A relação entre o corpo e a sociedade é um tema complexo e multifacetado.
Na análise feita pela autora Leda Tucherman, é lançada uma luz sobre essa relação em dois momentos-chave: a Antiguidade Clássica e a tradição judaico- cristã. Ao observar esses períodos, pode-se compreender melhor como as concepções sobre o corpo foram moldadas e como influenciaram as visões contemporâneas. Além disso, é possível tomar consciência de como a crise do corpo na sociedade atual é resultado dessas raízes históricas que ecoam até os dias atuais. Na Antiguidade Clássica, o corpo era idealizado e modelizado com base em princípios externos, valorizando a beleza física, principalmente a masculina . Esse período promoveu a admiração pelo corpo nu e belo, associando-o à civilização. Por outro lado, com a chegada da tradição judaico-cristã, o corpo passou a ser visto como feito à imagem e semelhança de Deus, mas também como portador do pecado original. Isso trouxe uma visão ambivalente do corpo, associando-o à vergonha e ao sofrimento. Esses discursos e narrativas moldaram a percepção e a relação das pessoas com seus próprios corpos ao longo da história. Observando essas perspectivas, é perceptivel como esses discursos reverberam nas concepções de corpo dos dias atuais, já que contribuiram para a idealização de um corpo perfeito, proporcional e que deve ter suas sensualidades cobertas. Os impactos desses padrões são infindos, desde as intervenções cirúrgicas para mudar características físicas a uma certa vergonha e pudor aos prazeres do corpo, já que o mesmo deveria ser o reflexo da imagem de Deus. Existem diversas formas de intervenções cirúrgicas e não-cirúrgicas para que ocorram mudanças e as pessoas alcaçem padrões sociais, além de ter muito incentivo para que essas intervenções sejam feitas e mantidas. Entretanto, coloca-se uma questão nesse momento do texto: E quanto ao que não pode ser mudado? Nesses casos, o que ocorre é a exclusão desses corpos, a marginalização e o despejo de ataques que findem sua existência, sendo assim perpetuam-se as desigualdades sociais Quando se coloca que o corpo humano foi feito à imagem e semelhança de Deus, é comum que, socialmente, espere-se uma santidade e negação à sexualidade por parte do humano, quando essa expectativa é transgredida, gera-se, novamente, uma exclusão e uma marginalização dos corpos “transgressores”. Uma grande reflexão feita acerca desse moralismo (seletivo), foi feita por Caetano Veloso, em sua música Geni e o Zepelim, quando em um de seus versos escreve: “Seu corpo é dos errantes”, ou seja, a autonomia de ter seu próprio corpo tido como “seu” é negada à Geni ao transgredir o que a sociedade vê como correto. Portanto, ao falar de corpo, temos que falar de desejo, liberdade de ser e fazer, relações de poder e questionar a diferentes posições dos corpos na sociedade.
Claro que o corpo não é feito só para sofrer,
mas para sofrer e gozar. Na inocência do sofrimento como na inocência do gozo, o corpo se realiza, vulnerável e solene. - Drummond de Andrade