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DE REPENTE CEO E PAI

Copyright © 2021 by Gabi Verran


Capa e diagramação: Rani Gouveia
Revisão e Preparação de Texto: Mariana Rocha
Leitura crítica/Beta: Cátia Oliveira e Luana Borges da Silva

Todos os direitos reservados a Gabi Verran 2021.


Publicado de forma independente por Gabi Verran pela Amazon.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento
por escrito do autor.
Criado no Brasil.
Um encontro. Uma noite. Duas vidas.

Amanda estava cansada dos seus relacionamentos amorosos


fracassados, então decidiu curtir a vida de solteira, levando a sério seu novo
lema: “Pegar e não se apegar”.
Apesar de nunca ter tido um relacionamento sério, Gustavo acredita
no amor, só que as garotas parecem fugir do seu papo. Ele é um dos donos da
maior empresa de marketing digital do país, mas gosta mesmo é de ficar com
seus funcionários, nada de ficar isolado no andar da presidência.
Então, em uma festa, o “acaso” resolveu juntá-los e bastou uma
simples troca de olhares para que tivessem uma noite inesquecível. Porém, o
destino tem outros planos, Gustavo acaba se tornando o CEO da G&R
Marketing. E Amanda, que queria só diversão, descobre que está grávida.
E, agora, Gustavo formará a família que sempre quis? E Amanda
abrirá mão da sua liberdade?
Descubra nesta história que com certeza irá mudar sua visão sobre o
amor.
(Escaneie com ou clique na imagem)
Notas da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Agradecimentos
Biografia/Contato
Outras obras
Oi pessoal, tudo bem?
Gostaria de agradecer por ter baixado o livro e dado uma
oportunidade para conhecerem a história da Amanda e do Gustavo. Irei
torcer para que sua experiência com a leitura seja incrível, com direito a
diversas emoções que tentei transmitir ao longo da história.
Só gostaria de dizer, antes de você começar, que vale lembrar que
esta é uma obra de ficção e, que por mais que pesquisas tenham sido
realizadas de determinados assuntos sérios citados, alguns detalhes podem
não corresponder totalmente com a realidade, pois quis contá-los assim. No
entanto, caso você ache que algum erro grave tenha sido feito sobre a
abordagem de determinado assunto, por favor não deixe de me procurar para
que eu arrume.
Esse livro tem conteúdo adulto, desta forma sua leitura é
recomendada para maiores de 18 anos.
Um beijo da amiga
Autora Gabi Verran.
“Para minha grande amiga, cuja a força sempre foi fonte
de inspiração para mim. Vanessa, esta história é para você.”
S empre pensei que,
quando tivesse meus
vinte e sete anos, já
estaria casada há, pelo menos, uns quatro anos. Teria dois filhos. Moraria
em uma casa com um jardim bonito. Teria um cachorro e um emprego onde
seria realizada financeiramente e profissionalmente.
É, desde nova planejei o futuro com a vida perfeita, como nos filmes
que cresci assistindo com famílias “comercial de margarina”.
Mas ninguém me contou que a vida real é bem diferente e agora estou
aqui, sentada na tampa de um assento sanitário de um banheiro público de um
supermercado, esperando os cinco minutos mais longos da minha vida e me
perguntando:
“Amanda, que merda você fez? ”
Não acreditei no que estava acontecendo, justo agora ela tinha que
reaparecer na minha vida?
Eu me apaixonei por ela, fiquei mal quando me dispensou e vê-la
novamente mexeu comigo, ela está aqui, ela diz que nunca me esqueceu e que
está pronta para um relacionamento sério.
Mas agora estou esperando neste corredor do hospital, sem saber o
que o médico me dirá quando sair da sala de cirurgia.
Minha vida virou de pernas para o ar nos últimos meses e meu único
desejo é que elas se salvem.
C
omecei a namorar muito
nova, quando tinha
quinze anos, o Pedro foi
meu primeiro amor, ao lado dele, me descobri mulher, descobri os prazeres
do sexo, estávamos com os hormônios à flor da pele e sempre fazíamos
loucuras. Ele era um ano mais novo que eu, nos conhecemos no colégio. Ele
era um garoto bem normal, tinha cabelos pretos, olhos castanhos e um nariz
levemente comprido. Não, ele não era um modelo de beleza, mas, aos 14
anos, os garotos ainda estavam em desenvolvimento. Eu era completamente
apaixonada por ele, namoramos por cinco anos e na minha cabeça iríamos
ficar o resto da vida juntos. Sim, desde pequena eu tinha minha vida dos
sonhos planejada, Pedro e eu já tínhamos escolhido os nomes dos nossos
dois filhos. Nossas famílias eram amigas, nossos amigos eram amigos, não
tinha como dar errado, era a coisa mais certa na minha cabeça: Pedro e eu
éramos para sempre.
Até o dia que comecei a descobrir uma mentira ali, uma saída sem
avisar aqui, uma foto dele na rua beijando outra garota… Sim, durante todo o
relacionamento que eu considerava ser o “conto de fadas”, o safado do meu
ex me chifrou com Deus e todo mundo, inclusive, com uma garota que eu
considerava minha amiga. Hoje consigo ver como era cega, consigo me
lembrar de momentos que era nítido que havia traições e mentiras, mas que,
na época, eu não via, talvez por amor, talvez por ingenuidade, talvez por
burrice.
Eu demorei sim para descobrir, mas também, depois que descobri,
risquei ele completamente da minha vida. Sempre fui uma pessoa muito
racional, sim, eu o amava, sim sofri por ter descoberto que fui enganada, mas
eu me amava muito mais. Chorei durante exatos três dias. Quando todas as
lágrimas possíveis acabaram, me levantei, olhei no espelho e disse:
“Amanda, bem-vinda novamente, a partir de agora você é uma nova mulher.

E assim, aos meus vinte anos, após a primeira desilusão amorosa,
estava pronta para curtir a vida. Só que, é como dizem por aí: “As coisas
não são como a gente quer…” E exatos dois meses depois, lá estava eu
apresentando meu novo namorado para toda a minha grande família.
E, quando eu digo grande, não é exagero, tenho onze tios por parte de
mãe e cinco por parte de pai. Cada um tem pelo menos dois filhos, então
imagine como são as festas da minha família, meus aniversários nunca foram
comemorados em casa, pois nunca caberia nem metade dos parentes.
Conheci o João por uma amiga minha da faculdade, ele tinha um
estilo surfista, cabelos loiros com as pontas levemente queimadas pelo sol,
sua pele era bronzeada, quase que um dourado, seu corpo era magro, mas
com músculos bem definidos, o sorriso dele era o que mais chamava a
atenção, como brincava, ele tinha um sorriso “Colgate”. Ele era calmo e
engraçado. Nos demos bem logo de cara. Aos finais de semana, ele pegava o
carro, me buscava em casa e íamos para a praia. Ele me ensinou a surfar,
quer dizer, ele tentou muito me ensinar, mas eu não tinha muito jeito para
surfista. Eu tinha 1,62 m de altura, pesava na época uns 65 quilos, mas,
mesmo com a academia, meu porte físico não era tão atlético. Nunca liguei
muito para minha aparência, eu me achava bonita e isso me bastava, talvez
para algumas pessoas poderia parecer prepotente ou metida, mas não era
isso, eu simplesmente me achava linda e me amava, e isso foi o problema
que ocasionou o fim de mais um relacionamento.
Estava com João há uns cinco meses e o que antes era só risadas e
alegria começou a se tornar sufocante e opressivo. O João se mostrou
extremamente ciumento, começou a implicar com minhas roupas, meu jeito
de andar e até mesmo de falar. Sempre fui muito expressiva, me dava bem
com todo mundo, tinha amigos homens e me divertia com eles. Mas, desde
que comecei a namorar o João, meus amigos começaram a se afastar e,
quando me dei conta, não estava falando com mais ninguém, apenas com
meus pais, pois morava com eles e com meu namorado.
Só que um dia ele fez uma cena que foi a gota d'água para mim:
“Estava terminando de me arrumar para sair com João, era sexta-
feira e havia conseguido convencê-lo a me levar para jantar fora. Resolvi
caprichar no visual naquela noite, coloquei um vestido preto tomara que
caia, ajustado no corpo, afinal, eu fazia academia todos os dias para
poder usar uma roupa assim, o pensamento me fez sorrir. Passei uma
maquiagem leve no rosto, nunca gostei de nada muito carregado, minha
pele era muito clara, então era difícil acertar o tom da base, na maioria
das vezes ficava parecendo um fantasma. Coloquei um colar de pérolas e
um par de brincos para combinar. E, nos pés, um salto scarpin, João era
bem mais alto que eu, então eu podia abusar na altura dos saltos. Terminei
minha produção e esperei ele chegar. Depois de uns quinze minutos
esperando, ouvi a buzina do carro do lado de fora de casa. Peguei minha
bolsa em cima da cama e fui.
Assim que entrei no carro, fui dar um beijo no João, mas ele se
afastou quando me aproximei:
— Que foi amor? — perguntei.
— Que roupa é essa, Amanda?
— Por quê?
— Você está parecendo uma puta.
Não acreditei no que ele tinha acabado de me chamar, “puta”? Por
usar um vestido? Quem ele pensa que era?
— Você está brincando, né?
— Eu não estou rindo, vai agora lá para dentro e troca essa roupa,
não vou te levar em nenhum lugar vestida assim.
— Realmente, João, você não me vai me levar em nenhum lugar.
Nem hoje, nem nunca mais. Eu não fui criada para ser submissa de homem
nenhum. Eu me visto da forma que eu quiser, se eu quiser andar pelada na
rua, o problema é meu.
— Amanda, gracinha, nem corpo você tem para essa roupa — João
falou em tom de deboche. Quem aquele filho da mãe pensava que era para
me tratar assim?
— Vai para o quinto dos infernos, seu machista de merda. — Saí do
carro e bati a porta. — E nunca mais apareça na minha frente, seu bosta.
— Quem ele pensava que era para falar assim comigo??? Naquele
momento, percebi que não o amava, nunca o amei, simplesmente engatei
um relacionamento com ele por não saber ser sozinha. Por estar
acostumada a namorar. Minha vontade foi de gritar e xingar ainda mais
ele. Mas não daria espetáculo na rua, ele não valia a pena. Dei as costas e
voltei para dentro de casa. Um minuto depois ouvi o barulho dos pneus do
carro cantando quando ele arrancou para sair. Depois que a adrenalina
baixou, peguei meu celular, liguei para uma amiga e me acabei na noite.
Talvez algumas garotas preferissem ficar em casa choramingando por
terminar um relacionamento dessa forma, mas eu não. Se pelo Pedro que
foi meu primeiro amor, o cara que realmente balançou meu coração, eu
logo segui em frente; com o João, não seria diferente. A real é que João
não chegou nem perto de me fazer me apaixonar. Resultado na noite?
Acordei no dia seguinte na cama de um cara que conheci na balada”.

Depois que terminei com o João me senti mais leve, voltei a sair com
meus amigos, todos eles me deram os parabéns pelo término e falaram que
nunca gostaram dele, pois ele parecia ser extremamente machista. E tive que
concordar, aos poucos o João mostrou sua verdadeira face e dei graças a
Deus por ter terminado cedo, jamais conseguiria viver ao lado de alguém
assim.

Uns meses depois estava focada na minha faculdade e no meu estágio


em uma multinacional, queria ser efetivada assim que me formasse. Então,
quase não estava saindo muito, saía uma vez ou outra nos finais de semana,
mas estava cada vez mais raro.
Um dia estava terminando um relatório no estágio quando minha
chefe me chamou na sala dela, fiquei um pouco apreensiva, pois ela nunca
havia feito isso. Larguei o relatório em cima da mesa e fui até sua sala. Após
bater na porta, escuto ela falar:
— Pode entrar.
— Com licença, Sra. Carina, boa tarde.
— Boa tarde, Amanda, tudo bem? Entra e sente-se aqui. — Então,
assim que entrei completamente na sala, notei que havia um rapaz sentado na
outra cadeira em frente à mesa da minha chefe, me questionei mentalmente
quem seria, pois não me lembrava de tê-lo visto na empresa. E com certeza,
se eu tivesse cruzado com ele, o teria notado, pois ele era muito atraente.
Alto, loiro de olhos verdes e porte atlético. Acenei para ele com a cabeça
em forma de cumprimento e me sentei ao seu lado, conforme a orientação da
minha chefe. — Então, Amanda, eu te chamei aqui, pois queria primeiro lhe
apresentar ao André, ele é o novo estagiário do setor, está no último ano do
mesmo curso que você.
— Oi, bem-vindo — falei, tentando soar o mais casual possível.
— Olá, prazer, muito obrigado, Amanda — respondeu ele com uma
voz que soou muito sexy, grossa e firme, pensei em como seria ouvir ele
sussurrar no meu ouvido. Sacudi a cabeça para afastar tais pensamentos e me
concentrar no presente. Sua voz contrastava com sua fisionomia, tinha um
estilo meio “mauricinho”, parecia ser muito certinho.
— Bom, a segunda coisa que gostaria de te pedir, Amanda, é para
apresentar a empresa para o André e treiná-lo, vocês irão trabalhar juntos.
Sua supervisora direta elogiou muito o seu trabalho e disse também que seria
muito bom se tivesse alguém trabalhando contigo, pois assim podem dividir
um pouco do volume de trabalho, tendo em vista que nos próximos meses
receberemos novos contratos, o que tende a aumentar bastante a carga.
Assim, gostaria de saber se posso contar com você para isso.
— Claro, eu agradeço muito o elogio e a oportunidade de fazer parte
deste time. No que depender de mim, eu e o André seremos uma bela dupla
— falei isso com sinceridade, estava feliz com o reconhecimento por parte
dos meus superiores e saber que teria alguém ao meu lado para poder ser um
apoio me deixava animada. Olhei para André, que estava sorrindo, “que
sorriso lindo”, ele me deu uma piscadela, como se já fôssemos uma dupla.
Acho que seria muito interessante trabalhar com ele.
— Bom, crianças, era isso, Amanda, por favor, faça o tour com o
André e depois, se der tempo comece a passar um pouco da sua rotina.
André, bem-vindo.
— Claro, senhora, obrigada mais uma vez — disse.
— Obrigado, Sra. Carina, pela oportunidade, acredito que eu e a
Amanda nos daremos muito bem. Podemos começar? — disse André já se
levantando, ao fazer isso e passar por mim, um aroma gostoso e marcante
invadiu minhas narinas, “nossa, que homem cheiroso”, era uma mistura de
loção de barbear com sabonete, um aroma que sempre me atraiu. Concordei
e fui apresentar para ele a empresa, que era gigante, e acreditava que não
daria tempo de conhecermos tudo naquela tarde.
Quatro anos depois…

O dia na empresa foi


corrido, mas eu
amava a adrenalina
de fechamento de mês, diferentemente do resto da minha equipe, que parecia
louca, correndo de lá para cá. Eu estava no cargo de analista financeira
desde que terminei meu curso de Gestão Financeira, fui promovida há três
anos, amava a empresa. Tudo o que aprendi desde minha época como
estagiária era exatamente o que sempre quis profissionalmente.
Depois de bater meu ponto, fui para o vestiário me trocar. Todos os
dias, depois do trabalho, eu ia para a academia do shopping, que fica a
poucos metros da empresa. Desde que terminei meu último relacionamento,
esta era a minha rotina: trabalhar, malhar, dormir e, nos finais de semana, ir
para as baladas para beijar na boca.
Fazia um ano que estava solteira, e tenho que admitir que estou na
melhor fase da minha vida. Emendei um namoro atrás do outro, o último com
o André, eu realmente não sei nem explicar como durou tanto. Namoramos
durante três anos e, como trabalhávamos juntos e eu praticamente dormia
todos os dias na sua casa, parecíamos que já estávamos vivendo como se
fôssemos casados.
André era cinco anos mais velho que eu, herdeiro de uma família
rica, dona de uma das maiores vinícolas do Brasil, ele morava sozinho em
um apartamento de luxo no bairro mais nobre da nossa cidade, Porto Alegre,
no Rio Grande do Sul. Então, o estágio para ele era apenas um hobby e uma
maneira de aprender um pouco mais sobre gestão financeira para o dia que
assumisse os negócios da família ter uma boa carga de conhecimento.
A gente se dava bem, ele logo de cara conquistou toda a minha
família. Já eu não posso dizer que agradei meus sogros da mesma forma.
Assim como eu, André era filho único, e desde pequeno foi mimado e
protegido pelos pais, principalmente por sua mãe. Ela até tentava ser
simpática nas poucas vezes que íamos para o interior do estado onde eles
moravam, mas nunca senti muito acolhimento por parte dela. André vivia
dizendo que era o jeito dela, mas meu sexto sentido nunca falhou.
E nosso relacionamento foi amadurecendo com o passar do tempo,
nós tínhamos afinidade, gostos parecidos, nossos grupos de amigos se davam
bem. Tudo era calmo e tranquilo. Calmo e tranquilo até demais. Eu sempre
fui muito ativa, sempre amei viajar, já o André era muito caseiro, no máximo
gostava de uma vez ou outra sair para ir jantar ou, em ocasiões muito
especiais, íamos em algum barzinho mais badalado. Fora isso, nossa rotina
se resumia em faculdade (quando eu ainda não havia terminado meu curso),
trabalho e casa, onde passamos a maior parte do tempo largados no sofá da
sala assistindo a séries e comendo besteiras. Nem o sexo era ardente como
foi um dia, bem no início do relacionamento. Simplesmente o meu
relacionamento com o André era monótono e, aos poucos, fui percebendo
que não era isso que eu queria para mim, eu não queria essa calmaria. Eu
tinha vinte e cinco, prestes a completar 26 anos, eu queria curtir, conhecer o
mundo, fazer história. Eu queria noites de sexo louco e selvagem. Eu queria
viver, simplesmente viver para que quando fosse velha tivesse boas histórias
para contar para os meus netos. E se tivesse continuado com André, isso não
aconteceria.
Então, em uma sexta-feira à noite, depois de uma semana cansativa
no trabalho, eu chamei André para irmos a um restaurante jantar, depois de
muita insistência para convencê-lo a sair de casa, ele foi e, quando
estávamos terminando de comer as sobremesas, eu declarei:
— André, eu quero terminar. — A princípio ele achou que eu
estivesse falando da sobremesa, depois que ele notou que eu estava séria,
quase derrubando uma lágrima, afinal, apesar de tudo, eu o amava. Não
nutria mais paixão de homem e mulher, o amor que eu tinha era de carinho,
de companheirismo. Ele era um bom namorado, mas simplesmente não era
bom para mim. Pelo menos não naquele momento.
— Como assim, amor, eu fiz alguma coisa que te chateou? Você
conheceu outra pessoa?
— Não, simplesmente percebi que não é isso que quero para a minha
vida agora. Eu sou nova, estou no cargo que sempre sonhei, ganhando um
bom salário, eu quero curtir a vida antes que o tempo passe. Eu quero viajar,
quero conhecer o mundo, quero conhecer pessoas, ter histórias para contar.
— Mas isso nós podemos fazer juntos, Amanda, eu estava esperando
nosso aniversário de namoro mês que vem para fazer o pedido de
casamento… estava organizando uma viagem legal para a Europa, como
você sempre sonhou… — disse ele com a voz já embargada.
— Me perdoa André, me perdoa mesmo, você é um cara
maravilhoso, até hoje o melhor que já conheci. Não tenho dúvidas que esse
seria o pedido perfeito, o sonho de muitas mulheres, mas não é o meu. Não
na fase em que estou. Espero de coração que entenda, e desejo toda a
felicidade do mundo para você. Sempre.
Depois me levantei da mesa, chamei um Uber e fui embora. Ele
nunca mais me procurou, mandou um amigo entregar as minhas coisas que
haviam ficado no apartamento dele. Também pediu demissão da empresa e
um tempo depois fiquei sabendo que havia se mudado para casa dos pais e
assumido o comando da vinícola da família. Não o julgo, provavelmente
faria o mesmo.
Pode parecer que fui fria na maneira como terminei com André, mas
não vejo assim. Sempre fui muito mais razão do que emoção, sempre fui
muito franca e sincera com meus sentimentos. Sei que, no fundo, André sabia
que fiz o certo, não tenho dúvidas que ele encontraria a pessoa certa, a
mulher que o amaria da forma que ele merece. Mas essa pessoa não era eu, e
no fundo, eu também torcia para quem sabe um dia encontrar meu verdadeiro
amor.
Então, eu estava fazendo exatamente tudo o que falei que faria, estava
trabalhando, viajando sempre que possível, principalmente com minha prima
e melhor amiga, Bianca, uma solteira convicta, e conhecendo muitas pessoas,
na sua maioria homens, com os quais eu fazia todas as fantasias sexuais que
sempre sonhei. Eu teria, sim, muitas histórias para contar para meus netos,
mas algumas seriam censuradas para menores de 18 anos.
Juli: Guto, eu gosto muito de
você, mas não quero
relacionamento sério agora.
Espero que a gente possa
continuar amigos. Beijos se
cuida gato. :*

Li a mensagem da Juliana no meu celular, nós estávamos ficando há


mais de cinco meses e, para mim, já era namoro. Achei normal convidá-la
para almoçar na casa dos meus pais no domingo, durante nosso passeio para
Caxias do Sul, que já estava planejando há duas semanas. Mas, pelo jeito,
ela não está na mesma vibe.
Estou com 27 anos e até hoje não tive nenhum relacionamento sério,
não sei se o problema sou eu ou simplesmente as mulheres de hoje em dia
não querem namorar. Sempre fui muito tranquilo, me considero um bom
partido, não sou nenhum Tom Cruise, mas não sou de se jogar fora. Tenho
gostos variados, bom, para falar a verdade, as pessoas costumam dizer que
sou um pouco nerd, mas não me vejo assim. Gosto sim de ler, assistir a
séries, gosto de filmes de super-heróis, mas também não perco um jogo de
futebol, principalmente do meu colorado.
Resolvi nem responder à mensagem da Juliana, se ela não quer nada
sério, também não vou ficar insistindo. Eu estava gostando dela, na verdade,
acho que já estava apaixonado. Eu era romântico e queria viver um amor
épico. Ou será que só as mulheres tinham direito a esse tipo de sonho?
Juliana era linda, a conheci em um show do Ed Sheeran que teve aqui
em Porto Alegre, então dá para imaginar que eu achei mágico o nosso
encontro, o cara é um dos cantores mais românticos da atualidade. Lembro
exatamente do momento em que nossos olhares se cruzaram, a Juli se
destacava na multidão que enchia a Arena do Grêmio, ela estava linda, seus
cabelos loiros e lisos estavam presos em um rabo de cavalo despojado. Uma
maquiagem leve realçava os azuis de seus lindos olhos. Ela estava com uma
calça preta e camiseta branca básica que se ajustava no seu corpo esguio.
Me aproximei dela e da amiga que a acompanhava, eu havia ido sozinho,
nunca tive muito amigos, mas isso não era problema, sempre curti minha
própria companhia. Ela abriu um sorriso e, no meio do refrão da música
“Kiss Me”, nos beijamos, música perfeita, momento perfeito, garota
perfeita...

“Kiss me like you wanna be loved


You wanna be loved, you wanna be loved
This feels like falling in love
Falling in love, we're falling in love”

Agora me restariam apenas lembranças. Resolvi sair logo da cama e


dar uma corrida no Parque da Redenção. Era manhã de sábado e o céu
estava lindo, com um sol gostoso. O parque ficava há uns 10 km de casa,
então iria de carro até lá.
Eu morava sozinho desde meus 17 anos, quando me mudei de Caxias
do Sul para Porto Alegre para trabalhar.

Depois de umas duas horas de corrida intercalada com caminhada,


resolvi comprar uma água em uma das barraquinhas espalhadas pelo parque.
Peguei minha garrafinha de água e me sentei embaixo de uma árvore para
esticar um pouco as pernas e recuperar o fôlego, o dia estava quente. Peguei
meu celular para conferir a hora e tinha uma mensagem do meu primo
Ricardo:

Ricardo: Fala, Guto, o que


tu vai fazer hoje à noite?
Eu: E aí, Rick, tô
de boa, e tu? Bah,
hoje estava
pensando em ficar
em casa…
Ricardo: Tô bem, nada
disso, irmão. Às onze, passo
na tua casa para te pegar,
vamos para uma balada top
na casa de um colega meu da
academia.
Eu: Ah, mano, não
tô muito em clima
de balada hoje…
Ricardo: Nem hoje nem
nunca, né, seu velho?! Não
aceito não. Até às onze.
Eu: Ok, mas se
estiver ruim, pego
um Uber e volto
pra casa, você
gostando ou não.

Era quase impossível falar não para o Ricardo. Ele era mais que
apenas meu primo, era meu melhor amigo e sócio. Tínhamos uma empresa de
marketing digital desde nossos 17 anos, éramos pioneiros no mercado, e
atualmente nossa empresa era referência nacional, tínhamos uma vasta
carteira de clientes, desde pequenas empresas até as multinacionais. Ricardo
era o CEO da G&R Marketing, ele desempenhava o papel de executivo com
excelência. Já eu, era o vice-presidente e diretor-geral de projetos, gostava
mesmo era de ficar com as equipes desenvolvendo os programas. Ricardo
tentou por diversas vezes me convencer a ficar com ele no andar da
presidência, mas não era o meu perfil. Preferia ficar com as máquinas e com
o pessoal da programação, ensinando e aprendendo, era o que me fazia feliz.
Sempre acreditei que todos os dias podemos aprender algo novo.
Depois de enviar mensagem para ele, resolvi voltar para casa, iria
dormir bastante até a hora da tal festa, vá que eu encontre alguém legal,
talvez valesse a pena dar uma chance para o destino.
—B

i, de quem é a festa que vamos hoje mesmo? — perguntei para a minha


prima, que estava acabando de sair do banho, enquanto eu estava fechando
meu sutiã.
— É do Beto, um cara da academia, ele é um gato, espero ficar com
ele hoje. — Bianca era muito bonita, diferente de mim, era alta e magra,
tinha cabelos longos e loiros, e olhos verdes. Para ela, ficar com quem tinha
vontade era fácil. Perdi as contas de quantos crushes dela já conheci, desde
o colégio ela é assim. E não pretende se amarrar tão cedo, mesmo já tendo
30 anos.
— É óbvio que você vai ficar com ele, espero me arranjar também,
não estou a fim de ficar sozinha por lá. Se não achar ninguém interessante,
volto para casa, tu já sabe.
— Mandi, relaxa, o Beto tem vários amigos gatos, você vai se dar
bem. Ei, vai com o vestido preto mesmo? — “Mandi era meu apelido”.
— Sim, ele fica bem em mim, realça minhas curvas. — Sempre fui
bem neutra no que se refere a roupas, nunca liguei muito para moda, vestia o
que me caia bem. Para esta noite, escolhi um dos meus vestidos básicos, ele
era ajustado no corpo, dois palmos acima dos joelhos, com mangas longas.
Como era outono, a noite em Porto Alegre sempre tinha um ventinho gelado.
Após terminarmos de nos arrumar, chamamos um Uber para nos levar
a festa, como sabíamos que beberíamos, não iríamos dirigindo.

Chegamos no bairro Bela Vista, um dos bairros mais nobres da


cidade, a festa seria em uma casa dentro de um condomínio fechado. Bianca
é endocrinologista, e assim tinha muitos amigos médicos e ricos. Apesar de
ter nascido em berço de ouro, pois seu padrasto era um dos mais renomados
médicos cirurgiões cardíacos do país, e a criou como se fosse sua filha de
sangue, ela não era nem um pouco mimada e esnobe. Bianca tinha todos os
motivos para ter sido uma adolescente rebelde, afinal, seu pai biológico,
abandonou sua mãe quando ainda estava grávida. Anos depois, reapareceu e
aplicou um golpe na família, sumindo novamente no mundo. Nessa época,
Bianca estava no início da adolescência, mas nem por isso se revoltou, pelo
contrário, continuou estudando e com o objetivo de ser uma grande médica,
assim como seu pai postiço, o tio Nando. Ele e a mãe dela se conheceram
por acaso no hospital na época em que ele fazia residência e a tia Tânia, o
pré-natal de Bianca, foi amor à primeira vista. E desde então estão juntos,
ele tentou ajudar na reaproximação de Bianca com seu verdadeiro pai, o que
lhe custou milhares de reais perdidos no golpe, mesmo assim ele não as
deixou e jamais falou qualquer coisa contra o safado do pai de Bi. Tio
Nando era um homem muito bom e, a meu ver, raro.
— Chegamos, top o lugar, né? — disse Bianca assim que passamos
pela guarita na entrada do condomínio.
— Sim, esse Beto é médico também?
— Sim, mas não estudei com ele, nos conhecemos na academia
mesmo, ele é dois anos mais velho, é ginecologista.
— Hum, entendi tudo, você quer é uma consulta grátis hoje, né?
— Só você, né, Amandinha, claro que não, quer dizer, não me
importarei se ele quiser me examinar. — E riu.
— Você não presta, Bianca.
— Ah, prima, relaxa, a vida é curta demais para desperdiçarmos as
oportunidades.
Chegamos na casa do tal Beto, a música vinha da parte de trás da
mansão, entramos pela lateral da casa, seguindo o fluxo das pessoas. Ao
chegarmos na área da piscina, fiquei impressionada com a quantidade de
pessoas que estavam lá, tinha muita gente. A decoração era meio havaiana,
bem no estilo tropical, o que me fez repensar meu modelito escolhido.
— Acho que não vim com a roupa certa — cochichei perto do
ouvido da Bianca, que mal havia chegado e já estava cumprimentando meio
mundo. Realmente minha prima era muito popular.
— Capaz, Amanda, você está um arraso. Olha o Beto lá, vem quero
te apresentar ele. — Olhei para a direção que ela apontava e avistei o tal
Beto, ele estava perto de um balcão, onde um barman preparava drinks
coloridos com frutas, enfeitando os copos. O Beto era alto, moreno, corpo
bem esculpido e seu rosto me lembrava o do ator Raphael Vianna, tive que
concordar com a Bianca, o cara era um gato.
— Oi, Beto, mais uma vez, obrigada pelo convite, está aqui é a
minha prima Amanda. Amanda, este é o Roberto, para os íntimos, Beto.
— Oi, prazer, Beto, bela casa — falei enquanto ele me
cumprimentava com um abraço e um beijo no rosto.
— Oi, Amanda, o prazer é meu. Sabe que foi difícil convencer sua
prima a aceitar o convite, ela não é fácil, hein? — Ri mentalmente, pois, se
tinha uma coisa que a Bianca não era, era difícil, mas se ela queria fazer
papel de difícil, então a ajudaria.
— A Bi é assim mesmo, não dá muita moral não, mas vale a pena. —
E riu.
— Tenho certeza de que vale — ele disse envolvendo o braço ao
redor da cintura da Bianca. Pelo jeito, fiquei de vela logo no início da festa.
— Bi, vou dar uma circulada por aí, tá? Depois nos vemos — falei
já me afastando, ao cruzar a piscina, virei de costas e vi que os dois já
estavam se beijando, pensei: “Essa foi rápida”. Resolvi fazer um tour por
dentro da casa, já que a porta da varanda estava aberta, pensei que não teria
problema.
A festa para a qual o Ricardo me levou estava um saco, sempre as
mesmas pessoas superficiais de sempre. Ele logo me deu um perdido e se
agarrou em uma das suas “amigas”. O Rick era gente boa, mas um solteiro
convicto, eu apostava que, quando ele se apaixonasse, ficaria de quatro pela
mulher.
Circulei um pouco pela área da piscina, mas a música que estava
tocando não fazia nenhum pouco meu estilo, na real, não sabia nem que
banda era aquela. Resolvi que iria embora mesmo, não estava em clima de
festa. Antes de ir, só daria um tchau para o Rick, depois chamaria um Uber.
Ele veio dirigindo, então eu voltaria sozinho. Cheguei perto do sofá que ele
estava sentado com a loira quase que em cima do colo dele e me abaixei
para que ele pudesse me ouvir:
— Mano, tô indo.
— Cara, mas já? Tá cheio de guria linda aqui, aproveita um pouco.
— Não tô no clima, amanhã quero acordar cedo para correr no
parque, vou nessa. Aproveita a noite aí.
— Beleza, te ligo amanhã.
— Valeu.
Mal me levantei e ele já voltou toda a sua atenção para a sua
acompanhante, mas não posso julgá-lo, realmente a mulher era uma gata, o
tipo de mulher que vira a cabeça de um homem, apesar de não fazer meu
estilo.
Entrei na casa pela porta da varanda, e ia em direção à porta da
frente quando uma porta lateral se abre e uma moça acaba esbarrando em
mim, o que acaba nos levando para o chão.
— Meu Deus, que susto, você está bem? — pergunto ainda tentando
assimilar o que havia acontecido.
— Me perdoa, acabei me desequilibrando na hora que ia saindo do
banheiro — disse a moça, que a esta altura estava com o rosto
completamente corado. Ela se levantou rapidamente, e começou a ajeitar seu
vestido que subiu um pouco demais na queda, revelando suas coxas bem
definidas. Então, me levantei e senti meu cotovelo latejar, acho que cai por
cima dele. — Você se machucou? Nossa, que vergonha, normalmente não sou
desajeitada assim e olha que nem bebi hoje.
— Não esquenta, não foi nada, acontece. — Então nossos olhos se
encontraram e nesse momento me esqueci completamente da dor no meu
cotovelo. Ela tinha os olhos de um castanho-mel que nunca havia visto, um
olhar que parecia me despir. Ela era linda, com sua pele clara e cabelos
castanhos um pouco abaixo dos ombros.
— Mais uma vez me perdoa — disse, me despertando. — Qual seu
nome?
— Ah é, Gustavo, muito prazer, e o seu?
— Amanda. Bom, Gustavo, eu já estava de saída, novamente me
desculpa, espero que esteja bem mesmo.
— Já vai embora? Ainda tá tão cedo. — Não quis falar que eu
também já estava de saída, pois na mesma hora que coloquei meus olhos
nela resolvi que a noite começou a ficar interessante.
— Ah, eu já ia, não me enturmei muito bem. E minha prima está com
o dono da festa lá fora, curtindo.
— Então por que a gente não pega alguma coisa para bebermos e
conversamos um pouco? Meu primo também tá ocupado. Na real, eu também
estava indo embora, mas agora posso desfrutar da sua companhia.
— Hum, bom, Gustavo, acho que podemos, sim, nos ocuparmos.
Espera aqui que vou pegar algo para tomarmos e aí procuramos um cômodo
mais “tranquilo”. — Apenas concordei com a cabeça e vi a bela Amanda
atravessando a área da piscina até alcançar o balcão principal, onde o
barman estava preparando diversos drinks tropicais. Essa mulher era
decidida e gata, muito gata, acho que, afinal, estava começando a valer a
pena ter vindo.
Uns minutos depois ela entra novamente na casa segurando dois
drinks azulados:
— Escolhi dois coquetéis com curaçau blue, espero que goste.
— Nunca tomei, mas estão bonitos, obrigado.
— Vem comigo, o Beto disse que podemos ficar no andar de cima, lá
é mais calmo.
— Quem é Beto?
— Ora, Beto é o dono da festa, tu não conhece? É um penetra? — ela
questiona com um olhar interrogativo, mas seu sorriso denuncia sua malícia.
— Eu vim com meu primo, ele que é amigo do dono da festa, não me
lembrava seu nome.
— Huuum, sei.
Ela pegou na minha mão e me guiou até a direção das escadas.
Normalmente eu que “chegava” nas mulheres, mas já havia percebido que
Amanda não era “qualquer” mulher. Ela tinha presença e era muito decidida,
talvez até um pouco intimidadora, mas isso só fez com que me sentisse ainda
mais atraído por ela.
Subimos as escadas e chegamos ao andar superior, a casa era extremamente
luxuosa. Logo avistamos uma porta aberta, Amanda soltou minha mão e
espiou por entre a porta.
— Perfeito, vem cá, Guto, é uma biblioteca. — Ouvir ela me chamar
pelo meu apelido teve um efeito direto no meu pau, eu estava há algum tempo
sem nenhum tipo de relacionamento. Apenas minha família e poucos amigos
me chamavam assim e ouvir meu apelido saindo daquela boca carnuda e com
aquela voz sexy, meio rouca, mexeu comigo. Ela entrou e a segui. Assim que
entrei vi que não era uma biblioteca, era “A” biblioteca. O cômodo era
amplo, todas as paredes tinham estantes cheias de livros que iam do chão ao
teto. No centro, um grande tapete com pelo alto, que parecia ser muito macio
e confortável, também tinha um sofá, que mais lembrava uma grande cama,
bem, no centro, o que passava um grande ar de aconchego e tranquilidade.
Eu poderia perfeitamente passar horas e horas naquele lugar com um livro
nas mãos.
— Uau, que lugar incrível. Amo livros e você? Gosta de ler? —
Amanda me perguntou enquanto andava pelo cômodo, passando sua delicada
mão esquerda pelos milhares de livros, perfeitamente dispostos nas
prateleiras das estantes.
— Amo, sou meio nerd, é o que dizem por aí.
— Não tem muita cara de nerd — ela diz parando de repente.
Caminho em sua direção, chegando em sua frente. Ela é quase da minha
altura, o que devo atribuir aos saltos altos que está usando. Então, a encaro,
seu olhar é instigante, questiono:
— E do que eu tenho cara, então?
— Neste exato momento, diria que de safado.
— E você gosta?
— Só poderei responder depois.
— Depois do quê? — pergunto chegando ainda mais perto, ficando
apenas a milímetros de distância de sua boca.
— Disso. — Então ela encurta a quase inexistente distância que tinha
entre nós e me beija. Seu gosto está doce, pelo drink que acabamos de tomar,
ela é quente, sua pele é macia. Nosso beijo se encaixa perfeitamente. Então,
a pego no colo e a prenso contra a estante atrás dela. Sinto o calor no meio
de suas pernas, minha ereção fica ainda mais apertada dentro das minhas
calças.
— Você é muito gostosa, Amanda — sussurro no seu ouvido, ela
morde minha orelha. Então, com ela no meu colo, a levo até o sofá no centro
da biblioteca. Coloco-a delicadamente sobre ele. Ela me encara e vejo
desejo em seu olhar. Essa mulher é uma perdição, fico na dúvida se paro por
aqui ou se me perco completamente em seus braços. Eu não sou o tipo de
cara que transa na primeira noite, sempre fui muito cavalheiro, mas essa
mulher mexeu completamente comigo.
— Vem cá, Guto, eu ainda nem comecei. — Ela começa a abaixar as
mangas do seu vestido preto, revelando um sutiã da mesma cor, tomara que
caia. Então se levanta levemente para retirar o vestido por completo, ficando
ali, deitada apenas de sutiã e sua minúscula calcinha de renda combinando.
Não digo nada, apenas a admiro de cima a baixo. E logo caminho até a porta
e ela acompanha com curiosidade meus passos. Fecho a porta que ainda
estava aberta e em seguida a tranco. Apago uma das luzes principais,
deixando apenas a iluminação amarelada das estantes, o que torna o
ambiente ainda mais aconchegante. Paro novamente na frente dela e tiro
minha camisa. Ela em nenhum momento desvia seu olhar do meu. Coloco as
mãos para desabotoar minha calça, mas ela se aproxima e deposita suas
mãos sobre as minhas, me parando.
— Deixa que eu faço — diz com sua voz rouca e sexy. “Deus me
ajuda aqui a me controlar”. Ela abre meu zíper e desliza minha calça para
baixo, me deixando apenas com minha cueca que está muito apertada neste
momento. — Acho que alguém aqui precisa “respirar” um pouco. — Antes
que eu pudesse falar, ela pega e tira minha cueca, nossa, que sensação boa,
liberdade, estava explodindo. E logo ela o encara e depois, com um sorriso
malicioso, me lança um olhar sugestivo, cara essa mulher vai me fazer
gozar só com o olhar, porra. Decido pegá-la de surpresa, me jogando sobre
ela, ela é muito cheirosa, me lembra cheiro de algodão-doce.
— Dois podem jogar esse jogo, gata. — Começo a beijar seu
pescoço, desço por seus seios, abaixo seu sutiã e deposito delicados beijos
misturados a mordidinhas. Sua pele é uma seda. Vou passando minha boca
por todo o seu corpo até chegar no meio de suas pernas, mas, antes que eu
fizesse mais um movimento, ela me puxa, me virando e montando sobre mim.
— Minha vez. — Ela faz o mesmo ritual que eu fiz, só que não para
quando chega ao meu pau, ela o engole, o que me faz contorcer embaixo dela
e gemer. Se ela continuasse, não conseguiria segurar. Puxo-a e a coloco
novamente embaixo de mim, então solto seu sutiã e abaixo sua calcinha.
Preciso me controlar, ela me olha, seus olhos são de puro desejo. Me
posiciono e a penetro, ela arfa quando meu pau a preenche completamente.
— Você é muito, muito gostosa, está toda molhada — sussurro e
começo a me movimentar.
— Isso, ah, que gostoso… — ela diz.
— Gosta assim? Fala para mim, Amanda, quero te ouvir, gostosa.
— Sim, assim, Guto, vai, hum…
— Amanda, você é uma delícia mulher, estou louco de tanto tesão…
— Então me fode gostoso…
— Tu gosta, não é? Ah, mulher, eu vou te foder gostoso e tu vai gozar
comigo. — Ela apenas choraminga e eu intensifico as estocadas.
E nos perdemos um no outro, depois de um tempo, já não
conseguindo mais me segurar, gozo e sinto que ela chegou no clímax também.
Deposito um último beijo em sua boca, antes de sair dela e me deitar ao seu
lado. O cômodo está silencioso, sendo que escutamos apenas o barulho de
nossas respirações ofegantes. Essa garota é a melhor que já conheci.
E stávamos
deitados
recuperando
fôlego quando escutamos uma batida na porta seguida de uma voz
questionando.
ainda

