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Controle social no SUS

A Constituição Federal de 1988 é um marco importante na história do Brasil, não


apenas por encerrar o período do regime militar, mas também por abordar
questões que nunca antes haviam sido abordadas em uma Constituição. É
conhecida como a "Constituição Cidadã" devido ao seu foco em direitos e
garantias fundamentais.
Dentro da Constituição de 1988, a saúde ganhou destaque, deixando de ser um
privilégio para se tornar um direito protegido pelo Estado. Ela foi estabelecida
como um sistema organizado, com diretrizes explícitas, incluindo a participação
da comunidade como um pilar fundamental para criar um sistema de saúde
universal e igualitário.

A participação da comunidade na gestão pública é um tópico amplamente


discutido na sociedade. A participação social não se limita apenas a uma
formalidade constitucional, uma vez que sua regulamentação ocorreu após a
promulgação da Constituição, por meio das Leis Orgânicas da Saúde 8.080/90 e
8.142/90.
Com o tempo, vários dispositivos legais foram moldando e
fortalecendo a participação e o controle social no Sistema Único de
Saúde (SUS). Essa evolução resultou em um sistema de controle social
mais sofisticado, deliberativo, independente e representativo. A
democratização das políticas de saúde é um exemplo de progresso por
meio do controle social.
Os conselhos de saúde e as conferências de saúde são, atualmente, os
principais espaços para a participação e controle social na
implementação das políticas de saúde em todas as esferas
governamentais.
Panorama dos Conselhos de Saúde no Brasil

O histórico dos Conselhos de Saúde no Brasil revela que essas instâncias existem
desde muito antes da Constituição Federal de 1988. O primeiro Conselho foi
instituído em um contexto autoritário durante o governo de Getúlio Vargas nos
anos 1930.

O primeiro Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi criado em 1937 com o objetivo
de dar maior legitimidade às instituições estatais. Naquela época, o Ministério
da Saúde ainda não existia como órgão oficial. Isso significa que a participação
da comunidade por meio dos Conselhos era incipiente e, em alguns casos,
inexistente.
O setor de saúde estava sob a alçada do Ministério dos Negócios da Educação e
da Saúde Pública e era gerido pelo Departamento Nacional de Saúde (DNS). As
ações de saúde foram principalmente voltadas para o controle de doenças
endêmicas e questões de higiene pública, com foco em campanhas de saúde em
portos e áreas relacionadas à produção agrícola, especialmente o café, que foi a
principal fonte de exportações do Brasil. O modelo predominante na época era
conhecido como "Sanitarismo Campanhista", caracterizado por uma estrutura
hierárquica e militarizada, com ênfase na luta contra doenças endêmicas.
Com o crescimento das cidades, o processo de industrialização e o aumento da
classe trabalhadora assalariada, juntamente com as condições precárias de
higiene, saúde e habitação da população, o Departamento Nacional de Saúde
teve que ampliar seus serviços para atender a novas demandas.

Nesse contexto, o primeiro Conselho Nacional de Saúde foi criado, composto


principalmente por membros técnicos ou da elite, nomeados pelo ministro da
área, com o propósito de discutir questões internas do DNS.
Em 1945, o Brasil passou por mudanças significativas. Com a queda do Estado
Novo de Getúlio Vargas, uma nova Constituição Federal foi elaborada,
restaurando o estado de direito e as garantias individuais, bem como a
separação dos poderes.

A partir de 1953, durante um período de ênfase no desenvolvimento econômico,


conhecido como período desenvolvimentista, o Ministério da Saúde tornou-se
um ministério independente. Isso marcou o início da consolidação de uma
política nacional de saúde. No entanto, os recursos financeiros destinados à
saúde eram limitados, apesar do foco no desenvolvimento.

