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FLEXIBILIDADE E MOBILIDADE: CONCEITO E


DIFERENCIAÇÃO

Maurício Almeida Thainá Richelli Oliveira Resende


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Anaile Duarte Toledo Martins Edilene Márcia de Sousa


Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Cleonaldo Gonçalves Santos Keveenrick Ferreira Costa


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Faculdade Anhanguera

Priscila Figueiredo Campos Mauricio Nigri Junior


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Lucas dos Anjos Sena Mauro Lúcio de Oliveira Júnior


Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

'10.37885/230513006
RESUMO

No cenário prático, diversos profissionais confundem os termos flexibilidade e mobilidade,


muitas vezes, utilizando essas terminologias como sinônimos, o que gera implicações na
avaliação, prescrição e orientação dos programas de treinamento físico-funcional. Assim, o
objetivo do presente trabalho é conceituar os termos flexibilidade e mobilidade, bem como
estabelecer uma diferenciação entre essas terminologias. Adicionalmente, foi apresentado
um modelo de treinamento que tem como base o trabalho de mobilidade associado à ideia
de estabilidade, a saber, a abordagem articulação por articulação (do inglês: joint by joint).
Inicialmente, evidencia-se que a flexibilidade é considerada uma capacidade/valência fí-
sica, assim como força, velocidade, equilíbrio, coordenação, ritmo, potência, agilidade e
resistência. Essa capacidade/valência física está relacionada ao sistema musculoarticular,
ou seja, a associação entre os componentes musculotendíneos e articulares. Assim, tem
sido compreendida como a capacidade de realizar movimentos na maior amplitude de mo-
vimento possível sem a ocorrência de lesões. Por outro lado, a mobilidade está diretamente
relacionada à articulação, ou seja, relaciona-se à capacidade que uma articulação tem de
se movimentar ativamente, na maior amplitude de movimento possível, antes de ser res-
tringida pelos componentes articulares e/ou periarticulares. Ademais, existem exercícios
específicos que podem beneficiar a flexibilidade e/ou a mobilidade, o que dependerá das
necessidades e dos objetivos de cada beneficiário/paciente. Diante do exposto, percebe-se
que compreender as especificidades dessas terminologias é uma tarefa fundamental para
a adequada avaliação, prescrição e orientação dos programas de treinamento.

Palavras-chave: Flexibilidade, Músculos, Articulações, Educação Física e Treinamento,


Exercício Físico.
INTRODUÇÃO

O diálogo translacional entre teoria e prática é essencial para o desenvolvimento de


qualquer área de conhecimento, incluindo o treinamento físico-funcional. Ao adentrar no
cenário prático, os conhecimentos advindos do contexto teórico, muitas vezes, são recriados
e renomeados, recebendo múltiplas e distintas interpretações. No presente trabalho, não
temos como objetivo discutir as problematizações do diálogo entre teoria e prática, apenas
destacar que essa relação pode produzir mudanças expressivas no desenvolvimento de uma
área de conhecimento que, por sua vez, podem ser positivas e/ou negativas.
No contexto do treinamento físico-funcional, algumas palavras têm sido utilizadas de
maneira equivocada e, até mesmo, como sinônimos, como é o caso dos termos “flexibilidade”
e “mobilidade”. O uso equivocado dessas terminologias pode trazer inúmeras problemáticas
para a avaliação, a prescrição e a orientação do treinamento. De fato, existem exercícios
específicos que podem beneficiar a flexibilidade, e outros favorecem a mobilidade e tudo
isso dependerá dos objetivos e das necessidades do beneficiário/paciente/atleta (ACHOUR
JUNIOR, 2009, 2012; BOYLE, 2015, 2018).
Em um livro clássico escrito por Blum (1998), o termo estiramento foi traduzido para
“stretching” e, segundo o autor, significa extensão, flexibilidade, mobilidade, elasticidade,
estirar e alongar. Segundo Achour Júnior (2009), a pluralidade de termos apresentados por
Blum (1998) pode ter repercutido em distorções conceituais ao serem aplicados no contexto
prático. Realmente, no contexto prático os termos flexibilidade/alongamento, flexibilidade/
mobilidade e alongamento/estiramento têm sido utilizados de maneira intercambiável por
alguns profissionais. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é conceituar e diferenciar
essas nomenclaturas, bem como apresentar um modelo de treinamento físico-funcional que
tem como base o trabalho de mobilidade associado à ideia de estabilidade.

