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LENDO WINNICOTT #05 - Reatividade e falso self: os efeitos de um ambiente intrusivo

Considerando que a grande ênfase, o ponto principal da teorização de Winnicott foi a relação
do sujeito, especialmente do bebê com o ambiente, é a partir desse ponto de partida que
podemos encontrar chaves interpretativas que Winnicott nos fornece pra que possamos
compreender o que se passa com nossos pacientes na clínica. Para que a experiência clinica
não seja uma coisa opaca pra aquele que está trabalhando com os pacientes, para aquele
sobretudo que está começando o exercício clinico, para que as manifestações clinicas não
sejam opacas precisamos dessas chaves interpretativas. Hoje gostaria de trazer nessa aula uma
importantíssima chave interpretativas que vamos encontrar espalhada por toda obra de
Winnicott, mas gostaria de trazer pra vocês a partir de um trecho de um livro muito
importante de Winnicott que é o “Natureza Humana”.

Diante das manifestações clinicas as quais nós temos acesso no trabalho com nossos pacientes
podemos nos perguntar como o pacientes se relaciona com o ambiente à sua volta? Vou
mostrar pra vocês com base nesse trecho de natureza humana de Winnicott, vou mostrar que
a gente pode distinguir três posições básicas de relação com o ambiente que podemos
encontrar nos nossos pacientes.

Capitulo 4, parte 4 “Os estados iniciais” p. 148


“Gostaria de postular um estado de ser que é um fato no bebê normal, antes do nascimento
e logo depois. Esse estado de ser pertence ao bebê, e não ao observador. A continuidade do
ser significa saúde. Se tomarmos como analogia uma bolha, podemos dizer que quando a
pressão externa está adaptada à pressão interna, a bolha pode seguir existindo. Se
estivéssemos falando de um bebê humano, diríamos “sendo”. Se, por outro lado, a pressão
no exterior da bolha for maior ou menor que aquela em seu interior, a bolha passará a reagir
à intrusão.” (p. 148)
Um estado de ser. O que Winnicott está dizendo? Que antes do nascimento e nos primeiros
meses depois do nascimento o bebê é. Ele goza de um estado de absoluto ser, ela
simplesmente é. O que significa esse simplesmente é? O que quero dizer é que o bebê não
precisa parecer e também não precisa fazer nada, o estado básico original da vida, o estado
original do bebê é o estado de ser, ele simplesmente é, ele não tem que parecer e não tem
que fazer nada, ele simplesmente é. “Esse estado de ser pertence ao bebê e não ao
observador”, ou seja, é uma experiência subjetiva, uma experiência do bebê, você não
consegue ver o bebê sendo, consegue observar através do ultrassom, nos comportamentos
rudimentares do bebê no útero da mãe, depois que o bebê nasce consegue ver o bebê sendo
amamentado, dormindo, mas essa experiência de ser faz parte do bebê, está no bebê, a gente
não consegue enxerga-la. Aí Winnicott no seu estilo meio fragmentário, telefrafico muitas
vezes que ele utiliza ao escrever seu texto. Nesse estilo ele vai continuar dizendo o seguinte “A
continuidade do ser significa saúde” a manutenção dessa experiência de simplesmente ser, de
não precisar fazer nada, de não precisar parecer nada, de não precisar reagir, essa experiência
de simplesmente ser de modo totalmente natural, de modo totalmente espontâneo Winnicott
vai dizer que isso é saúde, isso precisa acontecer, um bebê que tem a sorte de gozar dessa
experiência no início da vida é um bebê saudável. Na sequência ele dirá “se tomarmos como
analogia uma bolha podemos dizer que quando a pressão externa está adaptada à pressão
interna, a bolha pode seguir existindo”, essa analogia é maravilhosa, pense em uma bolha de
sabão, enquanto essa bolha não sofrer a ação de uma pressão externa, que seja superior à sua
pressão interna, essa bolha vai continuar existindo. Então eu sopro uma bolha de sabão e essa
bolha vai existir enquanto não houver uma pressão externa superior à sua pressão interna. Por
outro lado de sopro uma bolha de sabão e aperto meu dedão na bolha, o que acontece? Essa
bolha desaparece e deixa de existir, porque? Não por causa dela, ela não desapareceu sozinha,
ela não tem um princípio inerente a ela que a faz desaparecer, ela não é autodestrutiva, essa
bolha desaparece no momento em que algum aspecto do ambiente gera sobre ela uma
pressão que é superior à pressão interna que ela tem.

