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CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA PORTUGUESA

1. Constituição económica e ordem jurídica da economia


A constituição económica (CE) pretende designar “os princípios fundamentais que dão
unidade à atividade económica geral e dos quais decorrem todas as regras relativas à
organização e funcionamento da atividade económica de uma certa sociedade”. A noção
de CE é assim menos ampla do que a ordem jurídica de economia: ela abrange apenas
os princípios fundamentais ou básicos e não já os princípios ou regras decorrentes que
constam da legislação ordinária.

As normas da CE na lei fundamental podem estar dispersas pelo texto constitucional-


com efeito, e por um lado, nem toda a parte II da nossa lei fundamental (art.80º a 107º)
é em rigor direito constitucional económico, pois tambem se incluem neste conjunto de
preceitos as regras fundamentais relativas ao domínio publico (art.84º), as quais
constituem antes de mais a trave mestra de um clássico capitulo do direito
administrativo geral, assim como os princípios e regras fundamentais do sistema
financeiro, publico e fiscal.
Por outro lado, importantes princípios de direito constitucional económico encontram.se
fora da parte II da constituição: é desde logo o caso das normas consagradoras dos
direitos económicos clássicos:
• Liberdade de profissão- art.47º
• Liberdade de empresa- art.61º
• Direito de propriedade privada- 62º

Finalmente, importa referir, quanto ao conteúdo e sentido possíveis da CE, os dois


modelos económicos situados em extremos opostos que podem ser acolhidos pela
constituição e que são designadamente, o modelo de direção central e planificada da
economia e o modelo de economia livre ou de mercado. A nossa CRP de 1976
conheceu um processo de transição de um sistema mais próximo do primeiro dos
referidos modelos para o atual sistema que poderemos qualificar de economia social de
mercado.

1.2.CE estatutária e CE programática

→ A CE estatutária
É usual a distinção entre CE estatutária e CE programática. A CE estatutária é formada
por um conjunto de princípios e normas precetivos, estatutários ou de garantia que
incidem sobre a vida económica, visando a proteção das caraterísticas básicas de um
sistema económico definido, através de disposições ora garantisticas (de manutenção do
que está), ora modificativas (no sentido da consolidação de tal sistema): são os casos
das normas consagradoras dos direitos económicos fundamentais clássicos e de todas as
demais que com elas concorrem para definir o conteúdo e limites desses direitos, bem
como de quase todos os princípios fundamentais constantes do art.80 CRP.
Segundo, J.J. Gomes Canotilho, os princípios políticos constitucionalmente
conformadores são os explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador
constituinte, já os princípios-garantia visam instituir direta e imediatamente uma
garantia, possuindo um elevado grau de abstração.
→ A CE programática
Consiste num quadro de diretivas de política económica, num verdadeiro programa de
realizações económico-sociais que tem como destinatários os órgãos politico-
legislativos e que visa a transformação da economia em ordem à prossecução de fins de
índole social e político-económicos pré-concebidos. Segundo J.J. Gomes Canotilho,
estamos neste caso perante princípios constitucionais impositivos, que impõem aos
órgãos do estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas.
São exemplos paradigmáticos de princípios deste tipo que integram a CE, as
incumbências prioritárias do estado, constantes no art.81º CRP.

A existência de uma CE programática levanta o problema da sua difícil


compatibilização com o princípio democrático, nomeadamente com as indicações do
sufrágio, as quais podem aprovar um programa económico de sentido oposto a tais
diretivas. Na verdade, não é a função do legislador constituinte juntar no texto
constitucional um programa de governo, mas tao só definir os grandes princípios retores
da vida coletiva, devendo os objetivos de política económica ser livremente escolhidos e
implementados pelas forças políticas eleitas, de acordo com as indicações do voto, com
sujeição apenas aos limites decorrentes desses parâmetros constitucionalmente fixados.

1.3.CE formal e CE material

Enquanto se entende a CE formal como o conjunto de princípios e normas de conteúdo


económico que constam do texto fundamental, já na CE material caberiam outras fontes
formalmente inferiores à lei fundamental, pois aqui o critério de identificação seria o do
carater essencial da norma ou princípio jus-económico em questão para a definição do
sistema económico.

→ CE formal
Texto composto pelos normativos que ostentam uma superioridade formal relativamente
à lei ordinária: assim, todas essas disposições, e unicamente essas disposições, são
constituição, ainda que o seu conteúdo não seja fundamental á luz da noção de
constituição. O texto constitucional constitui deste modo o vértice da pirâmide
normativa, verdadeiro e definitivo “fecho” do sistema jurídico que assim garante
unidade formal deste e, por conseguinte, a unidade do próprio estado.

É conhecida a mais importante critica ao positivismo jurídico: a de, em virtude da sua


absoluta e ostensiva impermeabilidade aos valores latu senso extralegais ou extra
positivos, ter legitimado o advento dos regimes totalitários que pontificaram no seculo
XX.
Outra critica é a que lhe aponta não apenas a impossibilidade de o texto desempenhar
por si só tarefas de unificação e identificação da comunidade politica, mas tambem e
ainda de não alcançar sequer o desiderato que supostamente constituiria a sua razão de
ser, dada a insensibilidade por si revelada quer à realidade constitucional, quer aos
valores, que o leva a não explicar e a não justificar “os atos de direção politica, as
transições ou mutuações constitucionais, os critérios e potencialidade de uma
interpretação criadora” (Manuel Afonso Vaz).
→ CE material
Neste sentido surgem duas conceções para a definição de CE material, nomeadamente:
• Conceções realistas: o que importa é a constituição real que resulta das relações
efetivas de poder na comunidade, perante a qual o texto constitucional pode não
passar de uma folha de papel. A constituição seria por isso um mero princípio
diretor de ação política imposto pelas forças coletivas dominantes na sociedade
num dado momento histórico

• Conceções espiritualistas: a CE material seria formada por um conjunto de


valores transcendentes pré-constitucionais e superpositivos que confeririam
unidade de sentido à ordem constitucional de uma comunidade, determinando-se
tal conjunto de valores a partir da cultura da comunidade; constituiria ela
destarte uma ordem de valores subtraída à dinâmica histórica, sendo anterior e
superior à constituição escrita.

A ideia de CE material compatibiliza-se hoje, por isso com a teste da força normativa da
constituição, ou seja, entende-se caber ao texto constitucional uma tarefa histórica de
conformação (material) da comunidade política concreta, conferindo-lhe unidade de
sentido e garantindo-a. A CE material há-de operar por isso através de um texto, onde se
manifestem e formulem as opções de valor jurídicas e politicas da comunidade- um
texto que já não esgota nas suas palavras a CRP; um texto que seja depositário dos
valores constituintes aceites e que sirva de base para a descoberta das soluções jurídico-
constitucionais concretos; um texto que garanta a permanência das opções comunitárias
contra a leviandade das opiniões politicas do momento e contra a especulação abstrata
do subjetivismo conservantista ou utópico.

2. Os princípios fundamentais da Constituição económica portuguesa

2.1. O princípio democrático


ART.1º CRP → princípio democrático, na sua vertente de democracia representativa, ou
seja, de respeito pela regra da maioria ou voto maioritário.
O princípio democrático é um princípio de legitimação das soluções constitucionais e
legislativas a todos os níveis da vida socioeconómica, e não somente ao nível da
atividade política. A regra da maioria consiste, pois, na mediação da vontade da maioria
em todas as questões de âmbito e importância socioeconómica.

Em suma, segundo Mota Pinto, a intervenção do estado na economia passa pela


mediação dos representantes da nação, tirando o poder político maioritário a sua
legitimidade do sufrágio universal. O princípio democrático traduz-se no domínio da
atividade económica, na determinação da forma de concretização das noções
ideológicas recebidas, do processo de realização dos objetivos definidos e do modo de
execução das tarefas do estado, através das indicações do sufrágio.

O princípio democrático tal como esta expresso na CRP, no art.1º, onde se diz que é a
vontade dos eleitores que legitima o poder político e os governantes a limitarem
aquando necessário a sua liberdade económica e nessa medida esta legitimação tutelar
do poder politico começa por ser o grande principio da constituição económica. Levanta
a questão da relação do legislador constituinte com o legislador ordinário porque a
constituição pode autorizar o legislador ordinário a restringir direitos de natureza
económica, mas é o legislador que tem de escolher a extensão da medida dessa
restrição, sendo aferida à luz da CRP. Estas diretrizes muitas vezes inserem-se na
constituição programática, objetivos que o legislador traça para o estado, sendo por
vezes difícil aferir a proporcionalidade das medidas adotadas em relação a um programa
mais vago.

