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19/09/22, 15:59 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora

Acórdãos TRE Acórdão do Tribunal da Relação de


Évora
Processo: 121/05.3TBLLE.E1
Relator:
BERNARDO DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE INCUMPRIMENTO
DIREITO DE RETENÇÃO
Data do Acordão: 15-09-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Sumário:
I - Só com fundamento na realização defeituosa das obras que contrataram com o R., assistiria aos
AA. o direito de não as pagar enquanto não fossem eliminados os defeitos.
II - Não tendo os AA. invocado qualquer fundamento de incumprimento, cumprimento defeituoso
ou sequer apontado um qualquer defeito às obras concretamente contratadas, não lhes assistia o
direito de recusar aceitar a obra e recusar o respectivo pagamento.
III – O empreiteiro goza do direito de retenção, sobre a coisa reparada enquanto não for pago o
preço devido e não pode ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes da imobilização do
veículo por virtude do exercício daquele direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 121/05.3TBLLE.E1


Apelação
2ª Secção Cível

Recorrente:
Joaquim ...............
Recorrido:
Marcírio .............. e Pedro .............. .............. de ...............

MARCIRIO .............., divorciado, residente…………


e
PEDRO .............. ....................., solteiro, residente na mesma morada,intentaram a presente acção
declarativa com processo comum ordinário vs.
JOAQUIM ……. com domicílio …………., em Loulé;
pedindo a condenação do R. a pagar-lhes a quantia de 19.625,00 €, acrescida de juros legais
contados desde a citação até efectivo pagamento.

Alegaram para tal e em síntese que no dia 20-5-03, na Rua Sá Carneiro, em Loulé, ocorreu um
acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de
matrícula XH-49-84, conduzido pelo A. Marcirio e pertença do A. Pedro .............., que consistiu
num embate com o pesado de mercadorias, de matrícula 94-81-JU, conduzido por um funcionário
da empresa “Nergal”, Ldª., proprietária daquele, que havia transferido a responsabilidade civil por
danos causados a terceiros na circulação daquele para Liberty Seguros, S. A., mediante contrato de
seguro. Tal embate deu-se entre a parte lateral esquerda do veículo pesado e a parte traseira do
veículo da A. e terá sido causado por o condutor daquele veículo, que circulava no sentido Faro-
Loulé, ter invadido a metade esquerda da faixa de rodagem, atento aquele sentido de marcha, onde
circulava o XH, no sentido Faro-Loulé. A seguradora assumiu a responsabilidade pelo
ressarcimento dos danos causados na viatura do A., tendo, em Agosto/Setembro de 2003 dado
ordem ao R. Joaquim .............. para efectuar a reparação da viatura, na sua oficina, tendo ficado
estabelecido o prazo de 15 dias. Acrescentam que o veículo do A. foi para aquela oficina em

www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/5bc88c1cc8ec472480257de10056f466?OpenDocument 1/10
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Junho/Julho de 2003, onde ainda se encontra, em perfeito estado de conservação e funcionamento,


encontrando-se actualmente incapaz de circular pelos seus meios, apresentando agora outros danos
decorrentes do longo período de imobilização a que foi sujeito. Por outro lado, os AA. encontram-
se desde então privados do uso do seu veículo, único meio de transporte de que dispunham, para as
normais deslocações que efectuavam, sem que a seguradora lhes proporcionasse veículo de
substituição ou tomasse alguma iniciativa para que aquele fosse reparado. Viram-se, assim, os AA.
obrigados a utilizar os serviços de taxis e autocarros, no que despendem mensalmente a quantia de
250 €. Para além disso, terão ficado preocupados e transtornados com o facto de se verem privados
do uso do seu veículo e viram a sua liberdade de movimentos e deslocações diminuída, o que lhes
gerou danos que estimam em 14.875 €, correspondente a uma quantia de 25 € diários de
paralisação.
Contestou o R. Joaquim .............. .............., dizendo que executou o trabalho de reparação do
veículo do A. nas condições e no prazo estabelecido na peritagem realizada, no montante de 476,61
€, tendo ainda efectuado outros trabalhos a pedido do A. Marcirio, com o valor total de 233,51 €.
Acontece que o A. Marcirio se recusou até à data a assinar o documento da peritagem e a receber o
veículo. Conclui dever ser absolvido do pedido.
Em reconvenção veio pedir a condenação dos AA. a pagar-lhe o valor das reparações no seu
veículo, nos montantes de 476,61 € e 233,51 €, respectivamente, e ainda nas despesas de depósito
do veículo nas suas instalações, desde 13-11-03, à razão de 10 € diários, que à data da contestação
perfaziam 5.426,00 €, até à sua remoção; e se reconheça o direito de retenção do veículo até
efectivo pagamento dos montantes gastos com o mesmo.
Replicaram os AA. dizendo que o veículo foi transportado para a oficina do R. em meados de
Junho de 2003, não se tendo a peritagem realizado antes por o R. Joaquim ter a oficina fechada.
Referem ainda que a sua viatura estava em perfeito estado de funcionamento à data do acidente e
que se agora não está em condições de circular tal só pode ser assacado ao R., designadamente,
porque devido ao longo período de imobilização, o veículo apresenta outros danos. Acrescentam
que se recusam a assinar a peritagem e a receber o veículo enquanto o R. Joaquim o não reparar,
sendo certo que por várias vezes o instaram a tal, sem sucesso. Concluem como na p. i. e que deve
a reconvenção ser julgada improcedente.
Treplicou o R. Joaquim .............. dizendo que o veículo dos AA. só foi transportado para a sua
oficina no dia da peritagem e que devido à imobilização tinha o apoio de motor partido, a bateria
não tinha carga e não funcionavam as suspensões, cuja reparação não lhe foi solicitada nem a sua
oficina está especializada para tal. Conclui deverem ser julgadas improcedentes as excepções
invocadas pelos AA..
Instruída a causa, procedeu-se a julgamento e de seguida foi proferida sentença, onde se julgou a
acção e a reconvenção parcialmente procedentes.
*
Inconformado veio o R. interpor recurso da apelação, tendo, após convite do relator, apresentado as
seguintes

