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COMUNICAÇÀO

RELACIONAMENTOS
PESSOAIS NO

AS DIFICULDADES DE COMUNICAÇÃO
SÃO DIFERENTES AO LONGO DO
DESENVOLVIMENTO DE PESSOAS COM
AUTISMO. ENTENDER O QUE SE PODE
ESPERAR DE CADA MOMENTO DESSE
PROCESSO É IMPORTANTE PARA QUE
PAIS, CUIDADORES E PROFESSORES
POSSAM UTILIZAR ESTRATÉGIAS PARA
LIDAR COM ESSAS DIFICULDADES

O T R A N S T O R N O DO
E S P E C T R O DO A U T I S M O
(TEA) É UM T R A N S T O R N O
DO D E S E N V O L V I M E N T O
CARACTERIZADO POR D I F I C U L D A D E S
NA C O M U N I C A Ç Ã O E I N T E R A Ç Ã O
SOCIAL E POR PADRÕES R E S T R I T O S E
REPETITIVOS DE COMPORTAMENTO,
I N T E R E S S E S O U A T I V I D A D E S . OS
SINTOMAS T I P I C A M E N T E S U R G E M
A N T E S DOS T R Ê S ANOS D E I D A D E ,
MAS A AUSÊNCIA D E M A R C A D O R E S
BIOLÓGICOS D I F I C U L T A O S E U
D I A G N Ó S T I C O . O Departamento de Serviços
Humanos e de Saúde dos Estados Unidos, por meio
do Centro para Controle e Prevenção de Doenças,
publicou, em 2012, os resultados de uma pesquisa
de prevalência que estimou a ocorrência de 1 caso
de autismo para cada 88 crianças investigadas
aos 8 anos de idade em 2008'. Isso significa um
aumento de 23/í de casos de autismo identificados,
comparando-se aos dados encontrados em 2006.
Em se tratando de um distúrbio que altera de
maneira significativa a habilidade de o indivíduo
se comunicar e interagir com outros, é considerado
um dos mais incapacitantes transtornos do
desenvolvimento da infância^.
As dificuldades comunicativas nos quadros de
TEA diferem em intensidade e abrangência entre d i -
ferentes indivíduos. Embora haja grande diversidade
"As crianças com TEA tèm dificuldade de compartilhar seus interesses, coordenando olhar para alguém, olhar
para o objeto de seu interesse e olhar para a pessoa de novo, em uma tentativa de convidar a pessoa a partici-
par de seu prazer em manipular um brinquedo novo, por exemplo."

