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Gemelaridade

Gestações provenientes de um ou mais ciclos ovulatórios que resultam no desenvolvimento


intrauterino de mais de um zigoto ou na divisão de um mesmo zigoto são consideradas gestações múltiplas,
independentemente do número final de neonatos.

Epidemiologia
• A mortalidade neonatal, por exemplo, aumenta entre cinco e seis vezes nas gestações múltiplas em
comparação com as gestações únicas;
• O risco de paralisia cerebral, por sua vez, aumenta em oito vezes nas gestações gemelares e, nas
gestações trigemelares, atinge cerca de 47 vezes o observado nas gestações únicas;
• As gestações múltiplas respondem ainda por cerca de 10 a 15% da mortalidade perinatal.

Fatores que aumentam a incidência


História familiar materna, aumento da idade materna (até cerca de 37 anos) e aumento da paridade,
uso de medicações para induzir a ovulação e a transferência de múltiplos embriões nos ciclos de reprodução
assistida.

Tipos de gestação múltipla


É possível classificar as gestações múltiplas, de acordo com a zigoticidade, em:
Gestações monozigóticas: resultam da divisão de massa embrionária inicial comum, gerando produtos
conceptuais com carga genética idêntica. Representam cerca de um terço das gestações gemelares
naturalmente concebidas;
Gestações polizigóticas: resultam da fecundação de mais de um óvulo e geram produtos conceptuais
com materiais genéticos distintos. Representam aproximadamente dois terços das gestações gemelares
naturalmente concebidas.
Outras classificações aplicáveis às gestações múltiplas dizem respeito à corionicidade e ao número de
cavidades amnióticas. Nas gestações polizigóticas, cada zigoto desenvolve seus próprios cório (gestações
policoriônicas) e âmnio (gestações poliamnióticas). Nas gestações monozigóticas, a divisão da massa
embrionária pode ocorrer em momentos distintos resultando em diferentes possibilidades.
• Gestações dicoriônicas diamnióticas: quando a divisão do blastocisto ocorre em até 72 horas após a
fertilização, cada massa embrionária desenvolve os próprios cório e âmnio. Representam cerca de
um quarto dos casos. Gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, portanto,
a polizigoticidade pode ser inferida quando há discordância entre os sexos fetais;
• Gestações monocoriônicas diamnióticas: quando a divisão acontece entre o quarto e o oitavo dias
após a fertilização, a diferenciação das células que dão origem ao cório já ocorreu, portanto as
massas embrionárias compartilharão a mesma placenta, mas serão formadas duas cavidades
amnióticas. Ocorrem em 7 4% das gestações monozigóticas;
• Gestações monocoriônicas monoamnióticas: quando a divisão do blastocisto ocorre entre o oitavo e
o 13º dias após a fertilização, a placa coriônica e o saco amniótico já estão formados, então as novas
massas embrionárias compartilharão os mesmos cório e âmnio. Representa cerca de 1 % dos casos.
A monocorionicidade, portanto, sempre implica monozigoticidade;
• Os gêmeos unidos são resultantes de falha na separação completa dos embriões, quando esse
processo de divisão ocorre tardiamente (entre o 14 º e o 17º dias).
Sabe-se que a frequência de complicações fetais é maior nas gestações monocoriônicas do que nas
dicoriônicas, portanto a conduta pré-natal a ser adotada, o prognóstico e o resultado da gestação
dependem diretamente do conhecimento da corionicidade da gestação.
As gestações monocorionicas sao sempre monozigóticas, ao passo que as dicoriônicas podem ter
origem tanto mono como dizigótica. A discordância fetal, por sua vez, indica polizigoticidade. Estudos de
DNA permitem determinar se gêmeos do mesmo sexo são mono ou dizigóticos.

Determinação da corionicidade
Por conta dos maiores riscos envolvidos em uma gestação múltipla monocoriônica, o conhecimento
da corionicidade em gestações múltiplas é essencial para guiar o aconselhamento do casal e,
principalmente, o manejo dessas gestações.
O primeiro trimestre da gestação é o melhor período para se determinar a corionicidade e a
amnionicidade. Indica-se a realização do exame entre 6 e 8 semanas de gestação, por via transvaginal.
O exame ultrassonográfico realizado no primeiro trimestre identifica com acurácia próxima de 100%
as gestações dicoriônicas pela presença de mais de um saco gestacional e um septo espesso entre eles.
A partir de 9 semanas, é possível observar nas gestações dicoriônicas o chamado sinal do lambda, que
é a projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas identificada na base da inserção
placentária, portanto, a identificação desse sinal em qualquer estágio da gestação constitui evidência de
dicorionicidade.

A ausência do sinal do lambda após o primeiro trimestre


de gestação não deve ser considerada evidência de
monocorionicidade e não exclui a possibilidade de gestação
dicoriônica ou dizigótica. Isso decorre do fato de que a camada
coriônica regride conforme a gestação evolui, o que dificulta
progressivamente a identificação do sinal do lambda, e as
massas placentárias podem se fundir e apresentar aspecto de
massa placentária única.
O exame ultrassonográfico de gestações monocoriônicas demonstra, a partir de 7 semanas, a
presença de mais de um embrião em um mesmo saco gestacional. A observação do âmnio é possível a partir
da nona semana. As membranas amnióticas adjacentes se fundem no final do primeiro trimestre. A
visualização de duas cavidades amnióticas divididas por um septo fino que se insere diretamente na
placenta, nessas gestações, é conhecida como sinal do T.

A determinação da corionicidade é prejudicada durante o


segundo trimestre por conta da maior dificuldade de
visualização dos sinais do lambda e do T. Nesse período, a
identificação do sinal do lambda, a presença de fetos com sexos
discordantes e/ou a observação de placentas inseridas em sítios
distintos da cavidade uterina são características que identificam
gestações dicoriônicas. Em fases tardias da gestação, as técnicas
propostas para determinação da corionicidade são muito
trabalhosas, de difícil reprodução e necessitam de recursos
técnicos específicos, pois envolvem a avaliação da espessura do
septo e a contagem do número de camadas que o compõem.
Técnicas invasivas, que envolvem a injeção de meio de contraste, são consideradas somente nos casos
em que o conhecimento da corionicidade é indispensável para determinar a conduta frente a
intercorrências e complicações em gestações avançadas com fetos de mesmo sexo. O aparecimento de
meio de contraste injetado na circulação de um dos fetos na circulação do outro feto indica que a gestação
é monocoriônica.