Conclusões:

I. Quanto à matéria de facto. estão em contradição com os depoimentos das testemunhas. as


respostas dadas aos quesitos 18.°. 19.°. 42.°. 43.°. 56.° e 59.°. nomeadamente:
A) Consta na aI. A) dos factos assentes como provados, que o doc. n.o 2 junto com a contestação
da Ré Seguradora, de fls. 36, 37 e 38, datado de 19/08/2003, efectuado pelo Perito António Guia,
que atribuiu ao veículo a cotação de € 1.000,00 à data do acidente, e de € 476,61 ao valor da
reparação de bate-chapa e pintura do mesmo.
B) O veículo foi objecto de reparação efectuada pelo Réu, conforme consta do documento de
quitação a fls. 53 dos autos, datado de 18/08/2003, a que se reporta o facto assente sob a aI. G).
C) A reparação do veículo consistia em trabalho de bate-chapa e pintura, conforme consta da
resposta dada aos factos 12.°, 13.° e 14.° da base instrutória, assim como consta da respectiva
peritagem, constante do doc. n.o 2 junto com a contestação da Ré Seguradora.
D) De fls. 308 a 312 dos autos, os Autores transaccionaram com a Ré Liberty Seguros,
reconhecendo que esta apenas era responsável pelo pagamento da reparação de bate-chapa e
pintura que a Ré Liberty pagou directamente aos Autores o respectivo valor reclamado pelo Réu
Joaquim, a que se reporta a aI. A) dos factos assentes.
E) A resposta dada ao quesito 42.0 de que a reparação do veículo tivesse ocorrido no ano de 2005,
está em manifesta contradição com o depoimento da testemunha Armando Cabaço, gravado no dia
01/04/2008, entre as 11 :00:21 e as 11 :32:50, a quem é atribuído a prova desse facto, refere
peremptoriamente que a reparação processou-se no prazo de um mês e meio após o depósito do
veículo na oficina, ou seja, durante o ano de 2003 e não em 2005.
F) Data essa de 2005, na resposta dada ao quesito 42.°, que está em contradição com as respostas
dadas aos quesitos 43.° e 44.° a que se reporta o doe. n.O 2 junto com a contestação do Réu
Joaquim, datado de 13/11/2003.
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G) Assim como a resposta dada ao quesito 56.0 está em contradição com o depoimento da
testemunha Armando Cabaço, gravado no dia 01/04/2008, entre as 11 :00:21 e as 11 :32:50, onde
essa testemunha, que assistiu aos factos, afirmou peremptoriamente que quando o veículo foi
depositado na oficina do Réu Joaquim a suspensão não funcionava.
H) Pelo que o quesito 56.0 devia ter sido dado como provado uma vez que foram dados como
provados os trabalhos a que se reportam os quesitos 43.° e 44.°, tendo em vista o funcionamento da
suspensão do veículo, caso contrário não seria necessário efectuar tais trabalhos a que se reportam
os referidos quesitos.
I) Facto, esse, a que se reporta o quesito 56.°, corroborado pela testemunha Carlos Nunes Nobre,
constante do seu depoimento gravado no dia 12/1 0/2007, entre as 11 :57:20 e as 12:01 :57, que
utilizou o seu veículo pronto-socorro para colocar o veículo dos Autores na estufa da oficina do
Réu, devido ao facto de as suspensões não funcionarem.
J) Devendo o facto a que se reporta o quesito 56.° ser dado como provado com base no depoimento
das testemunhas Armando Cabaço e Carlos Nunes Nobre que tiveram conhecimento directo dos
factos e dos seus depoimentos resultar a verificação de tal facto.
L) Acrescido, ainda, do facto de o veículo, à data do acidente, ter mais de onze anos, atento à data
da matrícula em 27/08/1991 (doc. n.o 2 da p.i.) e a data do acidente em 29/05/2003 (facto assente
da aI. A)) e a vida útil das suspensões dos veículos da Citrõen ser apenas de cinco anos, conforme
resulta do depoimento da testemunha Carlos Alberto Viegas, gravado no dia 12/1 0/2007, entre as
11: 15 :28 e as 11 :27 :54.
M) Este depoimento está em manifesta contradição com a resposta dada ao quesito 19.0 e aos
quesitos 43.° e 44.°, pelo facto de não ter sido em virtude do período de imobilização a que o
veículo esteve sujeito, que tivesse provocado estragos ao nível da suspensão, uma vez que esta já
não funcionava quando foi depositado na oficina do Réu, em 2003.
N) E quanto ao quesito 18.°, deveria ter sido dado como provado que o veículo se mostrava
incapaz de circular pelos seus próprios meios (no que diz respeito à suspensão) desde que foi
depositado na oficina do Réu, com base no depoimento das mesmas testemunhas supra referidas.
O) Inclusive, a testemunha Femando Claro (genro do Autor Marcírio), cujo depoimento se
encontra gravado no dia 12/10/2007, entre as 11 :33:34 e as 11 :39:34, afirmou que ouviu o Autor
Marcírio e Réu falarem que para a reparação das suspensões do veículo, seria necessário
transportá-lo para a oficina da Citrõen.
P) Assim como estão em contradição os factos atribuídos ao depoimento da testemunha Armando
Cabaço.
Q) A resposta dada ao quesito 18.0 também está em contradição com o depoimento da testemunha
Isabel .............., esposa do Autor Marcírio, gravado no dia 12/1 0/2007, entre as 11 :46: 11 e as 11
:57: 19, referindo que o veículo quando esteve na oficina do Réu não se encontrava impedido de
circular.
R) Os depoimentos das testemunhas Patrícia Claro e Isabel .............., filha e esposa do Autor
Marcírio, são manifestamente vagos, conclusivos e valorativos, sem base factual concreta de
sustentação, conforme resulta dos seus depoimentos gravados no dia 12/1 0/2007, entre as 11
:39:35 e as 11:57: 19.
S) E até hoje os Autores nada pagaram ao Réu quer pela reparação de bate-chapas e pintura
efectuados no veículo XH-49-84, nem pelos serviços prestados pelo Réu.