Por exemplo: a aplicação de regras processuais do direito da concorrência; a proteção de


mercado são um valor constitucionalmente consagrado no art.81º/f CRP. O legislador
ordinário está obrigado a adotar medidas legislativas de modo a assegurar este valor.
Evidentemente, para garantir concorrência o legislador teve de prever sanções para essa
concorrência normal (acordos concorrentes e abusos de posição dominante- carteis e
abusos monopolistas). Para disciplinar estas práticas é preciso que a concorrência tenha
meios inquisitórios para os investigar. A lei da concorrência estipula que a liberdade da
concorrência pode realizar invenções mediante autorização de autoridade judiciaria.

2.1.1. a subordinação do poder económico ao poder político

O princípio está consagrado na alínea a) do ART.80º CRP, da subordinação do poder


económico ao poder político. Outras normas da CE dão expressão a este princípio,
nomeadamente a alínea f) do ART.81º, que incumbe o estado da tarefa de “assegurar o
funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência
entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os
abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral” e o ART.87º,
quando sujeita a disciplina económica do investimento estrangeiro á defesa da
independência nacional, ou seja, sem que isto permita Portugal discriminar aquilo que
são os investidores e as empresas estrangeiras, na medida do que seja necessário o
legislador ordinário português para garantir que seja para todos os capitais que não vão
pôr em causa o poder legitimo.

Note-se que se têm de sujeitar às indicações do sufrágio, não apenas os poderes


económicos privados, mas tambem e ainda os poderes económicos públicos: por
conseguinte deverão estes subordinar-se igualmente ao que nesta matéria vier a ser
ditado pelos legítimos representantes do povo, em execução do programa do governo
sufragado pelo voto. Este princípio vale para o setor privado e publico, o setor publico
da economia tem autonomia de gestão, os seus administradores tem prémios de
desempenho, por isso são orientadas para uma perspetiva de equilíbrio, a verdade é que
muitas vezes são orientadas por uma lógica de mercado, significa que muitas vezes são
apanhadas a infrações da concorrência. Todos eles têm de se basear na legitimidade
democrática.

2.2.2. o princípio da legalidade

Segundo o princípio da legalidade em sede de intervenção dos poderes públicos na


atividade económica, as modalidades variadas de intervenção e nacionalização por
aqueles empreendidas devem assumir a forma de lei. Significa que as restrições as
liberdades económicas individuais por imposição às necessidades públicas têm de ser
adotadas sob a forma de lei, ou seja, ou pela AR ou Governo, na esfera da competência
absoluta ou relativa dos atos legislativos. Isto é patente em tudo que sejam restrições aos
Direitos Fundamentais de natureza económica, por força do art.18º e do art.165º.
Temos, desde logo, a exigência especifica de as restrições aos direitos fundamentais
económicos clássicos (liberdade de profissão, liberdade de empresa e direito de
propriedade privada) terem de assentar em lei formal da Assembleia da República (cfr.
ART.47º, nº1, 61º, nº 1, e 62º, nº 2 — normas que vêm reiterar quanto a estes direitos
especiais o disposto no ART.18º e na al. b) do ART.165º para todos os direitos,
liberdades e garantias).

No que respeita ao direito de propriedade, também o ART.83º repete a exigência do


ART.62º, nº 2, no que concerne, especificamente, aos meios e formas de intervenção e
apropriação pública dos meios de produção: estas últimas, assim como os critérios da
correspondente indemnização, devem assumir a forma de lei da AR (cfr.al. l) do nº 1 do
ART. 165º);

Também a definição de setores básicos da economia vedados à iniciativa privada está


reservada à lei (ART.86º, nº 2), que é lei formal da AR (al. j) do nº1 do ART.165º). O
mesmo se diga quanto à intervenção na gestão das empresas privadas (ARTs.83º e 86º,
nº 2), apenas possível nos casos expressamente previstos em lei da AR (cfr.al. l) do nº 1
do ART.165º), e ao regime específico de benefícios fiscais e financeiros e outras
condições privilegiadas a atribuir às cooperativas e em geral ao regime dos meios de
produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade (ART.85º e al. x) do
nº1 do ART.165º),

2.2.3. o princípio da participação (democracia participativa)

O ART.2º da CRP, in fine, integra nos elementos definidores da república portuguesa


enquanto “estado de direito democrático” os objetivos de “realização da democracia
económica, social e cultural e aprofundamento da democracia participativa”. Tambem
no ART.80º/g é o da “participação das organizações representativas dos trabalhadores e
das organizações representativas das atividades económicas na definição das principais
medidas económicas”.

Este princípio concretiza-se no próprio texto fundamental no ART.92º com a previsao


de um Conselho Economico e Social “órgão de consulta e concertação no domínio das
políticas económica e social” que “participa na elaboração das propostas das grandes
opções de desenvolvimento económico e social” e de que farão parte “representantes do
Governo, das organizações representativas dos trabalhadores, das atividades económicas
e das famílias, das regiões autónomas e das autarquias locais”. Tambem os ARTS.89º e
98º consagram, especifica e respetivamente, a participação de trabalhadores na gestão
das empresas publicas e dos trabalhadores rurais e dos agricultores na definição da
política agrícola.

Como é sabido, a democracia participativa complementa a democracia representativa.


A participação dos administrados na organização e procedimento da administração
procura assim corrigir esta deficiência das democracias modernas, assumindo uma
especial importância na especifica vertente da legitimação decisória da intervenção dos
poderes públicos na economia.
O princípio democrático constitui um princípio tambem da CE, não apenas na sua
vertente de democracia representativa, mas tambem e ainda, complementarmente, na
sua vertente de democracia participativa.

2.2. O princípio da efetividade da democracia económica, social e cultural


2.2.1. O princípio do estado social de direito: democracia económica e
democracia política

A CRP de 1976 desdobra a “clausula de estado social” numa extensa e detalhada lista
de direitos fundamentais “económicos, sociais e culturais”:

• Direito ao trabalho- ART.58º e 59º


• Direito à proteção na doença, velhice, invalidez, viuvez, orfandade e
desemprego- ART.-63º
• Direito à saúde- ART.64º
• Direito à habitação- ART.65º
• Direito à educação e ensino- ART.73º 74º

Em consonância com a consagração destes direitos, o ART.2º define o estado


português, enquanto “estado de direito democrático”, pelo objetivo que lhe preside de
“realização da democracia económica, social e cultural”. Tambem o ART.9º encarrega o
estado das tarefas de promover “a igualdade real entre portugueses, bem com a
efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais, ambientais, mediante a
transformação e modernização das estruturas económicas, sociais e culturais”. O
ART.81º assinala as incumbências prioritárias.

De igual modo o constitucionalmente favorecido setor cooperativo e social “constitui,


nesta perspetiva, um domínio privilegiado para, cumprindo o objetivo plasmado no
art.2º, assegurar, na organização e na gestão dos meios de produção, a realização da
democracia económica e social”. Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira,
“entre nós o estado social é uma expressão da compreensão democrática da CRP. É no
fundo uma extensão do estado de direito democrático à organização económica, social e
cultural e em particular ao mundo do trabalho”.

2.2.2. O princípio do estado social de direito: igualdade real e igualdade


formal

Tal como o estado de direito e a democracia representativa assentavam (e assentam) na


igualdade formal (igualdade perante a lei e igualdade em termos de direitos de
participação política, por contraposição ao sistema de privilégios de nascimento e de
“estado” que caraterizavam o antigo regime), a democracia económica e social assenta
por seu turno na igualdade real (ou material).

Este princípio encara o princípio da igualdade em termos reais e não formais, isto é,
sendo certo perante a lei que todos os cidadãos são iguais perante a lei, a verdade é que
as coisas não são bem assim, traduzindo-se nos princípios de igualdade de género,
sexual, raça, etc. sendo nem sempre respeitada. É preciso que o estado tome medidas
proativas para punir os comportamentos contra art.13º, se assim é, também é preciso
que o estado intervenha para corrigir as desigualdades económico sociais, criando
condições para essas condições formais se tornem reais. Isto faz-se através da política
fiscal e através do princípio geral de redistribuição de rendimento, em que a última é
uma obrigação do estado no sentido em que só através da ação publica é possível que a
acumulação de capital por parte das empresas e quem tem mais oportunidades possa
beneficiar quem não teve acesso a essas oportunidades.