Diagnóstico
Atualmente, o diagnóstico de gestações gemelares é realizado com alta acurácia em exames
ultrassonográficos realizados no primeiro trimestre.
Na ausência dessa identificação em gestações mais avançadas, alguns achados clínicos podem indicar
gemelidade, com baixa acurácia. A palpação de dois polos cefálicos, a ausculta de dois ritmos cardíacos com
frequências diferentes entre si e diferentes da frequência materna e volume uterino maior do que o
observado em gestações únicas são exemplos desses achados. Entre 20 e 30 semanas gestacionais, a altura
uterina é 5 cm maior nas gestações gemelares do que o esperado para gestações únicas.

Fisiologia materna
O organismo materno sofre mudanças durante a gravidez para se adaptar à presença do feto que está
se desenvolvendo. Conhecer o mecanismo dessas adaptações permite identificar como a fisiologia materna
pode responder às gestações múltiplas. São exemplos de alterações mais acentuadas nas gestações
gemelares:
• A expansão volêmica média é de 1.960 mL, enquanto a observada em gestações únicas é de 1.570
mL;
• O aumento da volemia e da pré-carga cardíaca provoca aumento também do débito cardíaco. Em
gestações gemelares, o débito cardíaco é cerca de 20% maior do que nas gestações únicas, o que
provoca um estado hiperdinâmico da circulação materna;
• As queixas de dispneia são mais frequentes nas gestações gemelares, pois o aumento do volume
abdominal e, consequentemente, o aumento do recrutamento de músculos acessórios para a
respiração são mais acentuados nessas gestações. Também há quadros de pielectasia renal causados
pela compressão da drenagem ureteral pelo útero distendido. A homeostase gasosa e o equilíbrio
acidobásico são semelhantes aos observados em gestações únicas.

Complicações
Sabe-se que a incidência de complicações gestacionais é maior nas gestações múltiplas, com exceção
apenas do pós-datismo e da macrossomia fetal. O diagnóstico de baixo peso ao nascer é frequente nessas
gestações por conta da maior incidência de prematuridade e restrição do crescimento fetal.
A síndrome da transfusão feto-fetal e a discordância entre os fetos quanto a alterações morfológicas,
alterações de vitalidade fetal e alterações do crescimento fetal são exclusivas das gestações múltiplas.
Entre as complicações maternas, há um aumento na frequência de anemia; hiperêmese gravídica; pré-
eclâmpsia; complicações hemorrágicas da gestação, como placenta prévia e descolamento prematuro de
placenta (DPP); infecção puerperal; edema pulmonar e óbito. A hipertensão arterial merece destaque pois é
uma das complicações gestaàonais mais frequentes nas gestações múltiplas.
Existem estudos e autores que indicam que a incidência de diabetes mellitus gestacional não é
diferente em gestações múltiplas e gestações únicas, enquanto outros observam que as gestações múltiplas
estão associadas a uma maior incidência dessa complicação. Apesar de se tratar de uma associação
controversa, há muitos serviços que consideram toda gestação múltipla como de alto risco para diabetes
mellitus gestacional.

➢ Rotura prematura das membranas ovulares


Gestação múltipla é um fator de risco para a ocorrência de rotura prematura de membranas ovulares
(RPMO). Procedimentos diagnósticos invasivos, como a amniocentese, podem provocar a rotura das
membranas do saco gestacional do segundo gemelar; no entanto, o que ocorre mais comumente é a rotura
das membranas do primeiro gemelar.
Em gestações únicas em que a rotura das membranas acontece antes de 36 semanas, o período de
latência médio é de 19,5 horas. Este período é significativamente menor nessas gestações. O período de
latência médio observado foi de 11,4 horas.
Nos casos em que o nascimento do primeiro gemelar ocorre antes da viabilidade, raramente é
possível postergar com sucesso o parto do segundo gemelar. Pode-se recomendar a adoção de medidas
como antibioticoterapia, cerclagem cervical e tocólise para esses casos; no entanto, a conduta expectante
deve ser escolhida. É importante manter intensa vigilância com relação ao quadro clínico para identificar
precocemente possíveis complicações infecciosas, que podem ser fatais. O feto fica sujeito, ainda, a maiores
riscos de complicações como óbito fetal e/ ou embrionário, acidentes de cordão e apresentação fetal
anômala durante o trabalho de parto.

➢ Prematuridade
A prematuridade ocorre em 30 a 50% das gestações múltiplas. Por conta dessa frequência elevada, o
parto prematuro é o principal fator determinante de morbidade e mortalidade nessas gestações.
A duração média das gestações múltiplas é menor que a de gestações únicas: aproximadamente 35
semanas para gestações gemelares e aproximadamente 32 semanas para gestações trigemelares. Sabe-se,
também, que gestações monocoriônicas têm maior risco de parto pré-termo se comparadas às gestações
dicoriônicas.
O conhecimento dos altos índices de prematuridade já está estabelecido, mas a capacidade de
predizer sua ocorrência ainda é baixa. Para essa finalidade, os testes que demonstraram melhor
desempenho foram a avaliação cervical ultrassonográfica e a determinação da fibronectina fetal em
conteúdo cervicovaginal.
A realização de cerclagem uterina em gestações gemelares não se mostrou efetiva em metanálises e
estudos prospectivos randomizados, mesmo em casos com colo curto.
Internação hospitalar rotineira e repouso no leito foram avaliados em uma metanálise. Além de não
apresentarem benefícios, a incidência de parto pré-termo foi maior nas gestantes hospitalizadas para
repouso. Apesar disso, adequações no estilo de vida da gestante são recomendações de rotina. Preconiza-se
redução das atividades físicas, da jornada e da carga de trabalho, com dispensa precoce nos casos
necessários.
Os agentes uterolíticos são capazes de prolongar a gestação por um período de 24 a 48 horas quando
administrados durante o trabalho de parto prematuro. Gestantes gemelares que recebem essas medicações
devem ser monitorizadas em razão do risco aumentado de edema pulmonar.
Corticosteroides devem ser administrados apenas em gestações viáveis, porém abaixo de 34 semanas,
que apresentem fortes indícios de risco de parto nas próximas 48 horas. As doses recomendadas para
gestações múltiplas não foram estabelecidas na literatura.
Há evidências de benefícios com a suplementação com progesterona para prevenir a prematuridade
em gestações com antecedente de parto pré-termo; no entanto, não se observou redução nas taxas de
parto prematuro com seu uso em gestações gemelares em estudos prospectivos.