T) Cujas suspensões já não funcionavam quando o veículo foi depositado na oficina do Réu
(conforme resulta do depoimento da testemunha Armando Cabaço), que, conjugado com o
depoimento do técnico Carlos Viegas, referindo que as esferas que regulam a suspensão dos
veículos da Citrõen têm uma idade útil de cinco anos, e a idade do veículo em questão ser superior
a onze anos à data do acidente, já tinha ultrapassado o dobro da idade prevista e, como tal, não
pode ser atribuída, de modo algum, ao Réu, o facto de as suspensões não funcionarem.
11. Quanto à matéria de direito:
A) É subjacente às relações estabeleci das entre os Autores e o Réu de que se tratou de um contrato
de prestação de serviço referente à reparação do veículo automóvel matrícula XH-49-84, a que se
reporta a peritagem de fls. 36 a 38 dos autos, de bate-chapa e pintura, pelo valor de € 476,61.
B) Veículo, este, XH-49-84, matriculado em 27/08/1991, com mais de onze anos de idade à data a
que se reportam os factos.
C) Reparação, esta, que o Réu Joaquim efectuou até 13/11/2003, por ter sido nesta data que
procedeu à substituição do apoio do motor, à colocação de 2 litros de líquido de suspensão, à
substituição do fole de transmissão e à substituição de uma "aranha" de suspensão, conforme
resulta do doc. n.o 2 junto com a p.i. e das respostas dadas aos quesitos 43.°, 57.° e 59.°.
D) Temos assim que entre os Autores e o Réu foi estabelecido um contrato de empreitada, nos
termos a que se refere o Art.º 1.207.° do C.C., referente à obra de pintura e bate-chapas no veículo
XH-49-84.
E) Tendo sido estabelecido o preço com a Companhia de Seguros Liberty, o qual foi liquidado aos
Autores, conforme resulta da transacção efectuada de fls. 308 a 312 dos autos.
F) Tendo, ainda, o Réu, a pedido do Autor Marcírio, instalado no veículo as peças e produtos a que
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se reporta o doc. n.o 2 da p.i. dado como provado, pelo preço de € 233,51.
G) Valores, estes, nunca impugnados pelos Autores e, apesar disso, não liquidados até hoje.
H) Porém, o Autor Marcírio sempre se recusou a assinar a declaração de recebimento da viatura
após a sua reparação de pintura e bate-chapas em Novembro de 2003 e, por via disso, nunca
autorizou o pagamento dessa empreitada efectuada pelo Réu, assim como não liquidou ao Réu
qualquer pagamento (aI. G) dos factos assentes e quesito
I) Não tendo os Autores liquidado o que quer que fosse, até hoje, ao Réu, referente ao veículo XH-
49-84, também não podem reclamar quaisquer defeitos do veículo, uma vez que não pagaram a sua
reparação.
J) O Réu nunca tomou de empreitada a reparação da suspensão do veículo e nem a sua oficina
tinha aptidão para fazê-lo.
L) Pelo que não têm os Autores qualquer direito de compensação e, se por mera hipótese o
tivessem, tal compensação nunca poderia ser superior ao objecto à data em que foi depositado na
oficina do Réu, ou seja, de € 1.000,00 (mil euros), e entretanto onerado pela reparação no valor de
€ 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
M) Pelo que o seu valor residual do veículo era de € 550,00 (= € 1.000,00 - € 450,00).
N) Assim como não têm direito de receber indemnização da oficina que reparou o veículo os
Autores que viram ser-lhes recusada a entrega até que pagassem a reparação efectuada e os
serviços efectuados no veículo a seu pedido (Acórdão de 31/05/2007 da Relação do Porto,
publicado na Colectânea de Legislação e Jurisprudência, a fls. 191 do Tomo lU do Ano de 2007).
O) Sendo aplicável ao caso sub júdice o disposto no Art.o 813.0 e seguintes do C.C., na medida em
que o Réu já tinha cumprido a obrigação emergente do contrato de empreitada que havia celebrado
com os Autores referente à reparação de bate-chapas e pintura do veículo, enquanto que estes não
haviam cumprido a obrigação contratual do pagamento do preço.
Pelo que deverá ser revogada a sentença proferida, julgada improcedente, absolvendo-se, por via
disso, o Réu dos pedidos formulados pelos Autores e procedente o pedido reconvencional do
Réu contra os Autores, no sentido de estes suportarem o pagamento do preço da empreitada
referente a bate-chapas e pintura, no montante de € 476,61 (quatrocentos e setenta e seis euros e
sessenta e um cêntimos) e do fornecimento e instalação das peças constantes do doc. n.º 2 da
contestação, no valor de € 233,51 (duzentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos), num
total de € 710,12 (setecentos e dez euros e doze cêntimos), acrescido dos respectivos juros legais
desde 13/11/2003 até efectivo pagamento, assim como pelo parqueamento do veículo desde
13/11/2003 a Setembro de 2007».
*
Não houve contra-alegações.
*
**
Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [1] , os recursos têm como âmbito as questões
suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc.
Civil) [2] salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc.
Civil).
Das conclusões dos apelantes decorre que as questões a decidir podem resumir-se no seguinte:
-Alteração da decisão de facto no tocante às respostas dadas aos quesitos 18.°. 19.°. 42.°. 43.°. 56.°
e 59.°.
- Alteração da decisão jurídica, com revogação da sentença na parte em que condenou o apelante e
bem assim na parte em que não condenou os AA. no pedido reconvencional ou seja no pagamento
do preço das empreitadas, acrescido de juros à taxa legal desde 13/11/2003 até Setembro de 2007.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Dos factos

Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:


« A Liberty Seguros, S. A., assumiu perante os ora Autores, a responsabilidade pelo pagamento
dos danos decorrentes de acidente ocorrido em 29 de Maio de 2003, no valor de € 445,61, em
conformidade com o que consta dos documentos juntos com os nºs 1 e 2 à contestação desta Ré, e
que aqui se dão por reproduzidos (A);
Em 18 de Agosto de 2003 o perito da seguradora vistoriou o veículo XH (B);
Após a realização da vistoria, a seguradora deu ordem ao ora Réu Joaquim .............. para este
proceder à reparação do XH (C);
O ora Réu Joaquim .............. dedica-se à comercialização e reparação de automóveis (D).
A seguradora não facultou aos ora Autores nenhuma viatura em substituição da viatura acidentada
(E);
As condições constantes do relatório de peritagem e a ordem de reparação foram aceites pelo ora
Réu Joaquim .............. (F);

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O ora Autor Marcírio recusou-se, até hoje, a assinar a declaração de quitação constante do
documento junto a folhas 53 (G).
No momento do acidente o veículo ligeiro de passageiros pertencente a Pedro .............. ..............,
era conduzido pelo Marcirio .............. (3º);
Sendo que o veículo XH-49-84 é habitualmente conduzido por Marcirio Manuel .............., com o
conhecimento e consentimento do Pedro .............. .............. de .............., visto aquele não dispor de
qualquer meio de transporte para se deslocar (7º);
O veículo XH foi embatido no lado esquerdo traseiro e na traseira do lado esquerdo, danificando a
porta a painel traseiro esquerdos (12º e 13º);
A reparação do veículo dos AA. implica trabalhos de pintura e bate chapa nos referidos elementos
(14º);
O veiculo XH ficou no armazém do ora Réu Joaquim .............., sito no Sítio da Bemposta, em
Loulé, à guarda e aos cuidados deste (15º);
O veículo XH antes do acidente de viação encontrava-se em perfeito estado de conservação e
funcionamento e circulava (16º);
O veículo XH está na oficina do ora Réu Joaquim Manuel .............. desde Junho de 2003 (17º);
À data da propositura desta acção o veículo mostrava-se incapaz de circular pelos seus próprios
meios (18º);
Em virtude do período de imobilização a que foi sujeito o veículo apresentava estragos ao nível da
suspensão (19º).
Os ora Autores deslocaram-se várias vezes às instalações do R. Joaquim Manuel ..............,
solicitando a este, que lhe reparasse a viatura o mais rapidamente possível (20º);
O veículo XH era o único meio de transporte dos ora Autores (24º);
Era com ele que se deslocavam de casa para o trabalho e do trabalho para casa (25º);
Era esse veículo que utilizavam para ir às compras dos bens necessários à sua subsistência (26º);
Era dele que se serviam nos seus passeios, aproveitando o tempo de descanso (27º);
Os ora Autores ficaram preocupados e transtornados com o facto de se verem privados do uso do
seu veículo (30º);
Viram a sua liberdade de movimentos e deslocação diminuídas (31º);
No dia 28 de Julho de 2003, data previamente acordada entre os serviços da seguradora, o
proprietário da oficina, o ora Réu e os ora Autores, para realização da dita peritagem, a oficina
estava fechada (35º);
O Sr. Perito averiguador, José Camacho, entrou em contacto com o proprietário da oficina, tendo
ficado combinada uma nova data (36º);
A oficina continuou fechada, o que tornou impossível aos serviços da ora Ré realizar a peritagem
(37º);
A peritagem foi realizada na data referida em B após insistências várias por parte dos serviços da
ora Ré (38º);
O prazo para efectuar a reparação era de 3 dias úteis, a iniciar em 25 de Agosto de 2003 (40º);
O R. efectuou a reparação referida no escrito de fls. 36 a 38, já no ano de 2005 (42º);
Além da reparação, o Autor Marcirio contratou o ora Réu Joaquim para efectuar substituição de
um apoio de motor que se encontrava partido, colocação de 2 litros de líquido de suspensão,
substituição de um dos foles de transmissão que se encontrava roto e substituição da aranha da
suspensão (43º);
Trabalhos estes que o ora Réu efectuou (44º);
A suspensão continuou sem funcionar (46º);
O R. teve gastos com material e mão de obra na realização dos trabalhos referidos em 43º (47º e
48º);
O A. Marcirio recusou a liquidação do valor dos trabalhos refºs. em 43º enquanto o veículo não
estiver apto a circular (49º);
O veículo dos AA. esteve na oficina do R., pelo menos, entre 12-11-03 e Setembro de 2007 (51º);
A Companhia de Seguros Europeia, S.A. notificou o ora Réu, para no prazo de 30 dias enviar a
respectiva factura / recibo acompanhada do relatório de peritagem devidamente assinado pelo
proprietário do veículo, sob condição do respectivo pagamento, através de carta datada de
02/04/2004 (53º);
O ora Autor Marcírio recusou assinar o que quer que fosse relativamente ao veículo (55º);
Quando o veículo XH foi transportado para a oficina do R. o apoio do motor estava partido (57º);
Apenas foi pedida ao Réu a colocação dos materiais referidos em 43° (59º)».
*
Vejamos se há motivo para a alteração da decisão de facto
A decisão de facto baseou-se em grande parte na prova testemunhal produzida e quanto esta
importa lembrar aos recorrentes que, no julgamento da matéria de facto e na sequência dos
princípios da imediação, da oralidade e da concentração, o tribunal aprecia livremente as provas,