Nesse período, o Conselho Nacional de Saúde recebeu a responsabilidade de


ajudar o Ministro da Saúde na definição das diretrizes gerais dos programas de
saúde no país. Dezessete conselheiros foram nomeados para desempenhar esse
papel.
Em 1962, o número de Conselheiros aumentou para 27. Nessa época, todos os
Conselheiros, sem exceção, faziam parte dos quadros técnicos do Ministério da
Saúde ou de outras esferas do governo, ou representavam categorias
profissionais específicas. Não foi permitida a participação de representantes de
usuários ou profissionais de saúde no Conselho Nacional de Saúde.
Durante o Regime Militar, que teve início em 1964 com o objetivo de ampliar o
controle sobre a população e reduzir o esforço social, uma estratégia de saúde
aplicada para a expansão de ações assistencialistas. Essas ações tinham um
caráter de caridade para ajudar os mais necessitados, mas não conseguiram
resolver os problemas enfrentados pelo sistema de saúde na época.

No setor de saúde, houve uma dualidade de abordagens. Por um lado, houve


uma ênfase na medicalização da sociedade e na incorporação de avanços
tecnológicos vindos do exterior. Por outro lado, a estratégia sanitária tradicional
das campanhas de saúde antigas foi mantida. Isso resultou em uma gestão
híbrida da saúde, tentando combinar dois modelos assistenciais distintos.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o Brasil enfrentou uma crise
política, ideológica e fiscal devido à recessão econômica, ao desemprego, ao
aumento da dívida pública, à queda na arrecadação e à ineficiência dos serviços
públicos, especialmente nas áreas de saúde e previdência social.
O Brasil enfrentou uma realidade marcada pela exclusão de parte da população
das condições de saúde, com várias epidemias, como meningite e febre amarela,
assolando o país. Diante desse cenário caótico, surgiu a ideia de envolver a
comunidade nas decisões relacionadas à saúde, a fim de promover mudanças
nas políticas de saúde existentes.

Essa incipiente busca por participação comunitária na gestão da saúde começou


no meio acadêmico e profissional, dando origem ao movimento sanitário, que se
tornou o embrião da chamada reforma sanitária. Esse movimento defende,
entre outras coisas, a participação contínua dos cidadãos na gestão da saúde no
país.
No entanto, mesmo com o movimento sanitário em andamento, o autoritarismo
da época e o papel atribuído ao Conselho Nacional de Saúde (CNS)
determinaram que a sociedade, agora integrante do Conselho, fosse
representada por especialistas técnicos. Assim, o CNS continua a ser composto
por membros de profissões da área da saúde e por técnicos indicados pelo
governo, ou seja, por "personalidades com reconhecida capacidade e
experiência na área da saúde", como consta em documentos oficiais da época.
As Conferências de Saúde no Brasil

As conferências de saúde têm uma história longa. Já em 1941, o governo federal distribuía a
realização de Conferências Nacionais Intergovernamentais a cada dois anos, com o objetivo de
coordenar as ações nas áreas de saúde e educação nos estados.

Após a queda do Estado Novo em 1945 e as mudanças introduzidas pela nova Constituição
Federal, durante o período desenvolvimentista, ocorreram duas Conferências Nacionais de
Saúde. Uma delas focou em higiene e segurança no trabalho, enquanto a outra abordou a
descentralização da área de saúde. Esta última é notável por ter proposto a descentralização
da saúde, definindo as atribuições das três esferas de governo nas atividades sanitárias,
incluindo o papel dos municípios e estabelecendo as bases para um plano nacional de saúde
abrangente.
Em 1964, durante o regime autoritário, o Brasil mantinha uma política
assistencialista do governo, combinando ações do modelo sanitário de
campanha com a medicalização da sociedade. Durante esse período, foram
realizadas quatro Conferências Nacionais de Saúde.

Mesmo sob a Ditadura Militar e em meio ao movimento sanitário, a 7ª


Conferência Nacional de Saúde merece destaque. Nesse momento, foi proposta
a implementação do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-
Saúde) por parte de técnicos avançados do Ministério da Saúde e da Previdência
Social. No entanto, esta proposta não se concretizou devido às resistências,
especialmente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS). A ideia representou uma tentativa inicial de abordar a crise
institucional e financeira da saúde.
Com a redemocratização a partir de 1985 e a transição do governo ditatorial
para um governo civil, um novo ator institucional entrou em cena: o gestor
municipal de saúde. Alinhado com o movimento sanitário, esse gestor buscava
maior apoio diante das crescentes responsabilidades dos municípios na área da
saúde.
No final dos anos 80, o movimento sanitário cresceu significativamente, dando
origem a um debate abrangente sobre vários temas essenciais, o que culminou
na chamada Reforma Sanitária.

