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Palavras chaves

Humanismo, Renascimento, Reforma Protestante, Graça Comum, Valor do


Homem

Assunto
Cosmovisão Reformada

Tentando pensar e viver como um Reformado:


Reflexões de um estrangeiro residente (21)

D. A Reforma e o Humanismo-renascentista
A despeito da importância do humanismo como uma
preparação para a Reforma, a maioria dos
humanistas, e principalmente Erasmo entre eles,
nunca alcançou nem a gravidade da condição
humana, nem o triunfo da graça divina, o que
marcou os reformadores. O humanismo, assim
como o misticismo, foi parte da estrutura que
possibilitou aos reformadores questionar certas
suposições da tradição recebida, mas que em si
mesma não era suficiente para fornecer uma
resposta duradoura às obsessivas perguntas da
1
época. – Timothy George.

A Reforma foi revolucionária porquanto se


apartou tanto do humanismo católico-
romano como do secular. – Francis A.
2
Schaeffer.

A graça comum de Deus que tem como um de seus aspectos o estímulo ao


conhecimento e o consequente desenvolvimento da ciência, deve motivar em nós
um senso de gratidão e humildade.

Além de restringir o mal, a graça comum de Deus, conforme é concebida pela


Teologia Reformada, propicia a todos os homens em todos os lugares, a
possibilidade de adquirir conhecimentos relevantes que são úteis para o progresso
da sociedade.

O mal uso desses empreendimentos pode ser nocivo como a história tem
demonstrado.3 Porém, pode ser de grande utilidade para todos e em especial para a
1
Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 50.
2
Francis A. Schaeffer, La Fe de los humanistas, 2. ed. Madrid: Felire, 1982, p. 10.
3
“Um avanço médico que nos ajuda a entender como o corpo humano funciona pode levar a novas curas;
todavia, também pode levar a uma arma de destruição em massa projetada para usar esse conhecimento da
fisiologia humana a fim de destruir populações inteiras” (Alister E. McGrath, Surpreendido pelo sentido:
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Igreja dentro de seu propósito de glorificar a Deus em sua vida e testemunho. A


ciência como todos os demais saberes, bem utilizados glorificam a Deus.4

As palavras do teólogo Witsius (1636-1708) no discurso inaugural na


5
Universidade de Franeker, (1675), dirigido aos seus alunos, e a uma audiência de
toda a província, representam bem o pensamento Reformado:

Tudo o que é sólido e criterioso nas artes humanas, tudo o que é verdadeiro
e considerável em filosofia, tudo o que é elegante e gracioso na ampla
extensão da literatura acadêmica. Tudo flui do Pai das Luzes, a inesgotável
Fonte de toda razão, verdade e beleza; e tudo isso, portanto, coletado de
6
toda parte do universo, deveria novamente ser consagrado a Ele.

A Reforma e a sua humanidade

Dito isso, devemos entender que a Reforma não foi um movimento celestial, no
sentido de um movimento encarnacional-histórico, antes surge daqui de baixo, por
meio de homens que viveram a sua época e se depararam com problemas
concretos, que buscaram na Escritura uma resposta para as questões vigentes.

Essa percepção de forma alguma diminui a convicção da direção de Deus na


história. Antes, enfatiza que Deus se vale de meios e que tais meios em suas
relações causais e concausais devem ser avaliados ainda que muito disso
ultrapasse totalmente o objetivo dessas anotações.

A Reforma surgiu num contexto humanista e renascentista, tendo inclusive alguns


pontos em comum;7 como exemplo disto, citamos o fato de que a ênfase humanista
no retorno às fontes primárias fez com que os humanistas cristãos se despertassem

ciência, fé e o sentido das coisas, São Paulo: Hagnos, 2015, p. 138).


4
“A ciência, que é uma criação de Deus, é constituída por esse sistema humano de reflexão, tendo
sido vocacionada para, de maneira independente, realizar a tarefa que lhe foi designada pelo próprio
Deus. O Senhor organizou a ciência desse modo com o intuito de magnificar seu santo nome”
(Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.:
Monergismo, 2018, p. 47). “Pois toda criatura como tal existe por Deus e, portanto, para Deus. A
ciência também existe por causa de Deus e encontra seu objetivo final em sua glória” (Herman
Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 53).
5
Universidade na qual estudara Descartes (1599-1650), uns 45 anos antes.
6
Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020. (Locais do
Kindle 174-178).
7
Cf. Edith Sichel, O Renascimento, 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, p. 17; N. Abbagnano; A. Visalberghi,
Historia de la Pedagogía, p. 253. “É possível que, sem os humanistas, os reformadores não tivessem
conseguido abalar o poderoso edifício da ordem medieval e suscitar sentimentos de consternação humana e
de busca ardente da graça (...) pode-se afirmar que os períodos de crise são mais propícios para a teologia do
que os tempos de riqueza espiritual e moral” (Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, p. 103). Nunca é
demais lembrar, que apesar da importância do Humanismo para a Reforma, esta seguiu um rumo diferente
daquele, tendo obviamente pontos discordantes e objetivos diferentes (Vejam-se: Alister E. McGrath,
Reformation Thought: An Introduction, 2. ed. Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993, p. 62-65; Alister
McGrath, Origens Intelectuais da Reforma, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 43ss.; Roland H. Bainton,
The Reformation of the Sixteenth Century, Boston, Massachusetts: Beacon Press, 1985 (Enlarged Editon), p.
3; F.A. Schaeffer, La Fe de los humanistas, 2. ed. Madrid: Felire, 1982, p. 10; André Biéler, A Força Oculta
dos Protestantes, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 44-45).
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para o estudo dos originais da Bíblia, 8 o que ocasionou a verificação de uma