FLEXIBILIDADE

Força, velocidade, equilíbrio, coordenação, ritmo, potência, agilidade e resistência são


consideradas valências, aptidões ou capacidades físicas (PLATONOV, 2008). De igual modo,
a flexibilidade também é entendida como uma capacidade física, mais precisamente: “[...]
é a capacidade de realizar movimentos em certas articulações com apropriada amplitude
de movimento” (BARBANTI, 1994, p. 129). Não obstante, outros autores da área definem
a flexibilidade como:

Qualidade motriz que depende da elasticidade muscular e da mobilidade arti-


cular expressa pela máxima amplitude de movimento necessária para execu-
ção de qualquer atividade física, sem que ocorra lesões anatomo-patológicas
(PAVEL; ARAÚJO, 1980 apud ARAÚJO, 1983, p. 7).

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É a capacidade e a característica de um atleta de executar movimentos de
grande amplitude, ou sob forças externas, ou ainda que requeiram a movi-
mentação de muitas articulações (WEINECK; CARVALHO; BARBANTI, 1999,
p. 470).

É a qualidade física que condiciona a capacidade funcional das articulações a


movimentarem-se dentro dos limites ideais de determinadas ações (TUBINO,
1984, p.181).

Qualidade física responsável pela execução voluntária de um movimento de


amplitude angular máxima, por uma articulação ou conjunto de articulações,
dentro dos limites morfológicos, sem risco de provocar lesões (DANTAS, 2005,
p. 57).

Observa-se que a flexibilidade tem sido reconhecida como um sistema musculoarticular,


ou seja, pela associação dos componentes musculotendíneos (por exemplo, músculos, ten-
dões e nervos) e articulares (por exemplo, cavidades, cartilagens e ligamentos). A partir dessa
associação, a flexibilidade pode ser compreendida como a capacidade de realizar movimentos
na maior amplitude de movimento possível sem a ocorrência de lesões (FORTUNADO et al.,
2020). Para compreender todos os elementos que estão associados à flexibilidade, torna-se
necessário entender o que são os músculos esqueléticos e suas propriedades. Ressalta-
se que o objetivo do presente trabalho não é apresentar uma revisão de toda a anatomia
muscular; para isso, sugere-se o livro de Marieb, Wilhelm e Mallat (2014).
Os músculos esqueléticos são órgãos que se conectam ao esqueleto e o movimen-
tam (MARIEB; WILHELM; MALLAT, 2014). Esses músculos são inervados pela divisão
voluntária do sistema nervoso e estão sujeitos ao controle consciente, ou seja, você con-
segue controlar esse tecido muscular de acordo com a sua vontade (MARIEB; WILHELM;
MALLAT, 2014). O tecido muscular possui quatro propriedades funcionais que o distingue
dos demais tecidos: contratilidade, extensibilidade, excitabilidade e elasticidade (MARIEB;
WILHELM; MALLAT, 2014).
A contratilidade relaciona-se à capacidade que o tecido muscular tem de se contrair
(encurtar) quando recebe um estímulo suficiente (MARIEB; WILHELM; MALLAT, 2014). A ex-
tensibilidade refere-se à capacidade que o tecido muscular tem de ser esticado, por exem-
plo, quando a contração de um musculo esquelético estica um músculo oposto (MARIEB;
WILHELM; MALLAT, 2014). A excitabilidade relaciona-se aos sinais nervosos ou outros
estímulos que excitam as células musculares, fazendo que os impulsos elétricos percorram
a membrana plasmática das células (MARIEB; WILHELM; MALLAT, 2014). Esse proces-
so pode ser evidenciado nos impulsos que iniciam a contração das células musculares.
Por fim, a elasticidade pode ser definida como a capacidade que o tecido muscular apre-
senta de retornar passivamente ao seu tamanho de repouso após ser esticado (MARIEB;
WILHELM; MALLAT, 2014).