nos perfis de comunicação de indivíduos com TEA, além do uso de palavras e formas linguísticas mais
várias pesquisas têm apontado para duas grandes avançadas e a habilidade de usar objetos em brin-
áreas principais: a capacidade de compartilhar cadeiras de faz de conta^. O uso de palavras requer
atenção e a capacidade para uso simbólico'. A ca- que se possa entender que elas representam coisas
pacidade de compartilhar atenção envolve coor- no mundo, ou seja, são, por natureza, simbólicas:
denar e compartilhar atenção, emoções, expressar simbolizam coisas, eventos, sentimentos etc. Assim,
intenções e participar de interações sociais recí- as dificuldades de comunicação no autismo envol-
procasl As crianças com TEA têm dificuldade de vem conhecimento de vocabulário e dos significa-
compartilhar seus interesses, coordenando olhar dos das palavras, bem como, para alguns autores,
para alguém, olhar para o objeto de seu interesse um atraso no desenvolvimento da habilidade de
e olhar para a pessoa de novo, em uma tentativa usar as regras gramaticais da língua''.
de convidar a pessoa a participar de seu prazer Ao longo do desenvolvimento infantil de uma
em manipular um brinquedo novo, por exemplo. criança com TEA, as dificuldades em comunicação
O contato que a criança com TEA costuma fazer são diferentes, e entender o que se pode esperar
com adultos para tentar se comunicar tem, muitas de cada momento desse desenvolvimento é i m -
vezes, o objetivo de satisfazer uma necessidade, portante para que pais, cuidadores e professores
reclamar ou pedir algo. Para isso, a criança, em possam utilizar estratégias para lidar com essas
vários casos, se aproxima do aduho pegando em dificuldades.
sua mão e o levando até o objeto - porque apon- Aos três meses de idade, os bebés podem en-
tar requer que essa criança saiba compartilhar sua tender ações e se envolver em relações com outras
atenção com esse adulto, o que ela tem dificuldade pessoas, interagindo e respondendo a essas apro-
em fazer. A outra grande área implicada nas difi- ximações com expressões emocionaisl Os bebés de
culdades comunicativas é a capacidade para uso até um ano de idade costumam murmurar e bal-
simbólico, que tem a ver com o entendimento da buciar para os aduhos, imitar movimentos faciais
criança dos significados expressos por meio de e o ato de sorrir para as pessoas. As crianças com
gestos convencionais, como dar "tchau", mandar TEA têm uma probabilidade reduzida de respon-
um beijo, assentir com a cabeça para dizer "sim". der aos seus cuidadores, não murmurando nem
balbuciando. Também, durante o primeiro ano de lenta. Crianças com TEA podem misturar os pro-
vida, os bebés já apresentam motivação para com- nomes "eu" e "você", ou usar o pronome "ele"
partilhar suas emoções com outros' No período do ou "ela" para significar "eu". Podem expressar
desenvolvimento que vai de um a três anos de ida- desejos próprios usando a terceira pessoa: "Paulo
de - período de grande progresso da linguagem quer comer bolacha", em vez de dizer: "Eu quero
para as crianças de maneira geral - muitas crian- comer bolacha".
ças com TEA não aprendem a falar nem gesticular, As crianças com TEA, quando adquirem l i n -
ou começam a produzir as primeiras palavras bem guagem, podem conversar sobre fatos e eventos,
mais tarde, aos 3, 4, 5 ou até 6 anos de idade. Algu- mas podem ter dificuldade em expressar ideias,
mas crianças com TEA acabam não adquirindo a sentimentos e opiniões. Sua linguagem também
linguagem falada adequadamente, e se exprimem pode ser repetitiva no que se refere aos assuntos
por gestos ou usam algumas poucas palavras para escolhidos e também ao uso de frases feitas ouvi-
se comunicar. Algumas delas adquirem a capaci- das em uma conversa, na TV, em um filme. Em re-
dade de linguagem, mas não a usam. Muitas vezes, lação aos tópicos escolhidos, as crianças com TEA
essas crianças tentam se comunicar por meio de podem insistir em falar sobre seus interesses pró-
comportamentos que, de alguma forma, chamem a prios, não levando em conta as reações do ouvinte,
atenção para o que desejam - e são mal compreen- como se sua conversa acontecesse consigo mesma.
didas por isso. Muitas delas, apesar de adquirirem Muitas vezes, as crianças com TEA têm difi-
alguma linguagem, têm grande dificuldade de com- culdade de compreender uma piada ou metáfora
preender os significados que ouvem. Nesse senti- porque compreendem a mensagem de forma lite-
do, ter essa dificuldade torna o mundo um lugar ral. Uma criança que ouve a frase "Água mole em
imprevisível^. pedra dura, tanto bate até que fura" poderá com-
A entonação e a velocidade da fala de crian- preender que de alguma forma, a água vai furar a
ças com TEA também podem ser afetadas. Elas pedra em algum momento.
podem não usar a entonação adequada às situa- Entretanto, uma das dificuldades de lingua-
ções e contextos, bem como a fala pode ser muito gem mais comprometedoras é o uso funcional da

"As crianças com TEA, quando adquirem linguagem, podem conversar sobre fatos e eventos, mas *
podem ter dificuldade em expressar ideias, sentimentos e opiniões." *
RELAÇÕES - COMUNICAÇÃO