segundo a sua prudente convicção, art.º 655º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil (princípio da livre
apreciação da prova), ou seja, depois da prova produzida, o tribunal tira as suas conclusões, em
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conformidade com as suas impressões e com a convicção que através delas se foi gerando no seu
espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência [3] , que
forem aplicáveis [4], salvo previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
E esta apreciação livre das provas tem de ser entendida como uma apreciação convicta do julgador,
subordinada apenas à sua experiência e prudência e guiando-se sempre por factores de
probabilidade e nunca de certezas absolutas, estas quase sempre intangíveis, nunca entendida num
sentido arbitrário, de mero capricho ou de simples produto do momento, mas como uma análise
serena e objectiva de todos os elementos de facto que foram levados a julgamento, tudo por forma
a que, uma resposta dada a determinado quesito seja o reflexo e “ o resultado da conjugação de
vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da
contraditoriedade, da imediação ou da oralidade” (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do
Processo Civil, II vol., pág. 209).
Ora, deve aceitar-se que a convicção do julgador da 1ª instância resulta da experiência, prudência e
saber daquele, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente com
a testemunhal, que aquelas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que
determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos
sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação,
por via das quais o julgador tem a oportunidade de se aperceber da frontalidade, tibieza, lucidez,
rigor e firmeza com que os depoimentos são produzidos, mesmo do confronto imediato entre os
vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, advogados e juízes, do
interrogatório do advogado que a apresenta, do contraditório do outro mandatário e das dúvidas do
próprio tribunal, melhor ajuizando e aquilatando desta forma da sua validade.
O depoimento [5] oral da testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que
sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em
que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, a forma como é feita a
pergunta e surge a resposta, e tudo isto contribui, com mais ou menos amplitude, para a formação
da convicção do julgador.
Como também refere Abrantes Geraldes (ob. Cit., p. 257) “Existem aspectos comportamentais ou
reacções [6] dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e
valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para
aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se
formou a convicção do julgador” e, mais adiante, “a simples leitura de secas e inertes laudas de
argumentação fáctica jamais se pode comparar à vivacidade proporcionada ao juiz da primeira
instância, quando este, empenhado, como deve estar, no efectivo apuramento da verdade material,
procura encontrar, na floresta integrada pelos diversos meios probatórios (firmes ou imprecisos,
convincentes ou contraditórios, serenos ou interessados), a vereda que lhe permite ir de encontro à
justa composição do litígio, arrimado nos instrumentos que lhe são proporcionados pelos princípio
da imediação e oralidade”.
A valoração de um depoimento pelo julgador tem sempre um certo conteúdo subjectivo mas a
percepção dos factos só é perfeitamente conseguida com o imediatismo das provas.
É sempre uma tarefa difícil para o Tribunal superior perscrutar e sindicar esse processo de
valoração, quando é certo que dispõe de menos elementos e meios menos “ricos” que aqueles de
que dispôs o Tribunal “a quo”. Daí que deva haver alguma cautela e muito rigor na reapreciação da
prova “oral” produzida na primeira instância. E por isso como se diz no Ac. do STJ de 21/01/2003,
proc. n.º 02ª4324, in http://www.dgsi.pt/ «a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação
só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e
determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando
de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que
as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo
ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas(…)” .
O objectivo da gravação da prova funciona assim mais como uma válvula de escape para situações
pontuais em que seja inaceitável a possibilidade da resposta dada, do que como um meio desejado
para reanálise sistemática de toda a prova [7]. Desta forma, só está em perfeitas condições de poder
satisfazer a eventual alteração das respostas aos quesitos em situações limite, ou seja, se resultar
inequivocamente que a resposta ao quesito não podia ser aquela, mas tinha que ser outra.
O próprio legislador, no preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 /12, assumiu clara posição que
pretende assegurar o princípio do imediatismo das provas. Em nenhum ponto do enunciado
diploma vemos que tenha sido intenção do legislador acabar com ele!
O que pretendeu fazer-se foi controlar as situações insustentáveis.
A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista
prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer
sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:

