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De Repente Ceo e Pai
De Repente Ceo e Pai
Depois que terminei com o João me senti mais leve, voltei a sair com
meus amigos, todos eles me deram os parabéns pelo término e falaram que
nunca gostaram dele, pois ele parecia ser extremamente machista. E tive que
concordar, aos poucos o João mostrou sua verdadeira face e dei graças a
Deus por ter terminado cedo, jamais conseguiria viver ao lado de alguém
assim.
Era quase impossível falar não para o Ricardo. Ele era mais que
apenas meu primo, era meu melhor amigo e sócio. Tínhamos uma empresa de
marketing digital desde nossos 17 anos, éramos pioneiros no mercado, e
atualmente nossa empresa era referência nacional, tínhamos uma vasta
carteira de clientes, desde pequenas empresas até as multinacionais. Ricardo
era o CEO da G&R Marketing, ele desempenhava o papel de executivo com
excelência. Já eu, era o vice-presidente e diretor-geral de projetos, gostava
mesmo era de ficar com as equipes desenvolvendo os programas. Ricardo
tentou por diversas vezes me convencer a ficar com ele no andar da
presidência, mas não era o meu perfil. Preferia ficar com as máquinas e com
o pessoal da programação, ensinando e aprendendo, era o que me fazia feliz.
Sempre acreditei que todos os dias podemos aprender algo novo.
Depois de enviar mensagem para ele, resolvi voltar para casa, iria
dormir bastante até a hora da tal festa, vá que eu encontre alguém legal,
talvez valesse a pena dar uma chance para o destino.
—B
— Oi, quem está aí? — Acho que era a voz do Beto. Olho assustada
para o Gustavo, que já está se levantando e vestindo a calça.
— Fica tranquila, vou abrir para ver quem é, pode se arrumar — ele
me diz, acaba de vestir a camisa e vai em direção à porta. Ele a destranca,
abrindo apenas o suficiente para que conseguisse sair da sala. Me apresso
para me vestir antes de ele voltar. O sexo foi muito gostoso, fiquei feliz de
ter encontrado um gato desses antes de ir embora, ele me tratou muito bem,
um verdadeiro cavalheiro. Não demorou muito para que ele voltasse, ainda
bem que eu já estava vestida e terminando de calçar meu sapato. — Era o
Beto, sua prima queria confirmar se você estava ainda aqui ou se tinha ido
para casa.
— Ela está ali fora ainda?
— Não, antes de eu fechar a porta, os vi entrando em outra ali na
frente; pelo clima, acho que ela não vai embora tão cedo. — Claro que ela
iria passar a noite toda ali, mas eu não, já curti, agora quero ir embora. —
Você já quer ir embora? Eu posso te acompanhar, se quiser, mora em que
bairro?
Eu não queria que ele me acompanhasse, muito menos que virasse
meu amigo. Há um ano estou seguindo fielmente meu lema: “Pegar e não se
apegar”. Eu saio, beijo, se estiver gostoso, transo e fim de papo. Até hoje
dei meu número apenas para um cara e só porque ele insistiu muito e eu
estava meio bêbada. Tanto que, no dia seguinte, quando ele não parava de
me ligar, bloqueei ele no WhatsApp.
— Capaz, Gustavo, não precisa, vou de Uber.
— Bom, então, pelo menos me passa seu número, a gente pode
conversar, quem sabe marcar alguma coisa…
— Assim, por favor, não me entenda mal, eu gostei muito da nossa
noite e você parece ser um cara muito do bem, mas eu não estou buscando
nenhum tipo de relacionamento, ok? Obrigada pela noite, pela companhia,
mas vou indo. — Me aproximo dele, ele está com a cara de quem não está
acreditando no que eu acabei de dizer, afinal, normalmente são os homens
que saem correndo depois de uma transa. Decido dar um último beijo para
que ele não fique achando que não gostei dele, eu simplesmente não quero
relacionamento, só isso. Pego sua cabeça e lhe dou um beijo rápido, mas
marcante. — Tchau, Guto, foi realmente um prazer.
Pego minha bolsa de mão que deixei na entrada da biblioteca, abro a
porta e saio sem olhar para trás, e sigo para a entrada para chamar meu Uber.
Acordo com meu celular tocando, olho pela tela e vejo que é a Bia,
“Que horas são”? Me pergunto, arrastando o dedo pela tela para atender a
chamada de vídeo.
— Bom dia, princesa, dormiu bem? — fala Bianca, já de banho
tomado, bebendo seu suco verde matinal.
— Guria, tu não tem sono? — questiono, me espreguiçando.
— Não quando passo uma boa noite, estou com a corda toda.
Amanda, minha noite foi fantástica, sério, o Beto é incrível. Ele não é só um
gato, gostoso, com um pau maravilhoso. Ele também é engraçado, querido,
carinhoso. Eu gozei cinco vezes, sério, ele foi minha melhor transa da vida.
— Uau, que isso, hein? Nunca te vi assim antes, será que finalmente
achamos alguém capaz de te fisgar?
— Ah, prima, pior que acho que sim. Sério, o Beto é demais.
— Vai com calma, Bia, tu nunca ficou assim, cuida para não se
magoar.
— Eu sei, mas eu senti algo diferente com ele, parece que encaixou
perfeitamente, sabe? Bom, eu acordei com ele me ligando para dar bom-dia
e me contar uma coisa que aconteceu. Ele queria que eu tivesse dormido lá,
mas insisti em vir para casa. Então, ele fez questão de me trazer, acredita?
Ele disse que não tinha bebido quase nada e, como já era de madrugada, não
queria que eu ficasse andando sozinha de Uber. Ele deixou a festa aos
cuidados de um dos amigos e me trouxe para casa.
— Nossa, esse aí é bom, hein?
— É sim. Tá, mas e você? Com quem tu ficou? Tu me disse que
estava indo embora e de repente diz que ia subir para ficar mais "à vontade"
com um cara.
— Então, esbarrei nele quando estava saindo do banheiro para vir
para casa. Na verdade, acabei caindo sobre ele. Um vexame. Mas, quando
olhei em seus olhos, molhei a calcinha. O cara era um Deus grego. Loiro,
com olhos azuis, sorriso manso. Ele foi mega simpático, aí uma coisa levou
a outra…
— Vocês transaram, né? Eu vi quando ele saiu da biblioteca
abotoando a camisa, eu e o Beto estávamos indo para o quarto dele. Eu ia
pedir para falar contigo, mas imaginei que você não estaria vestida.
— Ainda bem que tu me conhece. Então, rolou.
— E?
— E… nada, ué.
— Sério, Amanda? Não foi legal?
— Foi, muito, na verdade, fazia tempo que não era tão… como posso
dizer… tão…
— Opa, acho que não sou a única encantada com a noite aqui, está
até sem palavras. Qual o nome dele?
— Gustavo, e não tô encantada, sabe como sou, só queria dizer que
foi muito bom.
— E dessa vez pegou o contato dele?
— Claro que não, tu sabe que eu pego…
— e não me apego… Sim, prima, eu sei, aliás, eu te ensinei isso.
Mas, se o cara era legal, às vezes valia a pena um segundo encontro, não
acha?
— Guria, quem é você e o que fez com a minha prima Bianca?
Aquela que é uma solteira convicta…
— Acho que ela aposentou as chuteiras… ou pelo menos está
torcendo para aposentar…
— Guria, acho que o cupido te pegou de jeito mesmo, perdi minha
parceira de guerra. Ei, o que vai fazer hoje?
— Então, com a minha empolgação, acabei esquecendo de te falar
uma coisa importante… parece que um dos amigos do Beto sofreu um
acidente durante a madrugada depois de sair da festa… estou esperando o
Beto me ligar para saber como o guri está, mas, pelo que ele me contou,
parece sério.
— Meu Deus, e tu me fala isso assim? Guria, tu nasceu para ser
médica mesmo, é muito fria.
— Não fala assim, não sou fria, sou racional. Acidentes acontecem,
não gosto de ver as pessoas sofrendo ou morrendo, mas aprendi que faz parte
da vida. Afinal, é a única certeza que temos: todos iremos morrer um dia.
— Meu Deus. — De repente os lindos olhos do Guto invadem minha
mente. — E se for o Guto? Bianca, por favor, liga agora para o Beto e
pergunta o nome desse amigo…
— Calma, o nome do cara não é Gustavo, é Ricardo, ele também faz
academia com a gente.
— Lamento, rapaz, mas o Sr. Ricardo, não resistiu aos ferimentos —
diz o médico que acaba de sair da sala de cirurgia.
— Como assim? Meu primo morreu? É isso, doutor?
— Infelizmente sim, tentamos de tudo para reanimá-lo, mas ele já
chegou aqui quase sem batimentos, com hemorragia interna, lamento. O
corpo será liberado daqui aproximadamente quatro horas. Qualquer coisa
nossa assistente social pode conversar com você — diz o médico já se
afastando e entrando em uma sala ao final do corredor. Meu Deus, como
contarei isso para os meus tios? O Ricardo era o menino de ouro da Tia
Sonia, por que ele, Deus? O que farei sem ele?
Tudo aconteceu tão rápido, depois que a Amanda foi embora, me
deixando plantado sem entender nada na biblioteca, acabei de calçar
meus sapatos e fui para casa. Nem fui procurar pelo Rick, pois, naquela
altura, ele já devia ter encontrado uma cama para ficar com a mulher que
estava beijando mais cedo.
Cheguei em casa, tomei um banho e estava repassando a noite na
minha cabeça, tentando entender se fiz ou falei alguma coisa que possa ter
“espantado” a Amanda. Eu já tinha conhecido algumas gurias que não
queriam relacionamentos sérios, mas não como ela. A gente mal tinha
acabado de transar e, a meu ver, foi a melhor transa da minha vida, e a
guria saiu correndo como o diabo foge da cruz.
Será que só eu gostei tanto assim do sexo? Será que fantasiei
demais? Não, eu sempre fui muito atento, e percebi que ela se entregou
completamente e que gostou tanto quanto eu. Certas coisas não se podem
fingir. E teve o beijo também, ela me deu um beijo quente de despedida,
senti como se o beijo falasse por ela: “foi muito bom”. Mas se ela também
curtiu, por que não me passar nem seu telefone? “Guria estranha essa…,
mas definitivamente maravilhosa e inesquecível”.
Estava terminando de me secar quando escuto meu celular tocar,
deveria ser umas três, três e meia da manhã, o que despertou um sinal de
alerta no meu corpo, algo de errado aconteceu. Olhei na tela e era um
número desconhecido, atendi:
— Alô.
— Alô, boa noite, o senhor conhece o Ricardo Medeiros?
— Sim, é meu primo, quem está falando?
— Aqui é o policial Silva, como você se chama?
— Gustavo, aconteceu alguma coisa com ele, policial?
— Infelizmente sim, senhor, seu primo sofreu um grave acidente de
carro, localizamos seu celular nos escombros e seu número era a última
chamada realizada.
— Meu Deus, ele está bem? Onde ele está? Estou indo aí.
— Por favor, fique calmo, ele foi levado para a Santa Clara de
Misericórdia, o senhor sabe o endereço?
— Sim, sim, sei, estou indo para lá.
— Ok. senhor, depois precisarei de alguns dados para colocarmos
no boletim. Infelizmente já temos uma vítima fatal. A passageira que
estava no carona do carro do seu primo morreu na hora. O senhor a
conhecia?
— Meu Deus, não, quer dizer, deve ser a guria que estava na festa
com ele, a vi de vista.
— Entendo, bom, peço que salve esse número do qual lhe liguei e
que, assim que puder, me ligue. Desejo melhoras para seu primo.
— Ok, obrigado.
Desliguei, peguei minha carteira em cima da mesa da cozinha,
calcei meu tênis o mais rápido que pude e desci para a garagem para
pegar meu carro e ir para o hospital.
— Tio, boa noite… Estou ligando, pois tenho uma notícia para dar
para vocês… Não sei uma maneira mais fácil de contar… O Rick sofreu um
acidente e ele se machucou muito… Tio, eu sinto muito, o Rick era meu
irmão, meu melhor amigo… Tio, ele morreu… — Ouvir o grito de desespero
do meu tio do outro lado da linha arrasou meu coração. Comecei a chorar até
que uma das enfermeiras viu meu estado e me trouxe algum tipo de calmante
e um copo d'água. Eu precisaria ser forte, tinha muitas coisas para resolver e
meus tios precisariam de apoio. Depois de o remédio fazer efeito, me senti
um pouco mais tranquilo, consegui ligar para os meus pais. Eles iriam trazer
meus tios de Caxias para Porto Alegre. Assinei também a papelada do
hospital e da funerária. Ricardo sempre foi extremamente organizado e muito
cauteloso. De tal forma que as coisas se resolveram rápido, ele também se
assegurou de deixar um seguro de vida do qual seus pais eram os
beneficiários, assim como um testamento passando suas ações para mim,
com a exigência de repassar o percentual justo de lucro da empresa
mensalmente para seus pais.
Depois de falar com o policial que me deu a notícia do acidente,
decidi ir para casa me arrumar para depois ir ao velório, o corpo já havia
sido liberado e estava sendo preparado. Pelo que entendi, Ricardo acabou se
perdendo em uma curva, o que ocasionou o capotamento do carro por três
vezes, após a colisão com um poste de energia. A guria que estava com ele
chamava-se Camila, tinha apenas 24 anos, seus pais estavam tão desolados
quanto nós. Eu conhecia Rick, não acredito que estivesse embriagado, algo
deve tê-lo distraído, mas, mesmo assim, o laudo com a informação se havia
substâncias entorpecentes no seu sangue só sairia em algumas semanas.
Não queria nem pensar em como seria na empresa, a essa altura,
todos já deveriam estar sabendo que o CEO da G&R Marketing havia
falecido. Eu precisaria pensar nos rumos que iria tomar na empresa,
provavelmente contrataria um CEO experiente para ocupar o cargo. Mas
deixaria para analisar isso com os advogados e o conselho diretor durante a
semana. Agora tudo que eu queria era o abraço da minha família, já que do
meu melhor amigo, do meu irmão de alma, eu não teria nunca mais.
D Bia,
epois
conversar com a
uma
sensação ruim tomou conta de mim, não conseguia parar de pensar no
de
Gustavo. Isso era estranho, não sabia explicar, mas algo nele era diferente.
Ah, que bobagem, deve ser apenas pelo susto de acordar e receber uma
notícia assim. Espero que o guri que se acidentou esteja bem, penso na
família do rapaz, nossa, nem imagino a aflição pela qual estão passando.
Decido me levantar, pois não conseguirei voltar a dormir, tomo um
banho e programo a cafeteira para passar um café quentinho, amo café preto e
não consigo começar meu dia sem beber pelo menos uma xícara. Enquanto
isso, pego meu celular para olhar as últimas notícias, de repente me bate uma
curiosidade e decido procurar o Instagram do Guto, stalkear um pouquinho
não tem nada demais, né? Digito na busca Gustavo… como imaginei,
aparecem vários perfis, fui rolando e olhando as fotos até que vi um perfil
que me chamou a atenção: “É ele, jamais esquecerei esses olhos azuis”. Abri
“@gustavo_medeiros”, droga, o perfil era privado. Será que solicito para
seguir? Não, não posso fazer isso, vai contra minhas regras. A cafeteira apita,
me avisando que o café está pronto, o que acaba me assustando e sem querer
meu dedo esbarra na tela e clica em “seguir”. Merda, agora ele receberá a
notificação. Mas talvez dê tempo de cancelar.
Antes que eu pudesse cancelar, meu celular vibra indicando uma nova
notificação:
“@gustavo_medeiros aceitou sua solicitação para seguir".
E uma nova em seguida:
“@gustavo_medeiros começou a te seguir”.
Ah, meu Deus, ele me seguiu, abro o perfil dele e não tem tantas fotos,
ele parece ser um cara discreto, vejo que tem um novo Stories, clico para
visualizar, então aparece a seguinte mensagem: “Vai em paz, meu irmão, amo
você”. Meu coração acelera, será que o rapaz do acidente era irmão dele?
Me recordo dele comentar que tinha ido à festa com o primo, mas não lembro
o nome do rapaz. Será que mando um direct para ele?
Decido antes ligar para Bianca e ver se ela tem mais informações
sobre o rapaz. Ela logo me atende:
— Oi, prima.
— Oi, Bi, ei, alguma novidade sobre o guri do acidente?
— Ah, prima, sim, infelizmente ele não resistiu aos ferimentos.
— Meu Deus, que tristeza.
— Pois é, o Ricardo era um cara muito gente boa, conversei algumas
vezes com ele na academia, e a guria que estava com ele também faleceu, ela
tinha 24 anos.
— Nossa, que horror, Bi, você sabe me dizer se o Ricardo tinha
irmão?
— Não, ele era filho único, ah, o Beto me falou que ele foi na festa
com o primo, o Gustavo. Será que é o seu Gustavo?
— Ele não é meu, mas acho que é o mesmo. Acabei de adicionar o
Guto no Instagram e tinha um Stories: “Vai em paz, meu irmão, amo você”,
deve ser por conta do primo.
— Você o adicionou?
— Sim.
— E vai falar com ele?
— Não. Quer dizer, não sei. Será que devo? Afinal, ele acabou de
perder alguém importante e eu estava na mesma festa, e…
— Calma, Amanda, respira, você está muito nervosa. O Beto
perguntou se posso acompanhá-lo ao velório do Ricardo, prestar as
condolências à família. Eu disse que iria, começa às 14h, quer vir conosco?
Provavelmente o tal Gustavo estará lá, assim você pode falar com ele
pessoalmente.
— Não sei, acho que é um momento muito família, não sei como ele
iria reagir. E, também, não gosto desses ambientes, você sabe que não lido
muito bem com a morte. Desde o velório da vovó, volta e meia tenho
pesadelos.
— Bom, prima, você que decide, mas acho que seria legal da sua
parte, afinal, vocês passaram a noite juntos, agora se adicionaram e o cara
acabou de perder o primo. Depois você fala que eu que sou fria…
— Tá bom, você está certa, nós estávamos na mesma festa… você vai
direto ou o Beto vai te buscar?
— Ele vem me buscar, passamos aí para você ir com a gente.
— Ok, espero vocês, então. Beijo.
— Beijo.
Não sei se fiz bem em aceitar, mas não sabia explicar o motivo por
estar tão sensível, talvez fossem os hormônios…Olho novamente o perfil
dele, abro uma foto que ele está com outro rapaz, os dois estão descontraídos
sorrindo, com um pôr do sol do Guaíba como plano de fundo, na legenda a
frase: “melhor sócio, amigo e irmão que Deus me deu @ricardo_medeiros”.
Era ele, então, e pelo jeito realmente os dois eram muito próximos, nem
imagino a dor que o Guto deve estar sentindo, não sei o que seria a minha
vida se não tivesse a Bianca ao meu lado, seria como se a minha metade
tivesse partido. Assim, tomada por uma onda de forte emoção, clico em
“enviar mensagem”, a tela se abre e digito:
— Mano, amanhã vou sair com a Beca e tô muito a fim de… bem, tu
sabe, né…
— Olha só, meu priminho quer transar… — Rick falou enquanto
dava pause no nosso jogo de futebol no Playstation.
— Ah, não fala assim, tu sabe que sou apaixonado pela Beca desde
pequeno, eu e ela já conversamos sobre isso, e…
— É a primeira vez dela também?
— Sim, e isso me deixa ainda mais ansioso, eu quero que seja
perfeito.
— Mano, relaxa, se você se colocar pressão, não vai ser legal, nem
para você e muito menos para ela. Tem que ser natural… leva ela no
cinema, depois jantem em algum lugar, uma comida leve… e depois a
convide para ir para um lugar mais tranquilo… tem um motel bem bacana
perto do Praia de Belas… se bem que você não tem identidade falsa… você
não é dessas coisas, mal sai para as festas da turma… Cara, pode trazer
ela aqui em casa, eu invento alguma coisa para o papai e a mamãe, e tu
pode ficar tranquilo com ela aqui. Compre umas velas, algumas rosas, e
espalhe pelo quarto, na verdade, eu vou deixar tudo pronto para você… aí
você chega, dá play no rádio e aí relaxa e deixa rolar. E, claro, não se
esquece da camisinha, você não vai querer engravidar a garota na primeira
vez da vida de vocês.