— Oi, quem está aí? — Acho que era a voz do Beto. Olho assustada
para o Gustavo, que já está se levantando e vestindo a calça.
— Fica tranquila, vou abrir para ver quem é, pode se arrumar — ele
me diz, acaba de vestir a camisa e vai em direção à porta. Ele a destranca,
abrindo apenas o suficiente para que conseguisse sair da sala. Me apresso
para me vestir antes de ele voltar. O sexo foi muito gostoso, fiquei feliz de
ter encontrado um gato desses antes de ir embora, ele me tratou muito bem,
um verdadeiro cavalheiro. Não demorou muito para que ele voltasse, ainda
bem que eu já estava vestida e terminando de calçar meu sapato. — Era o
Beto, sua prima queria confirmar se você estava ainda aqui ou se tinha ido
para casa.
— Ela está ali fora ainda?
— Não, antes de eu fechar a porta, os vi entrando em outra ali na
frente; pelo clima, acho que ela não vai embora tão cedo. — Claro que ela
iria passar a noite toda ali, mas eu não, já curti, agora quero ir embora. —
Você já quer ir embora? Eu posso te acompanhar, se quiser, mora em que
bairro?
Eu não queria que ele me acompanhasse, muito menos que virasse
meu amigo. Há um ano estou seguindo fielmente meu lema: “Pegar e não se
apegar”. Eu saio, beijo, se estiver gostoso, transo e fim de papo. Até hoje
dei meu número apenas para um cara e só porque ele insistiu muito e eu
estava meio bêbada. Tanto que, no dia seguinte, quando ele não parava de
me ligar, bloqueei ele no WhatsApp.
— Capaz, Gustavo, não precisa, vou de Uber.
— Bom, então, pelo menos me passa seu número, a gente pode
conversar, quem sabe marcar alguma coisa…
— Assim, por favor, não me entenda mal, eu gostei muito da nossa
noite e você parece ser um cara muito do bem, mas eu não estou buscando
nenhum tipo de relacionamento, ok? Obrigada pela noite, pela companhia,
mas vou indo. — Me aproximo dele, ele está com a cara de quem não está
acreditando no que eu acabei de dizer, afinal, normalmente são os homens
que saem correndo depois de uma transa. Decido dar um último beijo para
que ele não fique achando que não gostei dele, eu simplesmente não quero
relacionamento, só isso. Pego sua cabeça e lhe dou um beijo rápido, mas
marcante. — Tchau, Guto, foi realmente um prazer.
Pego minha bolsa de mão que deixei na entrada da biblioteca, abro a
porta e saio sem olhar para trás, e sigo para a entrada para chamar meu Uber.
Acordo com meu celular tocando, olho pela tela e vejo que é a Bia,
“Que horas são”? Me pergunto, arrastando o dedo pela tela para atender a
chamada de vídeo.
— Bom dia, princesa, dormiu bem? — fala Bianca, já de banho
tomado, bebendo seu suco verde matinal.
— Guria, tu não tem sono? — questiono, me espreguiçando.
— Não quando passo uma boa noite, estou com a corda toda.
Amanda, minha noite foi fantástica, sério, o Beto é incrível. Ele não é só um
gato, gostoso, com um pau maravilhoso. Ele também é engraçado, querido,
carinhoso. Eu gozei cinco vezes, sério, ele foi minha melhor transa da vida.
— Uau, que isso, hein? Nunca te vi assim antes, será que finalmente
achamos alguém capaz de te fisgar?
— Ah, prima, pior que acho que sim. Sério, o Beto é demais.
— Vai com calma, Bia, tu nunca ficou assim, cuida para não se
magoar.
— Eu sei, mas eu senti algo diferente com ele, parece que encaixou
perfeitamente, sabe? Bom, eu acordei com ele me ligando para dar bom-dia
e me contar uma coisa que aconteceu. Ele queria que eu tivesse dormido lá,
mas insisti em vir para casa. Então, ele fez questão de me trazer, acredita?
Ele disse que não tinha bebido quase nada e, como já era de madrugada, não
queria que eu ficasse andando sozinha de Uber. Ele deixou a festa aos
cuidados de um dos amigos e me trouxe para casa.
— Nossa, esse aí é bom, hein?
— É sim. Tá, mas e você? Com quem tu ficou? Tu me disse que
estava indo embora e de repente diz que ia subir para ficar mais "à vontade"
com um cara.
— Então, esbarrei nele quando estava saindo do banheiro para vir
para casa. Na verdade, acabei caindo sobre ele. Um vexame. Mas, quando
olhei em seus olhos, molhei a calcinha. O cara era um Deus grego. Loiro,
com olhos azuis, sorriso manso. Ele foi mega simpático, aí uma coisa levou
a outra…
— Vocês transaram, né? Eu vi quando ele saiu da biblioteca
abotoando a camisa, eu e o Beto estávamos indo para o quarto dele. Eu ia
pedir para falar contigo, mas imaginei que você não estaria vestida.
— Ainda bem que tu me conhece. Então, rolou.
— E?
— E… nada, ué.
— Sério, Amanda? Não foi legal?
— Foi, muito, na verdade, fazia tempo que não era tão… como posso
dizer… tão…
— Opa, acho que não sou a única encantada com a noite aqui, está
até sem palavras. Qual o nome dele?
— Gustavo, e não tô encantada, sabe como sou, só queria dizer que
foi muito bom.
— E dessa vez pegou o contato dele?
— Claro que não, tu sabe que eu pego…
— e não me apego… Sim, prima, eu sei, aliás, eu te ensinei isso.
Mas, se o cara era legal, às vezes valia a pena um segundo encontro, não
acha?
— Guria, quem é você e o que fez com a minha prima Bianca?
Aquela que é uma solteira convicta…
— Acho que ela aposentou as chuteiras… ou pelo menos está
torcendo para aposentar…
— Guria, acho que o cupido te pegou de jeito mesmo, perdi minha
parceira de guerra. Ei, o que vai fazer hoje?
— Então, com a minha empolgação, acabei esquecendo de te falar
uma coisa importante… parece que um dos amigos do Beto sofreu um
acidente durante a madrugada depois de sair da festa… estou esperando o
Beto me ligar para saber como o guri está, mas, pelo que ele me contou,
parece sério.
— Meu Deus, e tu me fala isso assim? Guria, tu nasceu para ser
médica mesmo, é muito fria.
— Não fala assim, não sou fria, sou racional. Acidentes acontecem,
não gosto de ver as pessoas sofrendo ou morrendo, mas aprendi que faz parte
da vida. Afinal, é a única certeza que temos: todos iremos morrer um dia.
— Meu Deus. — De repente os lindos olhos do Guto invadem minha
mente. — E se for o Guto? Bianca, por favor, liga agora para o Beto e
pergunta o nome desse amigo…
— Calma, o nome do cara não é Gustavo, é Ricardo, ele também faz
academia com a gente.
— Lamento, rapaz, mas o Sr. Ricardo, não resistiu aos ferimentos —
diz o médico que acaba de sair da sala de cirurgia.
— Como assim? Meu primo morreu? É isso, doutor?
— Infelizmente sim, tentamos de tudo para reanimá-lo, mas ele já
chegou aqui quase sem batimentos, com hemorragia interna, lamento. O
corpo será liberado daqui aproximadamente quatro horas. Qualquer coisa
nossa assistente social pode conversar com você — diz o médico já se
afastando e entrando em uma sala ao final do corredor. Meu Deus, como
contarei isso para os meus tios? O Ricardo era o menino de ouro da Tia
Sonia, por que ele, Deus? O que farei sem ele?
Tudo aconteceu tão rápido, depois que a Amanda foi embora, me
deixando plantado sem entender nada na biblioteca, acabei de calçar
meus sapatos e fui para casa. Nem fui procurar pelo Rick, pois, naquela
altura, ele já devia ter encontrado uma cama para ficar com a mulher que
estava beijando mais cedo.
Cheguei em casa, tomei um banho e estava repassando a noite na
minha cabeça, tentando entender se fiz ou falei alguma coisa que possa ter
“espantado” a Amanda. Eu já tinha conhecido algumas gurias que não
queriam relacionamentos sérios, mas não como ela. A gente mal tinha
acabado de transar e, a meu ver, foi a melhor transa da minha vida, e a
guria saiu correndo como o diabo foge da cruz.
Será que só eu gostei tanto assim do sexo? Será que fantasiei
demais? Não, eu sempre fui muito atento, e percebi que ela se entregou
completamente e que gostou tanto quanto eu. Certas coisas não se podem
fingir. E teve o beijo também, ela me deu um beijo quente de despedida,
senti como se o beijo falasse por ela: “foi muito bom”. Mas se ela também
curtiu, por que não me passar nem seu telefone? “Guria estranha essa…,
mas definitivamente maravilhosa e inesquecível”.
Estava terminando de me secar quando escuto meu celular tocar,
deveria ser umas três, três e meia da manhã, o que despertou um sinal de
alerta no meu corpo, algo de errado aconteceu. Olhei na tela e era um
número desconhecido, atendi:
— Alô.
— Alô, boa noite, o senhor conhece o Ricardo Medeiros?
— Sim, é meu primo, quem está falando?
— Aqui é o policial Silva, como você se chama?
— Gustavo, aconteceu alguma coisa com ele, policial?
— Infelizmente sim, senhor, seu primo sofreu um grave acidente de
carro, localizamos seu celular nos escombros e seu número era a última
chamada realizada.
— Meu Deus, ele está bem? Onde ele está? Estou indo aí.
— Por favor, fique calmo, ele foi levado para a Santa Clara de
Misericórdia, o senhor sabe o endereço?
— Sim, sim, sei, estou indo para lá.
— Ok. senhor, depois precisarei de alguns dados para colocarmos
no boletim. Infelizmente já temos uma vítima fatal. A passageira que
estava no carona do carro do seu primo morreu na hora. O senhor a
conhecia?
— Meu Deus, não, quer dizer, deve ser a guria que estava na festa
com ele, a vi de vista.
— Entendo, bom, peço que salve esse número do qual lhe liguei e
que, assim que puder, me ligue. Desejo melhoras para seu primo.
— Ok, obrigado.
Desliguei, peguei minha carteira em cima da mesa da cozinha,
calcei meu tênis o mais rápido que pude e desci para a garagem para
pegar meu carro e ir para o hospital.
— Tio, boa noite… Estou ligando, pois tenho uma notícia para dar
para vocês… Não sei uma maneira mais fácil de contar… O Rick sofreu um
acidente e ele se machucou muito… Tio, eu sinto muito, o Rick era meu
irmão, meu melhor amigo… Tio, ele morreu… — Ouvir o grito de desespero
do meu tio do outro lado da linha arrasou meu coração. Comecei a chorar até
que uma das enfermeiras viu meu estado e me trouxe algum tipo de calmante
e um copo d'água. Eu precisaria ser forte, tinha muitas coisas para resolver e
meus tios precisariam de apoio. Depois de o remédio fazer efeito, me senti
um pouco mais tranquilo, consegui ligar para os meus pais. Eles iriam trazer
meus tios de Caxias para Porto Alegre. Assinei também a papelada do
hospital e da funerária. Ricardo sempre foi extremamente organizado e muito
cauteloso. De tal forma que as coisas se resolveram rápido, ele também se
assegurou de deixar um seguro de vida do qual seus pais eram os
beneficiários, assim como um testamento passando suas ações para mim,
com a exigência de repassar o percentual justo de lucro da empresa
mensalmente para seus pais.
Depois de falar com o policial que me deu a notícia do acidente,
decidi ir para casa me arrumar para depois ir ao velório, o corpo já havia
sido liberado e estava sendo preparado. Pelo que entendi, Ricardo acabou se
perdendo em uma curva, o que ocasionou o capotamento do carro por três
vezes, após a colisão com um poste de energia. A guria que estava com ele
chamava-se Camila, tinha apenas 24 anos, seus pais estavam tão desolados
quanto nós. Eu conhecia Rick, não acredito que estivesse embriagado, algo
deve tê-lo distraído, mas, mesmo assim, o laudo com a informação se havia
substâncias entorpecentes no seu sangue só sairia em algumas semanas.
Não queria nem pensar em como seria na empresa, a essa altura,
todos já deveriam estar sabendo que o CEO da G&R Marketing havia
falecido. Eu precisaria pensar nos rumos que iria tomar na empresa,
provavelmente contrataria um CEO experiente para ocupar o cargo. Mas
deixaria para analisar isso com os advogados e o conselho diretor durante a
semana. Agora tudo que eu queria era o abraço da minha família, já que do
meu melhor amigo, do meu irmão de alma, eu não teria nunca mais.
D Bia,
epois
conversar com a
uma
sensação ruim tomou conta de mim, não conseguia parar de pensar no
de

Gustavo. Isso era estranho, não sabia explicar, mas algo nele era diferente.
Ah, que bobagem, deve ser apenas pelo susto de acordar e receber uma
notícia assim. Espero que o guri que se acidentou esteja bem, penso na
família do rapaz, nossa, nem imagino a aflição pela qual estão passando.
Decido me levantar, pois não conseguirei voltar a dormir, tomo um
banho e programo a cafeteira para passar um café quentinho, amo café preto e
não consigo começar meu dia sem beber pelo menos uma xícara. Enquanto
isso, pego meu celular para olhar as últimas notícias, de repente me bate uma
curiosidade e decido procurar o Instagram do Guto, stalkear um pouquinho
não tem nada demais, né? Digito na busca Gustavo… como imaginei,
aparecem vários perfis, fui rolando e olhando as fotos até que vi um perfil
que me chamou a atenção: “É ele, jamais esquecerei esses olhos azuis”. Abri
“@gustavo_medeiros”, droga, o perfil era privado. Será que solicito para
seguir? Não, não posso fazer isso, vai contra minhas regras. A cafeteira apita,
me avisando que o café está pronto, o que acaba me assustando e sem querer
meu dedo esbarra na tela e clica em “seguir”. Merda, agora ele receberá a
notificação. Mas talvez dê tempo de cancelar.
Antes que eu pudesse cancelar, meu celular vibra indicando uma nova
notificação:
“@gustavo_medeiros aceitou sua solicitação para seguir".
E uma nova em seguida:
“@gustavo_medeiros começou a te seguir”.
Ah, meu Deus, ele me seguiu, abro o perfil dele e não tem tantas fotos,
ele parece ser um cara discreto, vejo que tem um novo Stories, clico para
visualizar, então aparece a seguinte mensagem: “Vai em paz, meu irmão, amo
você”. Meu coração acelera, será que o rapaz do acidente era irmão dele?
Me recordo dele comentar que tinha ido à festa com o primo, mas não lembro
o nome do rapaz. Será que mando um direct para ele?
Decido antes ligar para Bianca e ver se ela tem mais informações
sobre o rapaz. Ela logo me atende:
— Oi, prima.
— Oi, Bi, ei, alguma novidade sobre o guri do acidente?
— Ah, prima, sim, infelizmente ele não resistiu aos ferimentos.
— Meu Deus, que tristeza.
— Pois é, o Ricardo era um cara muito gente boa, conversei algumas
vezes com ele na academia, e a guria que estava com ele também faleceu, ela
tinha 24 anos.
— Nossa, que horror, Bi, você sabe me dizer se o Ricardo tinha
irmão?
— Não, ele era filho único, ah, o Beto me falou que ele foi na festa
com o primo, o Gustavo. Será que é o seu Gustavo?
— Ele não é meu, mas acho que é o mesmo. Acabei de adicionar o
Guto no Instagram e tinha um Stories: “Vai em paz, meu irmão, amo você”,
deve ser por conta do primo.
— Você o adicionou?
— Sim.
— E vai falar com ele?
— Não. Quer dizer, não sei. Será que devo? Afinal, ele acabou de
perder alguém importante e eu estava na mesma festa, e…
— Calma, Amanda, respira, você está muito nervosa. O Beto
perguntou se posso acompanhá-lo ao velório do Ricardo, prestar as
condolências à família. Eu disse que iria, começa às 14h, quer vir conosco?
Provavelmente o tal Gustavo estará lá, assim você pode falar com ele
pessoalmente.
— Não sei, acho que é um momento muito família, não sei como ele
iria reagir. E, também, não gosto desses ambientes, você sabe que não lido
muito bem com a morte. Desde o velório da vovó, volta e meia tenho
pesadelos.
— Bom, prima, você que decide, mas acho que seria legal da sua
parte, afinal, vocês passaram a noite juntos, agora se adicionaram e o cara
acabou de perder o primo. Depois você fala que eu que sou fria…
— Tá bom, você está certa, nós estávamos na mesma festa… você vai
direto ou o Beto vai te buscar?
— Ele vem me buscar, passamos aí para você ir com a gente.
— Ok, espero vocês, então. Beijo.
— Beijo.
Não sei se fiz bem em aceitar, mas não sabia explicar o motivo por
estar tão sensível, talvez fossem os hormônios…Olho novamente o perfil
dele, abro uma foto que ele está com outro rapaz, os dois estão descontraídos
sorrindo, com um pôr do sol do Guaíba como plano de fundo, na legenda a
frase: “melhor sócio, amigo e irmão que Deus me deu @ricardo_medeiros”.
Era ele, então, e pelo jeito realmente os dois eram muito próximos, nem
imagino a dor que o Guto deve estar sentindo, não sei o que seria a minha
vida se não tivesse a Bianca ao meu lado, seria como se a minha metade
tivesse partido. Assim, tomada por uma onda de forte emoção, clico em
“enviar mensagem”, a tela se abre e digito:

“Oi, Guto, sou a Amanda, da festa


do Beto, achei seu perfil e resolvi
te adicionar. Gostaria de poder
perguntar se está tudo bem, mas
as notícias correm rápido e
infelizmente sei que acaba de
perder seu primo Ricardo. Eu
sinto muito, muito mesmo, não
imagino a dor que você e sua
família devem estar sentindo.
Caso precise de uma amiga, pode
contar comigo. Me desculpe pela
forma que fui embora, não é nada
com você. Fica com Deus,
abraços, Mandi”.

Não demora muito e ele visualiza a mensagem:

@gustavo_medeiros está digitando…

O que será que ele irá dizer?


Desliguei a ligação com minha mãe, ela avisou que chegariam perto
das 13h, e iriam direto para o velório. Ouvi uma nova notificação vindo do
meu celular, o peguei para conferir e me surpreendi ao ver a solicitação de
amizade na minha conta do Instagram:

"@mandibarros enviou uma solicitação para segui-lo".

A princípio, não reconheci o nome, então cliquei no perfil e meu


coração acelerou quando vi quem era: Amanda.
Aceitei a solicitação e a segui de volta. Não entendi por que dela me
procurar depois da forma que foi embora, mas fazia tempo que havia perdido
as esperanças de entender as mulheres. E confesso que, apesar do momento
pelo qual estava passando, fico feliz em ter o contato dela. Olhei um pouco
seu feed de notícias, ela era realmente "festeira" e alegre. Pelas fotos, vivia
viajando e tinha muitos amigos, não vi nenhuma foto com algum cara que
pudesse ser seu namorado, pois, da maneira que ela saiu correndo depois da
festa e sem deixar nenhum contato, pensei que talvez fosse comprometida,
mas, pelo jeito, era mais uma solteira convicta mesmo, acho que ela se daria
muito bem com Rick.
Lembrar dele apertou novamente meu coração, ainda não estava
conseguindo acreditar no que está acontecendo, Rick se foi, eu nunca mais o
verei, nunca mais receberei suas mensagens debochadas, nem seus e-mails me
dando "ordens" como se realmente mandasse em mim e não fôssemos sócios
igualitários na empresa. Rick era o cara mais incrível que já conheci, todos
gostavam dele, ele era carismático, inteligente, engraçado, era o cara que não
importasse o que fosse, sabia que poderia contar.
Lembro dos conselhos que ele me deu antes da minha primeira vez…
eu tinha 17 anos, estava saindo com a Beca há um mês e estava realmente
apaixonado. Bom, na real, eu já era apaixonado por ela desde o quinto ano do
Ensino Fundamental. Seus lindos cabelos ruivos cacheados nas pontas, sua
pele clara com sardas delicadas espalhadas pelo seu rosto pequeno e seus
lindos olhos castanhos faziam minhas pernas balançarem. Estudávamos
juntos, eu, ela e o Rick, e éramos quase que inseparáveis. Antes de sair com
ela pela primeira vez, ela me confessou que havia sido apaixonada pelo Rick,
mas que aquilo fazia muito tempo e que eles nunca tiveram nada, pois Rick
sempre falou que a via como uma irmã. Então, um dia em uma festa no final
do terceirão, resolvi "arriscar" e pedi para ficar com ela. E, para minha
alegria e surpresa, ela aceitou. E, depois da festa, começamos a sair quase
que todos os dias, e um dia comentei com Rick que está a pronto para a minha
primeira vez e que queria que fosse com a Beca, afinal, ela era a garota dos
meus sonhos:

— Mano, amanhã vou sair com a Beca e tô muito a fim de… bem, tu
sabe, né…
— Olha só, meu priminho quer transar… — Rick falou enquanto
dava pause no nosso jogo de futebol no Playstation.
— Ah, não fala assim, tu sabe que sou apaixonado pela Beca desde
pequeno, eu e ela já conversamos sobre isso, e…
— É a primeira vez dela também?
— Sim, e isso me deixa ainda mais ansioso, eu quero que seja
perfeito.
— Mano, relaxa, se você se colocar pressão, não vai ser legal, nem
para você e muito menos para ela. Tem que ser natural… leva ela no
cinema, depois jantem em algum lugar, uma comida leve… e depois a
convide para ir para um lugar mais tranquilo… tem um motel bem bacana
perto do Praia de Belas… se bem que você não tem identidade falsa… você
não é dessas coisas, mal sai para as festas da turma… Cara, pode trazer
ela aqui em casa, eu invento alguma coisa para o papai e a mamãe, e tu
pode ficar tranquilo com ela aqui. Compre umas velas, algumas rosas, e
espalhe pelo quarto, na verdade, eu vou deixar tudo pronto para você… aí
você chega, dá play no rádio e aí relaxa e deixa rolar. E, claro, não se
esquece da camisinha, você não vai querer engravidar a garota na primeira
vez da vida de vocês.
— Tô mais nervoso ainda, e se ela não curtir?
— Mano, tu é um cara gente boa, boa-pinta e você se conhecem há
anos… vai ser legal, acredite mais em você cara.

Segui todos os conselhos dele e realmente foi uma noite inesquecível.


Pena que depois não durou muito, a Beca decidiu que era nova demais para
namorar e pediu que continuássemos como sempre fomos: amigos. Depois
que nos formamos no Ensino Médio, ela se mudou para Curitiba e foi cursar
faculdade de Veterinária. Às vezes trocamos mensagens, mas a amizade nunca
voltou a ser a mesma. Demorei muito para esquecê-la.
Outra notificação no meu celular me chama de volta para a realidade,
é um direct da Amanda. "O que será que ela escreveu?"
“Oi, Guto, sou a Amanda, da
festa do Beto, achei seu
perfil e resolvi te adicionar.
Gostaria de poder perguntar
se está tudo bem, mas as
notícias correm rápido e
infelizmente sei que acaba de
perder seu primo Ricardo.
Eu sinto muito, muito mesmo,
não imagino a dor que você e
sua família devem estar
sentindo. Caso precise de
uma amiga, pode contar
comigo. Me desculpe pela
forma que fui embora, não é
nada com você. Fica com
Deus, abraços, Mandi”.

Ah, ela já sabe da morte do Rick, achei a mensagem dela carinhosa,


ela não precisaria ter mandado nada, mas mandou. Meu coração não
costumava me enganar, ela era diferente. Resolvi responder, agradecendo.

"Olá, Amanda,
agradeço por sua
mensagem… na
real, ainda não
estou acreditando
que isso
esteja acontecendo.
Como você ficou
sabendo?"

"Oi, a minha prima, que estava


com o Beto, me acordou para me
contar, a princípio, não sabia
que era seu primo, mas depois
ligamos os pontos.
Como você está?"

"Como se tivessem
arrancado um
pedaço de mim…"
":(
Sinto muito.
Não perca a fé, Deus
sabe o que faz. Seu
primo está bem, está com
Ele agora, e sempre
estará no seu coração".

"Obrigado.
Eu tenho que ir,
preciso resolver
algumas coisas
antes do velório.
Obrigado mais uma
vez e se cuida".
"Você também.
Beijo se cuida :*"

Gostaria de ficar conversando com ela, poderia ter sido tão diferente.
Mas não era o momento. Eu tinha uma grande missão nas mãos agora e isso
exigiria toda a minha atenção.
R esolvi nos
últimos minutos
que não iria no
velório, não havia sentido eu ir até lá. Eu já havia mandado mensagem
lamentando sua perda, não tinha por que eu ir, poderia dar a entender que
estava interessada nele e não era isso.
Claro que eu não sou nenhuma pedra de gelo sem sentimentos, eu
achei o Guto um cara legal, eu realmente senti algo diferente quando
ficamos, mas, ainda assim, não me abalou tanto a ponto de querer abrir mão
da vida que eu vinha levando, estava feliz sozinha, e não queria dar brechas
para ninguém entrar no meu mundo.
Passei o resto do sábado largada no sofá, lendo meus livros de
suspense no meu kindle, nada de romances, não tinha paciência para os
mesmos clichês de sempre, a mocinha virgem e inocente que se apaixona
pelo mocinho difícil, que, no final, se mostra um bobão que fica de quatro
pela garota. A vida não era assim, não existem príncipes encantados que
chegam para salvar seu dia, então, eu não gostava de ficar fantasiando.
Preferia um bom livro de mistério policial, um crime, uma vítima, um
predador à solta e um protagonista inteligente. Isso sim era história. Já
passavam das oito da noite quando meu celular toca, era a Bia, atendo a
chamada de vídeo:
— Oiii, o que tá fazendo? — pergunta, percebo que ela não está em
sua casa, pois o ambiente não me é familiar.
— Tô lendo, onde tu tá?
— Na casa do Beto, liguei para ver se não quer vir aqui jantar com a
gente.
— E ficar segurando vela? Meu sonho — falo, bufando enquanto
reviro meus olhos. Apesar de amar o gesto, Bia nunca me deixa de fora de
nada da sua vida, sempre tenta me incluir em tudo, mesmo que seja para
segurar vela em um sábado à noite. Mas eu tenho noção, bom senso e não
aceitaria isso apenas por educação.
— Nada a ver, Mandi, nós aproveitamos bastante desde que
voltamos do velório...
— E como foi? Quero dizer, claro deve ter sido triste, mas... você
conheceu o Guto?
— Sim, Mandi, foi muito triste, eles velaram o Ricardo e a Camila
juntos. Então, tinham muitas pessoas, comprovando que os dois eram muito
queridos. Conheci o Guto, ele estava arrasado, mas, mesmo com os olhos
inchados, ele é simplesmente um gato. Você deveria ter ido para consolar
ele...
— Não, não tinha nada a ver, eu dei um perdido nele ontem e hoje
iria aparecer no velório do melhor amigo dele? Não. Eu mandei mensagem e
é melhor assim.
— Mandi, um dia você vai ter que abrir de novo seu coração, não vai
querer ficar sozinha para o resto da vida né?
— Meu Deus, o que esse Beto fez contigo? Quem é você?
— Eu não fiz nada, quer dizer nada que ela não tenha gostado. —
Nesse momento, me assusto com a voz grossa que responde à pergunta que
era direcionada para a minha prima. Então, ela começa a rir ao ver minha
surpresa e vira o celular, mostrando que o Beto estava ali o tempo inteiro,
bem na frente dela. Ele acena com um sorriso no rosto que deve ser por ver
que eu estou vermelha feito um pimentão. Aceno timidamente para ele.
— Oi, Beto, tudo bem? Me desculpa não sabia que estava aí...
— Não quer mesmo vir aqui? Eu não vejo problema em um jantar à
luz de velas... — ele fala em tom irônico, o que me faz rir, ele realmente é
um cara engraçado.
— Obrigada mesmo, mas fica para um outro dia, não estou a fim de
me vestir de castiçal hoje.
— Bom, então amanhã nos vemos, beijo, priminha, se cuida, amo
você — diz Bia.
— Boa noite, se cuidem também, juízo, crianças. Amo você, Bia.
Prazer falar com você de novo, Beto. — Ela vira de novo o celular para eu
ver o Beto se despedindo com uma piscada de olho e mandando um beijo.
Ele era um gato mesmo e combina muito com a Bianca, formam um belo
casal. Quem diria que minha prima iria se apaixonar, fico muito feliz por ver
o riso fácil e leve no seu rosto e o brilho nos olhos.
Depois de desligar, pego o celular e fico navegando por um tempo
pelas notícias de fofoca até adormecer.
“Acordo em um lugar muito claro, sinto frio no corpo, percebo que
estou em um quarto de hospital, ligada a um aparelho que fica apitando e
monitorando meus batimentos cardíacos. Onde estou? O que estou fazendo
aqui? Tento levantar minhas mãos, pois não estou sentindo o restante do
meu corpo, mas não tenho forças... então me desespero e tento gritar para
chamar alguém para me ajudar, mas minha voz não sai. Onde estou? O que
está acontecendo? ”
Dou um grito e acordo no meu sofá com o meu apartamento
completamente escuro, acendo o abajur que fica na mesinha ao lado e
percebo que estou suando frio, minhas mãos estão geladas e meu coração
acelerado. “Que pesadelo horrível”. Nunca sonhei com nada parecido
antes; na realidade, nunca me lembro dos meus sonhos. Acho que a morte do
primo do Guto mexeu muito com o meu emocional, não sou acostumada com
a morte, na verdade, a única perda que tive até hoje foi da minha avó e não
lidei nada bem com isso. Tanto que precisei fazer terapia por alguns meses
para me ajudar a aceitar sua morte. Vovó Bina era a melhor pessoa do
mundo, mãe do meu pai, era o doce em forma de gente. Lembro-me com
carinho das tantas vezes que corria para sua casa, que era na parte de trás do
terreno que eu morava com meus pais e, ao chegar na porta, antes mesmo de
abri-la, sentia o cheirinho do bolo de chocolate que só ela sabia fazer. Minha
boca saliva com a simples lembrança.
Perder ela foi muito doloroso, ainda mais pela forma que foi, um câncer
maligno no estômago, que a levou rápido demais. Faz três anos que ela
partiu, mas, para mim, ainda é difícil aceitar que jamais verei ela novamente.
Me levanto do sofá e estico meus braços para me espreguiçar, pego o
celular, que acabou caindo no chão enquanto eu dormia, e confiro que são
quatro horas da manhã. Vou no banheiro, faço um xixi e vou para a cama,
tentar dormir de novo, mas com receio de ter outro pesadelo. Então, antes de
fechar meus olhos, decido fazer a oração que Vovó Bina me ensinou desde
pequena:
“Com Deus me deito, com Deus me levanto, com a
graça de Deus e do Espírito Santo. Amém”.

Imediatamente, como se fosse “mágica”, meu corpo relaxa e meus


olhos se fecham. Adormeço num sono calmo e sereno.

A semana é agitada na empresa, mas graças à Deus já é sexta-feira de


novo, último dia do mês, fechamento das folhas para pagamentos dos
fornecedores e minha equipe está a mil por hora.
O último mês passou rápido, e eu trabalhei mais do que nunca para
colocar tudo em dia, já que a partir de hoje, às 18h, estarei de férias. Serão
20 dias de sossego, sombra e água fresca.
Planejei essas férias todos os dias no último ano, estava ansiosa e
animada para finalmente conhecer a Bahia. Fiz um cronograma para todos os
dias, listando todos os pontos turísticos que quero conhecer. A Bia ia
comigo, só que não mais sozinha como era o plano inicial. Ela e Beto
estavam firmes. No último mês, os dois simplesmente não se desgrudaram
um dia sequer, e eu já estava me acostumando com nossa nova dinâmica. O
Beto era maravilhoso e, assim como Bia, sempre procurava me incluir.
No último mês, me apresentou para dois dos seus melhores amigos,
mas fiquei apenas com um deles, o Rafael, mas definitivamente ele não era
para mim. Arquiteto, de 34 anos, divorciado há 2 anos e pai de uma linda
menina que 4 anos. Poderia ser um cara incrível, mas era muito chato.
Diferente do Beto, ele era um cara prepotente e medido. Sabe aquele tipo de
pessoa que acha que tudo que faz ou fala é simplesmente o melhor? Então, é
o Rafael. E o pior é que nem de longe eu o achei atraente. Era alto, forte,
moreno, mas sua voz era meio estridente, seu nariz empinado demais e o
pior: tinha mau hálito. Homem, para mim, tem que ser cheiroso, senão não
rola. Troquei apenas um beijo com ele em um jantar que Beto organizou para
nos apresentar em sua casa. Nós estávamos no andar de cima na sala de TV,
Beto e Bia tinham ido para o quarto, sim, eles não faziam a menor cerimônia
para se trancarem no quarto e transar. O Rafael que tomou a iniciativa e me
beijou, mas eu tive que segurar a ânsia para não vomitar quando senti seu
mau hálito. Me afastei o mais rápido que pude dele e pedi licença, dizendo
que precisava ir ao banheiro. Ao sair da sala e fechar a porta atrás de mim,
avistei, do outro lado do corredor, uma porta já conhecida, e cai na asneira
de ir lá.
Assim que abri a porta da biblioteca foi impossível não me lembrar
do Gustavo, da forma como ele me pegou no colo, de como me fez tremer as
pernas em cima do sofá de centro. Foi a última noite que transei. Achava que
hoje iria rolar, mas aqui estou eu fugindo do cara de mau hálito. O Guto era
tão cheiroso, o beijo dele era tão doce, só de lembrar meu coração começa a
bater um pouco mais acelerado, o calor invade o meio das minhas pernas:
“Porra, eu tô excitada com uma lembrança?” Realmente eu preciso transar.
Saio rapidamente da biblioteca e bato na porta do quarto do Beto. Ele
demora alguns minutos até abrir a porta apenas de cueca, fico vermelha e
viro meus olhos para cima para evitar olhar o volume no meio de suas
pernas, mas depois iria tirar um sarro da Bia. Falei que não curti seu amigo e
pedi socorro para me “livrar” dele. Graças a Deus ele foi um amor, disse
que eu podia ir para o quarto de hóspedes e dormir tranquila que ia mandar o
amigo pastar.
Depois daquela noite, nunca mais tive notícias do Rafael, e o Beto
desistiu de tentar me arranjar um par. O que eu achei ótimo, pois iriámos
para a Bahia e eu queria era aproveitar, Deus me livre ir com alguém a
tiracolo nessa viagem que estava esperando por tanto tempo. Embarcaríamos
no domingo e ficaríamos dez dias lá. Mal via a hora.
Bati meu ponto exatamente às 18h e já estava indo para o
estacionamento pegar o meu carro quando escuto minha chefe me chamar:
— Amanda, que bom que ainda não foi embora. Por favor, pode vir
comigo até a minha sala por 5 minutinhos?
— Claro, Sra. Carina. — A acompanho até sua sala e começo a ficar
um pouco nervosa com o que pode ser.
— Amanda, me perdoe lhe abordar assim, sei que está saindo de
férias, o que é mais do que merecido. No último ano, você trabalhou muito e
merece descansar e aproveitar um pouco.
— Não tem problema algum, senhora, e obrigada pelo
reconhecimento, mas só faço o meu trabalho.
— Eu iria te dar essa notícia apenas no seu retorno, mas não achei
justo com você. — Me mexo devido à ansiedade que está tomando conta de
mim; pelo tom da conversa, penso que ela irá me despedir, só não consigo
achar motivos para isso, pois me dediquei muito nos últimos anos a essa
empresa e passo mais tempo aqui do que na minha própria casa. — Amanda,
desde a época do seu estágio, você se mostra uma profissional excelente,
mesmo após o seu relacionamento com André, em nenhum momento deixou
de ser profissional ou deixou a relação de vocês atrapalhar o trabalho. A
empresa, nessa semana, fechou um contrato com um grande cliente. A maior
empresa de Marketing Digital do país é nosso mais novo cliente...
— Que notícia maravilhosa, parabéns — digo com sinceridade, pois
torço para que nossa empresa cresça cada vez mais. A empresa na qual
trabalho oferece aos clientes, na sua maioria, pequenas e médias empresa,
uma plataforma financeira online, desenvolvida com tecnologia de ponta.
Mas, nos últimos anos, estamos evoluindo cada vez mais e ganhando como
clientes empresas cada vez maiores.
— Obrigada, é mérito seu também. Em decorrência deste contrato e
do volume de trabalho que esse cliente exigirá, estamos montando uma nova
equipe que será exclusiva para eles. E, com isso, precisaremos de uma nova
coordenadora, alguém com experiência que poderá ficar à frente da equipe e
tratar diretamente com o cliente. — A escuto com atenção, talvez ela queira
que eu faça parte desta nova equipe e que colabore com o novo coordenador,
tendo em vista que sou uma das mais antigas aqui. Talvez eles contratem
alguém de fora para esse cargo, alguém com experiência na área e eu serei
seu braço direito para lhe auxiliar no que precisar, a ideia me agrada. —
Dito isso, eu e o conselho chegamos a um nome para assumir esse cargo, e
não poderia ser mais ninguém além dessa pessoa.
— Que legal, e quem é? Alguém de fora? — Pergunto, já ansiosa
para saber quem irá assumir esse posto tão importante e torcendo para que
seja alguém legal com quem eu me dê bem.
— Você — minha chefa fala e abre um raro sorriso. A Sra. Carina,
sempre foi muito atenciosa, mas também muito séria. Tem seus 50 anos e é
uma das sócias majoritárias da empresa. — Amanda? Você me ouviu? — Ela
questiona, e eu preciso me esforçar para processar a informação que acabo
de receber.
— Eu, senhora?
— Sim, Amanda, se você aceitar, será a nova coordenadora e
comandará o novo setor que será exclusivo para esse cliente. Não preciso
nem mencionar que seu salário será compatível com a nova função e você
terá liberdade para gerenciar sua própria equipe.
— Eu não sei... — Perco as palavras.
— Diga que aceita e vá aproveitar suas férias, pois, quando voltar,
terá muito trabalho. E, então? Aceita?
— Claro, claro, meu Deus, nem acredito. Não irei decepcioná-los,
farei o meu melhor, obrigada, obrigada.
— Temos certeza de que sim, então, parabéns, Amanda, você é a
nova Coordenadora de Setor da Globo Gestão Financeira.
Me despeço dela e vou para o carro saltitando de tanta felicidade,
isso merecia uma grande celebração, e aproveitaria a viagem para
comemorar.
O último mês foi o
mais estressante de
toda a minha vida, e
o fato de ser sexta-feira não chega nem perto de me deixar animado. Pelo
contrário, prevejo mais um final de semana trancado no meu escritório,
resolvendo os problemas da empresa.
Diferentemente do que pensei que seria o rumo da G&R, o conselho
não aprovou a contratação de um CEO de fora, eles nem sequer cogitaram
discutir esta hipótese quando a mencionei na reunião após a leitura do
testamento do Ricardo.
Ricardo me surpreendeu até mesmo depois da sua morte, apostando
mais uma vez em mim quando eu mesmo não me achava capaz. Ele deixou
expresso em seu testamento suas únicas duas últimas vontades: A primeira era
o repasse mensal da sua parte dos lucros para seus pais. E a segunda, que
vem tirando meu sossego e sono no último mês, eu teria que assumir o cargo
de CEO da G&R.
Quando ouvi nosso advogado ler esta parte, primeiro achei que fosse
piada, pois Ricardo sempre soube que não fazia o estilo executivo como ele.
Me formei em Engenharia de Sistemas e em Marketing Digital, combinamos
quando formamos nossa sociedade que eu ficaria com a parte de execução e
ele, com a gestão. E formamos uma ótima dupla, já que sempre levei jeito
com máquinas e Ricardo, com pessoas.
Antes que eu pudesse argumentar, o Dr. Silva, o advogado que estava
lendo o testamento, me entregou um envelope, dizendo que, somente após ler
o mesmo, eu poderia dar minha resposta quanto aos pedidos deixados por
Ricardo. Peguei o envelope com desconfiança e logo notei a caligrafia bonita
de Rick no envelope endereçado a mim, “Guto”. Abri ali mesmo na sala de
reuniões, onde estavam presentes, além do advogado, os outros membros do
conselho e meus tios, pais de Rick. Assim que comecei a ler, meus olhos
marejaram:

“Mano,

Sim, você é o irmão que a vida me deu, e sou grato a Deus por isso.
Não sei o que aconteceu, mas, se está lendo isso, acredito que não esteja
bem.
Sabe que sempre fui muito planejado e metódico, né? E não seria
diferente na minha morte. Por mais mórbido que possa parecer estar
escrevendo esta carta em vida, sempre me preocupei em deixar tudo
organizado e as pessoas que amo bem amparadas, então resolvi deixar isso
registrado, caso um acidente me tirasse cedo demais da sua vida.
Antes de mais nada, quero dizer que seja lá onde eu estiver (acho
que vou para o céu, pois sou um santo, ou quase kkk), eu estou bem, e quero
que você, Mano, fique também.
Por favor, cuide da minha mãe e do meu pai (se eles estiverem por aí
ainda), eles sofrerão com a minha morte e você também é parte filho deles,
então, não deixe que nada lhes falte.
Mano, nossa empresa está alcançando voos grandes, estamos a todo
o vapor e nosso sonho, que era pequeno, está mais real e mais forte do que
nunca. E por isso você precisa seguir com o plano inicial para que quando
você complete seus 50 anos já esteja podre de rico e possa viajar o mundo
com sua família e gastar o dinheiro pelo qual tanto trabalhou.
E você sabe que ninguém melhor do que você para tocar a nossa
empresa, o nosso sonho, então, Mano, aqui deixo meu último pedido para
você: Quero que você assuma o meu cargo de CEO e tome a frente de tudo.
Consigo ver claramente a cara que você está fazendo agora
pensando: Eu? CEO? Ricardo, nem pensar, não sirvo para isso... não vou
conseguir... não sou você... e blábláblá.
Mas eu digo, você é o cara mais incrível que conheci, o cara que me
inspira, que admiro e que sempre me esforcei tanto para agradar. Sim,
Mano, eu estudei tanto para conseguir lhe acompanhar, pois você nasceu
brilhante.
Eu sempre te admirei, e sei que fará o melhor com a nossa empresa,
você sempre faz o seu melhor. Logo, quero que a partir de agora você passe
a ser Gustavo Medeiros, CEO da G&R Marketing Digital.
Mano, aproveite a vida, trabalhe bastante, mas se permita viver,
amar, se divertir… sei que logo você encontrará seu grande amor, formará
sua família, será um excelente pai e, quando estiver bem velhinho, de
cabelos brancos, partirá desta vida durante uma noite de sono… e eu
estarei aqui, te esperando de braços abertos para que juntos possamos
curtir a eternidade, jogando videogame, contando piadas e jogando
conversa fora.
Obrigado por ter sido mais que um amigo, um primo, obrigado por
ter sido o meu irmão.