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a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de


outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria
em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como
provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou
em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo
das respostas dadas».
No caso concreto, analisada toda a prova produzida na primeira instância, nada indicia a existência
de um erro no julgamento de facto.
Na fundamentação da matéria de facto o Sr. juiz explanou, de forma suficientemente clara, as
razões porque ficou convencido do conteúdo fáctico que fixou. Ouvidos os registos da prova não se
vislumbrou erro de apreciação que justifique qualquer alteração que possa relevar em termos de
poder influir na decisão do pleito. Assim e pelo exposto impõe-se concluir que não há razões
plausíveis para que seja alterada a matéria de facto tal como foi julgada na primeira instância».
Do Direito

Perante a factualidade dada como provada, não restam dúvidas de que entre AA. e R. foram
celebrados dois contrato de empreitada tendo em vista a reparação do veículo XH-49-84. Um dos
contratos visava a reconstituição natural do veículo, na sequência do acidente em que fora
interveniente e cuja responsabilidade fora assumida pela seguradora do assumido causador dos
danos – A Liberty Seguros. O outro tinha sido da iniciativa dos A. e visava trabalhos que não
tinham qualquer relação com o acidente.
O primeiro, de acordo com a prova produzida, designadamente com a peritagem realizada pela
seguradora responsável pelo pagamento da reparação dos danos decorrentes do acidente e aceite
por todos, tinha por objecto a realização das tarefas descriminadas nessa peritagem e que
consistiam fundamentalmente em trabalhos de pintura e bate chapas, no valor de € 445,61, valor
este aceite pelo R.. Foi estabelecido entre AA., Seguradora e R. que o prazo de realização da obra
seria de três dias a contar «de 25 de Agosto de 2003» - resp. ao quesito 40º.
O segundo contrato tinha por objecto «efectuar substituição de um apoio de motor que se
encontrava partido, colocação de 2 litros de líquido de suspensão, substituição de um dos foles de
transmissão que se encontrava roto e substituição da aranha da suspensão» resposta ao quesito 43º.
Quanto a este contrato não se provou que tivesse havido apresentação de orçamento por parte do R.
nem que tivesse sido acordado um preço final para esta obra.
Na sentença considerou-se que o R. tinha incumprido os contratos, porquanto ao dar como
concluída a reparação do veículo o mesmo não se encontrava em condições de circular pelo seus
próprios meios, sendo certo que quando lá tinha sido entregue ele circulava pelos seus próprios
meios. Com base nisto decidiu-se que assistia ao A. o direito de não pagar enquanto não fossem
eliminados os defeitos que impediam o veículo de circular e que respeitavam ao facto de a
suspensão do veículo (um citroen BX Break, que tem suspensão especial -hidráulica), não
funcionar. Salvo o devido respeito o sr. Juiz fez uma incorrecta apreciação dos factos. Na verdade
da factualidade dada como provada de forma alguma se pode retirar a conclusão de que o veículo
quando foi entregue na oficina do R. estava em perfeito estado de funcionamento e circulava pelos
seus próprios meios. Isso não resulta dos factos provados e nunca poderia ter sido dado como
assente porquanto nem sequer foi alegado pelos AA.. O que foi alegado pelos AA. e acabou
provado, foi que o veículo antes do acidente estava em perfeito estado de funcionamento e
circulava pelos seus meios. Convenhamos que estas realidades são completamente distintas e não
podem ser confundidas, sob pena de se subverter a decisão jurídica. Na verdade os efeitos quanto à
subsunção jurídica são completamente opostos! Os AA. recusaram-se a proceder à aceitação da
obra e ao levantamento do veículo com o fundamento de que a suspensão não funcionava,
querendo com isso, certamente, dizer (mas não o disseram) que a reparação tinha sido defeituosa
ou que a avaria teria sido produzida pelo R.. Sucede que os AA. em parte alguma alegaram tais
factos e nem sequer alguma vez alegaram que, quando o veículo foi entregue ao R., a suspensão
estava operacional. O objecto do primeiro contrato era relativo a pintura e bate chapas. O objecto
do segundo efectuar substituição de um apoio de motor que se encontrava partido, colocação de 2
litros de líquido de suspensão, substituição de um dos foles de transmissão que se encontrava roto e
substituição da aranha da suspensão». Os AA. em parte alguma alegaram que estes serviços
contratados, não tivessem sido realizados ou o tivessem sido de forma defeituosa, ao invés provou-
se que foram integralmente realizados. É certo que o foram com muito atraso, mais de um ano
sobre o prazo acordado (o veículo foi dado como reparado em 2005 (resp. ao quesito 42º) e a obra
tinha que ser realizada até 29 de Agosto de 2003 (resp. ao quesito 40º), mas foram realizados e
como tal os contratos foram cumpridos. Assim não assistia aos AA. qualquer direito de invocar a
exceptio non adimpleti contractus – art.º 428º do CC- porquanto não ocorrera incumprimento por
parte do R.. Para que tal sucedesse, com o fundamento em que assentou a decisão do Tribunal “a