Note-se que a possibilidade aberta pelo princípio da igualdade real, de “conferir um


tratamento preferencial a grupos sociais mais desfavorecidos ou a setores ou regiões
mais deprimidas” não contraria o princípio da igualdade na sua dimensão formal: é que
o princípio da igualdade não proíbe toda a diferencia de tratamento, só sendo violado se
o tratamento desigual for desproporcionado à desigualdade material que o justifica
(Manuel Afonso Vaz).

NOTA: o estado nunca está num momento histórico concreto obrigado à satisfação
integral correspondente destes direitos, a garantir o resultado (ex.: o caso do direito à
habitação, apesar de consagrado na CRP, o estado não garante uma casa para cada
português); mas isso não o dispensa de aplicar a diligencia, a competência e o interesse
adequados à satisfação dessas necessidades. Isto, porque a realização daqueles direitos,
na medida em que em maior ou menor medida se traduz sempre “em prestações que
representam elevadas despesas por parte do estado”, depende da “acumulação dos
recursos da sociedade num momento concreto, recursos esses que por definição são
escassos” (princípio da reserva do possível).

2.3.O princípio da relevância dos direitos económicos fundamentais clássicos

Os direitos fundamentais económicos clássicos apresentam uma importância


fundamental para o objeto do nosso estudo: com efeito, estes direitos com numerosas e
fortes incidências administrativas devem ser estudados do ponto de vista da respetiva
resistência a possíveis restrições trazidas por normais legais e regulamentares de direito
administrativo económico. Eles são o outro prato da balança, se tivermos presente que o
ordenamento jusadministrativo económico é sobretudo a expressão jurídica do
equilíbrio entre a intervenção dos poderes públicos na vida económica e a liberdade
económica, o mesmo é dizer, as garantias fundamentais das pessoas face a essa
intervenção.

2.4.O princípio da coexistência das iniciativas económicas privada e publica e


dos setores de propriedade dos meios de produção

Nos termos do ART.61 CRP, “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos
quadros definidos pela constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”. Este
preceito consagra um genérico direito de livre iniciativa económica privada de que as
restantes iniciativas previstas nos nº2 a 5 do mesmo artigo constituem formas
particulares de exercício que são objeto de especificas previsao e proteção.
Para alem do ART.61º, temos consagrado nas alíneas b) e c) do ART.80º um princípio
de liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia
mista (c) e a coexistência do setor publico, privado e cooperativo e social de
propriedade dos meios de produção, reforçando o ART.82º esta última garantia.

Está acautelada uma liberdade de iniciativa económica publica no âmbito de uma


economia mista, ou seja, de uma economia onde concorrem operadores privados e
públicos. Mas nem sempre esta liberdade se processará numa situação de concorrência
entre operadores públicos e privados. Com efeito, mais de que uma liberdade de
iniciativa económica publica, poderemos ter em setores qualificáveis como “básicos”
situações de monopólio ou reserva legal de iniciativa económica publica (ART.86º/3),
segundo o qual “a lei pode definir setores básicos nos quais seja vedada a atividade às
empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza”.

No plano da CE comunitária, não há, em princípio, uma imposição relativamente aos


regimes de iniciativa económica e de propriedade, nomeadamente a favor da iniciativa e
de propriedade privadas: nos termos do ART.345º TFUE, “os tratados em nada
prejudicam o regime da propriedade dos estados-membros”.

Todavia, Luís Cabral de Moncada sublinha esta neutralidade é mais aparente do que
real, o “modelo económico europeu é de uma economia de mercado aberto, sendo a
livre concorrência e o mercado os princípios ordenadores da decisão económica” que
acentua os princípios gerais constantes da CE interna.

Assim, podendo o setor publico “estender-se para alem dos limites dos setores básicos”,
está, todavia, excluída a hipótese de um governo de índole socialista tornar a economia
maioritária ou predominantemente publica.

2.4.2. A (livre) iniciativa económica publica

Comece-se por dizer que a iniciativa económica publica é um poder ou uma


competência atribuída pela CRP e pela lei ao estado e a outros entes públicos- e não um
direito subjetivo reconduzível aos DF económicos clássicos. A liberdade de iniciativa
económica publica será sempre um poder discricionário de entidades publicas, ou seja,
uma liberdade juridicamente determinada e não um direito-liberdade, um espaço de
verdadeira liberdade ou autodeterminação garantido ao seu titular pela CRP.

Não pode ser identificada com a mera empresarialização de um serviço publico que
perdure como atividade materialmente publica, como atividade cuja execução o estado
continue responsável nos termos da lei. A ideia de iniciativa económica publica implica,
pois, a prossecução de uma atividade de mercado, em que a empresa publica opere num
contexto concorrencial.
Essa iniciativa de criação de empresas publicas, competirá apenas ao estado, regiões
autónomas e ainda às autarquias locais (se tarte da prossecução de interesses próprios
das populações respetivas- ART.235º/2). Impõe-se a constatação na matéria em causa
de que não prescreve a letra da CRP explicitamente qualquer restrição à iniciativa
económica publica.
É evidente que este poder de iniciativa económica publica, como qualquer poder
publico, não pode desconhecer outros limites implícitos decorrentes de todo o texto
constitucional.

Um limite diretamente da CRP é a presença justificativa de um interesse publico


específico ou secundário que não apenas o da mera angariação de receita. A lei
fundamental “concedeu ao poder publico a faculdade soberana de criar impostos e
taxas”, é porque o constituinte partiu do princípio que o estado e os demais entes
públicos congéneres “estavam cingidos a esse direito porque nenhuma outra
possibilidade teriam para obter receitas”. Não se concede aos particulares essa
prerrogativa: “porque estes devem obter lucros da sua atividade empresarial ou
profissional”.

Tal como menciona Romero Hernandez, a capacidade de auto-organização da


administração não deixa de estar ainda e sempre teleologicamente vinculada, em
concreto ao interesse publico que lhe cumpre prosseguir- naturalmente sem prejuízo da
consideração de que a eficácia faz parte desse interesse. Nem todos os interesses gerais
estão confiados à administração: pelo contrário, no estado liberal-social, assente numa
economia de mercado, a satisfação das necessidades ou interesses coletivos económicos
que não hajam sido publicizados pela lei está confiada em regra à iniciativa privada.

O fim só justifica os meios quando a estes presida o princípio da proporcionalidade. O


interesse publico determina-se aqui como conceito, quando existe uma congruência tal
que a afetação de recursos e a programação conducente à criação de uma empresa desta
natureza seja claramente pedida por uma situação que faça proporcionada e congruente.
Segundo Paulo Otero. “a intervenção empresarial do estado deve obedecer ao princípio
da proporcionalidade, envolvendo uma ponderação concreta entre as reais ou previsíveis
vantagens para o interesse publico decorrentes de uma tal forma direta de intervenção
segundo critérios de aptidão ou adequação”. E, por conseguinte, a pré-existência de um
princípio de subsidiariedade da intervenção direta dos poderes públicos na economia.
Representando este interesse “o fundamento, o limite e o critério de atuação económica
publica e, consequentemente, da iniciativa económica publica” e o “principio da
subsidiariedade do estado, enquanto manifestação direta do respeito pela dignidade da
pessoa humana”, especialmente “pela subordinação da intervenção direta do estado a
uma regra de necessidade”.

2.4.3. A coexistência de setores de propriedade dos meios de produção

As alíneas c) e b) do ART.81º:
• Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma
economia mista: princípio este que, todavia, não consubstancia um verdadeiro
direito subjetivo negativo ou de liberdade, mas antes um poder discricionário de
criação de empresas publicas destinadas a atuar num mercado concorrencial e
em condições de igualdade relativamente aos demais operadores económicos
• Coexistência do setor publico, do setor privado e só setor cooperativo e social de
propriedade dos meios de produção: tem como objeto e destinatários tambem as
atividades económicas empresariais

E ainda segundo o ART.82º é garantida a coexistência de três setores de propriedade


dos meios de produção: as entidades privadas e publicas que as desenvolvem através
das organizações empresariais por si criadas para o efeito.