➢ Restrição do crescimento fetal


Conceptos de gestações gemelares têm um risco 10 vezes maior do que os de gestações únicas de
nascer com restrição de crescimento. As gestações monocoriônicas apresentam maior probabilidade de
acometimento de ambos os fetos (7,5%) em comparação com as gestações dicoriônicas (1, 7%).
O exame clínico de gestações gemelares não permite confirmar o diagnóstico de restrição do
crescimento fetal, tornando necessária a estimativa do peso fetal obtida nas avaliações ultrassonográficas.
Para isso, é fundamental que a datação da gestação seja estabelecida o mais precocemente possível, de
preferência durante o primeiro trimestre. Com a idade gestacional definida, o peso fetal estimado pelos
exames ultrassonográficos é comparado com padrões de normalidade previamente estabelecidos.
Durante o primeiro e o segundo trimestres, o padrão de crescimento fetal em gestações gemelares é
semelhante ao das gestações únicas, mas a partir de 28 semanas observa-se um ritmo menos acelerado de
crescimento dos gemelares. 118 Por isso, durante o terceiro trimestre, fetos de gestações gemelares são
menores do que os de gestações únicas com mesma idade gestacional. Assim, se for adotada a prática
habitual de empregar curvas de referência baseadas em gestações únicas, distúrbios de crescimento serão
frequentemente diagnosticados em gestações gemelares.
Como não existem medidas de prevenção eficazes para desvios do crescimento fetal, é importante
identificar as gestações de risco durante o acompanhamento pré- -natal. Devem ser realizados exames
ultrassonográficos periódicos nessas gestações para permitir o diagnóstico precoce. Caso seja feito o
diagnóstico de restrição do crescimento fetal seja confirmado em um ou mais fetos, os possíveis fatores
causais devem ser investigados. Nesses casos, além do acompanhamento ultrassonográfico seriado, deve-se
instituir medidas de tratamento específicas para as causas de base. Também é importante realizar a
avaliação seriada da vitalidade fetal para determinar o melhor momento para interrupção da gestação.

• Restrição de crescimento fetal seletiva (RCF)


Peso fetal estimado de um dos fetos abaixo do percentil 3 é considerado fator isolado para
diagnóstico de RCF tanto para gêmeos monocoriônicos como dicoriônicos. A presença de pelo menos dois
dos quatro fatores contributivos (peso fetal estimado< percentil 10, discordância de peso fetal estimado >
25%, índice de pulsatilidade da artéria umbilical do feto menor > percentil 95, circunferência abdominal <
percentil 10) em um dos fetos de gestação monocoriônica classifica como RCF. Nas gestações dicoriônicas, a
presença de pelo menos dois dos três fatores contributivos (peso fetal estimado < percentil 10, discordância
de peso fetal estimado> 25%, índice de pulsatilidade da artéria umbilical do feto menor > percentil 95) em
um dos fetos classifica como RCF.
Em gestações dicoriônicas, a RCF pode ser decorrente de insuficiência placentária, anormalidades de
inserção do cordão umbilical ou causas genéticas. Em gestações monocoriônicas, as causas envolvidas
podem ser: distribuição desigual do território placentário entre os fetos, desbalanço no fluxo das
comunicações vasculares placentárias, anormalidades na inserção do cordão umbilical.
Nas gestações dicoriônicas, da mesma forma que nas gestações únicas, a Dopplerveloàmetria da
artéria umbilical é usada para monitorar estes casos. A resolução da gestação será baseada em piora do
bem-estar fetal, idade gestacional e chances de sobrevida dos fetos. Vale lemb rar que nas dicoriônicas o
óbito de um dos fetos não afeta diretamente o outro feto e o acompanhamento da vitalidade e
Dopplervelocimetria é igual ao das gestações únicas. Nas gestações monocoriônicas, pelo tipo de
comunicações placentárias vasculares entre os fetos, o Doppler da artéria umbilical apresenta padrão
distinto das gestações dicoriônicas e únicas.
Portanto, o acompanhamento, a conduta e o prognóstico das gestações monocoriônicas vão
depender das características do fluxo diastólico da artéria umbilical, ao Doppler do feto menor, que foi
classificado por Gratacos em três tipos:
• Tipo 1: fluxo diastólico da artéria umbilical positivo, estes casos apresentam discordância leve de peso
entre os dois fetos. O prognóstico é favorável para os dois fetos com risco muito baixo de óbito do
feto restrito;
• Tipo 2: fluxo diastólico da artéria umbilical persistentemente ausente (zero) ou reverso. O
prognóstico é desfavorável com alto risco de óbito do feto restrito. Nestes casos, a idade gestacional
média do parto é de 29 semanas;
• Tipo 3: fluxo diastólico da artéria umbilical ausente (zero) ou reverso de forma intermitente. O
prognóstico é intermediário, com 10 a 15% de risco de óbito do feto restrito. A idade gestacional
média do parto é em torno de 32 semanas.
O acompanhamento é realizado por meio dos seguintes parâmetros: ultrassonografia avaliando o
peso dos fetos; volume de líquido amniótico; Dopplervelocimetria de artéria umbilical, dueto venosos e
artéria cerebral média; perfil biofísica fetal. A frequência do acompanhamento é semanal ou mesmo em
intervalos menores conforme a estabilidade ou as alterações dos parâmetros anteriormente citados.
A conduta nestes casos pode ser expectante com monitoramento fetal conforme já descrito ou
conduta cirúrgica com ablação a laser das an astom oses placentárias entre as duas circulações. A escolha da
conduta depende da idade gestacional e da possibilidade técnica de realização do procedimento a laser.