Com amor,
Ricardo Medeiros.

Dobro o papel após terminar a leitura e o coloco de volta com


cuidado no envelope, demoro alguns segundos para ter coragem de erguer a
cabeça e encarar os ali presentes. Enxugo as lágrimas que escorrem pelo meu
rosto, levanto a cabeça e olho para meus tios, não precisamos dizer nada, já
sabem tudo o que Rick escreveu ali, conheciam muito bem seu filho.
Tendo de falar que me sinto lisonjeado por Ricardo ter me delegado
tal missão, mas que não tenho nenhuma experiência em gestão e que talvez
fosse melhor alguém mais preparado, então minha tia Sônia se levanta do
outro lado da mesa e vem em minha direção, pega minhas mãos e diz:
— Guto, meu querido, você sempre foi um irmão para o meu Rick e
ele sempre me falou do orgulho e admiração que tinha por você. Se ele te
achava competente para assumir o posto de CEO da empresa, é porque você
é. Faça isso por ele, mas principalmente por você. E lembre-se que sempre
estaremos aqui para o que precisar. — Me levanto e a abraço forte,
agradecendo todo o apoio e carinho.
— Cumprirei o último desejo do Ricardo, assumirei o cargo de CEO,
peço ajuda de todo o conselho, pois, no início, precisarei muito. Mas prometo
dar o meu melhor para garantir que a G&R atinja todos os objetivos e metas
que eu e Rick traçamos.
E desde aquela tarde, há um mês minha vida se transformou,
mergulhei em um mundo completamente novo, e a cada dia que se passava
percebia o quanto minha vida era calma. Lidar com computadores e sistemas
era a coisa mais fácil do mundo, poderia fazer brincando, de olhos fechados.
Já lidar com pessoas tem me tirado o sono, a empresa tinha mais de 200
funcionários, estávamos fechando grandes contratos, inclusive, um deles foi a
contratação de uma empresa para fazer a nossa gestão financeira, teria uma
reunião com a coordenadora deles daqui uns vinte dias, o tempo que
demoraria até o contrato estar finalizado e assinado. Eu estava começando a
enlouquecer. Meu celular não parava de tocar, saía de uma reunião para
entrar em outra. Meus únicos momentos de “paz” eram quando conseguia ir
para o parque e correr um pouco. A corrida e o vento no rosto me ajudavam a
desligar um pouco da correria do meu dia a dia.
Estava sendo difícil, mas não podia desanimar, se Rick acreditou e
depositou toda a sua confiança em mim, eu daria conta do recado, em sua
memória, mesmo que isso me causasse um infarto qualquer dia. O pensamento
me fez rir.
D epois de sair da
empresa, passo em
uma loja de
conveniências e compro a melhor garrafa de espumante que eles tinham
disponível lá, finjo nem me surpreender quando a atendente do caixa me fala
que o total da compra era de R$ 401,22. “Caraca quatrocentos reais por
uma garrafa? Só pode ser líquido misturado com ouro”. Mas, mesmo
achando um absurdo. Resolvo levar, os outros R$ 1,22 são de uma cartela de
trident que compro.
Eu havia acabado de ser promovida para o cargo que sempre almejei,
pois acima de um coordenador de setor tinham apenas os acionistas da
empresa, ou seja, era o cargo mais alto que poderia chegar sem ser dona de
lá. Trabalhei muito nos últimos anos, perdi as contas de quantas horas fiquei a
mais do que deveria passar dentro daquela empresa, mas não havia feito isso
apenas querendo uma promoção. Não, eu realmente amava o meu trabalho. A
correria de fechamento de mês, o telefone tocando, os clientes muitas vezes
estressados, e os números dispostos em planilhas no Excel sem fim eram o
meu mundo.
Trabalhando, eu era plenamente realizada, eu me sentia segura e
capaz. Como se a minha mesa de trabalho me desse superpoderes. E agora eu
teria uma equipe só minha, faria a gestão de outras pessoas, poderia passar
meu conhecimento e, também, aprender com eles. Aos meus 27 anos, é um
feito e tanto. Não sabia ainda o nome do cliente que tomaria conta, mas se
mereceu um setor com uma equipe exclusiva para ele, com toda a certeza era
grande, e isso elevava ainda mais a minha empolgação. Aproveitaria muito as
minhas férias, tentaria descansar um pouco, pois sabia que, quando retornasse
para o trabalho, seria uma loucura.
Acabo de pagar a conta da espumante, pego a sacola que a menina do
caixa me entrega e a agradeço, lhe desejando uma boa-noite. Saio da loja e
vou para o carro, assim que me sento ao volante, sinto uma leve pontada no
pé da barriga, uma cólica leve, deve ser minha menstruação querendo dar o ar
da graça. Sofro com cólicas fortes desde minha adolescência, o que motivou
eu começar a tomar pílula anticoncepcional ainda muito nova, com apenas 14
anos. Desde então faço uso dela, confesso que às vezes acabo falhando nos
horários, ou esquecendo um dia, mas são raros momentos.
Ligo o carro e vou em direção ao apartamento de Bianca, liguei para
ela assim que saí da sala da minha chefe para surtarmos juntas com a
novidade da minha promoção, ela obviamente ficou radiante com a notícia e
disse que iria me esperar para brindarmos. Ela iria preparar meu prato
favorito: strogonoff. E hoje seria uma noite das meninas, já que Beto iria
jantar com os pais e terminar de arrumar suas coisas para nossa viagem. Hoje
seria só eu e Bia, como nos velhos tempos, o que me deixou ainda mais
eufórica. Por mais que eu gostasse do Beto e que estivesse realmente feliz
com seu relacionamento com a minha prima, sentia falta de momentos só meus
e dela. Não era a mesma coisa quando ele estava junto, eu não podia dormir
na casa dela sempre, ou ficar de bobeira no sábado à tarde de pijama. E essas
pequenas coisas, por menores e mais bobas que pudessem parecer, estavam
me fazendo falta.
Mas hoje mataríamos a saudade, só eu, ela e uma garrafa
absurdamente cara de espumante.

— Mandi, estou tão orgulhosa de você, você fez por merecer — diz
Bia, erguendo sua taça para brindarmos antes de começarmos a comer.
— Obrigada, Bi, obrigada por sempre estar ao meu lado — falo,
batendo levemente minha taça à dela. Ela bebe um gole do espumante que
borbulha e coloca a taça sob a mesa para ir até a cozinha buscar a panela com
o strogonoff.
Enquanto isso, pego meu celular e bato uma selfie segurando minha
taça e posto nos meus stories no Instagram com a legenda: “celebrando a vida
e as férias”. Então vejo Bia voltando com a comida, o strogonoff dela é
maravilhoso, com um molho bem grosso, do jeito que eu sempre gostei,
contudo, assim que o aroma invade minhas narinas, sinto um embrulho no
estômago e uma ânsia de vômito que não é nem um pouco comum para mim.
— O que houve, Mandi, está se sentindo bem? — Pergunta ela,
colocando o prato quente sob o descanso de mesa e vindo para o meu lado
depositando sua mão em meu ombro.
— De repente senti um enjoo, deve ser algo que comi.
— Comeu algo diferente hoje? — Questiona com sua postura de
médica, ela sempre está atenta a tudo, não consegue ser diferente.
— Não, na verdade, comi o mesmo de sempre. Deus espero que não
seja uma virose, não às vésperas da nossa viagem. Bom, pode ser esse
espumante, talvez seja meu estômago de pobre reclamando por um sabor tão
refinado — falo séria enquanto a encaro, ela sustenta meu olhar e segundos
depois ambas caímos em uma grande gargalhada.
— Ah, Mandi, só você mesmo para fazer piada com tudo. Mas, por
precaução, estou suspendendo sua bebida e a trocando por água. Também vou
chamar um iFood para trazer água de coco para ajudar a nutrir seu organismo.
E acho melhor não comer o strogonoff, vou descongelar uma sopinha de
legumes para você. Tenho certeza de que amanhã se sentirá bem melhor —
fala e nem me dá tempo para lhe responder agradecendo, pois ela sai da sala
de jantar e volta para a cozinha para esquentar a minha sopa.
Bianca é mais que minha prima ou melhor amiga, ela é meu lar. Ela
cuida de mim mesmo sem eu pedir, me paparica e acho que às vezes é até
mais minha mãe do que a minha própria. Não que Dona Vilma seja uma mãe
ruim, longe disso, minha mãe é maravilhosa, sempre fomos grandes amigas.
Mas, como ela mora longe, Bianca assumiu esse papel no meu dia a dia,
mesmo que a gente tenha apenas dois anos de diferença uma da outra. Não
consigo imaginar minha vida sem a Bianca nela.
Alguns minutos depois, Bia volta com um prato fundo soltando fumaça
no ar e o coloca na minha frente sob a mesa. O aspecto está apetitoso, é um
caldinho laranja.
— É sopa de abóbora com batata, vai te nutrir — fala enquanto senta-
se na minha frente e se serve com um pouco de strogonoff ainda quentinho.
— Obrigada, Bi — agradeço, pego a colher que ela trouxe com o
prato, aproximo dos meus lábios e começo a assoprar o líquido para resfriá-
lo antes de colocar na boca. Assim que o coloco, sinto novamente o embrulho
e preciso segurar para não cuspir a comida, pois seria uma desfeita por todo
o carinho que Bianca teve para preparar a comida para mim.
— Que foi, Mandi, está ruim? — Pergunta em tom preocupado.
— Desculpa, Bi, mas acho que não conseguirei comer nada hoje. Não
sei o que tenho — digo desanimada, pois, apesar do enjoo, sinto que estou
com fome.
— Mandi, esses enjoos começaram só hoje?
— Sim, na verdade, estava bem até a hora que você entrou com a
comida.
— Hum…
— Por quê? — Questiono, pois não gosto da sua expressão pensativa.
— Sua menstruação já desceu esse mês? — Não entendo sua pergunta,
mas me recordo da cólica leve que senti um pouco mais cedo.
— Não, mas acho que desce entre hoje ou amanhã, pois mais cedo tive
uma cólica no pé da barriga.
— No pé da barriga?
— É, embaixo da barriga, mas você sabe como sofro com cólicas.
— Amanda, existe a possibilidade de você estar grávida?
— Que? — Pergunto elevando mais do que gostaria a voz, mas não
consigo ser diferente, pois a pergunta dela é descabida e me assusta.
— Grávida. Você tem se prevenido? Quando foi sua última
menstruação? E sua última relação?
— Você bebeu demais, Bi. De cabeça, agora, eu não sei que data
menstruei, mas está para descer, e minha última transa você sabe que foi com
o Gustavo há o que? Um mês? Não lembro exatamente o dia, você sabe que
sou péssima com datas… você está me deixando nervosa e mais enjoada. Não
estou grávida, é só um enjoo, deve ser estresse, virose, ou qualquer coisa do
tipo.
— Ok, não precisa ficar histérica. Foi só uma pergunta.
— Não estou histérica, desculpa, explodi à toa, mas foi o susto. Vem
cá, minha médica particular favorita. — Me levanto e a abraço, para que ela
não fique brava pela minha grosseria. — Imagina, eu, grávida, não, isso vai
demorar muito para acontecer. — Falo enquanto beijo o topo da sua cabeça.
“Grávida”. Isso seria a última coisa que poderia acontecer comigo neste
momento. Afasto o pensamento e volto a me sentar. Coloco o prato de sopa
para o lado e emendo uma animada conversa com Bia sobre nossa viagem e
logo estamos fazendo os últimos planos para o grande dia.
— Amanhã ainda vou até o salão fazer a depilação, manicure e uma
hidratação nos cabelos — comento enquanto lavo a louça depois que Bia
acaba de comer.
— Ah, vou com você, será que eles têm horário?
— Pode deixar que eu consigo para você. — Termino de lavar tudo e
secar a pia. E vou até a sala em busca do meu celular para marcar um horário
para que Bia possa ir comigo à sessão de beleza.
Bianca mora na cobertura de um condomínio de luxo em um dos
bairros mais nobres da cidade. Por diversas vezes ela insistiu para que eu
morasse com ela, já que a cobertura conta com três suítes e tem mais de 300
m². Mas não aceitei, primeiro porque, apesar de sermos melhores amigas e
nos darmos bem, éramos muito diferentes uma da outra e acredito que a
convivência diária não faria bem para nossa relação. Eu sou extremamente
metódica e organizada, tenho TOC e sofro com o mínimo, como se um lápis
ficar fora do lugar. Já Bianca, apesar de ser médica, é totalmente bagunçada,
sua casa só permanece arrumada, porque ela fica fora a maior parte do dia e a
Dona Bina, sua empregada, cuida muito bem de tudo. Então, logo que nos
mudamos para Porto Alegre, fiz questão de ter meu próprio apartamento. Ele
não é nem de perto tão grande e tão luxuoso quanto o de Bianca, mas o paguei
sozinha com o meu trabalho. Nunca quis que meus pais me ajudassem
financeiramente, mesmo sob seus protestos constantes. Sempre quis ser
totalmente independente. Morava na Zona Sul, relativamente perto de Bianca,
mas em um bairro diferente, onde os preços dos imóveis eram mais baixos.
Meu apartamento tem 100 m², uma suíte e um quarto, e para mim é mais do
que suficiente.
— Pronto, seu horário de beleza está marcadinho. Temos que estar no
salão às 9h — digo para Bia, que se joga no sofá.
— Obrigada, Mandi, ah, estou com saudade do meu homem.
— Meu Deus, mas já? Estão há o quê? Duas horas separados? —
pergunto e me sento na ponta do sofá, colocando seus pés sobre minhas
pernas e começo a massageá-los.
— Na verdade, horas e mais horas, não o vejo desde de manhã,
ficamos longe o dia todo. Ai, Mandi, estou completamente apaixonada por
ele, nunca senti nada assim antes.
— Dá para ver no seu olhar prima, nem precisa falar. E ele também
está caidinho por você.
— Você acha? Às vezes fico com receio, Beto nunca namorou, assim
como eu, mas tem uma fila de mulheres correndo atrás e ele sendo
ginecologista não ajuda muito a me deixar segura.
— Que isso, Bi, acha que o cara fica com as pacientes? Tá louca? Ele
é um profissional e fez um juramento, e se olha no espelho, guria, você é uma
gata, não tem nada para ficar insegura. Aff — digo, revirando os olhos.
— É que nunca senti isso, nunca me senti assim, quando estou com ele,
fico boba e, quando estou longe, tenho medo de perdê-lo. Estou feliz que
vamos viajar, poderemos ficar juntinhos durante todos esses dias, assim
iremos nos conhecer melhor, criar mais intimidade…
— Vai dar tudo certo, Bi, tenho certeza de que vai. Apenas tenha
calma, é normal ficar com receio do novo, mas o amor é assim mesmo.
Apenas se permita. E lembre-se: Sempre estarei aqui, dando certo ou errado.
— Eu te amoooooo… — diz, salta em cima de mim e deposita
beijinhos pelo meu rosto.
Essa Bianca apaixonada era algo novo para mim, mas uma alegria
gigante por vê-la tão feliz.
A cordamos cedinho,
nos arrumamos e
saímos para irmos
para o salão nos preparar para a viagem do dia seguinte. Diferentemente de
como pensei que acordaria, acordei com ainda mais enjoo e sem nenhuma
vontade de tomar minha habitual xícara de café. Coisa que nunca havia
acontecido. Bianca mais uma vez me questionou sobre a possibilidade de
gravidez, mas eu fechei minha cara e mandei ela parar de falar isso. Eu não
estou grávida, não existe esta possibilidade. Quer dizer, poderia existir,
afinal, eu transei sem camisinha com o Gustavo e, bem, ele gozou comigo.
Mas não seria tão azarada assim para engravidar por uma transa. Não me
lembro com exatidão, mas acho que no último mês tomei meu
anticoncepcional direito, nunca fui muito boa de memória, mas estava
acreditando que estava tudo certo neste quesito.
Depois de mais de três horas no salão, meu enjoo parecia ter sumido,
e minha barriga estava roncando demais devido à falta de comida há quase
24 horas, pois minha última refeição foi o almoço da empresa. Como não
tinha feito compras durante a semana, pois não queria deixar comida em casa
com medo que estragasse durante a viagem, pergunto se Bia quer ir almoçar
no nosso restaurante preferido que fica no anexo de um dos maiores
supermercados da cidade.
Já passa um pouco do meio-dia quando estacionamos meu carro no
mercado Zaffari. Subimos a escada rolante e nos dirigimos ao restaurante
que já está um pouco cheio, pois é normal um grande volume de pessoas ao
sábado. Como é buffet, decidimos nos servir primeiro e depois pegarmos
uma mesa. Pego a bandeja para apoiar o prato, o guardanapo e os talheres.
Esse restaurante é maravilhoso, tem muitas opções de saladas e o tortéi
deles é divino. Começo a me servir com um pouco de alface, beterraba
cozida e algumas outras folhas verdes. Quando chego na parte dos pratos
quentes, a ânsia de vômito vem com tudo novamente. Largo a bandeja sob o
apoio do buffet para que não caia no chão e cubro minha boca com as mãos
com a esperança de segurar o que está por vir. Olho em desespero para
Bianca que está atrás de mim, já largando também sua bandeja para me
socorrer:
— Que foi, Mandi, o que está sentindo? — pergunta preocupada e
noto que as outras pessoas na fila começam a me observar com olhos
curiosos e levemente assustados. Não consigo responder para Bia,
simplesmente abandono minha bandeja e saio correndo em busca de um
banheiro, desta vez não conseguirei segurar, preciso vomitar.
Entro na primeira cabine vazia do banheiro, levanto a tampa do
assento sanitário e despejo o pouco que tinha dentro do meu estômago. Estou
suando e minhas pernas estão fracas. Não demora muito e escuto alguém
entrando no banheiro:
— Mandi, está aqui?
— Tô — respondo para Bianca e abro a cabine que entrei.
— Meu Deus, guria, o que está acontecendo com você? — pergunta e
sei que está realmente preocupada, pois eu nunca tive nada nem de perto
parecido. Sempre fui muito forte e foram raras as vezes que fiquei doente.
— Eu não sei, estava me sentindo bem quando saímos do salão,
estava com muita fome, mas aí, quando senti o cheiro da comida, o embrulho
veio, e...
— Amanda, estou indo agora mesmo ali na farmácia comprar um
teste de gravidez, você gostando ou não vai fazer, nem que eu precise tirar a
força o xixi do teu corpo — Bianca fala com voz firme e sei que não
adiantará eu tentar negar, pois se eu era teimosa, Bianca era o impossível.
— Tá, eu faço, não precisa me olhar assim, mãe. Mas eu não estou
grávida, é uma virose, só isso — digo, mas minha voz já não tem a mesma
certeza de antes e começo a me preocupar. E se? Não, não e não. Não estou
grávida.
Sempre pensei que, quando tivesse meus vinte e sete anos, já estaria
casada há pelo menos uns quatro anos. Teria dois filhos. Moraria em uma
casa com um jardim bonito. Teria um cachorro e um emprego onde seria
realizada financeiramente e profissionalmente.
É, desde nova planejei o futuro com a vida perfeita, como nos filmes
que cresci assistindo com famílias “comercial de margarina”.
Mas ninguém me contou que a vida real é bem diferente, e agora
estou aqui sentada na tampa de um assento sanitário de um banheiro público
de um supermercado, esperando os cinco minutos mais longos da minha vida
e me perguntando:
“Amanda, que merda você fez?”

Bianca não comprou apenas um teste de gravidez como disse que


faria, ela comprou cinco e duas garrafas de água, para o caso de eu não ter
vontade de fazer xixi. Estava parada em pé ao meu lado, esperando o
resultado do teste que apoiei sob minhas coxas. Eu estava olhando para o
teto, tentando acalmar meu coração que mais parecia uma bateria de escola
de samba.
— Quantos minutos faltam? — pergunto, pois já estávamos
esperando pelo que pareciam horas.
— Um — responde séria.
— Não quero olhar.
— Eu olho primeiro, se acalma, Amanda, não adianta ficar nervosa.
Pronto, deu o tempo. — Ela pega e meus olhos se fixam nos seus. Ela olha
para o objeto em sua mão direita e leva a outra livre para a boca. “Merda”,
ela não precisa nem me falar o resultado, pois seus olhos dizem tudo:

“ESTOU GRÁVIDA”

Depois de fazer quatro dos cinco testes que Bianca comprou, desisto
de tentar negar e aceito que estou grávida. Saímos do supermercado com
Bianca dirigindo meu carro, pois eu estava em estado automático, quase que
em transe.
Antes de irmos para a minha casa, Bia me leva a um laboratório para
coletar sangue e fazer o beta HCG para confirmar a gravidez. Não consigo
pensar nem sentir nada. Acho que a qualquer momento irei acordar e
perceber que tudo não passou de um sonho. Sonho não, pesadelo.
— Ai! — A picada da agulha que a enfermeira acaba de espetar no
meu braço me acorda e percebo que realmente é mais real do que pensei.
— Prontinho querida, seu resultado estará disponível dentro de duas
horas — diz a enfermeira acabando de fechar o tubo pequeno e transparente
com meu sangue dentro. Me levanto, me sentindo fraca devido à falta de
comida e a agradeço.
Bianca se levanta da poltrona na sala de espera e vem quase que
correndo ao meu encontro. Ela não disse uma palavra ainda, além de que iria
me trazer para fazer o exame. Sei que deve estar tão surpresa quanto eu.
— Vem, vamos para casa, vou preparar uma sopa leve de batata sem
sal para você e te dar um pouco de soro. Você está mais branca do que já é e
agora precisa urgentemente comer. — Não digo nada, apenas concordo com
a cabeça. E seguimos para minha casa.
Durante o trajeto, as cenas da minha noite com Guto vêm a minha
mente, meu Deus, eu estou grávida! Sei que sempre havia um risco de transar
sem camisinha e eu não costumava não usar, pois, além de gravidez
indesejada, poderia pegar alguma doença. A verdade é que sempre preveni.
Mas, naquela noite, não sei explicar se foi o perfume, o olhar ou doce sabor
da boca do Gustavo que me fizeram me perder nele e acabar esquecendo
completamente do preservativo. Nós nos encaixamos tão bem, estava tão
gostoso que simplesmente esqueci. “Sua burra, idiota, como foi se
esquecer de algo tão importante?” Meu inconsciente estava gritando
comigo, louca da vida. Meu Deus, o que eu faço agora? Como vou criar um
filho?
— Você vai contar para ele? — pergunta Bianca quando acaricia o
topo da minha cabeça que está sobre seu colo.
Depois que chegamos em casa, tomei um longo banho quente, vesti
meu pijama favorito, azul de bolinhas brancas. Consegui finalmente comer
um pouco da sopa que Bianca fez para mim, e agora estava no seu colo,
como se realmente fôssemos mãe e filha. E é a primeira vez que ela fala
desde que chegamos.
— Para quem? — pergunto sem entender seu questionamento.
— Como para quem, Mandi? Para o pai do seu filho. É o Gustavo,
não é?
— Claro que é o Gustavo, gosto de sexo, mas também não sou
ninfomaníaca. Ele foi o último cara com quem transei, e antes dele só teve
outro esse ano, mas foi no começo do ano.
— E então?
— Então o quê?
— Meu Deus, Amanda, você está grávida. Vai contar para o cara que
te engravidou ou não?
— Não grita comigo, acha que estou feliz? Acha mesmo que planejei
isso? Acha que não estou me odiando e me xingando mentalmente por ter
sido tão descuidada? Não preciso de você para ficar me olhando com esse
ar de repreensão. Eu já estou me recriminando o suficiente. E não vou contar
porra nenhuma, nem para ele, nem para ninguém. Porque não tem o que ser
contado — digo e as lágrimas que estavam presas começam a cair no meu
rosto que agora sinto que está pegando fogo.
Bianca me olha e vejo surpresa em seus olhos azuis, talvez
desespero, não sei direito, pois não consigo enxergar, meus olhos são
inundados por lágrimas e mais lágrimas. Eu estava grávida, seria mãe. Eu
sempre sonhei com a maternidade, com um lindo casamento, mas a vida não
me deu um amor de conto de fadas. Entreguei meu coração e fui enganada. E
tudo bem, ninguém está livre de ter o coração partido. Mas eu tinha superado
isso, estava feliz na minha vida de solteira. O que faria agora? Como seria
mãe? E ainda como falaria para o pai do meu filho sendo que mal o
conheço?
— Amanda, calma, você tem uma vida aí dentro que pode ser muito
pequena ainda, mas que já bate um coração. E essa vida tem um pai que
merece saber. Você não está sozinha, eu sempre estarei do seu lado. Não
precisa ter medo de nada. Se Deus lhe deu essa dádiva, então a receba.
— Ai, Bi, estou desesperada... não sei o que fazer, não esperava
isso... — respondo, chorando ainda mais.
— Calma, Mandi, calma que tudo ficará bem. Estou aqui, estou
sempre aqui. Mandi, você precisa contar para o Gustavo, acho que ele
merece saber.
— Não consigo, não ainda.
— Tudo bem, vamos para nossa viagem, já mandei mensagem para o
Beto e ele depois vem aqui para conversar contigo, explicar os exames que
precisará fazer, os remédios e vitaminas que precisará tomar... e ele irá
indicar um médico obstetra para te acompanhar durante a gestação. Vamos
cuidar de você. Mas, depois que voltarmos, você precisa contar para o
Gustavo. — Não respondo, ainda estou chorando, apenas concordo com a
cabeça e volto a me deitar no colo dela.
A animação que antes sentia pela viagem foi por água abaixo, na
realidade, não quero mais ir, apesar de achar que Bianca não concordará em
me deixar aqui sozinha, não vejo mais sentido em ir para Bahia. Não agora
que estou grávida, não agora que preciso fazer exames, tomar remédios e me
cuidar. Afinal, tem uma vida dentro mim. Não posso mais beber álcool
também. O que eu faria na Bahia se não posso curtir? É, definitivamente, eu
não devo ir nessa viagem.
— Bi, eu não vou na viagem.
— Como assim? Vai sim, Mandi, só precisa se cuidar um pouco mais,
mas gravidez não é doença.
— Eu sei, mas, para mim, não faz sentido mais. Vou ligar para a
companhia aérea e cancelar minha passagem. Vai você com o Beto e
divirtam-se por mim.
— Mas não vou te deixar aqui sozinha, não agora. Se você realmente
não quer ir, eu desmarco, adio, sei lá. Tenho certeza de que o Beto não irá se
importar, e...
— Não. Não, Bi, vocês vão. E não se preocupe comigo. Não ficarei
aqui sozinha.
— Como assim? — pergunta sem entender, pois nossa família mora
em Caxias do Sul, ali em Porto Alegre somos apenas eu e ela.
— Vou para a casa dos meus pais. Ficarei lá até o final das minhas
férias. Farei todos os exames que preciso por lá mesmo. Vai ser bom, faz
tempo que não vou para lá com calma. Terei tempo para descansar e refletir
sobre o que fazer daqui para frente.
— Vai contar para os tios?
— Ainda não sei, vou ver como estão as coisas e, se me sentir
segura, conto. Vou tentar viver um dia de cada vez. E, depois que retornar
para cá, no final das férias, vejo como contarei para o Gustavo. Não faço a
menor ideia de como ele irá reagir. Como depois de mais de um mês sem
falar com ele, chegarei para contar: “Oi, Gustavo, tudo bem? Quanto
tempo, então estou grávida e você é o pai”.
O s últimos vinte dias
foram ainda mais
intensos e eu já não
estava mais aguentando tanta pressão. No início, achei que era pelo fato de
ser tudo novo, de ter que aprender do zero todas as tarefas que agora seriam
da minha responsabilidade como CEO, mas, à medida que os dias foram
passando, as tarefas não diminuíram, pelo contrário, só aumentavam a cada
dia.
Percebi o quanto Rick me poupava dos problemas da empresa, quero
dizer, não dos problemas, pois a empresa vai melhor do que nunca. Mas a
carga de trabalho, de reuniões, de decisões que preciso tomar é absurda. Por
mais que tente entender como Rick conseguia dar conta de tudo e ainda
aproveitar bons momentos de festas e descanso, não consigo.
Eu mal tenho tido tempo para dormir, quem dirá me divertir. Ando
mais estressado do que jamais fiquei, passei a ser ainda mais fechado do que
já era e meu humor que, antes era calmo e descontraído, passou a ser sério e
até meio explosivo. Estou me esforçando para fazer o meu melhor, mas tenho
a impressão de que estou fracassando. Não sei qual Gustavo brilhante o
Ricardo enxergava, mas tenho certeza de que não sou eu.
O telefone da minha mesa toca e atendo já no automático, pois é uma
das coisas que mais faço ultimamente, atender ligações:
— Sim — digo com minha voz séria, talvez até ríspida demais, pois
não estou no clima agora. Ainda são apenas 9h da manhã, mas minha cabeça
já está latejando.
— Desculpe incomodar, Sr. Medeiros, mas os responsáveis da
empresa Globo Gestão Financeira acabaram de chegar.
— Certo, Patrícia, por favor, os acompanhem até a sala de reuniões,
em cinco minutos estarei lá. — Desligo antes mesmo de ela terminar de falar.
Droga, eu não sou assim. Mas o cansaço está acabando comigo e me
transformando em um babaca. Preciso pedir desculpas para Patrícia depois.
Desde que assumi o cargo de Rick, Patrícia tem sido mais que apenas
minha assistente, ela tem sido meu braço direito. Rick sempre elogiou muito o
trabalho de Patrícia, uma mulher de 40 anos, formada em gestão financeira,
que tinha uma postura impecável e uma eficiência admirável. Se não fosse
por ela, eu estaria perdido. Por isso me sinto ainda pior pela forma como
venho a tratando ultimamente, eu não sou assim. Pego novamente o telefone e
peço para que ela venha até a minha sala. Escuto uma batida na porta:
— Pode entrar. — Vejo Patrícia abrindo a porta, ela é uma mulher
muito bonita apesar de já ter seus 40 anos. É alta, loira, olhos cor-de-mel e
está sempre muito bem-vestida em seus conjuntos sociais. Às vezes me
pergunto se ela e Rick tinham uma relação mais íntima, mas sempre tento
afastar tais pensamentos, pois são impróprios.
— Precisa de algo, Sr. Medeiros? — pergunta e percebo que está
parada na frente da minha mesa esperando eu dizer por que lhe chamei.
— Patrícia, só gostaria de me desculpar pela forma que atendi o seu
telefonema, eu acabei sendo rude e desligando na sua cara. — Ela me fita
com olhos de interrogação e certa surpresa, como se não estivesse
entendendo o que eu estava falando.
— Oh, senhor, não precisa, eu sei que anda muito ocupado e cansado.
— Sim, é verdade, mas isso não dá motivos para que eu trate as
pessoas mal. Me perdoe, juro que sou melhor do que isso, é só que... —
Tento buscar as palavras certas, mas não consigo e acabo abaixando os
ombros em sinal de frustração.
— O senhor, se me permite, posso lhe falar uma coisa? — Patrícia
pergunta e vejo um brilho em seus olhos, quando me levanto os meus para
encará-la.
— Claro — respondo, curioso.
— Senhor, o Rick lhe amava muito. Tudo o que ele fazia era pensando
no melhor para a empresa, para que você fosse feliz vendo-a crescer. Perdi as
contas de quantas vezes vi Ricardo passar as madrugadas aqui trabalhando e,
quando eu chegava pela manhã, ele estava debruçado sobre essa mesa
dormindo. Não era fácil para ele também, nunca foi. E a empresa está
crescendo cada vez mais e isso demanda muito tempo e esforço. Mas Rick
nunca desistiu e ele sempre acreditou em você. Ele me contava o quanto o
admirava e que juntos vocês iriam dominar o mundo. Era uma alegria ver a
paixão nos olhos bonitos do Ricardo. E eu vejo essa mesma paixão nos seus...
você só precisa acreditar que pode.
— Patrícia, eu não sei nem o que lhe dizer. Não sabia que Rick
trabalhava tanto. Ele nunca me contou, nunca me deixou ver o quanto de
trabalho tinha.
— Ele não queria que você desperdiçasse o seu talento de criação
aqui. Ele sabia que o seu amor era pelas máquinas, programação e projetos.
Por isso ele tomou toda a parte burocrática para si. Para que você fizesse o
que amava. Mas agora que ele não está mais aqui, você precisa continuar e,
se quer mesmo que a empresa, ou melhor, se quer mesmo que o sonho de
vocês continue vivo, terá que trabalhar muito. Mas não se preocupe, eu estou
ao seu lado, sempre estarei enquanto precisar de mim, assim como era com
Rick. Eu o amava com todo o meu coração, não deveria estar te falando isso,
mas quero que saiba que o Ricardo foi o amor da minha vida, mesmo que
platônico, pois nunca tivemos qualquer tipo de envolvimento amoroso. Mas,
mesmo assim, eu o amei. E, no que depender de mim, farei tudo o que estiver
ao meu alcance para ajudá-lo. — Uau, por essa revelação eu não esperava,
não consigo nem falar, ainda estou processando a informação quando Patrícia
enxuga uma lágrima que cai de seus olhos pela emoção de seus sentimentos.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor?
— Não, Patrícia, vou agora para a reunião. Obrigado e mais uma vez
me perdoe, prometo que me esforçarei — digo com toda a sinceridade.
— Eu não duvido disso. Com licença, senhor, se precisar, estarei na
minha mesa. — Ela sai da minha sala e preciso de alguns minutos antes de me
levantar para ir para a reunião. Ricardo conseguia me surpreender, mesmo
depois de ter partido.