A divisão de setores de atividade assenta não em atividades, mas em e empresas ou


estabelecimentos, em função da distinta natureza dos entes titulares, gestores e/ou
possuidores das ditas empresas ou estabelecimentos.
O setor publico

ART.82º/2: “o setor publico é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e


gestão pertencem ao estado ou a outras entidades”.

Distinção:
• Setor publico administrativo: constituído pelas entidades e serviços
administrativos não-empresariais
• Setor publico empresarial: constituído pelas empresas publicas

É necessário apresentar dois critérios cumulativos:


• Esteja na titularidade de um ente publico
• Seja gerido tambem por um ente publico (que poderá ser o ente proprietário ou
outro)

Duas asserções consensuais na doutrina e na jurisprudência:


1. A irrelevância para o efeito, por força da ampla liberdade de auto-organização
empresarial dos poderes públicos, da forma jurídico- organizatória da empresa
2. Não ser necessário que o respetivo capital seja detido a 100% pelo estado e/ou
por outras entidades publicas para a sua (automática) integração no setor publico

Todavia, suscitam-se duvidas sobre se bastara a conjugação de uma influência


dominante sobre a empresa, direta ou indireta, por parte dos poderes públicos com a
detenção de uma parte substancial do seu capital, ou se será necessária de todo o modo
uma participação maioritária para que a empresa integre o setor publico. → Luís Cabral
de Moncada diz que a propriedade de que nos fala o ART.82º/2 é uma propriedade
jurídica e não uma propriedade económica.

NOTA: seguindo a posição de Jorge Miranda, a exploração e gestão de meios de


produção públicos por intermedio de entidades privadas concessionarias (e nesta
qualidade vinculadas “à realização dos fins de interesse publico que são próprios dos
bens do setor publico”) deverá ser considerada gestão publica, ainda que indireta,
devendo por isso considerar-se que as empresas concessionarias integram tambem o
setor publico, por publicas serem quer a propriedade quer a gestão dos meios de
produção em causa.

Duas observações ainda neste ponto:


• É hoje qualificada entre nós como empresa publica toda a empresa na qual os
poderes públicos “possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência
dominante” em virtude da “detenção da maioria do capital ou dos direitos de
voto” ou do “direito de designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos
da administração ou de fiscalização”. O setor publico empresarial delimitado por
aplicação do critério consagrado no art.82º/2, não combina hoje por inteiro, pois,
com o setor empresarial publico resultante dos critérios normativos
infraconstitucionais.
• Desde que os planos deixaram de ser vinculativos para o setor publico, esta
delimitação perdeu quase todo o interesse pratico que ate então apresentava
O setor privado

Se para se considerar uma empresa integrada no setor publico a constituição requer,


cumulativamente, que o estado ou outro ente publico detenha as respetivas propriedade
e gestão, faltando uma ou outra, a empresa integrará então o setor privado de
propriedade dos meios de produção.

É isso mesmo que o nº2 do ART.82º retira expressamente. Desta forma, as unidades
produtivas de titularidade publica, mas de gestão privada integram setor privado. O
mesmo acontece com as empresas intervencionadas, mantem-se por isso no setor
privado, mesmo durante o período da intervenção publica na respetiva gestão.

E pela mesma ordem e razões, tambem nas sociedades de capitais mistos a titularidade
privada de uma parte do capital social não obsta à integração da empresa dominada pelo
socio publico no setor publico. Com efeito, os parceiros privados estão, em última ratio,
submetidos ao interesse publico ligado aos meios de produção em causa e prosseguindo
pelos parceiros públicos seus proprietários, que em hipótese de conflito prevalece sobre
o referido escopo lucrativo.

As empresas privadas beneficiam tao só, genericamente, do incentivo do estado, nos


termos do ART.86º/1.

O setor cooperativo e social


O setor cooperativo e social é definido pelo modo especial de gestão de meios de
produção, e já não pela respetiva titularidade. Aqui importa a propriedade económica e
já não a propriedade jurídica.
As entidades (e coletivos) “possuidoras e gestoras” dos meios de produção integrantes
deste setor são tambem e ainda entidades privadas. Todavia, apresentam determinadas
caraterísticas que as individualizam relativamente às demais unidades de produção
privadas e que justificam a autonomização de um terceiro setor de propriedade de meios
de produção especialmente protegido e mesmo estimulado pela CRP.

No caso das cooperativas e das comunidades locais isso acontece por assegurar, os
princípios que enformam os respetivos regimes uma propriedade e uma gestão
democráticas e igualitárias. No caso dos coletivos de trabalhadores em autogestão, por
maximizar esta modalidade de gestão empresarial uma participação dos trabalhadores
no governo das unidades produtivas do setor publico que a CRP acarinha por princípio
(ART.89º); no caso das entidades- associações e fundações- por prosseguirem fins não
lucrativos e de solidariedade social.

Todo o setor cooperativo e social merece, da parte do estado, uma particular “proteção”
(ART.80º/f).

1. Subsetor cooperativo
Constitui uma figura intermedia entre a associação e a sociedade comercial. Exige-se a
observância dos princípios cooperativos internacionalmente consagrados, sob pena de
não poderem beneficiar os seus titulares da tutela da norma consagradora do direito de
livre iniciativa económica cooperativa (ART.61º/2). Os mais importantes princípios
cooperativos serão apenas os da porta aberta, da filiação voluntaria, da organização
democrática, da limitação da taxa de juro a pagar pelo capital social e da repartição
equitativa de eventuais excedentes ou poupanças.

2. Subsetor comunitário
As “comunidades locais” referidas no ART.82º/4/b) não são as categorias
constitucionalmente identificadas e consagradas das autarquias locais (ou suas
associações) e das comissões de moradores que constituem manifestações do poder
local: esta previsao pretendeu proteger os baldios.

O TC pronunciou-se sobre esta matéria nos acórdãos nº325/89 e 240/91, declarando a


inconstitucionalidade de diversas normas de um decreto da AR que pretendia reduzir
drasticamente a autonomia das “assembleias de compartes” e, na prática, induzi a prazo
uma transferência de propriedade dos baldios para o domínio privado das freguesias. De
uma forma geral, têm vindo alcançar tal desiderato, razão pela qual esta figura se
encontra em vias de extinção- correndo por isso a norma constitucional em apreço risco
de pratico esvaziamento.

3. O subsetor autogestionário
Resulta ele de uma das modalidades do direito à livre iniciativa económica reconhecido
a entidades privadas pelo ART.61º CRP. A gestão de uma empresa pelo coletivo dos
seus trabalhadores, sendo um direito reportado à qualidade destes de assalariados,
implica, por definição, que não são estes os seus proprietários, mas terceiras entidades;
ora, reconhecer aos primeiros um tal direito, sem mais implicaria a negação do direito
de livre iniciativa económica e do direito da propriedade dos titulares da empresa em
autogestão.
Não foi até hoje aprovado um regime legal de autogestão de empresas (publicas), apesar
do que dispõe o ART.61º/5: “é reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei”.
E bem se percebe porquê: esta figura é tributaria de um texto fortemente ideologizado,
na sua versão originaria, sobrevivendo hoje no articulado como uma relíquia de outros
tempos, que deixou de ter qualquer correspondência na cultura político-administrativa
dos nossos dias.

4. O subsetor solidário
É constituído pelos “meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas sem
carater lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social,
designadamente entidades de natureza mutualista (ART.82º/4/d). supomos que tal se
deve a uma solidariedade estatutariamente circunscrita aos próprios associados e não,
em rigor, a uma atividade ad extra, em benefício de terceiros. E tambem à maior
amplitude do leque de escopos a que tradicionalmente se dedicam as mútuas.

Com efeito, o ART.63º incumbe ao estado de apoiar 8e fiscalizar), nos termos da lei, “a
atividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de
outras de reconhecido interesse publico sem carater lucrativo, com vista à prossecução
de objetivos de solidariedade social consignados, nomeadamente neste artigo, na al.b)
do nº2 do artigo 67º, no artigo 69º, na alínea e) do numero 1 do artigo 70º e nos artigos
71º e 72º.”
2.4.4. A possibilidade de vedação de setores básicos da economia à iniciativa
económica privada (art.86º, nº3)

A “liberdade” de iniciativa económica publica no âmbito de uma economia mista nem


sempre terá de processar numa situação de concorrência entre operadores públicos e
privados. O ART.86º/3 prevê que “a lei pode definir setores básicos nos quais seja
vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza”. O
mesmo é dizer que dentro de cada um destes setores de atividade legalmente vedados à
iniciativa económica privada já não haverá lugar a uma coexistência de distintas formas
de propriedade de meios de produção, mas a uma exclusão da iniciativa económica
privada. O ART.87º/3 CRP converge no sentido da exclusão de setores vedados a todas
as entidades não-publicas.