O marco fundamental da Reforma Sanitária foi a realização da 8ª Conferência


Nacional de Saúde, convocada pelo governo da Nova República e ocorrida em
março de 1986, entre os dias 17 e 21. Pela primeira vez na história do Brasil, a
sociedade civil foi convocada e participou de investigação sobre políticas e
programas de governo.

A 8ª Conferência se revelou o evento-chave na criação do Sistema Único de


Saúde (SUS).
O Controle Social na Saúde

Somente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Participação da


Comunidade na Gestão da Saúde no Brasil foi oficialmente institucionalizada. A
Constituição, em seu artigo 198, distribui essa participação como uma diretriz
fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dois anos após a Constituição Federal, duas leis foram promulgadas, abordando
também a participação da Comunidade na gestão do SUS. A Lei 8.080/90,
conhecida como Lei Orgânica da Saúde, define as atribuições do Conselho de
Saúde nas Comissões Intersetoriais. A Lei 8.142/90, por sua vez, estabeleceu as
diretrizes para os Conselhos e Conferências de Saúde, determinando sua
periodicidade, composição e outros aspectos essenciais para seu funcionamento
adequado.
A partir desse momento, a atuação da sociedade no sistema de saúde
adquiriu uma nova dimensão. A participação social foi ampliada,
democratizada e passou a ser caracterizada como “controle social”,
representando o controle da sociedade sobre as políticas de saúde.
Isso inverteu a lógica tradicional de controle social exercida
exclusivamente pelos governos.
Os Conselhos de Saúde não têm a responsabilidade de gerenciar ou
executar os serviços de saúde. Essa função é de competência direta do
Poder Público, em todas as esferas de governo. Portanto, um Conselho
de Saúde é um órgão:
Os municípios e estados têm autonomia para criar seus próprios Conselhos de
Saúde, mas devem garantir que esses Conselhos tenham condições adequadas
para funcionar de maneira eficaz. Isso inclui a garantia de autonomia
administrativa e financeira.

Em 2012, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução nº 453, que


estabelece diretrizes para a criação, reformulação, reestruturação e
funcionamento dos Conselhos de Saúde. De acordo com essa resolução, a
criação de um Conselho de Saúde deve ser estabelecida por meio de legislação
federal, estadual, distrital ou municipal. Além disso, cada Conselho de Saúde
deve possuir um regimento interno e uma estrutura administrativa que
garantam a distribuição adequada das responsabilidades entre os conselheiros e
a equipe administrativa.
Esquema:
• Municípios e estados têm autonomia para criar Conselhos de Saúde.
• Devem garantir condições de funcionamento eficaz.
• Autonomia administrativa e financeira.
• A Resolução nº 453 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde estabelece
diretrizes.
• Criação de legislação federal, estadual, distrital ou municipal.
• Necessidade de regimento interno e estrutura administrativa eficiente.
Os Conselhos de Saúde são formados por conselheiros, cuja responsabilidade
inclui propor, discutir, acompanhar, deliberar, avaliar e fiscalizar a
implementação da política de saúde, abrangendo também seus aspectos
econômicos e financeiros.
O número de conselheiros é determinado pelos Plenários dos Conselhos de
Saúde e das Conferências de Saúde, devendo ser previsto por lei. A composição
dos conselhos é baseada em dois critérios: representatividade e paridade.
•Representatividade: Cada conselheiro representa um segmento organizado da
sociedade.
•Paridade: O número de conselheiros que representa os usuários dos serviços de
saúde (50%) deve ser igual ao número de conselheiros que representam outros
segmentos da sociedade (50%).
Com o objetivo de atender ao direcionamento da representatividade, entidades
e movimentos sociais apresentam representantes para atuar como conselheiros
de saúde, de acordo com o número de vagas disponíveis. O governo não possui
autoridade para interferir ou vetar essas restrições.