evidência cada vez mais forte: as diferenças existentes entre os princípios do Novo
Testamento e a religião romana.9

A Reforma também pôde se valer das traduções e edições de obras, inclusive


cristãs, até então desconhecidas ou de pequeníssima circulação, feitas pelos
humanistas.10 A própria edição do Novo Testamento Grego feita por Erasmo (1516)
se constitui numa grande evidência do que estamos dizendo.

Humanismo e Reforma: Diferenças

Contudo as diferenças são mais profundas do que as semelhanças; 11 e a


Reforma também não foi sintética em termos dos valores cristãos e pagãos: Lutero
(1483-1546), e mais tarde todos os reformadores, não se deixaram limitar por uma
visão puramente humanista, antes, pelo contrário, Lutero (1483-1546), Zuínglio
(1484-1531)12 e Calvino (1509-1564), apesar das divergências de compreensão, 13

8
“O humanismo renascentista redescobriu e reafirmou os gregos, a Reforma redescobriu e reafirmou a Bíblia.
Tanto o classicismo como o biblicismo renasceram de forma purificada” (Gene Edward Veith, Jr., Tempos
Pós-Modernos, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 25).
9
Veja-se: Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos séculos: Uma História da Igreja Cristã, São Paulo:
Vida Nova, 1984, p. 223.
10
Ver: Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lisboa: Edições 70, (1995), p. 85-86.
11
Cf. Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo, Campinas, SP.: Editora da UNICAMP., 1992, p. 195. “A
Reforma Protestante não apenas buscou purificar a igreja e livrá-la dos erros doutrinários, como também
buscou a restauração da integralidade da vida. Isso acarretou a libertação da vida natural do homem e das
várias esferas na sociedade do senhorio excessivo da igreja. Enquanto o Humanismo foi uma tentativa de
proclamar a liberdade do homem em relação a Deus e a toda autoridade, reforçando a autonomia contra a
heteronomia, os reformadores se uniram em sua paixão pela liberdade do homem cristão, o que significava a
subserviência à Palavra do Senhor” (Henry R. Van Til, O Conceito calvinista de cultura, São Paulo: Cultura
Cristã, 2010, p. 20).
12
Zuínglio que era um admirador dos clássicos, na juventude, seguiu as ideias de Erasmo – quem conhecera
em 1516 –; posteriormente, 1519-1520, abandonou as suas concepções, descrendo parcialmente do programa
humanista e da visão pelagiana de Erasmo; passou a sustentar a total depravação do homem e que este só
teria salvação se fosse transformado por Cristo. (Cf. Bengt Hägglund, História da Teologia, Porto Alegre,
RS.: Casa Publicadora Concórdia, 1973, p. 219; Roger Olson, História da Teologia Cristã, São Paulo:
Editora Vida, 2001, p. 409). George falando sobre o jovem Zuínglio, assim o descreve: “O desenvolvimento
inicial de Zuínglio foi moldado por dois fatores que continuaram a influenciar seu pensamento por toda a sua
carreira: o patriotismo suíço e o humanismo erasmiano” (Timothy George, Teologia dos reformadores, p.
111). Hägglund observa que “Apesar de sua perspectiva reformada, Zuínglio nunca abandonou seu ponto de
vista humanista” (B. Hägglund, História da Teologia, p. 220).
13
Ver: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 198ss.
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de ênfase e de estilo,14 estavam acordes quanto à centralidade da Palavra de Deus,


na Escritura como sendo a fonte, para se pensar acerca de Deus.15

“Ainda que a Reforma e a Renascença tivessem coincidido na História e também


tratado dos mesmos problemas básicos, as suas respostas foram completamente
diferentes”, interpreta Schaeffer.16

Enquanto os humanistas partiam de uma perspectiva secular, o protestantismo


tinha uma perspectiva e caráter religiosos. 17 Os reformadores vão enfatizar o estudo
da Palavra, visto que este fora ofuscado pela preocupação filosófica: a razão havia
tomado o lugar da revelação.

