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Universidade Federal de São Paulo - EFLCH

Departamento de Ciências Sociais


Mirella Alvino Bastos - RM: 158.411 - Noturno
Ciências Sociais e Educação - Profº Jeferson Mariano

A educação como suporte para conservação da democracia

Ao iniciar a discussão sobre o papel da educação no corpo social, consequentemente,


nos deparamos com a relação do regime democrático e da cidadania. Isto, só se torna possível
ao compreendermos a importância da cidadania inclusiva¹ no processo de organização de
interesses sociais, tal fato é posto em destaque na obra Sobre a Democracia, do cientista
político Robert Dahl. Portanto, por muito tempo, a discussão sobre educação preocupou-se em
como formar cidadãos aptos para um regime democrático, contudo, no atual contexto de
instabilidade de regimes democráticos as discussões nortearam-se para o papel da educação na
conservação da democracia.
Tendo em vista esta abordagem de Dahl, exposta com destaque no oitavo capítulo de
sua obra, em que a educação tem um papel central na instrução da cidadania ao cidadão, neste
texto pretendo ir além, questionar, além da instrução, qual é o papel da educação na
conservação de um sistema democrático? Para construir uma resposta a este questionamento,
irei articular argumentos de autores contemporâneos os quais discutem a importância da
educação, no contexto moderno e contemporâneo, na preservação constante dos regimes
democráticos, como filósofo John Stuart Mill, o sociólogo Seymour Lipset, os filósofos Carole
Pateman e Louis Althusser.
Para Stuart Mill, a conservação de um regime democrático saudável só se torna possível
a partir do respeito à individualidade e ao afastamento dos costumes, ou melhor dizendo, da
tirania da maioria. Diferentemente do filósofos do século XIX, Mill, coloca a natureza humana
condicionada historicamente a seguir costumes:
“A maioria, satisfeita com os rumos que os homens ora
tomam (pois são eles que convertem esses rumos no que são)
não conseguem compreender por que tais rumos não são
suficientemente bons para todos” (Mill, John Stuart. Sobre a
Liberdade, pág. 87).
Desta forma, para Mill o costume “não educa nem desenvolve nele nenhuma das
qualidades humanas” (Mill, John Stuart. Sobre a Liberdade, pág. 89), consequentemente,
sendo prejudicial a um regime, como a democracia, em que vigora-se a liberdade. Ao passo