quo”, era mister que os AA. tivessem alegado e provado ou que a reparação da suspensão fazia
www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/5bc88c1cc8ec472480257de10056f466?OpenDocument 7/10
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parte do objecto do contrato e tinha sido mal realizada ou que quando o veículo foi entregue ao R.
a mesma estava em perfeito estado de funcionamento e este ao reparar o veículo tinha danificado a
suspensão do mesmo. Como já se disse os A. nada disto invocaram e consequentemente só com
fundamento na realização defeituosa das obras que contrataram com o R. lhes assistiria o direito de
não as pagar e de exigir a eliminação dos defeitos. Não foi nenhum destes fundamento que os AA.
invocaram, aliás não apontaram qualquer defeito às obras concretamente contratadas. Daí que não
tivessem o direito de recusar o pagamento, já que não tinham fundamento de facto ou de direito
para não aceitar a obra e recusar a sua contraprestação decorrente do contrato. Assim o R. não pode
ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes da imobilização do veículo ocorridos
posteriormente a 2005 (desconhece-se a data exacta, já que não foi possível apurá-la), porquanto
esta é exclusivamente imputável aos AA. e não ao R.. É certo que este cumpriu a empreitada com
mora e mora muito longa (de 29/8 2003 a data incerta de 2005) e só por esta pode ser
responsabilizado. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados
ao credor (art.º 804º do CC) Os danos que os AA. reclamam e que lhe foram reconhecidos na
sentença reportam-se à privação de uso do veículo que o Sr. Juiz, após judiciosas considerações
jurídicas, com as quais se concorda e que não adianta repetir, entendeu, com apelo, a critérios de
equidade, fixar em €1,50 (um euro e cinquenta cêntimos) por dia de privação. Os AA.
conformaram-se com este valor. Não vemos razões que justifiquem a sua alteração.
Procede pois parcialmente a apelação, sendo o R., apenas responsável pelo pagamento aos AA. de
uma indemnização de €1,50, por dia de paralisação do veículo desde a constituição em mora – 29
de Agosto de 2003 – até à data do ano de 2005, que, em execução de sentença, vier a ser fixada
como a do cumprimento do contrato de empreitada. Sobre esta quantia incidem juros de mora às
taxas legais desde a citação até integral pagamento.
A sentença reconheceu ao R. o direito de receber o preço da reparação do veículo, tendo no
entanto, deixado para liquidação de sentença a sua quantificação. O apelante vem pedir que os
AA., sejam desde já condenados no pagamento do preço «da empreitada referente a bate-chapas e
pintura, no montante de € 476,61 (quatrocentos e setenta e seis euros e sessenta e um cêntimos) e
do fornecimento e instalação das peças constantes do doc. n.º 2 da contestação, no valor de €
233,51 (duzentos e trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos), num total de € 710,12
(setecentos e dez euros e doze cêntimos), acrescido dos respectivos juros legais desde 13/11/2003
até efectivo pagamento, assim como pelo parqueamento do veículo desde 13/11/2003 a Setembro
de 2007».
Vejamos.
Relativamente ao primeiro contrato referente a reparação da chapa e pintura do veículo decorrente
do acidente e nada obsta a que a condenação seja em quantia certa. Na verdade o preço está
determinado desde o início e tendo a reparação sido feita era devido no acto de aceitação da obra
(art.º 1211ºn.º 2 do CC), ou na data em que o deveria ter sido, se a recusa de aceitação, for, como
foi no caso, injustificada.
Quanto ao segundo contrato as partes não convencionaram qualquer preço. Nestes casos o preço é
determinado nos termos do disposto no art.º 883º, ex vi do art.º 1211 n.º 1 do CC. É do
conhecimento geral que, em obras de pequena importância e mormente quando o dono da obra
sabe exactamente que produtos quer ver incorporados ou substituídos, não se pedem orçamentos,
aceitando-se o preço final estabelecido pelo empreiteiro, desde que não seja exorbitante ou
especulativo. Os usos são estes e têm algum acolhimento no n.º 1 do art.º 883 do CC ao estabelecer
que «vale como preço contratual o que o vendedor praticar à data da celebração do contrato…».
Em último caso recorre-se à equidade. Vistos os autos temos que o preço apresentado a cobrança
pelo R. para os serviços incluídos no segundo contrato de empreitada foi de € 233,51 (duzentos e
trinta e três euros e cinquenta e um cêntimos). Não pode dizer-se que seja um preço desajustado,
tanto mais que o grosso do valor reporta-se aos preços das peças e materiais, sendo que a mão-de-
obra importou em €90,00 (noventa euros). Parece-nos um preço adequado ao serviço prestado e
como tal fixa-se naquele montante o preço da segunda empreitada.
Pede o R. a condenação dos AA., em juros de mora desde 13/11/2003, até efectivo pagamento.
Acontece que este pedido não pode proceder, não só porque não tem fundamento factual e jurídico,
mas acima de tudo por não se poder conhecer dele. Na verdade o R. na sua contestação, ao deduzir
o pedido reconvencional, não formulou qualquer pedido de juros de mora, fosse desde a data
referida, fosse sequer da notificação do pedido reconvencional. Assim, face ao princípio do pedido
consignado no art.º 661º do CPC e por se tratar de questão nova improcede a apelação nesta parte.