Porque a metáfora com a bolha é boa? Porque a bolha é um objeto extremamente frágil, assim
como o bebê, extremamente sensível, assim como o bebê. Winnicott diz “Se estivéssemos
falando de um bebê humano, diríamos “sendo”. Ao invés de seguir existindo que é a expressão
que ele utilizou pra falar da bolha, a bolha segue existindo se não houver uma pressão muito
forte em cima dela, o bebê humano se não houver uma pressão muito forte do ambiente ele
segue sendo, ele consegue manter aquela continuidade do ser. Aquela experiência que falei
inicial, básica de ser de maneira natural e espontânea, o bebê consegue manter essa
experiência de não houver da parte do ambiente uma pressão maior que aquela que o bebê
pode aguentar. Na sequência Winnicott vai trazer um ensinamento precioso, um ensinamento
de que eventualmente a pressão gerada pelo ambiente não vai ser tão forte a ponto de
destruir completamente aquele objeto, no caso a bolha que ele utiliza como analogia, a
pressão do ambiente não vai ser forte o bastante pra destruir a bolha, mas vai gerar sobre a
bolha um determinado efeito e esse efeito é a intrusão. “Se por outro lado a pressão no
exterior da bolha for maior ou menor que aquela em seu interior a bolha passará a reagir à
intrusão” então você tem uma bolha de sabão, e aí índice sobre essa bolha uma brisa muito
leve, essa brisa não é suficiente pra fazer a bolha desaparecer, pra explodir a bolha, mas essa
brisa é o suficiente pra fazer essa bolha se deformar, a gente sopra a bolha, ela aparece ali
redondinha e de repente vem uma brisa e essa bolha que estava redondinha se deforma, não
porque ela própria se deformou mas porque houve a ação dessa brisa sobre a bolha, o que
Winnicott está ensinando é que se o ambiente exerce uma determinada pressão sobre o
objeto que não está de acordo com as condições próprias do objeto, isso que ele está dizendo
quando diz que a pressão do ambiente é maior ou menor que a pressão do interior da bolha,
ou seja, ele está fazendo referência a uma dissonância, a um desalinhamento, uma
desarmonia entre o que está do lado de fora e o que está do lado de dentro, quando isso
acontece aquele objeto é obrigado a reagir à intrusão do ambiente. Isso que é intrusão dentro
da teorização de Winnicott, é uma manifestação do ambiente que não está alinhada com as
necessidades, com as condições, com os recursos do sujeito, no caso especificamente desse
trecho, das necessidades, dos recursos, das condições do bebê. Se o ambiente se manifesta de
uma determinada maneira que não está de acordo com o que se passa no interior do bebê, o
que vai acontecer? Esse bebê precisará reagir a essa intrusão do ambiente.

Ex: Imaginemos uma mãe de primeira viagem, muito ansiosa, extremamente ansiosa, muito
preocupada com a possibilidade de não saber cuidar adequadamente do bebê, ela vai e pega a
criança e ao invés de esperar a criança expressar o desejo de ser amamentada, ela fica o
tempo todo colocando o seio na boca da criança. O que essa mãe sem saber, sem maldade,
sem má intenção está fazendo? Ela está sendo intrusiva com o seu bebê, porque ela está
oferecendo o seio no momento em que o bebê não está esperando recebe-lo, então isso é
experimentado pela criança como uma intrusão, como uma invasão.

Ela se modifica como reação a uma mudança no ambiente, e não a partir de um impulso
próprio. Em termos do animal humano, isto significa uma interrupção no ser, substituída
pela reação à intrusão. Cessada a intrusão, a reação também desaparece, e pode haver,
então, um retorno ao ser. Parece-me que é uma descrição capaz não apenas de nos levar até
a vida intrauterina sem um grande esforço de imaginação, mas também de ser levada para a
frente, podendo ser aplicada de modo útil como simplificação extrema dos processos
muitíssimo mais complexos da vida posterior, em qualquer idade.” (p. 148)

Diz Winnicott ainda em relação à bolha “ela se modifica como reação a uma mudança no
ambiente e não a partir de um impulso próprio”, a bolha não vai adquirir uma outra forma
porque ela decidiu fazer isso, ela adquiriu uma outra forma porque a brisa passou por ela, isso
que a intrusão produz, a intrusão faz com que aquele ser que está sendo objeto dela tenha que
adquirir uma outra forma, uma forma que ele não adquiriria naturalmente, uma maneira de
ser que ele não desenvolveria naturalmente e que ele está desenvolvendo por conta da
incidência do ambiente, o ambiente está forçando aquele ser a agir daquela determinada
maneira.