— Tô mais nervoso ainda, e se ela não curtir?
— Mano, tu é um cara gente boa, boa-pinta e você se conhecem há
anos… vai ser legal, acredite mais em você cara.
"Olá, Amanda,
agradeço por sua
mensagem… na
real, ainda não
estou acreditando
que isso
esteja acontecendo.
Como você ficou
sabendo?"
"Como se tivessem
arrancado um
pedaço de mim…"
":(
Sinto muito.
Não perca a fé, Deus
sabe o que faz. Seu
primo está bem, está com
Ele agora, e sempre
estará no seu coração".
"Obrigado.
Eu tenho que ir,
preciso resolver
algumas coisas
antes do velório.
Obrigado mais uma
vez e se cuida".
"Você também.
Beijo se cuida :*"
Gostaria de ficar conversando com ela, poderia ter sido tão diferente.
Mas não era o momento. Eu tinha uma grande missão nas mãos agora e isso
exigiria toda a minha atenção.
R esolvi nos
últimos minutos
que não iria no
velório, não havia sentido eu ir até lá. Eu já havia mandado mensagem
lamentando sua perda, não tinha por que eu ir, poderia dar a entender que
estava interessada nele e não era isso.
Claro que eu não sou nenhuma pedra de gelo sem sentimentos, eu
achei o Guto um cara legal, eu realmente senti algo diferente quando
ficamos, mas, ainda assim, não me abalou tanto a ponto de querer abrir mão
da vida que eu vinha levando, estava feliz sozinha, e não queria dar brechas
para ninguém entrar no meu mundo.
Passei o resto do sábado largada no sofá, lendo meus livros de
suspense no meu kindle, nada de romances, não tinha paciência para os
mesmos clichês de sempre, a mocinha virgem e inocente que se apaixona
pelo mocinho difícil, que, no final, se mostra um bobão que fica de quatro
pela garota. A vida não era assim, não existem príncipes encantados que
chegam para salvar seu dia, então, eu não gostava de ficar fantasiando.
Preferia um bom livro de mistério policial, um crime, uma vítima, um
predador à solta e um protagonista inteligente. Isso sim era história. Já
passavam das oito da noite quando meu celular toca, era a Bia, atendo a
chamada de vídeo:
— Oiii, o que tá fazendo? — pergunta, percebo que ela não está em
sua casa, pois o ambiente não me é familiar.
— Tô lendo, onde tu tá?
— Na casa do Beto, liguei para ver se não quer vir aqui jantar com a
gente.
— E ficar segurando vela? Meu sonho — falo, bufando enquanto
reviro meus olhos. Apesar de amar o gesto, Bia nunca me deixa de fora de
nada da sua vida, sempre tenta me incluir em tudo, mesmo que seja para
segurar vela em um sábado à noite. Mas eu tenho noção, bom senso e não
aceitaria isso apenas por educação.
— Nada a ver, Mandi, nós aproveitamos bastante desde que
voltamos do velório...
— E como foi? Quero dizer, claro deve ter sido triste, mas... você
conheceu o Guto?
— Sim, Mandi, foi muito triste, eles velaram o Ricardo e a Camila
juntos. Então, tinham muitas pessoas, comprovando que os dois eram muito
queridos. Conheci o Guto, ele estava arrasado, mas, mesmo com os olhos
inchados, ele é simplesmente um gato. Você deveria ter ido para consolar
ele...
— Não, não tinha nada a ver, eu dei um perdido nele ontem e hoje
iria aparecer no velório do melhor amigo dele? Não. Eu mandei mensagem e
é melhor assim.
— Mandi, um dia você vai ter que abrir de novo seu coração, não vai
querer ficar sozinha para o resto da vida né?
— Meu Deus, o que esse Beto fez contigo? Quem é você?
— Eu não fiz nada, quer dizer nada que ela não tenha gostado. —
Nesse momento, me assusto com a voz grossa que responde à pergunta que
era direcionada para a minha prima. Então, ela começa a rir ao ver minha
surpresa e vira o celular, mostrando que o Beto estava ali o tempo inteiro,
bem na frente dela. Ele acena com um sorriso no rosto que deve ser por ver
que eu estou vermelha feito um pimentão. Aceno timidamente para ele.
— Oi, Beto, tudo bem? Me desculpa não sabia que estava aí...
— Não quer mesmo vir aqui? Eu não vejo problema em um jantar à
luz de velas... — ele fala em tom irônico, o que me faz rir, ele realmente é
um cara engraçado.
— Obrigada mesmo, mas fica para um outro dia, não estou a fim de
me vestir de castiçal hoje.
— Bom, então amanhã nos vemos, beijo, priminha, se cuida, amo
você — diz Bia.
— Boa noite, se cuidem também, juízo, crianças. Amo você, Bia.
Prazer falar com você de novo, Beto. — Ela vira de novo o celular para eu
ver o Beto se despedindo com uma piscada de olho e mandando um beijo.
Ele era um gato mesmo e combina muito com a Bianca, formam um belo
casal. Quem diria que minha prima iria se apaixonar, fico muito feliz por ver
o riso fácil e leve no seu rosto e o brilho nos olhos.
Depois de desligar, pego o celular e fico navegando por um tempo
pelas notícias de fofoca até adormecer.
“Acordo em um lugar muito claro, sinto frio no corpo, percebo que
estou em um quarto de hospital, ligada a um aparelho que fica apitando e
monitorando meus batimentos cardíacos. Onde estou? O que estou fazendo
aqui? Tento levantar minhas mãos, pois não estou sentindo o restante do
meu corpo, mas não tenho forças... então me desespero e tento gritar para
chamar alguém para me ajudar, mas minha voz não sai. Onde estou? O que
está acontecendo? ”
Dou um grito e acordo no meu sofá com o meu apartamento
completamente escuro, acendo o abajur que fica na mesinha ao lado e
percebo que estou suando frio, minhas mãos estão geladas e meu coração
acelerado. “Que pesadelo horrível”. Nunca sonhei com nada parecido
antes; na realidade, nunca me lembro dos meus sonhos. Acho que a morte do
primo do Guto mexeu muito com o meu emocional, não sou acostumada com
a morte, na verdade, a única perda que tive até hoje foi da minha avó e não
lidei nada bem com isso. Tanto que precisei fazer terapia por alguns meses
para me ajudar a aceitar sua morte. Vovó Bina era a melhor pessoa do
mundo, mãe do meu pai, era o doce em forma de gente. Lembro-me com
carinho das tantas vezes que corria para sua casa, que era na parte de trás do
terreno que eu morava com meus pais e, ao chegar na porta, antes mesmo de
abri-la, sentia o cheirinho do bolo de chocolate que só ela sabia fazer. Minha
boca saliva com a simples lembrança.
Perder ela foi muito doloroso, ainda mais pela forma que foi, um câncer
maligno no estômago, que a levou rápido demais. Faz três anos que ela
partiu, mas, para mim, ainda é difícil aceitar que jamais verei ela novamente.
Me levanto do sofá e estico meus braços para me espreguiçar, pego o
celular, que acabou caindo no chão enquanto eu dormia, e confiro que são
quatro horas da manhã. Vou no banheiro, faço um xixi e vou para a cama,
tentar dormir de novo, mas com receio de ter outro pesadelo. Então, antes de
fechar meus olhos, decido fazer a oração que Vovó Bina me ensinou desde
pequena:
“Com Deus me deito, com Deus me levanto, com a
graça de Deus e do Espírito Santo. Amém”.
“Mano,
Sim, você é o irmão que a vida me deu, e sou grato a Deus por isso.
Não sei o que aconteceu, mas, se está lendo isso, acredito que não esteja
bem.
Sabe que sempre fui muito planejado e metódico, né? E não seria
diferente na minha morte. Por mais mórbido que possa parecer estar
escrevendo esta carta em vida, sempre me preocupei em deixar tudo
organizado e as pessoas que amo bem amparadas, então resolvi deixar isso
registrado, caso um acidente me tirasse cedo demais da sua vida.
Antes de mais nada, quero dizer que seja lá onde eu estiver (acho
que vou para o céu, pois sou um santo, ou quase kkk), eu estou bem, e quero
que você, Mano, fique também.
Por favor, cuide da minha mãe e do meu pai (se eles estiverem por aí
ainda), eles sofrerão com a minha morte e você também é parte filho deles,
então, não deixe que nada lhes falte.
Mano, nossa empresa está alcançando voos grandes, estamos a todo
o vapor e nosso sonho, que era pequeno, está mais real e mais forte do que
nunca. E por isso você precisa seguir com o plano inicial para que quando
você complete seus 50 anos já esteja podre de rico e possa viajar o mundo
com sua família e gastar o dinheiro pelo qual tanto trabalhou.
E você sabe que ninguém melhor do que você para tocar a nossa
empresa, o nosso sonho, então, Mano, aqui deixo meu último pedido para
você: Quero que você assuma o meu cargo de CEO e tome a frente de tudo.
Consigo ver claramente a cara que você está fazendo agora
pensando: Eu? CEO? Ricardo, nem pensar, não sirvo para isso... não vou
conseguir... não sou você... e blábláblá.
Mas eu digo, você é o cara mais incrível que conheci, o cara que me
inspira, que admiro e que sempre me esforcei tanto para agradar. Sim,
Mano, eu estudei tanto para conseguir lhe acompanhar, pois você nasceu
brilhante.
Eu sempre te admirei, e sei que fará o melhor com a nossa empresa,
você sempre faz o seu melhor. Logo, quero que a partir de agora você passe
a ser Gustavo Medeiros, CEO da G&R Marketing Digital.
Mano, aproveite a vida, trabalhe bastante, mas se permita viver,
amar, se divertir… sei que logo você encontrará seu grande amor, formará
sua família, será um excelente pai e, quando estiver bem velhinho, de
cabelos brancos, partirá desta vida durante uma noite de sono… e eu
estarei aqui, te esperando de braços abertos para que juntos possamos
curtir a eternidade, jogando videogame, contando piadas e jogando
conversa fora.
Obrigado por ter sido mais que um amigo, um primo, obrigado por
ter sido o meu irmão.
Com amor,
Ricardo Medeiros.
— Mandi, estou tão orgulhosa de você, você fez por merecer — diz
Bia, erguendo sua taça para brindarmos antes de começarmos a comer.
— Obrigada, Bi, obrigada por sempre estar ao meu lado — falo,
batendo levemente minha taça à dela. Ela bebe um gole do espumante que
borbulha e coloca a taça sob a mesa para ir até a cozinha buscar a panela com
o strogonoff.
Enquanto isso, pego meu celular e bato uma selfie segurando minha
taça e posto nos meus stories no Instagram com a legenda: “celebrando a vida
e as férias”. Então vejo Bia voltando com a comida, o strogonoff dela é
maravilhoso, com um molho bem grosso, do jeito que eu sempre gostei,
contudo, assim que o aroma invade minhas narinas, sinto um embrulho no
estômago e uma ânsia de vômito que não é nem um pouco comum para mim.
— O que houve, Mandi, está se sentindo bem? — Pergunta ela,
colocando o prato quente sob o descanso de mesa e vindo para o meu lado
depositando sua mão em meu ombro.
— De repente senti um enjoo, deve ser algo que comi.
— Comeu algo diferente hoje? — Questiona com sua postura de
médica, ela sempre está atenta a tudo, não consegue ser diferente.
— Não, na verdade, comi o mesmo de sempre. Deus espero que não
seja uma virose, não às vésperas da nossa viagem. Bom, pode ser esse
espumante, talvez seja meu estômago de pobre reclamando por um sabor tão
refinado — falo séria enquanto a encaro, ela sustenta meu olhar e segundos
depois ambas caímos em uma grande gargalhada.
— Ah, Mandi, só você mesmo para fazer piada com tudo. Mas, por
precaução, estou suspendendo sua bebida e a trocando por água. Também vou
chamar um iFood para trazer água de coco para ajudar a nutrir seu organismo.
E acho melhor não comer o strogonoff, vou descongelar uma sopinha de
legumes para você. Tenho certeza de que amanhã se sentirá bem melhor —
fala e nem me dá tempo para lhe responder agradecendo, pois ela sai da sala
de jantar e volta para a cozinha para esquentar a minha sopa.
Bianca é mais que minha prima ou melhor amiga, ela é meu lar. Ela
cuida de mim mesmo sem eu pedir, me paparica e acho que às vezes é até
mais minha mãe do que a minha própria. Não que Dona Vilma seja uma mãe
ruim, longe disso, minha mãe é maravilhosa, sempre fomos grandes amigas.
Mas, como ela mora longe, Bianca assumiu esse papel no meu dia a dia,
mesmo que a gente tenha apenas dois anos de diferença uma da outra. Não
consigo imaginar minha vida sem a Bianca nela.
Alguns minutos depois, Bia volta com um prato fundo soltando fumaça
no ar e o coloca na minha frente sob a mesa. O aspecto está apetitoso, é um
caldinho laranja.
— É sopa de abóbora com batata, vai te nutrir — fala enquanto senta-
se na minha frente e se serve com um pouco de strogonoff ainda quentinho.
— Obrigada, Bi — agradeço, pego a colher que ela trouxe com o
prato, aproximo dos meus lábios e começo a assoprar o líquido para resfriá-
lo antes de colocar na boca. Assim que o coloco, sinto novamente o embrulho
e preciso segurar para não cuspir a comida, pois seria uma desfeita por todo
o carinho que Bianca teve para preparar a comida para mim.
— Que foi, Mandi, está ruim? — Pergunta em tom preocupado.
— Desculpa, Bi, mas acho que não conseguirei comer nada hoje. Não
sei o que tenho — digo desanimada, pois, apesar do enjoo, sinto que estou
com fome.
— Mandi, esses enjoos começaram só hoje?
— Sim, na verdade, estava bem até a hora que você entrou com a
comida.
— Hum…
— Por quê? — Questiono, pois não gosto da sua expressão pensativa.
— Sua menstruação já desceu esse mês? — Não entendo sua pergunta,
mas me recordo da cólica leve que senti um pouco mais cedo.
— Não, mas acho que desce entre hoje ou amanhã, pois mais cedo tive
uma cólica no pé da barriga.
— No pé da barriga?
— É, embaixo da barriga, mas você sabe como sofro com cólicas.
— Amanda, existe a possibilidade de você estar grávida?
— Que? — Pergunto elevando mais do que gostaria a voz, mas não
consigo ser diferente, pois a pergunta dela é descabida e me assusta.
— Grávida. Você tem se prevenido? Quando foi sua última
menstruação? E sua última relação?
— Você bebeu demais, Bi. De cabeça, agora, eu não sei que data
menstruei, mas está para descer, e minha última transa você sabe que foi com
o Gustavo há o que? Um mês? Não lembro exatamente o dia, você sabe que
sou péssima com datas… você está me deixando nervosa e mais enjoada. Não
estou grávida, é só um enjoo, deve ser estresse, virose, ou qualquer coisa do
tipo.
— Ok, não precisa ficar histérica. Foi só uma pergunta.
— Não estou histérica, desculpa, explodi à toa, mas foi o susto. Vem
cá, minha médica particular favorita. — Me levanto e a abraço, para que ela
não fique brava pela minha grosseria. — Imagina, eu, grávida, não, isso vai
demorar muito para acontecer. — Falo enquanto beijo o topo da sua cabeça.
“Grávida”. Isso seria a última coisa que poderia acontecer comigo neste
momento. Afasto o pensamento e volto a me sentar. Coloco o prato de sopa
para o lado e emendo uma animada conversa com Bia sobre nossa viagem e
logo estamos fazendo os últimos planos para o grande dia.
— Amanhã ainda vou até o salão fazer a depilação, manicure e uma
hidratação nos cabelos — comento enquanto lavo a louça depois que Bia
acaba de comer.
— Ah, vou com você, será que eles têm horário?
— Pode deixar que eu consigo para você. — Termino de lavar tudo e
secar a pia. E vou até a sala em busca do meu celular para marcar um horário
para que Bia possa ir comigo à sessão de beleza.
Bianca mora na cobertura de um condomínio de luxo em um dos
bairros mais nobres da cidade. Por diversas vezes ela insistiu para que eu
morasse com ela, já que a cobertura conta com três suítes e tem mais de 300
m². Mas não aceitei, primeiro porque, apesar de sermos melhores amigas e
nos darmos bem, éramos muito diferentes uma da outra e acredito que a
convivência diária não faria bem para nossa relação. Eu sou extremamente
metódica e organizada, tenho TOC e sofro com o mínimo, como se um lápis
ficar fora do lugar. Já Bianca, apesar de ser médica, é totalmente bagunçada,
sua casa só permanece arrumada, porque ela fica fora a maior parte do dia e a
Dona Bina, sua empregada, cuida muito bem de tudo. Então, logo que nos
mudamos para Porto Alegre, fiz questão de ter meu próprio apartamento. Ele
não é nem de perto tão grande e tão luxuoso quanto o de Bianca, mas o paguei
sozinha com o meu trabalho. Nunca quis que meus pais me ajudassem
financeiramente, mesmo sob seus protestos constantes. Sempre quis ser
totalmente independente. Morava na Zona Sul, relativamente perto de Bianca,
mas em um bairro diferente, onde os preços dos imóveis eram mais baixos.
Meu apartamento tem 100 m², uma suíte e um quarto, e para mim é mais do
que suficiente.
— Pronto, seu horário de beleza está marcadinho. Temos que estar no
salão às 9h — digo para Bia, que se joga no sofá.
— Obrigada, Mandi, ah, estou com saudade do meu homem.
— Meu Deus, mas já? Estão há o quê? Duas horas separados? —
pergunto e me sento na ponta do sofá, colocando seus pés sobre minhas
pernas e começo a massageá-los.
— Na verdade, horas e mais horas, não o vejo desde de manhã,
ficamos longe o dia todo. Ai, Mandi, estou completamente apaixonada por
ele, nunca senti nada assim antes.
— Dá para ver no seu olhar prima, nem precisa falar. E ele também
está caidinho por você.
— Você acha? Às vezes fico com receio, Beto nunca namorou, assim
como eu, mas tem uma fila de mulheres correndo atrás e ele sendo
ginecologista não ajuda muito a me deixar segura.
— Que isso, Bi, acha que o cara fica com as pacientes? Tá louca? Ele
é um profissional e fez um juramento, e se olha no espelho, guria, você é uma
gata, não tem nada para ficar insegura. Aff — digo, revirando os olhos.
— É que nunca senti isso, nunca me senti assim, quando estou com ele,
fico boba e, quando estou longe, tenho medo de perdê-lo. Estou feliz que
vamos viajar, poderemos ficar juntinhos durante todos esses dias, assim
iremos nos conhecer melhor, criar mais intimidade…
— Vai dar tudo certo, Bi, tenho certeza de que vai. Apenas tenha
calma, é normal ficar com receio do novo, mas o amor é assim mesmo.
Apenas se permita. E lembre-se: Sempre estarei aqui, dando certo ou errado.
— Eu te amoooooo… — diz, salta em cima de mim e deposita
beijinhos pelo meu rosto.
Essa Bianca apaixonada era algo novo para mim, mas uma alegria
gigante por vê-la tão feliz.
A cordamos cedinho,
nos arrumamos e
saímos para irmos
para o salão nos preparar para a viagem do dia seguinte. Diferentemente de
como pensei que acordaria, acordei com ainda mais enjoo e sem nenhuma
vontade de tomar minha habitual xícara de café. Coisa que nunca havia
acontecido. Bianca mais uma vez me questionou sobre a possibilidade de
gravidez, mas eu fechei minha cara e mandei ela parar de falar isso. Eu não
estou grávida, não existe esta possibilidade. Quer dizer, poderia existir,
afinal, eu transei sem camisinha com o Gustavo e, bem, ele gozou comigo.