A Globo Gestão Financeira era uma empresa com mais de dez anos no
mercado e, assim como nós, vinha crescendo nos últimos anos. A escolhi para
cuidar de toda a nossa parte financeira, após analisar mais de cinco empresas
concorrentes. Assinamos o contrato na semana passada e estávamos apenas
esperando a coordenadora que seria a responsável pela equipe que cuidaria
de nós voltar de férias para termos a primeira reunião formal e alinharmos os
próximos passos.
Estava torcendo para que a responsável fosse uma pessoa competente
e amistosa, pois já estava cansado de tantas pessoas maçantes com as quais
tenho tratado nos últimos tempos.
Saio da minha sala atravessando o corredor até avistar as paredes de
vidro da sala de reuniões. Noto que tem três pessoas sentadas à mesa me
aguardando. Neste momento lamento ter esquecido de confirmar o nome da
coordenadora com a Patrícia para que, quando me apresentasse, já soubesse o
seu, isso sempre demonstra atenção e cordialidade. Abro a porta da sala e, ao
ver a linda mulher sentada em uma das cadeiras, meu sorriso congela, assim
como meu corpo. “Puta merda, Amanda?”
— Bom dia, sou o Gustavo Medeiros, CEO da G&R Marketing
Digital — digo enquanto as três pessoas à minha frente se levantam para me
cumprimentar. Amanda estava sentada no meio de uma moça, aparentemente
mais nova, a moça era negra, com um rosto muito delicado e grandes olhos
castanhos, parecia muito simpática e estava com um sorriso estampado no
rosto. Na outra ponta, um homem, com os cabelos levemente grisalhos,
acredito que ele deva ser o coordenador, apesar de ter a impressão de que
seria uma mulher. Ele me cumprimenta com um aperto de mão forte e um
olhar amistoso.
Então, após cumprimentar os dois, meus olhos encontram os dela.
Noto que seu olhar está muito diferente daquele que vinha habitando meus
sonhos, aquele que me encantou naquela noite em que minha vida mudou para
sempre. Amanda estava levemente corada, acredito que estava tão surpresa
quanto eu. Seus olhos pareciam além de surpresos, um pouco, digamos,
aflitos. Será que causo tanto espanto assim? Estendo minha mão para
cumprimentá-la. Depois de uns segundos de hesitação, ela estende a sua para
mim. Assim que nossas mãos se tocam, sinto meu coração acelerar novamente
e uma corrente de eletricidade passa por todo o meu corpo. E preciso de
todas as minhas forças para apagar as imagens dessa mulher nua e gostosa da
minha mente.
— Muito obrigada por nos receber, Sr. Medeiros — diz Amanda me
tirando do transe. — Sou Amanda Barros e serei a coordenadora do setor que
irá lhe atender. Esta é a Bárbara Jorge, minha estagiária. E este é Paulo
Freire, meu assistente. Qualquer coisa que o senhor precisar poderá sempre
solicitar para nós — ela se apresenta como se não nos conhecêssemos, será
que ela se esqueceu de mim? Não, claro que não, assim que nos olhamos, vi a
surpresa em seus olhos. Ela apenas deve estar sendo tão formal, pois estamos
na frente de seus funcionários.
Ela fala com uma segurança e tranquilidade que me deixa bobo. Ela é
tão jovem e já ocupa um cargo tão importante, bom, eu também. Amanda está
ainda mais bonita do que me lembrava. Não sei explicar, mas ela está com um
brilho, um “ar” diferente. Está vestindo um conjunto de terno e calça social
pretos, sua camisa é um rosa-escuro, seus cabelos estão soltos, caindo em
camadas pelos seus ombros. Ela tem uma elegância e beleza que a torna
impossível de passar despercebida.
— É um prazer conhecê-los, por favor, sentem-se. — Eles concordam,
sentando-se novamente. — Eu assumi há pouco tempo a presidência da
empresa, devido à morte prematura do meu primo, que era o CEO. Ainda
estou me adaptando a todas as mudanças e dando continuidade aos trabalhos
que Ricardo vinha fazendo. Fico feliz que agora terei sua empresa nos
auxiliando com toda a gestão financeira, confesso que esta parte estava me
tomando muito tempo e me deixando louco — digo com sinceridade e noto
que Amanda parece sentir minha tristeza ao mencionar o nome de Rick.
Lembro da sua mensagem no dia do velório dele, tinha carinho ali,
infelizmente, depois daquilo, não recebi mais nenhuma, na realidade, mal
tenho tempo de olhar minhas redes sociais, quanto mais me dar ao “luxo” de
trocar mensagens com alguém.
— Não precisa se preocupar, Sr. Medeiros, a partir de hoje
cuidaremos de tudo para o senhor, pode ficar tranquilo. Gostaria de nos
contar um pouco mais da história da G&R? Acredito que conhecendo um
pouco mais ela ficará ainda mais fácil traçarmos as estratégias financeiras —
Amanda pede e me animo com a ideia de compartilhar como tudo começou.
Mesmo que não goste muito de ser o centro das atenções, falar de como a
empresa surgiu era uma das coisas que mais amava.
— Claro.
Então perco a noção do tempo contando desde o início toda a nossa
história, desde o dia que eu e Rick tivemos a ideia durante uma partida de
videogame. Quando percebi, olhei o relógio e notei que já passava das onze
horas, fiquei duas horas falando sem parar. Percebo que os três à minha frente
parecem encantados com o meu relato animado, principalmente Amanda, que
em nenhum momento tirou os olhos de mim. Notei diversos momentos que seu
olhar ia dos meus olhos à minha boca. Ela tinha um olhar curioso e, em certos
momentos, parecia um olhar desejoso. “Cala a boca, Gustavo, para de
fantasiar coisas, isso aí é só abstinência por falta de sexo”. Meu
inconsciente estava gritando comigo e ele não deixava de estar certo. Estou
fantasiando coisas que não existem. Mas que culpa eu tenho se a mulher à
minha frente mexeu tanto comigo?
P recisei de todo o
meu autocontrole
para permanecer
tranquila quando vi a imagem do Gustavo entrando pela porta da sala de
reuniões na empresa do meu novo cliente. Não acredito que ELE era o CEO
da empresa G&R. Talvez se eu tivesse feito uma pesquisa antes, teria
descoberto esta informação, mas os últimos dias têm sido difíceis e não tive
tempo de me preparar para a reunião.
Passei minhas férias inteiras na casa dos meus pais no interior de
Caxias do Sul, e precisei contar para eles sobre a minha gravidez, pois
enjoei desde o primeiro dia que cheguei lá. Minha mãe sempre foi muito
atenta a mim e viu logo de cara que eu estava escondendo algo. Assim, na
segunda noite que estava lá, decidi sentar com meu pai e com minha mãe
para contar a eles:
— Mãe, pai, eu tenho uma coisa para falar para vocês — começo a
falar, meus pais me olham um de cada lado da mesa, comigo sentada na
ponta com as mãos sobre meu colo que não paravam de mexer.
— O que está acontecendo, Amanda, minha filha? Estamos ficando
preocupados com você. Primeiro cancelou a viagem que tanto esperou com
a Bianca. Aí decidi vir passar as férias aqui. Não que a gente esteja
reclamando, minha filha, ficamos muito felizes com a visita. Mas sabemos
que algo está errado — minha mãe fala.
Dona Vilma, era uma mulher linda, sempre falaram que sou sua
cópia fiel, o que sempre me deixou muito convencida. Ela e meu pai, Seu
Wagner, não tinham um casamento de conto de fadas. Talvez por isso eu
tenha tanta dificuldade em acreditar em amor. Eles se dão bem, são
casados há 35 anos, mas não vejo nenhuma faísca de paixão em seus
olhares. Meu pai concorda com a cabeça com tudo que minha mãe fala.
— Sim, mãe, tem algo acontecendo comigo. Eu não sei falar isso de
uma maneira melhor, então, bem, estou grávida. — E neste momento uma
onda de silêncio invade nossa cozinha. Não se escuta nada, nem mesmo
nossas respirações, pois nós três a prendemos. Olho de um para o outro e
ambos estão com seus olhares fixos em mim. Depois do que parece ser uma
eternidade, meu pai fala.
— Grávida? Você tem certeza? — pergunta com uma calma que me
espanta.
— Sim, pai, antes de vir, fiz os exames de sangue. Estou de quase
dois meses.
— E quem é o pai? — desta vez é minha mãe, ela está emocionada e
não segura as lágrimas.
— O nome dele é Gustavo, mas não é meu namorado. Bom, na
verdade, só nos vimos uma vez, e acabou acontecendo…
Eles não falam nada. Fico esperando pelos gritos do meu pai que
sempre foi muito estourado, mas eles não vêm. Então, espero pelo sermão
sem fim da minha mãe, dizendo que eu deveria ter me cuidado, que deveria
ter me prevenido, mas também não acontece. Eles parecem perdidos em
seus próprios pensamentos e sou eu quem precisa quebrar o silêncio.
— Não planejei isso, mas acabou acontecendo. Vocês sabem que,
por eu ser celíaca e ter descoberto tão tarde, meu organismo foi muito
afetado e o médico disse que eu teria muitas dificuldades para conseguir
engravidar. Mas aconteceu.
— Tudo bem, minha filha, isso não é um problema, pelo contrário.
Não se preocupe com nada, cuidaremos deste bebê com você — diz meu
pai. — Na verdade, se você quiser, pode voltar a morar conosco, assim
poderemos te ajudar ainda mais. Essa casa é grande demais e seria
maravilhoso ter uma criança de novo aqui correndo.
— Não, pai, não posso me mudar. Sou feliz no meu trabalho, acabei
de receber a promoção que tanto esperei. E, também, não posso
simplesmente me mudar, minha vida é em Porto Alegre.
— Tudo bem, depois vemos isso — diz ele. Meu pai tinha mania de
controle e achava que o jeito dele era sempre o jeito certo. Isso era uma
das coisas que me irritava muito nele.
— Filha, você já contou para o rapaz sobre sua gravidez? — minha
mãe pergunta.
— Não, ainda não, contarei quando voltar, precisava deste tempo
para entender tudo isso e pensar no que fazer daqui para frente.
— Ótimo, minha filha, eu acho ótimo que não tenha contato. Ele
nem precisa saber, você não precisa de homem nenhum, você tem a mim e a
sua mãe. E nós três podemos cuidar muito bem desse bebê.
— Pai, que absurdo, lógico que agradeço o apoio de vocês, mas é
claro que preciso contar para o Gustavo, afinal, ele será pai. Ele precisa
saber.
— Você gosta dele?
— Não, quero dizer, ah, foi apenas uma noite, não o conheço para
saber como ele é — digo de cabeça baixa com um fio de voz, porque é
vergonhoso admitir para meus pais que engravidei de um desconhecido
com quem transei na primeira noite que o vi.
Eles não falam nada, devem estar com pena de mim. Então, depois
de mais alguns minutos, sinto duas mãos em meus ombros, uma de cada
lado. Levanto a cabeça e vejo meus pais ali me acolhendo. Neste momento
agradeço a Deus pela família que tenho, sei que será difícil o que está por
vir, mas fico feliz por saber que tenho eles ao meu lado.
— Bom, assim começou a G&R Marketing Digital e, no que depender
de mim, iremos crescer ainda mais, devo isso ao meu primo. — Escuto
Gustavo terminando de contar a história da sua empresa.
Ele era ainda mais bonito do que me lembrava e vê-lo falar da sua
empresa e do seu primo com tanto amor, tanto carinho, me emocionou.
Precisei segurar por diversos momentos as lágrimas que quiseram escapar
pelos meus olhos. Outro efeito da gravidez, além dos enjoos constantes, meu
humor mudou muito. Ando cada dia que passa mais sensível e sentimental.
— Vocês trouxeram o contrato assinado? A Sra. Carina me informou
que mandaria por vocês — pergunta Gustavo, e preciso me concentrar para
entender o que falou, ando muito distraída ultimamente. Bárbara me cutuca
levemente por debaixo da mesa para chamar minha atenção para a pergunta
de Gustavo. Preciso me lembrar de agradecer a ela depois.
— Sim, Sr. Medeiros, aqui está o contrato assinado e já registrado
em cartório. — Estico minha mão para que ele pegasse o contrato. Ele me
olha e preciso me concentrar para lembrar de respirar.
— Obrigado, Sra. Barros. Bom, vocês gostariam de conhecer as
instalações da empresa antes de irem embora? — questiona, vejo que
Bárbara parece se animar com a ideia e não posso julgá-la, afinal, aos meus
18 anos também era assim como ela. E o fato de tal convite vir do CEO que
exala charme do outro lado da mesa também contribui muito. Gustavo estava
gostoso com um conjunto de termo azul-marinho e gravata cinza. "Meu Deus,
me ajuda aqui". Decido não ficar, não consigo ficar mais um minuto na
presença de Gustavo. Não sei ainda como contarei a ele sobre a minha
gravidez, não esperava encontrá-lo aqui. “Pelo amor de Deus, Amanda,
respira.” Meu inconsciente suplica, pois tenho a impressão de que a
qualquer momento poderia desmaiar.
— Agradecemos muito o convite, mas teremos que deixar para uma
próxima oportunidade. Acabo de retornar de férias e tenho muitas coisas
para colocar em ordem no escritório. Mas tenho certeza de que não faltarão
oportunidades — Digo com uma voz que sai um pouco mais alta do que
gostaria, o que, para meus dois colaboradores que já me conheciam há algum
tempo, causa surpresa.
— Tudo certo, vamos conversando sobre os próximos passos, então
— fala Gustavo se levantando para se despedir de nós. Ele aperta a mão de
Paulo e logo em seguida a de Bárbara. — Srta. Barros, será que podemos
trocar uma palavra a sós por um momento, por favor? — ele questiona, e
sinto que irei desmaiar a qualquer momento mesmo, pois minhas pernas
parecem ter se transformado em gelatina. Mas não posso recusar, afinal, ele
é meu cliente, na verdade, é quase como meu chefe. O que Paulo e Bárbara
pensariam se eu recusasse conversar com ele?
— Claro, senhor, Paulo, Bárbara, por favor, podem ir para o carro,
encontro com vocês em um instante. Obrigada. — Eles se despedem e saem
da sala de reuniões. Permaneço de pé e olho para o chão, estou nervosa, não
sei o que Gustavo irá falar.

— Estou surpreso por ser você a coordenadora que irá trabalhar


comigo — Gustavo fala colocando as mãos nos bolsos de sua calça social, o
que acaba ajustando a mesma ainda mais ao seu corpo. Ele é gostoso pra
caramba.
— Pois é, confesso que também estou, como estava de férias, acabei
não pesquisando mais sobre a sua empresa e não sabia que você era o CEO.
— Como está, Amanda? — pergunta com aquela voz sexy que lembro
de ouvir sussurrando besteiras no meu ouvido.
— Bem, e você? — indago, pois é tudo que consigo falar.
— Indo, a empresa tem me deixado meio louco, mas preciso me
esforçar — fala, e agora sinto cansaço em sua voz, então levanto os olhos e
o encaro, seus lindos olhos azuis estão sem o brilho que me lembrava,
também percebo que, por trás da armação dos óculos de grau que usa, tem
olheiras profundas, sinal de que não deve estar dormindo bem. Meu coração
aperta, se com a empresa ele já está cansado, imagina quando souber que
será pai?
— Amanda, sei que você disse que não busca relacionamento sério,
mas aceitaria jantar comigo essa semana? Eu realmente preciso me distrair
um pouco e bem, você seria uma boa companhia.
Ele está me chamando de puta fácil ou é impressão minha? Não, claro
que é impressão, ele não parece ser o tipo de cara que fala isso. Gostaria de
poder falar que não poderia sair com ele, que já tinha compromissos, mas a
realidade é que o convite veio a calhar. Talvez fosse Deus me mandando
falar logo o que preciso dizer para esse homem. Não posso mais fugir.
— Sim, Gustavo, seria um prazer.
Noto que seu olhar parece surpreso, talvez pensasse que eu fosse
recusar, será que se arrependeu de ter convidado? “Ai, Amanda, quando
começou a ser tão insegura? Se situa, guria”. Grita meu inconsciente.
— Qual sua comida preferida? — pergunta.
— Bem, estou passando por uma dieta especial e sou celíaca, então
minha alimentação está mais restrita. É difícil encontrar restaurantes que
sejam 100% livre de contaminação causada pelo glúten. Então, se você não
se importar, gostaria de jantar na minha casa?
— Você é celíaca? Faz tempo? Ricardo também era, ele sofreu
bastante, pois, quando descobriu, já tinha 15 anos e foi muito complicado se
adaptar a todas as restrições. — Nossa, ele conhece minha doença, sabe
como é complicada, mais uma vez sinto meu coração apertar, ai, esses
hormônios da gravidez ainda acabarão comigo.
— Sim, descobri há poucos meses, na verdade, e está sendo muito
difícil me adaptar. Meu organismo está muito prejudicado e nem gosto de
imaginar o que poderia acontecer se demorasse um pouco mais. São poucas
as pessoas que sabem sobre a doença celíaca.
— Sim, estudei muito sobre para ajudar o Rick. Também conheço
alguns restaurantes muito bons que são livres de glúten. Mas, se você se
sentir mais à vontade na sua casa, para mim, será um prazer.
— Na sexta à noite, você está livre?
— Livre, eu nunca estou, mas será maravilhoso poder fugir um pouco
de tudo isso. Às vezes, acho que vou explodir a qualquer momento.
— Imagino. Bom, anota aí meu WhatsApp, depois me dá um oi, aí te
mando certinho meu endereço.
— Legal, pode falar. — Depois de passar meu número de celular
para ele, digo que preciso ir pois estão me esperando.
— Amanda, realmente foi um prazer te ver de novo. Obrigado por
aceitar jantar comigo — diz, abrindo a porta da sala para mim. Assim que
passo, sinto o aroma do seu perfume, amadeirado e marcante. Ele segura
minha mão e então me viro para encará-lo. — Estou ansioso para sexta-feira
— fala e então deposita um beijo na minha mão. O simples roçar dos seus
lábios na minha pele me causam arrepios.
— Até logo, Srta. Barros.
— Até, Sr. Medeiros.
Sigo em direção aos elevadores com a sensação de que meu rosto
estava pegando fogo e que a qualquer momento entraria em combustão. Que
Deus me dê forças. Não posso me apaixonar. Não quero me apaixonar.
A manda estava ainda
mais linda do que
me lembrava, fiquei
com receio de chamá-la para sair, mas não consegui resistir. Olhar sua boca
carnuda enquanto falava mexeu comigo. Andava tão estressado que pensei
que um momento ao seu lado poderia me fazer relaxar e esquecer um pouco o
trabalho. Achei que ela recusaria, mas vibrei por dentro quando ela aceitou.
Ao beijar sua mão e sentir seu perfume, precisei controlar meu pau dentro das
calças, nunca fui assim, mas desde aquela noite me sinto um depravado e
quase todas as noite acordo molhado. Ela se tornou minha fantasia e dona dos
meus sonhos.

Não estou apaixonado, quer dizer, apesar de acreditar e buscar o


amor, não acho que a Amanda seja a mulher da minha vida. Naquela noite,
depois do nosso encontro, ainda com ela nos meus braços, cheguei a achar.
Pois nosso encontro pareceu cena de filme. Mas, depois da forma como ela
partiu, percebi que era apenas uma curtição, uma transa sem importância. Aí
veio a morte do Rick e minha vida mudou.

Mas não a esqueci, e o destino parece gostar de brincar comigo, pois


justo ela será a responsável por me ajudar nas finanças da empresa, o que
exigirá trabalhar muito tempo ao seu lado. Esse jantar seria uma boa
oportunidade de conhecer um pouco mais sobre essa misteriosa mulher que
habita meus sonhos.
A semana passou voando, diversas reuniões e contratos novos foram
fechados. Estava exausto, não consegui fazer minha corrida nenhum dia
sequer nesta semana, e isso me deixava ainda pior. Correr sempre foi minha
melhor terapia, conseguia me desligar do mundo e apenas curtir o vento
batendo no meu rosto e a adrenalina acelerando meu coração.

Já não sei até quando conseguirei segurar as pontas sozinho, preciso


urgentemente de um vice-presidente que me ajude. Conversei na quarta-feira
com o conselho diretor e coloquei entre as prioridades do próximo mês a
contratação do vice-presidente, cargo esse que era meu, mas que graças ao
Rick nunca o exerci como deveria.
Às vezes me sentia frustrado e chateado por ter sido tão desatento a
empresa. Ficava tão empolgado com os desenvolvimentos dos projetos que a
parte administrativa não fazia parte do meu mundo. Ricardo abraçou tudo e
me poupou de diversos assuntos importantes, o que me deixa ainda pior, pois
me sinto um péssimo amigo por nunca ter notado todo o esforço e trabalho
que ele tinha.

Agora consigo lembrar de diversos momentos que Rick me dizia que


não podia me encontrar, pois já tinha compromisso. Sempre pensava que era
com alguma garota ou alguma festa. Mas agora sei que era para passar mais
horas na empresa, dando conta sozinho de uma carga gigante de trabalho para
que eu pudesse “criar”.

A festa da noite do acidente foi a primeira em meses que ele se


permitiu ir, descobri isso em uma das conversas com Patrícia e me senti ainda
pior.
Eu ficava no meu mundinho de programação e projetos e não dava a
mínima para o que se passava ao meu redor, confesso que sinto muita falta da
minha equipe. Eles, às vezes, vêm na minha sala pedir uma opinião ou me
contar algo novo, mas não é a mesma coisa, pois na maioria das vezes estou
ocupado em uma ligação ou em reuniões sem fim e mal consigo dar atenção.

Cada dia que passa meu mundo se fecha um pouco mais, meus dias
estão em um looping infinito. Acordo, trabalho, às vezes como, às vezes
durmo, acordo, trabalho... e assim vai. Mas tento afastar esses pensamentos e
me concentrar no dia de hoje. Sim, a sexta-feira chegou novamente, só que
esta é a primeira desde que Rick partiu que sinto um pouco de empolgação.
Pego meu celular de cima da mesa e leio novamente, acho que pela décima
vez, a mensagem que recebi mais cedo:

“Oi, Gustavo, tudo bem?


Desculpa ter demorado tanto
para entrar em contato, mas
minha semana foi
literalmente uma loucura.
Além de todo o trabalho
acumulado em razão das
minhas férias, tive algumas
surpresas que me tiraram da
órbita (mas isso te conto
mais tarde).

Quero confirmar se está tudo


certo para nosso jantar,
também gostaria de saber se
gosta de comer escondidinho
de carne seca.
Bom, ficarei aguardando sua
resposta, mas já vou te
mandar meu endereço pela
localização. Espero que sua
semana tenha sido melhor
que a minha.

Até mais, beijos, Mandi”.

Passava do meio-dia e ainda não havia respondido, pois sempre que


pegava o celular para responder com calma e atenção alguma coisa me
atrapalhava. Mas como era hora do almoço e nas sextas a maioria dos
funcionários saía para almoçar, conseguiria aproveitar para responder.

Oi, Mandi, posso te chamar


assim? Comigo está tudo bem,
tudo muito corrido, mas bem. E
com você?
Fico feliz que não tenha
esquecido nosso jantar, eu
imagino a loucura que deva ter
sido a sua semana, a minha não
está muito diferente também.
Fiquei curioso para saber o que
te tirou da órbita, parece ser algo
interessante �� .
Eu gosto muito de escondidinho
de carne seca, na realidade, eu
gosto muito de comida, nunca tive
fressuras para nada.
A que horas eu posso chegar?
Precisa que eu leve alguma
coisa? Aguardo a localização.
Beijos, Guto”.

A resposta vem quase que imediatamente e sinto meu coração acelerar


com a empolgação.
“Claro que pode me chamar
de Mandi, te chamarei de
Guto, então. Ah, que bom
que não tem frescuras, pois
minha alimentação está cada
dia mais restrita. Não
precisa trazer nada e pode
chegar às 20h. Segue meu
endereço”.

“Nossa, você é praticamente


minha vizinha, moro no
condomínio do lado do seu,
hahaha”.
“Tá brincando? Nossa, que
coincidência, engraçado que
nunca nos cruzamos por aí...
Bom, então não tem desculpa
para se atrasar. Agora preciso
voltar ao trabalho, meu almoço
acabou. Ah, aproveitando,
mandei um e-mail com um
relatório que você precisa
assinar, se puder me enviar até às
15h, adiantaria muita minha vida.
Beijos Guto e até depois”.

Amanda era realmente surpreendente, ela consegue mudar de assunto


num piscar de olhos. Penso na sua conclusão: “Nossa, que coincidência,
engraçado que nunca nos cruzamos por aí…” E concordo, além de ser uma
grande coincidência, era engraçado nunca ter visto ela por ali, afinal, eu saía
todos os dias para correr e, em geral, era em diferentes horários, não que isso
justifique esbarrar em todos os vizinhos próximos, mas muitos rostos me eram
familiares.
Aproveito meu estado feliz de espírito e abro meu e-mail para assinar
o documento que ela mencionou. Longe de mim atrasar a vida da garota.

“Documento assinado,
digitalizado e enviado chefa ;)”.

Espero uns minutos para ver se ela irá me responder, mas não o faz e
logo meu telefone toca e volto para a realidade e mergulho no trabalho.
Se pensei que descobrir minha gravidez havia sido o ponto alto de surpresa da minha
vida, estava completamente enganada.
Na segunda-feira após sair da reunião com o Gustavo, passei para realizar o
meu primeiro ultrassom, pois já estava marcado há uma semana. Aproveitei minha
hora de almoço para isso.
Cheguei na clínica e estava ansiosa, nervosa e apreensiva, tudo ao mesmo
tempo. Já havia feito exames de ultrassom, mas aquele era o mais importante de toda
a minha vida. E estava ali sozinha, Bianca chegaria à noite de sua viagem. Ela e Beto
acabaram ficando dois dias a mais do que o planejado. Bia estava radiante e me
enchia diariamente de fotos, uma mais apaixonante do que a outra.
Minha mãe até quis vir comigo para ficar alguns dias lá em casa, mas na
última hora teve que desistir, pois surgiram uns imprevistos na empresa dela e do
meu pai. Eles trabalhavam em uma confecção grande, por isso desde nova aprendi
muito sobre o valor do trabalho e do dinheiro. Nunca passei nenhum tipo de
necessidade, mas também não vivi uma vida de luxos. Até vir para Porto Alegre para
estudar, trabalhei na confecção com meus pais, e o sonho deles é que, quando eles se
aposentem, eu assuma o negócio, mas não é o meu desejo.

...

— Srta. Amanda Barros? — Ouço a enfermeira me chamando. Chegou a


hora de ver meu pequeno pacotinho.
Depois do susto inicial pela descoberta da gravidez, fiquei feliz com a ideia
de ser mãe, afinal, quando era mais nova, sonhei com isso, na realidade, achava
que a esta altura da minha vida já teria dois filhos.
— Boa tarde — digo, seguindo com a enfermeira para a sala onde faria o
exame. Ela me passa as instruções e me deixa a sós no quarto para que tire a
roupa e coloque o avental. Nunca gostei desses exames, sempre me sinto
desconfortável, mas é necessário. Depois de alguns minutos, estava deitada na
maca aguardando o médico responsável pelo exame.
— Boa tarde, senhorita, sou o Dr. Carlos, como vai? — diz o médico que me
parece muito simpático, o que me deixa mais relaxada, ao entrar na sala.
— Boa tarde, doutor, estou bem.
— Então, é seu primeiro ultrassom gestacional, querida?
— Sim, doutor, confesso que estou nervosa.
— Não fique, vamos ver como está. — O médico inicia os procedimentos.
Sinto o já conhecido desconforto logo que ele introduz o aparelho no meu canal.
Então olho para a grande tela à minha frente, mas não consigo entender as
imagens. — Querida, você chegou a fazer o exame de sangue para confirmar a
gravidez? — Ele me questiona o que já me deixa em alerta, será que algo está
errado com o meu bebê?
— Fiz sim, doutor, no mesmo dia que descobri pelo exame de urina.
— E você se recorda do valor do beta hcg? — Então tento puxar pela
memória, memória essa que não anda das melhores ultimamente, outro efeito de
estar gravida.
— Acho que deu 100 mil mlU/ml, mas não tenho certeza, minha memória
não está muito boa.
— Não se preocupe, é normal acontecer isso com as gestantes.
— Está tudo bem com meu bebê, Dr. Carlos?
— Na verdade, pelo que vejo aqui, está tudo excelente, mas não com o seu
bebê. — Meu coração então para.
— Como assim? Como assim não com o meu bebê?
— Minha querida Amanda, você não está grávida de um bebê. — Olho
assustada para ele, e já ia começar a chorar, quando então ele continua. — Você
está grávida de dois bebês. Parabéns. minha querida, você terá gêmeos.
— Eu o quê? — grito, literalmente grito. E meu grito sai tão alto e
assustado que a enfermeira entra correndo na sala para ver o que estava
acontecendo.
— Fique calma, Amanda, ficará tudo bem. Por favor, Carin, traga um copo
d’agua para ela — o médico pede para a enfermeira que prontamente o atende.
— Gêmeos? O senhor tem certeza, doutor? Não pode ser verdade, nunca
houve gêmeos na minha família…
— E na do pai? — ele pergunta e então me lembro que não fiz os bebês
sozinha, começo a rir de nervosismo e o médico me encara, talvez me achando uma
louca.
— Talvez na família dele tenha.
— Bom, mesmo que não tenha, acontece, é raro, mas acontece. Sua gravidez
está muito saudável, você está de nove semanas.
— Que bom — é tudo o que consigo dizer, ainda estou tentando absorver a
informação de que serei mãe de dois. Se um já estava me tirando o sono, como
daria conta de dois?
Assim que saí da sala de exame, todas as pessoas que estavam aguardando
na recepção da clínica me olharam, algumas com olhares curiosos, em outros vi
alegria, e em alguns pêsames. Todos devem ter ouvido meu grito quando descobri
que estou grávida de gêmeos.

...

E hoje era o grande dia. Chegou o momento de contar para o pai destas
crianças a verdade. Isso tem me tirado o sono, me pego no meio da madrugada
ensaiando como contarei para o Guto isso.

Encontrá-lo na segunda-feira me fez ver que era o destino me avisando que eu


precisava encarar o problema que não poderia ficar adiando. Eu seria mãe de
gêmeos e o Gustavo era o pai. Por mais que tentasse imaginar sua reação, não
conseguia. Será que ele já tinha filhos? Não, acho que não, caso contrário teria
alguma foto com ele nas suas redes sociais. Também tinha certeza de que ele era
solteiro, não parecia o tipo de homem que trai. Ele parecia um bom rapaz, e tinha
esperança de que seria um bom pai.
A ntes de ir para o prédio
da Amanda, passei um
uma lojinha
conveniências que tinha no térreo do meu. Comprei uma garrafa de um bom vinho
de

branco, torcendo para que ela apreciasse e, também, uma caixa de bombons finos de
Gramado, afinal, era a primeira vez que iria na casa dela, então, não poderia chegar
de mãos abanando. E, outra, eu que a convidei para o jantar, era o mínimo que
poderia fazer.

O prédio dela era realmente ao lado do meu, logo, fui a pé, a noite estava
com um clima agradável e a lua no céu estava cheia e brilhante. Após me identificar
na portaria, o porteiro, um senhor grisalho muito simpático, liberou minha entrada.
Amanda morava no 8º andar, o prédio era bem parecido com o meu, não era luxuoso,
mas era de um padrão mais elevado. Apertei o botão para chamar o elevador, que se
encontrava no 12º andar; ao lado da porta, encontrei um garotinho, de aparentemente
10 anos, ele me olhou desconfiado, como se fosse dono do prédio, e eu, um intruso.
Então, após alguns segundos, ele, muito sério, perguntou para mim:

— O senhor é o novo morador do 5º andar?


— Ah, não, só estou visitando uma amiga. — Então o garotinho, ainda sério,
concordou com a cabeça sem falar nada. Depois de mais uns segundos, perguntou
novamente.

— É a moça bonita do 4º andar? Ela sempre recebe visitas, papai disse que é
uma moça simpática demais, mas a mamãe não acha. Ela é síndica do prédio, e eu
sou o segurança. — Ao ouvir isso, não consigo conter a risada, imagino o tipo de
visitas que a tal moça simpática deve receber para a mãe do garoto não gostar dela.

— Então, preciso da sua autorização para ir visitar minha amiga, não é


mesmo? — pergunto, entrando na brincadeira do menino que, ao ouvir minha
pergunta, se anima e endireita ainda mais sua postura.

— Sim, eu cuido de tudo por aqui, sua amiga é de qual andar?

— Do 8º, o nome dela é Amanda.

— A Mandi, ela é minha amigona. Hum, você é amigo dela? Nunca vi você
aqui... — quer saber, parecendo preocupado pela amiga.

— Sou sim, mas é a primeira vez que venho aqui. Trabalhamos juntos.

O elevador chega e entro, seguido pelo garotinho, que ainda não parece muito
convencido com a minha presença visitando sua “amiga” à noite. Aperto o botão do
8º andar e noto que o garoto não aperta nenhum outro. Bom, talvez seja do mesmo
andar que Amanda. Depois de poucos instantes, o elevador chega ao seu destino.
Saio e vejo que o garoto me segue, mas finge que está indo para o outro lado do
corredor. Me dirijo à porta do apartamento 805, conforme a Amanda me passou.
Aperto a campainha e poucos segundos a porta se abre, revelando uma Amanda ainda
mais bonita do que vi na segunda-feira. Não consigo lhe cumprimentar, pois somos
abordados por um garoto que parecia realmente preocupado.

— Mandi, esse cara disse que é seu amigo, é mesmo ou quer que eu o bote
para correr? Sabe que sou o segurança aqui. E ninguém vai mexer com você. — Olho
dele para Amanda, que abre um sorriso quando escuta o discurso do pequeno
protetor.
— Gui, o Gustavo é meu amigo, sim. Gustavo, esse é o meu amigo e
segurança do meu prédio Guilherme, mas pode chamá-lo de Gui. Gui, esse é o
Gustavo, mas pode chamá-lo de Guto — diz Amanda, fazendo as devidas
apresentações. Então, eu vejo o garotinho estendo a mão para me cumprimentar, a
aceito, ele aperta firme.

— Então, meu trabalho aqui está feito. Boa noite, Mandi, boa noite, amigo
Guto.

— Boa noite, Gui, e muito obrigada — ela responde e depois vemos o


garotinho entrar novamente no elevador e partir. — Ele é uma figurinha, por favor,
entre, Guto, fique à vontade — fala, abrindo totalmente a porta da entrada e me
convidando para entrar.

— Obrigado, trouxe para você — digo-lhe, estendendo o vinho e a caixa de


bombons que segurava no meu braço esquerdo. — Os chocolates são sem glúten. —
Me aproximo dela e lhe dou um beijo na bochecha rosada de seu rosto. Ela estava
com o mesmo perfume da noite que nos conhecemos, refrescante e floral.

— Ah, Guto, não precisava, muito obrigada.

— Gosta de vinho e chocolate? — pergunto com curiosidade, pois queria


agradá-la, mas não sabia se havia acertado.

— Amo, mas não estou bebendo no momento — revela, e noto um certo


tremor na sua voz. Bom, talvez esteja tomando algum medicamento, talvez um
antibiótico, ou ainda estivesse de dieta. Lembrei que, por ser celíaca, sua
alimentação é mais restrita. — Pode se sentar, fica à vontade, o escondidinho já está
no forno. Se importa se eu colocar seu vinho para gelar e abrir um que eu já tinha
aqui?

— Não, claro que não. Adoraria uma taça, obrigado — falo enquanto me
sento no sofá da sua sala. — Muito bonito seu apartamento, mora aqui há muito
tempo?
— Há uns sete anos mais ou menos. Desde que me mudei para cursar a
universidade. Sou natural de Caxias.

— Sério? Eu também. Mais uma coincidência, hein?

— E, não é? — ela fala, voltando da cozinha com uma taça de vinho branco
na mão. Ela me estende. — Espero que goste, é do mesmo tipo de uva do que você
trouxe.

— Obrigado — digo enquanto pego a taça e a vejo se sentar timidamente ao


meu lado. A encaro, ela está linda, com os cabelos soltos, pouco abaixo dos ombros.
Veste uma calça escura, sapatilha preta nos pés e um blusão levinho, cor-de-rosa,
claro. — Fico feliz que tenha aceitado jantar comigo e ainda mais por me aceitar na
sua casa. Depois da forma como foi embora naquela noite, achei que me daria um
fora.

— Desculpe por aquela noite, não costumo ser assim. E gostei muito do seu
convite, na verdade, ele veio na hora certa.

— Então, Amanda, me conta mais sobre você…

Peço, e ela começa a me contar sobre sua vida. Ela fala de uma maneira tão
leve que é como se estivesse lendo um bom livro, um daqueles que conseguimos
visualizar as cenas, aqueles ricos e cheios de detalhes. Enquanto ela me conta, a
observo e fico hipnotizado por sua beleza. É impossível não me lembrar dos
momentos daquela noite, essa garota, ou melhor, essa mulher consegue despertar algo
em mim que nunca havia sentido. Ela tem um olhar, um sorriso e uma voz sexy, meio
rouca, que mexem diretamente comigo. Ou, para ser mais claro e preciso, que mexem
diretamente com meu pau.
Gustavo era ainda mais legal do que imaginei, além de ser muito inteligente. Nosso
papo flui muito bem e, durante todo o jantar, não houve nenhum momento de silêncio
constrangedor, que costuma ser comum entre pessoas que se conhecem há pouco
tempo. Me senti à vontade na presença dele, quase me esqueci do peso que estava
carregando, e não era na barriga, era nos ombros, pelo segredo estar pesando. Com o
avançar das horas, havia chegado o momento, precisava falar com ele sobre a
gravidez.

Tentei abordar assuntos relacionados à família durante nossa conversa.


Descobri que, assim como eu, ele também é filho único. Seus pais são casados e
parecem ter um casamento feliz. Seu primo que faleceu era como um irmão e ele
sente muito a sua falta. Ele me contou diversos momentos da sua infância, parecia
falar com muito amor sobre sua família, o que me fez ficar um pouco mais tranquila.

— Posso te ajudar lavando a louça? É o mínimo que posso fazer depois desse
jantar maravilhoso que você preparou — Gustavo fala, já se levantando e começando
a recolher os pratos da mesa.

— Não. Você é meu convidado. É a primeira vez que vem aqui, então, está
proibido de fazer qualquer coisa.

— Capaz, Mandi, deixa eu te ajudar.

— Não e não teima comigo. Na próxima, você lava — digo, tirando o prato
de sua mão e colocando de volta na mesa. Não era hora de pensar em louça. Peguei
Gustavo pela mão e fui até a sala. — Senta aqui.

— Então terá próxima vez? — diz enquanto senta-se bem perto de mim, sinto
meu rosto esquentar. Ele me olha e, por um segundo, me perco nos azuis dos seus
olhos. “Ele é tão lindo.” Penso. — Amanda? — sussurra se aproximando ainda mais
de mim. Então sinto sua mão acariciando meu rosto, o toque causa um arrepio pelo
meu corpo. — Posso te beijar?

Tudo que eu queria era beijá-lo, seu perfume, seu olhar, estavam me deixando
louca. Talvez fossem os hormônios, andava cada vez mais sensível. Mas, ao invés de
me perder como gostaria, voltei para a realidade, não podia esperar mais e nunca fui
boa para ficar floreando. Às vezes, gostaria de não ser tão racional, mas era mais
forte do que eu. Então, me afastei um pouco dele e declarei com uma voz que saiu um
pouco mais estridente do que gostaria:

— Estou grávida — falei, assim, na lata.

— O quê? — Ele se afasta um pouco e pergunta surpreso.

— Gustavo, o motivo de eu ter aceitado esse jantar foi porque eu precisava


conversar com você — digo já com uma voz um pouco mais calma.

— Comigo? Por quê? — Ai, Deus, por que, quando os homens precisam usar
o cérebro, eles preferem ser burros? Penso.

— Depois que voltei de viagem, já estava planejando te ligar. Mas o destino


me pegou de surpresa e te encontrei na segunda. Então, você sugeriu um jantar e vi a
oportunidade que precisava para conversar com você — digo sem pausa para
respirar, pois, se eu parar, não conseguirei mais. — Gustavo, estou grávida há dois
meses e, bem, você é o pai.

— Eu? Amanda, você está falando sério? Não gosto de brincadeiras… —


diz, parecendo confuso e surpreso. Ele está sério. Acaba se levantando do sofá e
caminha de um lado para o outro. O que me deixa tonta e começa a me enjoar.

— Sim, Gustavo. Não brincaria com algo assim. E antes que você pense que
sou do tipo que sai transando com qualquer um, não sou assim. Aquela noite
aconteceu. Gostei de você e simplesmente rolou. Acredito que você se lembra que
não usamos camisinha e, bem, infelizmente, acabei esquecendo algum dia do
anticoncepcional… e aconteceu. Estou grávida. Não planejei isso, mas a vida gosta
de surpreender — explico, pois é a verdade.

— Eu… nossa, eu não sei o que dizer… por que não me contou antes? Por
que esperar tanto? Há quanto tempo sabe? Amanda, isso é muito sério — fala,
parando de andar e sentando-se novamente no meu sofá.

— Me desculpa, não é fácil assimilar tudo… acredito que para quem


engravida dentro de um relacionamento estável seja mais fácil. Mas, bem, nós
transamos uma vez. Eu ainda estava processando tudo. Eu precisei desse tempo para
entender. Estava com minhas férias para começar, tinha planejado uma viagem para a
Bahia com minha prima, mas acabei desmarcando e indo para Caxias, passar o tempo
na casa dos meus pais. Me fez bem, lá é calmo e consegui entender e aceitar que
agora serei mãe. Também ensaiei por horas como te contaria, mas não saiu nada
como o planejado.

— Amanda, por favor, não me entenda mal, mas tem certeza de que sou o pai?
— Eu gostaria de sentir raiva pela pergunta que ele acabou de fazer, pois já havia
dito que não sou fácil e não saio com qualquer um. Mas como poderia julgá-lo?
Provavelmente, no lugar dele, do jeito que eu sou, seria bem pior, com certeza mais
rude. Ele ainda estava sendo gentil, apesar da bomba que acabei de jogar sob seu
colo.

— Sim, Gustavo, tenho certeza de que você é o pai. Antes de ficar com você,
fiquei apenas com um cara. E isso foi no começo do ano, ou seja, já faz mais de meio
ano. Se quiser, podemos fazer um exame de DNA. Não me incomodo com isso e é um
direito seu.

— Não, me desculpe, eu acredito em você. Só estou em choque. Não sei nem


o que te falar. A gente mal se conhece e agora estaremos ligados pelo resto da vida.

— Tem mais uma coisa que preciso te contar. — Não tinha jeito mais fácil,
ele arregalou ainda mais os olhos e perguntou:

— O quê?
— São gêmeos.
S empre me falaram que
eu era um cara
diferente, era
romântico e sonhador demais. Também falaram que, quando eu encontrasse o
verdadeiro amor, saberia na hora que era ela a pessoa da minha vida. Acho
que por assistir a tantas comédias românticas e por ler tantos romances,
acabei me tornando, sim, um cara que sonhava em viver um grande amor.
Não acho errado ter um lado sensível e sonhador, não me faz menos homem
ser assim.

Meu sonho, desde pequeno, era formar uma família. Encontrar a


mulher dos meus sonhos, me casar, viajar pelo mundo com ela, a amando em
cada lugar romântico que encontrasse. Tanto que tinha uma rota já planejada
na minha mente: Seriam 5 lugares na nossa lua de mel dos sonhos (bom, dos
meus sonhos): 1º Florença, na Itália; 2º Viena, na Itália; 3º Viena, na Áustria;
4º Paris, na França, e 5º Praga, na República Tcheca. Eu tinha até um
caderno guardado com todos os pontos turísticos que gostaria de levá-la
para conhecer.

Então, depois de alguns anos casados, queria ser pai. Gostaria de ter
uns três filhos. Viveríamos em uma casa grande, com um quintal e uma linda
piscina. Aos domingos, faria churrasco e tomaríamos banho de mangueira no
verão. Nos dias frios do nosso inverno gaúcho, ficaríamos na sala de tv,
assistindo a filmes, comendo pipoca e bebendo chocolate quente. Eu sabia
que seria um bom pai.

Eu sonhava com tudo isso, mas o que acabei de descobrir me tirou o


chão. Amanda estava sentada à minha frente, me encarando pelo que pareceu
uma eternidade. Não estava conseguindo entender, ou melhor, assimilar que
ela estava grávida. Que eu era o pai. E que eram gêmeos.

— Guto, quer um copo de água? — ela me oferece com um olhar


terno.

— Sim, por favor. Gêmeos? Dois de uma só vez? Você tem tendência
na sua família? — pergunto, pois, na minha, nunca soube de ter.

— Não, ninguém. E na sua?

— Não.

Depois de alguns segundos, ela volta com o copo de água. Nem havia
reparado que ela tinha levantado para ir buscá-lo.

— Obrigado.

— Olha, Guto, eu sei que isso é uma loucura, que talvez você
precisará de um tempo para processar tudo…, mas, bem, gostaria que você
acompanhasse a gravidez. Não estou pedindo para termos um relacionamento
amoroso, não. Mas acho que podemos ser amigos, acredito que fará bem
para nossos filhos. Nossa, é a primeira vez que digo isso. “Nossos filhos”.

— Sim. — Estou em choque, não consigo falar nada.