O bebê por exemplo, que tem uma mãe ansiosa como essa que não espera ele expressar o
desejo de mamar, e vai colocando o seio na boca do bebê na hora que ela acha que é o
momento apropriado, o que essa mãe vai fazer? Vai forçar esse bebê a ter que se adaptar ao
jeito dela, ao esquema de amamentação dela, ao ritmo dela, aos horários dela, à ansiedade
dela.

Porque isso é tão prejudicial? “Em termos do animal humano isso significa uma interrupção do
ser substituída pela reação à intrusão”, enquanto o bebê está sendo amamentado na hora que
ele deseja, ou seja, experimentou fome ele começa então a ter aquele desconforto e começa
ansiar pelo seio o que o leva a chorar, expressar manifestações físicas que indicam a
necessidade de ser amamentado, enquanto o bebê está fazendo isso e a mãe vem, o que
acontece? O bebê mantém a continuidade do ser, ele não é interrompido porque aquilo que
ele está esperando alcançar, na hora que está esperando alcançar é trazido pelo mãe ao
encontro, encontro de uma expectativa, necessidade, de um desejo e o objeto que vai saciar
essa necessidade e desejo. Percebam que não estou fazendo diferenciação entre necessidade
e desejo porque na obra de Winnicott esses termos não são demonstrados como conceitos tão
diferentes como na obra lacaniana.

Perceba: há um encontro entre aquilo que o ambiente tem a oferecer e aquilo que a criança
espera, então não há uma diferença de pressão, a pressão que vem do lado de fora está
alinhada com a pressão do lado de dentro, a pressão instintiva de buscar o seio está alinhada à
pressão que vem de fora do desejo materno de amamentar, então pra haver esse encontro de
pressões o bebê pode continuar mantendo aquela experiência inicial de simplesmente ser. Por
outro lado se a mãe oferece o seio na antes do bebê desejar, antes do bebê sentir vontade de
ser amamentado ele vai se ver obrigado a mamar sem que ele esteja com vontade de fazer
isso. Ou seja, vai uma pressão pra que ele mame que não está conectada à pressão que ele
sentiria depois com a necessidade de mamar espontânea, então ele está trocando a mera
continuidado do ser para um adptar-se, um reagir à aquilo que vem do ambiente. Como se o
bebê estivesse em um caminho espontâneo que ele decidiu seguir e o ambiente vem e fala
“não, você não vai seguir o seu caminho espontâneo, você vai seguir o meu caminho”.

“Cessada a intrusão, a reação também desaparece e pode haver então um retorno ao ser” O
que ele quer dizer aqui? Se a intrusão for pontual, exemplo: tenho uma mãe suficientemente
boa, está em condições boas de saúde mental, essa mãe se eventualmente, num momento ou
outro ficar um pouco ansiosa pelo fato do bebê não chorar pra mamar, se essa mae
eventualmente, de vez em quando faz isso, o que vai acontecer no bebê? A sua continuidade
no ser será interrompida temporariamente, ele terá trocar de caminho, haverá um
descompasso entre a pressão da mãe e a pressão dele então ele vai trocar de caminho
temporariamente, mas assim que a mãe tira o seio e deixa de invadir ele volta para seu
caminho original, volta para o seu estado de ser. Essas intrusões pontuais e eventuais podem
acontecer e não irão trazer consequências patológicas significativas. O problema é quando as
intrusões se tornam um padrão de relacionamento, ou seja, quando a mãe é quase o tempo
todo ou na maior parte do tempo intrusiva. Quando não há uma conexão, uma sintonia entre a
mãe e o bebê, de tal maneira que o bebê não tem de vez em quando trocar seu caminho
original pelo caminho da mãe, trocar o seu estado natural de ser pela reação àquilo que está
sendo trazido pelo ambiente, não. Se a mãe é na maior parte do tempo intrusiva, se o modo
dela tratar o bebê está desconectado, está em descompasso com as necessidades do bebê, o
bebê terá que ficar reagindo o tempo todo, ou seja, ele vai ter que trocar seu caminho original,
seu estado natural de ser definitivamente pelo caminho do ambiente, pelo estado demandado
pelo o ambiente. Ou seja, esse bebê precisará deixar de ser espontaneamente pra reagir ao
ambiente que está o tempo inteiro enchendo o saco dele, incomodando-o, invandindo-o,
impedindo-o de simplesmente ser. Então quando a intrusão se torna o padrão do
relacionamento entre a mãe e o bebê, o bebê então se torna alguém que precisa se adaptar ao
invés de simplesmente continuar a ser.