Mas não seria tão azarada assim para engravidar por uma transa. Não me
lembro com exatidão, mas acho que no último mês tomei meu
anticoncepcional direito, nunca fui muito boa de memória, mas estava
acreditando que estava tudo certo neste quesito.
Depois de mais de três horas no salão, meu enjoo parecia ter sumido,
e minha barriga estava roncando demais devido à falta de comida há quase
24 horas, pois minha última refeição foi o almoço da empresa. Como não
tinha feito compras durante a semana, pois não queria deixar comida em casa
com medo que estragasse durante a viagem, pergunto se Bia quer ir almoçar
no nosso restaurante preferido que fica no anexo de um dos maiores
supermercados da cidade.
Já passa um pouco do meio-dia quando estacionamos meu carro no
mercado Zaffari. Subimos a escada rolante e nos dirigimos ao restaurante
que já está um pouco cheio, pois é normal um grande volume de pessoas ao
sábado. Como é buffet, decidimos nos servir primeiro e depois pegarmos
uma mesa. Pego a bandeja para apoiar o prato, o guardanapo e os talheres.
Esse restaurante é maravilhoso, tem muitas opções de saladas e o tortéi
deles é divino. Começo a me servir com um pouco de alface, beterraba
cozida e algumas outras folhas verdes. Quando chego na parte dos pratos
quentes, a ânsia de vômito vem com tudo novamente. Largo a bandeja sob o
apoio do buffet para que não caia no chão e cubro minha boca com as mãos
com a esperança de segurar o que está por vir. Olho em desespero para
Bianca que está atrás de mim, já largando também sua bandeja para me
socorrer:
— Que foi, Mandi, o que está sentindo? — pergunta preocupada e
noto que as outras pessoas na fila começam a me observar com olhos
curiosos e levemente assustados. Não consigo responder para Bia,
simplesmente abandono minha bandeja e saio correndo em busca de um
banheiro, desta vez não conseguirei segurar, preciso vomitar.
Entro na primeira cabine vazia do banheiro, levanto a tampa do
assento sanitário e despejo o pouco que tinha dentro do meu estômago. Estou
suando e minhas pernas estão fracas. Não demora muito e escuto alguém
entrando no banheiro:
— Mandi, está aqui?
— Tô — respondo para Bianca e abro a cabine que entrei.
— Meu Deus, guria, o que está acontecendo com você? — pergunta e
sei que está realmente preocupada, pois eu nunca tive nada nem de perto
parecido. Sempre fui muito forte e foram raras as vezes que fiquei doente.
— Eu não sei, estava me sentindo bem quando saímos do salão,
estava com muita fome, mas aí, quando senti o cheiro da comida, o embrulho
veio, e...
— Amanda, estou indo agora mesmo ali na farmácia comprar um
teste de gravidez, você gostando ou não vai fazer, nem que eu precise tirar a
força o xixi do teu corpo — Bianca fala com voz firme e sei que não
adiantará eu tentar negar, pois se eu era teimosa, Bianca era o impossível.
— Tá, eu faço, não precisa me olhar assim, mãe. Mas eu não estou
grávida, é uma virose, só isso — digo, mas minha voz já não tem a mesma
certeza de antes e começo a me preocupar. E se? Não, não e não. Não estou
grávida.
Sempre pensei que, quando tivesse meus vinte e sete anos, já estaria
casada há pelo menos uns quatro anos. Teria dois filhos. Moraria em uma
casa com um jardim bonito. Teria um cachorro e um emprego onde seria
realizada financeiramente e profissionalmente.
É, desde nova planejei o futuro com a vida perfeita, como nos filmes
que cresci assistindo com famílias “comercial de margarina”.
Mas ninguém me contou que a vida real é bem diferente, e agora
estou aqui sentada na tampa de um assento sanitário de um banheiro público
de um supermercado, esperando os cinco minutos mais longos da minha vida
e me perguntando:
“Amanda, que merda você fez?”
“ESTOU GRÁVIDA”
Depois de fazer quatro dos cinco testes que Bianca comprou, desisto
de tentar negar e aceito que estou grávida. Saímos do supermercado com
Bianca dirigindo meu carro, pois eu estava em estado automático, quase que
em transe.
Antes de irmos para a minha casa, Bia me leva a um laboratório para
coletar sangue e fazer o beta HCG para confirmar a gravidez. Não consigo
pensar nem sentir nada. Acho que a qualquer momento irei acordar e
perceber que tudo não passou de um sonho. Sonho não, pesadelo.
— Ai! — A picada da agulha que a enfermeira acaba de espetar no
meu braço me acorda e percebo que realmente é mais real do que pensei.
— Prontinho querida, seu resultado estará disponível dentro de duas
horas — diz a enfermeira acabando de fechar o tubo pequeno e transparente
com meu sangue dentro. Me levanto, me sentindo fraca devido à falta de
comida e a agradeço.
Bianca se levanta da poltrona na sala de espera e vem quase que
correndo ao meu encontro. Ela não disse uma palavra ainda, além de que iria
me trazer para fazer o exame. Sei que deve estar tão surpresa quanto eu.
— Vem, vamos para casa, vou preparar uma sopa leve de batata sem
sal para você e te dar um pouco de soro. Você está mais branca do que já é e
agora precisa urgentemente comer. — Não digo nada, apenas concordo com
a cabeça. E seguimos para minha casa.
Durante o trajeto, as cenas da minha noite com Guto vêm a minha
mente, meu Deus, eu estou grávida! Sei que sempre havia um risco de transar
sem camisinha e eu não costumava não usar, pois, além de gravidez
indesejada, poderia pegar alguma doença. A verdade é que sempre preveni.
Mas, naquela noite, não sei explicar se foi o perfume, o olhar ou doce sabor
da boca do Gustavo que me fizeram me perder nele e acabar esquecendo
completamente do preservativo. Nós nos encaixamos tão bem, estava tão
gostoso que simplesmente esqueci. “Sua burra, idiota, como foi se
esquecer de algo tão importante?” Meu inconsciente estava gritando
comigo, louca da vida. Meu Deus, o que eu faço agora? Como vou criar um
filho?
— Você vai contar para ele? — pergunta Bianca quando acaricia o
topo da minha cabeça que está sobre seu colo.
Depois que chegamos em casa, tomei um longo banho quente, vesti
meu pijama favorito, azul de bolinhas brancas. Consegui finalmente comer
um pouco da sopa que Bianca fez para mim, e agora estava no seu colo,
como se realmente fôssemos mãe e filha. E é a primeira vez que ela fala
desde que chegamos.
— Para quem? — pergunto sem entender seu questionamento.
— Como para quem, Mandi? Para o pai do seu filho. É o Gustavo,
não é?
— Claro que é o Gustavo, gosto de sexo, mas também não sou
ninfomaníaca. Ele foi o último cara com quem transei, e antes dele só teve
outro esse ano, mas foi no começo do ano.
— E então?
— Então o quê?
— Meu Deus, Amanda, você está grávida. Vai contar para o cara que
te engravidou ou não?
— Não grita comigo, acha que estou feliz? Acha mesmo que planejei
isso? Acha que não estou me odiando e me xingando mentalmente por ter
sido tão descuidada? Não preciso de você para ficar me olhando com esse
ar de repreensão. Eu já estou me recriminando o suficiente. E não vou contar
porra nenhuma, nem para ele, nem para ninguém. Porque não tem o que ser
contado — digo e as lágrimas que estavam presas começam a cair no meu
rosto que agora sinto que está pegando fogo.
Bianca me olha e vejo surpresa em seus olhos azuis, talvez
desespero, não sei direito, pois não consigo enxergar, meus olhos são
inundados por lágrimas e mais lágrimas. Eu estava grávida, seria mãe. Eu
sempre sonhei com a maternidade, com um lindo casamento, mas a vida não
me deu um amor de conto de fadas. Entreguei meu coração e fui enganada. E
tudo bem, ninguém está livre de ter o coração partido. Mas eu tinha superado
isso, estava feliz na minha vida de solteira. O que faria agora? Como seria
mãe? E ainda como falaria para o pai do meu filho sendo que mal o
conheço?
— Amanda, calma, você tem uma vida aí dentro que pode ser muito
pequena ainda, mas que já bate um coração. E essa vida tem um pai que
merece saber. Você não está sozinha, eu sempre estarei do seu lado. Não
precisa ter medo de nada. Se Deus lhe deu essa dádiva, então a receba.
— Ai, Bi, estou desesperada... não sei o que fazer, não esperava
isso... — respondo, chorando ainda mais.
— Calma, Mandi, calma que tudo ficará bem. Estou aqui, estou
sempre aqui. Mandi, você precisa contar para o Gustavo, acho que ele
merece saber.
— Não consigo, não ainda.
— Tudo bem, vamos para nossa viagem, já mandei mensagem para o
Beto e ele depois vem aqui para conversar contigo, explicar os exames que
precisará fazer, os remédios e vitaminas que precisará tomar... e ele irá
indicar um médico obstetra para te acompanhar durante a gestação. Vamos
cuidar de você. Mas, depois que voltarmos, você precisa contar para o
Gustavo. — Não respondo, ainda estou chorando, apenas concordo com a
cabeça e volto a me deitar no colo dela.
A animação que antes sentia pela viagem foi por água abaixo, na
realidade, não quero mais ir, apesar de achar que Bianca não concordará em
me deixar aqui sozinha, não vejo mais sentido em ir para Bahia. Não agora
que estou grávida, não agora que preciso fazer exames, tomar remédios e me
cuidar. Afinal, tem uma vida dentro mim. Não posso mais beber álcool
também. O que eu faria na Bahia se não posso curtir? É, definitivamente, eu
não devo ir nessa viagem.
— Bi, eu não vou na viagem.
— Como assim? Vai sim, Mandi, só precisa se cuidar um pouco mais,
mas gravidez não é doença.
— Eu sei, mas, para mim, não faz sentido mais. Vou ligar para a
companhia aérea e cancelar minha passagem. Vai você com o Beto e
divirtam-se por mim.
— Mas não vou te deixar aqui sozinha, não agora. Se você realmente
não quer ir, eu desmarco, adio, sei lá. Tenho certeza de que o Beto não irá se
importar, e...
— Não. Não, Bi, vocês vão. E não se preocupe comigo. Não ficarei
aqui sozinha.
— Como assim? — pergunta sem entender, pois nossa família mora
em Caxias do Sul, ali em Porto Alegre somos apenas eu e ela.
— Vou para a casa dos meus pais. Ficarei lá até o final das minhas
férias. Farei todos os exames que preciso por lá mesmo. Vai ser bom, faz
tempo que não vou para lá com calma. Terei tempo para descansar e refletir
sobre o que fazer daqui para frente.
— Vai contar para os tios?
— Ainda não sei, vou ver como estão as coisas e, se me sentir
segura, conto. Vou tentar viver um dia de cada vez. E, depois que retornar
para cá, no final das férias, vejo como contarei para o Gustavo. Não faço a
menor ideia de como ele irá reagir. Como depois de mais de um mês sem
falar com ele, chegarei para contar: “Oi, Gustavo, tudo bem? Quanto
tempo, então estou grávida e você é o pai”.
O s últimos vinte dias
foram ainda mais
intensos e eu já não
estava mais aguentando tanta pressão. No início, achei que era pelo fato de
ser tudo novo, de ter que aprender do zero todas as tarefas que agora seriam
da minha responsabilidade como CEO, mas, à medida que os dias foram
passando, as tarefas não diminuíram, pelo contrário, só aumentavam a cada
dia.
Percebi o quanto Rick me poupava dos problemas da empresa, quero
dizer, não dos problemas, pois a empresa vai melhor do que nunca. Mas a
carga de trabalho, de reuniões, de decisões que preciso tomar é absurda. Por
mais que tente entender como Rick conseguia dar conta de tudo e ainda
aproveitar bons momentos de festas e descanso, não consigo.
Eu mal tenho tido tempo para dormir, quem dirá me divertir. Ando
mais estressado do que jamais fiquei, passei a ser ainda mais fechado do que
já era e meu humor que, antes era calmo e descontraído, passou a ser sério e
até meio explosivo. Estou me esforçando para fazer o meu melhor, mas tenho
a impressão de que estou fracassando. Não sei qual Gustavo brilhante o
Ricardo enxergava, mas tenho certeza de que não sou eu.
O telefone da minha mesa toca e atendo já no automático, pois é uma
das coisas que mais faço ultimamente, atender ligações:
— Sim — digo com minha voz séria, talvez até ríspida demais, pois
não estou no clima agora. Ainda são apenas 9h da manhã, mas minha cabeça
já está latejando.
— Desculpe incomodar, Sr. Medeiros, mas os responsáveis da
empresa Globo Gestão Financeira acabaram de chegar.
— Certo, Patrícia, por favor, os acompanhem até a sala de reuniões,
em cinco minutos estarei lá. — Desligo antes mesmo de ela terminar de falar.
Droga, eu não sou assim. Mas o cansaço está acabando comigo e me
transformando em um babaca. Preciso pedir desculpas para Patrícia depois.
Desde que assumi o cargo de Rick, Patrícia tem sido mais que apenas
minha assistente, ela tem sido meu braço direito. Rick sempre elogiou muito o
trabalho de Patrícia, uma mulher de 40 anos, formada em gestão financeira,
que tinha uma postura impecável e uma eficiência admirável. Se não fosse
por ela, eu estaria perdido. Por isso me sinto ainda pior pela forma como
venho a tratando ultimamente, eu não sou assim. Pego novamente o telefone e
peço para que ela venha até a minha sala. Escuto uma batida na porta:
— Pode entrar. — Vejo Patrícia abrindo a porta, ela é uma mulher
muito bonita apesar de já ter seus 40 anos. É alta, loira, olhos cor-de-mel e
está sempre muito bem-vestida em seus conjuntos sociais. Às vezes me
pergunto se ela e Rick tinham uma relação mais íntima, mas sempre tento
afastar tais pensamentos, pois são impróprios.
— Precisa de algo, Sr. Medeiros? — pergunta e percebo que está
parada na frente da minha mesa esperando eu dizer por que lhe chamei.
— Patrícia, só gostaria de me desculpar pela forma que atendi o seu
telefonema, eu acabei sendo rude e desligando na sua cara. — Ela me fita
com olhos de interrogação e certa surpresa, como se não estivesse
entendendo o que eu estava falando.
— Oh, senhor, não precisa, eu sei que anda muito ocupado e cansado.
— Sim, é verdade, mas isso não dá motivos para que eu trate as
pessoas mal. Me perdoe, juro que sou melhor do que isso, é só que... —
Tento buscar as palavras certas, mas não consigo e acabo abaixando os
ombros em sinal de frustração.
— O senhor, se me permite, posso lhe falar uma coisa? — Patrícia
pergunta e vejo um brilho em seus olhos, quando me levanto os meus para
encará-la.
— Claro — respondo, curioso.
— Senhor, o Rick lhe amava muito. Tudo o que ele fazia era pensando
no melhor para a empresa, para que você fosse feliz vendo-a crescer. Perdi as
contas de quantas vezes vi Ricardo passar as madrugadas aqui trabalhando e,
quando eu chegava pela manhã, ele estava debruçado sobre essa mesa
dormindo. Não era fácil para ele também, nunca foi. E a empresa está
crescendo cada vez mais e isso demanda muito tempo e esforço. Mas Rick
nunca desistiu e ele sempre acreditou em você. Ele me contava o quanto o
admirava e que juntos vocês iriam dominar o mundo. Era uma alegria ver a
paixão nos olhos bonitos do Ricardo. E eu vejo essa mesma paixão nos seus...
você só precisa acreditar que pode.
— Patrícia, eu não sei nem o que lhe dizer. Não sabia que Rick
trabalhava tanto. Ele nunca me contou, nunca me deixou ver o quanto de
trabalho tinha.
— Ele não queria que você desperdiçasse o seu talento de criação
aqui. Ele sabia que o seu amor era pelas máquinas, programação e projetos.
Por isso ele tomou toda a parte burocrática para si. Para que você fizesse o
que amava. Mas agora que ele não está mais aqui, você precisa continuar e,
se quer mesmo que a empresa, ou melhor, se quer mesmo que o sonho de
vocês continue vivo, terá que trabalhar muito. Mas não se preocupe, eu estou
ao seu lado, sempre estarei enquanto precisar de mim, assim como era com
Rick. Eu o amava com todo o meu coração, não deveria estar te falando isso,
mas quero que saiba que o Ricardo foi o amor da minha vida, mesmo que
platônico, pois nunca tivemos qualquer tipo de envolvimento amoroso. Mas,
mesmo assim, eu o amei. E, no que depender de mim, farei tudo o que estiver
ao meu alcance para ajudá-lo. — Uau, por essa revelação eu não esperava,
não consigo nem falar, ainda estou processando a informação quando Patrícia
enxuga uma lágrima que cai de seus olhos pela emoção de seus sentimentos.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor?
— Não, Patrícia, vou agora para a reunião. Obrigado e mais uma vez
me perdoe, prometo que me esforçarei — digo com toda a sinceridade.
— Eu não duvido disso. Com licença, senhor, se precisar, estarei na
minha mesa. — Ela sai da minha sala e preciso de alguns minutos antes de me
levantar para ir para a reunião. Ricardo conseguia me surpreender, mesmo
depois de ter partido.
A Globo Gestão Financeira era uma empresa com mais de dez anos no
mercado e, assim como nós, vinha crescendo nos últimos anos. A escolhi para
cuidar de toda a nossa parte financeira, após analisar mais de cinco empresas
concorrentes. Assinamos o contrato na semana passada e estávamos apenas
esperando a coordenadora que seria a responsável pela equipe que cuidaria
de nós voltar de férias para termos a primeira reunião formal e alinharmos os
próximos passos.
Estava torcendo para que a responsável fosse uma pessoa competente
e amistosa, pois já estava cansado de tantas pessoas maçantes com as quais
tenho tratado nos últimos tempos.
Saio da minha sala atravessando o corredor até avistar as paredes de
vidro da sala de reuniões. Noto que tem três pessoas sentadas à mesa me
aguardando. Neste momento lamento ter esquecido de confirmar o nome da
coordenadora com a Patrícia para que, quando me apresentasse, já soubesse o
seu, isso sempre demonstra atenção e cordialidade. Abro a porta da sala e, ao
ver a linda mulher sentada em uma das cadeiras, meu sorriso congela, assim
como meu corpo. “Puta merda, Amanda?”
— Bom dia, sou o Gustavo Medeiros, CEO da G&R Marketing
Digital — digo enquanto as três pessoas à minha frente se levantam para me
cumprimentar. Amanda estava sentada no meio de uma moça, aparentemente
mais nova, a moça era negra, com um rosto muito delicado e grandes olhos
castanhos, parecia muito simpática e estava com um sorriso estampado no
rosto. Na outra ponta, um homem, com os cabelos levemente grisalhos,
acredito que ele deva ser o coordenador, apesar de ter a impressão de que
seria uma mulher. Ele me cumprimenta com um aperto de mão forte e um
olhar amistoso.
Então, após cumprimentar os dois, meus olhos encontram os dela.
Noto que seu olhar está muito diferente daquele que vinha habitando meus
sonhos, aquele que me encantou naquela noite em que minha vida mudou para
sempre. Amanda estava levemente corada, acredito que estava tão surpresa
quanto eu. Seus olhos pareciam além de surpresos, um pouco, digamos,
aflitos. Será que causo tanto espanto assim? Estendo minha mão para
cumprimentá-la. Depois de uns segundos de hesitação, ela estende a sua para
mim. Assim que nossas mãos se tocam, sinto meu coração acelerar novamente
e uma corrente de eletricidade passa por todo o meu corpo. E preciso de
todas as minhas forças para apagar as imagens dessa mulher nua e gostosa da
minha mente.