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Além das propriedades musculares supracitadas, no contexto da flexibilidade, a plas-
ticidade tem se mostrado como um componente essencial, sendo caracterizada como a
propriedade de deformação permanente do material (tecido) quando a carga aplicada ul-
trapassa o limite elástico (FORTUNADO et al., 2020). No caso dos músculos esqueléti-
cos, essas adaptações podem ocorrer no comprimento ou na secção transversa (ROCHA;
CAVALLIERI, 2007). Em outras palavras, a plasticidade tem sido reconhecida como uma
deformação muscular com o objetivo de ganho de flexibilidade. Realmente, segundo Aguiar
e Aguiar (2009, p. 105), o músculo esquelético “[...] exibe alta plasticidade, o que habilita
este tecido alterar suas características morfológicas, metabólicas e funcionais, em resposta
a estímulos específicos”.
A elasticidade, a extensibilidade e a plasticidade estão associadas, principalmente,
aos componentes da unidade musculotendínea. Esses componentes apresentam-se ricos
em elastina e colágeno, propriedades estruturais que permitem transmissões de forças
e a realização de grandes deformações (FORTUNADO et al., 2020). Contudo, embora a
elasticidade, a extensibilidade e a plasticidade sejam essenciais para o desenvolvimento da
flexibilidade, autores salientam que a mobilidade articular também é uma estrutura essencial
nesse processo1 (FORTUNATO et al., 2020; FOX; BOWERS; FOSS, 1991; MARCHAND,
2002; WERLANG, 1997). Portanto, a flexibilidade não se limita à mobilidade articular, tam-
pouco podem ser vistas como sinônimos.
Essa confusão, pode estar associada ao fato de que, na maioria das vezes, a flexibi-
lidade tem sido testada por meio do movimento articular, o que pode reforçar a confusão
entre essa terminologia e a mobilidade (ACHOUR JUNIOR, 2009). Por exemplo, a flexibili-
dade dos músculos isquiotibiais pode ser avaliada como o alcance do movimento de flexão
de quadril ou de extensão do joelho. Isso acontece, pois esse grupamento muscular cruza
duas articulações.
Verdadeiramente, o sistema muscular e o articular têm funções dependentes, de modo
que uma alteração em um deles modifica em maior ou menor grau o outro (ACHOUR JUNIOR,
2012). Essa relação permite referir-se à flexibilidade “como um sistema musculoarticular”
(ACHOUR JUNIOR, 2012). Por exemplo, um músculo nunca será capaz de se alongar
em toda a sua extensão se a articulação não permitir que ele se mova o suficiente. Nesse
contexto, a flexibilidade tem sido classificada em estática, dinâmica, funcional e balística
(Quadro 1) (ALTER, 2010).

1 Werlang (1997) menciona que a maleabilidade também é uma estrutura essencial para o desenvolvimento da flexibilidade, sendo a
capacidade de extensibilidade da pele, de modo que, quanto maior, menor a incapacidade de mobilidade.

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Quadro 1. Classificação da flexibilidade.

Classificação Definição
Refere-se à amplitude de movimento da articulação ao final de um único movimento, sem qualquer ênfase na
Estática
velocidade do gesto. Assim, a ênfase é no ângulo formado ao final do movimento, com a articulação estática.
Refere-se à amplitude de movimento obtida durante um movimento de interesse, sendo realizado em
Dinâmica
uma velocidade lenta ou rápida.
Refere-se à realização de movimentos articulares rítmicos e contínuos. Por exemplo, quando se estende e
Balística
flexiona ativamente a articulação do quadril por um determinado tempo e número de vezes.
Refere-se à amplitude de movimento dinâmica, bem como à amplitude de movimento ideal para realizar
ações motoras específicas, como, por exemplo, um gesto técnico em determinado esporte. Assim, o ob-
Funcional
jetivo não é determinar a maior amplitude de movimento, mas identificar e interpretar a amplitude de
movimento ideal para à ação motora.
Fonte: Adaptado de Fortunado et al. (2020).