➢ Discordância de crescimento fetal


A discordância de crescimento fetal é definida na literatura de diferentes formas:
• Diferença de peso de 250 a 300 g entre os gêmeos maior e menor, em valores absolutos;
• Diferença de peso entre os gêmeos de 1 desvio-padrão em tabela predefinida;
• Diferença entre as circunferências abdominais dos fetos maior que 20 mm;
• Razão da diferença de peso estimado entre os dois fetos pelo peso do maior feto -> mais utilizada.
Entre as gestações gemelares, 5 a 15% apresentam discordância de crescimento fetal. 40 Sua
ocorrência está associada a maior risco de óbito fetal e mortalidade neonatal.
Sabe-se que diferenças na placentação e no potencial genético individual (nas gestações dizigóticas),
anormalidades de inserção do cordão, discordância quanto a malformações congênitas e síndromes
genéticas e/ ou infecção congênita podem provocar uma discordância de crescimento entre os fetos.
Outros fatores que foram relacionados a uma maior frequência de discordância de crescimento fetal
em gestação gemelar são nuliparidade materna, gestações monocoriônicas e ocorrência de síndrome da
transfusão feto-fetal.
Caso seja firmado o diagnóstico de discordância entre os pesos fetais em uma gestação gemelar,
recomenda-se que se proceda à vigilância do padrão de crescimento de cada um dos fetos e dos parâmetros
de avaliação da vitalidade fetal (volume de líquido amniótico, perfil biofísica fetal e estudo
Dopplervelocimétrico). Deve-se dar atenção especial aos casos em que há diagnóstico de restrição do
crescimento em um ou mais fetos. Atualmente, não há evidências que justifiquem a resolução da gestação
somente em função da ocorrência de crescimento discordante.

➢ Parada do desenvolvimento embrionário e abortamento


A frequência de parada espontânea do desenvolvimento embrionário é elevada entre as gestações
gemelares diagnosticadas em idade gestacional precoce. O exame ultrassonográfico seriado permite
observar a ocorrência desse evento. Em alguns casos, pode ocorrer a parada do desenvolvimento de
somente um dos embriões.
Também há maior frequência de abortamento nessas gestações, com maiores índices nas gestações
monocoriônicas quando comparadas às dicoriônicas. Esse aumento de risco pode ser atribuído às
complicações decorrentes do compartilhamento da circulação placentária, fenômeno exclusivo das
gestações monocoriônicas. Esses fatores explicam por que a incidência de gestações múltiplas durante o
primeiro trimestre é maior do que no parto.
Denomina-se de vanishing twin a interrupção do desenvolvimento de um dos embriões em fase
precoce da gestação. Os autores observaram a redução espontânea de pelo menos um embrião até 12
semanas de gestação em 36% das gestações gemelares, em 53% das gestações trigemelares e em 65% das
gestações quádruplas. Nesses casos, foi registrada uma redução de 4 a 10 dias na duração da gestação. O
peso ao nascimento também tende a ser menor do que nas gestações em que não ocorreu parada do
desenvolvimento embrionário, com uma diferença de 119 a 429 g.
Na maioria dos casos, a parada do desenvolvimento de um embrião não apresenta manifestações
clínicas ou repercussões para o feto remanescente. Apesar do diagnóstico do evento por meio de exame
ultrassonográfico, apenas eventualmente se observa a ocorrência de sangramento vaginal. De maneira
geral, quando a parada do desenvolvimento embrionário ocorre durante o primeiro trimestre da gestação,
observa-se reabsorção tecidual completa, não sendo observados indícios da placenta e dos anexos no
momento do parto ou no exame histopatológico.

➢ Óbito fetal
Gestação gemelar é um fator de risco para óbito fetal. Óbito fetal ocorreu em 2,6% das gestações
gemelares (somente um feto em 1,5% e ambos em 1, 1 %) e em 4,3% das trigemelares (um feto em 2,7%,
dois fetos em 0,6% e três fetos em 1,0%).
Nas gestações em que ocorre óbito de um dos fetos, há risco aumentado para óbito do outro gemelar,
sequelas neurológicas e parto pré-termo. Quanto mais precoce for o óbito fetal, menores serão essas
chances. Essa correlação é mais clara nos casos em que os fetos são de sexos concordantes.
Além da idade gestacional em que ocorre o óbito, fatores como a corionicidade, a causa específica e o
intervalo de tempo do óbito fetal até o nascimento do outro gemelar influenciam o prognóstico do(s)
gemelar(es) remanescente(s).
Nas gestações monocoriônicas, há 15% de chance de óbito do outro gemelar quando ocorre óbito de
um dos fetos. Sequelas neurológicas no gemelar sobrevivente, decorrentes de encefalomalácia multicística,
ocorrem em 26% dos casos. Com o óbito de um gemelar, a volemia do feto sobrevivente é transferida para
o território vascular do gemelar morto, causando hipotensão e isquemia abruptas no feto sobrevivente. A
expansão volêmica do gemelar sobrevivente de gestação monocoriônica pode ser realizada por
cordocentese ou transfusão intrauterina. Os resultados decorrentes desses procedimentos ainda são
controversos, mas há relatos recentes de sua adoção.
Em gestações dicoriônicas, como não há anastomoses vasculares entre as placentas, o risco de
desequilíbrio hemodinâmico para o gemelar remanescente é mínimo. Nesses casos, o feto que morre pode
ser reabsorvido ou permanecer envolto pelas membranas e ser comprimido contra a parede uterina
materna (feto papiráceo). Desde que a causa específica do óbito fetal não contribua com o aumento do
risco para o gemelar remanescente, a conduta pode ser expectante. Quando há prejuízo potencial, a
conduta deve ser adequada para minimizar os riscos para o outro feto.
Nas gestações dicoriônicas, pode ocorrer a reabsorção do feto que morre. Caso ele permaneça no
útero, envolto pelas membranas, será comprimido contra a parede uterina materna (feto papiráceo). Como
não há anastomoses vasculares entre as placentas, o risco de desequilíbrio hemodinâmico para o gemelar
remanescente é mínimo. A conduta nesses casos dependerá da causa do óbito fetal. Quando há risco
potencial para o feto remanescente, a conduta deve ser adequada para minimizar esse risco. Por outro lado,
se não houver risco aumentado para o gemelar remanescente, a conduta pode ser expectante.
A ocorrência de coagulação intravascular disseminada (CIVD) em gestações gemelares com um feto
morto é baixa.
Caso ocorra o óbito de ambos os fetos, a via de parto preferencial é a vaginal. As condições maternas
devem ser acompanhadas com exames laboratoriais durante o período de latência do parto.
Quando a maturidade fetal já foi atingida, caso sejam detectados sinais iminentes de óbito de um dos
fetos, o profissional pode recomendar a resolução da gestação com o objetivo de salvaguardar as chances
do feto comprometido. Por outro lado, se esses sinais forem detectados antes de se atingir a maturidade
fetal, a decisão a ser tomada é um dilema. A conduta deve ser individualizada. O objetivo deve ser
maximizar as chances de sobrevivência de ambos os fetos ou, pelo menos, do feto normal. A resolução
prematura da gestação poderá expor o feto normal aos riscos de sequela e óbito.