— Muito obrigada por nos receber, Sr. Medeiros — diz Amanda me
tirando do transe. — Sou Amanda Barros e serei a coordenadora do setor que
irá lhe atender. Esta é a Bárbara Jorge, minha estagiária. E este é Paulo
Freire, meu assistente. Qualquer coisa que o senhor precisar poderá sempre
solicitar para nós — ela se apresenta como se não nos conhecêssemos, será
que ela se esqueceu de mim? Não, claro que não, assim que nos olhamos, vi a
surpresa em seus olhos. Ela apenas deve estar sendo tão formal, pois estamos
na frente de seus funcionários.
Ela fala com uma segurança e tranquilidade que me deixa bobo. Ela é
tão jovem e já ocupa um cargo tão importante, bom, eu também. Amanda está
ainda mais bonita do que me lembrava. Não sei explicar, mas ela está com um
brilho, um “ar” diferente. Está vestindo um conjunto de terno e calça social
pretos, sua camisa é um rosa-escuro, seus cabelos estão soltos, caindo em
camadas pelos seus ombros. Ela tem uma elegância e beleza que a torna
impossível de passar despercebida.
— É um prazer conhecê-los, por favor, sentem-se. — Eles concordam,
sentando-se novamente. — Eu assumi há pouco tempo a presidência da
empresa, devido à morte prematura do meu primo, que era o CEO. Ainda
estou me adaptando a todas as mudanças e dando continuidade aos trabalhos
que Ricardo vinha fazendo. Fico feliz que agora terei sua empresa nos
auxiliando com toda a gestão financeira, confesso que esta parte estava me
tomando muito tempo e me deixando louco — digo com sinceridade e noto
que Amanda parece sentir minha tristeza ao mencionar o nome de Rick.
Lembro da sua mensagem no dia do velório dele, tinha carinho ali,
infelizmente, depois daquilo, não recebi mais nenhuma, na realidade, mal
tenho tempo de olhar minhas redes sociais, quanto mais me dar ao “luxo” de
trocar mensagens com alguém.
— Não precisa se preocupar, Sr. Medeiros, a partir de hoje
cuidaremos de tudo para o senhor, pode ficar tranquilo. Gostaria de nos
contar um pouco mais da história da G&R? Acredito que conhecendo um
pouco mais ela ficará ainda mais fácil traçarmos as estratégias financeiras —
Amanda pede e me animo com a ideia de compartilhar como tudo começou.
Mesmo que não goste muito de ser o centro das atenções, falar de como a
empresa surgiu era uma das coisas que mais amava.
— Claro.
Então perco a noção do tempo contando desde o início toda a nossa
história, desde o dia que eu e Rick tivemos a ideia durante uma partida de
videogame. Quando percebi, olhei o relógio e notei que já passava das onze
horas, fiquei duas horas falando sem parar. Percebo que os três à minha frente
parecem encantados com o meu relato animado, principalmente Amanda, que
em nenhum momento tirou os olhos de mim. Notei diversos momentos que seu
olhar ia dos meus olhos à minha boca. Ela tinha um olhar curioso e, em certos
momentos, parecia um olhar desejoso. “Cala a boca, Gustavo, para de
fantasiar coisas, isso aí é só abstinência por falta de sexo”. Meu
inconsciente estava gritando comigo e ele não deixava de estar certo. Estou
fantasiando coisas que não existem. Mas que culpa eu tenho se a mulher à
minha frente mexeu tanto comigo?
P recisei de todo o
meu autocontrole
para permanecer
tranquila quando vi a imagem do Gustavo entrando pela porta da sala de
reuniões na empresa do meu novo cliente. Não acredito que ELE era o CEO
da empresa G&R. Talvez se eu tivesse feito uma pesquisa antes, teria
descoberto esta informação, mas os últimos dias têm sido difíceis e não tive
tempo de me preparar para a reunião.
Passei minhas férias inteiras na casa dos meus pais no interior de
Caxias do Sul, e precisei contar para eles sobre a minha gravidez, pois
enjoei desde o primeiro dia que cheguei lá. Minha mãe sempre foi muito
atenta a mim e viu logo de cara que eu estava escondendo algo. Assim, na
segunda noite que estava lá, decidi sentar com meu pai e com minha mãe
para contar a eles:
— Mãe, pai, eu tenho uma coisa para falar para vocês — começo a
falar, meus pais me olham um de cada lado da mesa, comigo sentada na
ponta com as mãos sobre meu colo que não paravam de mexer.
— O que está acontecendo, Amanda, minha filha? Estamos ficando
preocupados com você. Primeiro cancelou a viagem que tanto esperou com
a Bianca. Aí decidi vir passar as férias aqui. Não que a gente esteja
reclamando, minha filha, ficamos muito felizes com a visita. Mas sabemos
que algo está errado — minha mãe fala.
Dona Vilma, era uma mulher linda, sempre falaram que sou sua
cópia fiel, o que sempre me deixou muito convencida. Ela e meu pai, Seu
Wagner, não tinham um casamento de conto de fadas. Talvez por isso eu
tenha tanta dificuldade em acreditar em amor. Eles se dão bem, são
casados há 35 anos, mas não vejo nenhuma faísca de paixão em seus
olhares. Meu pai concorda com a cabeça com tudo que minha mãe fala.
— Sim, mãe, tem algo acontecendo comigo. Eu não sei falar isso de
uma maneira melhor, então, bem, estou grávida. — E neste momento uma
onda de silêncio invade nossa cozinha. Não se escuta nada, nem mesmo
nossas respirações, pois nós três a prendemos. Olho de um para o outro e
ambos estão com seus olhares fixos em mim. Depois do que parece ser uma
eternidade, meu pai fala.
— Grávida? Você tem certeza? — pergunta com uma calma que me
espanta.
— Sim, pai, antes de vir, fiz os exames de sangue. Estou de quase
dois meses.
— E quem é o pai? — desta vez é minha mãe, ela está emocionada e
não segura as lágrimas.
— O nome dele é Gustavo, mas não é meu namorado. Bom, na
verdade, só nos vimos uma vez, e acabou acontecendo…
Eles não falam nada. Fico esperando pelos gritos do meu pai que
sempre foi muito estourado, mas eles não vêm. Então, espero pelo sermão
sem fim da minha mãe, dizendo que eu deveria ter me cuidado, que deveria
ter me prevenido, mas também não acontece. Eles parecem perdidos em
seus próprios pensamentos e sou eu quem precisa quebrar o silêncio.
— Não planejei isso, mas acabou acontecendo. Vocês sabem que,
por eu ser celíaca e ter descoberto tão tarde, meu organismo foi muito
afetado e o médico disse que eu teria muitas dificuldades para conseguir
engravidar. Mas aconteceu.
— Tudo bem, minha filha, isso não é um problema, pelo contrário.
Não se preocupe com nada, cuidaremos deste bebê com você — diz meu
pai. — Na verdade, se você quiser, pode voltar a morar conosco, assim
poderemos te ajudar ainda mais. Essa casa é grande demais e seria
maravilhoso ter uma criança de novo aqui correndo.
— Não, pai, não posso me mudar. Sou feliz no meu trabalho, acabei
de receber a promoção que tanto esperei. E, também, não posso
simplesmente me mudar, minha vida é em Porto Alegre.
— Tudo bem, depois vemos isso — diz ele. Meu pai tinha mania de
controle e achava que o jeito dele era sempre o jeito certo. Isso era uma
das coisas que me irritava muito nele.
— Filha, você já contou para o rapaz sobre sua gravidez? — minha
mãe pergunta.
— Não, ainda não, contarei quando voltar, precisava deste tempo
para entender tudo isso e pensar no que fazer daqui para frente.
— Ótimo, minha filha, eu acho ótimo que não tenha contato. Ele
nem precisa saber, você não precisa de homem nenhum, você tem a mim e a
sua mãe. E nós três podemos cuidar muito bem desse bebê.
— Pai, que absurdo, lógico que agradeço o apoio de vocês, mas é
claro que preciso contar para o Gustavo, afinal, ele será pai. Ele precisa
saber.
— Você gosta dele?
— Não, quero dizer, ah, foi apenas uma noite, não o conheço para
saber como ele é — digo de cabeça baixa com um fio de voz, porque é
vergonhoso admitir para meus pais que engravidei de um desconhecido
com quem transei na primeira noite que o vi.
Eles não falam nada, devem estar com pena de mim. Então, depois
de mais alguns minutos, sinto duas mãos em meus ombros, uma de cada
lado. Levanto a cabeça e vejo meus pais ali me acolhendo. Neste momento
agradeço a Deus pela família que tenho, sei que será difícil o que está por
vir, mas fico feliz por saber que tenho eles ao meu lado.
— Bom, assim começou a G&R Marketing Digital e, no que depender
de mim, iremos crescer ainda mais, devo isso ao meu primo. — Escuto
Gustavo terminando de contar a história da sua empresa.
Ele era ainda mais bonito do que me lembrava e vê-lo falar da sua
empresa e do seu primo com tanto amor, tanto carinho, me emocionou.
Precisei segurar por diversos momentos as lágrimas que quiseram escapar
pelos meus olhos. Outro efeito da gravidez, além dos enjoos constantes, meu
humor mudou muito. Ando cada dia que passa mais sensível e sentimental.
— Vocês trouxeram o contrato assinado? A Sra. Carina me informou
que mandaria por vocês — pergunta Gustavo, e preciso me concentrar para
entender o que falou, ando muito distraída ultimamente. Bárbara me cutuca
levemente por debaixo da mesa para chamar minha atenção para a pergunta
de Gustavo. Preciso me lembrar de agradecer a ela depois.
— Sim, Sr. Medeiros, aqui está o contrato assinado e já registrado
em cartório. — Estico minha mão para que ele pegasse o contrato. Ele me
olha e preciso me concentrar para lembrar de respirar.
— Obrigado, Sra. Barros. Bom, vocês gostariam de conhecer as
instalações da empresa antes de irem embora? — questiona, vejo que
Bárbara parece se animar com a ideia e não posso julgá-la, afinal, aos meus
18 anos também era assim como ela. E o fato de tal convite vir do CEO que
exala charme do outro lado da mesa também contribui muito. Gustavo estava
gostoso com um conjunto de termo azul-marinho e gravata cinza. "Meu Deus,
me ajuda aqui". Decido não ficar, não consigo ficar mais um minuto na
presença de Gustavo. Não sei ainda como contarei a ele sobre a minha
gravidez, não esperava encontrá-lo aqui. “Pelo amor de Deus, Amanda,
respira.” Meu inconsciente suplica, pois tenho a impressão de que a
qualquer momento poderia desmaiar.
— Agradecemos muito o convite, mas teremos que deixar para uma
próxima oportunidade. Acabo de retornar de férias e tenho muitas coisas
para colocar em ordem no escritório. Mas tenho certeza de que não faltarão
oportunidades — Digo com uma voz que sai um pouco mais alta do que
gostaria, o que, para meus dois colaboradores que já me conheciam há algum
tempo, causa surpresa.
— Tudo certo, vamos conversando sobre os próximos passos, então
— fala Gustavo se levantando para se despedir de nós. Ele aperta a mão de
Paulo e logo em seguida a de Bárbara. — Srta. Barros, será que podemos
trocar uma palavra a sós por um momento, por favor? — ele questiona, e
sinto que irei desmaiar a qualquer momento mesmo, pois minhas pernas
parecem ter se transformado em gelatina. Mas não posso recusar, afinal, ele
é meu cliente, na verdade, é quase como meu chefe. O que Paulo e Bárbara
pensariam se eu recusasse conversar com ele?
— Claro, senhor, Paulo, Bárbara, por favor, podem ir para o carro,
encontro com vocês em um instante. Obrigada. — Eles se despedem e saem
da sala de reuniões. Permaneço de pé e olho para o chão, estou nervosa, não
sei o que Gustavo irá falar.
Cada dia que passa meu mundo se fecha um pouco mais, meus dias
estão em um looping infinito. Acordo, trabalho, às vezes como, às vezes
durmo, acordo, trabalho... e assim vai. Mas tento afastar esses pensamentos e
me concentrar no dia de hoje. Sim, a sexta-feira chegou novamente, só que
esta é a primeira desde que Rick partiu que sinto um pouco de empolgação.
Pego meu celular de cima da mesa e leio novamente, acho que pela décima
vez, a mensagem que recebi mais cedo:
“Documento assinado,
digitalizado e enviado chefa ;)”.
Espero uns minutos para ver se ela irá me responder, mas não o faz e
logo meu telefone toca e volto para a realidade e mergulho no trabalho.
Se pensei que descobrir minha gravidez havia sido o ponto alto de surpresa da minha
vida, estava completamente enganada.
Na segunda-feira após sair da reunião com o Gustavo, passei para realizar o
meu primeiro ultrassom, pois já estava marcado há uma semana. Aproveitei minha
hora de almoço para isso.
Cheguei na clínica e estava ansiosa, nervosa e apreensiva, tudo ao mesmo
tempo. Já havia feito exames de ultrassom, mas aquele era o mais importante de toda
a minha vida. E estava ali sozinha, Bianca chegaria à noite de sua viagem. Ela e Beto
acabaram ficando dois dias a mais do que o planejado. Bia estava radiante e me
enchia diariamente de fotos, uma mais apaixonante do que a outra.
Minha mãe até quis vir comigo para ficar alguns dias lá em casa, mas na
última hora teve que desistir, pois surgiram uns imprevistos na empresa dela e do
meu pai. Eles trabalhavam em uma confecção grande, por isso desde nova aprendi
muito sobre o valor do trabalho e do dinheiro. Nunca passei nenhum tipo de
necessidade, mas também não vivi uma vida de luxos. Até vir para Porto Alegre para
estudar, trabalhei na confecção com meus pais, e o sonho deles é que, quando eles se
aposentem, eu assuma o negócio, mas não é o meu desejo.
...
...
E hoje era o grande dia. Chegou o momento de contar para o pai destas
crianças a verdade. Isso tem me tirado o sono, me pego no meio da madrugada
ensaiando como contarei para o Guto isso.
branco, torcendo para que ela apreciasse e, também, uma caixa de bombons finos de
Gramado, afinal, era a primeira vez que iria na casa dela, então, não poderia chegar
de mãos abanando. E, outra, eu que a convidei para o jantar, era o mínimo que
poderia fazer.
O prédio dela era realmente ao lado do meu, logo, fui a pé, a noite estava
com um clima agradável e a lua no céu estava cheia e brilhante. Após me identificar
na portaria, o porteiro, um senhor grisalho muito simpático, liberou minha entrada.
Amanda morava no 8º andar, o prédio era bem parecido com o meu, não era luxuoso,
mas era de um padrão mais elevado. Apertei o botão para chamar o elevador, que se
encontrava no 12º andar; ao lado da porta, encontrei um garotinho, de aparentemente
10 anos, ele me olhou desconfiado, como se fosse dono do prédio, e eu, um intruso.
Então, após alguns segundos, ele, muito sério, perguntou para mim:
— É a moça bonita do 4º andar? Ela sempre recebe visitas, papai disse que é
uma moça simpática demais, mas a mamãe não acha. Ela é síndica do prédio, e eu
sou o segurança. — Ao ouvir isso, não consigo conter a risada, imagino o tipo de
visitas que a tal moça simpática deve receber para a mãe do garoto não gostar dela.
— A Mandi, ela é minha amigona. Hum, você é amigo dela? Nunca vi você
aqui... — quer saber, parecendo preocupado pela amiga.
— Sou sim, mas é a primeira vez que venho aqui. Trabalhamos juntos.
O elevador chega e entro, seguido pelo garotinho, que ainda não parece muito
convencido com a minha presença visitando sua “amiga” à noite. Aperto o botão do
8º andar e noto que o garoto não aperta nenhum outro. Bom, talvez seja do mesmo
andar que Amanda. Depois de poucos instantes, o elevador chega ao seu destino.
Saio e vejo que o garoto me segue, mas finge que está indo para o outro lado do
corredor. Me dirijo à porta do apartamento 805, conforme a Amanda me passou.
Aperto a campainha e poucos segundos a porta se abre, revelando uma Amanda ainda
mais bonita do que vi na segunda-feira. Não consigo lhe cumprimentar, pois somos
abordados por um garoto que parecia realmente preocupado.
— Mandi, esse cara disse que é seu amigo, é mesmo ou quer que eu o bote
para correr? Sabe que sou o segurança aqui. E ninguém vai mexer com você. — Olho
dele para Amanda, que abre um sorriso quando escuta o discurso do pequeno
protetor.
— Gui, o Gustavo é meu amigo, sim. Gustavo, esse é o meu amigo e
segurança do meu prédio Guilherme, mas pode chamá-lo de Gui. Gui, esse é o
Gustavo, mas pode chamá-lo de Guto — diz Amanda, fazendo as devidas
apresentações. Então, eu vejo o garotinho estendo a mão para me cumprimentar, a
aceito, ele aperta firme.
— Então, meu trabalho aqui está feito. Boa noite, Mandi, boa noite, amigo
Guto.
— Não, claro que não. Adoraria uma taça, obrigado — falo enquanto me
sento no sofá da sua sala. — Muito bonito seu apartamento, mora aqui há muito
tempo?
— Há uns sete anos mais ou menos. Desde que me mudei para cursar a
universidade. Sou natural de Caxias.
— E, não é? — ela fala, voltando da cozinha com uma taça de vinho branco
na mão. Ela me estende. — Espero que goste, é do mesmo tipo de uva do que você
trouxe.
— Desculpe por aquela noite, não costumo ser assim. E gostei muito do seu
convite, na verdade, ele veio na hora certa.
Peço, e ela começa a me contar sobre sua vida. Ela fala de uma maneira tão
leve que é como se estivesse lendo um bom livro, um daqueles que conseguimos
visualizar as cenas, aqueles ricos e cheios de detalhes. Enquanto ela me conta, a
observo e fico hipnotizado por sua beleza. É impossível não me lembrar dos
momentos daquela noite, essa garota, ou melhor, essa mulher consegue despertar algo
em mim que nunca havia sentido. Ela tem um olhar, um sorriso e uma voz sexy, meio
rouca, que mexem diretamente comigo. Ou, para ser mais claro e preciso, que mexem
diretamente com meu pau.
Gustavo era ainda mais legal do que imaginei, além de ser muito inteligente. Nosso
papo flui muito bem e, durante todo o jantar, não houve nenhum momento de silêncio
constrangedor, que costuma ser comum entre pessoas que se conhecem há pouco
tempo. Me senti à vontade na presença dele, quase me esqueci do peso que estava
carregando, e não era na barriga, era nos ombros, pelo segredo estar pesando. Com o
avançar das horas, havia chegado o momento, precisava falar com ele sobre a
gravidez.
— Posso te ajudar lavando a louça? É o mínimo que posso fazer depois desse
jantar maravilhoso que você preparou — Gustavo fala, já se levantando e começando
a recolher os pratos da mesa.
— Não. Você é meu convidado. É a primeira vez que vem aqui, então, está
proibido de fazer qualquer coisa.
— Não e não teima comigo. Na próxima, você lava — digo, tirando o prato
de sua mão e colocando de volta na mesa. Não era hora de pensar em louça. Peguei
Gustavo pela mão e fui até a sala. — Senta aqui.
— Então terá próxima vez? — diz enquanto senta-se bem perto de mim, sinto
meu rosto esquentar. Ele me olha e, por um segundo, me perco nos azuis dos seus
olhos. “Ele é tão lindo.” Penso. — Amanda? — sussurra se aproximando ainda mais
de mim. Então sinto sua mão acariciando meu rosto, o toque causa um arrepio pelo
meu corpo. — Posso te beijar?
Tudo que eu queria era beijá-lo, seu perfume, seu olhar, estavam me deixando
louca. Talvez fossem os hormônios, andava cada vez mais sensível. Mas, ao invés de
me perder como gostaria, voltei para a realidade, não podia esperar mais e nunca fui
boa para ficar floreando. Às vezes, gostaria de não ser tão racional, mas era mais
forte do que eu. Então, me afastei um pouco dele e declarei com uma voz que saiu um
pouco mais estridente do que gostaria:
— Comigo? Por quê? — Ai, Deus, por que, quando os homens precisam usar
o cérebro, eles preferem ser burros? Penso.