¹ Cidadania inclusiva: A nenhum adulto com residência pennanente no país e sujeito a suas leis podem ser
negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às cinco instituições políticas: funcionários eleitos,
eleições livres, justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para
as associações. (Dahl, Robert. (1998), Sobre a Democracia. Editora UnB, pág 100)
que o costume coloca-se como uma armadilha educadora à natureza humana, o
desenvolvimento da individualidade através da constante racionalização das ações retoma a
integridade das capacidades mentais do ser humano. Nota-se no argumento de Mill, que a
educação racional e autônoma é chave central para a conservação do bem-estar social em uma
democracia, pois à medida em que se nega o costume, partindo da racionalidade, adquire-se a
autonomia de decidir o que é bom para si e assim, portanto, estimulando a capacidade de
autogovernança já e igualdade civil. À vista disso, para a obtenção e conservação de um campus
mais democrático, na perspectiva de Mill, bastaria apenas a promoção de uma educação liberal,
visando a constante liberdade de racionalização à qualquer ação para assim distanciar-se de
qualquer estrutura tirânica.
Em complementaridade à perspectiva de liberal de Mill, o sociólogo Seymour Lipset,
em sua obra “Alguns requisitos sociais da democracia: desenvolvimento econômico e
legitimidade política”, também responsabiliza a educação como estrutura essencial para o
desenvolvimento e conservação da democracia. No entanto, para que tal fato ocorra, o
sociólogo enumerou uma sequência de fatores que segue do início do processo de urbanização
até o desenvolvimento econômico de um país, fundando a teoria da modernização. Para ele,
esta sequência de casualidades estaria relacionada à permanência de um campus social mais
democrático. Em síntese, o principal argumento da teoria da modernização resume-se em
quanto maior o desenvolvimento econômico “maior segurança econômica e estudos
superiores, possibilitando o desenvolvimento de perspectivas de longo prazo e de pontos de
vista políticos mais complexos e reformistas.”(Lipset, Seymour. (1959), “Alguns Requisitos
Sociais da Democracia”,pag.216). De uma maneira ainda mais geral, Lipset creditou à
educação, especificamente à alfabetização, a habilitação para as tarefas de uma sociedade
moderna, desde o desenvolvimento de habilidades em setores microssociais, como o trabalho,
até a criação de instituições políticas. Desta forma, quanto mais “alfabetizada” uma sociedade
mais capaz de desenvolver-se economicamente e interessar-se politicamente ela se torna, já
que a igualdade de acesso à informação se torna mais frequente.
Em geral nos argumentos tratados até agora, a educação, visando a autonomia e
igualdade de condições, é suficiente para a conservação de uma democracia. Todavia, autores
como Carole Pateman e Louis Althusser argumentam contra esta perspectiva, para eles a
educação liberal, pautada no desenvolvimento das habilidades individuais, não é insuficiente
para o desenvolvimento e conservação de sistemas mais igualitários. Iniciando por Althusser,
o qual constrói a sua tese a partir do pensamento marxista, a conservação da democracia só se
torna possível a partir da transformação da realidade social. O autor identifica a escola como
um aparelho ideológico, em que: "aprendem-se portanto saberes práticos e [...] também regras
dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo agente da divisão do trabalho deve
observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar” (Althusser, Louis. (1970), Ideologia
e Aparelhos Ideológicos do Estado, pág 21). Desta forma, em uma sociedade em que vigora-
se o sistema capitalista a ideologia dominante em todo o campus social, inclusive na escola,
atua para permanência dos saberes práticos e costumes necessários para o desenvolvimento de
um sistema capitalista. Em outras palavras, a ideologia dominante do sistema capitalista atua
para adequação de indivíduos à indústria moderna, ou seja, nas escolas os cidadãos são
formados para atuar em respectivas carreiras. Neste caso, a educação não é o principal fator
para a apreensão e conservação de ambientes democráticos, mas sim uma força repressiva que
amplia ainda mais as desigualdades sociais.
Ainda pensando na sociedade capitalista, a filósofa Carole Pateman, em sua obra
Participação e Teoria democrática, retoma a importância da autonomia do indivíduo para a
conservação de ambientes democráticos. Segundo a autora, “para o funcionamento de uma
política democrática a nível nacional, as qualidades necessárias aos indivíduos somente
podem se desenvolver por meio da democratização das estruturas de autoridade em todos os
sistemas políticos” (Pateman, Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática, pág 51),
entendendo desta forma, a conservação da democracia só se dá pela manutenção constante da
forças de autoridade, ou seja, a partir da participação dos indivíduos nas estruturas de poder,
como por exemplo a participação nas decisões pessoais ou coletivas em ambientes de trabalho.
Para isto, a autora propõe o estímulo à uma educação participativa, colocando o indivíduo não
como subordinado à educação, mas sim como autoridade atuante, de tal modo que a
participação dos estudantes na tomada de decisões nas escolas “de algum modo torna o
indivíduo psicologicamente melhor equipado para participar ainda mais no futuro” (Pateman,
Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática, pág 65). Em suma, segundo a autora, a
experiência de uma educação participativa contribui para o reconhecimento da importância da
participação individual no processo de escolhas no campus social:

“Excetuando-se sua importância como instrumento educativo, a participação no


local de trabalho - um sistema político - pode ser encarada como a participação
política por
excelência.” (Pateman, Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática,
pág 51)
Como resultado da articulação dos inúmeros argumentos citados, conseguimos
visualizar que a educação tem um papel fundamental na conservação de um regime
democrático. Como Althusser identifica, os ambientes escolares atuam como centros de
expansão ideológica, ou seja, formadores de saberes práticos e comportamentais, logo sendo
essencial para expansão da consciência participativa, a qual Pateman destaca como crucial para
a conservação da democracia. Isto posto, o papel da educação na conservação da democracia
não se dá apenas na concessão da autonomia e na igualdade de acesso à informação, mas sim
no constante incentivo à prática da participação.

Referencias bibliográficas
Dahl, Robert. (1998), Sobre a Democracia. Editora UnB.
Lipset Seymour. (1959), “Alguns Requisitos Sociais da Democracia”.
Mill, John Stuart. (1859), Sobre a Liberdade. Martins Fontes, 2000.
Pateman, Carole. (1970), Participação e Teoria Democrática. Paz e Terra, 1992
Althusser, Louis. (1970), Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Martins Fontes,

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