reformadores, p.
111). Hägglund observa que “Apesar de sua perspectiva reformada, Zuínglio nunca abandonou seu ponto de
vista humanista” (B. Hägglund, História da Teologia, p. 220).
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Ver: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 198ss.
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O lugar do homem
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Lucas (1889-1961) apresenta a seguinte distinção entre alguns reformadores: “O sistema teológico de
Calvino foi o mais elaborado e científico corpo de dogma produzido no campo Protestante. Lutero foi um
poderoso revolucionário com uma profunda intuitiva sensibilidade religiosa que, no entanto, nunca conseguiu
reduzir a um sistema. Melanchthon foi um discípulo e nunca o proclamador pioneiro de uma teologia.
Zuínglio foi o produto de diversas influências e atuou somente sob o impulso de eventos específicos; ele não
foi um teólogo sistemático” (Henry S. Lucas, The Renaissance and the Reformation, New York: Harper &
Brothers Publishers, 1934, p. 579). Vejam-se também, Philip Schaff; David S. Schaff, History of the
Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 257-260; Justo L.
Gonzalez, A Era dos reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 107; L. Berkhof, Introduccion a la
Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan: The Evangelical Literature League, © 1932, p. 79-80. Sobre
Zuínglio, Schaff diz que a sua importância foi mais histórica que doutrinária. (Philip Schaff, The Creeds of
Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p.
360). No entanto devemos ter em mente que Zuínglio escreveu seus trabalhos em menos de dez anos e,
raramente teve tempo de revisar alguns de seus sermões para serem publicados. (Veja-se: Timothy George,
Teologia dos reformadores, p. 119ss.). Contudo ele, possivelmente influenciado por Erasmo, conhecia muito
bem o grego, tendo copiado com suas próprias mãos, de modo destro, as Epístolas de Paulo e a Epístola aos
Hebreus, baseando-se na edição do Novo Testamento Grego de Erasmo (1516). (Cf. Philip Schaff, History of
the Christian Church, v. 8, p. 31). Bullinger diz que Zuínglio memorizou em grego todas as Epístolas de
Paulo (Cf. Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 113).
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Timothy George observa corretamente que os reformadores, “Embora acolhessem entusiasticamente os
esforços dos eruditos humanistas, tais como Erasmo, por recuperar o primeiro texto bíblico e submetê-lo a
uma rigorosa análise filológica, eles não viam a Bíblia meramente como um livro entre muitos outros. Eles
eram irrestritos em sua aceitação da Bíblia como a única e divinamente inspirada Palavra do Senhor”
(Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 312). Dentro de outro prisma afirma Harrison (1920-1993):
“A importância da Reforma para a crítica bíblica, não esteve tanto na preocupação com os processos
históricos ou literários envolvidos na formulação do cânon bíblico, senão em sua insistência contínua na
primazia do singelo sentido gramatical do texto por direito próprio, independente de toda interpretação feita
pela autoridade eclesiástica” (R.K. Harrison, Introduccion al Antiguo Testamento, Jenison, Michigan: TELL.,
1990, v. 1, p. 7-8). Ainda dentro de outra ótica, afirma o historiador francês Boisset: “A preocupação do
humanista, em suma, é afirmar e demonstrar a grandeza do homem; a do reformador, segundo a expressão de
Calvino, é dar testemunho da ‘honra de Deus’” (Jean Boisset, História do Protestantismo, São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1971, (Coleção “Saber Atual”), p. 17).
16
Francis A. Schaeffer, Como Viveremos? São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 49. Veja-se:
Robert W. Pazmiño, Temas Fundamentais da Educação Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 146-151.
17
Cf. Quirinus Breen, John Calvin: A Study in French Humanism, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1931,
p. vii.