O lugar do homem

14
Lucas (1889-1961) apresenta a seguinte distinção entre alguns reformadores: “O sistema teológico de
Calvino foi o mais elaborado e científico corpo de dogma produzido no campo Protestante. Lutero foi um
poderoso revolucionário com uma profunda intuitiva sensibilidade religiosa que, no entanto, nunca conseguiu
reduzir a um sistema. Melanchthon foi um discípulo e nunca o proclamador pioneiro de uma teologia.
Zuínglio foi o produto de diversas influências e atuou somente sob o impulso de eventos específicos; ele não
foi um teólogo sistemático” (Henry S. Lucas, The Renaissance and the Reformation, New York: Harper &
Brothers Publishers, 1934, p. 579). Vejam-se também, Philip Schaff; David S. Schaff, History of the
Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 257-260; Justo L.
Gonzalez, A Era dos reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 107; L. Berkhof, Introduccion a la
Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan: The Evangelical Literature League, © 1932, p. 79-80. Sobre
Zuínglio, Schaff diz que a sua importância foi mais histórica que doutrinária. (Philip Schaff, The Creeds of
Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p.
360). No entanto devemos ter em mente que Zuínglio escreveu seus trabalhos em menos de dez anos e,
raramente teve tempo de revisar alguns de seus sermões para serem publicados. (Veja-se: Timothy George,
Teologia dos reformadores, p. 119ss.). Contudo ele, possivelmente influenciado por Erasmo, conhecia muito
bem o grego, tendo copiado com suas próprias mãos, de modo destro, as Epístolas de Paulo e a Epístola aos
Hebreus, baseando-se na edição do Novo Testamento Grego de Erasmo (1516). (Cf. Philip Schaff, History of
the Christian Church, v. 8, p. 31). Bullinger diz que Zuínglio memorizou em grego todas as Epístolas de
Paulo (Cf. Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 113).
15
Timothy George observa corretamente que os reformadores, “Embora acolhessem entusiasticamente os
esforços dos eruditos humanistas, tais como Erasmo, por recuperar o primeiro texto bíblico e submetê-lo a
uma rigorosa análise filológica, eles não viam a Bíblia meramente como um livro entre muitos outros. Eles
eram irrestritos em sua aceitação da Bíblia como a única e divinamente inspirada Palavra do Senhor”
(Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 312). Dentro de outro prisma afirma Harrison (1920-1993):
“A importância da Reforma para a crítica bíblica, não esteve tanto na preocupação com os processos
históricos ou literários envolvidos na formulação do cânon bíblico, senão em sua insistência contínua na
primazia do singelo sentido gramatical do texto por direito próprio, independente de toda interpretação feita
pela autoridade eclesiástica” (R.K. Harrison, Introduccion al Antiguo Testamento, Jenison, Michigan: TELL.,
1990, v. 1, p. 7-8). Ainda dentro de outra ótica, afirma o historiador francês Boisset: “A preocupação do
humanista, em suma, é afirmar e demonstrar a grandeza do homem; a do reformador, segundo a expressão de
Calvino, é dar testemunho da ‘honra de Deus’” (Jean Boisset, História do Protestantismo, São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1971, (Coleção “Saber Atual”), p. 17).
16
Francis A. Schaeffer, Como Viveremos? São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 49. Veja-se:
Robert W. Pazmiño, Temas Fundamentais da Educação Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 146-151.
17
Cf. Quirinus Breen, John Calvin: A Study in French Humanism, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1931,
p. vii.
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Na Reforma, o ponto de partida não é o homem. Ele não é considerado “a medida


de todas as coisas”;18 antes, a sua dignidade consiste em ter sido criado à imagem
de Deus.19 Portanto, a dissociação entre a Renascença e a Reforma teria de ser
como foi: inevitável.20

Maringá, 06 de outubro de 2023.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