Para manter a independência entre os poderes, os conselheiros não devem fazer


parte do Poder Legislativo, do Judiciário, nem do Ministério Público. Portanto,
pessoas como vereadores, deputados, juízes, senadores, promotores públicos,
não devem integrar o Conselho de Saúde. No entanto, é conveniente
estabelecer parcerias e permitir que tais representantes participem como
convidados nas reuniões dos Conselhos de Saúde.
O mandato dos conselheiros é definido pelo regimento interno de cada
Conselho. Recomenda-se que a duração de seus mandatos não coincida com a
do gestor da esfera de governo (municipal, estadual ou federal) ao qual o
Conselho de Saúde está vinculado.

Um conselheiro pode perder seu mandato por faltas excessivas às reuniões, por
conduta prejudicial ao seu papel de conselheiro ou por assumir um cargo na
administração pública incompatível com sua função. O regimento interno do
Conselho de Saúde pode estabelecer outros motivos que levem à perda do
mandato.
A função de conselheiro é de relevância pública e, portanto, não é remunerada.
No entanto, para garantir a sua participação, o conselheiro tem o direito de ser
liberado do trabalho durante as reuniões, capacitações ou ações específicas do
Conselho de Saúde, sem sofrer prejuízos em seu emprego.

Para garantir maior legitimidade e autonomia ao Conselho de Saúde, tanto o


Conselho Nacional de Saúde quanto o Ministério Público da União recomendam
que o presidente do Conselho seja eleito entre seus membros titulares,
promovendo uma postura mais democrática.
É importante ressaltar que um conselheiro pode ser destituído antes
do término de seu mandato. Qualquer das entidades que fazem parte
do Conselho de Saúde tem o direito de substituir seu representante,
sem necessidade de discussão com o gestor ou com os demais
conselheiros.
Bora fixar !
No âmbito do SUS, a participação, na perspectiva do Controle social, possibilita à população

a) contrapor-se às ações de saúde promovidas pela Administração Pública.


b) agir sem a ajuda de equipes médicas e de apoio às ações em saúde.
c) interferir na gestão da saúde, colocando as ações do Estado na direção dos interesses da
coletividade.
d) definir que o que é público deve estar sob o controle dos governantes, apenas.
e) não interferir no controle social, que deve ser traduzido apenas em mecanismos formais
No âmbito do SUS, é correto afirmar que a Lei que dispõe sobre a
participação popular no SUS é a
a) Lei 8080/90.
b) Lei 1234/88.
c) Lei 8142/90.
d) Lei 6523/12.
e) Emenda 29.

GABARITO – LETRA C
FURB - Prefeitura de Doutor Pedrinho - Enfermeiro – 2023

No que se refere ao controle social no Sistema Único de Saúde, é correto afirmar que:
a) O Conselho de Saúde atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na
instância correspondente.
b) A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências não é paritária em relação ao
conjunto dos demais segmentos.
c) A Conferência de Saúde se reúne a cada três anos com a representação dos vários segmentos sociais, para
reavaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis
correspondentes.
d) O controle social no Brasil refere-se à exclusão da sociedade na formulação e implementação de políticas
públicas, bem como na gestão, supervisão financeira e monitoramento de planos e programas de saúde.
e) A Conferência de Saúde se reúne a cada cinco anos com a representação dos vários segmentos sociais, para
avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis
correspondentes.
VUNESP - PB SAÚDE - Enfermeiro – 2021
A população participa da gestão do SUS por meio dos Conselhos de Saúde (CS), que
compreendem representantes de usuários, profissionais de saúde, prestadores de serviço e
governo. A composição dos CS que deve atender, entre outros itens, o critério de paridade, ou
seja, em relação ao número total de conselheiros, a proporção de conselheiros que
representam os usuários dos serviços de saúde, compreendendo os representantes de
entidades e movimentos sociais de usuários do SUS, deve ser de
a) 10%.
b) 25%.
c) 35%.
d) 50%.
e) 75%.
GABARITO – LETRA D
“ A persistência é o
caminho do êxito”

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