Durante toda a noite nossa conversa foi animada e não ficamos em


nenhum momento em silêncio. Mas agora acredito que ambos estamos cada
um perdido em seus próprios pensamentos. Não sei como agir ou o que falar.
Também não sei explicar se estou feliz ou sei lá.

— Guto, você está bem? Conversa comigo — Amanda pede e


estende sua mão sob a minha que está apoiada no meu joelho. Eu a seguro de
volta.

— Amanda, eu… acho melhor ir embora. — Levanto de repente. —


Amanhã nós podemos nos ver e conversar melhor? Acho que agora não
consigo. — Estou sendo sincero, preciso pensar, preciso entender o que está
acontecendo. — Tudo bem por você? — Ela também se levanta e fica na
minha frente. Sinto vontade de abraçá-la, mas não sei como reagiria.

— Sim, claro — diz e se dirige até a porta de saída do meu


apartamento. Não quero que ela fique com uma impressão ruim de mim, mas
também não sei o que falar. Então, pergunto a única coisa que me vem à
mente.

— Amanda, posso só te perguntar uma coisa?

— Sim. Pode sim.

— Você está feliz em estar grávida, de mim? Eu sei que foi apenas
uma noite, você nem me conhece direito e...

— Apesar de não te conhecer muito bem ainda, sim, Guto, estou feliz
agora. Estou bem mais feliz depois de hoje. Você é um cara legal e acho que
nos daremos bem. Acho, quer dizer, espero que sejamos bons pais. Espero
que daqui um tempo você fique feliz também.

— Amanda, eu já estou. Só peço um pouquinho de paciência. Preciso


entender tudo o que está acontecendo, tudo o que acontecerá..., mas prometo
que não te deixarei sozinha. Assumirei todas as minhas responsabilidades
como pai.

— Até amanhã, Guto, boa noite.

— Até — digo e me despeço dela com um beijo em seu rosto.

Depois de me despedir dela, saio do seu prédio e vou para casa. No


caminho, olhei para o céu e a lua ainda brilhava:

“Mano, você viu só? Vou ser pai, cara. Pai de gêmeos. Que
loucura. Que falta tu me faz, queria você aqui agora para me dar um
abraço e um conselho, como sempre fazia, Rick”.

Cheguei no meu apartamento silencioso e me joguei no sofá da sala.


Um turbilhão de coisas passavam pelo meu pensamento. Seria pai. A mulher
que seria a mãe dos meus filhos não era minha esposa, como sempre planejei
que seria. E acho que não viria a ser, pois, pela sua conversa, só queria
minha amizade. Eram gêmeos. Se já era surreal imaginar um filho não
planejado, dois, então, era uma loucura.
Estava há dois meses à frente da empresa, mal tinha tempo para
respirar. Como daria conta de criar duas crianças? Já passava das onze da
noite e a essa hora meus pais já estariam deitados. Não seria legal ligar para
eles para contar algo assim. Mas se eu ficasse pensando sozinho, sem falar
com ninguém, enlouqueceria. Quanta falta me faz Rick, ele era meu
confidente, não importava a hora, sempre estava disposto para me ouvir. E,
em uma situação destas, tenho certeza de que saberia exatamente como me
aconselhar a agir. Ele seria o padrinho dos meus filhos, sempre disse isso a
ele. Droga, por que ele se foi tão cedo? Por que as boas pessoas partem? A
vida é injusta às vezes.

Peguei meu celular e comecei a olhar as minhas conversas no


WhatsApp na esperança de encontrar alguém com quem pudesse desabafar.
Vi que a Beca estava online, nossa última conversa foi na semana passada,
quando ela me perguntou como eu estava e como estava a empresa sem o
Rick. Resolvi conversar com ela. Ela sempre foi uma boa amiga e ótima
ouvinte, depois de Rick, era a pessoa que sempre esteve ao meu lado.

Eu: Oi, Beca, tá podendo


conversar agora?

Beca: Guto, tô sim, tô aqui


deitada, sem nada de bom para
fazer. E você, como está?

Eu: Acabei de chegar de um


jantar.

Beca: Huuuum, fazia tempo que


não saía né? Quem é a moça?
Eu: Como sabe que jantei
com uma moça? Pode ter
sido com um colega do
trabalho.

Beca: Ah, Guto, te conheço


desde criança. Se você veio falar
comigo a essa hora, em plena
sexta-feira, é porque algo
aconteceu. Geralmente você
falava antes com Rick, mas… ah,
desculpa, também sinto falta
dele, ainda não acredito às vezes.
:(

Eu: Sim, é verdade, Beca.


Você me conhece. Saí para
jantar na casa da Amanda…

Beca: Amanda? Aquela da festa


que tu contou?

Eu: É.

Beca: E? Não foi legal? Vocês


ficaram de novo? Na outra vez,
ela te deu um perdido, né?

Eu: Ela me contou que está


grávida.
Beca: Sério? Uau…, mas, mesmo
assim, ela aceitou sair para jantar
com você?

Eu: É que…

Beca: Quê??? Fala, Guto, sabe


que sou curiosa e não gosto de
suspense.

Eu: Eu sou o pai.

Alguns instantes se passaram e, na tela do meu celular, aparece a


chamada de vídeo da Beca. Atendo:

— Como assim você é o pai? — Beca grita do outro lado; pelo que
vejo, ela estava no sofá da sala, está de pijama e com os cabelos
bagunçados. Mesmo sem nenhuma maquiagem, Beca era uma linda mulher,
sua pele clara cheia de sardas lhe dava um charme que sempre me deixou
bobo. Mesmo depois de tantos anos, ainda perdia o fôlego vendo-a assim,
tão espontânea. — Gustavo Medeiros, você está me ouvindo?
— Oi, Beca, claro, tô sim.

— E, então, pelo amor de Deus, guri, me explica isso direito. Estou


tendo um colapso aqui.
— Beca, é simples. Eu transei com a Amanda. Ela engravidou. Nós
seremos pais. Ah, e não é tudo — falo, me lembrando da cereja do bolo.

— Como assim não é tudo?


— São gêmeos.— Vejo Beca abrir e fechar a boca diversas vezes.
Quando acho que ela irá falar, a fecha de novo. Então, depois do que se
pareceram horas, quebro o silêncio. — Beca? Você está bem?
— Guto, nossa, eu…

— É, Beca, eu sei. Também estou em choque, por isso te chamei para


conversar, pois acabei de saber e precisava contar para alguém. Como já é
meio tarde, não quis ligar para os meus pais, ainda mais para contar uma
notícia dessas...
— Guto, o que você vai fazer agora? Tem certeza de que é o pai?
Quer dizer, você viu a garota só uma vez… vai saber se…

— Beca, sou sim. Eu acredito na Amanda, mesmo que não a conheça


tão bem. Ela é uma pessoa sincera. E, também, disse que eu poderia fazer o
DNA se quisesse, então, é verdade.

— Uau, Guto, nossa, estou surpresa. Você vai ser pai. Pai de gêmeos,
você sempre sonhou com isso. Bom, o que posso dizer, senão parabéns?

— Obrigado. Beca?
— Que?

— Você acha que serei um bom pai? Quer dizer, acabei de assumir a
empresa, mal tenho tempo para dormir e agora terei dois filhos para cuidar.
Para cuidar o resto da minha vida. E se eu não for bom o suficiente? E se eu
falhar?

— Guto, meu lindo e amado Guto. Você é o cara mais incrível que eu
conheço. É o melhor em tudo que se dispõe a fazer. Você é gentil, inteligente,
amável, prestativo… poderia ficar horas e horas aqui falando todas as suas
qualidades, mas nem preciso… Você sabe que é maravilhoso. Você será um
grande pai — Beca diz e noto que ela começa a chorar. Talvez seja muita
emoção mesmo, afinal, nos conhecemos desde criança. — Às vezes penso
em como fui boba terminando com você… — ela fala muito baixinho esta
última frase, quase que não consigo escutá-la, mas prefiro fingir que não
ouvi.

— Obrigado, Beca, é que às vezes não acho que seja tudo isso. Se eu
fosse tão incrível assim, não estaria hoje aqui, sozinho. Teria uma namorada,
ou esposa já. E seria com ela que teria filhos, não com uma mulher com
quem dormi uma noite e que não parece querer nada comigo, mesmo estando
grávida de mim.
— Guto, às vezes o destino é assim mesmo, traça planos diferentes
do que imaginamos, mas precisamos acreditar que, no final, tudo acaba bem.
Eu sempre estarei ao seu lado, sabe disso, né?

— Sei. Tomara, Beca, só quero fazer tudo certo. Não quero


decepcionar ninguém.

— E não irá, tenho certeza. Acho que mês que vem vou aí, faz um
tempinho que estou planejando isso e acho que irei conseguir tirar férias da
clínica. Aceita a visita da sua velha amiga? — Beca tinha uma clínica
veterinária e era a sua maior paixão. Se dedicava muito ao seu trabalho.

— Claro que sim, sabe que a casa é sua. Só me avisa depois certinho
os dias porque agora minha vida está uma loucura. Mas me distraia um
pouco, me conta as novidades…
— Ah, não tenho tantas novidades, bom, não tão empolgantes quanto
às suas. — Beca ri.

Ficamos mais de uma hora conversando; com a Beca, tudo era leve,
fácil. Relembramos diversas histórias da nossa juventude, até mesmo da
época que namorávamos. Não sei dizer se foi a surpresa de descobrir que
seria pai, mas Beca estava diferente, mais nostálgica do que costumava ser.
Durante aquele tempo conversando com ela, me esqueci de tudo, da perda do
Rick, do peso do trabalho na empresa e da grande novidade da minha vida:
minha paternidade. Beca me distraiu, como sempre fazia. E me permiti
relaxar, não sabia como seria daqui para frente, só sabia que minha vida
nunca mais seria a mesma.
—Bom diiiia, como está a gravidinha mais linda do mundo? Oi,
meus sobrinhos lindos e amados, a titia Bia chegou. —
Bianca entra pelo meu apartamento, carregando uma cesta gigante de café da
manhã e conversando comigo e com minha barriga. Ela está muito empolgada
com minha gravidez. — Olha o que eu trouxe para os meus três amores.
— Bom dia Bi, nossa, o que é isso tudo? — pergunto enquanto jogo
um beijo no ar para ela e sorrio.

Sou grata a Deus por tê-la ao meu lado. Ela tem me ajudado muito,
essa semana foi uma loucura. Eu estava muito corrida com todo o trabalho
acumulado, mal tinha tempo para respirar. Mas Bianca, mais uma vez,
assumiu o papel da minha mãe e ficou de olho em mim. Ela e Dona Vilma
estavam unidas e passavam horas trocando “receitas” do que seria bom para
mim. Meu celular apitava pontualmente de três em três horas com ligações da
Bianca me lembrando que era hora de comer. Se não fosse isso, acho que não
me lembraria sozinha o quão importante era comer regularmente e direito,
pois agora eu me alimentava por três.

— Uma cesta para um café da manhã completo. Aqui tem frutas, bolo,
biscoito, geleia… tudo, claro, sem glúten. Ah, e comprei mais uma caixa de
chá de capim-limão também, já que você não pode tomar café por enquanto.
Você precisa se alimentar bem e cuidar dos meus sobrinhos.

Ela diz enquanto coloca a cesta na mesa de jantar. Estou deitada no


sofá, não havia dormido muito bem e tinha levantado cedo da cama. Talvez
tenha sido por toda a emoção da noite anterior. Depois que o Guto foi
embora, me joguei na minha cama e refleti sobre cada momento daquela noite.
Cada fala. Cada gesto.

Apesar da bomba que joguei sobre o colo dele, Gustavo, em nenhum


momento, pareceu querer fugir, ou tampouco duvidou de mim. Percebi que,
mesmo o conhecendo muito pouco, ele era um cara do bem e tinha a
esperança de que seria um bom pai.
Sei que provavelmente ele havia proposto o jantar com segundas
intenções e até o momento em que contei para ele o clima era de pura tensão
sexual. Quase me permiti esquecer o assunto da gravidez e me jogar naqueles
braços. Gustavo era muito atraente e cheiroso, meu Deus, que homem
cheiroso. E o sorriso? Sentia um leve tremor nas pernas cada vez que ele
abria um sorrisão.

Mas a razão mais uma vez falou mais alto e fiz o que era o certo. Não
queria me envolver com o Gustavo, aliás, era óbvio que, tendo dois filhos
dele, iria me envolver. Mas seria como amiga. Não estava apaixonada por
ele, e não pretendia ficar. Pois acho que não estou preparada para formar uma
família. Quer dizer, já terei que aprender como ser mãe, não sei se daria
conta também de aprender a ser esposa. A vida, infelizmente, não vem com
um manual de instruções, o que, de fato, facilitaria e muito as coisas.

— E, então, como foi o jantar ontem? Você dormiu cedo? Não atendeu
minha ligação, estou muito ansiosa para saber como o Gustavo reagiu quando
soube que será pai. Ainda por cima de gêmeos — Bia pergunta sentando-se
na ponta do sofá, ela me entrega uma maçã que pegou da cesta de café e
ordena que eu coma.
— Me perdoa não ter atendido, a semana foi tão corrida e ainda havia
a adrenalina da ansiedade que estava sentindo em chegar o momento de
contar para ele, então, eu relaxei. Caí na cama e adormeci — contei uma
pequena mentira, não estava com vontade de atender e contar sobre a
conversa ontem para ela. Eu queria primeiro processar tudo o que havia
acontecido e, também, não queria que ela se preocupasse com o fato de eu
não ter dormido bem.

— Tudo bem, mas agora me conta. — Ela, então, coloca meus pés
sobre suas pernas e começa a fazer uma deliciosa massagem neles.
— Se eu soubesse que ficando grávida seria tão paparicada, teria
engravidado antes — brinco, e ela me devolve um sorriso alegre de “Cala a
boca”. — Foi melhor do que eu imaginei na verdade. O Guto é um cara muito
legal. Conversamos bastante, ele me contou sobre a família dele, o trabalho…
e, então, depois que acabamos de jantar…, nos sentamos aqui no sofá. Senti
que ele iria me beijar, o clima pintou, mas me lembrei do que precisava falar.
Do que era o certo a fazer. E contei. Sabe como eu sou, não consigo me
enrolar muito, fui muito direta. Ele ficou em choque, lógico, mas em nenhum
momento duvidou ou desconfiou de mim. Ele disse que assumiria todas as
responsabilidades. Depois, me pediu para nos encontrarmos hoje, para
conversar melhor. Disse que precisava ir para casa, para assimilar tudo. E foi
isso — conto, resumindo o que aconteceu.

— Isso é maravilhoso, Mandi, ele parece mesmo ser um bom cara.


Fico feliz por isso e aliviada. Nossos pequenos terão bons pais. Mas me
conta aqui… rolou um clima, então? — Bia me dá uma piscadela enquanto
fala, trocando o pé que estava massageando.
— Ah, Bi, o cara é um gato, eu estou explodindo de hormônios, ele
não sabia ainda da gravidez… Sim, por um minuto, rolou um clima. Mas eu
percebi que isso não pode acontecer.

— Como assim, Amanda? Vocês são adultos, solteiros, livres e agora


serão pais… o que tem de errado em tentar formar uma família?
— Ele não vai querer.

— Ele ou você?

— Ah, Bianca, vamos mudar de assunto. Não estou a fim disso agora.
— Ok, calma, realmente você está cheia de hormônios, sensível
demais. Não falei por mal, só quero te ver feliz.

— Eu sei, me desculpa. Não sei o que está acontecendo comigo.


— E que horas vocês ficaram de se ver? Eu gostaria de conhecer
ele… Podíamos ir ao parque, eu posso chamar o Beto, seria legal…

— Ele ficou de me ligar para combinarmos, mas, sim, seria legal


andar um pouco ao ar livre. Fala aí com o Beto e veja se ele topa. Aí mando
mensagem para o Gustavo, convidando. Enquanto isso, vou ao banheiro,
minha bexiga parece cada vez menor.
— Guto, esses são minha prima e melhor amiga Bianca e seu
namorado, o Beto, que você já conhece da festa. Pessoal, esse é o Guto —
apresento eles, mas então me dou conta que eles já se conheciam, afinal,
tinham ido no velório do primo dele.
— Oi, gente, lembro de vocês, do velório do Rick. Mas é um prazer
revê-los — disse Guto enquanto cumprimentava Bia com um beijo no rosto e
Beto, com um aperto de mãos.

Decidimos fazer um piquenique no parque Lago Guaíba e depois


aproveitaríamos para ver o pôr do sol, que é um cartão postal de Porto
Alegre. Guto topou na hora e fez questão de levar uma grande cesta de
piquenique recheada com produtos livres de glúten e com direito a toalha
xadrez para nos sentarmos em cima.

— Acho que aqui é um bom lugar — digo, parando embaixo de uma


árvore próxima à ponte.
— Ótima escolha, Mandi — fala Bia, que trazia duas cadeiras de
praia nas mãos, o Beto, logo atrás dela, carregava outras duas. E Guto trazia a
cesta. Nenhum deles me deixou trazer nada, a não ser meu celular. Disseram
que eu não podia fazer esforço. Acho que eu acabaria ficando mal-
acostumada com tantos cuidados e atenção, mas não era nem boba de
reclamar.

Guto se aproxima da árvore e coloca a cesta sob a grama, então abre


um dos lados e retira de lá uma grande toalha xadrez. Depois de estendê-la
sob a grama, começa a tirar os utensílios e comidas da cesta que mais parece
um buraco negro, pois não parava de sair coisas de lá.

— Uau, você trouxe comida para um exército? — falo brincando


enquanto me sento em uma das pontas da toalha. Guto me encara com um
sorriso que me deixa um pouco corada.
— Bom, estamos em 6, então, precisamos de bastante comida — diz
me dando uma piscadela. Acho lindo que ele já esteja contando nossos bebês.
“Nossos bebês”. Ainda estava me acostumando com a ideia. Hoje ele parece
muito mais calmo e diria que até animado com a ideia de ser pai. O que me
deixava cada vez mais tranquila também.

— Ah, mas não se preocupe, comigo aqui não vai comida fora —
Bianca fala, abre uma das cadeiras de praia e senta-se ao lado da que o Beto
está. Os dois parecem cada dia mais apaixonados. — E, então, Guto, do que é
mesmo a sua empresa? — pergunta Bia, e Guto começa a contar e ficamos ali,
nós quatro, ou melhor, nós 6, desfrutando dos quitutes deliciosos, do sol
quentinho e da conversa boa. Como se já nos conhecêssemos há anos e que
nossas vidas não tivessem virado de pernas para o ar.

— É tão lindo… — falo baixinho, admirando a vista linda com o céu


quase laranja, nunca me cansaria daquela imagem.

— É, sim, aqui é o meu lugar preferido. Só me traz boas lembranças


— comenta Guto, que está sentado ao meu lado na toalha. Bianca e Beto
foram dar uma volta para tirarem algumas fotos.
— Costuma vir muito aqui?

— Sim, eu vinha direto correr com o Rick, e sempre ficávamos até o


pôr do sol. Desde sua partida, não tinha vindo. Estava com receio de ficar
muito triste.
— Eu realmente sinto muito. Mas você nunca ficará sozinho. — Então
ele se vira e me encara. — Quero dizer, depois que os bebês nascerem,
sempre teremos eles. Eu acho legal a ideia de saber que não ficarei sozinha
na vida. Sempre terei meus filhos — falo e, sem perceber, pela primeira vez
coloco a mão na minha barriga, acariciando-a.

— É verdade, sempre teremos nossos filhos. Eu posso? — ele


pergunta, estendendo a mão para minha barriga. Penso em dizer que não, mas
seu olhar é tão terno que não consigo negar. Então, aceno com a cabeça em
sinal positivo, e ele acaricia levemente ela.
— Ainda não cresceu muito, só estou um pouquinho inchada, mas o
médico garantiu que eles estão com o tamanho certinho para o período.

— Está linda. Você é linda, Amanda — diz. Desvio meu olhar.

— Obrigada.
— Amanda, posso perguntar uma coisa?

— Pode, claro — respondo e volto a olhá-lo.


— Bom, sei que não planejamos nada disso e que provavelmente não
estava nos seus planos uma gravidez. Mas já que o destino nos uniu, eu
realmente gostaria… bem, eu gostaria de tentar. Então, gostaria de saber se
você aceita namorar comigo?
N
ão consegui
dormir a noite
inteira, fiquei
divagando,
sonhando acordado em como minha vida seria em um futuro muito próximo.
Depois de tanto pensar, sonhar, fantasiar, percebi que era um presente de
Deus para mim. Sim, um presente. Assim como Rick partiu, de repente, sem
aviso ou chances de despedidas, Deus me mandou a chance de ser pai. De
criar e amar dois seres que tenho certeza de que irão balançar e agitar o meu
mundo.

Assim que o relógio informou que era oito horas da manhã, resolvi
fazer uma chamada de vídeo para contar para meus pais. Precisava contar o
quanto antes e, como não poderia viajar para Caxias tão cedo por causa da
empresa, teria que ser por vídeo mesmo.
Meus pais, assim como eu, tinham uma rotina muito bem definida. A
verdade é que, desde pequeno, eles me criaram para ser responsável e
organizado, o que hoje vejo o quanto foi bom. Eles costumavam levantar-se
cedo para poderem tomar um café da manhã juntos e relaxados. Depois iam
para a vinícola. Mamãe cuidava de toda a parte administrativa, e papai fazia
questão de acompanhar todos os processos para a produção dos vinhos.
Trabalhavam de segunda a sábado e aos domingos aproveitavam o dia para
descansar e curtir a fazenda.

Minha família era dona de uma das maiores vinícolas do país, meus
pais sempre desejaram que eu assumisse o comando, mas eu gostava do que
fazia e não me via trabalhando com a produção de vinhos. Eles tentaram por
diversas vezes me convencer, assim como também tentavam fazer Rick se
interessar pelo trabalho da família, uma vez que o pai dele era o braço
direito dos meus e trabalhava com eles. Mas Rick, assim como eu, não tinha
interesse por esse ramo.

Minha mãe atendeu a chamada rapidamente:

— Guto, meu filho, está tudo bem? — Desde o acidente de Rick,


mamãe ficava nervosa a cada ligação que recebia, seus cuidados comigo,
que já eram exagerados, estão cada vez maiores.

— Bom dia, minha rainha, sim, tudo bem. Só quero conversar com a
senhora e o papai. Como vocês estão? — pergunto com meu melhor sorriso,
o que a faz relaxar imediatamente e abrir um grande sorriso também. Amava
muito minha mãe, ela era uma mulher belíssima e muito elegante. Alta, loira
e com grandes olhos azuis, que todos dizem que os herdei. Ela e meu pai
eram muito companheiros e felizes no seu casamento, o que, desde pequeno,
me fez desejar encontrar a mulher certa para partilhar a vida, como eles
faziam.
— Ah, meu filho, me desculpe por atender assim, sabe que ainda não
estou recuperada com a nossa perda. Estamos bem, bom, na verdade, seu pai
está bem estressado hoje.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa na vinícola?

— Ele está irritado por causa dos De Luca, eles anunciaram ontem a
data do lançamento do novo vinho deles. E sabe como seu pai fica com essas
coisas, ainda mais porque nossa equipe está atrasada com os testes da nossa
nova linha.

Os De Luca eram os principais concorrentes da minha família, há


mais ou menos um ano o filho do Sr. Giovanni De Luca assumiu o comando
de tudo e desde então tem inovado cada vez mais. O que tem tirado o sono
do meu pai, que já está um pouco cansado do trabalho devido a todos os
anos que está à frente, sem descanso.

— Sinto muito, mamãe, mas eu já cansei de falar para vocês


procurarem alguém para ficar à frente com vocês. Alguém jovem e com
novas ideias. Assim poderão voltar a competir de frente com os De Luca, já
que o André é quem está agora à frente dos negócios.

— Eu sei, meu filho, mas sabe que seu pai ainda tem esperanças de
que você assuma…

— Não, mãe, já falei que minha vida é aqui. Sou feliz com a minha
empresa e não pretendo abrir mão dela. O que posso fazer é ajudá-los a
encontrar uma pessoa eficiente e de confiança para ajudá-los. — Neste
momento meu pai surge na tela ao lado de mamãe. — Bom dia, pai, como o
senhor está?

— Bom dia, Gustavo, cansado, mas vamos levando. — Eu sabia que


ele tinha ouvido o que falei sobre não querer assumir os negócios da família.
Minha relação com meu pai sempre foi boa, somos parceiros, mas, quando o
assunto é negócios, volta e meia acabamos nos desentendendo. Tanto que
tentava ao máximo evitar tais assuntos para não entrarmos em conflito. —
Como você está? A que devemos sua ligação a essa hora, em pleno sábado?

— Bom, precisava dar uma notícia para vocês o quanto antes. E,


como não tenho previsão para viajar até aí, resolvi ligar. — Noto que ambos
se olham e ficam em estado de alerta. Tentaria contar da maneira mais
tranquila que conseguisse, mesmo não tendo ideia de como fazer isso. — Na
noite do acidente do Rick, estávamos em uma festa… — comecei. — E lá
conheci uma garota, a Amanda. — Meus pais trocam olhares cúmplices e
posso imaginar o que estão pensando “Será que nosso guri finalmente vai
desencalhar?” Sim, meus pais viviam brincando comigo por eu não
conseguir uma namorada, diziam que eu era romântico demais e que as
mulheres de hoje em dia não davam valor a isso. — Ela é uma pessoa muito
animada, bonita e, também, estamos trabalhando juntos agora…

— E vocês estão namorando meu filho? — pergunta minha mãe. —


Pois se estiverem, queremos conhecê-la o mais breve possível.

— Não, mãe, não estamos namorando. Bom, não oficialmente. —


Meus pais eram extremamente conservadores, o que dificultaria e muito eles
entenderem sua gravidez.

— Anda, Gustavo, fale logo, estamos ficando ansiosos — meu pai


pressiona.

— Eu e ela ficamos e… — Não estava conseguindo achar as


palavras certas. Comecei a suar, minhas mãos ficaram úmidas e meu coração
acelerado. — Ela está grávida. — Saiu, de repente, no susto.
Eles ficaram me olhando sem falar nada. Por um momento, achei que
a conexão da internet havia caído, pois foi como se a imagem estivesse
congelada, mas então vi meu pai piscar. Seus olhos estavam arregalados.
Mamãe nem piscava.

— Você é o pai? — meu pai questiona.

— Sim, sou o pai. E não é tudo.

— Tem mais? — ele pergunta com uma voz grossa e firme. Parece
irritado.

— São gêmeos. Então, serei pai de dois. E vocês serão avós — tento
falar com uma voz leve, com a esperança de amenizar o clima. Mas acho que
não funcionou.

— Há quanto tempo conhece essa garota? — meu pai pergunta.


Mamãe ainda não falou nada, mas vejo algumas lágrimas começarem a
escorrer pelo seu rosto.

— A conheci na festa da noite do acidente de Rick.

— E ela está grávida de quanto tempo? É bem recente, não é? Pois o


acidente foi há mais ou menos dois meses.

— Sim, é recente. Ela completou dois meses.

— Então você a engravidou na mesma noite que a conheceu? —


pergunta irritado e sei que levarei um sermão daqueles por ter sido tão
irresponsável.

— Sim.

— E você nos conta isso como se fosse a coisa mais natural do


mundo? Onde estão todos os ensinamentos que te demos? Esqueceu tudo o
que aprendeu? Como pode ter dormido com uma desconhecida sem se
prevenir? E se tivesse pegado uma doença? Como pode ter isso tão burro e
irresponsável? — meu pai esbraveja a plenos pulmões. Tenho certeza de que
todos os empregados irão ouvi-lo e isso me deixa sem jeito.

— Aconteceu, eu acho que estou apaixonado, ela é diferente de todas


as mulheres que já conheci.

— Ela deve ser mesmo. Deve ser uma profissional do sexo para ter
te enfeitiçado assim — mamãe fala pela primeira vez e seu ar é de total
desgosto.

— Mãe, não fale isso. Amanda é especial e muito decente. Não é


esse tipo de mulher que estão pensando. Exijo que a respeitem. — Fico
irritado com esse comentário. Sei que eles são conservadores e tradicionais,
mas nem por isso têm o direito de insinuar ou ofender a honra da Amanda.
Eu e ela somos adultos e livres para fazermos o que quisermos sem
julgamentos.
— E agora? Vão se casar? — meu pai volta com o interrogatório.

— Ainda é cedo para falarmos em casamento, acabamos de


descobrir a gravidez…

— Cedo? Ela está de dois meses, daqui a pouco a barriga irá


aparecer, ou querem que as crianças carreguem as alianças até o altar? Isso
seria uma vergonha para a família.

— Não sei, ainda não sei. Só queria contar para vocês que serei pai.
O que faremos no futuro ainda não sabemos, não planejamos nada disso. Mas
aconteceu e agora teremos que nos organizar para a chegada dos nossos
filhos. Sei que tudo isso é repentino, mas espero poder contar com o apoio
de vocês. Já perdi meu melhor amigo e não quero perder vocês. Sabem que
sempre sonhei em ser pai e em ter uma família. As coisas não foram como
planejei, mas nem por isso deixam de ser especiais. Estou feliz e farei de
tudo para ser um bom pai e educar bem meus filhos assim como vocês
fizeram — falo com todo meu coração, e meus pais prestam muita atenção
em cada palavra.

Permanecemos em silêncio por longos minutos, sei que joguei uma


bomba em cima deles, mas esperava que, mesmo com a surpresa da notícia,
eles ficassem felizes. Precisava do apoio deles, queria ter a certeza de que
teria eles ao meu lado. Sempre fui apegado à minha família e não imaginava
passar por tudo isso sem eles.
— Filho, confesso que não estou feliz com tudo isso, sempre
imaginamos que, quando fôssemos avós, você já estaria casado com uma
moça de boa família. Daríamos uma linda festa de casamento para vocês,
com tudo que sempre sonhou. Mas uma gravidez assim, de repente, com uma
garota que nem conhecemos, realmente nos surpreendeu.

— Eu sei, pai, mas, como eu disse, estou feliz. Independentemente de


como as coisas aconteceram, aconteceu. E agora preciso pensar em como
será daqui para frente.

— Sim, está certo — ele fala.

— Filho, não estou feliz com isso também. Mas você é meu único
filho e meu amor maior. Jamais lhe deixarei, no que depender de mim, meus
netos terão o melhor. Serei uma avó presente e sempre ajudarei no que
precisar.
— Obrigado, mãe, eu sabia que poderia contar com vocês.

— Mas quero conhecer essa moça o mais breve que conseguir. Sei
que está com muitos afazeres na empresa, mas faço questão de conhecê-la. E
se não consegue viajar até aqui, nós iremos até Porto Alegre — minha mãe
fala de forma firme, mas ao mesmo tempo não consegue deixar seu lado doce
escondido.

— Hoje à tarde encontrarei com Amanda e aí convido para irmos em


um final de semana para Caxias. Acredito que ela aceitará, seus pais também
são daí. Assim, nossas famílias poderão se conhecer, já que agora teremos
uma ligação para sempre.

Ao falar isso, percebo o peso de tal afirmação. Nossa ligação será


para sempre, eu estaria ligado a Amanda para sempre, de uma forma ou de
outra. Torcia para que pudéssemos dar certo como um casal, assim teríamos
uma família feliz, como sempre sonhei. Mas, caso ela não me quisesse, que
ao menos possamos ser amigos. O importante é que nossa relação fosse a
mais harmoniosa possível para o bem dos nossos filhos.

Depois de me despedir dos meus pais, resolvi tomar um banho e ir


correr no parque. Precisava relaxar. Apesar de ter sido uma conversa difícil,
até que, para um primeiro momento, a conversa foi satisfatória. Não podia
exigir mais animação da parte deles, sei que ficaram em choque, eu também
fiquei. Mas tinha certeza de que com o tempo tudo ficaria bem, e meus pais
ainda ficariam muito animados com a ideia de serem avós.

A tarde ao lado da Amanda estava sendo maravilhosa, por diversos


momentos voltei a me sentir leve e feliz. Depois da perda do Rick,
assumindo todas as responsabilidades com a empresa, minha vida ficou
caótica e vazia. Desde ontem, com a notícia de que seria pai, foi como se
algo dentro de mim tivesse mudado.

Amanda era divertida, animada, tinha um bom papo e me fazia bem


ouvi-la. Em um certo momento, fiquei tão perdido e rendido aos seus
encantos que foi impossível não lhe desejar. Ela estava linda, com um
vestido longo azul-claro e solto, e tênis branco nos pés. Queria beijá-la,
sentir seu gosto novamente, seu calor. Depois de um momento sentado ao seu
lado, ela toca sua barriga e é a cena mais linda que já vi. Aquele simples
gesto de carinho me emocionou de tal forma que na mesma hora quis dizer
para ela que estava apaixonado. Pois era verdade, estava mesmo. Mas não
podia me declarar assim, eu sabia que ela não queria relacionamentos e tinha
medo de afastá-la ainda mais. Então, tentei ser o mais cauteloso possível:
— Bom, sei que não planejamos nada disso e que provavelmente não
estava nos seus planos uma gravidez. Mas, já que o destino nos uniu, eu
realmente gostaria… bem, eu gostaria de tentar. Então, gostaria de saber se
você aceita namorar comigo?

— Guto, eu não sei. Tudo ainda é muito novo para mim, ainda estou
me adaptando à gravidez, à ideia de ser mãe. Não sei se consigo pensar em
relacionamento sério agora também.

Não era o que queria ouvir, mas imaginei que seria sua primeira
resposta. Porém, queria mostrar para ela que poderia dar certo, tínhamos
todo o tempo do mundo para aprendermos juntos a sermos pais e como
sermos um casal. Mas tínhamos que começar de algum ponto. Eu sabia que
ela tinha atração por mim, estava escrito nos seus olhos, ela me desejava
também. Então, sei que era apenas receio de relacionamentos, talvez tenha
sofrido no passado por alguém e hoje tenha medo de se entregar novamente,
precisava mostrar para ela que poderia dar certo.
Logo, cheguei mais perto dela e a beijei com todo o meu desejo que
estava pulsando em mim, queria que aquele beijo transmitisse minha vontade
de ficar com ela.
T entei falar para
Gustavo que não
estava pronta para
um relacionamento, e realmente era verdade. Eu sabia que um dia iria voltar a
me apaixonar, bom, pelo menos era o que desejava. Apesar de tudo que
passei nos meus relacionamentos anteriores, no fundo, eu nutria a esperança
de viver um grande amor. Só não sabia se era a hora certa.
Guto era lindo, inteligente, engraçado, mesmo sendo um pouco tímido.
Fora que parecia ser super-romântico e carinhoso. Com certeza tinha todas as
qualidades para ser um bom namorado, mas será que seria bom para mim?
Será que eu conseguiria finalmente confiar novamente no amor e me entregar?
Abrir mais uma vez meu coração?

Não tive muito tempo para pensar, Gustavo foi ousado e me


surpreendeu com um beijo daqueles de tirar o fôlego e esquecer seu próprio
nome. Seu beijo era urgente, intenso e, ao mesmo tempo, terno, eu diria que
era um verdadeiro beijo de amor. Será que isso significava que ele estava
apaixonado por mim? Ele passava a impressão de ser um grande romântico,
mas ainda não o conhecia tão bem; apesar de termos conversado bastante, não
falamos sobre nossos relacionamentos passados. Então, não sabia se ele já
tinha tido um grande amor.

Pensei em me afastar dos seus braços, mas foi impossível, aquele


beijo se encaixou perfeitamente em mim. Seu cheiro me invadiu e mexeu com
todos os meus sentidos. Senti-me acolhida, desejada, como se ali fosse o meu
lugar. Aproximei-me mais e passei meus braços ao redor do seu pescoço, ele,
então, intensificou ainda mais o beijo. Mas logo fomos surpreendidos:
— Crianças, não seria melhor irem para um quarto? — Afasto-me
rapidamente de Guto, vejo que seus lábios estão vermelhos pela força do
beijo, sorrio mentalmente. Então, levanto um pouco o olhar e vejo Bianca e
Beto parados nos olhando e rindo. — Nos desculpem por interromper o
momento, mas estamos ao ar livre e tem muitas crianças aqui… — Bia fala e
é nítido que está feliz pela cena que acabou de presenciar. Eu não consigo
olhar para Gustavo, ele também não fala nada, e o clima, que antes era
acolhedor e intenso, passa a ser um pouco constrangedor.

— Acho que já está na hora de irmos, né? O sol já se pôs e logo


começa a esfriar, não quero ficar resfriada — digo, já me levantando e
começando a recolher as coisas do piquenique.
Beto e Bianca concordam, mas não falam nada, acho que ficaram tão
sem graça quanto nós por terem nos interrompido. Mas foi melhor assim, eu
precisava de um tempo para assimilar tudo e pensar se seria uma boa ideia
dar uma chance para me relacionar com Guto. Havia muitas coisas em jogo,
pois, caso eu namorasse com ele e a gente não desse certo, seria ainda mais
complicado lidar com a gravidez e depois com nossos filhos. Ao mesmo
tempo, poderia dar tudo certo e então formaríamos uma grande família.

Eram tantas incertezas, tantas interrogações, tantas possibilidades que


estava começando a ficar cansada. A gravidez tem afetado muito meus
hormônios; além dos enjoos matinais frequentes, me sentia cansada com
facilidade e sentia muito, muito sono. Precisava ir logo para casa, tomar um
banho quente e descansar.
— Mandi, posso te levar para casa? — Guto perguntou, despertando-
me dos meus devaneios e me trazendo de volta à realidade. Eles já haviam
guardado tudo e estavam me esperando.

— Não precisa, Guto, posso ir com a Bia e o Beto. Eles me deixam


em casa antes de irem embora. — Bianca e Beto estavam tão envolvidos que
ela praticamente havia se mudado para a casa dele. Às vezes achava que as
coisas entre eles estavam rápidas demais, mas quem era eu para falar em
rapidez? Sorri com o pensamento.
— Ah, Mandi, se não se importar de o Guto te levar, seria melhor,
precisamos passar na casa dos pais do Beto, bom, na verdade, já estamos
atrasados — Bia fala, mas vejo que é mentira, ela apenas quer que eu vá com
o Gustavo. Na certa, acha que preciso ficar mais tempo sozinha com ele.
Minha vontade é de bater nela por não me ajudar, mas não posso fazer cena
ou Gustavo poderia ficar chateado.

— Ah, tudo bem. Guto, não tem problema mesmo você me levar? Não
quero atrapalhar. Eu posso ir de Uber — digo e rezo para que ele desista de
me levar, preciso ficar longe, pelo menos um pouco.

— Não, claro que não. Faço questão. Vamos? — Não tinha jeito, teria
que aceitar sua carona ou seria uma grande falta de educação recusar.
Concordo com ele, nos despedimos do casal de pombinhos e seguimos para o
carro.

Chegamos no estacionamento próximo ao parque e Guto tira a chave


do carro do bolso da sua bermuda. Seu carro é bonito, um modelo AUDI Q8,
na cor branca. Combina com ele.

— Bonito carro — digo, mas em seguida me arrependo, pois ele pode


me achar um pouco, sei lá, interesseira. Afinal, é nítido que é um carro de
alto padrão, bom, para ele, deve ser normal, já que é dono de uma grande
empresa e, pelos relatórios que analisei, seu faturamento no ano passado foi
de R$ 100 milhões. E, pelos últimos números, se tudo continuasse no mesmo
ritmo, iria triplicar.

— Obrigado, gosto bastante dele, além de confortável, é muito seguro


— ele fala indo em direção ao lado do carona e abrindo a porta para mim.
Não consigo disfarçar a surpresa, pois hoje em dia são raros os homens que
têm gestos assim. Então, como agradecimento, além do um “muito obrigada”,
lhe ofereço o meu melhor sorriso. — Fique à vontade — ele diz enquanto
fecha a porta e vai para o lado do motorista. — Sei que falei que te levaria
para casa, mas você se incomodaria muito se antes passarmos em um lugar?
— Onde?

— Hum, prefiro te mostrar em vez de falar. Acredito que irá gostar,


estou louco para ir lá. — Encaro-o, tentando em vão adivinhar onde ele
queria me levar. Mais uma vez penso em recusar, mas meu lado curioso me
impede e acabo concordando.
— Se a gente não demorar muito, pode ser. Confesso que estou
cansada, a gravidez tem me causado isso.

— Eu prometo que será rápido. Logo estará em casa e poderá


descansar — ele fala, ligando o carro com um grande sorriso no rosto. Parece
até um menino que acaba de ganhar o presente pelo qual tanto esperou. O que
será que ele está armando?
Depois de algum tempo, Guto estaciona o carro na frente de um dos
shoppings da cidade.

— Vamos no shopping? — pergunto, ficando cada vez mais intrigada.


— Sim, tenho certeza de que aqui tem a loja onde encontraremos o
que estou imaginando.

— Guto, você precisa saber de uma coisa. Sou extremamente curiosa


e dizem que não é bom despertar sentimentos fortes em mulheres grávidas…
— digo brincando, mas em tom sério.