Recorde-se por fim que o direito comunitário não coloca entraves à existência de
monopólios públicos industriais. Desde logo, e como vimos, no plano da CE
comunitária não há, em princípio, uma imposição relativamente aos regimes de
iniciativa económica e de propriedade, nomeadamente a favor da iniciativa e da
propriedade privadas; e quanto à especifica questão da reserva publica de setores de
atividade, limita-se o ART.37º TFUE a prescrever uma adaptação dos monopólios
públicos de natureza comercial à liberdade fundamental comunitária de circulação de
mercadorias.

Importa, pois, averiguar em que medida ou até que ponto, “a constituição recebe um
quadro legal de caracterização do direito fundamental, que reconhece” - o que na
verdade, e ainda que tao só nessa estrita medida, torna a lei definidora daqueles quadros,
mais do que uma lei meramente restritiva, uma lei conformadora do conteúdo do direito.

Pois, é hoje pacifico que só serão qualificáveis como “básicos”, para alem dos
chamados serviços públicos essenciais aquelas atividades hodiernamente tidas como de
interesse económico geral e que a doutrina italiana tradicionalmente reconduz ao
conceito de serviço publico objetivo. Todavia, é forçoso admitir que algumas atividades
se situem numa zona de dúvida, não devendo as opções tomadas pelo legislador nessa
zona marginal ser objeto de reexame judicial. Os “quadros definidos pela lei” nos quais
se exerce a iniciativa económica privada. Serão destarte apenas aqueles que resultam da
própria constituição.

Assim sendo, o direito de iniciativa propriamente dito, de fundar empresas destinadas a


atuar nos demais setores não qualificáveis como básicos e de a eles aceder-
resumidamente, a liberdade de escolha de, ou de acesso a essas atividades- integra
segundo o nosso entendimento o núcleo duro ou o “conteúdo essencial” do direito de
livre iniciativa económica privada. Em síntese, resulta de uma visão conjugada do
ART.83º/3, com o ART.61º/1, que a “lei” de que fala o ART.61º/1 é desde logo uma lei
restritiva. Mas é tambem, em determinada matéria (delimitação de setores de produção),
uma lei conformadora. Sem prejuízo, e na medida em que sobreleva nessa mesma
matéria a função de interpretação, porquanto a tarefa de preenchimento do conceito
impreciso “setores básicos” consubstancia essencialmente uma atividade interpretativa,
ela é ainda e sobretudo uma lei interpretativa. A lei do ART.61º/1 é pois e uma vez
restritiva, conformadora e interpretativa.
2.5. O princípio da propriedade publica dos recursos naturais e de meios de
produção

A primeira e mais importante concretização deste princípio consagrado na alínea d) do


ART.80º CRP diz respeito aos recursos naturais: trata-se, nos termos do ART.84º CRP,
da integração ex vis constitucionem no domínio público dos principais recursos naturais,
ou seja, das alíneas a); b) c).
+ alínea f) que constituíram bens “outros bens como tal classificados por lei”.

O princípio da propriedade publica dos recursos naturais e de meios de produção está


tambem intimamente ligado, agora especificamente no que a estes últimos se refere, ao
princípio de livre iniciativa económica publica. O atual sentido possível da norma é
expresso por Gomes Canotilho e Vital Moreira: não obstante a constituição ter deixado
de impor a apropriação coletiva dos principais meios de produção, nem por isso ela
deixa de consentir, “com grande margem de liberdade, a propriedade publica de meios
de produção”. Ou seja, neste princípio manteve-se o objeto, mas alterou-se o conteúdo
normativo: a atual alínea d) do ART.80º deixou de ser uma norma imperativa, em
espécie precetiva ou impositiva, para se tornar uma norma permissiva ou facultativa.

2.6. O princípio do planeamento da atividade económica

O plano é o “ato jurídico que define e hierarquiza objetivos a prosseguir no domínio


económico-social durante um determinado período de tempo, estabelece as ações
destinadas a prossegui-los e pode definir os mecanismos necessários à sua
implementação”. Como qualquer plano, tambem o plano económico é composto por um
diagnostico e por um prognostico.

A primeira divisão nesta matéria passa pelo diferente papel que o plano assume, por um
lado, nos sistemas socialistas, de direção e planificação centrais da economia, e por
outro lado nos sistemas de economia de mercado.
Na fórmula socializante, o plano é imperativo não apenas para os poderes públicos, mas
tambem para o setor económico privado. Já nas fórmulas mais liberalizantes ou mesmo
liberais, onde predomina o setor privado, o plano é meramente indicativo tornando-se
“num instrumento de orientação da economia e de correção dos critérios dominantes do
mercado”.

Primeiro, no mundo ocidental, depois universalmente, se verifica um “certo abandono


da prática de planeamento global a medio prazo, ou pela incerteza das previsões a
medio prazo do decurso da crise, ou pelo predomínio de orientações profundamente
liberais, ou pela tendência para o estado controlar a economia, sem objetivos e
estratégias claras de desenvolvimento, apenas através do intervencionismo financeiro”
(António Sousa Franco).

A CRP ainda presta um tributo à importância que a planificação democrática da


economia merecia no texto originário). A alínea e) do ART.80º consagra um princípio
de “planeamento democrático do desenvolvimento económico e social” num sistema
integrado pelas leis das “grandes opções”, por planos de “desenvolvimento económico e
social” que deverão ser elaborados de harmonia com tais opções.
Tudo conforme o disposto no ART.91º/1. Nos termos do ART.105º/2 o plano tem de ser
elaborado em consonância tambem com as dita “grandes opções em matéria de
planeamento”. A “existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista”
constitui um limite material à revisão constitucional (ART.288º/g).

O planeamento é adjetivado no texto fundamental com o predicado democrático,


concretizando-se este atributo nas modalidades da democracia representativa, da
democracia participativa e a descentralização democrática. O princípio do planeamento
é um corolário do princípio da subornação do poder económico ao poder publico, um
subprincípio democrático.

Enfim, a descentralização democrática da atividade administrativa de planeamento,


opera-se por sua vez através de uma execução dos planos nacionais “descentralizada,
regional e sectorialmente” (ART.91º/3).

2.7. O princípio da coesão territorial nos domínios económico e social

Foi ainda levada a cabo pela revisão de 2004 uma alteração significativa no domínio da
“coesão económica, social e territorial”, tambem claramente inspirada pelo direito
comunitário.
Consistiu tal alteração no acrescento, na parte inicial da alínea d) do ART.81º, da
expressão “promover a coesão económica e social de todo o território nacional, ...” e
ainda da especificação da dicotomia “interior/litoral” na descrição das assimetrias
carentes de correção que a norma já formulava na sua redação anterior.
À partida qualificável tao só uma tarefa e um fim do estado da alínea g) do ART.9º, que
compete ao estado a “tarefa fundamental” de “promover o desenvolvimento harmonioso
de todo o território nacional” e na anterior redação da alínea d) do ART.81º, algo
substancial muda no texto constitucional. O constituinte criou a nosso ver um novo
princípio fundamental da nossa CRP económica interna, que vem reforçar o princípio
homologo da CE comunitária e que é o princípio da coesão territorial nos domínios
económico e social.

Em princípio constitui um desdobramento, por um lado, do princípio da efetividade dos


direitos económicos, sociais e culturais e, por outro, do princípio político fundamental
da unidade do estado.
A intervenção publica no sentido da correção das assimetrias e desequilíbrios
económico-sociais subsistentes no todo do território nacional, através de políticas de
desenvolvimento regional que respondam “à exigência de maior seletividade e de maior
concentração geográfica regional nas intervenções a fazer em zonas mais atrasadas”,
reconduz-se naturalmente às missões primeiras dos poderes públicos de realização da
democracia económica, social e cultural e de promoção da igualdade real.