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No quinto século antes de Cristo, o filósofo sofista grego Protágoras (c. 480-410 a.C.) na sua obra,
hoje perdida, A Verdade (A)lh/qeia) disse: Homo Mensura, ou na forma completa: "O homem é a
medida de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem"
(Apud Platão, Teeteto, 152a: In: Teeteto-Crátilo, 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, p
15. Citado também em Platão, Crátilo, 385e). Para não sermos conduzidos erroneamente à
compreensão de que este pensamento fosse dominante, destacamos que Platão (427-347 a.C.),
diferentemente de Protágoras, entendia que a medida de todas as coisas estava em Deus: “Aos
nossos olhos a divindade será ‘a medida de todas as coisas’ no mais alto grau” (Platão, As Leis,
Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189). A Renascença se caracteriza pela tentativa de vivenciar
o conceito de Protágoras. Neste período houve uma "virada antropológica". Deus cedeu lugar ao
homem, deixando de ser o centro das atenções; o "homem virtuoso" passou a ocupar o trono da
história. "O homem pelo homem para o homem". Esse é, de certa forma, o lema implícito do
Humanismo Renascentista. O homem passou a ser considerado como o centro do mundo, a imagem
completa de todas as coisas; o livro da natureza. Pico della Mirandola (1463-1496), em seu
panegírico sobre o homem, já no primeiro parágrafo, cita Hermes: “Grande milagre, ó Asclépio, é o
homem” (Giovanni Pico Della Mirandola, Discurso Sobre a Dignidade do Homem, (Edição Bilíngue),
Lisboa: Edições 70, (2001), p. 49. Veja os comentários a respeito da posição de Mirandola, in: Erwin
Panofsky, Significados nas Artes Visuais, São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 20-21).
Schaeffer depois de interpretar o Davi (1504) de Miguel Ângelo (1475-1564) como uma declaração
humanista (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 42-43),
conclui: “Os humanistas tinham certeza de que o homem, partindo de si mesmo, seria capaz de
resolver qualquer problema. A fé no homem era total. O homem que, partindo de si mesmo, era capaz
de se esculpir a si mesmo na rocha, diretamente na natureza, poderia resolver tudo. O brado
humanista era ‘eu posso fazer o que bem quiser; espere só até amanhã’. Mas Da Vinci, em seu
brilhantismo, acabou, no final de sua vida, vendo que o humanismo seria derrotado” (Francis A.
Schaeffer, Como Viveremos?, p. 45).
Assim, o homem não deve ficar olhando para as alturas mas, para dentro de si mesmo; há uma
mudança de ótica e perspectiva.
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O homem deve ser respeitado, amado e ajudado porque é a imagem de Deus (Ver: João Calvino, A
Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 37-38). Por mais indigno que seja, devemos
considerar: “A imagem de Deus nele é digna de dispormos a nós mesmos e nossas posses a ele” (João
Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 38). “Não temos de pensar continuamente nas maldades do homem,
mas, antes, darmos conta de que ele é portador da imagem de Deus” (João Calvino, A Verdadeira Vida
Cristã, p. 38). “Deus, ao criar o homem, deu uma demonstração de sua graça infinita e mais que amor
paternal para com ele, o que deve oportunamente extasiar-nos com real espanto; e embora, mediante a queda
do homem, essa feliz condição tenha ficado quase que totalmente em ruína, não obstante ainda há nele alguns
vestígios da liberalidade divina então demonstrada para com ele, o que é suficiente para encher-nos de
pasmo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.7-9), p. 173-174). “A
Escritura nos ajuda com um excelente argumento, ensinando-nos a não pensar no valor real do homem, mas
só em sua criação, feita conforme a imagem de Deus. A ele devemos toda honra e o amor de nosso ser” (João
Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 37). “O Senhor ordena que façamos o bem a todos, sem exceção,
apesar do fato de que em sua maior parte são indignos, se os julgarmos segundo os seus próprios méritos.
Mas a Escritura não perde tempo e nos admoesta no sentido de que não temos que observar tais ou quais
méritos dos homens, mas, antes, devemos considerar em todos eles a imagem de Deus, a qual devemos
honrar e amar. Singularmente, o apóstolo nos exorta a que a reconheçamos nos da “família da fé” (Gl 6.10),
visto que neles a imagem de Deus é renovada e restaurada pelo Espírito de Cristo” (João Calvino, As
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 6
Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã,
2006, v. 4, (IV.17), p. 190). Ver também: João Calvino, As Institutas, I.15.3-4; III.7.6; Francis A. Schaeffer, A
Morte da razão, São Paulo: ABU; FIEL, 1974, p. 20ss.; André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p.
47. É digna de nota a observação do filósofo católico Émile Bréhier (1876-1952): “A Reforma opõe-se tanto
à teologia escolástica, quanto ao humanismo. Nega a teologia escolástica, porque nega, com Ockham, que
nossas faculdades racionais possam conduzir-nos da natureza ao seio de Deus. Renega o humanismo, menos
por seus erros do que por seus perigos, posto que as forças naturais não podem comunicar qualquer sentido
religioso” (É. Bréhier, História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977-1978, I/3, p. 209).
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Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo, p. 196.