— Amanda, me desculpe pelo mistério, mas eu tenho certeza de que


irá gostar. Confia em mim? — ele pergunta, olhando fixamente com aqueles
olhos azuis tão claros e brilhantes que me lembravam o mar.
— Confio. — Então ele sai do carro, dá a volta e abre a porta para
mim, estendendo sua mão para me ajudar a descer. — Ficarei mal-
acostumada com tanta gentileza — digo, mais uma vez lhe agradecendo pelo
cavalheirismo.

— Uma dama merece ser bem tratada e diria que até mimada — fala
enquanto deposita um beijo delicado na minha mão. Esse homem saiu de
algum dos livros de romances que tanto fujo, não é possível ser real. —
Vamos.
Ele segue em direção à entrada do shopping e me leva consigo. Ele
não soltou a minha mão. Estamos andando como se fôssemos um casal. Sinto-
me ansiosa, mas, ao mesmo tempo, bem por estar ao seu lado. Apesar de ser
meio quieto, tímido, eu diria, Gustavo tem uma postura imponente. Ele é o
tipo de homem que não passa despercebido por um lugar. Passamos por
diversas lojas e, então, ele para na frente de uma com artigos de bebês na
vitrine.

— Chegamos — diz, abrindo um sorriso e me levando para dentro da


loja.
Assim que entramos, uma jovem vem em nossa direção.

— Sejam bem-vindos à Doce Encanto, em que posso lhes ajudar


hoje? — diz a moça com um belo sorriso.
— Obrigado, nós acabamos de descobrir que seremos pais de
gêmeos, e estou louco para comprar a primeira roupinha para eles. Você teria
algum tiptop disponível com alguma frase engraçada de gêmeos? — Guto fala
todo animado. Eu fico sem reação. Fazia algumas semanas que havia
descoberto a gravidez e ainda não tinha comprado nada para o bebê. Quer
dizer, bebês. Meus pais me deram algumas roupinhas neutras. Bianca
comprou também algumas peças, mamadeiras e bicos. Até Beto me deu um
sapatinho branco de crochê que ele comprou lá na Bahia, antes de sabermos
que seriam gêmeos. Mas eu não ainda não tinha comprado nada.

— Claro, temos algumas opções. Venham comigo, irei lhes mostrar.


— Ela se dirige até o balcão e começa a pegar alguns pacotes com roupas
dentro das estantes do mostruário. São pacotes pequenos; fico emocionada ao
ver ela abrir uma das peças, é tão pequeno, tão lindo. — Esse conjuntinho é o
campeão de vendas. — Ela abre o outro tiptop e o coloca no balcão ao lado
do primeiro. Em um, está escrito “1 é bom” e, no outro, “2 é melhor”; no
lugar da letra “o”, tem um coração desenhado.

— Esses são perfeitos, vamos levar, por favor, pode embrulhar? —


Gustavo pede.
— Claro, gostaria de ver mais algum item?

— Mandi, quer ver alguma coisa? — ele me pergunta animado, mas,


ao perceber que meus olhos estão marejados, fecha o sorriso e fica com um ar
de preocupação. — Está tudo bem? Não gostou da surpresa?
— Estou bem, não é nada. Claro que gostei, são lindos — falo,
apontando para as roupinhas que a vendedora está embrulhando.

— Então, por que ficou tão calada e por que está quase chorando? Me
desculpe se fui precipitado. Mas desde que minha ficha caiu que serei pai,
fiquei com vontade de comprar alguma coisa para eles. E quis aproveitar que
estávamos juntos hoje para vir contigo. Desculpe se fiz mal.

— Não, Guto, não. Eu gostei. De verdade. Só estou emocionada. Eu


ainda não tinha entrado em nenhuma loja de bebês, nem comprado nada. E
você hoje, mesmo que tenha acabado de saber, já veio e quis comprar
roupinhas… acho que não estou pronta para ser mãe — falo e as lágrimas
começam a rolar pelo meu rosto. Detesto chorar, ainda mais na frente dos
outros, mas não consigo me conter. Então, sinto os braços de Gustavo me
envolvendo e choro ainda mais.

— Shhh, Amanda, calma. Não chora. Está tudo bem. Você será uma
mãe maravilhosa. Acredite em você. Acredite em nós. Me deixa ficar ao seu
lado. Podemos fazer isso juntos — ele pede, enquanto tento acalmar meu
coração.

— Guto, por favor, me leva para casa.


— Claro.

Saio do seu abraço e da loja sem me despedir da vendedora, que deve


ter me achado uma louca. Depois de alguns minutos, Gustavo sai da loja com
uma sacola com as roupinhas na mão. Ele pega na minha mão e me leva de
volta para o carro. Durante o curto trajeto, ando com a cabeça baixa, não
quero que ninguém veja o meu estado. Só queria chegar o mais rápido
possível em casa, estava me sentindo envergonhada. E cansada, muito
cansada.

— Obrigada pela carona — digo assim que Gustavo estaciona na


entrada do meu condomínio.

— Não precisa agradecer, pegue, leve com você — ele diz,


entregando a sacola com as roupinhas que comprou.

— Obrigada — agradeço e ainda não consigo encarar.

— Ei, Amanda, olha para mim. — Viro meu rosto e encontro aqueles
olhos azuis me olhando.
— Me desculpa, Guto, são os hormônios, eles têm mexido muito com
meu emocional — tento justificar minha cena do shopping, não quero que ele
ache que sou louca e chorona.

— Está tudo bem. — Ele, então, acaricia meu rosto e sinto novamente
aquela energia que seu toque me proporciona.
— Guto, você gostaria de subir? — Saí antes de eu conseguir
realmente pensar no convite e nas consequências dele.

— É tudo que mais quero agora — ele fala e, antes que eu pudesse
falar algo mais, me beija. Era tudo o que faltava para completar meu quadro
de total descontrole e me rendo ao seu toque, cheiro e beijo.
—Você está com fome?
Amanda me pergunta assim que entramos no apartamento dela. Eu
sabia que talvez fosse melhor ter apenas deixado-a e ter ido para casa. Que
ela pode ter me convidado para subir apenas por educação, mas não resisti,
além de aceitar seu convite, ainda lhe roubei um beijo. Não conseguia ficar
longe dessa mulher e queria fazê-la me aceitar em sua vida.

Eu fiquei tão feliz no nosso passeio da tarde que não resisti ao


impulso de ir ao shopping comprar roupinhas para os bebês. Achei que
Amanda iria gostar da ideia, mas, ao ver que ela ficou abalada, se sentindo
uma mãe relapsa, me arrependi da ideia.
— Na verdade, ainda não, você está? — pergunto enquanto me sento
no sofá e a puxo para que se sente ao meu lado. Faço carinho pelo seu rosto.
— Você é tão linda — falo e a beijo. Sinto que ela luta internamente, e não
consigo não gostar disso. Estou conseguindo mexer com ela e isso me dá
esperança. Então, ela se afasta.

— Estou, mas não tenho nada bom para comer em casa — fala, se
levantando e indo até a cozinha olhar a geladeira.
— Quer sair para jantar?

— Não, estou cansada, só quero tomar um banho e relaxar.


— Posso pedir algo para comermos, a gente podia assistir a um
filme… — tento, pois não queria ir embora, não ainda.

— É, acho que sim — ela diz e aproveito para já pegar meu celular e
procurar um restaurante que tenha comida celíaca, antes que ela mudasse de
ideia. — O que acha de risoto?

— Huuum, acho bom. Guto, se importa se eu tomar um banho?


— Não, claro que não. Eu vou encomendar nosso jantar enquanto
isso.

— Está bem, obrigada. Não vou demorar, sinta-se em casa.


Ela fala e segue por um corredor que deve levar até seu quarto.
Depois de finalizar o pedido da comida, olho em volta do apartamento. É
amplo e ao mesmo tempo aconchegante. Caminho até um pequeno aparador
em um dos cantos da parede da sala e vejo alguns porta-retratos. Em um
deles, tem uma foto de Amanda pequena, vestida de bailarina, parecia uma
princesa. Torcia para que nossos filhos fossem tão bonitos quanto à mãe.

Desde a noite em que nos conhecemos, senti algo diferente quando a


vi, não podia dizer ainda se era amor à primeira vista. Mas essa mulher me
balançou. Seu jeito atrevido, alegre e sedutor mexe com todos os meus
sentidos. Quando estou ao seu lado, minha única vontade é me perder por
suas curvas. Depois de uns 20 minutos, Amanda ainda não saiu do quarto e
meu celular apitou informando que a comida estava próxima. Então, decidi
descer para a recepção para buscá-la.

Assim que o elevador chegou no andar da Amanda, as portas se


abriram e encontrei meu amiguinho Gui, o garoto de ontem. Logo que entro,
ele me encara e pergunta:
— Olá, veio visitar a Mandi hoje também?

— Oi, Gui, como vai? Sim, vim sim.


— Vocês estão namorando?

— Não, ainda não — digo e vejo que ele está pensativo, talvez
processando minha resposta.

— Mas você quer namorar ela? — O elevador chega ao térreo e


ambos saímos. Vejo que neste exato momento o entregador do restaurante
chega. Antes de ir até ele, olho para meu amigo Gui e respondo:
— Sim, quero sim. Espero que ela também. Até mais, Gui. Boa noite.

Vejo que ele sorri com minha resposta e acredito que ficou feliz por
saber que sua amiga tem um bom pretendente. Ele sai em direção a um
corredor que, pelas placas de informação, levavam para o playground.
— Boa noite, é do restaurante Risoteria de A à Z? — pergunto para o
entregador, que acaba de tirar a mochila das costas e a apoia no balcão da
recepção.

— Sim, boa noite, senhor. Irá pagar no cartão?

— Sim, no débito.
— São R$ 190,00.
Depois de pagar, pego a sacola com a comida e volto para o elevador.
Mesmo muito bem embalada, consigo sentir o aroma da comida e é de dar
água na boca. Assim que abro a porta do apartamento de Amanda, fico
paralisado com o que vejo.

Amanda está em pé na minha frente usando uma camisola preta longa


de alças, parece ser de seda. Seus cabelos estão soltos, caindo por seus
ombros. Noto que ela está sem sutiã, pois vejo os bicos de seus seios
marcados embaixo do delicado tecido.

— A comida chegou — digo, fechando a porta e colocando a comida


em cima da mesa um pouco à frente.

— Ótimo, estou com muita fome, vou colocar os pratos na mesa. —


Ela passa por mim e seu perfume me embriaga. Olho suas costas e posso jurar
que ela também está sem calcinha. “Porra, ela quer me enlouquecer?”
— Posso usar o banheiro? — peço.

— Claro, é a primeira porta à direita do corredor — ela indica já


com os pratos nas mãos vindo colocá-los sob a mesa. — Gostaria de tomar
um vinho? Tem o que você trouxe ontem.

— Sim, quero sim. Obrigado. Esqueci de perguntar se você queria


que eu pedisse algo para você beber, me desculpe. — Na hora em que estava
fazendo o pedido, esqueci que ela não pode tomar bebida alcoólica.
— Não se preocupe, eu tenho suco de laranja.

— Ah, que bom, eu já volto.

Digo e vou em direção à porta que ela me indicou. Assim que entro e
fecho, encosto-me nela e respiro fundo. “Essa mulher é uma deusa. Preciso
me controlar.” Olho para baixo e vejo que estou tremendamente excitado.
“Porra, se controla aí, amigão.” Abro a torneira da pia do banheiro e molho
meu rosto, preciso me acalmar e ir com calma. Não posso voltar para a sala
com a barraca armada aqui.

Amanda é tão contraditória. Ao mesmo tempo em que insiste que não


quer se envolver, me provoca com uma roupa dessas. Porra, ela sabe que
estou louco por ela e ainda faz isso? Não consigo me acalmar. “Ah, que se
foda”. Saio do banheiro e vou até a sala, vejo que Amanda está acabando de
abrir a garrafa de vinho. Ela me olha com ansiedade, não falo nada, apenas a
pego pela cintura e a beijo. Ela não hesita desta vez. Passa seus braços pelo
meu pescoço. Então, encho minhas mãos com a sua bunda.
— Gostosa. Você é uma perdição. Amanda, eu quero te foder, muito.
Sem pressa, sem hora. Quero me perder em você — falo enquanto beijo seu
pescoço e abaixo a alça da sua camisola, revelando seu seio direito.

— Guto, a comida vai esfriar — diz em um sussurro.


— Dane-se a comida. Diga, Amanda, você me quer?

— Guto… — Ela para e me olha. Seus olhos são puro desejo. — Eu


quero. Muito.

Não digo mais nada. Puxo-a para mais perto de mim e a beijo com
toda minha vontade. Seu gosto doce e seus lábios quentes levantam ainda
mais meu pau, que está apertado e pulsando dentro da minha cueca.
— Guto, vem, vamos para o quarto.

Ela me pega pela mão e me leva até o final do corredor. Então, entra
na última porta e vejo que seu quarto é muito arrumado e clean. O abajur ao
lado da cama está acesa e deixa um ar muito confortável. Ela se vira e abaixa
as alças da sua camisola, que imediatamente desliza pelo seu corpo e se
espalha pelo chão. Sorrio ao ver que estava certo, ela está sem calcinha.
Meus olhos param na altura da sua barriga, ainda não dá para ver muito, mas
fico extremamente feliz em saber que ali tem meus filhos. A natureza é
perfeita.

— Você é linda — falo com sinceridade e ternura.


Ela olha para baixo e fica levemente corada. Então, se aproxima de
mim e pega a barra da minha camiseta, puxando-a para cima para tirá-la. Eu
tiro meus tênis e meias. E nos beijamos de novo e vou caminhando até que ela
encosta na beirada da cama. Ela se deita e retiro meu shorts, antes de me
deitar ao seu lado. Deslizo minha mão pelo seu corpo e começo a acariciar
seus seios.

— Eu estou louco de tesão, mas…


— O quê? — ela pergunta surpresa quando paro e retiro minha mão
de seu corpo.

— Não quero te machucar, a gravidez… — Nunca me relacionei com


nenhuma mulher grávida e nunca me interessei muito sobre o assunto. Então,
não sabia se o sexo poderia ou não acabar machucando os bebês.

— Shhh… não estou doente. Posso ter uma vida sexual normal e com
a vantagem que não posso ficar mais grávida do que já estou. — Ela ri e se
joga em cima de mim. — Agora, Gustavo, será que você pode cumprir o que
falou agora há pouco e me foder? Muito — fala e começa a rebolar em cima
de mim. Abro um sorriso e respondo.
— Não precisa pedir duas vezes, não sou louco de recusar o desejo
de uma grávida.

Nos perdemos um no outro e é melhor do que na outra noite. Acho


que, por saber que essa mulher está com meus filhos em seu ventre, me fico
ainda mais envolvido. Eu quero mais e mais da Amanda. Como é possível
que, em tão pouco tempo, eu esteja tão envolvido por ela?

Depois de algum tempo, Amanda está deitada sob meu colo.


Escutamos um barulho e percebo que é a barriga dela. Ela sem jeito me olha e
diz:
— Acho que realmente preciso comer.

— Sim, agora também estou com fome. Vem, vamos lá jantar — digo
e deposito um beijo no topo da sua cabeça e me levanto. — Vou no banheiro
rapidinho — falo e, quando já estou perto da porta do quarto para sair, ela
diz:
— Pode usar o meu, é naquela porta ali. — Ela aponta para o guarda-
roupa e, por um breve momento, não entendo. Mas, assim que abro a porta
indicada, me dou conta que é uma porta “falsa”, que dá para o banheiro da
suíte.

— Que legal, nunca tinha visto nada parecido.

— Quando eu era criança, ia na casa de três irmãs que eram minhas


vizinhas. A casa delas era muito bonita, digna de filhas de um grande
banqueiro. Um dia estávamos brincando de esconde-esconde e a irmã mais
nova me puxou para o quarto dos pais dela. Então, ela abriu uma das portas
do guarda-roupa, revelando um banheiro gigantesco. Fiquei tão encantada
com aquilo e prometi que, se um dia tivesse a oportunidade, faria um assim
para mim. Claro que o meu não chega nem perto daquele, mas essa simples
porta falsa me faz feliz. Como um pequeno sonho realizado.

— Eu achei incrível — digo e entro pela porta. Depois de fazer minha


higiene, volto para o quarto. Noto que Amanda não está mais no quarto, então
saio e, assim que passo pela porta, um aroma delicioso invade meu olfato e
me dá ainda mais fome.

Encontro Amanda colocando os pratos já com o risoto servido e


quente em cima da mesa. Ela também já serviu minha taça de vinho e a sua,
de suco para me acompanhar.

— O cheiro está maravilhoso — falo chegando perto dela e lhe dando


um selinho antes de me sentar.
— Sim, nossa, eu poderia comer um caminhão com a fome que estou.
— E senta-se também.

Então comemos em silêncio, apreciando tanto a comida que realmente


está maravilhosa, quanto a nossa própria companhia. Em diversos momentos,
trocamos olhares e sorrisos, intercalados com pequenos suspiros.

Não sabia ainda se formaríamos mesmo uma família, mas sentia que
poderia dar certo. Era como se algo dentro de mim me avisasse que a
Amanda era a mulher com a qual eu tanto sonhei. E, no que dependesse de
mim, faria de tudo para conquistá-la.
F
azia um mês desde
que contei sobre a
gravidez para o
Guto e que resolvi
tentar ficar com ele. No começo, travei uma batalha interna, pois tudo que
havia passado nos meus relacionamentos havia me tornado ainda mais
fechada e racional do que sempre fui. Por outro lado, não podia negar que o
Gustavo mexia com os meus sentidos, e isso, misturado a todos os hormônios
e emoções que a gravidez me davam, balançou meu coração.

Ponderei muito, mas, depois daquele beijo que ele me deu na frente
do meu prédio, algo mudou em mim e resolvi arriscar. Então, naquela noite,
joguei todo o meu charme e me permiti viver aquele momento. Não sabia se
daríamos certo como casal, pois fazia tempo que estava solteira e, pelo que
Gustavo falou, ele nunca havia tido um relacionamento sério. Mas decidi
viver um dia de cada vez, um problema de cada vez.
E desde então tem valido a pena. Guto é um cara incrível, atencioso,
romântico (às vezes até demais), mas tenho tentado não o julgar. Afinal,
nossas personalidades eram diferentes, mas ambos estávamos tentando. Ele
tem sido praticamente um príncipe encantado, algo que julgava não existir.
Mas, ainda assim, eu estava com meus pés no chão. Já havia sido
conquistada por palavras e gestos bonitos, e sofri uma grande decepção, e
não estava disposta a passar por isso de novo.

No trabalho, as coisas estavam indo muito bem, Gustavo era um


empresário muito competente e contava também com uma ótima equipe. O
que facilitava e muito o meu trabalho. Minha equipe estava muito entrosada e
tudo corria muito bem. E todos meus colegas e superiores receberam muito
bem a notícia da minha gravidez. Apenas ainda não estava pronta para contar
sobre meu relacionamento com Gustavo, pois isso poderia gerar muitos
falatórios. Então, apenas falava que na hora certa contaria sobre o pai dos
meus filhos, mas que estávamos bem e felizes.

— Está animada com a viagem? — Bianca me pergunta enquanto me


ajuda a arrumar minha pequena mala para o final de semana.

Tanto os pais de Gustavo quanto os meus estavam insistindo para que


fôssemos para Caxias do Sul. Assim que contamos para eles que estávamos
ficando, sim, ainda não conseguia falar “namorando”. Apesar de Gustavo me
apresentar para todos como sua namorada. Nossos pais cobravam que
fôssemos até lá.

Então, como neste final de semana era o grande lançamento da nova


safra de vinhos da vinícola dos pais de Gustavo, achamos uma boa
oportunidade para irmos. Confesso que estava nervosa com a ideia de
conhecer os pais dele, afinal, eles seriam os avós dos meus filhos. Pelo que
Guto contou, no início, não gostaram muito da gravidez inesperada, ainda
mais por não termos um relacionamento prévio. Mas, aos poucos, parecia
que eles estavam se acostumando com a ideia e queriam me conhecer o
quanto antes.

— Confesso que estou nervosa. Não sei como nossos pais irão reagir
a nós —digo, fechando minha mala. Coloquei apenas três conjuntos de
roupas, pois iremos amanhã cedo, sábado, e voltaríamos no domingo à tarde.
A festa de lançamento era amanhã à noite, e meus pais também haviam sido
convidados. Então, seria o encontro oficial de nossas famílias.

— Fica tranquila, vai dar tudo certo — Bia tenta me tranquilizar. —


Vocês têm se dado bem e é nítido que estão gostando um do outro. Então, os
tios e os pais dele ficaram felizes por vocês.

— Tomara. E como você está?

Bianca e Beto haviam brigado na semana passada, e ela parecia


arrasada. Apesar de ter insistido muito para que me contasse o que havia
acontecido, pois me preocupava com ela e não suportava vê-la sofrendo, ela
não me contava. Apenas dizia que estava decepcionada e que no momento
certo falaria sobre isso, pois ainda não estava pronta.

Ela sempre foi uma mulher forte e independente, nunca a vi triste


como estava vendo. Ela até se esforçava para não demonstrar, mas sabia que
estava sofrendo, o que apertava meu coração. Mas eu respeitava seu tempo e
espaço, e ficaria ao seu lado sempre. Sabia que, quando ela estivesse pronta,
iria me contar e, fosse o que fosse, sempre ficaria ao seu lado.

— Estou levando, Mandi, não se preocupe, eu ficarei bem.

— Tem certeza de que não quer vir comigo? Seria maravilhoso ter
você ao meu lado.
— Me perdoa, mas não estou em clima de festa. Fora que estou
atolada de relatórios de pacientes para analisar. Mas estarei aqui, torcendo
por você, e sabe que pode me ligar a qualquer hora.

— Está bem, mas me promete que qualquer coisa irá me ligar?

— Prometo.

Ela responde, e vou até ela que está na frente do meu guarda-roupa e
lhe dou um forte abraço. Ela me abraça forte e sinto que chora em silêncio.
Não sei o que tinha acontecido, mas jamais perdoaria Beto se descobrisse
que ele fez algo para fazê-la sofrer assim.

— Pronto? — pergunto assim que Guto estaciona na frente da casa


dos meus pais. A viagem foi supertranquila e levou cerca de duas horas,
visto que precisamos fazer duas paradas, pois precisei usar o banheiro.

— Nasci pronto — Guto fala e salta do carro. Como sempre, dá a


volta e abre a porta para mim. Ainda achava um gesto engraçado, mas tinha
que admitir que adorava.

Meus pais já estavam nos esperando na porta da varanda. Eu e Guto


nos aproximamos e tratei de fazer logo as apresentações.

— Mamãe, papai, esse é o Gustavo. Guto, esses são meus pais:


Vilma e Wagner.
— Prazer, senhora — diz, pega a mão da minha mãe e, como o
cavalheiro que é, deposita um delicado beijo. Ao ver o olhar de mamãe, sei
que ela está derretida e encantada pelos lindos olhos azuis do cavalheiro
sem armadura à sua frente. — Senhor, é um prazer conhecê-lo. — Guto
aperta firme a mão de papai, que diferente da minha mãe, não parece muito
feliz com a presença de Guto.

Nos últimos dias, nas conversas com minha mãe ao telefone, ela
falou que papai ainda estava contrariado com meu relacionamento com
Gustavo. Ele achou que nós não ficaríamos juntos e que mais cedo ou mais
tarde eu abandonaria minha vida em Porto Alegre e voltaria para a casa
deles. Dizia que seria o melhor lugar para criar meus filhos e que eu
precisaria da ajuda deles quando as crianças nascessem.

Eu entendia a preocupação do meu pai, talvez se estivesse em seu


lugar, pensaria da mesma forma. Mas em nenhum momento nem sequer
cogitei a ideia de largar tudo e voltar para Caxias. Mesmo que eu e Gustavo
não estivéssemos nos entendendo, eu ficaria em Porto Alegre. Minha vida
era ali e era ali que queria criar meus filhos.

— Seja muito bem-vindo a nossa casa, Gustavo. É muito bom


finalmente conhecê-lo — diz mamãe.

— Muito obrigado, estou muito feliz em estar aqui.

— Entrem logo, o almoço já está quase pronto. Amanda, leve o


Gustavo até o andar de cima para mostrar o quarto e depois voltem para o
almoço.

Minha mãe fala enquanto entramos em casa, meu pai já foi para a
sala, ver televisão. Ele nem disfarçou que não estava nem um pouco
empolgado com a visita de Gustavo, meu pai era assim e às vezes isso me
irritava e muito. Não que ele devesse morrer de amores pelo cara que
engravidou a filha dele, mas o mínimo era ser educado.

— Claro, mãe, pode deixar. Vem, Guto — digo e o levo para o andar
de cima pela mão. Vejo que olha tudo com muita atenção, Guto é muito
observador e curioso. Assim que chegamos ao andar superior da casa, me
dirijo à porta no final do corredor, que é a porta do meu antigo quarto.
Mamãe fez questão de deixar tudo como eu deixei quando fui embora. E
sempre limpava e cuidava para que estivesse sempre organizado, como se a
qualquer momento eu pudesse voltar para casa.

— Esse era o meu quarto — digo assim que passamos pela porta.

A decoração é bem clean, nunca gostei de cores extravagantes e


sempre fui extremamente organizada. Então, não tinha muitos objetos de
decoração no quarto. As paredes era de um cinza-gelo, quase branco. A
cama com dossel era uma das coisas que mais amava, só perdia para o
banco estilo americano na janela, que ficava entre duas estantes grandes de
livros. Quando me mudei, levei todos os meus livros comigo, por mais que
minha mãe tivesse implorado para que eu deixasse alguns, pois a maioria eu
já havia lido e assim teria mais espaço no apartamento para adquirir outros.
Não consegui, eu amava meus livros e pensar em deixá-los para trás era algo
que não conseguia aceitar. Agora as estantes, que antes eram cheias de
livros, tem um ou outro objeto de decoração e algumas poucas revistas que
mamãe provavelmente lia.
— É muito bonito. Você sempre foi muito organizada, não é? — Guto
pergunta.

— Sim, nunca gostei de muitas coisas no quarto, nem de cores muito


vibrantes. Queria te mostrar meu quarto, mas, como te falei antes de virmos,
meus pais não querem que a gente durma juntos. — Sim, por mais ridículo
que possa parecer, afinal, eu estava grávida de Gustavo e era óbvio que não
fizemos nossos filhos por telepatia. Mas a casa não era minha, então teria
que aceitar de bom grado as regras dos donos dela.

— Não esquenta com isso, nos meus pais não será diferente — ele
fala, mas ainda bem que não seria desta vez que precisaria dormir na casa
dos pais dele. Afinal, só ficaríamos uma noite e combinamos que, depois da
festa, voltaríamos para dormir nos meus pais. — Onde eu posso deixar
minhas coisas?
— Vem, o quarto de hóspedes é aqui ao lado. — Era lógico que, se
tivesse vontade iria para o quarto onde ele iria dormir, só esperaria meus
pais irem se deitar. A simples ideia de uma travessura adolescente me
deixou excitada. Lembrei-me da época que o Pedro dormia aqui e nós íamos
um para o quarto do outro no meio da noite. — Prontinho. Você quer tomar
um banho antes do almoço?

Pergunto depois de ajudar Gustavo a desfazer sua mala de mão.


Sempre invejei um pouco os homens, eles são muito práticos e precisam de
bem menos acessórios e produtos que nós. Eu arrumaria minhas coisas
depois do almoço, pois já estava com fome.

— Não, já demoramos para nos instalarmos, seus pais devem estar


nos esperando para comermos.

— Eu adoro esse seu jeitinho sempre preocupado com os outros. —


Falo e lhe dou um abraço.
— Linda. — Fala enquanto faz um carinho no meu rosto. — Estou
muito feliz de estar aqui com você. Obrigado por ter me convidado para
ficar aqui.
— Para Guto, não fazia sentido virmos para cá e cada um ficar em
um canto.

— Você sabe muito bem o que quero dizer.


Ele rebate e me beija. E sim, eu sabia o que ele queria dizer. Pois
mesmo que eu tenha aceitado ter dado uma chance para nós, foi uma luta ele
me convencer a virmos para cá conhecermos nossos pais. Tentei de todas as
formas e usei de todas minhas armas (sim tentei persuadi-lo a desistir com
sexo), mas foi em vão. Quanto mais eu tentava falar que era cedo, que ainda
teríamos tempo para isso. Mas ele rebatia dizendo que seus pais não
paravam de perturbá-lo falando que queriam me conhecer o quanto antes.
Então quando finalmente eu dei meu braço a torcer, pois já estava ficando
chato e acabamos brigando feio por duas vezes. Resolvi aceitar e marcamos
de vir. Ele ficou eufórico e desde então fica me agradecendo.

A verdade é que ainda não estava me sentindo pronta para conhecer


os pais dele. Ainda mais depois que ele me contou a reação deles ao saber
da gravidez. Não que eu me importasse com seus julgamentos, mas queria
que eles vissem que sou uma mulher decente e não qualquer uma que o filho
deles encontrou pela rua. Só quero que dê tudo certo, já não me dei bem no
passado com as famílias dos meus exs, torcia para que com a família do pai
dos meus filhos a história fosse diferente.
E stava terminando
de me arrumar para
a festa quando
escuto uma batida na porta do meu quarto. Gustavo estava no quarto de
hóspedes, se arrumando. O dia foi tranquilo, depois do primeiro contato entre
meu pai e Guto, meu velho teve que dar o braço a torcer quando percebeu que
o meu “pretendente” era incrível. E aquela pose de “mala” que estava
fazendo quando chegamos foi por água abaixo.
Gustavo era tão carismático que enfeitiçou meus pais, ele contou
sobre sua empresa, seus planos e seus sonhos para quando os bebês
nascerem. Que, inclusive, eram muitos, acreditem se quiserem, mas ele já
estava vendo a decoração dos quartos, mesmo que a gente ainda nem tenha
decidido se iremos ou não morar juntos. Também falou sobre sua família, a
vinícola e, claro, sobre seu primo Rick. De uma forma ou outra, Rick sempre
aparecia nas conversas, era incrível a admiração e amor que Gustavo tinha
por ele. Cada vez que ele contava uma história que passou ao lado do melhor
amigo, seus olhos brilhavam e a voz ficava um pouco embargada. Sempre
sinto um aperto no peito quando vejo isso. Não tive a oportunidade de
conhecê-lo, mas tenho certeza de que teria gostado dele. Ele parecia ser
aquele tipo de cara que não passava despercebido, o cara que fazia tudo por
quem ama. Não tenho dúvidas que seria um grande tio.

Não conhecia o Gustavo antes da perda do primo, mas, pelo que ele
mesmo me conta, desde que soube que seria pai, algo dentro dele mudou. Ele
fala que sempre foi introvertido, que não curtia muito se relacionar com as
pessoas, ficar jogando conversa fora. Dizia que preferia ficar trabalhando,
lendo, correndo ou jogando videogame. Mas, desde a perda do Rick e a
notícia da paternidade, ele despertou para a vida. Era como se finalmente
tudo o que Rick sempre falou que ele era agora realmente estava sentindo que
era. Ele conta que Rick via um Gustavo diferente daquele que ele olhava
todos os dias no espelho. Mas que hoje em dia ele tem começado a enxergar,
ou melhor, tem começado a se sentir. E isso tem lhe dado o gás e ânimo que
estavam lhe faltando.
De repente, outra batida na porta me desperta dos meus pensamentos.

— Pode entrar — digo enquanto termino de fechar o último botão do


vestido.
— Oi, minha filha, está pronta? — Mamãe entra. Ela está linda em um
vestido azul-marinho social e saltos altos. Seus cabelos estão presos em um
coque bem sofisticado.

— Uau, você está uma gata — digo, e mamãe sorri, agradecendo o


elogio.
— E você, minha menina, está parecendo uma verdadeira princesa.
Você é a menina mais linda do mundo — ela fala e uma lágrima de emoção
cai pelo seu rosto.

Estou usando um vestido longo, rosa-claro, ele tem um caimento solto


e a sua saia é de voal, então disfarça bem a minha barriga que, semana
passada, começou a dar o “ar” da graça. Como os pais de Guto são
conservadores, imaginei que não gostariam se eu aparecesse com um vestido
colado que salientasse minha barriga. Então, optei por esse estilo mais
romântico e, ao me olhar no espelho no canto da parede do meu quarto,
concordei com minha mãe. Eu parecia mesmo uma princesa. Meus cabelos
estavam soltos, apenas com uma mecha de cada lado, presa para trás, o que
dava ainda mais delicadeza para a produção. Minha maquiagem também
estava leve, apenas com um rímel e um batom rosinha-claro nos lábios.
— Obrigada, mãe. O Guto já está pronto?

— Sim, ele já desceu, por isso vim te chamar. Minha filha, ele está um
gato, você que cuide bem dele nessa festa, pois, se piscar, irão roubá-lo de
você.
— Mamãe — falo, tentando parecer brava.

— Filha, ele parece ser realmente um bom rapaz. Você está feliz com
ele? Acho que ele está apaixonado por você. Os olhinhos dele brilham
quando te olham.

— Ah, mamãe, ele é maravilhoso, mas ainda não sei se eu estou


apaixonada. Eu estou gostando de ficar com ele e estou me esforçando para
que dê certo. Mas ainda é muito cedo, não nos conhecemos tão bem.
— Só quero que seja feliz, minha filha.
— Eu sou feliz, mamãe. E, quando meus filhos nascerem, serei ainda
mais.

Peguei minha bolsa que estava em cima da cama e saí com mamãe ao
meu lado. Mamãe desceu as escadas na minha frente e anunciou que eu
finalmente estava pronta. Como se eu tivesse demorado uma eternidade para
me arrumar, mamãe, sempre exagerada. Assim que cheguei perto dos últimos
degraus, vi meu pai todo arrumado, dentro de um terno. Acho que era a
primeira vez que o via tão formal. E, ao seu lado, estava Gustavo. Acho que
por um segundo prendi o ar. Minha mãe não exagerou na descrição que fez
dele, ele estava realmente um gato. Ele estava usando um smoking preto, com
direito a colete e gravata borboleta. Me surpreendi, pois o ajudei a desfazer a
mala e não tinha nenhum smoking lá. Então me dei conta que provavelmente
ele havia deixado a peça no carro para não amassar. Seus cabelos estavam
penteados para trás, com um pouco de gel. Seus olhos pareciam ainda mais
azuis, mais destacados naquela roupa preta. Ele estava de tirar o fôlego.
— Minha princesa — disse, estendendo a mão para mim e fazendo
uma reverência, como se fosse meu príncipe encantado. Me senti mais uma
vez como a protagonista de um conto de fadas e por um momento me permiti
fantasiar acreditando que realmente era.

— Mãe, pai, esta é a Amanda e seus pais. Dona Vilma e Seu Wagner
— Gustavo nos apresenta aos seus pais.
Acabamos de chegar na fazenda onde fica a vinícola e a casa deles. O
lugar é gigante, pena que, por já ser noite, não pudemos ver muito bem. Mas,
pelo que Gustavo nos contou, era um lugar muito bonito.

— Sejam muito bem-vindos. Sou o Jorge Medeiros e é um prazer


recebê-los. — diz o pai dele. Ele era alto como Gustavo, mas tinha os
cabelos escuros, olhos verdes e a pele levemente bronzeada. O que deveria
ser por ficar tanto tempo no sol pelos parreirais, acompanhando os processos
na vinícola.
— Bem-vindos, sou a Rose, e estava ansiosa por conhecê-los — diz a
mãe dele para nós, mas sinto que seu olhar está cravado em mim. Gustavo é a
cópia dela. Ela está deslumbrante em um vestido longo, preto e ajustado ao
corpo. Seus lindos cabelos loiros estão soltos e perfeitamente arrumados.
Mas o que mais chama a atenção são seus grandes e brilhantes olhos azuis,
tão azuis quanto os de Guto. — Você é linda, Amanda.

— Obrigada, o prazer é nosso. E mais uma vez muito obrigada por


esse convite. Nossa família sempre apreciou os vinhos Terra Nobre e
estamos animados em prestigiar o lançamento da nova linha.
— Ah, que bom. Uma pena que você não poderá provar hoje, mas
teremos bons sucos de uvas variadas esta noite também — ela diz, claramente
me lembrando da minha gravidez. E, pelo seu tom, declarando que não está
muito feliz.

— Bom, vamos entrar? — Gustavo pergunta, percebendo que o clima


estava começando a ficar um pouco estranho.

— Sim, grande parte dos convidados já chegou — diz Dona Rose.


— Sim, inclusive, aquele interesseiro. — fala Seu Jorge em tom de
poucos amigos.

— Ele veio mesmo?


— Sim, meu filho, nós o convidamos apenas por educação, não
achávamos que iria aceitar. Mas, pelo jeito, o filho é bem diferente do pai, e
gosta de estar por dentro de tudo. Incluindo os lançamentos do seu maior
concorrente — responde Dona Rose para Gustavo, que estava caminhando ao
meu lado de mãos dadas. Uma coisa que não passou despercebida aos olhos
de sua mãe.

A festa estava acontecendo em um grande salão que era anexo à casa


principal. O lugar era lindo, as paredes eram todas de vidro que ia do chão
ao teto, que tinha um pé direito alto. A estrutura era de madeira maciça. E a
decoração estava impecável, muitos vasos no chão com folhagens verdes e
nas mesas, arranjos com flores do campo, de todas as cores. O que fazia o
ambiente ficar cheio de vida.
Havia muitas pessoas, reconheci alguns rostos de pessoas da alta
sociedade que sempre via nas festas da casa da Bianca, quando ainda
morávamos aqui. No centro do salão, havia uma grande mesa comprida, com
diversas garrafas de vinho perfeitamente alinhadas. Eram os novos rótulos, as
“estrelas” da noite.

— Vocês podem se sentar aqui e ficarem à vontade — diz Dona Rosa


nos apontando para uma mesa em um dos cantos do salão. — Amanda, irei
roubar o Gustavo por alguns minutos, quero muito que ele fale com alguns
amigos da família. Mas prometo que logo ele estará de volta. — E
praticamente sai puxando Gustavo, que segue a mãe, mas antes me lança um
olhar de “desculpa, ela é assim”.
— Ela me odeia. — Me viro e falo para meus pais que já estão com
uma taça cada um nas mãos apreciando o vinho.

— Não fala isso, Mandi, ela não te odeia. Ela apenas ainda não te
conhece e está com um pé atrás por conta da gravidez repentina. Mas tenho
certeza de que, assim que ela te conhecer, verá que é uma menina especial —
fala mamãe para tentar me acalmar. Pois eu fiquei irritada pela forma como
essa mulher me tratou.

— Pode ser. — Fico com a cara emburrada. Então um garçom se


aproxima e pergunta se eu gostaria de beber uma taça de vinho. — Não,
obrigada. Você poderia, por favor, me trazer água? — peço. É uma tortura
estar em um evento como este e não poder beber nem um golinho de vinho.
Isso era uma das coisas que mais estava sentindo falta, isso e café. Não que
eu seja alcoólatra, longe disso, mas sempre apreciei tomar uma taça de vinho
algumas noites, durante a semana.

— Filha, aquele lá não é o André?

Mamãe aponta para alguém atrás de mim. Estava bebendo a água que
o garçom havia acabado de trazer para mim. Então me viro, achando que
minha mãe deve estar vendo coisas, mas fico paralisada quando vejo André
do outro lado do salão. Ele estava muito elegante com um terno cinza-claro e
uma taça de vinho na mão. Vejo-o conversando animadamente com um senhor
e, ao seu lado, uma jovem morena muito bonita acompanhava a conversa.

— É sim. — Então me dou conta que a família de André era dona de


uma das maiores vinícolas do país e que provavelmente era dele que os pais
do Gustavo estavam falando. — Como sou burra — falo sozinha, por não ter
percebido antes. André De Luca, meu ex-namorado, havia assumido o
comando dos negócios da família após o nosso término e, pelo que meus pais
contam, estava se saindo muito bem.

— Você não vai até lá dar oi para ele, filha? Afinal, vocês ficaram
muito tempo juntos — minha mãe pergunta.

— Não, eu não. Quer dizer, acho melhor não.


— Não será preciso ir até lá. Ele está vindo na nossa direção —
avisa mamãe enquanto acena para alguém atrás de mim. Meu Deus, e agora?

— André, meu querido, quanto tempo. — Mamãe se levanta, seguida


pelo meu pai. André os cumprimenta com sua simpatia de sempre. Então, seu
olhar se volta para mim.
— Amanda, você por aqui? — Pergunta não disfarçando sua surpresa
em me encontrar sentada naquela mesa. Provavelmente veio até aqui achando
que meus pais estavam sozinhos, e não deveria ter me reconhecido de costas.