➢ Malformação fetal congênita


O aumento é ainda mais acentuado nas gestações monozigóticas, provavelmente por causa do
processo de divisão da massa embrionária. Nesse grupo, as anormalidades estão frequentemente
relacionadas aos defeitos da linha média e incluem holoprosencefalia, defeitos abertos do tubo neural,
extrofia da cloaca e malformações cardíacas.
Os órgãos/sistemas envolvidos mais frequentemente incluem: coração (31%), parede abdominal
(29%), sistema nervoso central (22%), coluna (18%), derrame cavitário (18%), anomalias torácicas não
cardíacas (16%) e trato geniturinário (14%)
Gestações monocoriônicas estão associadas a risco 2 a 3x maior de malformação fetal do que
gestações dicoriônicas.
Na síndrome da transfusão feto-fetal grave, especialmente o feto receptor apresenta com frequência
estenose da via de saída do ventrículo direito. O feticídio seletivo do feto anormal não é permitido pela
legislação brasileira.

➢ Anomalias cromossômicas fetais


O aconselhamento do casal é mandatário e deve ser realizado antes de se realizar o rastreamento de
anomalias cromossômicas. Devem ser abordadas todas as informações sobre segurança e riscos de cada
alternativa de rastreamento e diagnóstico invasivo, além de abordar também as implicações de cada
resultado possível. E fundamental levar em consideração que muitos dos casais que atualmente vivenciam
uma gestação gemelar dispenderam alto custo emocional ao passar por tentativas frustradas de concepção
espontânea e/ ou por técnicas de reprodução assistida. Esses casais costumam ter também uma idade
média mais elevada, o que aumenta o risco de aneuploidias fetais.
A realização do rastreamento de aneuploidias fetais em gestações múltiplas em que pode ocorrer
discordância entre os cariótipos fetais suscita diversas discussões clínicas, técnicas e éticas.
A zigoticidade da gestação determina os melhores métodos para rastreamento e diagnóstico de
anomalias cromossômicas fetais. Nas gestações monozigóticas, como o material genético é semelhante, o
risco de anomalias cromossômicas é igual para ambos os fetos. O cálculo é feito tirando-se a média do risco
estimado a partir da avaliação individual de cada feto. Por outro lado, em uma gestação dizigótica, o risco é
específico de cada feto.
Nesses casos, para determinar as chances de anomalia para a gestação, procede-se à soma dos riscos
individuais de cada feto.

• Rastreamento ultrassonográfico
A medida da translucência nucal realizada entre 11 e 13 semanas de gestação identifica o risco de
anomalias cromossômicas. Essa medida é feita durante o exame ultrassonográfico, sendo possível identificar
e diferenciar os fetos e realizar a medida da translucência nucal de cada um deles. Nesse momento,
também é possível proceder ao exame da morfologia fetal, em busca de outros marcadores ou anomalias
estruturais precoces.

• Rastreamento bioquímico
Nas gestações múltiplas, a interpretação das dosagens de marcado res bioquímicos deve levar em
consideração a presença de mais um feto. A associação deste método com o rastreamento
ultrassonográfico reduz a taxa de falso-positivos observada com o uso exclusivo da medida da translucência
nucal no exame ultrassonográfico. Atualmente, a taxa de detecção da trissomia do cromossomo 21 com o
método combinado é de 89%, consistindo no melhor método para gestações gemelares durante o primeiro
trimestre.

• Rastreamento pelo NIPT


Em gestações múltiplas, o rastreamento por DNA fetal livre é mais complexo que em gestações únicas,
uma vez que os fetos podem ser monozigóticos, com carga genética idêntica ou dizigótico, e a maior chance
é que apenas um feto seja acometido se o teste for positivo. A fração fetal é suficiente nas gestações
monozigóticas, com média de 10, 1 %, porém na dizigótica está reduzida.
Aconselha-se a não o usar quando houver óbito de um dos fetos (vanishing twin), em razão dos
possíveis resultados falso-positivos ou falso-negativos para o concepto em desenvolvimento. A falha do
teste também aumenta em gemelares de mães obesas e pós-FIV. Na gestação gemelar, pós-ovodoação, a
técnica de sequenciamento por SPN não pode ser utilizada.