linguagem, que determina o conhecimento sobre em desenvolver a Teoria da Mente, uma habilida-
quando e como dizer coisas; saber revezar turnos de de mental que permite atribuir estados mentais a
fala em uma conversa, observar os gestos e expres- si mesmo e a outros indivíduos. Para que alguém
sões faciais de quem fala, saber quando e onde co- consiga perceber que as pessoas podem ter ideias,
meçar uma conversa, saber que nível de linguagem desejos, crenças e intenções diferentes das suas,
usar, como manter um tópico ou mudá-lo de forma precisa ter a Teoria da Mente adequadamente de-
adequada. O uso funcional da linguagem implica no senvolvida, Assim, as crianças e indivíduos com
uso social da língua, que significa levar em conta o autismo têm dificuldade de entender as situações
contexto social para o uso apropriado da linguagem''. de interação social, pois elas implicam em com-
A possibilidade de nos comunicarmos é o que preender que outras pessoas têm expectativas d i -
permite que nos relacionemos com as pessoas, ferentes das suas e, portanto, não conseguem levar
pois partilhamos ideias, desejos, emoções, pedidos, em consideração os pensamentos e sentimentos
dúvidas. Além da importância da competência co- alheios, prejudicando sua capacidade de interagir
municativa, o relacionamento com outros depende socialmente de forma adequada. Isso pode resultar
de nossa capacidade de entender que as pessoas em dificuldade para entender que seu comporta-
podem ter ideias, sentimentos, desejos e crenças mento afeta a maneira como os outros sentem ou
diferentes das nossas. A partir desse conhecimen- pensam, em falta de flexibilidade nas interações,
to, conseguimos interagir de forma adequada, pois no uso de regras sociais rígidas, na tendência a
conseguimos perceber e antecipar as expectativas tratar as pessoas igualmente, sem diferenciar ida-
de ou autoridade, e tendência de participar de ati-
das pessoas e estabelecemos um padrão de inte-
vidades que não envolvam outras pessoas.
ração e comunicação, com trocas significativas.
No entanto, para os indivíduos com autismo, não A necessidade de se apoiar em rotinas, que é
é assim que acontece. As crianças autistas falham uma característica dos quadros de autismo, tam-
bém pode pôr em risco a habilidade de se relacio-
nar e interagir socialmente de forma saudável. Se
houver uma mudança brusca de ambiente ou em
uma sequência de eventos em um âmbito no qual
a interação esteja ocorrendo, o indivíduo com TEA
poderá agir de forma inesperada, tendo um ataque
de birra se for uma criança ou simplesmente dei-
xando a situação sem maiores explicações - porque
a mudança ambiental foi perturbadora demais. Da
mesma forma, a sensibilidade exagerada a sons,
cheiros, cores texturas poderá perturbar os indiví-
duos cpm TEA, que deixarão uma situação de inte-
ração por não suportarem a sobrecarga de infor-
mações sensoriais- A dificuldade de os indivíduos
autistas manterem contato visual com seu inter-
locutor interfere na forma como esse interlocutor
interage com eles, p que também poderá prejudicar
essa situação de interação-
As pessoas que convivem com indivídvips
com TEA deverão ter em mente que muitas das
dificuldades que acontecem com esses indivíduos
estão relacionadas à forma como conseguem pro-
cessar as informações que vêm do ambiente; e sP
isso for compreendido, parte do desgaste de ter
de lidar com essas dificuldades diminui. Quando
pensamos em crianças com TEA, é importante que
pais, educadores e cuidadores sejam persistentes
na escolha de condutas que favoreçam o desenvol-
vimento e independência dessas crianças-
Quanto às condutas que pais e cuidadores
podem adotar para Hdar com a situação de ter al-
"A necessidade de se apoiar em rotinas, que é uma guém com TEA sob seus cuidados, a primeira delas
característica dos quadros de autismo, também pode é entender o diagnóstico e as dificuldades que es-
pôr em risco a habilidade de se relacionar e interagir tão implicadas no quadro. Encontrar uma rede de
socialmente de forma saudável." apoio a famílias ou amigos também poderá ajudar
bastante, uma vez que enfrentar e lidar com as criança com TEA seja uma prioridade no ambiente
dificuldades do quadro impõe uma demanda gran- familiar, é importante que a espontaneidade da co-
de de trabalho e tensão emocional aos pais, o que municação seja preservada**.
pode ser muito estressante. O desenvolvimento de O envolvimento de profissionais como médi-
relacionamentos construtivos com a escola e ser- cos, psicólogos e fonoaudiólogos no atendimento às
viços de saúde, bem como de crenças e estratégias crianças com TEA é fundamental não somente pela
funcionais, também pode contribuir para o enfren- intervenção para a minimização de suas dificulda-
tamento da situação^ des mas também oferecendo apoio e orientação às
Com relação à comunicação, pais e cuidadores famílias das crianças com TEA'.
de crianças com TEA podem e devem se utilizar de É importante que as pessoas que convivem
estratégias que favoreçam a emergência ou aprimo- com indivíduos com TEA, ainda que estejam fami-
ramento das habilidades comunicativas. É por meio liarizadas com os sintomas, estejam atentos para
do jogo e da brincadeira que a criança poderá com- suas reais necessidades e, principalmente, suas po-
partilhar situações e atenção. Durante a brincadeira, tencialidades. Os talentos desses indivíduos, quan-
pode-se favorecer a manutenção do foco de atenção do estimulados, podem oferecer um refúgio seguro
da criança e a compreensão da troca comunicati- para os momentos de tensão e sobrecarga emo-
va. Todas as ações, gestos e vocalizações da criança cional, além de contribuírem para sua autoestima.
Pais, educadores, cuidadores e familiares de pes-
que pareçam tentativas de comunicação devem ser
soas com TEA devem compreender que as dificul-
incentivados e explorados*. Todas as situações roti-
dades de comunicação e interação social são parte
neiras que possam envolver qualquer diálogo devem
de um quadro, mas que as pessoas com autismo,
ser aproveitadas como tentativas de estabelecer um
independentemente dos sintomas, têm personali-
contato ou troca comunicativa com a criança com
dade, desejos, vivências e emoções próprias e que
TEA. A depender das habilidades comunicativas e
os sintomas não as definem como indivíduos.
interesses da criança, podese pensar em situações
comuns - como conversar com ela sobre uma ida
* Cristina de Andrade Varanda é psicóloga com doutorado
ao supermercado, durante a arrumação dos brin-
em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da
quedos, durante o banho, ao fazer um bolo, ao esco- Universidade de São Paulo e Mestrado em Psicologia Experimental
lher uma roupa para sair, ao escolher um programa pela USP Autora de artigos sobre desenvolvimento infantil,
de TV. Embora estimular a comunicação com uma linguagem e autismo. E-mail: crisvaranda@usp.br
G R A N D E S T E M A S DO C O N H E C I M E N T O

PSICOLOGIA ESPECIAL AUTISMO

ENSINAR E
APRENDER
Melhorando o desenvolvimento da
criança com apoio da família

o DESAFIO DE
SER MÃE Como lidar com as
dificuldades e as conquistas

PRECISA
COMUNICAR-SE
, As diferentes etapas
desse processo

o MEDO E O
\O
• * Conscientizar para
combater os
preconceitos

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