Avançando no entendimento da flexibilidade, Dantas e Conceição (2017) destacam


que ela é uma das capacidades físicas menos estudadas, além de apresentar grande dis-
crepância nas publicações acadêmicas. Esse aspecto está relacionado, principalmente,
aos inúmeros termos que têm sido utilizados como sinônimos. Por exemplo, ao consultar o
termo flexibilidade (flexibility) nos Descritores em Ciência da Saúde (DeSC), encontram-se
os seguintes descritores: “Amplitude de Movimento Articular” e “Maleabilidade”. Ao realizar a
mesma busca nos Medical Subject Headings (MeSH), o descritor encontrado foi: “Range of
Motion, Articular”. De fato, um grande problema evidenciado nas pesquisas, em especial na
área da saúde, é a infinidade de descritores para definir a mesma terminologia ou construto.
Não obstante, o termo flexibilidade tem sido utilizado como sinônimo da palavra “alonga-
mento” (FORTUNATO et al., 2020). Desse modo, é preciso compreender que, enquanto a fle-
xibilidade é uma capacidade física, o alongamento é uma técnica ou exercício que tem como
objetivo desenvolver a flexibilidade (ACHOUR JUNIOR, 2012; DANTAS; CONCEIÇÃO, 2017).
Nesse cenário, surge uma nova terminologia, a saber, o flexionamento2. Assim, con-
ceitualmente, o alongamento se refere ao trabalho destinado à manutenção dos níveis de
flexibilidade, com a realização de movimentos em uma amplitude normal com a menor
restrição física possível (DANTAS; CONCEIÇÃO, 2017). Já o flexionamento se refere ao
trabalho destinado a obter uma melhora da flexibilidade com a utilização de movimentos com
grande amplitude articular, ou seja, superiores aos originais (DANTAS; CONCEIÇÃO, 2017).
Dessa forma, os exercícios de alongamento devem ser empregados quando o objeti-
vo do treinamento é trabalhar com uma intensidade submáxima, sem forçar a barreira final
imposta pela articulação ao movimento (DANTAS; CONCEIÇÃO, 2017). Em contrapartida,

2 A utilização desse termo não é consenso entre os estudiosos dessa temática. Por exemplo, Fortunato et al. (2020) destacam que
esse termo é internacionalmente desconhecido, de modo que se deve utilizar somente a palavra alongamento, pois é mais próxima
do conceito de “stretching”, amplamente utilizado na literatura internacional. Assim, para esses autores, o alongamento já incluiu
tanto os exercícios para manutenção dos níveis de flexibilidade, quanto exercícios para o desenvolvimento dessa capacidade física
(FORTUNATO et al., 2020).

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o flexionamento deve ser adotado quando o exercício for realizado em uma intensidade
máxima, com estímulo relevante à articulação (DANTAS; CONCEIÇÃO, 2017).
O American College of Sports Medicine (ACSM) (2014) tem classificado os alonga-
mentos em quatro categorias, a saber: alongamento estático ativo e passivo, alongamento
dinâmico e facilitação neuromuscular proprioceptiva. Inicialmente, no alongamento estático,
deve-se alongar os músculos e manter essa posição por um determinado tempo (ACSM,
2014). O alongamento estático ativo ocorre quando a manutenção da posição é realizada
pela contração do(s) músculo(s) agonista(s). Já o alongamento estático passivo ocorre com
a manutenção da posição sem o envolvimento dos músculos agonistas, podendo ser utiliza-
do o auxílio de um parceiro ou acessório (ACSM, 2014). O alongamento dinâmico envolve
a realização de movimentos lentos e repetidos, com aumento progressivo da amplitude
(ACSM, 2014). Por fim, na facilitação neuromuscular proprioceptiva, a contração isométrica
é seguida por um alongamento dinâmico (ACSM, 2014).
Compreendendo a importância da flexibilidade para a saúde e condicionamento físico,
Bushman (2016) descreveu algumas recomendações para essa capacidade física, dentre as
quais: (a) realizar o treinamento de flexibilidade pelo menos duas ou três vezes por semana;
(b) alongar ativamente antes e passivamente após a prática de exercício físico; (c) priorizar
as maiores articulações corporais, como, por exemplo, pescoço, ombros, cotovelo, quadril,
joelho, tornozelo, coluna torácica e lombar; e (d) completar 60 segundos de alongamento
para cada exercício, por meio de repetições de duas a quatro vezes.
Em especial, Bushman (2016) destaca que podem ser incluídos alongamentos estáti-
cos, dinâmicos, balísticos e facilitação neuromuscular proprioceptiva. Nesse caso, recomen-
da que o alongamento estático seja mantido de 15 a 30 segundos; contudo, ressalta que
adultos poderiam ter maiores benefícios se realizassem a manutenção do exercício de 30
a 60 segundos (BUSHMAN, 2016). A facilitação neuromuscular proprioceptiva poderia ser
realizada com 3 a 6 segundos de contração, seguida de 10 a 30 segundos de alongamento
assistido, isto é, com um auxílio externo (BUSHMAN, 2016).
Essas recomendações são orientações gerais, de modo que as especificidades do
beneficiário devem ser levadas em consideração na prescrição dos exercícios. Para além do
trabalho de flexibilidade, por meio dos exercícios de alongamento e flexionamento, deve-se
trabalhar concomitantemente com os exercícios de mobilidade. Assim, a mobilização articu-
lar tem sido indicada para segmentos com hipomobilidade e encurtamento identificados na
amplitude final dos movimentos (ACHOUR JÚNIOR, 2017). Segundo Achour Júnior (2017, p.
1), a mobilização articular pode ser aplicada “[...] a qualquer estratégia ativa ou passiva para
aumento da amplitude de movimento nos componentes periarticulares entre as superfícies