Não é apenas uma solidariedade entre cidadãos, mas tambem e ainda entre regiões,
visando corrigir desigualdades. Esta reconduz-se tambem e ainda à prioritária
incumbência dos poderes públicos de zelar pela subsistência dos pressupostos da
própria unidade política e jurídica do estado. A unidade do estado não é apenas
garantida pela integração política e jurídica do território, mas igualmente por uma sua
integração económica e social.
Não deixando de constituir uma necessidade expressa da lei “promover a correção das
desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas e incentivar a sua
progressiva integração em espaços económicos mais vastos, no âmbito nacional ou
internacional” alínea e) do ART.81º CRP.

Assim, o TUE no seu ART.3º/3, proclama hoje a coesão territorial nos domínios
económico e social como objetivo prioritário “A União promove a coesão económica,
social e territorial e a solidariedade entre os estados-membros”.

Como sublinham Gomes Canotilho e Susana Tavares da Silva, a política comunitária de


coesão territorial se inscreve no “universo do direito multinível”, sendo bem reveladora
da “dimensão caraterizadora do direito europeu como um comando jurídico aberto à
concretização decorrente dos resultados alcançados a partir da cooperação entre os
estados-membros”.
O mesmo é dizer que, em caso de conflito entre normas estaduais e normas
comunitárias emanadas no exercício daquelas competências terá que ser conferida
prevalência às segundas.

2.8. O princípio da economia de circulação ou de mercado e da livre


concorrência

Podem ser formulados dois princípios fundamentais:


➢ Se assentam na autorresponsabilidade do empresário, são constituídos na forma
de economia de mercado e na forma de livre concorrência
➢ Se assentam na responsabilidade do estado, são organizados na perspetiva da
economia planificada e na perspetiva da administração de direção central

Deparamos sempre, pois, em cada ordenamento com algo que constitui uma decisão
previa da respetiva CRP: mesmo os chamados sistemas mistos ou de economia mista,
que procuram juntar “o melhor dos dois mundos”, acabam por assentar, basicamente, no
modelo económico do mercado e da concorrência. Os sistemas de economia social de
mercado, como o nosso, baseiam-se na autonomia privada, no sentido de um direito ao
livre e auto responsável exercício do domínio económico, sendo a autonomia privada
por definição “acompanhada de liberdades objetivas de circulação, que garantem a livre
circulação de mercadorias, a livre prestação de serviços, a livre circulação de
trabalhadores e a livre circulação de capitais”.
A autonomia privada e as liberdades objetivas de circulação são juridicamente
asseguradas pelo direito geral de liberdade e pelos tradicionais direitos subjetivos
económicos- o que acontece entre nos com as liberdades de profissão e de empresa e
ainda com o direito de propriedade privada.

Depois de sucessivas revisões da CRP 1976 que resultaram num progressivo


fortalecimento dos direitos fundamentais económicos clássicos e da economia de
mercado- que a escolha do nosso constituinte recaiu sobre o sistema de mercado.
O modelo da economia de mercado ainda não está explicitamente proclamado numa
determinada norma do nosso texto constitucional. Mas a sua consagração resulta
globalmente da titela quer do direito geral de personalidade ART.26º, 27º, quer dos
direitos fundamentais económicos clássicos ART.47º, 61º e 62º, quer ainda da garantia
institucional da propriedade privada e da livre iniciativa económica ART.80º/b/c e da
proteção da livre concorrência ART.81º/f e ART.99º/a/c.
A concorrência é o mecanismo de decisão económica próprio do sistema de mercado
livre que tem por finalidade “garantir a presença no mercado de um número suficiente
de empresas independentes funcionando em condições adequadas a proporcionar aos
consumidores e utilizadores uma razoável possibilidade de escolha”.
Assim, haverá concorrência eficaz se ás empresas for assegurada liberdade de acesso ao
mercado, se elas dispuserem da liberdade de ação, e se, em consequência, os
consumidores e utilizadores puderem exercer a liberdade de escolha em função do preço
e da qualidade de bens e serviços que lhes são propostos.

Com efeito, o contexto real em que as empresas desenvolvem a sua atividade nos nossos
dias não é de concorrência perfeita: o mesmo é dizer que são possíveis desvios mais ou
menos acentuados ao funcionamento das regras da concorrência através de
comportamentos de coligação e concertação empresariais e de abusos de posições de
domínio no mercado que visem a maximização de vantagens económicas e financeiras
dos seus autores com prejuízo para os consumidores e em geral para o são
funcionamento do mercado.
As normas jurídicas visam por meios artificiais a salvaguarda das normas económicas
da concorrência, assim, o assegurar uma estrutura e comportamento concorrenciais dos
vários mercados no pressuposto de que é o mercado livre, que selecionando os mais
capazes, logra orientar a produção para os setores suscetíveis de garantir uma melhor
satisfação das necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, a mais eficiente
afetação dos recursos económicos disponíveis, que é como quem diz, os mais baixos
custos e preços (Luís Moncada).

Pretende-se combater concentrações excessivas de poder económico privado ou publico,


na certeza de que o resultado respetivo, ou seja, o dirigismo económico privado ou
publico, é suscetível de pôr em causa a transparência do funcionamento do mercado e o
controlo pelo publico consumidor por ele potenciado do andamento dos preços e
quantidades de bens e serviços, bem como a autenticidade das necessidades, ou seja,
numa palavra, a soberania do consumidor.

A constituição consagra como incumbência do estado, enquanto estado regulador,


“assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada
concorrência entre empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a
reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”
ART.81º/f. →ART.99º/a/c.

O princípio da concorrência é, por conseguinte, assumido tambem pela nossa lei


fundamental como valor objetivo da ordem económica constitucional. Poder-se-á,
todavia, fazer o reparo de que, mercê das vicissitudes históricas do nosso texto
constitucional, acabou por não ser nele acolhido o princípio da economia de mercado e
da livre concorrência com enfase e o carater expresso e taxativo que conhece noutras
constituições ocidentais.
Contudo, uma vez que o princípio da economia de mercado aberto e de livre
concorrência ocupa na CE comunitária um lugar central, impõe-se nesta matéria uma
interpretação conforme das suprarreferidas normas constitucionais com o direito
comunitário vigente. → ART.3º/3.
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ECONOMICOS CLASSICOS

1. LIBERDADE DE PROFISSÃO

ART.47º CRP→ “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de


trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua
própria capacidade”.

Consagra a liberdade de escolha de profissão ou objeto de trabalho. Este artigo está no


capítulo dos DLG, gozando do regime especial dos DLG. É um direito fundamental
especial digno de proteção. → tem a sua origem nas constituições liberais, onde falavam
de liberdade de profissão, comercio e indústria. Com a revisão de 1982, o legislador
constituinte decidiu homenagear as particularidades da liberdade de profissão, que
mereciam um lugar especial na nossa CRP.

“A deslocação da liberdade de profissão dos direitos fundamentais económicos, sociais


e culturais para o catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais traduziu o
reconhecimento, garantia e proteção pelo constituinte duma densidade subjetiva
reforçada” - Pacheco de Amorim

Esta deslocação aproximou este direito da figura dos direitos de personalidade. Assim,
este direito é considerado um direito de personalidade que tem enorme importância em
vários níveis:
➢ Tal como o direito ao trabalho, a liberdade de profissão é um corolário ao direito
à vida (em princípio, para que alguém possa sustentar a sua vida pessoal e
familiar, tem de prestar este tipo de atividade)
➢ Esta liberdade é estritamente individual
➢ A profissão de cada pessoa corresponde a uma forma de realização pessoal.

A liberdade profissional goza por inteiro e por mérito próprio do regime do ART.18º
CRP, por ser considerado um DLG pessoal. Há, portanto, uma multiplicidade de
garantias previstas para esta liberdade que não assinem à liberdade empresarial.

A liberdade de profissão não se confunde com o direito ao trabalho:

Liberdade profissional Direito ao trabalho


Direito negativo Direito positivo
“Direito de” “Direito a”
Defesa face ao estado Defesa contra a entidade patronal
Requer do estado uma atitude de Requer que o estado crie condições que
abstenção assegurem o pleno emprego
Art.47º Art.53º a 59º

O que é uma profissão? Será, de uma maneira genérica, qualquer atividade laboral de
prestação de serviços, feita com carater de habitualidade (compatibilizada com as
condições naturais da atividade), que seja, licita, apta e que tenha como resultado
garantir ao seu titular rendimentos para prover à sua subsistência (não quer dizer que
seja a única forma ou principal). Tem, então, como caraterísticas:
➢ Tem de ser licita
➢ Tem de ser prestável
➢ Tem de ser apta a constituir base económica da existência do individuo e do
agregado familiar

Isto abrange muitas formas de exercício da profissão:


➢ Forma liberal
➢ Forma subordinada
➢ Forma autónoma

Liberdade de escolha ou acesso: trata-se aqui da questão de proteção ou restrição ao


abraçar de uma profissão. Questões de acesso, permanência e irradiação. É o momento
que tem que ver com o “se”, isto é, com a substância- se eu posso ou não aceder à
profissão; se tenho o direito de nela permanecer e se posso ser irradiado.