— Sim, Gustavo. Não brincaria com algo assim. E antes que você pense que
sou do tipo que sai transando com qualquer um, não sou assim. Aquela noite
aconteceu. Gostei de você e simplesmente rolou. Acredito que você se lembra que
não usamos camisinha e, bem, infelizmente, acabei esquecendo algum dia do
anticoncepcional… e aconteceu. Estou grávida. Não planejei isso, mas a vida gosta
de surpreender — explico, pois é a verdade.
— Eu… nossa, eu não sei o que dizer… por que não me contou antes? Por
que esperar tanto? Há quanto tempo sabe? Amanda, isso é muito sério — fala,
parando de andar e sentando-se novamente no meu sofá.
— Amanda, por favor, não me entenda mal, mas tem certeza de que sou o pai?
— Eu gostaria de sentir raiva pela pergunta que ele acabou de fazer, pois já havia
dito que não sou fácil e não saio com qualquer um. Mas como poderia julgá-lo?
Provavelmente, no lugar dele, do jeito que eu sou, seria bem pior, com certeza mais
rude. Ele ainda estava sendo gentil, apesar da bomba que acabei de jogar sob seu
colo.
— Sim, Gustavo, tenho certeza de que você é o pai. Antes de ficar com você,
fiquei apenas com um cara. E isso foi no começo do ano, ou seja, já faz mais de meio
ano. Se quiser, podemos fazer um exame de DNA. Não me incomodo com isso e é um
direito seu.
— Tem mais uma coisa que preciso te contar. — Não tinha jeito mais fácil,
ele arregalou ainda mais os olhos e perguntou:
— O quê?
— São gêmeos.
S empre me falaram que
eu era um cara
diferente, era
romântico e sonhador demais. Também falaram que, quando eu encontrasse o
verdadeiro amor, saberia na hora que era ela a pessoa da minha vida. Acho
que por assistir a tantas comédias românticas e por ler tantos romances,
acabei me tornando, sim, um cara que sonhava em viver um grande amor.
Não acho errado ter um lado sensível e sonhador, não me faz menos homem
ser assim.
Então, depois de alguns anos casados, queria ser pai. Gostaria de ter
uns três filhos. Viveríamos em uma casa grande, com um quintal e uma linda
piscina. Aos domingos, faria churrasco e tomaríamos banho de mangueira no
verão. Nos dias frios do nosso inverno gaúcho, ficaríamos na sala de tv,
assistindo a filmes, comendo pipoca e bebendo chocolate quente. Eu sabia
que seria um bom pai.
— Sim, por favor. Gêmeos? Dois de uma só vez? Você tem tendência
na sua família? — pergunto, pois, na minha, nunca soube de ter.
— Não.
Depois de alguns segundos, ela volta com o copo de água. Nem havia
reparado que ela tinha levantado para ir buscá-lo.
— Obrigado.
— Olha, Guto, eu sei que isso é uma loucura, que talvez você
precisará de um tempo para processar tudo…, mas, bem, gostaria que você
acompanhasse a gravidez. Não estou pedindo para termos um relacionamento
amoroso, não. Mas acho que podemos ser amigos, acredito que fará bem
para nossos filhos. Nossa, é a primeira vez que digo isso. “Nossos filhos”.
— Você está feliz em estar grávida, de mim? Eu sei que foi apenas
uma noite, você nem me conhece direito e...
— Apesar de não te conhecer muito bem ainda, sim, Guto, estou feliz
agora. Estou bem mais feliz depois de hoje. Você é um cara legal e acho que
nos daremos bem. Acho, quer dizer, espero que sejamos bons pais. Espero
que daqui um tempo você fique feliz também.
“Mano, você viu só? Vou ser pai, cara. Pai de gêmeos. Que
loucura. Que falta tu me faz, queria você aqui agora para me dar um
abraço e um conselho, como sempre fazia, Rick”.
Eu: É.
Eu: É que…
— Como assim você é o pai? — Beca grita do outro lado; pelo que
vejo, ela estava no sofá da sala, está de pijama e com os cabelos
bagunçados. Mesmo sem nenhuma maquiagem, Beca era uma linda mulher,
sua pele clara cheia de sardas lhe dava um charme que sempre me deixou
bobo. Mesmo depois de tantos anos, ainda perdia o fôlego vendo-a assim,
tão espontânea. — Gustavo Medeiros, você está me ouvindo?
— Oi, Beca, claro, tô sim.
— Uau, Guto, nossa, estou surpresa. Você vai ser pai. Pai de gêmeos,
você sempre sonhou com isso. Bom, o que posso dizer, senão parabéns?
— Obrigado. Beca?
— Que?
— Você acha que serei um bom pai? Quer dizer, acabei de assumir a
empresa, mal tenho tempo para dormir e agora terei dois filhos para cuidar.
Para cuidar o resto da minha vida. E se eu não for bom o suficiente? E se eu
falhar?
— Guto, meu lindo e amado Guto. Você é o cara mais incrível que eu
conheço. É o melhor em tudo que se dispõe a fazer. Você é gentil, inteligente,
amável, prestativo… poderia ficar horas e horas aqui falando todas as suas
qualidades, mas nem preciso… Você sabe que é maravilhoso. Você será um
grande pai — Beca diz e noto que ela começa a chorar. Talvez seja muita
emoção mesmo, afinal, nos conhecemos desde criança. — Às vezes penso
em como fui boba terminando com você… — ela fala muito baixinho esta
última frase, quase que não consigo escutá-la, mas prefiro fingir que não
ouvi.
— Obrigado, Beca, é que às vezes não acho que seja tudo isso. Se eu
fosse tão incrível assim, não estaria hoje aqui, sozinho. Teria uma namorada,
ou esposa já. E seria com ela que teria filhos, não com uma mulher com
quem dormi uma noite e que não parece querer nada comigo, mesmo estando
grávida de mim.
— Guto, às vezes o destino é assim mesmo, traça planos diferentes
do que imaginamos, mas precisamos acreditar que, no final, tudo acaba bem.
Eu sempre estarei ao seu lado, sabe disso, né?
— E não irá, tenho certeza. Acho que mês que vem vou aí, faz um
tempinho que estou planejando isso e acho que irei conseguir tirar férias da
clínica. Aceita a visita da sua velha amiga? — Beca tinha uma clínica
veterinária e era a sua maior paixão. Se dedicava muito ao seu trabalho.
— Claro que sim, sabe que a casa é sua. Só me avisa depois certinho
os dias porque agora minha vida está uma loucura. Mas me distraia um
pouco, me conta as novidades…
— Ah, não tenho tantas novidades, bom, não tão empolgantes quanto
às suas. — Beca ri.
Ficamos mais de uma hora conversando; com a Beca, tudo era leve,
fácil. Relembramos diversas histórias da nossa juventude, até mesmo da
época que namorávamos. Não sei dizer se foi a surpresa de descobrir que
seria pai, mas Beca estava diferente, mais nostálgica do que costumava ser.
Durante aquele tempo conversando com ela, me esqueci de tudo, da perda do
Rick, do peso do trabalho na empresa e da grande novidade da minha vida:
minha paternidade. Beca me distraiu, como sempre fazia. E me permiti
relaxar, não sabia como seria daqui para frente, só sabia que minha vida
nunca mais seria a mesma.
—Bom diiiia, como está a gravidinha mais linda do mundo? Oi,
meus sobrinhos lindos e amados, a titia Bia chegou. —
Bianca entra pelo meu apartamento, carregando uma cesta gigante de café da
manhã e conversando comigo e com minha barriga. Ela está muito empolgada
com minha gravidez. — Olha o que eu trouxe para os meus três amores.
— Bom dia Bi, nossa, o que é isso tudo? — pergunto enquanto jogo
um beijo no ar para ela e sorrio.
Sou grata a Deus por tê-la ao meu lado. Ela tem me ajudado muito,
essa semana foi uma loucura. Eu estava muito corrida com todo o trabalho
acumulado, mal tinha tempo para respirar. Mas Bianca, mais uma vez,
assumiu o papel da minha mãe e ficou de olho em mim. Ela e Dona Vilma
estavam unidas e passavam horas trocando “receitas” do que seria bom para
mim. Meu celular apitava pontualmente de três em três horas com ligações da
Bianca me lembrando que era hora de comer. Se não fosse isso, acho que não
me lembraria sozinha o quão importante era comer regularmente e direito,
pois agora eu me alimentava por três.
— Uma cesta para um café da manhã completo. Aqui tem frutas, bolo,
biscoito, geleia… tudo, claro, sem glúten. Ah, e comprei mais uma caixa de
chá de capim-limão também, já que você não pode tomar café por enquanto.
Você precisa se alimentar bem e cuidar dos meus sobrinhos.
Mas a razão mais uma vez falou mais alto e fiz o que era o certo. Não
queria me envolver com o Gustavo, aliás, era óbvio que, tendo dois filhos
dele, iria me envolver. Mas seria como amiga. Não estava apaixonada por
ele, e não pretendia ficar. Pois acho que não estou preparada para formar uma
família. Quer dizer, já terei que aprender como ser mãe, não sei se daria
conta também de aprender a ser esposa. A vida, infelizmente, não vem com
um manual de instruções, o que, de fato, facilitaria e muito as coisas.
— E, então, como foi o jantar ontem? Você dormiu cedo? Não atendeu
minha ligação, estou muito ansiosa para saber como o Gustavo reagiu quando
soube que será pai. Ainda por cima de gêmeos — Bia pergunta sentando-se
na ponta do sofá, ela me entrega uma maçã que pegou da cesta de café e
ordena que eu coma.
— Me perdoa não ter atendido, a semana foi tão corrida e ainda havia
a adrenalina da ansiedade que estava sentindo em chegar o momento de
contar para ele, então, eu relaxei. Caí na cama e adormeci — contei uma
pequena mentira, não estava com vontade de atender e contar sobre a
conversa ontem para ela. Eu queria primeiro processar tudo o que havia
acontecido e, também, não queria que ela se preocupasse com o fato de eu
não ter dormido bem.
— Tudo bem, mas agora me conta. — Ela, então, coloca meus pés
sobre suas pernas e começa a fazer uma deliciosa massagem neles.
— Se eu soubesse que ficando grávida seria tão paparicada, teria
engravidado antes — brinco, e ela me devolve um sorriso alegre de “Cala a
boca”. — Foi melhor do que eu imaginei na verdade. O Guto é um cara muito
legal. Conversamos bastante, ele me contou sobre a família dele, o trabalho…
e, então, depois que acabamos de jantar…, nos sentamos aqui no sofá. Senti
que ele iria me beijar, o clima pintou, mas me lembrei do que precisava falar.
Do que era o certo a fazer. E contei. Sabe como eu sou, não consigo me
enrolar muito, fui muito direta. Ele ficou em choque, lógico, mas em nenhum
momento duvidou ou desconfiou de mim. Ele disse que assumiria todas as
responsabilidades. Depois, me pediu para nos encontrarmos hoje, para
conversar melhor. Disse que precisava ir para casa, para assimilar tudo. E foi
isso — conto, resumindo o que aconteceu.
— Ele ou você?
— Ah, Bianca, vamos mudar de assunto. Não estou a fim disso agora.
— Ok, calma, realmente você está cheia de hormônios, sensível
demais. Não falei por mal, só quero te ver feliz.
— Ah, mas não se preocupe, comigo aqui não vai comida fora —
Bianca fala, abre uma das cadeiras de praia e senta-se ao lado da que o Beto
está. Os dois parecem cada dia mais apaixonados. — E, então, Guto, do que é
mesmo a sua empresa? — pergunta Bia, e Guto começa a contar e ficamos ali,
nós quatro, ou melhor, nós 6, desfrutando dos quitutes deliciosos, do sol
quentinho e da conversa boa. Como se já nos conhecêssemos há anos e que
nossas vidas não tivessem virado de pernas para o ar.
— Obrigada.
— Amanda, posso perguntar uma coisa?
Assim que o relógio informou que era oito horas da manhã, resolvi
fazer uma chamada de vídeo para contar para meus pais. Precisava contar o
quanto antes e, como não poderia viajar para Caxias tão cedo por causa da
empresa, teria que ser por vídeo mesmo.
Meus pais, assim como eu, tinham uma rotina muito bem definida. A
verdade é que, desde pequeno, eles me criaram para ser responsável e
organizado, o que hoje vejo o quanto foi bom. Eles costumavam levantar-se
cedo para poderem tomar um café da manhã juntos e relaxados. Depois iam
para a vinícola. Mamãe cuidava de toda a parte administrativa, e papai fazia
questão de acompanhar todos os processos para a produção dos vinhos.
Trabalhavam de segunda a sábado e aos domingos aproveitavam o dia para
descansar e curtir a fazenda.
Minha família era dona de uma das maiores vinícolas do país, meus
pais sempre desejaram que eu assumisse o comando, mas eu gostava do que
fazia e não me via trabalhando com a produção de vinhos. Eles tentaram por
diversas vezes me convencer, assim como também tentavam fazer Rick se
interessar pelo trabalho da família, uma vez que o pai dele era o braço
direito dos meus e trabalhava com eles. Mas Rick, assim como eu, não tinha
interesse por esse ramo.
— Bom dia, minha rainha, sim, tudo bem. Só quero conversar com a
senhora e o papai. Como vocês estão? — pergunto com meu melhor sorriso,
o que a faz relaxar imediatamente e abrir um grande sorriso também. Amava
muito minha mãe, ela era uma mulher belíssima e muito elegante. Alta, loira
e com grandes olhos azuis, que todos dizem que os herdei. Ela e meu pai
eram muito companheiros e felizes no seu casamento, o que, desde pequeno,
me fez desejar encontrar a mulher certa para partilhar a vida, como eles
faziam.
— Ah, meu filho, me desculpe por atender assim, sabe que ainda não
estou recuperada com a nossa perda. Estamos bem, bom, na verdade, seu pai
está bem estressado hoje.
— Ele está irritado por causa dos De Luca, eles anunciaram ontem a
data do lançamento do novo vinho deles. E sabe como seu pai fica com essas
coisas, ainda mais porque nossa equipe está atrasada com os testes da nossa
nova linha.
— Eu sei, meu filho, mas sabe que seu pai ainda tem esperanças de
que você assuma…
— Não, mãe, já falei que minha vida é aqui. Sou feliz com a minha
empresa e não pretendo abrir mão dela. O que posso fazer é ajudá-los a
encontrar uma pessoa eficiente e de confiança para ajudá-los. — Neste
momento meu pai surge na tela ao lado de mamãe. — Bom dia, pai, como o
senhor está?
— Tem mais? — ele pergunta com uma voz grossa e firme. Parece
irritado.
— São gêmeos. Então, serei pai de dois. E vocês serão avós — tento
falar com uma voz leve, com a esperança de amenizar o clima. Mas acho que
não funcionou.
— Sim.
— Ela deve ser mesmo. Deve ser uma profissional do sexo para ter
te enfeitiçado assim — mamãe fala pela primeira vez e seu ar é de total
desgosto.
— Não sei, ainda não sei. Só queria contar para vocês que serei pai.
O que faremos no futuro ainda não sabemos, não planejamos nada disso. Mas
aconteceu e agora teremos que nos organizar para a chegada dos nossos
filhos. Sei que tudo isso é repentino, mas espero poder contar com o apoio
de vocês. Já perdi meu melhor amigo e não quero perder vocês. Sabem que
sempre sonhei em ser pai e em ter uma família. As coisas não foram como
planejei, mas nem por isso deixam de ser especiais. Estou feliz e farei de
tudo para ser um bom pai e educar bem meus filhos assim como vocês
fizeram — falo com todo meu coração, e meus pais prestam muita atenção
em cada palavra.
— Filho, não estou feliz com isso também. Mas você é meu único
filho e meu amor maior. Jamais lhe deixarei, no que depender de mim, meus
netos terão o melhor. Serei uma avó presente e sempre ajudarei no que
precisar.
— Obrigado, mãe, eu sabia que poderia contar com vocês.
— Mas quero conhecer essa moça o mais breve que conseguir. Sei
que está com muitos afazeres na empresa, mas faço questão de conhecê-la. E
se não consegue viajar até aqui, nós iremos até Porto Alegre — minha mãe
fala de forma firme, mas ao mesmo tempo não consegue deixar seu lado doce
escondido.
— Guto, eu não sei. Tudo ainda é muito novo para mim, ainda estou
me adaptando à gravidez, à ideia de ser mãe. Não sei se consigo pensar em
relacionamento sério agora também.
Não era o que queria ouvir, mas imaginei que seria sua primeira
resposta. Porém, queria mostrar para ela que poderia dar certo, tínhamos
todo o tempo do mundo para aprendermos juntos a sermos pais e como
sermos um casal. Mas tínhamos que começar de algum ponto. Eu sabia que
ela tinha atração por mim, estava escrito nos seus olhos, ela me desejava
também. Então, sei que era apenas receio de relacionamentos, talvez tenha
sofrido no passado por alguém e hoje tenha medo de se entregar novamente,
precisava mostrar para ela que poderia dar certo.
Logo, cheguei mais perto dela e a beijei com todo o meu desejo que
estava pulsando em mim, queria que aquele beijo transmitisse minha vontade
de ficar com ela.
T entei falar para
Gustavo que não
estava pronta para
um relacionamento, e realmente era verdade. Eu sabia que um dia iria voltar a
me apaixonar, bom, pelo menos era o que desejava. Apesar de tudo que
passei nos meus relacionamentos anteriores, no fundo, eu nutria a esperança
de viver um grande amor. Só não sabia se era a hora certa.
Guto era lindo, inteligente, engraçado, mesmo sendo um pouco tímido.
Fora que parecia ser super-romântico e carinhoso. Com certeza tinha todas as
qualidades para ser um bom namorado, mas será que seria bom para mim?
Será que eu conseguiria finalmente confiar novamente no amor e me entregar?
Abrir mais uma vez meu coração?
— Ah, tudo bem. Guto, não tem problema mesmo você me levar? Não
quero atrapalhar. Eu posso ir de Uber — digo e rezo para que ele desista de
me levar, preciso ficar longe, pelo menos um pouco.
— Não, claro que não. Faço questão. Vamos? — Não tinha jeito, teria
que aceitar sua carona ou seria uma grande falta de educação recusar.
Concordo com ele, nos despedimos do casal de pombinhos e seguimos para o
carro.
— Uma dama merece ser bem tratada e diria que até mimada — fala
enquanto deposita um beijo delicado na minha mão. Esse homem saiu de
algum dos livros de romances que tanto fujo, não é possível ser real. —
Vamos.
Ele segue em direção à entrada do shopping e me leva consigo. Ele
não soltou a minha mão. Estamos andando como se fôssemos um casal. Sinto-
me ansiosa, mas, ao mesmo tempo, bem por estar ao seu lado. Apesar de ser
meio quieto, tímido, eu diria, Gustavo tem uma postura imponente. Ele é o
tipo de homem que não passa despercebido por um lugar. Passamos por
diversas lojas e, então, ele para na frente de uma com artigos de bebês na
vitrine.
— Então, por que ficou tão calada e por que está quase chorando? Me
desculpe se fui precipitado. Mas desde que minha ficha caiu que serei pai,
fiquei com vontade de comprar alguma coisa para eles. E quis aproveitar que
estávamos juntos hoje para vir contigo. Desculpe se fiz mal.
— Shhh, Amanda, calma. Não chora. Está tudo bem. Você será uma
mãe maravilhosa. Acredite em você. Acredite em nós. Me deixa ficar ao seu
lado. Podemos fazer isso juntos — ele pede, enquanto tento acalmar meu
coração.
— Ei, Amanda, olha para mim. — Viro meu rosto e encontro aqueles
olhos azuis me olhando.
— Me desculpa, Guto, são os hormônios, eles têm mexido muito com
meu emocional — tento justificar minha cena do shopping, não quero que ele
ache que sou louca e chorona.