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articulares”. Compreendendo as especificidades da mobilidade articular, essa variável será
discutida em detalhes no próximo tópico.

MOBILIDADE

Antes de compreender a definição de mobilidade articular, precisamos compreender o


que são as articulações e suas classificações. Essencialmente, as articulações são estruturas
responsáveis por realizar a junção entre os ossos do corpo humano, estruturas em que uma
de suas funções é o movimento corporal (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014). Assim, o
movimento só é possível pela articulação dessas estruturas e pela contração dos músculos
esqueléticos inseridos nos ossos. As articulações podem ser classificadas por sua função
e estrutura (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014).
A classificação funcional está direcionada à quantidade de movimentos permitidos e
pode se dividir em: (a) sinartrose – articulações imóveis; (b) anfiartrose – articulações ligeira-
mente móveis (c) diartrose – articulações livremente móveis (MARIEB; WILHELM; MALLATT,
2014). As diartroses têm maior predominância nos membros, enquanto as sinartroses e
anfiartroses são mais restritas ao esqueleto axial (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014).
Por outro lado, a classificação estrutural tem como base o material que faz a junção
dos ossos e a presença ou ausência de uma cavidade articular, sendo classificadas em
fibrosas, cartilagíneas e sinoviais (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014). Nas articulações
fibrosas, os ossos são conectados por um tecido conjuntivo denso, e nenhuma cavidade
articular está presente. Em relação à tipologia, as articulações fibrosas se dividem em: (a)
suturas – os ossos estão firmemente ligados por uma quantidade mínima de tecido fibroso,
como nos ossos do crânio; (b) sindesmoses – os ossos são conectados, exclusivamente,
por ligamentos, fitas de tecido fibroso mais longas do que as que ocorrem nas suturas; (c)
gonfoses – quando um pino se ajusta a um soquete, como, por exemplo, na articulação de um
dente com o seu respectivo alvéolo (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014). Nas articulações
cartilagíneas, os ossos estão unidos por cartilagens, elas não possuem cavidade articular
e não apresentam muita mobilidade. Existem dois tipos de articulações cartilagíneas: (a)
sincondroses – articulação em que uma cartilagem hialina une os ossos; (b) sínfises – articu-
lação em que os ossos são unidos por uma fibrocartilagem, como os discos intervertebrais e
a sínfise púbica (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014). Por fim, nas articulações sinoviais
ocorre o livre deslizamento entre a superfície de um osso e outro em virtude da presença de
líquido sinovial (MARIEB; WILHELM; MALLATT, 2014). Nessa última, diferente das outras
articulações, as peças articulares estão unidas por meio de uma cápsula articular, que possui
em seu interior o líquido sinovial.