Liberdade de exercício: é aqui que se admitem maiores restrições. Já não estamos a


discutir o “se”, mas sim o “como”. Já não está em causa a possibilidade de aceder à
profissão, nem a possibilidade de ser irradiado. Trata-se de saber que tipo de restrições
são admitidas ao exercício de uma profissão- “como é que vou exercer a profissão?”.
Na verdade, justifica-se uma menor liberdade do cidadão no momento do exercício, na
medida em que só o momento da escolha releva de uma importância suprema quer para
a subsistência física do individuo, quer para a sua realização pessoal.

Evidentemente, que os dois momentos estão ligados: o facto de eu escolher determinada


profissão pressupõe escolher os limites inseparáveis da forma como exerço essa
profissão. Nem sempre é fácil separar a restrição da escolha e a escolha do exercício.

A lei só pode limitar a liberdade profissional com dois fundamentos:


• Interesse coletivo: este interesse coletivo que o legislador constitucional refere
reconduz-se ao ART.18º CRP. Esta restrição, por abrir as portas a alguma
incerteza no âmbito desta liberdade, só pode ser justificação não para a liberdade
de escolha, mas para a liberdade de exercício. O acesso a uma ordem profissional,
por exemplo, não pode ser negado a quem preenche os requisitos presentes na lei.

• Capacidade da pessoa para exercer a profissão: por exemplo, a lei não pode
permitir que um individuo invisual pilote um avião- há interesses relativos aos
direitos de quem vai ser destinado dos bens e serviços prestados que têm de ser
assegurados. Não estamos só a falar de capacidades físicas e mentais inatas à
pessoa. Por exemplo, a exigência de uma certificação publica de conhecimentos
técnicos e especificas limita o acesso e escolha da profissão a quem tenha
demonstrado a capacidade técnica e científica para exercer a profissão (restrição
permitida).
Teoria dos graus:
1. Corresponde ao grau de maior liberdade do legislador, que ocorre no que respeita
à restrição do exercício, sem afetar a escolha, ou seja, quando só o “como” e não
o “se” é o objeto de uma regulamentação restritiva. Este degrau permite maiores
restrições legais já que estamos no âmbito da liberdade de exercício da profissão.

2. Grau de menor liberdade. A restrição legal incide sobre o momento da escolha.


Os poderes são mais limitados. Estamos perante restrições subjetivas, em que a
lei faz depender o acesso a uma atividade profissional da posse de determinados
requisitos, requisitos que dependem da pessoa do candidato, nomeadamente da
sua vontade e da sua capacidade

3. É constituído pelo tipo de restrições mais lesivas desta liberdade, as restrições ao


acesso à profissão- restrições objetivas- são fixados pressupostos objetivos para o
acesso à profissão como é o caso da introdução de números clausulos ou
contingentes. → o 3º grau não é admissível entre nos uma vez que contraria o
direito.

4. Alguma doutrina fala de um 4º grau de restrição à liberdade profissional-


nacionalização de todos o setor da liberdade profissional. Este grau é o mais
radical. Não é de todo admitido.

Art.47º/2- liberdade de acesso à função pública. O acesso à função pública é estabelecido


em regra por concurso. Em qualquer organismo público há uma pessoa especifica
equacionada para ocupar a vaga. Abrange não apenas a função pública propriamente dita,
mas também profissões que pressupõem o exercício privado de funções públicas (ex:
notário).

2. LIBERDADE DE EMPRESA

Segundo direito económico fundamental consagrado no ART.61º CRP. Direito de livre


iniciativa privada, cooperativa e autogestionária.
O ART.61º CRP é uma norma geral. O seu âmbito alcança todas as modalidades da
iniciativa económica privadas, incluindo tambem as iniciativas oriundas do setor
cooperativo e social.

Temos:
Nº 1→ norma genérica que proclama a tutela da iniciativa privada
Restantes números → temos regimes específicos para duas modalidades de incitava
económica privada: iniciativa cooperativa e iniciativa autogestionária.

O objeto deste direito é sempre a empresa. As cooperativas que têm objeto e finalidade
de carater não económico ou não empresarial estão excluídas do âmbito de atuação do
ART.61º.

A liberdade económica privada é um macro princípio que abrange a liberdade de


consumo, liberdade de trabalho, de profissão, etc. Tudo isto caberá no âmbito da
liberdade económica consagrada na nossa CRP. É mais ampla do que a livre iniciativa
económica privada consagrada no ART.61º. Resumindo o ART.61º tutela apenas a
liberdade dos empresários e das empresas enquanto organizações produtivas.

Os direitos fundamentais são individuais. Atras das organizações estão sempre


indivíduos, ou seja, estes direitos têm sempre uma radicação subjetiva. Este direito é
consagrado como um DLG pessoal de natureza análoga, estando relacionado com a
dignidade da pessoa humana. → ART.80º/C CRP.

O ART.86º CRP “empresas privadas”, é um artigo que está materialmente próximo do


ART.61º, em que se refere apenas às empresas. O ART.86º prevê o fomento da
atividade empresarial, impondo ao estado a tarefa de regularizar o funcionamento das
empresas. É um regime exclusivo que abrange apenas as empresas, não tendo um objeto
tao alargado como o do ART.61º.

O estado tem um meio de financiamento que os setores privados não têm: os impostos.
Logo, em regra, ele deve deixar aos operadores privados o mercado, isto é, deve
conceder aos operadores privados a liberdade jurídica de constituir empresas, mas
tambem conceder espaço de liberdade económica que as empresas precisam para se
desenvolver. O estado só pode reservar a si próprio certas áreas de intervenção
económica, vedando-a da atividade privada, quando o interesse publico tal o exigir.
Tirando essa reserva de setor público (lei-88/87), a liberdade de empresa é uma
liberdade tendencialmente absoluta.

Temos de distinguir dois momentos do exercício desta liberdade, tal como na liberdade
de profissão: o momento de acesso e o momento de exercício.

A liberdade de escolha ou criação é o principal objeto de proteção do ART.61º CRP.


Isto remete para o ART.18º CRP: devem-se proteger interesses que decorram do
conjunto de valores salvaguardados pela CRP, só eles podendo justificar uma restrição a
este tipo de liberdades, tanto da profissão como da empresa (ART.47º).

Porque é que o legislador constituinte distingue a liberdade de profissão da liberdade


de empresa, dando uma proteção mais reforçada à primeira? A liberdade de escolha da
profissão é um valo quase absoluto, apenas sendo restringida consoante as capacidades
do seu titular. A liberdade de profissão é uma concretização de um direito geral de
personalidade e das escolhas fundamentais que cada pessoa terá de ter.

Assim, a liberdade de empresa não será tao importante, porque esta é, de certa forma,
funcional em relação à liberdade da profissão. Ou seja, a empresa é um meio, entre
outros, de realização de profissão. A empresa não é uma necessidade eminente de
realização pessoal, mas sim um veículo que leva a essa realização. É uma concretização
da liberdade profissional.

Embora não esteja tao intrinsecamente ligada à realização pessoal, a verdade é que a
liberdade de empresa tem uma importância grande nas economias de mercado atuais. A
partir do momento em que o estado delega aos privados a produção de bens e serviços, é
evidente que tem de dar aos particulares uma liberdade jurídica de estes conseguirem
assumir a responsabilidade da empresa produzir os bens que o estado não consegue
produzir.

LIBERDADE DE LIBERDADE DE
PROFISSÃO EMPRESA
ELEMENTOS Direito geral de Constituem possibilidade
COMUNS personalidade; princípio de livre expansão da
constitucional de liberdade personalidade; são ambas
de atuação; liberdades económicas
Direito de escolher e individuais
exercer

ELEMENTOS Acesso é garantido em Não se verifica nesta


DISTINTIVOS bloco liberdade
Só admitem restrições de É possível um terceiro e
primeiro e segundo grau até quarto grau de
restrições
Mais rígido devido à É mais variável, é menos
imagem de profissão que rígido
se implementou na
sociedade

O que é uma empresa?