Concluindo

Perante o exposto acorda-se :


- na revogação da sentença na parte em que condenou o R. a pagar aos AA. a indemnização de
€3.000,00, acrescida de juros, por privação de uso do veículo XH-49-84 e condena-se aquele, a
pagar a estes, uma indemnização, por idêntico motivo, à razão de €1,50 (um euro e cinquenta
cêntimos) diários desde 29 de Agosto de 2003 até à data que se vier a apurar em liquidação de
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sentença, mas compreendida no ano de 2005. Sobre esta quantia incidem juros de mora à taxa legal
desde a citação até integral pagamento.
- Na condenação dos AA. a pagar ao R. a quantia de € 710,12 (setecentos e dez euros e doze
cêntimos), respeitante ao preço das empreitadas realizadas.
No mais confirma-se a sentença.
*
Custas a cargo da acção e da reconvenção a cargo de AA. e R. na proporção do respectivo
decaimento, tanto nesta como na primeira instância.
Registe e notifique.
Évora, em 15 de Setembro de 2010.

--------------------------------------------------
(Bernardo Domingos – Relator)

---------------------------------------------------
(Silva Rato – 1º Adjunto)

---------------------------------------------------
(Sérgio Abrantes Mendes – 2º Adjunto)

______________________________

[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e
pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado
objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º
2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º
684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo
recorrente. Vd. Sobre esta matéria .............. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo
Civil, Lex, Lisboa -1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira,
Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra - 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[3] As máximas ou regras da experiência da vida (Erfahrungssätze) são afirmações genéricas de
facto __ são juízos gerais (de facto) __ situadas no domínio da questão de facto, que funcionam
como premissas maiores das presunções simples, notórias ou não notórias __se forem notórias o
juiz conhecê-las-á ou se socorrerá dos meios fáceis e acessíveis ao seu conhecimento, se o não
forem será obtidas por intermédio do processo, maxime, por intermédio dos peritos __, que
procedem mediata ou imediatamente da experiência. Vd. Castro Mendes, Do conceito de prova em
processo civil, Edições Ática - 1961, págs. 644 e 660 e segs. São, pois, juízos de carácter geral
formados sobre a observação da vida de todos os dias, que permitem ao juiz apreender o
significado, a atendibilidade e a eficácia de uma prova. São critérios generalizantes e tipificados de
inferência factual. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968), Coimbra -
1968, pág. 48. Segundo Vaz Serra __ RLJ Ano 108 pág. 358 __ não são normas jurídicas __ e
portanto não são normas de direito substantivo __, mas são partes destas já que estas as mandam,
expressa ou tacitamente, ter em conta e, por conseguinte a sua violação implica a violação da lei
substantiva. E segundo Vd. P Lima e A. Varela __ Cód. Civil Anot. Vol. I 2.ª Ed., pág. 289 __ estão
na base das presunções judiciais simples ou de exercício, isto é, das que assentam no simples
raciocínio de quem julga. Sobre a questão se se situam no âmbito da questão de direito ou de facto
vd. J. A. Reis, Breve Estudo, pág. 539. Cfr. também Castro Mendes, opus cit., pág. 666 nota 18.
[4] Vd. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil (Conceito e Princípios Gerais) - À luz
do Código Revisto, Coimbra Editora - 1996, pág. 157; .............. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o
Novo Processo Civil, Lex, Lisboa -1997, pág. 347
[5] Os depoimentos não são só palavras, o silêncio da testemunha (que não aparece quando há
transcrição) pode valer mais para formar a convicção do tribunal do que o depoimento orquestrado
de vinte outras.
[6] O tom de voz, a mímica, o rubor, a palidez, etc., elementos extremamente infiéis e mutáveis,
conforme o temperamento, a idade, o sexo, a posição social e as condições de vida, mas que podem
ser significativos, quando sujeitos a uma análise prudente e avisada, que descubra, por exemplo,
entre um tímido e um audacioso profissional da mentira, que sabe ser mais facilmente acreditado se
se mostrar firme e seguro no seu depoimento.
[7] É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo
em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas

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à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que
a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

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