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Compreendendo a classificação das articulações, é possível entender a definição de
mobilidade articular. Dessa forma, a mobilidade pode ser definida como a capacidade que
uma articulação tem de se movimentar ativamente, na maior amplitude de movimento pos-
sível, antes de ser restringida pelos componentes articulares e/ou periarticulares (ACHOUR
JUNIOR, 2017). A mobilidade também leva em consideração os componentes do sistema
nervoso, em especial, do controle motor. É necessário reiterar que a mobilidade e a flexi-
bilidade apresentam uma relação de interdependência (ACHOUR JUNIOR, 2009, 2012,
2017). De fato, segundo Simmonds, Miller e Gemmell (2012), a mobilização articular não
está limitada à articulação, mas envolve a musculatura e o invólucro fascial, interconectada
à fáscia profunda e a outros tecidos, como tendões e ligamentos.
O trabalho de mobilidade produz vários efeitos benéficos, incluindo a inibição de dor
via mecanorreceptores periféricos, aumento da nutrição sinovial articular, restauração da
função articular e realimento do tecido conjuntivo periarticular (ACHOUR JÚNIOR, 2017).
Segundo Achour Júnior (2017), os exercícios de mobilização seguidos pelos exercícios de
alongamento podem suprimir a restrição na amplitude de movimento e desenvolver a flexi-
bilidade com segurança (ACHOUR JÚNIOR, 2017).
O fato de se empregar o trabalho de mobilidade articular associada ao alongamento
não significa que a mobilização articular envolva somente a articulação e que o alongamento
seja exclusivamente muscular, mas dependendo do comprometimento, um desses compo-
nentes pode estar mais restrito do que o outro (ACHOUR JÚNIOR, 2017). Realmente, “tanto
o movimento articular influencia os músculos daquela articulação como a normalização do
excesso de tônus ou a supressão do encurtamento tem um efeito importante na articulação”
(ACHOUR JÚNIOR, 2017, p. 16).
Embora imprescindível para a manutenção das funções corporais, a mobilidade não
deve ser trabalhada de maneira isolada; torna-se importante trabalhá-la em associação com
a estabilidade, visto que cada articulação possui necessidades de treinamento particulares
(BOYLE, 2015, 2018). O próximo capítulo apresentará elementos essenciais para a com-
preensão do treinamento de mobilidade associado à estabilidade.

MOBILIDADE E ESTABILIDADE

A estabilidade da articulação é um requisito essencial para que as pessoas consigam


realizar atividades e movimentos funcionais (ALENCAR; ROLLA; FONSECA, 2006). Na lite-
ratura ela tem sido dividida em duas tipologias, a saber, mecânica e funcional (ALENCAR;
ROLLA; FONSECA, 2006). Segundo Alencar, Rolla e Fonseca (2006, p. 111), a estabilidade
articular mecânica pode ser compreendida pela “[...] geometria articular e pelas propriedades
mecânicas dos tecidos que se encontram dentro e ao redor da articulação”. Por outro lado, a

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estabilidade articular funcional é a condição que permite um desempenho normal da articula-
ção ao longo de uma atividade/movimento funcional, sendo resultado dos fatores contribuintes
da estabilidade mecânica (geometria da articulação e propriedades mecânicas dos tecidos)
associados às forças que agem sobre a articulação (ALENCAR; ROLLA; FONSECA, 2006).
Explicar o treinamento de mobilidade e estabilidade não é uma tarefa fácil. Contudo,
compreendendo que as articulações corporais apresentam funções específicas, Boyle (2015,
2018), um dos principais estudiosos de treinamento funcional do mundo, criou uma abor-
dagem que denominou de articulação por articulação (do inglês: joint by joint). Nessa abor-
dagem, o corpo pode ser descrito como uma pilha de articulações, na qual cada uma delas
tem uma função predominante de mobilidade ou estabilidade, conforme a Figura 1.
Nesse sentido, cada articulação tem uma necessidade específica que deve ser treina-
da, e cada uma delas tem níveis previsíveis de disfunção. Segundo o autor, os problemas
em determinada articulação se revelam na forma de dor na articulação acima ou abaixo.
Para explicar essa relação, Boyle (2015) utiliza como exemplo a lombalgia (dor na coluna
lombar). A dor lombar pode ser causada pela perda de função na articulação dos qua-
dris. Ou seja, a disfunção articular afeta a articulação local e a articulação acima. Em outras
palavras, se os quadris, designados pela mobilidade, não conseguem se mover, a coluna
lombar, designada pela estabilidade, irá fazê-lo (BOYLE, 2015).