— Está tudo bem. — Ele, então, acaricia meu rosto e sinto novamente
aquela energia que seu toque me proporciona.
— Guto, você gostaria de subir? — Saí antes de eu conseguir
realmente pensar no convite e nas consequências dele.
— É tudo que mais quero agora — ele fala e, antes que eu pudesse
falar algo mais, me beija. Era tudo o que faltava para completar meu quadro
de total descontrole e me rendo ao seu toque, cheiro e beijo.
—Você está com fome?
Amanda me pergunta assim que entramos no apartamento dela. Eu
sabia que talvez fosse melhor ter apenas deixado-a e ter ido para casa. Que
ela pode ter me convidado para subir apenas por educação, mas não resisti,
além de aceitar seu convite, ainda lhe roubei um beijo. Não conseguia ficar
longe dessa mulher e queria fazê-la me aceitar em sua vida.
— Estou, mas não tenho nada bom para comer em casa — fala, se
levantando e indo até a cozinha olhar a geladeira.
— Quer sair para jantar?
— É, acho que sim — ela diz e aproveito para já pegar meu celular e
procurar um restaurante que tenha comida celíaca, antes que ela mudasse de
ideia. — O que acha de risoto?
— Não, ainda não — digo e vejo que ele está pensativo, talvez
processando minha resposta.
Vejo que ele sorri com minha resposta e acredito que ficou feliz por
saber que sua amiga tem um bom pretendente. Ele sai em direção a um
corredor que, pelas placas de informação, levavam para o playground.
— Boa noite, é do restaurante Risoteria de A à Z? — pergunto para o
entregador, que acaba de tirar a mochila das costas e a apoia no balcão da
recepção.
— Sim, no débito.
— São R$ 190,00.
Depois de pagar, pego a sacola com a comida e volto para o elevador.
Mesmo muito bem embalada, consigo sentir o aroma da comida e é de dar
água na boca. Assim que abro a porta do apartamento de Amanda, fico
paralisado com o que vejo.
Digo e vou em direção à porta que ela me indicou. Assim que entro e
fecho, encosto-me nela e respiro fundo. “Essa mulher é uma deusa. Preciso
me controlar.” Olho para baixo e vejo que estou tremendamente excitado.
“Porra, se controla aí, amigão.” Abro a torneira da pia do banheiro e molho
meu rosto, preciso me acalmar e ir com calma. Não posso voltar para a sala
com a barraca armada aqui.
Não digo mais nada. Puxo-a para mais perto de mim e a beijo com
toda minha vontade. Seu gosto doce e seus lábios quentes levantam ainda
mais meu pau, que está apertado e pulsando dentro da minha cueca.
— Guto, vem, vamos para o quarto.
Ela me pega pela mão e me leva até o final do corredor. Então, entra
na última porta e vejo que seu quarto é muito arrumado e clean. O abajur ao
lado da cama está acesa e deixa um ar muito confortável. Ela se vira e abaixa
as alças da sua camisola, que imediatamente desliza pelo seu corpo e se
espalha pelo chão. Sorrio ao ver que estava certo, ela está sem calcinha.
Meus olhos param na altura da sua barriga, ainda não dá para ver muito, mas
fico extremamente feliz em saber que ali tem meus filhos. A natureza é
perfeita.
— Shhh… não estou doente. Posso ter uma vida sexual normal e com
a vantagem que não posso ficar mais grávida do que já estou. — Ela ri e se
joga em cima de mim. — Agora, Gustavo, será que você pode cumprir o que
falou agora há pouco e me foder? Muito — fala e começa a rebolar em cima
de mim. Abro um sorriso e respondo.
— Não precisa pedir duas vezes, não sou louco de recusar o desejo
de uma grávida.
— Sim, agora também estou com fome. Vem, vamos lá jantar — digo
e deposito um beijo no topo da sua cabeça e me levanto. — Vou no banheiro
rapidinho — falo e, quando já estou perto da porta do quarto para sair, ela
diz:
— Pode usar o meu, é naquela porta ali. — Ela aponta para o guarda-
roupa e, por um breve momento, não entendo. Mas, assim que abro a porta
indicada, me dou conta que é uma porta “falsa”, que dá para o banheiro da
suíte.
Não sabia ainda se formaríamos mesmo uma família, mas sentia que
poderia dar certo. Era como se algo dentro de mim me avisasse que a
Amanda era a mulher com a qual eu tanto sonhei. E, no que dependesse de
mim, faria de tudo para conquistá-la.
F
azia um mês desde
que contei sobre a
gravidez para o
Guto e que resolvi
tentar ficar com ele. No começo, travei uma batalha interna, pois tudo que
havia passado nos meus relacionamentos havia me tornado ainda mais
fechada e racional do que sempre fui. Por outro lado, não podia negar que o
Gustavo mexia com os meus sentidos, e isso, misturado a todos os hormônios
e emoções que a gravidez me davam, balançou meu coração.
Ponderei muito, mas, depois daquele beijo que ele me deu na frente
do meu prédio, algo mudou em mim e resolvi arriscar. Então, naquela noite,
joguei todo o meu charme e me permiti viver aquele momento. Não sabia se
daríamos certo como casal, pois fazia tempo que estava solteira e, pelo que
Gustavo falou, ele nunca havia tido um relacionamento sério. Mas decidi
viver um dia de cada vez, um problema de cada vez.
E desde então tem valido a pena. Guto é um cara incrível, atencioso,
romântico (às vezes até demais), mas tenho tentado não o julgar. Afinal,
nossas personalidades eram diferentes, mas ambos estávamos tentando. Ele
tem sido praticamente um príncipe encantado, algo que julgava não existir.
Mas, ainda assim, eu estava com meus pés no chão. Já havia sido
conquistada por palavras e gestos bonitos, e sofri uma grande decepção, e
não estava disposta a passar por isso de novo.
— Confesso que estou nervosa. Não sei como nossos pais irão reagir
a nós —digo, fechando minha mala. Coloquei apenas três conjuntos de
roupas, pois iremos amanhã cedo, sábado, e voltaríamos no domingo à tarde.
A festa de lançamento era amanhã à noite, e meus pais também haviam sido
convidados. Então, seria o encontro oficial de nossas famílias.
— Tem certeza de que não quer vir comigo? Seria maravilhoso ter
você ao meu lado.
— Me perdoa, mas não estou em clima de festa. Fora que estou
atolada de relatórios de pacientes para analisar. Mas estarei aqui, torcendo
por você, e sabe que pode me ligar a qualquer hora.
— Prometo.
Ela responde, e vou até ela que está na frente do meu guarda-roupa e
lhe dou um forte abraço. Ela me abraça forte e sinto que chora em silêncio.
Não sei o que tinha acontecido, mas jamais perdoaria Beto se descobrisse
que ele fez algo para fazê-la sofrer assim.
Nos últimos dias, nas conversas com minha mãe ao telefone, ela
falou que papai ainda estava contrariado com meu relacionamento com
Gustavo. Ele achou que nós não ficaríamos juntos e que mais cedo ou mais
tarde eu abandonaria minha vida em Porto Alegre e voltaria para a casa
deles. Dizia que seria o melhor lugar para criar meus filhos e que eu
precisaria da ajuda deles quando as crianças nascessem.
Minha mãe fala enquanto entramos em casa, meu pai já foi para a
sala, ver televisão. Ele nem disfarçou que não estava nem um pouco
empolgado com a visita de Gustavo, meu pai era assim e às vezes isso me
irritava e muito. Não que ele devesse morrer de amores pelo cara que
engravidou a filha dele, mas o mínimo era ser educado.
— Claro, mãe, pode deixar. Vem, Guto — digo e o levo para o andar
de cima pela mão. Vejo que olha tudo com muita atenção, Guto é muito
observador e curioso. Assim que chegamos ao andar superior da casa, me
dirijo à porta no final do corredor, que é a porta do meu antigo quarto.
Mamãe fez questão de deixar tudo como eu deixei quando fui embora. E
sempre limpava e cuidava para que estivesse sempre organizado, como se a
qualquer momento eu pudesse voltar para casa.
— Esse era o meu quarto — digo assim que passamos pela porta.
— Não esquenta com isso, nos meus pais não será diferente — ele
fala, mas ainda bem que não seria desta vez que precisaria dormir na casa
dos pais dele. Afinal, só ficaríamos uma noite e combinamos que, depois da
festa, voltaríamos para dormir nos meus pais. — Onde eu posso deixar
minhas coisas?
— Vem, o quarto de hóspedes é aqui ao lado. — Era lógico que, se
tivesse vontade iria para o quarto onde ele iria dormir, só esperaria meus
pais irem se deitar. A simples ideia de uma travessura adolescente me
deixou excitada. Lembrei-me da época que o Pedro dormia aqui e nós íamos
um para o quarto do outro no meio da noite. — Prontinho. Você quer tomar
um banho antes do almoço?
Não conhecia o Gustavo antes da perda do primo, mas, pelo que ele
mesmo me conta, desde que soube que seria pai, algo dentro dele mudou. Ele
fala que sempre foi introvertido, que não curtia muito se relacionar com as
pessoas, ficar jogando conversa fora. Dizia que preferia ficar trabalhando,
lendo, correndo ou jogando videogame. Mas, desde a perda do Rick e a
notícia da paternidade, ele despertou para a vida. Era como se finalmente
tudo o que Rick sempre falou que ele era agora realmente estava sentindo que
era. Ele conta que Rick via um Gustavo diferente daquele que ele olhava
todos os dias no espelho. Mas que hoje em dia ele tem começado a enxergar,
ou melhor, tem começado a se sentir. E isso tem lhe dado o gás e ânimo que
estavam lhe faltando.
De repente, outra batida na porta me desperta dos meus pensamentos.
— Sim, ele já desceu, por isso vim te chamar. Minha filha, ele está um
gato, você que cuide bem dele nessa festa, pois, se piscar, irão roubá-lo de
você.
— Mamãe — falo, tentando parecer brava.
— Filha, ele parece ser realmente um bom rapaz. Você está feliz com
ele? Acho que ele está apaixonado por você. Os olhinhos dele brilham
quando te olham.
Peguei minha bolsa que estava em cima da cama e saí com mamãe ao
meu lado. Mamãe desceu as escadas na minha frente e anunciou que eu
finalmente estava pronta. Como se eu tivesse demorado uma eternidade para
me arrumar, mamãe, sempre exagerada. Assim que cheguei perto dos últimos
degraus, vi meu pai todo arrumado, dentro de um terno. Acho que era a
primeira vez que o via tão formal. E, ao seu lado, estava Gustavo. Acho que
por um segundo prendi o ar. Minha mãe não exagerou na descrição que fez
dele, ele estava realmente um gato. Ele estava usando um smoking preto, com
direito a colete e gravata borboleta. Me surpreendi, pois o ajudei a desfazer a
mala e não tinha nenhum smoking lá. Então me dei conta que provavelmente
ele havia deixado a peça no carro para não amassar. Seus cabelos estavam
penteados para trás, com um pouco de gel. Seus olhos pareciam ainda mais
azuis, mais destacados naquela roupa preta. Ele estava de tirar o fôlego.
— Minha princesa — disse, estendendo a mão para mim e fazendo
uma reverência, como se fosse meu príncipe encantado. Me senti mais uma
vez como a protagonista de um conto de fadas e por um momento me permiti
fantasiar acreditando que realmente era.
— Mãe, pai, esta é a Amanda e seus pais. Dona Vilma e Seu Wagner
— Gustavo nos apresenta aos seus pais.
Acabamos de chegar na fazenda onde fica a vinícola e a casa deles. O
lugar é gigante, pena que, por já ser noite, não pudemos ver muito bem. Mas,
pelo que Gustavo nos contou, era um lugar muito bonito.
— Não fala isso, Mandi, ela não te odeia. Ela apenas ainda não te
conhece e está com um pé atrás por conta da gravidez repentina. Mas tenho
certeza de que, assim que ela te conhecer, verá que é uma menina especial —
fala mamãe para tentar me acalmar. Pois eu fiquei irritada pela forma como
essa mulher me tratou.
Mamãe aponta para alguém atrás de mim. Estava bebendo a água que
o garçom havia acabado de trazer para mim. Então me viro, achando que
minha mãe deve estar vendo coisas, mas fico paralisada quando vejo André
do outro lado do salão. Ele estava muito elegante com um terno cinza-claro e
uma taça de vinho na mão. Vejo-o conversando animadamente com um senhor
e, ao seu lado, uma jovem morena muito bonita acompanhava a conversa.
— Você não vai até lá dar oi para ele, filha? Afinal, vocês ficaram
muito tempo juntos — minha mãe pergunta.
— Sim, e estamos indo muito bem. Hoje fiz questão de vir prestigiar o
lançamento dos Medeiros, pois, diferente do meu pai, me interesso por tudo,
inclusive, pela concorrência — diz, me dando uma piscada de olhos e
parecendo realmente feliz com a sua vida.
— Que bom, fico feliz por você — falo com sinceridade.
— E o que te traz aqui? Só passeando? — ele pergunta, e não sei se
conto sobre Gustavo, a gravidez e como minha vida virou de cabeça para
baixo.
M inha mãe fez
questão de me
mostrar para
todos os convidados da festa. A grande maioria das pessoas que estavam
presentes era amigo de longa data dos meus pais e alguns figurões
da sociedade. Como sempre fui muito introspectivo, nunca gostei muito de ir
às festas que meus pais promoviam, muito menos de ficar bajulando seus
colegas.
Mas sabia que aquele lançamento era muito importante para meus
pais, afinal, os negócios estavam um pouco abalados com a concorrência com
os De Luca. Então fiz meu papel de bom filho e circulei por todo o salão ao
lado deles, distribuindo sorrisos e jogando conversa fora.
— André, boa noite, como vai? Quanto tempo que não nos vemos, não
é? — digo, estendendo a mão para cumprimentá-lo. Ele a aceita e aperta
firme e parece contente em me ver. Noto que os pais de Amanda parecem um
pouco tensos. O que será que está acontecendo aqui? Será que são amigos?
— O jovem Gustavo, estou bem, muito bem. O tempo passou mesmo,
não é? Acho que a última vez que nos vimos você ainda usava boné — fala,
brincando. — Eu fiquei sabendo sobre o Ricardo, sei que vocês eram muito
próximos, sinto muito por sua perda — fala e parece sincero.
— Que bom.
— Vocês já se conheciam?
É a vez de André ter curiosidade. Espero para ver o que Amanda irá
dizer, até hoje ela não me apresentou para ninguém como seu namorado.
Diferentemente de mim, que dizia em alto e bom som que ela era a minha
namorada.
— Uau, bom, meus parabéns. Você sempre sonhou em ser mãe e tenho
certeza de que será maravilhosa — André fala enquanto abraça Amanda.
Então ele se vira para mim com um olhar diferente de poucos instantes antes.
— Parabéns, Gustavo, Amanda é uma grande mulher, tem sorte em tê-la ao
seu lado.
— Obrigado, eu sei, estou muito feliz por Amanda ter entrado na
minha vida.
— Vou apenas chamar meus pais para avisar que estamos indo.
— Bom dia — digo e caminho até ela para lhe dar um beijo.
— Bom dia. Meus pais tiveram que ir até a fábrica, parece que uma
das máquinas quebrou durante a noite, mas logo eles voltam para começarmos
a fazer o almoço — ela fala. Tento avaliar seu humor e, ao que parece, ela
está tranquila.
— Dormiu bem?
— Dormi, mas senti sua falta durante a noite. — Espero sua reação.
Antes de irmos para a festa, tínhamos combinado de que ela iria para o meu
quarto durante a noite, mas isso não aconteceu.
— Me desculpa, eu realmente apaguei e só acordei hoje com minha
mãe me chamando para avisar que iriam sair.
— Tudo bem, todo mundo tem um passado. Você ficou chateada por eu
ter contato da gravidez?
— Não, claro que não. Só que como tudo foi muito rápido, fiquei
meio sem reação.
— Tudo bem, entendo. Também, para mim, foi uma grande surpresa
saber do relacionamento de vocês, e confesso que fiquei com ciúmes.
A noite anterior tinha sido intensa, bom, não sei se intensidade era a
palavra certa, mas sem dúvida não esqueceria aquela noite tão cedo. Fiquei
em choque quando vi André lá, desde que havia terminado com ele, não o
encontrava. A princípio, não me senti confortável para contar que estava
namorando e grávida. Não sabia como contar ou como seria a sua reação.
Mas então o Guto apareceu e falou. No início, fiquei irritada pela forma como
ele contou, pois eu sabia que André ainda não havia me esquecido totalmente.
Mesmo a gente não tendo contato, minha mãe via ele às vezes e ela dizia que
ele ainda me amava. Também nunca vi nenhuma postagem dele com outras
mulheres, o que contribuía para a afirmação da minha mãe de que ele ainda
não tinha me esquecido. Então não achei delicada a forma como Gustavo
contou, não queria ferir ainda mais os sentimentos do André. Mas depois de
pensar durante a noite, me coloquei no lugar do Guto e percebi que
provavelmente faria o mesmo.
Afinal, eu estava com ele, nós teríamos um filho, ou melhor dois. Era
natural nos apresentarmos de tal forma. Então, quando ele hoje, no café da
manhã, confessou que só falou daquela forma porque sentiu ciúmes, percebi
que era algo natural. E que ele gostava mesmo de mim.
— Mandi, obrigado por esse final de semana. Foi maravilhoso
conhecer seus pais e o lugar onde você cresceu.
— Eu que agradeço. Sei que fui relutante a isso, mas, no fim, foi muito
bom. Não sei se seus pais gostaram muito de mim, mas… — Na hora que
fomos embora, a mãe dele não se despediu com muita alegria, acho que não
ficou feliz com o fato de o filho ter ido embora tão cedo. Mas eu realmente
precisava me deitar, estava me sentindo um pouco tonta. Não sei se era
apenas cansaço ou as emoções daquele encontro.
— Eles gostaram sim. Mamãe tem aquele jeito desconfiado, mas ela
me disse que te achou linda e muito simpática. Ela espera que a gente volte lá
em breve e com mais calma, para ficarmos um pouco na casa deles.
— Teremos muito tempo para isso. Você não quer mesmo subir um
pouco?
— Era tudo o que queria, mas preciso trabalhar. Estou desde sexta
sem mexer nos meus e-mails, evitei o quanto pude o celular. Agora preciso
colocar os assuntos em dia. Acho que tenho umas mensagens da Patrícia no
celular.
— Claro, não perderei essa consulta por nada. Estou louco para saber
o sexos dos bebês. — Na consulta de terça-feira, a médica achava que já
conseguiríamos ver o sexo dos bebês. Eu não queria criar expectativas,
independente do sexo, eu ficaria feliz igual. Mas, no meu coração, sentia que
eram meninas.
— Ah, que maravilha. Então vou indo. Se cuida, Guto. — Me
aproximei dele e lhe dei um beijo.
Assim que tive minha primeira consulta com ela, nos demos muito
bem e ela me transmitiu muita tranquilidade. Ela era muito atenciosa e
esclarecia todas as minhas dúvidas. Gustavo, que geralmente ia nas consultas
comigo, pois ele disse que queria participar o máximo de todas as etapas da
gravidez, também sentiu muita confiança na médica.
— Eu acho que são meninas — disse Guto, que estava em pé ao lado
da maca na qual eu estava deitada realizando o exame de ultrassom.
Ele estava muito ansioso para saber o sexo dos bebês. Nossos amigos
e família queriam que tivéssemos feito um chá para a revelação do sexo, mas
não estávamos muito empolgados para festas e acabamos optando pela forma
antiga. Claro que Bianca deixou bem claro para mim que, se ela não fosse a
primeira pessoa depois de nós a saber, eu talvez não chegaria ao final da
gestação, pois, nas palavras dela, ela me mataria.
— Eu também acho que são meninas, mas ficarei feliz independente
do sexo.