• Determinação do cariótipo fetal


Durante o aconselhamento do casal, devem ser discutidos os riscos de perda inerentes aos
procedimentos invasivos para determinação do cariótipo fetal. É importante que sejam abordadas as
chances de erro de amostragem, de mosaicismo placentário e de falha laboratorial, que podem tornar
necessária a repetição do procedimento. Também devem ser discutidas as implicações clínicas e éticas dos
resultados anormais. Esses procedimentos apresentam como peculiaridade sua alta complexidade técnica e
riscos de perda.
Os procedimentos invasivos requerem uma avaliação prévia cuidadosa da gestação para identificação
precisa de cada um dos fetos a ser testado. Essa avaliação deve englobar o número e a posição de cada feto,
placenta e saco gestacional e, quando possível, a determinação do sexo de cada um deles.

Amniocentese
A amniocentese é realizada sob orientação ultrassonográfica. Em gestações gemelares, são descritas
três técnicas:
• Punção de uma das cavidades amnióticas com uma agulha, aspiração de líquido e retirada da agulha
seguidas pela punção da outra cavidade amniótica com outra agulha: é a técnica mais comum. Com
essa técnica, o erro de amostragem relatado na literatura é de até 3,5%. Após a aspiração do líquido,
pode-se injetar corante na primeira cavidade puncionada para reduzir o risco do erro de coleta, mas
essa prática não é recomendada. O uso de equipamentos de alta resolução e a experiência adquirida
são as melhores formas de prevenir esses erros;
• Inserção de uma agulha na primeira cavidade amniótica, aspiração do líquido e, para coleta da
segunda amostra, inserção da mesma agulha na outra cavidade amniótica através da membrana
interamniótica. Os riscos associados a essa técnica são a contaminação da segunda amostra com
material da primeira cavidade e a criação de um defeito na membrana. Assim, a gestação gemelar
passa a ser considerada monoamnióticas iatrogênicas;
• Punção simultânea de cada uma das cavidades, permitindo a visualização de uma agulha de cada
lado da membrana interamniótica: é a técnica menos empregada.

Biópsia das vilosidades coriônicas


A biópsia de vilosidades coriônicas pode ser realizada em fase precoce da gestação. Trata-se de
procedimento complexo, que exige operadores experientes para ser realizado com riscos menores de perda
e erro de amostragem. Pode ser realizada por via abdominal, por via cervical ou pela combinação das duas.
A escolha entre a realização de biópsia de vilosidades coriônicas ou amniocentese deve ser
fundamentada na idade gestacional, na localização das placentas, na complexidade técnica, na experiência
do operador e no interesse por um diagnóstico mais ou menos precoce. Poucos estudos comparam as duas
técnicas em gestações gemelares, sendo que os resultados sugerem que não há diferença quanto às taxas
de perdas gestacionais.

Cordocentese
Atualmente, a técnica da cordocentese é pouco utilizada para a determinação do cariótipo fetal,
sendo reservada aos casos tardios. Atualmente, esse procedimento está mais limitado aos casos de anemia,
plaquetopenia e hidropsia fetal.
➢ Síndrome da transfusão feto-fetal
A síndrome da transfusão feto-fetal é uma complicação específica e exclusiva das gestações
monocoriônicas, atingindo entre 10 e 15% delas. É caracterizada pela transferência não balanceada de
sangue entre as circulações dos dois fetos, que ocorre através de anastomoses vasculares arteriovenosas
placentárias.
Essa transferência de sangue provoca anemia no gêmeo doador, com restrição do crescimento grave
acompanhada de oligúria e oligoâmnio, enquanto o feto receptor recebe uma sob recarga circulatória e
apresenta policitemia, que pode levar ao desenvolvimento de complicações cardíacas e hidropsia. A
cavidade amniótica do gêmeo receptor pode sofrer polidrâmnio grave, que acarreta o aumento da pressão
intrauterina e pode prejudicar ainda mais a circulação placentária.
Observa-se polidrâmnio agudo nos casos graves, sendo possível detectar sua ocorrência entre 16 e 24
semanas de gestação. Sua ocorrência está associada a altas taxas de óbito fetal espontâneo de um ou
ambos os fetos, abortamento, RPMO e parto prematuro. A taxa de mortalidade nos casos não tratados
chega a 80 a 100%.

Com o objetivo de melhorar a sobrevida dos fetos, diversas técnicas foram propostas para o tratamento
dessa síndrome:

➢ Amniodrenagem
O polidrâmnio decorrente da síndrome de transfusão feto-fetal pode ser progressivo, causando
desconforto materno e tornando o útero tenso à palpação. A amniodrenagem é um procedimento de
execução fácil e que utiliza materiais simples para retirada do excesso de líquido amniótico. Aliviar o
polidrâmnio nesses casos reduz o risco de rotura das membranas e trabalho de parto prematuro e,
portanto, pode prolongar a duração da gestação. A ocorrência de reacúmulo de líquido amniótico é
frequente. O procedimento pode ser repetido, sendo que o número de intervenções por paciente varia de 1
a 6, com média de 3.
São observadas complicações em 5 a 10% dos casos. Entre elas, podem ser citadas: óbito fetal ou
abortamento até 48 horas após o procedimento, RPMO e descolamento prematuro de placenta.

➢ Cirurgia endoscópica intrauterina com laser


Denomina-se cirurgia endoscópica intrauterina com laser o procedimento de coagulação com laser
das anastomoses que comunicam as duas circulações fetais. Para isso, realiza-se o exame direto da
superfície placentária, por meio de fetoscopia, para identificar essas anastomoses. O método atua
diretamente na fisiopatologia da doença; no entanto, é realizado somente em poucos centros
especializados de referência, pois requer material específico e treinamento apropriado.
Após a realização do procedimento, a taxa de sobrevivência de apenas um feto e dos dois é,
respectivamente, de 75 e 40% para estágios avançados, com relatos de 4,2% de sequelas neurológicas. Os
resultados são significativamente superiores aos da amniodrenagem para estágios 2, 3 e 4.
As complicações associadas são as mesmas descritas para a amniodrenagem; no entanto, por ser um
procedimento invasivo, a morbidade materna parece ser superior. No HC-FMUSP, ocorre rotura prematura
de membranas ovulares em 11 % dos casos e a prematuridade espontânea é de 42% após o procedimento
endoscópico.