Winnicott fecha esse paragrafo da seguinte maneira “Parece-me que é uma descrição capaz
não apenas de nos levar até a vida intrauterina sem um grande esforço de imaginação, mas
também de ser levada para a frente, podendo ser aplicada de modo útil como simplificação
extrema dos processos muitíssimos mais complexos da vida posterior, em qualquer idade”.
Aqui que vem o pulo do gato, o que Winnicott está dizendo? Que esse esquema da pressão
que vem do ambiente relacionada à pressão que está em nós, esse esquema vale para a vida
inteira, para pensar as mais diversas situações da vida, sempre que nós estamos seja quando
crianças, adolescentes, adultos ou idosos, sempre que nós estamos em uma determinada
situação, num determinado ambiente em que a pressão que vem do ambiente está
desconectada das nossas necessidades, da nossa espontaneamente, ou seja, da nossa pressão
interna, sempre quando há esse descompasso a gente precisa deixar de ser pra poder reagir ao
ambiente, sempre.

Exemplo: De repente está um dia de muito calor, um dia de muito calor o que você
naturalmente quer? Ora, você quer ficar com roupas leves para que não sintamos calor porque
o calor é desconfortável. Mas imagina que você trabalha no meio jurídico e você de repente
tem que ir para o fórum usando um vestido que não é nada leve, precisando botar aquela
maquiagem bem feita, usar terno naquele ambiente de calor. O que está acontecendo? A
pressão do ambiente, no caso o meio jurídico, o fórum, a pressão daquele ambiente por um
certo tipo de vestimenta está desconectada com sua pressão, espontaneade, com seu desejo
natural de usar roupas leves. Nesse caso o que você vai fazer? Como você precisa estar nesse
ambiente você tem que se adaptar, você então troca sua espontaneamente, o desejo de usar
roupas leves para se adaptar àquilo que está sendo exigido pelo ambiente. Agora essa é um
intrusão eventual porque você vai lá, cumpre seu papel, faz seu trabalho, vai de terno usando
maior calor, mas você volta pra casa e quando volta pra casa você relaxa, tira aquele terno, fica
só de cueca, vai relaxar a vai voltar a ser, voltar aquela experiência de ser espontaneamente.

Agora vamos imaginar que você veio de uma família em que não só quando você era bebê mas
durante toda sua infância, você teve que constantemente, o tempo todo ao invés de
simplesmente ser, você teve que se adaptar a demandas, a exigências que vinham de fora da
parte dos seus pais. Vamos supor que você nunca pode ser de fato espontâneo, você nunca
pôde agir naturalmente porque você teve pais muito rígidos, pais que impunham o desejo
deles, as demandas deles, as concepções deles sobre você e não permitiam que você pudesse
de alguma forma imprimir algo de pessoal na vivencia dessas contribuições, daquilo que eles
estavam apresentando pra você. O que vai acontecer com você? Você vai ter que
necessariamente se acostumar a viver de maneira adaptada, se você vem de um ambiente
inicial da vida em que seus cuidadores primários se comportaram em relação a você de modo
absolutamente desconectado das suas necessidades, se vem de um ambiente em que você
sofreu abuso sexual, o que é o abuso sexual se não uma pressão externa absolutamente
desconectada, desalinhada em relação à pressão interna da criança? No abuso sexual o que
tenho? Um adolescente ou um adulto que impõe sobre a criança a sua sexualidade já
amadurecida, genital, impõe sua linguagem da paixão sobre a linguagem da ternura da criança,
há uma confusão de língua, e o que acontece? Essa criança que estava se desenvolvendo
naturalmente com a sua linguagem da ternura natural, vai ser forçada a se adaptar à
linguagem da paixão do adulto ou adolescente que está abusando dela. Se você vem de um
ambiente em que você nunca foi de fato compreendido e que por diversas vezes você sentiu
que seus pais não conseguiam te compreender, que muitas vezes eles te castigavam, te
puniam de maneira violenta sem que você tivesse qualquer senso de responsabilidade sobre
aquilo que era objeto da punição da parte deles. Se você vem de um ambiente em que seus
pais nunca permitiram que você tivesse nada de autonomia, tudo era escolhido por eles, a
profissão que você devia seguir no futuro era objeto da decisão deles, se você vem de um
ambiente assim o que vai acontecer com você? Ao invés de ser você vai ser obrigado a viver
em resposta a esse ambiente intrusivo, em resposta a essa ambiente que pressiona, de uma
maneira superior, dissonante, desalinhada à sua espontaneade.