A médica fala e Gustavo a segue para sua sala. Um frio atravessa meu
corpo e tenho um mau pressentimento. A felicidade que sentia segundos antes
dá lugar a um nó na garganta. Mas tento manter a calma, afinal, se fosse algo
ruim, ela já teria falado. E, pelo que vimos, está tudo bem com as bebês.
Acabo de me arrumar e volto para o consultório.
— Isabela? Isa… é soa muito bem. Gostei. Então, nossa filha que
nascer primeiro se chamará Isabela. Nunca pensei muito em nomes femininos,
mas acho bonito… Beatriz… Sofia… Manuela… Manuela, Manu. Acho que
combina com Isabela, o que acha?
— Oi, boa noite — falo com o porteiro. O Sr. Douglas era o porteiro
do meu prédio desde que me mudei. Era um senhor muito simpático, perdi as
contas de quantas vezes fiquei horas na portaria ouvindo sobre as histórias de
pesca dele.
— Boa noite, Srta. Amanda, o Sr. André está aqui na portaria e
gostaria de subir. Posso autorizar sua entrada?
— Isso. Ele disse que queria lhe fazer uma surpresa. Mas, caso não
possa recebê-lo, fique tranquila que eu aviso a ele.
E agora? O que André poderia querer comigo? Será que veio para
Porto Alegre a trabalho e resolveu dar um oi?
— Pode deixá-lo subir, obrigada, Sr. Douglas, tenha uma ótima noite.
— Capaz, sabe que sempre será bem-vindo aqui. Vem, senta-se aqui.
— Caminho para o sofá e André me acompanha, sentando-se ao meu lado. —
Mas me conta a que devo esta visita?
— Então, confesso que desde sábado não consegui parar de pensar em
você. — Ele me encara, e eu apenas o observo. — Eu fiquei completamente
surpreso com a notícia da sua gravidez e queria entender melhor como tudo
aconteceu. Quer dizer, eu sei que a gente terminou há tempo e que desde então
não nos falamos. Mas você mesma sempre deixou claro que gostaria que a
gente mantivesse contato e, bem, saber que você está grávida, de alguma
forma, mexeu comigo, e... — ele fala sem parar, e sou obrigada a rir, pois ele
está completamente nervoso e atrapalhado. Completamente o oposto do que
costuma ser.
— Olha, André, o que eu faço ou deixo de fazer da minha vida não lhe
diz o menor respeito. Estou apenas te contando, pois tenho um carinho por
você e acho que podemos ser amigos. Mas, se você veio aqui para ficar me
dando lição de moral, pode ir embora. — Ele me olha e então abaixa a
cabeça.
— André, eu não...
— Amanda, por favor, me dá outra chance. Está claro pelo seu olhar
que você não está apaixonada por esse cara e não é porque está grávida dele
que vocês precisam ficar juntos. Eu posso ficar ao seu lado, eu posso amar e
cuidar dos seus filhos como se fossem meus. Eu estou disposto a te dar o
mundo se você assim quiser...
Não tenho tempo de responder, André avança sob mim e me beija. Seu
beijo é urgente e intenso. Tento afastá-lo, mas ele me apertada ainda mais
forte. Seu cheiro me envolve e me lembro de todos os momentos em que
estive em seus braços. Então meu corpo amolece. Mesmo sabendo que é
errado, não consigo me afastar, ou falar para ele parar. Continuamos nos
beijando e o beijo que, no início era forte e selvagem, passa a ser delicado.
Então, sinto o rosto do André molhado, me afasto um pouco, abrindo meus
olhos e vejo que ele está chorando, está completamente entregue aquele
momento. Seus olhos verdes estão banhados de lágrimas silenciosas.
— Amanda, fica comigo, mesmo que seja só mais uma vez. Mesmo
que seja só esta noite. Fica comigo, me deixa te amar.
Tento falar que não, tento mandá-lo embora, mas então ele me beija de
novo. E novamente sou tomada pelas lembranças, meus sentimentos estão
todos bagunçados, não consigo pensar. Ele se deita sobre mim no meu sofá e
beija meu rosto, meu pescoço... a todo momento penso em falar “não”,
“para”, mas as palavras simplesmente não saem da minha boca. Então, escuto
de longe um barulho na porta e, quando me viro em sua direção e abro os
olhos, encontro Gustavo parado na porta com um buquê de rosas em uma das
mãos, que imediatamente caem no chão.
— Obrigado mais uma vez, Pati, por ter me acompanhado até São Paulo, sei
que foi em cima da hora e deve ter atrapalhado um pouco a sua rotina — digo
enquanto tiro a mala de mão da Patrícia do meu carro.
Mas, quando abro a porta de seu apartamento, sinto como se uma bala
tivesse atravessado meu peito. A dor é tão forte que minhas forças somem e o
buquê que estava segurando cai no chão.
—G
uto, eu... — tento em vão explicar o que estava
acontecendo, Gustavo entra no apartamento e vem em nossa direção com um
olhar de fúria.
— Seu babaca, larga ela.
— Gustavo, não... larga ele — grito, pois ele está fora de si, e André
já está caído no chão, com o rosto coberto de sangue. Eu puxo Gustavo e o
empurro para o sofá. — Para, por favor.
— Você vai ficar com esse... — Ele olha com fúria para Gustavo,
que finge não ouvir. — Amanda, olha o que ele fez comigo.
— Amanda, eu...
— Por que, Amanda? Por que fez isso comigo? — ele pergunta e seu
tom é gélido.
— Guto...
— Amanda, eu já entendi, não irei dificultar as coisas para você.
Serei bem claro e racional, como você tanto aprecia em ser. Acabamos por
aqui. Você não precisa se preocupar mais comigo. Viva sua vida como
quiser. Fique com o André, se ele te faz feliz, ou então procure outro otário
nas esquinas por aí. Agora percebi que meus pais estavam certos, você não
passa de uma vagabunda.
Por mais ferido que ele estivesse, não tinha o direito de me tratar
assim. Por maior que fosse o meu erro em ter beijado o André, ele não era
qualquer um que encontrei na esquina. Eu vivi mais de três anos com ele.
Nós morávamos juntos. Nós tínhamos uma história longa. E, por maior que
fosse a raiva do Gustavo por ter me encontrado nos braços do meu ex, ele
não deveria falar assim comigo. Não aguentei a raiva que senti ao ouvi-lo
me chamar de “vagabunda” e dei um tapa em seu rosto. Ele me olhou,
colocando sua mão onde eu havia acertado e disse:
— Adeus, Amanda.
— Ele nunca vai me perdoar, você tinha que tê-lo visto ontem,
parecia outra pessoa. Por que eu fui tão fraca? Maldita hora que o André
resolveu voltar para a minha vida.
— O que você sentiu com o André? Será que não seria o caso de,
quem sabe, dar uma chance?
— Meu Deus, Bia, como o tio está? Onde você está? Estou indo aí.
— Claro que eu vou. Estou saindo agora daqui, vou para casa e
espero vocês lá — digo, já me levantando, desligando meu computador e
indo para a sala da minha coordenadora avisar. Minha barriga já estava
maior, o que já dificultava um pouco os meus movimentos. Já tinha passado
da metade do quinto mês de gestação. — Fica tranquila, tio Nando é forte,
ele ficará bem. Até daqui a pouco, amo você.
Desde a nossa briga, ele não me atendeu, tentei por diversas vezes
ligar para ele. Deixei inúmeros recados com a Patrícia. Até mesmo fui ao
apartamento dele, mas ele simplesmente me ignorou em todas as
oportunidades. Ele mandava recados e perguntava como estava a gravidez
através da Patrícia ou da Bárbara, o que acabou tornando as duas amigas,
apesar da diferença de idade delas. Já que Pati já tem uns 40 anos e Bárbara
está ainda no auge dos 20.
Também não falei mais com o André, percebi que tudo realmente foi
um grande erro. Me deixei levar e não agi da forma que sempre agia, com a
cabeça. Depois daquele dia, tive ainda mais certeza de que ser mais racional
do que sentimental era a melhor coisa. Pois todas as vezes que me deixei
agir pelas minhas emoções, algo sempre saiu errado.
Beca falou que estava me ligando para contar que tinha chegado
naquele dia em Porto Alegre e perguntou se a gente poderia se ver. A
princípio, pensei em recusar, dizer que não estava bem. Mas então me
lembrei que sempre ficava feliz conversando com ela e que, naquele
momento, eu precisava de uma amiga, então acabei chamando-a para ir lá
para casa.
Ela chegou um tempo depois com uma bolsa com mudas de roupa,
uma pizza gigante e uma garrafa de vinho. Em outros tempos. falaria que era
o programa perfeito: uma linda mulher, pizza e vinho. Logo que me viu, ela
me abraçou forte, fazia meses que a gente não se encontrava pessoalmente e
estava com muita saudade dela.
Houve um tempo que eu acreditei que jamais amaria outra mulher que
não fosse a Beca. Ela dominava todos os meus sonhos e pensamentos.
Cheguei a escrever letras de músicas e poesias para ela. Mas, depois que
nos afastamos e comecei a conhecer outras garotas, vi que eu e Beca éramos
muito diferentes e que provavelmente não teríamos dado certo mesmo. Eu
sabia que jamais a esqueceria, mesmo que a gente não fosse amigos e nunca
mais nos falássemos, eu jamais a apagaria da minha memória. Beca foi meu
primeiro amor, minha primeira garota, ela sempre existiria nas minhas
lembranças e teria um lugar só dela no meu coração.
Como não tinha mais com quem conversar, me enfiei no trabalho para
ver se conseguia esquecer tudo o que havia acontecido. Depois de cinco
meses à frente da empresa, já estava completamente familiarizado com meu
cargo como CEO e acredito que estava desempenhando bem o papel.
— Sim, senhor, com seus pais está tudo bem. — Ela parece aflita
como se estivesse buscando as palavras para me contar. Então me dou conta
que possa ter a ver com a Amanda. — Aconteceu algo com as minhas filhas?
— Patrícia abaixa o olhar e meu coração aperta. — Fala — acabo gritando
sem querer com ela.
— Sr. a Bárbara acabou de me ligar, avisando que Amanda está indo
para São Paulo realizar uma cirurgia de urgência. Ela não conseguiu me
explicar muito bem o que aconteceu, pois estava muito nervosa. Mas, pelo
que entendi, se Amanda não realizar essa cirurgia ainda hoje, vocês podem
perder suas filhas.
Pela terceira vez na vida, sinto um aperto tão forte no meu peito que
chega a me faltar ar. O que estava acontecendo? Por que Amanda não me
ligou para falar que estava mal? Como assim eu posso perder minhas filhas?
Então me lembro da consulta que tivemos uns meses atrás, quando
descobrimos o sexo das meninas. A doutora havia explicado sobre a
possibilidade de desenvolvimento de uma síndrome rara. Será que era isso
que estava acontecendo?
— Patrícia, por favor, ligue agora para a dra. Lígia e descubra o que
está acontecendo. Irei para casa, arrumar uma mala e depois para São Paulo.
Assim que falar com a doutora, me avise e depois fale com o Lopes para
arrumar o helicóptero para me levar.
— Pode deixar, senhor — ela fala e já estou indo para o elevador
para ir para casa o mais rápido que conseguir quando a escuto me chamar,
me viro para ver o que ela quer. — Vai ficar tudo bem, não perca sua fé. —
Aceno com a cabeça para ela em sinal de agradecimento e vou para o
elevador.
— Para onde ela foi? — Então realmente Amanda estava com uma
síndrome que a médica nos disse que era rara.
— Cuidarei.
— Você deve pegar o primeiro voo que conseguir para São Paulo e ir para
o Hospital Pro Matre. É lá que o único médico do país especialista em Síndrome
de Transfusão Feto-Fetal atende. Você precisa ficar calma, o procedimento é feito
através de cirurgia a laser. Ele fará a separação das terminações nervosas, as veias
que ligam uma bolsa na outra, impedindo o desequilíbrio na circulação de ambos
os fetos. Assim, cada uma passará a receber os nutrientes necessários de forma
independente, ou seja, separada.
— Ok, ok…
— Amanda, vai agora para sua casa e vá para São Paulo. Entrarei
imediatamente em contato com o médico responsável de São Paulo para explicar a
situação e avisar que está indo para lá.
— Certo, farei isso. Obrigada, Dra. Lígia, obrigada por tudo — é tudo o
que consigo dizer.
Cheguei a mencionar que não fazia a menor ideia de quanto seria a cirurgia,
mas que acreditava que seria cara. Eu tinha um dinheiro guardado, mas não sabia se
seria o suficiente. Ela disse para que eu não me preocupasse com dinheiro, ela
arcaria com todas as despesas. Me falou que a única coisa que eu precisava fazer
era ficar calma e acreditar que tudo daria certo.
Nesse momento agradeci a Deus por ter minha família ao meu lado,
principalmente Bianca, e poder contar com o apoio incondicional dela. Bianca,
além de ter nascido em berço de ouro, tinha muito sucesso profissional, então
realmente dinheiro não era algo que preocupasse ela.
Estávamos quase decolando para São Paulo quando meu celular toca, olho
no visor e vejo que é a Beca, atendo:
— Oi, Guto, tudo bem? Está podendo conversar agora? — ela pergunta, e
sinto sua voz diferente do que costuma ser.
— Oi, Beca, na verdade não. Estou decolando para São Paulo agora. —
Não estou com cabeça para conversar agora. Tinha acabado de falar com minha
mãe por telefone e explicado o que estava acontecendo. Ela ficou apavorada e
disse que queria ir para São Paulo também, mas falei que era melhor ela ficar em
casa, pois eu ainda nem sabia como a Amanda estava. Prometi que, assim que
tivesse qualquer novidade, ligaria para ela.
— Aconteceu alguma coisa?
— Sim, Amanda precisará fazer uma cirurgia de urgência — digo com o
coração apertado.
— Meu Deus, ela está bem? Os bebês estão bem?
— Beca, eu não sei muito bem. Não falei com ela ainda, só sei que é uma
cirurgia de urgência, pois minhas filhas correm risco.
— Guto, fique tranquilo, vai ficar tudo bem.
— Você queria me falar algo?
— Sim, mas deixa pra outra hora. Não é o momento… — Estranho a fala
dela, Beca era uma pessoa que sempre falava o que pensava e que não gostava de
deixar as coisas para depois.
— Fala, Beca, sabe que pode sempre falar comigo. — Penso que talvez ela
queira falar algo da noite que estivemos juntos e que esteja com receio. Mesmo não
sendo o melhor momento para isso, a encorajo para falar, afinal, ela sempre está
pronta para me ouvir. Então eu lhe devo isso como amigo.
— Guto, eu pensei muito desde aquela noite e… bem, eu não penso em mais
nada além de em você. Em nós. — Meu corpo paralisa. — Sei que somos grandes
amigos, mas, o que estou tentando te falar é que estou apaixonada por você e queria
muito ficar ao seu lado. Depois de ficar contigo aquele dia, percebi que, em todos
esses anos, nunca conheci ninguém como você. A verdade é que eu te amo, sempre
te amei, só tinha medo de admitir.
Eu imaginava que ela falaria sobre aquela noite, talvez para dizer que tinha
se arrependido, que deveríamos esquecer o que aconteceu. Mas não esperava uma
declaração dessa. Nem quando nós éramos jovens e tivemos a nossa primeira vez,
ela me disse que me amava. Então, ouvir isso dela era algo inimaginável e
surpreendente.
— Beca, não sei o que te falar, eu não esperava por isso…
— Não tem problema Guto, sei que é uma loucura e que agora você precisa
pensar nas suas filhas, ficar ao lado da Amanda. Mas espero que, quando as coisas
melhorem um pouco, a gente possa sentar-se e conversar um pouco.
— Sim, claro que sim. Agora eu preciso desligar, vamos decolar. — Eu não
conseguia pensar nisso agora, meu pensamento era só um: Amanda.
— Tudo bem, vai com Deus, tudo dará certo. Amo você. Tchau, Guto.
— Tchau, Beca.
Desligo a chamada e demoro alguns instantes para processar o que estava
acontecendo. Realmente me pegou de surpresa. Beca me ama? Como assim? Mais
uma vez me arrependo da noite de bebedeira, não lembrava nem de metade do que
tinha acontecido, do que tinha falado para ela. Beca era minha melhor amiga, era
importante para mim, e não queria de maneira alguma perdê-la.
Então, minutos depois Lopes, fala que está tudo pronto e decolamos rumo à
São Paulo.
A ssim que
chegamos em São
Paulo, Lopes me
informou que o carro que Patrícia alugou para mim já estava à minha espera.
Então, após me despedir dele, peguei o carro e fui direto para o endereço do
hospital que ela me passou. Lopes era o piloto da minha família há muitos
anos e, sempre que eu precisava, ele me atendia. Era bem raro eu viajar com
o helicóptero da família, achava um “luxo” desnecessário, mas hoje não
pensei duas vezes antes de chamá-lo.
O endereço que Pati me passou era do hospital Pro Matre, que é uma
referência no Brasil e o único que dispõe de uma equipe especializada no
problema que está acontecendo com a Amanda.
Logo que cheguei, fui muito bem recepcionado, fiquei admirado com
a eficiência e cordialidade dos funcionários. Me aproximei do balcão
principal da recepção e perguntei para uma das atendentes, uma moça muito
elegante e simpática:
— Bom dia, gostaria de informações sobre uma paciente que veio
fazer uma cirurgia de emergência.
— Bom dia, senhor, qual seria o nome da paciente?
— É Amanda Barros.
— Ok, um minuto por gentileza. — Ela digita no seu computador. —
O senhor é da família?
Fiquei meio sem saber o que responder, mas, se não falasse que era,
provavelmente ela não me daria nenhuma informação. E, por outro lado, não
seria uma grande mentira. Afinal, sou o pai das bebês.
— Sim, sou namorado dela. Ela está grávida e parece que ocorreu
uma complicação. Eu não consegui vir antes com ela.
— Certo, neste momento ela está em cirurgia. Não tenho como lhe
passar maiores detalhes, apenas quando o médico terminar. Mas não se
preocupe, ela ficará bem, está em boas mãos. O senhor pode ir para o
terceiro andar e aguardar na sala de espera.
— Ah, ótimo, obrigado. Sabe me dizer se ela veio acompanhada? —
Por um momento, pensei que talvez ela pudesse ter vindo com o André e uma
onda de ciúmes atravessou meu corpo. Como nunca mais conversamos, não
sabia se ela tinha ou não voltado com ele.
— Sim, ela chegou acompanhada. — Meu coração aperta. — Sua
acompanhante se chama Bianca Cardoso.
— Ah, sim, é a prima dela, que bom que ela está aqui. — Não
consigo disfarçar minha felicidade por saber que ela veio com a Bianca.
— Qual o seu nome? Irei lhe dar uma identificação para liberar sua
entrada.
— Gustavo Medeiros.
— Aqui está Sr. Medeiros, cole essa etiqueta em um lugar visível. A
sala de espera fica no terceiro andar. O elevador fica à esquerda. Posso lhe
ajudar em algo mais?
— Não, muito obrigado por sua atenção.
— Não há de quê. Tenha um excelente dia.
— Obrigado, você também.
Após me despedir da recepcionista, sigo conforme sua orientação
para o elevador. Entro e vou para o terceiro andar. Assim que chego, vejo
outra recepção e mais para a direita uma sala com paredes de vidro. Vejo
uma moça loira sentada sozinha lá dentro. Ela parece estar fazendo uma
oração, com a cabeça um pouco abaixada apoiada nas mãos. Assim que
levanta um pouco o rosto, percebo que é a Bianca, então vou até ela.
— Bianca? — pergunto em voz baixa, pois ela ainda está de olhos
fechados e não quero assustá-la. Ela, então, os abre e parece surpresa com
minha presença.
— Gustavo, oi, como você? Você já sabe? — Ela se levanta surpresa
ao me ver ali, e noto que seus olhos estão vermelhos e inchados, acredito
que estivesse chorando.