➢ Septostomia
Septostomia é uma técnica que envolve a criação de um orifício na membrana interamniótica,
comunicando as duas cavidades. É realizada com o mesmo material da amniodrenagem e, muitas vezes, as
duas técnicas são empregadas em conjunto. Consegue-se, assim, um efeito combinado de alívio do
polidrâmnio e equilíbrio entre as pressões das cavidades amnióticas.
A taxa de sobrevivência relatada é de 40 a 83%. Essa técnica apresenta todos os riscos descritos
anteriormente para a amniocentese somados ao risco específico de entrelaçamento dos cordões, uma vez
que a gestação é efetivamente transformada em monoamniótica. Não há muitos estudos na literatura
comprovando a eficiência do método.

➢ Feticídio seletivo
O feticídio seletivo consiste na interrupção seletiva da vida de um dos gêmeos, realizado por meio de
técnica que evite o comprometimento circulatório do gemelar sobrevivente. O número de casos relatados
até hoje é pequeno.
Esse tipo de intervenção só é indicado quando há sinais de morte intrauterina iminente de um dos
fetos. Após o procedimento, apenas um feto tem chance de sobrevivencia.
Pode ser realizado a partir do clampeamento do cordão umbilical por fetoscopia ou por embolização
vascular guiada pela ultrassonografia. Os riscos maternos associados à intervenção dependem da técnica
empregada.

➢ Gêmeo acárdico
A ocorrência de gêmeo acárdico representa o grau extremo de anormalidade vascular possível nas
gestações monocoriônicas. Ocorre em cerca de 1 % dessas gestações.
O gêmeo acárdico apresenta ausência do coração ou presença de um rudimentar, ausência do polo
cefálico e podem estar presentes alterações dos membros superiores. O tronco pode apresentar edema
acentuado ou se apresentar como uma massa amorfa. As múltiplas e graves malformações estruturais são
incompatíveis com a sobrevivência do feto após o nascimento. Sua perfusão sanguínea intrauterina se
mantém graças à presença de anastomose arterioarterial com o outro feto.
O gemelar normal (doador) atua como bomba de perfusão para o feto anormal. Em 50 a 70% dos
casos, o gemelar normal morre em decorrência de insuficiência cardíaca congestiva ou parto pré-termo
acarretado pelo grave polidrâmnio. Para reverter esse prognóstico, propõe-se a oclusão do fluxo para o
gêmeo acárdico, que pode ser realizada por meio de ligadura endoscópica, coagulação com laser do cordão
umbilical ou embolização dos vasos umbilicais dentro do abdome do feto acárdico, por meio da injeção de
álcool absoluto.
Ocorre a sobrevivência do feto normal em 90% dos casos de gestação com feto acárdico conduzidos
de forma expectante, sugerindo que a vigilância intensiva da vitalidade fetal pode ser suficiente nesses
casos. Quando o diagnóstico é feito próximo à viabilidade do feto normal, opta-se pela resolução da
gestação.

➢ Gestação monoamniótica
Essas gestações correspondem a cerca de 1 % de todas as gestações monozigóticas. O risco de óbito
fetal intrauterino nessas gestações é de 50 a 70%. Os fatores de risco associados às gestações
monoamnióticas estão relacionadas à proximidade dos cordões (enovelamento e interrupção do fluxo), a
malformações fetais e à prematuridade.
Seu diagnóstico se baseia na demonstração da presença de dois fetos no interior do mesmo saco
gestacional, sem membrana interposta. Também é possível identificar sua ocorrência a partir da observação
de enovelamento do cordão umbilical no exame ultrassonográfico.
Diante do diagnóstico de gêmeos monoamnióticos, os pais devem ser informados sobre o elevado
risco de óbito súbito inexplicado. Para as gestações monoamnióticas com ambos os fetos vivos com 20
semanas de idade gestacional, o risco de óbito fetal subsequente é de aproximadamente 10%.
Alguns autores defendem o parto com 32 semanas completas, enquanto outros consideram que o
risco de óbito súbito diminui no terceiro trimestre e, por isso, postergam a interrupção. Como não há
evidências científicas conclusivas, esse limite deve ser estabelecido caso a caso, de acordo com a
disponibilidade de recursos de cuidados intensivos neonatais.

➢ Gêmeos unidos
A união de gêmeos (xifópagos) acomete cerca de 1:50.000 gestações. Seu diagnóstico é
ultrassonográfico, a partir da identificação de gestação gemelar com massa placentária única, sem a
visualização de membrana interamniótica e observando-se que os fetos não se separam.

O local da união, os órgãos envolvidos, a extensão da união e a presença de malformações influenciam


diretamente o prognóstico. Na grande maioria dos casos, é necessário realizar uma ecocardiografia
especializada antenatal para avaliar a complexidade da união e a presença provável de cardiopatias.
O prognóstico deve considerar as possibilidades de correção das cardiopatias e separação dos fetos.
Quando o prognóstico é ruim, pode-se tentar o parto vaginal, desde que a idade gestacional seja precoce e
as dimensões atingidas pelos fetos não constituam obstáculo à passagem pelo canal de parto.

➢ Gestações trigemelares ou de ordem maior


A frequência de ocorrência de gestações trigemelares ou de maior ordem cresceu com as técnicas de
reprodução assistida além do que foi observado em gestações gemelares. Recentemente, no entanto, o
número de embriões transferidos em cada ciclo de reprodução assistida foi reduzido, o que reflete em uma
redução na ocorrência de gestações de ordem maior ou igual a três.
Todas as complicações citadas anteriormente para as gestações gemelares também ocorrem nas
gestações com três ou mais fetos. Seu prognóstico também é muito ruim em especial nos casos em que o
número de fetos é maior ou igual a quatro. Em alguns países, a legislação permite a redução embrionária e
essa opção deve ser discutida com o casal.
Assim como nas gestações gemelares, a incidência de partos prematuros é alta e tem significativo
impacto perinatal. O maior número de fetos está diretamente associado com diminuição da duração da
gestação, sendo que a idade gestacional média do parto em trigemelares é em torno de 32 a 33 semanas,
sendo que ocorre prematuridade em 90% dos casos. Para as gestações de ordem maior do que três,
praticamente todos os casos cursam com parto prematuro.