Quais são os efeitos possíveis da intrusão? A adaptação é um deles, um indivíduo que vem de
um ambiente intrusivo pode desenvolver o que Winnicott chama de falso self patológico, ou
seja, ele desenvolve uma personalidade artificial, falsa que muitas vezes é até bem sucedida, o
sujeito consegue dar conta de fazer um monte de coisas porque ele aprendeu que se fizer tudo
o que o ambiente ou o outro quer ele vai ser bem sucedido, então ele desenvolve essa
personalidade artificial que está sempre a serviço das demandas externas mas ao mesmo
tempo ele possui uma sensação de vazio, de falta de sentido, ele conquista muitas coisas mas
não sente que aquelas coisas que ele conquistou são de fato dele, que tem algo de pessoal
naquilo ali. Ele tem muitas vezes a impressão de que ele é simplesmente uma máquina à
serviço do atendimento de demandas externas, ele não sente que foi ele de fato que fez todas
aquelas coisas, porque de fato não foi, o seu verdadeiro self não participou daquilo ali, aquilo
tudo é obra do falso self, o verdadeiro self teve que ficar escondido porque ele nunca pode se
manifestar, o ambiente nunca permitiu que ele florescesse então ele teve que ficar quietinho
lá. Então de repente esse sujeito é um dentista, engenheiro de sucesso mas no fundo ele
gostaria de ser uma escritor de sucesso, um pinto de sucesso, um cozinheiro de sucesso, ele
não gostaria de estar naquelas posições profissionais mas fazer outra coisa. E de repente ele se
percebe refém desse projeto profissional que não foi construído espontaneamente, por
desejo, mas em resposta ao desejo do outro.

Existem outras reações possíveis à intrusão. Existe a reatividade agressiva e paranoica, são
aquelas pessoas que parecem estar o tempo todo sob ameaça, esperando o tempo todo que
alguém vá passar a perna delas e por conta dessa expectativa paranoica ela se torna
extremamente reativa, agressiva. Qualquer coisa que o outro faça que possa ser em algum
sentido entendido como uma forma de agressão, ataque será interpretado por essas pessoas
efetivamente como ataque e uma agrassão e elas responderão a isso de maneira
extremamente agressiva. Nesse caso o sujeito não se adaptou ao desejo do outro, ele não se
adaptou à pressão que vem do ambiente mas ele vive em respostas a essas pressões, como ele
vem de um ambiente muito intrusivo, um ambiente que nunca o permitiu ser então ele passa a
imaginar que a vida sempre vai ser assim, que ele sempre vai estar diante de pessoas que
querem impor sobre ele a sua vontade e pra se defender disso a pessoa passa então a atacar
primeiro, ela imagina que ela vai ser atacada então ela já se defende, ela vive o tempo todo
nesse estado de reatividade, esperando pela próxima invasão. Como um país que sofreu
diversas invasões ao longo de sua história e de repente essas invasões cessam só que esse país
ficou tão traumatizado que agora ele não quer mais correr o risco, nao quer pagar pra ver,
então ele fica o tempo todo preparado pra guerra mesmo depois 20/30 anos da ultima invasão
que ele sofreu, ele vive preparado porque pode ser que um novo invasor apareça, ele não vive,
ele destina maior parte de seus recursos pro ministério da defesa pra comprar mais arma, mais
tanque, pra formar mais soldados e enquanto isso outras áreas do país que demandam muitos
recursos também vão ficando a ver navios, porque o país está muito mais preocupado em se
defender, ele não consegue mais ser, ele passa a vida inteira se defendendo, essa é uma outra
consequência de um padrão ambiental caracterizado pela intrusão.