Desde que conheci Bianca, achei ela uma boa pessoa, na verdade,
ela era bem parecida com a Amanda. E a relação delas me lembrava muito a
minha com o Rick. Elas não eram apenas primas, eram amigas, na verdade
eram irmãs. Gostei de Bianca, desde o primeiro dia e fiquei feliz em
perceber que era recíproco, pois Amanda sempre me falava o quanto Bia
dizia para ela que a gente combinava. Bianca também me enviou algumas
mensagens depois da minha briga com a Amanda, mas assim como fiz com
ela, a ignorei.
— Sim. A Bárbara falou para a Patrícia. Eu vim o mais rápido que
pude. Tentei ligar para vocês, mas os celulares estavam fora de área. Como
ela está, Bianca? O que aconteceu?
— Provavelmente, quando você ligou, já estávamos no avião, foi
tudo muito rápido. Ela foi na consulta semanal e a dra. Lígia detectou que
uma das bebês estava puxando o líquido da bolsa da outra. Esses casos são
raros, mas acontecem em gravidezes gemelares. Então, ela orientou que
Amanda deveria vir imediatamente para cá e realizar o procedimento para
separação das bolsas — fala como se estivesse no automático e como já
tivesse contado aquela história para muitas pessoas.
— Mas ela estava tão bem, como aconteceu isso de uma hora para
outra? — Pergunto pois ainda não tinha conseguido entender o que realmente
estava acontecendo.
— Não é comprovado, mas muitos estudos apontam que quando as
gestantes passam por picos de emoções, podem acelerar ou desencadear
isso. Após o término de vocês, Amanda já ficou bem abalada e há uma
semana meu pai sofreu um AVC, o que foi um grande choque para a nossa
família. Isso pode ter abalado o emocional dela e agravado a situação — me
explica e vejo que está realmente emocionada. Sinto vontade de abraçá-la,
pois não consigo ver alguém sofrendo e não fazer nada. Mas, ao mesmo
tempo, imagino que ela não gostaria disso então não o faço.
— Eu não sabia, sinto muito. Seu pai está bem? — Sou sincero.
— É, Gustavo, você não sabia, porque simplesmente não atende, a
ignora completamente. Sei que o que ela fez te magoou, mas ela está grávida
e você é o pai. O mínimo que se espera é que acompanhe a gravidez — ela
explode, como se estivesse guardando aquilo por muito tempo. Em outros
momentos, eu tentaria me justificar, mas, entendia que sua raiva não era
apenas para mim, era para a situação. Provavelmente ela estava ainda muito
abalada com o problema do pai, sabia que Bianca era muito apegada a ele. E
agora com Amanda passando por cirurgia, ela estava sobrecarregada. —
Sim, meu pai está em casa se recuperando. Ainda é cedo para sabermos se
terá sequelas permanentes, mas acredito que ele ficará bem. Ele sempre foi
muito saudável — fala por fim, voltando a se sentar nas cadeiras da sala de
espera.
As palavras dela foram como um soco no meu estômago, ela estava
certa, por mais que estivesse magoado com a traição da Amanda, eu deveria
acompanhar a gravidez. Talvez se estivesse ao seu lado ou se pelo menos
conversasse para saber como estava, saberia o que estava acontecendo e
poderia ter ajudado.
— E como ela está? O médico falou alguma coisa? — Tento me
concentrar no agora.
— Ainda não, faz mais de uma hora que ela entrou para a cirurgia.
Não nos resta outra coisa, a não ser esperar — fala, desanimada.
— Entendi. Vou pegar um copo d’água, desde que soube corri para cá
e não tomei nem comi nada, estou com a garganta seca. Quer um também? —
Não sei o que falar, pensar ou fazer. Me sinto perdido e angustiado.
— Não, obrigada, acabei de tomar um chá.
Fui para o corredor, em busca de um bebedouro, localizei um e me
servi de um copo de água. Meus pensamentos estavam a mil, então me
lembrei da ligação de Beca. Não acreditei no que estava acontecendo, justo
agora ela tinha que reaparecer na minha vida?
Eu me apaixonei por ela, fiquei mal quando ela me dispensou na
adolescência, demorei muito para me recuperar e entender que seríamos
apenas amigos. Mas consegui superar aquilo e ela se tornou minha melhor
amiga e desde que perdi o Rick, a única. Sabia que sempre poderia contar
com ela e aquilo me fazia bem. Beca era uma das poucas coisas na minha
vida que me davam felicidade.
Depois da noite que passamos juntos, me culpei muito por ter feito
aquilo, estava mal por ter visto a Amanda com outro e me deixei levar pela
bebida. Aquilo foi totalmente errado, mas, como Beca sempre foi tranquila e
desapegada, acreditei que com o tempo tudo ficaria bem e voltaria a ser
como era antes. Nos últimos anos, Beca teve alguns relacionamentos, nenhum
longo ou realmente sério, mas volta e meia ela me contava sobre algum cara
com quem estava saindo. Eu até mesmo dava conselhos para ela, mas não
sabia se ela seguia muito, pois sempre me falava que eu era um cara fora da
curva e não pensava como os outros. Que eu era romântico e sonhador
demais.
Mas nem nos meus sonhos imaginei ouvir Beca falando que me
amava e que queria ficar comigo depois de tantos anos. Ela sabia de toda a
minha história com a Amanda, sabia que estava apaixonado, mas, mesmo
assim, estava disposta a ficar comigo. Isso me balançou, afinal, não era
qualquer mulher, era a Beca. A minha Beca, a minha primeira garota, a
menina que eu vi se tornar mulher. Eu estava muito confuso, tivemos tantos
momentos para isso acontecer. Mas agora estou esperando neste corredor do
hospital, sem saber o que o médico me dirá quando sair da sala de cirurgia.
Minha vida virou de pernas para o ar nos últimos meses e meu único
desejo é que elas se salvem. Eu não consigo imaginar minha vida sem
minhas filhas, eu já sonho com elas nos meus braços. Sonhos com seus
rostinhos, com seus sorrisos. Imagino como serão nossos momentos juntos.
Quando nascerem os primeiros dentinhos, quando elas derem os primeiros
passos ou quando me chamarem de “papai”. Sempre ouvi dizerem que as
mulheres se tornam mães assim que descobrem que estão grávidas, mas que
os homens só se tornam pais quando o filho nasce.
Realmente eu era um cara fora da curva, pois me senti pai na noite
em que Amanda me contou sobre a gravidez. Quando saí do seu apartamento,
olhei para o céu e vi a lua, eu me senti pai.
Sabia que a partir daquele momento minha vida jamais seria a
mesma, talvez muitos ficassem assustados, ou até com vontade de fugir,
afinal não é todo dia que se descobre que será pai, ainda mais de gêmeos.
Mas eu não. Claro, foi uma surpresa, um choque até cair a ficha, mas em
nenhum momento eu quis correr. Pelo contrário, eu já senti o amor
incondicional que as pessoas falam que só conhecemos quando temos um
filho. Eu senti que faria qualquer coisa, que seria qualquer coisa que meus
filhos precisassem.
Eu sou completamente apaixonado por elas, mesmo sem ainda nem
conhecer, tinha certeza de que elas são um presente de Deus para a minha
vida e, por mais que eu não consiga entender hoje o porquê disso estar
acontecendo conosco, sei que Deus não irá tirá-las de mim, pois não
conseguirei aceitar perder a minha razão de viver.
—Amanda. Amanda, acorde, já acabou.
Escutei uma voz chamando pelo meu nome. Tentei abrir
meus olhos, mas não consegui pois tinha uma luz muito clara em cima de
mim. Instantes depois forcei novamente e dessa vez consegui abri-los.
Demorei um pouco para lembrar onde eu estava e o que estava acontecendo.
A cirurgia. Estou no hospital. Foi quando uma moça parou do meu lado e
falou:
— Bem-vinda, Amanda, você dormiu bastante. Sua cirurgia já
acabou há cinco horas. O doutor logo virá até aqui para conversar com você.
— Eu dormi tudo isso? Minhas filhas, minhas filhas estão bem? —
pergunto, recuperando a minha consciência. Como será que foi a cirurgia?
Será que deu tudo certo? Preciso saber como elas estão, se correu tudo bem.
— Fique tranquila, o médico tirará todas as suas dúvidas. Agora,
você gostaria de beber ou comer algo? Como você dormiu muito, deve estar
com fome.
— Sim, estou com sede, por favor, pode me dar água? — peço, por
mais que não tenha comido nada o dia inteiro e nem saiba direito que horas
eram, não estou com fome, a única coisa que quero é saber como estão as
minhas filhas.
— Claro, irei trazer junto com o seu jantar. Volto daqui a pouco. Se
precisar de qualquer coisa é só apertar neste botão. — Ela aponta para um
botão ao lado da minha cama e que apenas esticando a mão eu conseguia
alcançar.
— Sabe me dizer se já posso ver a minha prima? Ela deve estar
preocupada comigo.
— Não se preocupe, o médico já conversou com ela e com o seu
namorado. Logo depois que o doutor lhe atender, você será transferida para
o quarto e então poderá vê-los.
“Seu namorado”? Será que a enfermeira estava falando do namorado
da Bia? Será que Beto tinha vindo até São Paulo ficar com a gente? Não
duvidava, Beto era um cara maravilhoso e com certeza estava preocupado
como se fosse da minha família.
Vejo a enfermeira sair e então olho ao redor percebendo que estou na
sala de recuperação. Levanto um pouco o lençol que me cobre e noto dois
pequenos curativos na minha barriga. Um deveria ser do aparelho do laser e
o outro da câmera que eles colocam para conseguirem me ver por dentro.
Não imaginei que dormiria por tanto tempo depois da anestesia, acho que
agora tinha passado todo o efeito, pois minha ansiedade voltou e tudo o que
queria era saber como minhas filhas estavam e se tinha corrido tudo bem
durante a cirurgia.
Não sei dizer quanto tempo se passou, mas, para mim, pareceram
horas até que o médico veio falar comigo. Eu já havia comido a sopa que a
enfermeira me trouxe. Tentei falar que não estava com fome, mas ela insistiu
dizendo que eu precisava me alimentar. Então, acabei comendo e preciso
confessar que estava muito boa, nem parecia ser comida de hospital.
— Olá, Amanda, como você está se sentindo? — pergunta o médico
ao chegar perto da cama onde estava. Ele aparentava ter uns 50 e poucos
anos, era alto, magro e careca. E me transmitia muita segurança e calma.
— Ansiosa. Por favor, me diga, como minhas filhas estão?
— Estão bem. A cirurgia correu bem. Mas, a partir de agora, teremos
uma nova batalha.
— Como assim, doutor, eu ainda corro risco de perdê-las?
— Durante o procedimento, pode ocorrer que uma parte da
membrana fetal se romper e acabar ficando pontas “soltas” dentro da
placenta. O que pode ocasionar de uma dessas terminações enroscar em um
dos fetos e acabar gerando má formação. Durante sua cirurgia, infelizmente
a membrana rompeu e agora está solta dentro da placenta. Então, você
precisa fazer o menor esforço possível. Isso significa ficar a maior parte do
tempo deitada, pois sua gravidez é de alto risco. — Não consigo falar nada,
achava que, com a cirurgia, tudo terminaria e ficaria bem. — Sei que deve
estar nervosa, mas peço que tenha calma e que seja forte. Você é uma mulher
nova e tem tudo para ficar bem. Tenha fé que dará tudo certo. Bom, agora
deixarei você descansar e, se amanhã acordar bem, já poderá sair de alta e
voltar para casa. Tenha uma boa noite, Amanda.
— Obrigada, boa noite, doutor — é tudo o que consigo dizer.
“So maybe
“Então, talvez
Maybe we were always meant to meet
Talvez sempre tenhamos sido feitos para nos encontrar
Like this was all our destiny
Como se este fosse todo nosso destino
Like you already know
Como se você já soubesse
Your heart will never be broken by me
Que seu coração nunca seria partido por mim
So is it crazy
Então, é louco
For you to tell your friends to go on home?
Para você, dizer aos seus amigos irem para casa?
So we can be here all alone
Para que possamos ficar aqui sozinhos
Fall in love tonight
Nos apaixonando nesta noite
And spend the rest of our lives as one”
E passando o resto de nossas vidas como um só”
“Bom dia,
Como você está? Passou
bem a noite?”
Espero alguns minutos, ainda são seis e meia, ela deve estar dormindo,
como está de atestado por 15 dias, não precisa se levantar cedo para trabalhar. Já
eu tenho várias reuniões hoje, a primeira será às oito e meia, então, depois de
tomar meu café, vou me arrumar para ir para a empresa.
Foi tudo muito rápido, em um momento, estava feliz, em casa, íamos ver um
filme e comer pipoca. Eu e o Gustavo estávamos cada dia que se passava mais
unidos. Eu sentia que aos poucos a mágoa que ele tinha por mim estava sumindo, eu
conseguia ver no seu olhar que aos poucos aquela barreira estava caindo. Em
muitos momentos, sentia vontade de conversar com ele sobre tudo o que aconteceu,
mas então me lembrava das palavras de Beca e desistia.
Agora eu estava aqui nesta sala de cirurgia, o médico falou que precisamos
fazer o parto das meninas ou elas correriam risco de vida. Eu ainda não estava
pronta, eu pensei que teríamos mais tempo. Eu ainda estava arrumando os últimos
detalhes do quarto delas, mas não tinha nada que eu pudesse fazer, a não ser, ser
forte.
— Eu estou aqui, vai dar tudo certo. — Gustavo me diz, ele fez questão de
assistir ao parto. Ele estava segurando a minha mão.
— Guto, eu estou com medo… — Eu sabia que um parto neste período da
gestação era muito arriscado, então estava apreensiva.
— Shhh, vamos ficar bem, seja forte.
— Vamos começar.
O médico anestesista fala e aplica a anestesia. O quarto está cheio de
médicos, pelo meu histórico clínico, eu acabei chamando a atenção de muitos
médicos que me usavam de “exemplo” para suas aulas. Por essa razão, meu parto
era muito esperado no hospital.
Acho que a anestesia fez efeito, pois vejo que eles começam a realizar os
procedimentos. Sinto uma onda forte de calor invadindo meu corpo, olho para o
teto e tento acalmar minha respiração, mas sinto dificuldade. Não escuto bem o que
os médicos e enfermeiros estão falando. Meu coração começa a acelerar.
— Amanda, a Isa nasceu.
Gustavo fala no meu ouvido, tento forçar um pouco meus olhos, mas não
consigo enxergar com nitidez. Alguns minutos depois, sinto muito calor e está cada
vez mais difícil de puxar o ar, não sei o que está acontecendo. Começo a ouvir um
barulho agudo, como um apito. Tento olhar para o lado, mas não tenho força para
virar minha cabeça.
— A Manu chegou, elas nasceram, elas nasceram — Gustavo fala no meu
ouvido e lágrimas escorrem do meu rosto. “Obrigada, meu Deus”. Me esforço para
olhar para Gustavo.
— Gu… — quero falar, mas meu peito está doendo, preciso ser forte —,
por favor.
— O que foi, Amanda? O que você tem? Doutor, minha mulher, minha
mulher….
— Cuide delas… — Está cada vez doendo mais, não consigo escutar nada,
não consigo respirar direito. “Deus, me ajuda, eu preciso falar, eu preciso falar”:
— Eu te amo.
Não escuto mais. Não vejo mais. Não dói mais.
—Você acordou… — Abro meus olhos e vejo minha mãe. Não
sei bem onde estou. — Graças a Deus, minha menina. Como
você se sente?
— Bem, mãe, minhas filhas…
— Fique calma, meu anjo, elas estão na UTI, mas estão bem.
— O que aconteceu?
— Você teve duas paradas cardíacas, eles precisaram te reanimar.
Meu anjo, quando o Gustavo nos contou, eu quase morri. Mas Deus é bom e
você é forte.
— Eu não lembro, só lembro de me sentir muito mal… eu pensei que
iria morrer, onde está o Gustavo?
— Ele está com as meninas na UTI, eu vou avisar que você acordou.
O coitadinho não tem saído do seu lado, agora que foi lá ver as meninas.
pois tem horário para visitá-las…
— Eu quero ver elas, mãe.
— Você verá, mas o médico antes precisa te ver. Calma, vou lá
avisar e chamar o Gustavo.
Alguns minutos depois, o médico veio me ver e disse que eu poderia
ir no próximo horário de visitas ver as meninas. Ele me explicou que
infelizmente meu leite secou e eu não conseguiria amamentá-las, o que me
deixou muito triste. Então, vejo Gustavo entrando no quarto, ele parece muito
abatido, diferente do que sempre aparenta.
— Oi, como você está?
Ele pergunta e me dá um beijo na testa. Apesar de não me lembrar de
tudo o que aconteceu, lembro do medo que senti de morrer. Eu precisava
falar para o Gustavo o que eu sentia por ele antes de partir, e eu consegui.
— Oi, estou bem. Como elas são?
— Lindas, são as coisas mais lindas que eu já vi na vida. Elas são
pequenas, mas são perfeitas.
— Graças a Deus… — Eu preciso contar para ele, contar tudo o que
estava sentindo. — Guto, eu tive tanto medo, eu achei que iria morrer… e
tive medo de morrer sem falar o que eu sinto…
— Mas você está aqui, você está bem. Logo estaremos em casa.
Amanda, eu também tive medo, quando você desmaiou, um pedaço de mim
morreu. Nunca achei que sentiria algo assim…
— Eu te amo, Gustavo, eu te amo de verdade, eu te amo com todas as
minhas forças — falo e vejo que os olhos dele se enchem d’água. — Me
perdoe por tudo o que eu fiz. Me perdoe por ter sido tão… tão idiota. Eu
tinha medo de abrir meu coração, pensei que sofreria de novo se o fizesse.
Mas agora eu percebo que fui uma idiota. Você é maravilhoso e, mesmo
depois de tudo o que eu fiz, você não desistiu de mim, não largou a minha
mão… eu te amo muito e espero que um dia você realmente me perdoe.
— Minha linda, minha Amanda, eu te amo, eu já te perdoei há muito
tempo. Ninguém é perfeito, eu também não sou. Tudo o que eu mais quero é
ficar ao seu lado com nossas filhas. Tudo o que eu mais quero é que a gente
seja uma família.
— Gustavo Medeiros, quer namorar comigo? — repito a pergunta
que ele havia feito meses atrás para mim. Na época, não estava pronta, na
verdade, tinha medo de me apaixonar e sofrer. Mas agora, agora eu percebia
que a vida era muito curta para desperdiçarmos com medos.
— Sim.
Então ele pega meu rosto e me beija. Como senti falta desse beijo.
Como senti falta dele. Demorei muito para entender e aceitar esse
sentimento, tive medo e fui fraca. Mas agora percebo que o Gustavo é tudo o
que sempre sonhei, ele é o meu amor.
1 mês depois…
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Meu conto que não é de fada
Emily é uma garota que desde pequena tem um objetivo: ser a melhor
advogada dos Estados Unidos. Ela nunca perdeu tempo pensando em
romances e relacionamentos. James não queria assumir o escritório da
família, se achava muito novo e vivia dizendo que este era o sonho do seu
irmão, não o dele. Seu objetivo era rodar o mundo com uma mochila nas
costas e mulheres ao seu lado. Cada um tinha um objetivo, mas depois de um
simples encontro tudo mudou. O amor não escolhe o momento ou a pessoa, e
agora Emily e James teriam que aprender a lidar com suas emoções, mas
seria fácil, afinal, o amor sempre vence. Será?
Três anos após sua maior perda, Emily finalmente se formou na faculdade e
está prestes a abrir seu próprio escritório de advocacia junto com sua amiga
Mari.
James se manteve afastado e recluso durante esse tempo, mas nem um dia
sequer esqueceu Emily. Agora ele estava de volta a Nova Iorque e disposto a
ficar novamente com ela.
Três anos é bastante tempo, Emily não é mais a mesma que James conheceu,
será que depois de tanto tempo ele conseguiria reconquistá-la?
Nesta continuação você encontrará, um casal em busca de uma segunda
chance, que enfrentarão não só inimigos reais, como também a escuridão de
suas próprias almas.
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