— Oi, André, tudo bem? Quanto tempo, não é? — digo, me


levantando para cumprimentá-lo, afinal, tinha um grande carinho por ele e
sempre quis que a gente tivesse mantido uma amizade depois do término. Mas
entendia os motivos de André não compartilhar do mesmo sentimento.
— Bem. Muito tempo. Como você está? — pergunta após darmos um
rápido abraço. Mesmo rápido, senti o coração de André bater acelerado. Ele
estava exatamente como na última vez que o vi. Uma coisa nunca pude negar,
André era muito bonito. E cheiroso, ele estava usando o mesmo perfume que
eu amava. O que me fez por um breve instante relembrar nossos momentos
juntos.

— Estou bem. Trabalhando bastante. E você? Assumiu os negócios da


família então?

— Sim, e estamos indo muito bem. Hoje fiz questão de vir prestigiar o
lançamento dos Medeiros, pois, diferente do meu pai, me interesso por tudo,
inclusive, pela concorrência — diz, me dando uma piscada de olhos e
parecendo realmente feliz com a sua vida.
— Que bom, fico feliz por você — falo com sinceridade.
— E o que te traz aqui? Só passeando? — ele pergunta, e não sei se
conto sobre Gustavo, a gravidez e como minha vida virou de cabeça para
baixo.
M inha mãe fez
questão de me
mostrar para
todos os convidados da festa. A grande maioria das pessoas que estavam
presentes era amigo de longa data dos meus pais e alguns figurões
da sociedade. Como sempre fui muito introspectivo, nunca gostei muito de ir
às festas que meus pais promoviam, muito menos de ficar bajulando seus
colegas.
Mas sabia que aquele lançamento era muito importante para meus
pais, afinal, os negócios estavam um pouco abalados com a concorrência com
os De Luca. Então fiz meu papel de bom filho e circulei por todo o salão ao
lado deles, distribuindo sorrisos e jogando conversa fora.

Quando estávamos quase dando a volta completa pelo salão e


chegando novamente na mesa onde Amanda estava com seus pais, vi que eles
estavam todos de pé e conversando com o André De Luca. Algo dentro de
mim não gostou muito daquela cena, pois não sabia que eles se conheciam.

André era filho único da família De Luca e há pouco mais de um ano


estava à frente dos negócios da família. Ele era uns anos mais velho do que
eu e nunca trocamos mais do que meia dúzia de palavras nos eventos que nos
encontramos dos nossos pais. Mamãe uma vez me disse que ele havia voltado
de Porto Alegre, pois a noiva o abandonou e, ao que parece, ele não superou
o término, pois ainda estava solteiro.
Me aproximei da mesa deles e vi que Amanda ficou paralisada com a
minha chegada.

— André, boa noite, como vai? Quanto tempo que não nos vemos, não
é? — digo, estendendo a mão para cumprimentá-lo. Ele a aceita e aperta
firme e parece contente em me ver. Noto que os pais de Amanda parecem um
pouco tensos. O que será que está acontecendo aqui? Será que são amigos?
— O jovem Gustavo, estou bem, muito bem. O tempo passou mesmo,
não é? Acho que a última vez que nos vimos você ainda usava boné — fala,
brincando. — Eu fiquei sabendo sobre o Ricardo, sei que vocês eram muito
próximos, sinto muito por sua perda — fala e parece sincero.

— Obrigado, é, foi um baque e tanto, mas tenho certeza de que ele


está em um lugar melhor.

— E você está firme lá em Porto Alegre com a empresa?


— Sim, foi difícil no começo, eu sempre cuidei mais da programação
e projetos. Então, ficar à frente da parte administrativa tem sido um grande
desafio, mas estou indo bem.

— Que bom.
— Vocês já se conheciam?

Pergunto, olhando para Amanda que parece realmente desconfortável.


Ela olha para seus pais, que permanecem em silêncio, o que desperta ainda
mais a minha curiosidade. Então, André responde:
— Eu e Amanda éramos namorados. Mas ela me deu um pé na bunda.
Por isso voltei para cá — diz e na sua fala sinto que tem uma mistura de
alegria, decepção e saudade. Olho para Amanda sem entender, tentando
processar aquela informação.

— Eu não te dei um pé na bunda, nós apenas terminamos e cada um


seguiu o seu caminho.
— Você terminou, Mandi. — Ouvir ele chamá-la pelo apelido me
provocou um sentimento com o qual não estava muito familiarizado: ciúmes.
Nos poucos meses que conhecia Amanda, já tínhamos conversado sobre
muitas coisas, sonhos, planos, histórias da infância. Mas a questão dos
relacionamentos passados ainda parecia ser um tabu entre nós. Bom, quer
dizer, eu nunca tive um relacionamento sério, então não tinha muito o que
contar. Mas eu sabia que Amanda tinha um passado, só que como ela nunca
me contou nada, e não me senti confortável em abordá-la. Sabia que com o
tempo ela contaria e, também, nunca me importei muito com isso, pois nunca
fui um cara ciumento. Nunca, até agora. — E vocês, como se conhecem?

É a vez de André ter curiosidade. Espero para ver o que Amanda irá
dizer, até hoje ela não me apresentou para ninguém como seu namorado.
Diferentemente de mim, que dizia em alto e bom som que ela era a minha
namorada.

— Eu e Gustavo estamos juntos — ela diz sem muita emoção. O que


me irritava é magoa ao mesmo tempo.
— Nós seremos pais, Amanda está grávida de três meses. — Sinto o
olhar de desaprovação de Amanda em mim. Provavelmente não era assim que
ela gostaria que a notícia da gravidez chegasse ao seu ex. Mas estava pouco
me lixando, estava puto. Entendia que ela não queria contar sobre nós no
trabalho, tendo em vista que sou seu cliente, poderia gerar falatórios
desnecessários. Também entendia as vezes que me apresentou para alguns
colegas como seu “ficante”. Mas estar aqui hoje, na casa dos meus pais, na
frente do ex-namorado e não deixar frisado nossa relação, me incomodou e
muito.

— Você está grávida? — André pergunta, ignorando a informação de


que sou o namorado dela e me ignorando também.
— Sim, foi uma grande surpresa.

— Uau, bom, meus parabéns. Você sempre sonhou em ser mãe e tenho
certeza de que será maravilhosa — André fala enquanto abraça Amanda.
Então ele se vira para mim com um olhar diferente de poucos instantes antes.
— Parabéns, Gustavo, Amanda é uma grande mulher, tem sorte em tê-la ao
seu lado.
— Obrigado, eu sei, estou muito feliz por Amanda ter entrado na
minha vida.

— Bom, se me dão licença, minha companhia está me esperando. Foi


muito bom revê-los — André fala para os pais de Amanda, que ainda estão
mudos apenas observando o desenrolar da cena. — Gustavo, foi bom te ver.
Amanda, toda a felicidade do mundo para você e sabe que, se precisar de
qualquer coisa, pode me procurar, aqui está meu cartão com meu número
novo.
Ele a abraça e lhe dá um beijo na bochecha depois de entregar o
cartão. Fico ainda mais puto e minha vontade é de chutar ele dali. Descarado.
Então, ele se vai e some da nossa vista, se misturando aos demais
convidados. Amanda guarda o cartão na bolsa, antes que seus pais voltem a
se sentar, ela fala:

— Estou muito cansada e um pouco tonta. Será que podemos ir para


casa? — ela pede, olhando para seus pais e aparentemente me ignorando.
Será que ficou brava por eu ter contado da gravidez?

— Vou apenas chamar meus pais para avisar que estamos indo.

— Não, Guto, eu e meus pais podemos ir de Uber. Não é legal você ir


embora, fica, faça companhia para seus pais. É um evento importante da sua
família.
— Amanda… — Minha vontade era de falar que ela e nossos filhos
eram a minha família, mas não consegui. — Eu vim com vocês, então irei
embora com vocês. Meus pais entenderão. Por favor, esperem um instante que
já volto.

Voltamos para casa dos pais de Amanda em um absoluto silêncio.


Assim que chegamos, ela desejou boa-noite e foi direto para seu quarto. Não
sabia como agir, sua mãe, notando minha aflição e conhecendo como ninguém
sua filha, me convidou para tomar um chá antes de nos deitarmos. Seu Wagner
já tinha se recolhido também. Estava tão atordoado que achei uma boa ideia
um chá para ajudar a acalmar meus pensamentos, principalmente, meu
coração.
— André e Amanda se conheceram na empresa que ela trabalha —
dona Vilma começa a contar enquanto enche a chaleira elétrica para ferver a
água para o chá. Não sabia se era o certo conversar com ela sobre isso, tendo
em vista que deveria partir da Amanda a iniciativa de compartilhar aquilo
comigo. Mas minha curiosidade era tanta que não me importei e escutei a
história que Dona Vilma me contava. — Eles se deram muito bem logo de
cara. Amanda vinha de dois relacionamentos que a fizeram sofrer e encontrou
no André uma calmaria que não conhecia ainda. — Escuto em silêncio. Dona
Vilma enche duas canecas com água quente e coloca um saquinho de chá em
cada uma deles. Imediatamente a água fica rosada e um leve aroma de
morango invade o ambiente. Sempre gostei de tomar chá, então pego a xícara
e bebo um longo gole enquanto ela continua a história. — Então, depois de
um tempo de namoro, Amanda percebeu que não estava feliz ao lado de
André. Ela dizia que queria curtir mais a juventude, viajar, ir a festas e
aproveitar enquanto era nova e tinha disposição. Então um dia ela terminou
com ele. Ele ficou triste, não conseguia entender o término, pois ele se dava
bem, não havia brigas ou desentendimentos. Mas ele aceitou a decisão dela e
um tempo depois voltou para cá e assumiu o lugar do pai à frente da vinícola.
Às vezes nos esbarramos pela cidade e ele sempre é muito simpático e
atencioso. — Ela parece ter terminado e então eu faço uma pergunta.

— Quanto tempo eles ficaram juntos?


— Acho que uns três anos. — Três anos? Era muito tempo.

— Eles eram noivos quando terminaram?


— Não. Eles praticamente moravam juntos, mas não tinham
oficializado, depois que terminou com ele, Amanda nos contou que ele disse
que iria pedi-la em casamento em breve. Mas, Guto, a história deles é
passado, por mais carinho que Amanda possa ter por André, não passa disso,
carinho. Ela não o ama, acho que nunca o amou de verdade. Amanda é muito
racional, às vezes é até difícil lidar com ela, pois esconde muito bem as
emoções e sentimentos. Mas eu sei que ela não o ama.

— Eu queria entender a reação dela de hoje, parece que ficou brava


por eu ter contato que está grávida.
— Como eu disse, Amanda sempre esconde os sentimentos, talvez
ainda não estivesse pronta para contar, mas você não fez nada de errado.

— Obrigado por ter compartilhado isso comigo, foi bom saber um


pouco mais sobre a história deles. Confesso que me senti perdido lá, quando
fiquei sabendo do relacionamento.

— Eu percebi, meu querido, mas não precisa se preocupar. André é


passado, você e os bebês são o presente e futuro da vida da Amanda. Não
desista dela, só, por favor, tenha paciência. Ela é minha única filha e Deus
sabe o quanto a amo, mas reconheço que ela não é a pessoa mais fácil de se
lidar — dona Vilma fala e faz um carinho maternal na minha cabeça.

Depois, ela me desejou boa-noite e foi se deitar. Eu lavei nossas


xícaras e fui para o quarto. Estava deitado no quarto de hóspedes pensando na
noite, e em tudo que a mãe de Amanda me contou. Fiquei surpreso por saber
que eles ficaram juntos tanto tempo. Isso significava que eles tinham muitas
histórias e momentos juntos, e se mesmo assim Amanda não se casou com ele,
uma parte dentro de mim começou a duvidar que eu poderia realmente
conquistar o coração daquela mulher. Com a cabeça dando voltas e mais
voltas, já muito cansado, acabei adormecendo.
Acordo com a cabeça pesada, não sabia se devia tal efeito ao vinho
ou às emoções da noite anterior. Vou para o banheiro que tem no quarto, tomo
um banho rápido e me visto para descer para o café, pois já passa das 08h.
Assim que chego na cozinha, encontro Amanda já sentada, tomando o que
parecer ser uma xícara de chá.

— Bom dia — digo e caminho até ela para lhe dar um beijo.

— Bom dia. Meus pais tiveram que ir até a fábrica, parece que uma
das máquinas quebrou durante a noite, mas logo eles voltam para começarmos
a fazer o almoço — ela fala. Tento avaliar seu humor e, ao que parece, ela
está tranquila.

— Dormiu bem?

— Sim, estava bem cansada ontem, o dia foi cheio. E você?

— Dormi, mas senti sua falta durante a noite. — Espero sua reação.
Antes de irmos para a festa, tínhamos combinado de que ela iria para o meu
quarto durante a noite, mas isso não aconteceu.
— Me desculpa, eu realmente apaguei e só acordei hoje com minha
mãe me chamando para avisar que iriam sair.

— Tudo bem — falo e me sento ao seu lado para tomar o café da


manhã. Noto que Amanda parece inquieta, como se quisesse falar algo, mas
não conseguindo. Prefiro esperar, se ela quisesse conversar sobre ontem,
teria que puxar o assunto. Estava na hora de fazer Amanda se abrir comigo.

— Guto, sobre ontem… — bingo, ela começou. — Eu não sabia que o


André estaria lá, na verdade, eu não tinha ligado os pontos até vê-lo lá. —
Ela me encara e continua. — Desde que terminamos, não tínhamos mais nos
visto.

— Tudo bem, todo mundo tem um passado. Você ficou chateada por eu
ter contato da gravidez?
— Não, claro que não. Só que como tudo foi muito rápido, fiquei
meio sem reação.

— Pareceu que ficou irritada por eu ter falado.

— Guto, desculpa se pareceu isso, não foi minha intenção. Eu não


tenho nada com o André, nem com ninguém. Estou com você e estou feliz
assim. Só queria que você entendesse que foi apenas uma surpresa.

— Tudo bem, entendo. Também, para mim, foi uma grande surpresa
saber do relacionamento de vocês, e confesso que fiquei com ciúmes.

— Ciúmes? — Amanda abre um sorriso de canto de boca. — Ora,


ora, o Sr. Medeiros sentiu ciúmes de mim? — Ela se levanta e me puxa pela
mão. Então pega meu rosto entre suas delicadas mãos e me beija.
E, ao sentir seus lábios, esqueço de todas as incertezas que estavam
me torturando. O beijo dela é como um paraíso, ela me fascina, me encanta,
me envolve. Naquele momento tenho mais certeza do que nunca, eu amo a
Amanda.
A volta para casa foi
tranquila, é quase
18h quando Guto
estaciona na frente do meu prédio para me deixar. Depois que almoçamos
com os meus pais, andamos um pouco pelos arredores da casa deles, Gustavo
gostou muito da casa onde cresci. Meus tios, pais da Bianca passaram por lá
e o conheceram. Como imaginei, todos gostaram muito do Gustavo. Minha tia
me deu de presente dois tiptops, eles eram lindos, brancos e com desenhos de
ovelhinhas. Eu e Guto ficamos apaixonados. Depois arrumamos nossas coisas
e viemos para não chegarmos muito tarde em Porto Alegre.

A noite anterior tinha sido intensa, bom, não sei se intensidade era a
palavra certa, mas sem dúvida não esqueceria aquela noite tão cedo. Fiquei
em choque quando vi André lá, desde que havia terminado com ele, não o
encontrava. A princípio, não me senti confortável para contar que estava
namorando e grávida. Não sabia como contar ou como seria a sua reação.
Mas então o Guto apareceu e falou. No início, fiquei irritada pela forma como
ele contou, pois eu sabia que André ainda não havia me esquecido totalmente.
Mesmo a gente não tendo contato, minha mãe via ele às vezes e ela dizia que
ele ainda me amava. Também nunca vi nenhuma postagem dele com outras
mulheres, o que contribuía para a afirmação da minha mãe de que ele ainda
não tinha me esquecido. Então não achei delicada a forma como Gustavo
contou, não queria ferir ainda mais os sentimentos do André. Mas depois de
pensar durante a noite, me coloquei no lugar do Guto e percebi que
provavelmente faria o mesmo.

Afinal, eu estava com ele, nós teríamos um filho, ou melhor dois. Era
natural nos apresentarmos de tal forma. Então, quando ele hoje, no café da
manhã, confessou que só falou daquela forma porque sentiu ciúmes, percebi
que era algo natural. E que ele gostava mesmo de mim.
— Mandi, obrigado por esse final de semana. Foi maravilhoso
conhecer seus pais e o lugar onde você cresceu.

— Eu que agradeço. Sei que fui relutante a isso, mas, no fim, foi muito
bom. Não sei se seus pais gostaram muito de mim, mas… — Na hora que
fomos embora, a mãe dele não se despediu com muita alegria, acho que não
ficou feliz com o fato de o filho ter ido embora tão cedo. Mas eu realmente
precisava me deitar, estava me sentindo um pouco tonta. Não sei se era
apenas cansaço ou as emoções daquele encontro.
— Eles gostaram sim. Mamãe tem aquele jeito desconfiado, mas ela
me disse que te achou linda e muito simpática. Ela espera que a gente volte lá
em breve e com mais calma, para ficarmos um pouco na casa deles.

— Teremos muito tempo para isso. Você não quer mesmo subir um
pouco?
— Era tudo o que queria, mas preciso trabalhar. Estou desde sexta
sem mexer nos meus e-mails, evitei o quanto pude o celular. Agora preciso
colocar os assuntos em dia. Acho que tenho umas mensagens da Patrícia no
celular.

Já tinha visto e falado com a Patricia algumas vezes, e simpatizei


muito com ela. Um dia Guto me contou que ela era apaixonada pelo seu
primo, mas que eles nunca tiveram nada. Lamentei por ela, deveria ter sido
muito triste ter perdido o homem que amava de uma forma tão brusca, por
mais que eles não tivessem um relacionamento.

— Está bem. Você acha que vai conseguir ir terça comigo no


ultrassom?

— Claro, não perderei essa consulta por nada. Estou louco para saber
o sexos dos bebês. — Na consulta de terça-feira, a médica achava que já
conseguiríamos ver o sexo dos bebês. Eu não queria criar expectativas,
independente do sexo, eu ficaria feliz igual. Mas, no meu coração, sentia que
eram meninas.
— Ah, que maravilha. Então vou indo. Se cuida, Guto. — Me
aproximei dele e lhe dei um beijo.

— Se cuida, amor. — Sorri timidamente antes de sair do carro e


quase corri para dentro do prédio, sem olhar para trás. Foi a primeira vez que
ele me chamou de amor. Normalmente falava: Linda, Mandi, cheirosa…, mas
“amor”, não. Não sabia se ficava feliz, ou apavorada.

Estava feliz com ele, tirando as discussões por conta de conhecer


nossos pais, vínhamos nos dando muito bem. Gustavo era um cara tranquilo;
em certos aspectos, ele me lembrava um pouco do André. Talvez essa
tranquilidade me incomodasse mais do que eu gostaria e eu acabava
comparando muito os dois. Sabia que isso era errado e nem um pouco
saudável para a nossa relação, afinal, cada pessoa é única. Cada
relacionamento é único. E eu não podia ficar tão presa ao passado. André e
Gustavo eram boas pessoas e as semelhanças deveriam parar por aí. Mas não
conseguimos controlar nossos pensamentos o tempo inteiro. Bom, se as
pessoas conseguem, têm minha total admiração, mas eu não consigo. E acho
que isso estava me travando muito e prejudicando meus sentimentos em
relação ao Gustavo.

Eu tinha certeza de que ele estava apaixonado por mim, ele


demonstrava em cada gesto, carinho e até mesmo no olhar. Mas eu ainda não
sentia que o amava. Claro que estava gostando dele, muito inclusive. Eu
gostava de beijá-lo, de ficar ao lado dele. Ele me causava muito tesão, e o
nosso sexo era de tirar o fôlego. Mas, amor, aquele amor que escuto falar, que
dá borboletas no estômago, falta de ar e que balança as pernas. Isso, eu não
sentia. E, por mais racional que eu seja, ficava triste com isso. Pois eu queria
me apaixonar por ele, queria olhá-lo da mesma forma que ele me olha. Queria
dizer “eu te amo”. Queria mesmo.
Mas quem disse que mandamos no coração? Só pedia para que Deus
me mostrasse o caminho certo a seguir e que, se meu caminho fosse ao lado
do Gustavo, que Deus abrisse meu coração para esse amor. Pois a cada dia
que passa sinto que ele está mais entregue a essa relação do que eu e não
quero magoá-lo, não quero passar com ele o que passei com o André. Então,
que Deus me mostrasse logo o caminho, pois, se não era para ficar com o
Gustavo, então que terminasse o quanto antes.
— Quais são os palpites de vocês, papais? — perguntou a dra. Lígia
que estava acompanhando minha gravidez. Ela foi indicação do Beto, ele
disse que, por eu ser celíaca, minha gestação precisava de acompanhamento
constante. E a dra. Lígia era a melhor obstetra que ele conhecia. Bianca
também me falou muito bem dela.

Assim que tive minha primeira consulta com ela, nos demos muito
bem e ela me transmitiu muita tranquilidade. Ela era muito atenciosa e
esclarecia todas as minhas dúvidas. Gustavo, que geralmente ia nas consultas
comigo, pois ele disse que queria participar o máximo de todas as etapas da
gravidez, também sentiu muita confiança na médica.
— Eu acho que são meninas — disse Guto, que estava em pé ao lado
da maca na qual eu estava deitada realizando o exame de ultrassom.

Ele estava muito ansioso para saber o sexo dos bebês. Nossos amigos
e família queriam que tivéssemos feito um chá para a revelação do sexo, mas
não estávamos muito empolgados para festas e acabamos optando pela forma
antiga. Claro que Bianca deixou bem claro para mim que, se ela não fosse a
primeira pessoa depois de nós a saber, eu talvez não chegaria ao final da
gestação, pois, nas palavras dela, ela me mataria.
— Eu também acho que são meninas, mas ficarei feliz independente
do sexo.

A dra. Lígia fez mais um suspense, mexeu um pouco mais o aparelho,


não sabia se estava tentando ainda identificar o sexo, ou se realmente estava
só fazendo graça para nós. Eu fazia ultrassons todas as semanas, por conta do
acompanhamento especial. Mesmo assim, todas as vezes que o aparelho
tocava minha barriga e eu ouvia os coraçõezinhos batendo acelerados ficava
completamente encantada e emocionada.
— Parabéns, papais, vocês estavam certíssimos. São duas menininhas
a caminho.

Abro um grande sorriso e lágrimas começam a escorrer pelo meu


rosto, olho para Guto, que também está com os olhos cheios d 'água, ele se
abaixa e me beija de felicidade. Eu poderia congelar aquele momento por
horas e horas, pois nunca me senti tão feliz até então. Seria mãe de duas
meninas, teria duas princesas. Tudo parecia ainda como um sonho, um sonho
que sempre sonhei, mas que custava a acreditar que era real e que era meu.
— Antes de vocês irem, tem apenas uma coisa que gostaria de
conversar com vocês. Amanda, pode se trocar enquanto eu e o Gustavo te
esperamos no consultório. Me acompanha, Gustavo?

A médica fala e Gustavo a segue para sua sala. Um frio atravessa meu
corpo e tenho um mau pressentimento. A felicidade que sentia segundos antes
dá lugar a um nó na garganta. Mas tento manter a calma, afinal, se fosse algo
ruim, ela já teria falado. E, pelo que vimos, está tudo bem com as bebês.
Acabo de me arrumar e volto para o consultório.

— Gostaria primeiro de lhe dar os parabéns, Amanda, pois está


seguindo muito bem a dieta que elaboramos para você. Bom, gostaria de
explicar para vocês que, quando se tem uma gestação gemelar monocoriônica,
ou seja, quando os fetos compartilham a placenta, mas cada um tem a sua
bolsa das águas, existe uma pequena possibilidade de desenvolvimento da
chamada Síndrome de Transfusão Feto-Fetal. É uma complicação rara, que
pode ocorrer em gravidezes deste tipo. O tratamento se dá através de uma
cirurgia a laser para a separação dos vasos sanguíneos, evitando o
desequilíbrio na circulação de ambos os fetos.
— Eu tenho isso? — pergunto já apavorada. Estou tão nervosa que
não consigo assimilar e entender tudo o que a médica fala, foquei apenas nas
palavras: síndrome, rara e cirurgia.

— Ainda é cedo para o diagnóstico, mas precisamos ficar muito


atentos. Só queria conversar com vocês para explicar que existe essa
possibilidade. Mas peço que fiquem calmos.
Olho para Gustavo, que parece tão em choque quanto eu. Calmos?
Como posso ficar calma depois de todas essas palavras e termos
assustadores?

— E o que posso fazer para evitar? — Com certeza deve existir


algum método de prevenção.
— Não há muito o que ser feito. Continuaremos com nosso
acompanhamento semanal. E você deve apenas continuar se cuidando e evitar
emoções fortes. No mais, Amanda, está tudo bem com a sua gestação. Não se
preocupe, essa síndrome é rara e afeta praticamente uma dentro de milhares
de gestantes.

Depois nos despedimos e saímos do consultório. Por mais que a


médica tenha falado que estava tudo bem com a minha gravidez e que eu não
precisava me preocupar, essa conversa me deixou em estado de alerta. Faria
de tudo para me cuidar ainda mais, não imaginava nem por um momento
perder minha filhas.

— Quais nomes você acha bonitos?


Guto me pergunta enquanto estamos deitados na minha cama. Ele
concordou em passar essa noite comigo depois que saímos do consultório.
Fiquei meio abalada com a conversa da dra. Lígia e, como Bianca estava
viajando em um congresso do trabalho, não queria ficar sozinha.

— Bom, sempre gostei muito do nome Isabela. Acho um nome de


princesinha. E você, tem algum em mente?

— Isabela? Isa… é soa muito bem. Gostei. Então, nossa filha que
nascer primeiro se chamará Isabela. Nunca pensei muito em nomes femininos,
mas acho bonito… Beatriz… Sofia… Manuela… Manuela, Manu. Acho que
combina com Isabela, o que acha?

— Isabela e Manuela. Isa e Manu. Amei — falo animada e então me


sento na cama de frente para Gustavo, pego sua mão e a coloco sob minha
barriga. — Papai, diga olá para nossas meninas. Isa e Manu, digam olá para o
papai.

Passamos o resto da noite juntos e curtindo esse momento tão


especial. Esqueço da consulta e da possibilidade de ter alguma complicação.
Apenas aprecio meu namorado e nossas meninas, que ainda nem chegaram
neste mundo, mas que já possuem meu amor incondicional.
E
ra sexta-feira à
noite e estava
deitada no meu
sofá,
completamente esgotada. A semana foi uma correria, uma das meninas que
estavam na minha equipe pediu demissão, pois a avó sofreu um infarto e ela
precisava de cuidados constantes. Então, a menina abriu mão do emprego
para cuidar dela. Com uma pessoa a menos, precisei remanejar as tarefas e
realizar a seleção de um novo profissional para a vaga em aberto.
Bianca só chegaria da sua viagem no sábado pela manhã e, na quarta-
feira, Gustavo me avisou que precisaria fazer uma viagem urgente para São
Paulo, um de seus clientes marcou uma reunião para discussão de um novo
lançamento e fez questão de sua presença. Ele disse que tentaria voltar ainda
hoje, mas não garantiu. Logo, eu estava completamente sozinha.
Peguei meu celular e ia pedir alguma coisa para comer, quando o
interfone do meu apartamento tocou. Estranhei, pois, com Bianca e Gustavo
fora, e ambos tendo as chaves, não precisavam anunciar. Assim, não
imaginava quem poderia estar ali àquela hora.

— Oi, boa noite — falo com o porteiro. O Sr. Douglas era o porteiro
do meu prédio desde que me mudei. Era um senhor muito simpático, perdi as
contas de quantas vezes fiquei horas na portaria ouvindo sobre as histórias de
pesca dele.
— Boa noite, Srta. Amanda, o Sr. André está aqui na portaria e
gostaria de subir. Posso autorizar sua entrada?

André? Aqui? Como assim?

— André? O André, meu ex-namorado? — pergunto, completamente


surpresa.

— Isso. Ele disse que queria lhe fazer uma surpresa. Mas, caso não
possa recebê-lo, fique tranquila que eu aviso a ele.

E agora? O que André poderia querer comigo? Será que veio para
Porto Alegre a trabalho e resolveu dar um oi?
— Pode deixá-lo subir, obrigada, Sr. Douglas, tenha uma ótima noite.

— Certo, Srta. Amanda, você também.


Não fazia ideia do porquê André resolveu me visitar, mas não podia
deixar de recebê-lo, afinal, sempre desejei ter uma relação de amizade com
ele. Talvez depois do nosso encontro no sábado, ele também pense assim.
Não é errado ser amigo de ex, ainda mais se temos carinho e admiração pela
pessoa. Minha campainha toca, antes de abrir, me olho no espelho ao lado do
aparador na entrada da sala. Já estava de pijama e não daria tempo para
trocar, mas não me importei, porque André já conhecia bem meu corpo e meu
pijama era discreto, composto de uma calça comprida de moletom e uma
camiseta larga rosa.

— André, que surpresa, como vai? — indago, abrindo a porta e o


convidando para entrar. Ele estava bem arrumado, de calça escura e camisa
social azul-marinho, com as mangas levemente dobradas nos braços. Seus
cabelos estavam um pouco úmidos, o que indicava que ele devia ter saído a
pouco do banho. Será que estava no seu apartamento? Acho que ele nunca o
vendeu, talvez o usasse quando vinha para Porto Alegre a trabalho ou até a
lazer.
— Oi, Mandi, obrigado por me receber e me perdoe por vim sem
avisar — ele diz, me dando um forte abraço e um beijo, que achei demorado
demais no rosto. Ele estava muito cheiroso, como sempre.

— Capaz, sabe que sempre será bem-vindo aqui. Vem, senta-se aqui.
— Caminho para o sofá e André me acompanha, sentando-se ao meu lado. —
Mas me conta a que devo esta visita?
— Então, confesso que desde sábado não consegui parar de pensar em
você. — Ele me encara, e eu apenas o observo. — Eu fiquei completamente
surpreso com a notícia da sua gravidez e queria entender melhor como tudo
aconteceu. Quer dizer, eu sei que a gente terminou há tempo e que desde então
não nos falamos. Mas você mesma sempre deixou claro que gostaria que a
gente mantivesse contato e, bem, saber que você está grávida, de alguma
forma, mexeu comigo, e... — ele fala sem parar, e sou obrigada a rir, pois ele
está completamente nervoso e atrapalhado. Completamente o oposto do que
costuma ser.

— Calma, André, respira.


— Desculpe, Amanda, mas realmente fiquei atordoado com a notícia.
Como isso aconteceu? Eu nem sabia que você estava namorando, ainda mais
com o Gustavo Medeiros...

— Aconteceu da mesma forma que a maioria das gravidezes acontece,


a gente transou e eu fiquei grávida — falei de forma natural, eu sabia que
André era muito conservador e que, para ele, tudo tinha que ser muito
planejado, mas não tinha outra forma de falar, pois era a pura realidade.
— E vocês estão juntos há muito tempo?

— Não. Nos conhecemos em uma festa, passamos a noite juntos e eu


engravidei. Eu nem sabia que o Gustavo era Gustavo Medeiros, da família
dos donos da Terra Nova.
— Você transou com o cara que nem conhecia e sem se prevenir? —
ele fala em tom de repressão, o que me irrita e muito.

— Olha, André, o que eu faço ou deixo de fazer da minha vida não lhe
diz o menor respeito. Estou apenas te contando, pois tenho um carinho por
você e acho que podemos ser amigos. Mas, se você veio aqui para ficar me
dando lição de moral, pode ir embora. — Ele me olha e então abaixa a
cabeça.

— Não, Mandi, me desculpe, sei que não é da minha conta. Só fiquei


em choque, eu sonhei por tanto tempo que isso acontecesse com a gente. Mas
não aconteceu.
— Sinto muito, André, não planejei nada disso. Simplesmente
aconteceu, era para ser.

— Você o ama, Amanda? — ele pergunta, e eu congelo. Não sei o que


responder.
— Eu estou feliz com ele, estamos nos dando bem.

— Você não o ama.


— Amor é uma palavra muito forte, você me conhece, sabe como lido
com os sentimentos...

— Amanda, eu te amo, eu te amo tanto. Nem um dia sequer esqueci de


você. Tentei ficar com outras mulheres, mas nenhuma delas me provocou o
que sinto quando estou ao seu lado...
Era só o que me faltava, o que eu fazia? Ver André mexeu comigo,
lembrei-me de tantos momentos bons que passamos juntos. Eu tinha um
carinho enorme por ele, só terminei, pois achava que precisava viver mais,
aproveitar a juventude que logo acabaria. Mas lembro-me sempre de todos os
planos e sonhos que fizemos. Agora ele reaparece e diz que ainda me ama,
que nunca me esqueceu. Logo agora que estou grávida e no início de um
relacionamento.

— André, eu não...

— Amanda, por favor, me dá outra chance. Está claro pelo seu olhar
que você não está apaixonada por esse cara e não é porque está grávida dele
que vocês precisam ficar juntos. Eu posso ficar ao seu lado, eu posso amar e
cuidar dos seus filhos como se fossem meus. Eu estou disposto a te dar o
mundo se você assim quiser...
Não tenho tempo de responder, André avança sob mim e me beija. Seu
beijo é urgente e intenso. Tento afastá-lo, mas ele me apertada ainda mais
forte. Seu cheiro me envolve e me lembro de todos os momentos em que
estive em seus braços. Então meu corpo amolece. Mesmo sabendo que é
errado, não consigo me afastar, ou falar para ele parar. Continuamos nos
beijando e o beijo que, no início era forte e selvagem, passa a ser delicado.
Então, sinto o rosto do André molhado, me afasto um pouco, abrindo meus
olhos e vejo que ele está chorando, está completamente entregue aquele
momento. Seus olhos verdes estão banhados de lágrimas silenciosas.

— Eu te amo tanto que chega a doer — ele fala enquanto me olha


como se pudesse enxergar dentro de mim.
E eu faço o mesmo, olho profundamente para ele e vejo seu amor,
vejo a dor que está sentindo e meu coração aperta. Esse homem me fez muito
feliz, ele entrou na minha vida em um momento que estava desiludida e foi
meu amigo, meu companheiro. Pela primeira vez em todos os anos que o
conheço sinto algo tão forte que me faz chorar. As lágrimas começam a correr
descontroladamente pelo meu rosto. Então ele começa a secá-las com suas
mãos, o que causa o efeito contrário em mim e choro ainda mais. O que antes
era um choro silencioso ganha força e, quando percebo, estou chorando tanto
que chego a soluçar. Puxo o ar e tento me controlar, André me abraça, e não
sei dizer quanto tempo se passa até que eu consiga me acalmar e parar de
chorar.

— Amanda, fica comigo, mesmo que seja só mais uma vez. Mesmo
que seja só esta noite. Fica comigo, me deixa te amar.
Tento falar que não, tento mandá-lo embora, mas então ele me beija de
novo. E novamente sou tomada pelas lembranças, meus sentimentos estão
todos bagunçados, não consigo pensar. Ele se deita sobre mim no meu sofá e
beija meu rosto, meu pescoço... a todo momento penso em falar “não”,
“para”, mas as palavras simplesmente não saem da minha boca. Então, escuto
de longe um barulho na porta e, quando me viro em sua direção e abro os
olhos, encontro Gustavo parado na porta com um buquê de rosas em uma das
mãos, que imediatamente caem no chão.
— Obrigado mais uma vez, Pati, por ter me acompanhado até São Paulo, sei
que foi em cima da hora e deve ter atrapalhado um pouco a sua rotina — digo
enquanto tiro a mala de mão da Patrícia do meu carro.

Estava deixando-a em casa depois que chegamos de São Paulo. Na


quarta-feira, um dos nossos principais clientes me ligou e pediu para que eu
fosse até São Paulo, na sede da sua empresa, para participar de uma reunião
sobre o planejamento e estratégias para o lançamento do novo produto da sua
linha de roupas. A princípio, eu iria sozinho, mas ele me pediu várias
alterações de última hora, e eu precisaria de ajuda. Então, convidei Patrícia
para ir comigo. Ela aceitou imediatamente, o que me deixou extremamente
agradecido.

— Não precisa agradecer, é o meu trabalho e amo fazê-lo. Além


disso, foi muito bom sair um pouco da empresa, respirar outros ares — fala.
Pati ainda não estava totalmente recuperada da perda de Rick, mas nas
últimas semanas parecia um pouco mais feliz.

— Mesmo assim, agradeço e muito. Bom, tenha um ótimo final de


semana.
— O senhor também. — Ela ainda não conseguia me chamar de
“você”. O que me fez revirar os olhos e soltar um sorriso.
Depois de me despedir de Pati, decido ir ver minha garota. Estou
morrendo de saudades da Amanda e tudo o que mais quero é passar a noite
inteira nos seus braços. Antes de ir até lá, paro em uma floricultura e compro
um lindo buquê de rosas para fazer uma surpresa para ela. A semana tinha
sido muito corrida e, pelo que Amanda me contou quando nos falamos pelo
telefone, ela estava muito cansada. Então, pensei que este pequeno agrado
faria seu astral mudar.

Chego ao prédio dela e estaciono em uma das vagas de visitantes. Na


semana passada, Amanda fez uma cópia da chave da sua casa e me deu, disse
que achava bom eu ter, pois, se um dia tivesse alguma emergência, eu teria
acesso mais rápido ao apartamento. Eu achei legal a confiança que ela
depositava em mim e isso me mostrava que aos poucos estava mesmo
conseguindo conquistá-la.
— Boa noite, Sr. Douglas, como está? — pergunto para o simpático
porteiro.

— Boa noite, rapaz, muito bem. e você?

— Bem também. Amanda já chegou em casa? — Ele me olha e sinto


um leve “desconforto” em seu comportamento.

— Sim, faz um tempo já.

— Obrigado — agradeço e subo.


Estou ansioso e empolgado para vê-la. Subo no elevador cantarolando
a música “Você é linda”, do Caetano Veloso:
“Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Está canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim”.

Mas, quando abro a porta de seu apartamento, sinto como se uma bala
tivesse atravessado meu peito. A dor é tão forte que minhas forças somem e o
buquê que estava segurando cai no chão.
—G
uto, eu... — tento em vão explicar o que estava
acontecendo, Gustavo entra no apartamento e vem em nossa direção com um
olhar de fúria.
— Seu babaca, larga ela.

Antes que eu pudesse falar ou fazer alguma coisa, Gustavo puxa


André pela roupa e dá três socos no rosto.

— Gustavo, não... larga ele — grito, pois ele está fora de si, e André
já está caído no chão, com o rosto coberto de sangue. Eu puxo Gustavo e o
empurro para o sofá. — Para, por favor.

Ele se senta e coloca as mãos na cabeça enquanto tenta puxar o ar e


se acalmar. Ajudo André a se levantar do chão, ele está bem machucado.
Pego um pano de prato que vejo em cima da mesa e dou para ele estancar o
sangue, acho que quebrou o nariz.
— André, por favor, vai para um hospital, eu não posso ir com você
agora. Preciso conversar com o Gustavo.

— Você vai ficar com esse... — Ele olha com fúria para Gustavo,
que finge não ouvir. — Amanda, olha o que ele fez comigo.

— Sim, eu já te disse, eu estou com ele. Nós teremos nossas filhas.


Isso foi um grande erro, por favor, vai embora.

— Amanda, eu...

— Vai, André, pelo amor de Deus — digo, já chorando. Então ele


vai embora sem olhar para trás. — Gustavo... — Tento chegar perto dele,
mas ele se levanta bruscamente, se afastando de mim.

— Por que, Amanda? Por que fez isso comigo? — ele pergunta e seu
tom é gélido.

— Guto, eu não, ele apareceu aqui hoje do nada. Disse que me


amava... e me beijou... eu não...

— Amanda, quer saber? Você não me deve nenhuma explicação.


Afinal, nós não temos nada. Eu que me iludi, criando uma relação que só eu
vivia — ele fala, e meu coração aperta.

— Não fala isso, eu gosto de você... — Tendo novamente me


aproximar, quero resolver as coisas. Quero ficar com ele. O que aconteceu
foi um grande erro, uma besteira de momento. Não quero perder o Gustavo.

— Gosta? Você “gooosta” de mim? Você é mais fria do que eu


imaginava. Você não tem coração, Amanda. Você brinca com os sentimentos
dos outros, você é fria. Eu te dei meu coração, eu me apaixonei por você, fiz
planos..., mas você, você só “gosta” de mim.

— Guto...
— Amanda, eu já entendi, não irei dificultar as coisas para você.
Serei bem claro e racional, como você tanto aprecia em ser. Acabamos por
aqui. Você não precisa se preocupar mais comigo. Viva sua vida como
quiser. Fique com o André, se ele te faz feliz, ou então procure outro otário
nas esquinas por aí. Agora percebi que meus pais estavam certos, você não
passa de uma vagabunda.