Como já foi dito, o conceito de empresa não é uniforme nos diferentes ramos de direito.
Por exemplo, no direito do trabalho, comercial e da concorrência, não há conceitos
convergentes. Desde logo, empresa é um conceito que pode ser entendido de uma
perspetiva objetiva e subjetiva.

Para o DC, a grande importância do conceito de empresa prende-se com a sua


transmissão (aquilo que se transmite quando há uma locação de estabelecimento. É por
isso que uma empresa tem de ser um bem transferível, caso contrário deixa de ser uma
empresa pois deixa de ter aptidão de ser objeto de efeitos jurídicos). Uma empresa tem
de ser autónoma do empresário, tem de existir mesmo que o empresário desapareça.
Para o DC, tendencialmente a empresa é:
➢ Um objeto
➢ Separável
➢ Transferível
➢ Tendencialmente gera lucro

Para o direito da concorrência já não é assim: os profissionais liberais são empresários,


não interessando se podem ou não ser transferidos para terceiros. Todos estes
operadores económicos são empresários.

A constituição obriga o legislador a não restringir, para alem do que é essencial, a


liberdade de escolha da forma empresarial. Por isso, o âmbito da liberdade de empresa é
funcional em relação ao da liberdade profissional, já que temos a escolha de um meio no
qual o outro de pode exercer. A maioria das profissões não requerem que o titular do
direito crie a empresa para o exercício do seu trabalho. por isso, a liberdade de profissão
está num patamar acima no que toca à realização pessoal e aos direitos de personalidade
do que liberdade de criação de empresa.

Qual o âmbito de atuação do estado na conformação da liberdade de empresa e no


exercício da liberdade empresarial? O ART.86º/2 CRP estabelece um principio
importante quanto à liberdade de exercício: só excecionalmente é que o estado pode
intervir na gestão de uma empresa privada. Em relação ao exercício compete ao
empresário tomar todas as decisões e exercer a sua liberdade de empresa.

O professor José Reis considera ainda a liberdade de dispor da empresa como estando
dentro da liberdade de empresa. A liberdade de vender ou liquidar a empresa podem
estar mais associadas ao direito de propriedade do que à liberdade de empresa, pois
pressupõem a propriedade da empresa. É verdade que esta liberdade está relacionada
com as caraterísticas da coisa e mais com as prerrogativas do direito de propriedade do
que da liberdade de empresa. Mas há uma autonomia que deve ser considerada. Muitas
vezes a liberdade de vender a empresa é uma componente fundamental na decisão de
adquirir parte da empresa.

Por último, referir que existem setores económicos que estão reservados ao setor
publico. Estes estão sobretudo previstos na lei-88 A/97, mas há setores que gozam de
reserva por via dos princípios constitucionais. Qualquer exploração deste domínio
publico só pode ser feita por particulares mediante a concessão do estado.
Por outro lado, estando de uma maneira geral a gestão do setor publico limitada, há
zonas de atividade em que o acesso ao privado pode ser dificultado por falta de
regulamentação.

Em primeiro lugar, surge o momento de acesso ou escolha que se traduz no momento da


criação da empresa, ou seja, no investimento inicial e, concomitantemente, no seu
ingresso no mercado: liberdade de iniciativa propriamente dita:
1. Criação de empresa
2. Afetação à empresa de uma determinada quantia (investimento inicial)
3. Acesso ao mercado

LIMITES: existe, desde logo, a possibilidade de serem exigidos por lei requisitos
subjetivos adequados à organização empresarial. É atribuída à administração alguma
margem de apreciação quanto à subsistência desses requisitos que se reconduz à
chamada discricionariedade técnica.

Em segundo lugar temos o momento de exercício que se traduz no direito ao


desenvolvimento da liberdade:
1. Liberdade de organização do empresário
2. Escolha da forma jurídica
3. Liberdade de direção e gestão de empresa
4. Liberdade de atuação no mercado
5. Liberdade de distribuição e de venda dos produtos e serviços
6. Liberdade de publicitação
7. Direito à proteção da existência da empresa
LIMITES: nas atividades de interesse económico geral ART.86º/3- admitem-se
regimes de forte intervenção. A administração, nomeadamente as entidades reguladoras,
dispõe de amplos poderes de supervisão, regulação e intervenção.

3- DIREITO DE PROPRIEDADE

o direito de propriedade está previsto no ART.62º CRP, dentro dos DESC, constituindo
um DLG análogo (ART.17º CRP). No ART.62º/2 CRP está previsto o alcance da
proteção do direito de propriedade. Este não é um direito absoluto, podendo ser
restringido em casos de conflito ou colisão com outros direitos fundamentais ou
interesses constitucionais. Portanto, desde logo, existem uma serie de restrições
constitucionais do direito de propriedade, nomeadamente o ART.62º/2.

Este direito está dividido em várias dimensões, nomeadamente:


➢ Direito de aceder à propriedade/direito de adquirir bens

➢ Direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade, já que o direito da


propriedade é especialmente enfraquecido pelas figuras da requisição e da
expropriação previstas no ART.62º/2

➢ Direito de transmitir inter vivos ou mortis causa

➢ Direito de usar e usufruir da propriedade

O direito de propriedade é um direito de defesa. O seu conteúdo essencial é impedir a


administração publica de criar limitações e restrições para alem das essenciais à
aquisição, transmissão e uso da propriedade. Há passagens na nossa CRP que, de certa
forma, impõem ao estado alguma proatividade na promoção deste direito. Noutras
situações, a CRP diz ao estado que é necessário atuar (ART.65º/2).

Resta-nos ver o regime especial ou exceção a este direito de propriedade, expressamente


previsto no ART.62º/2 CRP. O artigo prevê três requisitos fundamentais para que possa
haver um ato legislativo de expropriação de propriedade privada.
O estado requisita a utilização de um bem a um particular, podendo utilizá-lo de forma
permanente. É necessário, então, três requisitos:
1. Expropriação por utilidade publica: tem de haver um interesse publico que
justifique a intrusão no direito de propriedade
2. Princípio da legalidade: princípio genérico de reserva legal dos atos de
expropriação e requisição
3. Mediante pagamento de justa indeminização: o lesado deve receber um valor
real e efetivo correspondente ao bem expropriado. Significa que deve ser pago
no momento da expropriação pelo valor objetivo do bem, tendo de ser
judicialmente sindicável.

não sendo o mesmo regime, o ART.62º CRP é um DLG de natureza análoga e nessa
medida está sujeito ao regime do ART.18º/2, tendo de ser sujeito a juízo de
proporcionalidade em sentido amplo, as restrições devem limitar-se ao necessário. O
critério que temos de utilizar é o da função social que aquele bem vai cumprir,
consoante permaneça na esfera privada ou seja apropriado pela entidade publica. Se o
interesse social mais elevado do bem após a expropriação não for cumprido, o antigo
proprietário tem o direito reversivo, ou seja, direito de reaver a propriedade que lhe foi
retirado, devolvendo ao estado que lhe foi entregue.

Alem disso, existe a possibilidade da expropriação ser feita no interesse não do estado,
mas do particular. Há uma fronteira que é necessário traçar e nem sempre é fácil: a
diferença entre o sacrifício indemnizável e uma vinculação social não indemnizável. A
todos nos podem e são exigidos sacrifícios. Todos nos, para alem de termos obrigações
estritas senso, temos ónus que decorrem da vida em sociedade e do dever de não
prejudicar o interesse coletivo. É muito frequente que o estado imponha limitações ao
uso e fruição de um bem, não tendo o dever de indeminização pela restrição desse bem
se houver razoes de interesse coletivo, porque aí já estamos fora do âmbito ART.62º. o
critério geral é o da normalidade do sacrifício imposto.

Para concluir, a Constituição europeia consagra uma série de direitos e liberdades que
têm hoje natureza de direitos constitucionais económicos, nomeadamente as liberdades
fundamentais de pessoas, de bens e de serviços. Estas liberdades, contrariamente aos
direitos que estivemos a falar, são liberdades económicas strictu sensu (os titulares só
gozam consoante sejam agentes económicos). Inicialmente, muitas foram pensadas
enquanto liberdades do trabalhador, empresário, importador e exportado. Atualmente,
como estivemos a analisar, elas tê um foco diferente dos DLG e DESC.

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