➢ Gestação com feto normal associado a mola


A coexistência de um feto normal, com massa placentária normal, e uma mola hidatiforme completa
provoca quadros de pré-eclâmpsia grave e de instalação precoce (20% dos casos) ou hemorragia grave.
Ambos os quadros exigem a interrupção precoce da gestação, com altas taxas de óbito fetal e neonatal. Na
literatura, relata-se uma taxa de nascidos vivos de 27 a 38%.
A identificação desse diagnóstico demanda aconselhamento ao casal com relação a todos os riscos
associados, inclusive o de malignização da doença.

Acompanhamento pré-natal
O número de consultas de acompanhamento pré-natal é maior para gestações gemelares do que para
gestações únicas. Não há, no entanto, um número mínimo ideal definido para esses casos. A realização de
consultas mais frequentes permite diagnosticar mais precocemente desvios na evolução da gestação, como
a ocorrência de pré-eclâmpsia.
No acompanhamento pré-natal de gestações gemelares, todos os exames laboratoriais preconizados
para as gestações únicas são solicitados, podendo-se somar a eles dosagens trimestrais de hemoglobina
materna, em razão do alto risco de anemia materna. A suplementação de ferro e ácido fólico é obrigatória
para essas gestantes. Outra alteração com relação ao manejo de gestações únicas é a realização mais
precoce da pesquisa de colonização materna por estreptococo do grupo B. Em virtude da menor idade
gestacional média do parto em gestações gemelares, essa pesquisa é realizada entre 30 e 32 semanas
nesses casos.
Os exames ultrassonográficos periódicos são fundamentais no manejo dessas gestações. A partir de 16
semanas, indica-se a realização de exame ultrassonográfico mensal em gestações dicoriônicas e quinzenal,
para as monocoriônicas. O objetivo é identificar eventual ocorrência de síndrome da transfusão feto-fetal
em estágios iniciais e restrição de crescimento
fetal.
Durante o terceiro trimestre, o crescimento fetal e a vitalidade fetal são acompanhados por meio de
exames ultrassonográficos periódicos. O volume de líquido amniótico nas gestações múltiplas é avaliado
pela medida do maior bolsão vertical de cada bolsa amniótica. Medidas< 2 cm indicam líquido diminuído, e
medidas > 8 cm (abaixo de 20 semanas) e > 10 cm (> 20 semanas) indicam líquido aumentado.

Resolução da gestação e parto


A idade gestacional ideal para resolução das gestações gemelares ainda é um tema controverso. Ao
redor de 38 semanas, a mortalidade perinatal é mínima, e a partir de então esse risco aumenta. Sabe-se,
ainda, que as gestações monocoriônicas, mesmo sem evidências de síndrome da transfusão feto-fetal ou
restrição do crescimento fetal, apresentam maior risco de óbito fetal súbito. Esses fatores influenciam a
decisão de resolução das gestações e, por isso, é comum a recomendação de resolução de gestações
monocoriônicas com 36 semanas completas e de gestações dicoriônicas, com 38 semanas.
Distocias funcionais, apresentação fetal anômala, prolapso de cordão, descolamento prematuro de
placenta e hemorragias pós-parto são as complicações mais comuns do parto na gestação múltipla. A
assistência a esses casos deve envolver equipe obstétrica experiente, com anestesistas, neonatologistas e
equipe de enfermagem. Recomenda- -se garantir acesso venoso calibroso nesses casos, com a gestante em
decúbito com inclinação lateral esquerda ou deslocamento uterino. Deve ser mantida oxigenação adequada
e a hipotensão materna deve ser evitada. Também é importante garantir o acesso a equipamento de
ultrassonografia na sala de parto e a hemoderivados, na retaguarda.
A escolha da via de parto deve levar em consideração as apresentações dos fetos e a idade
gestacional. Pode-se optar pela via vaginal em gestações a termo quando o primeiro gemelar ou ambos são
cefálicos, na ausência de outras complicações. Caso o primeiro gemelar não seja cefálico ou apresente peso
estimado menor que o segundo (com diferença maior ou igual a 500 g), recomenda-se a realização de
cesárea. Também se recomenda a via abdominal para gestações pré-termo com fetos viáveis ou em que o
peso estimado seja menor do que 1.500 g.
A condução do trabalho de parto nessas gestações é feita com a administração de ocitócico
intravenoso e mantendo-se monitorização contínua de ambos os fetos. É imperativo o uso de analgesia.
Após o nascimento do primeiro feto em gestações monocoriônicas, por conta da presença de
comunicações vasculares, o cordão deve ser clampeado para evitar a exsanguinação do utro gemelar. Só
então procede-se à amniotomia da segunda bolsa (quando presente). Deve-se aguardar a evolução por um
período máximo de 10 minutos. Se nesse prazo for observada boa evolução e ocorrer insinuação,
prossegue-se com o parto por via vaginal. Se a insinuação não ocorrer, deve-se realizar a versão interna e a
extração podálica antes de ocorrer o aprisionamento fetal pelo útero contraído. Nesses casos, a fim de se
evitar a cesárea para o segundo gemelar, podem ser utilizados anestésicos inalatórios para promover o
relaxamento uterino e possibilitar a realização das manobras obstétricas. Nos casos em que a apresentação
do segundo gemelar for pélvica ou córmica, as manobras habituais para ultimação do parto são realizadas
após a amniotomia.
Após o parto, a placenta deve sempre ser encaminhada para estudo anatomopatológico e
confirmação da corionicidade.

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