Figura 1. Abordagem articulação por articulação.

Fonte: Adaptado de Cook et al. (2010).

Quando a articulação que era para ser móvel apresenta uma hipomobilidade, a articu-
lação estável é forçada a se movimentar em compensação (hipermobilidade), tornando-se
menos estável e desencadeando alguns problemas, como, por exemplo, as disfunções ar-
ticulares (BOYLE, 2015). O processo é simples: perca mobilidade de tornozelo e ganhe dor

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no joelho, perca mobilidade de quadril e ganhe uma dor lombar, perca mobilidade torácica
e ganhe dor na cervical e no ombro ou lombalgia (BOYLE, 2015).
É importante compreender que todas as regiões da cadeia cinética requerem níveis ade-
quados de estabilidade e mobilidade, de modo que ambas as funções devem ser respeitadas
e, respectivamente, condicionadas em cada região da cadeia cinética, o que dependerá da
sua função (OSAR, 2017). Nesse contexto, a disfunção ocorrerá quando articulações que
requerem maior estabilização se tornam hipermóveis e, em contrapartida, quando articula-
ções que requerem maior mobilidade se tornam hipomóveis (OSAR, 2017).
Nesse sentido, como ilustrado na Figura 2, se uma pessoa apresenta uma pronação
acentuada no pé, é possível que compense esse padrão aumentando a abdução do joelho
(geno valgo). O geno valgo pode favorecer a adução do quadril, que por sua vez, favorece
uma assimetria pélvica, desencadeando desvios posturais na coluna. Estes desvios podem
favorecer a depressão do ombro e consequentemente a inclinação cervical. Embora apre-
sentado de maneira global, esses processos podem acontecer em apenas alguns segmentos
da cadeia cinética (BOYLE, 2015).
Compreendendo a abordagem apresentada, o objetivo das estratégias de treinamen-
to será mobilizar as regiões hipomóveis, estabilizar as regiões hipermóveis e aplicar uma
estratégia de exercícios corretivos e compensatórios que respeite a relação entre as re-
giões (OSAR, 2017).

Figura 2. Padrões compensatórios.

Fonte: Os autores (2023).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que, embora a flexibilidade e a mobilidade contribuam para a qualidade do


movimento, performance física, motora e redução das disfunções osteomusculares, esses
termos apresentam distinções teórico-práticas. A flexibilidade é considerada uma capacidade/
valência física, caracterizada pela capacidade de realizar movimentos na maior amplitude
possível sem a ocorrência de lesões, o que envolve os componentes musculotendíneos (por
exemplo, músculos, tendões e nervos) e articulares (por exemplo, cavidades, cartilagens e
ligamentos). Por outro lado, a mobilidade é a capacidade da articulação de se movimentar
ativamente na maior amplitude de movimento possível, antes de ser restringida pelos com-
ponentes articulares e/ou periarticulares. Nesse processo, o alongamento, o flexionamento
e a mobilidade constituem, entre outros elementos, um conjunto de práticas que favorecem
a melhoria da capacidade/valência física flexibilidade. Por fim, evidencia-se que as articula-
ções necessitam de níveis adequados de flexibilidade, mobilidade e estabilidade, de modo
que o treinamento físico-funcional deve levar em consideração essas variáveis.

REFERÊNCIAS

ACHOUR JUNIOR, A. Alongamento e flexibilidade: definições e contraposições. Revista


Brasileira de Atividade Física & Saúde, v. 12, n. 1, p. 54-58, 2012.

ACHOUR JUNIOR, A. Flexibilidade e alongamento: saúde e bem-estar. 1ª ed. Barueri:


Manole, 2009.

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