Outro trecho que quero ler pra finalizar a aula é esse que está na pagina 149, no final dela, em
que Winnicotr diz:

“Por meio desta simples representação esquemática (Ele está falando de alguns pequenos
desenhos que ele fez expressando essa ideia da diferença de pressão entre o ambiente e a
bolha) é possível mostrar que a infuência ambiental pode iniciar-se numa etapa muitíssimo
precoce, determinando se a pessoa, ao buscar uma confirmação de que a vida vale a pena,
irá partir à procura de experiências, ou se retrairá, fugindo do mundo [...]” (p. 149)
O que Winnicott está dizendo? Que durante a infância, sobretudo nos primeiros anos de vida,
a gente tem uma pergunta na cabeça e essa pergunta é “será que a vida vale a pena?” “será
que vale a pena continuar vivo?” essa é a pergunta que temos e a resposta vai ser dada a partir
da maneira como o ambiente se relaciona conosco. Esse ambiente é convidativo? Ele nos
encoraja? Nos dá confiança? Ele nos dá segurança? Ele nos incentiva a querer abocanhar e
experimentar a vida em toda sua plenitude? Ou ele é um ambiente tão hostil, tão intrusivo, um
ambiente tão pouco convidativo que ele faz com que a gente não queira viver mas fugir da
vida, fugir do outro. Isso que Winnicott está dizendo, a influencia ambiental vai ser
determinante pra que o olhar que temos sobre o mundo e a vida seja um olhar de confiança,
de coragem, de desejo ou seja um olhar de medo.

Por isso falei que o que Winnicott nos traz nesse texto é uma chave interpretativa pra gente
compreender de que maneira se constitutem nossos pacientes na clinica, uma pergunta que
podemos nos fazer é como esse sujeito se relaciona com o mundo e eu elencaria 3
possibilidades de acordo com o que Winnicott apresentou:

1- Esse sujeito se relaciona com o mundo agindo de maneira espontânea, explorando


o mundo com confiança, com desejo, com criatividade? Muito provavelmente os
nossos pacientes que nos procura pra terapia não estarão nessa primeira
categoria.
2- Esse sujeito se relaciona com o mundo reagindo, não agindo espontaneamente
mas reagindo à tudo que lhe acontece ou o que ele imagina que pode acontecer, a
maior parte do seus comportamentos, decisões não é constituída a partir daquilo
que de fato deseja espontaneamente, é constituída como uma reação àquilo que
os outros fazem com ela, ou o que os outros fizeram com ela ou como uma reação
como aquilo que ela imagina que os outros podem fazer com ela
3- Esse sujeito se relaciona com o mundo, com a vida, com o ambiente não agindo
espontaneamente mas se adaptando ao que a realidade lhe apresenta. Ele não
tem o jeito próprio de ser, o jeito dele de ser, as suas preferencias, suas escolhas
são em grande medida, na sua maior parte simplesmente adaptações ao desejo do
outro, construções artificiais que ele foi fazendo por não ter confiança o suficiente
pra se expressar espontaneamente, esse é o caso do falso self patológico. Essas
duas últimas possibilidade do sujeito que vive reagindo ou do sujeito que vive
adaptado, são essas duas possibilidades que encontraremos com mais frequência
da vida.

E qual deve ser a postura do analista diante de um paciente que se encaixa em uma
dessas possibilidades? O analista precisa ser aquilo que o ambiente não foi pra esse
sujeito, o ambiente foi intrusivo, foi desconectado das necessidades, dos desejos, das
inclinações naturais desse sujeito lá atrás, o ambiente se impôs sobre esse sujeito, não
permitiu que esse sujeito pudesse ser, obrigou-o a adotar um modo de vida reativo ou
adaptativo, e o que nós como analistas devemos ser? O oposto disso, precisamos
oferecer pra esses sujeitos uma atmosfera de confiabilidade, de liberdade e mais do
que isso, de incentivo, de estimulo, de encorajamento para que eles percam o medo
de ser, para que esse sujeito que vive reativo, com medo de tudo, se defendendo do
que ele imagina que possa ser um ataque, pra que esse sujeito possa relaxar e saber
que agora ele não precisa mais se defender o tempo todo porque essa guerra já
acabou. E para que aquele sujeito que vive adaptado possa se sentir confiante o
suficiente pra descontruir esse personagem que ele criou, que pode ser funcional, bem
sucedido muitas vezes mas que não é real.

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