18
No quinto século antes de Cristo, o filósofo sofista grego Protágoras (c. 480-410 a.C.) na sua obra,
hoje perdida, A Verdade (A)lh/qeia) disse: Homo Mensura, ou na forma completa: "O homem é a
medida de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem"
(Apud Platão, Teeteto, 152a: In: Teeteto-Crátilo, 2. ed. Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, p
15. Citado também em Platão, Crátilo, 385e). Para não sermos conduzidos erroneamente à
compreensão de que este pensamento fosse dominante, destacamos que Platão (427-347 a.C.),
diferentemente de Protágoras, entendia que a medida de todas as coisas estava em Deus: “Aos
nossos olhos a divindade será ‘a medida de todas as coisas’ no mais alto grau” (Platão, As Leis,
Bauru, SP.: EDIPRO, 1999, IV, 716c. p. 189). A Renascença se caracteriza pela tentativa de vivenciar
o conceito de Protágoras. Neste período houve uma "virada antropológica". Deus cedeu lugar ao
homem, deixando de ser o centro das atenções; o "homem virtuoso" passou a ocupar o trono da
história. "O homem pelo homem para o homem". Esse é, de certa forma, o lema implícito do
Humanismo Renascentista. O homem passou a ser considerado como o centro do mundo, a imagem
completa de todas as coisas; o livro da natureza. Pico della Mirandola (1463-1496), em seu
panegírico sobre o homem, já no primeiro parágrafo, cita Hermes: “Grande milagre, ó Asclépio, é o
homem” (Giovanni Pico Della Mirandola, Discurso Sobre a Dignidade do Homem, (Edição Bilíngue),
Lisboa: Edições 70, (2001), p. 49. Veja os comentários a respeito da posição de Mirandola, in: Erwin
Panofsky, Significados nas Artes Visuais, São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 20-21).
Schaeffer depois de interpretar o Davi (1504) de Miguel Ângelo (1475-1564) como uma declaração
humanista (Francis A. Schaeffer, Como Viveremos?, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 42-43),
conclui: “Os humanistas tinham certeza de que o homem, partindo de si mesmo, seria capaz de
resolver qualquer problema. A fé no homem era total. O homem que, partindo de si mesmo, era capaz
de se esculpir a si mesmo na rocha, diretamente na natureza, poderia resolver tudo. O brado
humanista era ‘eu posso fazer o que bem quiser; espere só até amanhã’. Mas Da Vinci, em seu
brilhantismo, acabou, no final de sua vida, vendo que o humanismo seria derrotado” (Francis A.
Schaeffer, Como Viveremos?, p. 45).
Assim, o homem não deve ficar olhando para as alturas mas, para dentro de si mesmo; há uma
mudança de ótica e perspectiva.
19
O homem deve ser respeitado, amado e ajudado porque é a imagem de Deus (Ver: João Calvino, A
Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 37-38). Por mais indigno que seja, devemos
considerar: “A imagem de Deus nele é digna de dispormos a nós mesmos e nossas posses a ele” (João
Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 38). “Não temos de pensar continuamente nas maldades do homem,
mas, antes, darmos conta de que ele é portador da imagem de Deus” (João Calvino, A Verdadeira Vida
Cristã, p. 38). “Deus, ao criar o homem, deu uma demonstração de sua graça infinita e mais que amor
paternal para com ele, o que deve oportunamente extasiar-nos com real espanto; e embora, mediante a queda
do homem, essa feliz condição tenha ficado quase que totalmente em ruína, não obstante ainda há nele alguns
vestígios da liberalidade divina então demonstrada para com ele, o que é suficiente para encher-nos de
pasmo” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 8.7-9), p. 173-174). “A
Escritura nos ajuda com um excelente argumento, ensinando-nos a não pensar no valor real do homem, mas
só em sua criação, feita conforme a imagem de Deus. A ele devemos toda honra e o amor de nosso ser” (João
Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 37). “O Senhor ordena que façamos o bem a todos, sem exceção,
apesar do fato de que em sua maior parte são indignos, se os julgarmos segundo os seus próprios méritos.
Mas a Escritura não perde tempo e nos admoesta no sentido de que não temos que observar tais ou quais
méritos dos homens, mas, antes, devemos considerar em todos eles a imagem de Deus, a qual devemos
honrar e amar. Singularmente, o apóstolo nos exorta a que a reconheçamos nos da “família da fé” (Gl 6.10),
visto que neles a imagem de Deus é renovada e restaurada pelo Espírito de Cristo” (João Calvino, As
Tentando pensar e viver como um Reformado: Reflexões de um estrangeiro residente - Rev. Hermisten – 02/11/2023 – 6

Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã,
2006, v. 4, (IV.17), p. 190). Ver também: João Calvino, As Institutas, I.15.3-4; III.7.6; Francis A. Schaeffer, A
Morte da razão, São Paulo: ABU; FIEL, 1974, p. 20ss.; André Biéler, A Força Oculta dos Protestantes, p.
47. É digna de nota a observação do filósofo católico Émile Bréhier (1876-1952): “A Reforma opõe-se tanto
à teologia escolástica, quanto ao humanismo. Nega a teologia escolástica, porque nega, com Ockham, que
nossas faculdades racionais possam conduzir-nos da natureza ao seio de Deus. Renega o humanismo, menos
por seus erros do que por seus perigos, posto que as forças naturais não podem comunicar qualquer sentido
religioso” (É. Bréhier, História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977-1978, I/3, p. 209).
20
Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo, p. 196.

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