Por mais ferido que ele estivesse, não tinha o direito de me tratar
assim. Por maior que fosse o meu erro em ter beijado o André, ele não era
qualquer um que encontrei na esquina. Eu vivi mais de três anos com ele.
Nós morávamos juntos. Nós tínhamos uma história longa. E, por maior que
fosse a raiva do Gustavo por ter me encontrado nos braços do meu ex, ele
não deveria falar assim comigo. Não aguentei a raiva que senti ao ouvi-lo
me chamar de “vagabunda” e dei um tapa em seu rosto. Ele me olhou,
colocando sua mão onde eu havia acertado e disse:

— Adeus, Amanda.

Depois saiu do meu apartamento batendo a porta e me deixando


sozinha. Meu Deus, o que foi tudo isso? O que eu faria agora?

— Prontinho, o melhor remédio para dor de cotovelo, um pote cheio


de sorvete. — Era sábado à tarde e Bianca veio direto do aeroporto para
minha casa. Eu passei a noite inteira chorando, só consegui ligar para ela
quase no nascer do dia e então contei tudo que havia acontecido.

— Obrigada — digo sem a menor empolgação.


— Fica tranquila, Mandi, você e o Guto vão se acertar, só dá um
tempo para ele. E não se esqueça o que a dra. Lígia falou, você não pode ter
emoções fortes, ontem já deu a sua cota. Precisa relaxar.

— Ele nunca vai me perdoar, você tinha que tê-lo visto ontem,
parecia outra pessoa. Por que eu fui tão fraca? Maldita hora que o André
resolveu voltar para a minha vida.

— Você já falou com ele?

— Não. Ele me mandou várias mensagens de áudio, mas não quis


ouvir. Foi um erro, um grande erro. Achei que poderia ser amiga dele, mas
percebi que certas relações não podem se transformar. Elas simplesmente
devem acabar.

— O que você sentiu com o André? Será que não seria o caso de,
quem sabe, dar uma chance?

— Não, não. Eu já te falei, eu acabei me deixando levar pelas


lembranças. Mas não é amor. O André é incrível, mas não é para mim. Foi
um erro, uma fraqueza. E não irei mais falar com ele. Ele precisará entender
que entre mim e ele nunca mais vai acontecer. Lamento muito ter que ser
assim, mas não daremos certo como amigos, então, ele não fará mais parte
da minha vida.

— Ai, priminha, quem diria, há uns meses, que hoje estaríamos as


duas sofrendo por amor.

Bianca finalmente tinha me contado o que aconteceu entre ela e Beto.


Eu achava que tinha sido algo mais sério, mas eles brigaram porque Bia
estava sendo ciumenta demais na visão do Beto. Como ela nunca tinha se
apaixonado ou tido um relacionamento, eu imaginava que, quando
acontecesse, ela poderia passar por coisas assim.
Ela estava tão envolvida com o Beto, tão apaixonada, que não
conseguia controlar os sentimentos. E em uma noite acabou fazendo uma
cena de ciúmes e dizendo que estava tudo acabado. Como ela era muito
orgulhosa, não pediu desculpas nem foi atrás do Beto, e ele também ainda
não havia dado o ar da graça. Mas eu tinha certeza de que logo, logo aqueles
dois se acertariam e voltariam a ficar juntos.

Já eu e Guto, acho que não voltaríamos. Eu sabia que tinha errado e


muito, e não tirava a razão do Gustavo terminar tudo e ir embora. Só pedia
que com o tempo ele pudesse me perdoar para que a gente tivesse um bom
relacionamento por causa das nossas filhas.
Dois meses depois...

— Amanda, papai teve um AVC e está sendo encaminhado às pressas


para o hospital.

Estava terminando um relatório de faturamento no meu computador


quando meu celular tocou e vi que era a Bianca.

— Meu Deus, Bia, como o tio está? Onde você está? Estou indo aí.

— Ai, Mandi, eu não sei seu estado, estou apavorada. Eu estava na


academia quando a mamãe me ligou. Eles já estavam na ambulância. O Beto
está vindo me buscar e vamos até minha casa pegar umas roupas antes de
irmos para Caxias vê-los. Quer ir com a gente?

Como eu imaginava, Bianca e Beto voltaram e estavam mais felizes


do que nunca. Bianca deu o braço a torcer, deixando seu orgulho de lado, e
foi atrás do Beto. Depois de uma longa conversa, os dois acertaram os
pontos e desde então estão bem. Bianca, às vezes, ainda se deixa levar pelo
seu lado ciumento, mas Beto está tendo paciência, e eles estão encontrando o
equilíbrio da relação.

— Claro que eu vou. Estou saindo agora daqui, vou para casa e
espero vocês lá — digo, já me levantando, desligando meu computador e
indo para a sala da minha coordenadora avisar. Minha barriga já estava
maior, o que já dificultava um pouco os meus movimentos. Já tinha passado
da metade do quinto mês de gestação. — Fica tranquila, tio Nando é forte,
ele ficará bem. Até daqui a pouco, amo você.

Bato na porta da Sra. Carina, ela imediatamente me atende, explico o


que aconteceu e ela me libera na hora, me desejando melhoras para o meu
tio. Me despeço da minha equipe e todos são muito compreensíveis com a
situação, me tranquilizam dizendo para eu ficar tranquila que tudo dará certo
e que eles tomarão conta de tudo no setor. Minha equipe é como minha
segunda família, cada um deles é especial para mim. Todos têm me ajudado
muito nos últimos meses, principalmente a Bárbara que, mesmo tão nova,
assumiu uma grande parte de tarefas. Sem contar que é ela a responsável por
“mediar” minha comunicação com o Gustavo, referente ao trabalho.

Desde a nossa briga, ele não me atendeu, tentei por diversas vezes
ligar para ele. Deixei inúmeros recados com a Patrícia. Até mesmo fui ao
apartamento dele, mas ele simplesmente me ignorou em todas as
oportunidades. Ele mandava recados e perguntava como estava a gravidez
através da Patrícia ou da Bárbara, o que acabou tornando as duas amigas,
apesar da diferença de idade delas. Já que Pati já tem uns 40 anos e Bárbara
está ainda no auge dos 20.

Também não falei mais com o André, percebi que tudo realmente foi
um grande erro. Me deixei levar e não agi da forma que sempre agia, com a
cabeça. Depois daquele dia, tive ainda mais certeza de que ser mais racional
do que sentimental era a melhor coisa. Pois todas as vezes que me deixei
agir pelas minhas emoções, algo sempre saiu errado.

Cheguei em casa, corri para pegar duas mudas de roupas, alguns


produtos de higiene pessoal, coloquei tudo em uma bolsa grande e desci para
esperá-los. Não queria perder nem um minuto, precisávamos chegar em
Caxias o quanto antes. No caminho até em casa, consegui falar com minha
mãe e, pelo que ela me contou, o estado do tio Nando era grave, mas não
quiseram falar por telefone para a Bianca. Então eu teria o trajeto até lá para
conversar com ela e prepará-la para o que pudesse acontecer. Como eu faria
isso não sabia, mas tinha que ser forte por ela.
Chegamos no hospital e meus pais e a mãe de Bianca estavam na sala
de espera. Assim que entramos, Bia correu para o braços da mãe, foi
impossível não me emocionar com aquela cena. Abracei meus pais e depois
a tia. A todo momento pedia para que Deus salvasse meu tio, ele era um
homem maravilhoso e tinha ainda muito para viver.

Depois de mais de duas horas esperando, finalmente um médico


chegou na sala para conversar conosco.
— Boa tarde, dr. Vasconcelos, como meu pai está? — Bianca já
conhecia o médico, na verdade, ela conhecia praticamente todos os médicos
do estado, cresceu dentro do hospital, sempre que podia acompanhava o tio
no trabalho.

— Querida Bianca, o Fernando sofreu um AVC hemorrágico, que é


quando existe um rompimento efetivo de uma ou mais veias do cérebro,
causando um sangramento que pode acabar gerando uma pressão cerebral.

— Doutor, com todo o respeito, eu já sei tudo isso, lembre-se que


também sou médica. Agora, por favor, me diga como está o meu pai?

— Me desculpe, é força do hábito sempre explicar. Bom, seu pai


passou por uma cirurgia para a remoção do sangue que ficou no local e que
estava causando uma pressão no cérebro. Agora ele está na sala de
recuperação. A princípio, está fora de perigo, mas, como sabe, os próximos
meses serão decisivos para avaliarmos se ele ficará com alguma sequela.
— Ele pode ter sequelas? — pergunto, me levantando e ficando ao
lado de Bia.

— Sim, pacientes que têm derrame podem acabar desenvolvendo


dificuldade em movimentar o corpo, alterações na face, dificuldade para
falar, por exemplo. Mas é muito cedo para sabermos se realmente existirão
sequelas. O importante é que a cirurgia foi um sucesso e que ele está fora de
risco.

— Muito obrigada por tudo, doutor, nós podemos vê-lo? — Bia


pergunta.

— Ele está dormindo e provavelmente ficará assim por mais algumas


horas, mas vocês podem ir até o quarto. Agora preciso ir ver outro paciente,
se precisarem de mim, podem me chamar a qualquer horário.

Depois de o médico sair da sala, damos um grande abraço em família


e agradecemos a Deus pelo tio Nando ter saído bem da cirurgia. Todos
estamos muito emocionados, até o Beto, que sempre faz uma pose de durão,
está com os olhos vermelhos por ter chorado. Não importava como as coisas
fossem daqui em diante, o que era mais importante é que ele estava vivo.
Vivo e com a gente, sua família.
D
esde o
rompimento com
a Amanda,
mergulhei de
cabeça no meu trabalho. Havia sofrido muito com a perda de Rick e
encontrei na Amanda a alegria que tinha perdido. Me entreguei
completamente, dei meu coração para ela, a transformando no meu mundo
inteiro. Mas a dor que senti ao ver a sua traição foi como se me abrissem o
peito e arrancassem o meu coração. Jamais pensei que poderia sofrer tanto
por amor. Ainda mais por uma pessoa que estava há tão pouco tempo na
minha vida

Naquele dia em que saí do apartamento dela, estava perturbado, não


sabia direito o que fazer, nem onde ir. Perdi a cabeça e bati no André, algo
que nunca havia feito em toda a minha vida. Sempre fui um cara tranquilo,
nunca me envolvi em nenhuma discussão e era contra violência. Acreditava
que tudo poderia ser resolvido com diálogo. Mas, quando o vi em cima dela,
me ceguei, tudo ficou escuro e só pensava em tirá-lo de lá a ponta pés.
Apenas quando ouvi a voz de Amanda gritando para eu parar que me dei
conta que André já estava no chão, com o rosto cheio de sangue. Fiquei sem
reação, me sentei no sofá e tentei me acalmar, enquanto Amanda cuidava
dele.

Eu estava me sentindo completamente sozinho, como se não existisse


mais ninguém. Fui para casa e me joguei no sofá, queria simplesmente parar
de sentir aquela dor. Chorei, sim, chorei muito. É uma grande mentira dizer
que homens não choram.
Então meu celular tocou e era a Beca, falei que não estava muito bem
para conversar naquele momento. Ela insistiu e quis saber o que havia
acontecido, logo caí na asneira de contar. Ela ficou puta da cara por Amanda
ter me traído e disse que a vontade dela era ir até lá e dar uns tapas nela.
Mas eu a lembrei que Amanda estava grávida e que eu já tinha falado tudo o
que eu queria e o que não queria para ela.

Beca falou que estava me ligando para contar que tinha chegado
naquele dia em Porto Alegre e perguntou se a gente poderia se ver. A
princípio, pensei em recusar, dizer que não estava bem. Mas então me
lembrei que sempre ficava feliz conversando com ela e que, naquele
momento, eu precisava de uma amiga, então acabei chamando-a para ir lá
para casa.

Ela chegou um tempo depois com uma bolsa com mudas de roupa,
uma pizza gigante e uma garrafa de vinho. Em outros tempos. falaria que era
o programa perfeito: uma linda mulher, pizza e vinho. Logo que me viu, ela
me abraçou forte, fazia meses que a gente não se encontrava pessoalmente e
estava com muita saudade dela.
Houve um tempo que eu acreditei que jamais amaria outra mulher que
não fosse a Beca. Ela dominava todos os meus sonhos e pensamentos.
Cheguei a escrever letras de músicas e poesias para ela. Mas, depois que
nos afastamos e comecei a conhecer outras garotas, vi que eu e Beca éramos
muito diferentes e que provavelmente não teríamos dado certo mesmo. Eu
sabia que jamais a esqueceria, mesmo que a gente não fosse amigos e nunca
mais nos falássemos, eu jamais a apagaria da minha memória. Beca foi meu
primeiro amor, minha primeira garota, ela sempre existiria nas minhas
lembranças e teria um lugar só dela no meu coração.

Passamos horas conversando, quer dizer, Beca passou horas falando,


eu me perdi em muitos momentos e não consegui prestar atenção em tudo.
Bebemos mais de quatro garrafas de vinho. Nunca fui de beber muito e nunca
tive um porre, mas naquela noite eu precisava. Queria esquecer o que havia
acontecido e torci para que o álcool ajudasse a apagar.

Depois de terminarmos a quarta garrafa, eu e Beca estávamos tontos.


Ela estava toda alegrinha e eu não estava no meu juízo perfeito. Não lembro
exatamente de tudo, não lembro de como começou, quem deu o primeiro
passo. Só lembro de flashes. Nos beijando. Beca nua. Ela tirando minha
roupa. Ela me chupando. Eu gozando na boca dela. Eu comendo-a por trás.
Ela gemendo. E, depois de ficarmos exaustos de tanto transar, caindo no
sono.

Acordei com a cabeça explodindo no dia seguinte, Beca estava


deitada no meu colo. Tínhamos passado a noite no chão da sala. Me xinguei
mentalmente por ter bebido tanto e ter transado com ela. Porra. Ela era
minha amiga, não era para termos feito isso. Ainda mais depois de eu ter
acabado de brigar com a Amanda.
Depois de um tempo, Beca acordou e parecia tão arrependida quanto
eu. Por isso, nunca gostei de beber muito, o álcool tira nosso juízo. Jamais
teríamos feito o que fizemos se estivéssemos sóbrios. Ela evitou o assunto,
sabia que estava tão envergonhada quanto eu. Tentei amenizar o clima, mas
não tive muito sucesso. Depois de tomar um banho, Beca disse que precisava
ir embora, pois queria visitar uma amiga. Falou que me ligaria outra hora e
pediu desculpas pelo que aconteceu quando já estava na porta se despedindo
de mim. Eu disse que não precisava se desculpar por nada, que
simplesmente aconteceu. Então, depois de um abraço tímido e receoso, nos
despedimos e ela foi embora.

Depois daquela noite, minhas conversas com a Beca diminuíram,


acho que ela não estava lidando tão bem quanto eu com o fato de que foi só
uma transa de momento. Que éramos amigos e que isso não deveria afetar
nossa relação. Mas respeitei o momento dela.

Como não tinha mais com quem conversar, me enfiei no trabalho para
ver se conseguia esquecer tudo o que havia acontecido. Depois de cinco
meses à frente da empresa, já estava completamente familiarizado com meu
cargo como CEO e acredito que estava desempenhando bem o papel.

Estava em uma reunião com o setor de mídia social quando Patrícia


entra na sala com uma cara de preocupação:

— Sr. Medeiros, me desculpe interromper, mas preciso falar com o


senhor urgentemente. — Ela me olha e vejo que o assunto deve ser sério. O
que já me provoca um calafrio.
— Pessoal, por favor, me deem licença por um minuto, eu já volto —
digo para os colaboradores que estão ali comigo, me levanto da cadeira e
saio da sala para falar com minha assistente. — O que aconteceu? Meus pais
estão bem? — pergunto, temendo que possa ter acontecido alguma coisa com
eles.

— Sim, senhor, com seus pais está tudo bem. — Ela parece aflita
como se estivesse buscando as palavras para me contar. Então me dou conta
que possa ter a ver com a Amanda. — Aconteceu algo com as minhas filhas?
— Patrícia abaixa o olhar e meu coração aperta. — Fala — acabo gritando
sem querer com ela.
— Sr. a Bárbara acabou de me ligar, avisando que Amanda está indo
para São Paulo realizar uma cirurgia de urgência. Ela não conseguiu me
explicar muito bem o que aconteceu, pois estava muito nervosa. Mas, pelo
que entendi, se Amanda não realizar essa cirurgia ainda hoje, vocês podem
perder suas filhas.

Pela terceira vez na vida, sinto um aperto tão forte no meu peito que
chega a me faltar ar. O que estava acontecendo? Por que Amanda não me
ligou para falar que estava mal? Como assim eu posso perder minhas filhas?
Então me lembro da consulta que tivemos uns meses atrás, quando
descobrimos o sexo das meninas. A doutora havia explicado sobre a
possibilidade de desenvolvimento de uma síndrome rara. Será que era isso
que estava acontecendo?

— Patrícia, por favor, ligue agora para a dra. Lígia e descubra o que
está acontecendo. Irei para casa, arrumar uma mala e depois para São Paulo.
Assim que falar com a doutora, me avise e depois fale com o Lopes para
arrumar o helicóptero para me levar.
— Pode deixar, senhor — ela fala e já estou indo para o elevador
para ir para casa o mais rápido que conseguir quando a escuto me chamar,
me viro para ver o que ela quer. — Vai ficar tudo bem, não perca sua fé. —
Aceno com a cabeça para ela em sinal de agradecimento e vou para o
elevador.

Chego na garagem, pego meu carro e vou para casa. Estou no


automático, mas tento me concentrar no trânsito. Meu pensamento vai para as
palavras de Patrícia: “não perca a fé”. Nunca fui um cara religioso, mas
sempre acreditei em Deus. Só que de uns tempos para cá, depois das últimas
coisas pelas quais eu passei, comecei a duvidar Dele. Me achava uma boa
pessoa, nunca fiz mal para ninguém. Tratava os outros com respeito e
empatia, então era difícil aceitar que precisava passar por tantas provações
como estava passando.

Primeiro perdi o Rick em um acidente estúpido. Então conheci a


mulher que me devolveu a alegria e me apaixonei perdidamente, para depois
ter meu coração destruído por sua traição. Agora corria o risco de perder
minhas filhas, que são a única razão para que eu ainda tenha esperança de
voltar a sentir felicidade. Como Deus poderia ser tão cruel assim comigo?

Cheguei no meu apartamento, peguei uma mala de mão, coloquei


umas mudas de roupas e já ia subir para o heliponto quando meu celular
tocou.

— Oi, Pati, descobriu o que está acontecendo? — pergunto,


angustiado.

— Sim, senhor, Amanda teve uma consulta de rotina hoje, e a médica


identificou que ela desenvolveu a chamada Síndrome de Transfusão Feto-
Fetal. Uma das bebês está com mais líquido amniótico na bolsa do que a
outra. Pelo que ela me explicou, a Amanda passará por um procedimento
cirúrgico para interromper a ligação entre elas.

— Para onde ela foi? — Então realmente Amanda estava com uma
síndrome que a médica nos disse que era rara.

— Para o Hospital Pro Matre de São Paulo, lá trabalha o único


médico do país que realiza esse procedimento. Também já avisei o Lopes,
ele disse que em vinte minutos chega aí para levá-lo.

— Obrigado, Patrícia, por favor, cuide de tudo na empresa até eu


voltar. — Saí tão rápido de lá que nem me despedi dos colaboradores que
estavam em reunião comigo. Mas eles entenderiam, afinal era uma
emergência.

— Não se preocupe, senhor, cuidarei de tudo. Vá para lá e cuide da


sua família, a Amanda precisa do senhor ao lado dela agora.

— Cuidarei.

Desligo e vou para o heliponto do meu prédio. Estava com a cabeça


a mil, então realmente Amanda está com aquela doença rara, e eu não estava
ao lado dela. Merda de vida. Por que isso estava acontecendo? Eu precisava
falar com ela antes de ela ir para a cirurgia, queria dizer que estava indo
para lá. Mesmo com a nossa briga e por mais que estivesse magoado com
ela, ela era a mãe das minhas filhas e eu ainda a amava. Não aceitava a ideia
de perder qualquer uma delas e precisava que ela soubesse disso.

Evitei-a durante os últimos meses, ela tentou diversas vezes entrar


em contato comigo, mas eu não conseguia ouvir sua voz. Eu estava ferido,
magoado e precisava de tempo para que o sentimento que estava sentindo
passasse. Até a Patrícia tentou me convencer a falar com a Amanda, escutar
o que ela queria me dizer, afinal, poderia ter uma explicação para tudo o que
aconteceu. Ela me lembrou de que a vida é muito rápida e que erramos em
não aproveitarmos o presente. Não foi fácil, pois eu sentia saudades dela,
estaria mentindo dizendo o contrário. Mas a mágoa era maior.

Liguei para o celular de Amanda, mas caiu na caixa postal,


provavelmente já estava no avião a caminho de São Paulo. Tentei o celular
da prima dela, a Bianca, mas também estava fora de área. Claro, ela deveria
ter ido com a Amanda. Porra, eu preciso falar com ela, preciso ouvir sua
voz. Preciso dizer que lhe amo e que tudo ficará bem.

Pois esta é a verdade, eu amo a Amanda.


F
azia uma semana que o tio
Nando tinha sofrido o
AVC, mas ele já tinha ido
para casa. Até então ele
estava sem os movimentos do lado esquerdo do corpo, mas, como o médico nos
explicou, isso poderia ser revertido, pois ainda era muito cedo para identificar se
teriam ou não sequelas permanentes.

Acordei um pouco mais cedo do que o de costume, pois, antes de ir para a


empresa, iria para a minha consulta semanal de acompanhamento com a dra. Lígia.
Eu tinha dormido bem na noite passada, a primeira depois de tantas ruins. O
problema com o tio Nando me abalou muito e precisei ficar firme para cuidar da
Bia. Só depois que ele finalmente foi para casa que “relaxei”.

A doutora estava analisando o aparelho de ultrassom e sua expressão não


estava calma como de costume, o que me deixou preocupada. Então, depois de
alguns minutos com o aparelho, ela se virou para mim e falou:
— Amanda, vou te falar uma coisa, mas preciso que você fique firme e seja
forte. — Ela guarda a câmera do aparelho e me ajuda a levantar da maca. — Uma
das bebês está com muito líquido na bolsa e a outra. quase sem nada. Se você não
for hoje mesmo para São Paulo fazer a cirurgia, irá perder as duas. — Fico em
choque, meu coração acelera e não consigo dizer nada. — Como falei para você
naquela outra consulta, quando os bebês dividem a mesma placenta, existe uma rara
possibilidade de acontecer isso. E não há como um bebê ficar com muito líquido,
pois corre o risco de sufocar e, se o outro ficar sem nada, morre por desnutrição.
Então, Amanda, a única chance de salvar suas filhas é realizando esse
procedimento.

— Mas como? Onde? — Não estou conseguindo pensar com clareza.


Estava sozinha ali, naquela consulta. Geralmente Bianca estava me acompanhando
depois que briguei com o Gustavo, mas hoje ela tinha um paciente marcado para o
mesmo horário e não pôde ir comigo.

— Você deve pegar o primeiro voo que conseguir para São Paulo e ir para
o Hospital Pro Matre. É lá que o único médico do país especialista em Síndrome
de Transfusão Feto-Fetal atende. Você precisa ficar calma, o procedimento é feito
através de cirurgia a laser. Ele fará a separação das terminações nervosas, as veias
que ligam uma bolsa na outra, impedindo o desequilíbrio na circulação de ambos
os fetos. Assim, cada uma passará a receber os nutrientes necessários de forma
independente, ou seja, separada.

— Ok, ok…

— Amanda, vai agora para sua casa e vá para São Paulo. Entrarei
imediatamente em contato com o médico responsável de São Paulo para explicar a
situação e avisar que está indo para lá.

— Certo, farei isso. Obrigada, Dra. Lígia, obrigada por tudo — é tudo o
que consigo dizer.

— Dará tudo certo, Amanda, acredite. — Ela me dá um forte abraço.


Depois de sair do consultório, ligo para Bianca e explico o que está
acontecendo. Aviso que estou indo para meu apartamento pegar minhas coisas e
vou direto para o aeroporto. Ela diz que fará o mesmo e que me encontrará na
portaria do meu prédio para irmos pegar o avião. Ela falou para eu ficar calma, que
conhecia o médico que faria a cirurgia e me garantiu que era o melhor. Que daria
tudo certo e que ela estaria ao meu lado.

Cheguei a mencionar que não fazia a menor ideia de quanto seria a cirurgia,
mas que acreditava que seria cara. Eu tinha um dinheiro guardado, mas não sabia se
seria o suficiente. Ela disse para que eu não me preocupasse com dinheiro, ela
arcaria com todas as despesas. Me falou que a única coisa que eu precisava fazer
era ficar calma e acreditar que tudo daria certo.

Nesse momento agradeci a Deus por ter minha família ao meu lado,
principalmente Bianca, e poder contar com o apoio incondicional dela. Bianca,
além de ter nascido em berço de ouro, tinha muito sucesso profissional, então
realmente dinheiro não era algo que preocupasse ela.

Apesar do choque da notícia e de saber a gravidade do que estava


acontecendo, em nenhum momento passou pela minha cabeça que poderia perder
minhas filhas. Eu tinha certeza de que sairemos bem dessa, Deus estava ao meu
lado e seguraria a minha mão.

Durante o trajeto até o aeroporto, aproveitei que Bianca estava dirigindo e


liguei para minha chefe para avisar o que estava acontecendo. Graças a Deus mais
uma vez a Sra. Carina foi incrível, a todo o momento pediu para que eu ficasse
calma que daria tudo certo. Falou para eu ir tranquila que ela pessoalmente
comunicaria a minha equipe e cuidaria de tudo até eu voltar. Agradeci muito ela e,
depois de desligar, liguei para a Bárbara.
Por mais que minha chefe disse que falaria com a equipe, havia detalhes
que achei melhor acertar com a Bárbara, pois ela já estaria por dentro do que
precisaria ser feito. Ela atendeu rapidamente.
— Oi, Bárbara, tudo bem?
— Sim, a senhora está chegando? Estranhei seu atraso.
— Não, Bárbara, por isso estou ligando. Estou indo para o aeroporto pegar
o primeiro avião para São Paulo. Preciso fazer uma cirurgia de urgência ou corro
risco de perder minhas filhas. — O outro lado da linha fica em um absoluto
silêncio. — Bárbara? Está aí?
— Sim, senhora, me desculpe, eu não… não sei o que dizer.
— Não se preocupe, Bárbara, dará tudo certo, Deus está comigo — falei
com muita convicção e tentei transparecer tranquilidade. Sabia que Bárbara era
muito sensível e ainda muito nova, não queria assustá-la. — Eu preciso que me faça
um grande favor, Bárbara.
— Pode dizer, faço qualquer coisa pela senhora. — Sorri ao escutar isso,
Bárbara já havia ganhado um espaço grande na minha vida, ela era muito
competente e batalhadora. Coisas que sempre admirei.
— Por favor, ligue para a Patrícia, e peça para ela avisar ao Gustavo que
estou indo para São Paulo. — Eu queria ligar para ele e contar eu mesma, mas
imaginei que ele não iria me atender como das outras vezes e já estava com muitas
coisas na cabeça, não queria mais.
— Claro, eu ligo agora mesmo.
— Obrigada, Bárbara, qualquer coisa que precisar, pode mandar
mensagem, deixarei meu celular ligado com a Bianca para ir mandando notícias
para vocês.
— Certo. Dará tudo certo, eu tenho fé, logo a senhora estará em casa e mais
alguns meses as meninas estarão no seu colo.
— Obrigada, Bárbara, obrigada de coração.
Desligo bem na hora em que chegamos no aeroporto. Enquanto estávamos
correndo para arrumarmos nossas coisas e virmos para cá, Beto comprou as nossas
passagens. Por sorte, o próximo voo para São Paulo sairia dentro de trinta minutos.
Já tinha avisado meus pais, que também irão para lá, mas o voo de Caxias só saía
às 15h, e ainda era 10h.

Chegamos ao hospital por volta das 13h, logo que me identifiquei na


recepção, fui orientada que seria encaminhada imediatamente para o centro
cirúrgico. Conforme prometido, a dra. Lígia entrou em contato com o hospital e
deixou tudo preparado para a minha chegada. O hospital era de alto padrão e muito
bonito. Me senti muito acolhida desde a entrada.
Antes de entrar no centro cirúrgico, me despedi de Bianca, gostaria de ter
esperado meus pais, mas a enfermeira avisou que quanto mais o tempo passava
mais riscos minhas filhas corriam.
— Mandi, tudo dará certo, eu estarei aqui o tempo inteiro.
— Obrigada, obrigada por tudo. Nem sei como te agradecer. — Lágrimas
começam a rolar pelo rosto de Bianca.
— Shhhh, não tem nada para me agradecer. Você é minha família, eu te amo.
Vai lá, Deus estará com você. — Ela me abraça forte e sinto todo o seu amor por
mim.
— Bi, se o Gustavo ligar…
— Não se preocupe, eu converso com ele. Agora vai, Amanda, vai cuidar
das nossas princesas.
Ela me dá um último beijo na testa e começa a acenar à medida que sigo
para o corredor, acompanhada de uma enfermeira. Logo estou na sala de cirurgia e
o médico anestesista está falando comigo:
— Amanda, agora vou aplicar o sedativo em você, depois colocaremos uma
máscara e você irá inspirar e logo estará dormindo. Pronta?
— Sim.
Então o médico injeta o remédio no meu braço e, como explicou, depois
coloca a máscara no meu rosto. Inspiro profundamente duas vezes e apago.

Estávamos quase decolando para São Paulo quando meu celular toca, olho
no visor e vejo que é a Beca, atendo:
— Oi, Guto, tudo bem? Está podendo conversar agora? — ela pergunta, e
sinto sua voz diferente do que costuma ser.
— Oi, Beca, na verdade não. Estou decolando para São Paulo agora. —
Não estou com cabeça para conversar agora. Tinha acabado de falar com minha
mãe por telefone e explicado o que estava acontecendo. Ela ficou apavorada e
disse que queria ir para São Paulo também, mas falei que era melhor ela ficar em
casa, pois eu ainda nem sabia como a Amanda estava. Prometi que, assim que
tivesse qualquer novidade, ligaria para ela.
— Aconteceu alguma coisa?
— Sim, Amanda precisará fazer uma cirurgia de urgência — digo com o
coração apertado.
— Meu Deus, ela está bem? Os bebês estão bem?
— Beca, eu não sei muito bem. Não falei com ela ainda, só sei que é uma
cirurgia de urgência, pois minhas filhas correm risco.
— Guto, fique tranquilo, vai ficar tudo bem.
— Você queria me falar algo?
— Sim, mas deixa pra outra hora. Não é o momento… — Estranho a fala
dela, Beca era uma pessoa que sempre falava o que pensava e que não gostava de
deixar as coisas para depois.
— Fala, Beca, sabe que pode sempre falar comigo. — Penso que talvez ela
queira falar algo da noite que estivemos juntos e que esteja com receio. Mesmo não
sendo o melhor momento para isso, a encorajo para falar, afinal, ela sempre está
pronta para me ouvir. Então eu lhe devo isso como amigo.
— Guto, eu pensei muito desde aquela noite e… bem, eu não penso em mais
nada além de em você. Em nós. — Meu corpo paralisa. — Sei que somos grandes
amigos, mas, o que estou tentando te falar é que estou apaixonada por você e queria
muito ficar ao seu lado. Depois de ficar contigo aquele dia, percebi que, em todos
esses anos, nunca conheci ninguém como você. A verdade é que eu te amo, sempre
te amei, só tinha medo de admitir.
Eu imaginava que ela falaria sobre aquela noite, talvez para dizer que tinha
se arrependido, que deveríamos esquecer o que aconteceu. Mas não esperava uma
declaração dessa. Nem quando nós éramos jovens e tivemos a nossa primeira vez,
ela me disse que me amava. Então, ouvir isso dela era algo inimaginável e
surpreendente.
— Beca, não sei o que te falar, eu não esperava por isso…
— Não tem problema Guto, sei que é uma loucura e que agora você precisa
pensar nas suas filhas, ficar ao lado da Amanda. Mas espero que, quando as coisas
melhorem um pouco, a gente possa sentar-se e conversar um pouco.
— Sim, claro que sim. Agora eu preciso desligar, vamos decolar. — Eu não
conseguia pensar nisso agora, meu pensamento era só um: Amanda.
— Tudo bem, vai com Deus, tudo dará certo. Amo você. Tchau, Guto.
— Tchau, Beca.
Desligo a chamada e demoro alguns instantes para processar o que estava
acontecendo. Realmente me pegou de surpresa. Beca me ama? Como assim? Mais
uma vez me arrependo da noite de bebedeira, não lembrava nem de metade do que
tinha acontecido, do que tinha falado para ela. Beca era minha melhor amiga, era
importante para mim, e não queria de maneira alguma perdê-la.
Então, minutos depois Lopes, fala que está tudo pronto e decolamos rumo à
São Paulo.
A ssim que
chegamos em São
Paulo, Lopes me
informou que o carro que Patrícia alugou para mim já estava à minha espera.
Então, após me despedir dele, peguei o carro e fui direto para o endereço do
hospital que ela me passou. Lopes era o piloto da minha família há muitos
anos e, sempre que eu precisava, ele me atendia. Era bem raro eu viajar com
o helicóptero da família, achava um “luxo” desnecessário, mas hoje não
pensei duas vezes antes de chamá-lo.
O endereço que Pati me passou era do hospital Pro Matre, que é uma
referência no Brasil e o único que dispõe de uma equipe especializada no
problema que está acontecendo com a Amanda.
Logo que cheguei, fui muito bem recepcionado, fiquei admirado com
a eficiência e cordialidade dos funcionários. Me aproximei do balcão
principal da recepção e perguntei para uma das atendentes, uma moça muito
elegante e simpática:
— Bom dia, gostaria de informações sobre uma paciente que veio
fazer uma cirurgia de emergência.
— Bom dia, senhor, qual seria o nome da paciente?
— É Amanda Barros.
— Ok, um minuto por gentileza. — Ela digita no seu computador. —
O senhor é da família?
Fiquei meio sem saber o que responder, mas, se não falasse que era,
provavelmente ela não me daria nenhuma informação. E, por outro lado, não
seria uma grande mentira. Afinal, sou o pai das bebês.
— Sim, sou namorado dela. Ela está grávida e parece que ocorreu
uma complicação. Eu não consegui vir antes com ela.
— Certo, neste momento ela está em cirurgia. Não tenho como lhe
passar maiores detalhes, apenas quando o médico terminar. Mas não se
preocupe, ela ficará bem, está em boas mãos. O senhor pode ir para o
terceiro andar e aguardar na sala de espera.
— Ah, ótimo, obrigado. Sabe me dizer se ela veio acompanhada? —
Por um momento, pensei que talvez ela pudesse ter vindo com o André e uma
onda de ciúmes atravessou meu corpo. Como nunca mais conversamos, não
sabia se ela tinha ou não voltado com ele.
— Sim, ela chegou acompanhada. — Meu coração aperta. — Sua
acompanhante se chama Bianca Cardoso.
— Ah, sim, é a prima dela, que bom que ela está aqui. — Não
consigo disfarçar minha felicidade por saber que ela veio com a Bianca.
— Qual o seu nome? Irei lhe dar uma identificação para liberar sua
entrada.
— Gustavo Medeiros.
— Aqui está Sr. Medeiros, cole essa etiqueta em um lugar visível. A
sala de espera fica no terceiro andar. O elevador fica à esquerda. Posso lhe
ajudar em algo mais?
— Não, muito obrigado por sua atenção.
— Não há de quê. Tenha um excelente dia.
— Obrigado, você também.
Após me despedir da recepcionista, sigo conforme sua orientação
para o elevador. Entro e vou para o terceiro andar. Assim que chego, vejo
outra recepção e mais para a direita uma sala com paredes de vidro. Vejo
uma moça loira sentada sozinha lá dentro. Ela parece estar fazendo uma
oração, com a cabeça um pouco abaixada apoiada nas mãos. Assim que
levanta um pouco o rosto, percebo que é a Bianca, então vou até ela.
— Bianca? — pergunto em voz baixa, pois ela ainda está de olhos
fechados e não quero assustá-la. Ela, então, os abre e parece surpresa com
minha presença.
— Gustavo, oi, como você? Você já sabe? — Ela se levanta surpresa
ao me ver ali, e noto que seus olhos estão vermelhos e inchados, acredito
que estivesse chorando.
Desde que conheci Bianca, achei ela uma boa pessoa, na verdade,
ela era bem parecida com a Amanda. E a relação delas me lembrava muito a
minha com o Rick. Elas não eram apenas primas, eram amigas, na verdade
eram irmãs. Gostei de Bianca, desde o primeiro dia e fiquei feliz em
perceber que era recíproco, pois Amanda sempre me falava o quanto Bia
dizia para ela que a gente combinava. Bianca também me enviou algumas
mensagens depois da minha briga com a Amanda, mas assim como fiz com
ela, a ignorei.
— Sim. A Bárbara falou para a Patrícia. Eu vim o mais rápido que
pude. Tentei ligar para vocês, mas os celulares estavam fora de área. Como
ela está, Bianca? O que aconteceu?
— Provavelmente, quando você ligou, já estávamos no avião, foi
tudo muito rápido. Ela foi na consulta semanal e a dra. Lígia detectou que
uma das bebês estava puxando o líquido da bolsa da outra. Esses casos são
raros, mas acontecem em gravidezes gemelares. Então, ela orientou que
Amanda deveria vir imediatamente para cá e realizar o procedimento para
separação das bolsas — fala como se estivesse no automático e como já
tivesse contado aquela história para muitas pessoas.
— Mas ela estava tão bem, como aconteceu isso de uma hora para
outra? — Pergunto pois ainda não tinha conseguido entender o que realmente
estava acontecendo.
— Não é comprovado, mas muitos estudos apontam que quando as
gestantes passam por picos de emoções, podem acelerar ou desencadear
isso. Após o término de vocês, Amanda já ficou bem abalada e há uma
semana meu pai sofreu um AVC, o que foi um grande choque para a nossa
família. Isso pode ter abalado o emocional dela e agravado a situação — me
explica e vejo que está realmente emocionada. Sinto vontade de abraçá-la,
pois não consigo ver alguém sofrendo e não fazer nada. Mas, ao mesmo
tempo, imagino que ela não gostaria disso então não o faço.
— Eu não sabia, sinto muito. Seu pai está bem? — Sou sincero.
— É, Gustavo, você não sabia, porque simplesmente não atende, a
ignora completamente. Sei que o que ela fez te magoou, mas ela está grávida
e você é o pai. O mínimo que se espera é que acompanhe a gravidez — ela
explode, como se estivesse guardando aquilo por muito tempo. Em outros
momentos, eu tentaria me justificar, mas, entendia que sua raiva não era
apenas para mim, era para a situação. Provavelmente ela estava ainda muito
abalada com o problema do pai, sabia que Bianca era muito apegada a ele. E
agora com Amanda passando por cirurgia, ela estava sobrecarregada. —
Sim, meu pai está em casa se recuperando. Ainda é cedo para sabermos se
terá sequelas permanentes, mas acredito que ele ficará bem. Ele sempre foi
muito saudável — fala por fim, voltando a se sentar nas cadeiras da sala de
espera.
As palavras dela foram como um soco no meu estômago, ela estava
certa, por mais que estivesse magoado com a traição da Amanda, eu deveria
acompanhar a gravidez. Talvez se estivesse ao seu lado ou se pelo menos
conversasse para saber como estava, saberia o que estava acontecendo e
poderia ter ajudado.
— E como ela está? O médico falou alguma coisa? — Tento me
concentrar no agora.
— Ainda não, faz mais de uma hora que ela entrou para a cirurgia.
Não nos resta outra coisa, a não ser esperar — fala, desanimada.
— Entendi. Vou pegar um copo d’água, desde que soube corri para cá
e não tomei nem comi nada, estou com a garganta seca. Quer um também? —
Não sei o que falar, pensar ou fazer. Me sinto perdido e angustiado.
— Não, obrigada, acabei de tomar um chá.
Fui para o corredor, em busca de um bebedouro, localizei um e me
servi de um copo de água. Meus pensamentos estavam a mil, então me
lembrei da ligação de Beca. Não acreditei no que estava acontecendo, justo
agora ela tinha que reaparecer na minha vida?
Eu me apaixonei por ela, fiquei mal quando ela me dispensou na
adolescência, demorei muito para me recuperar e entender que seríamos
apenas amigos. Mas consegui superar aquilo e ela se tornou minha melhor
amiga e desde que perdi o Rick, a única. Sabia que sempre poderia contar
com ela e aquilo me fazia bem. Beca era uma das poucas coisas na minha
vida que me davam felicidade.
Depois da noite que passamos juntos, me culpei muito por ter feito
aquilo, estava mal por ter visto a Amanda com outro e me deixei levar pela
bebida. Aquilo foi totalmente errado, mas, como Beca sempre foi tranquila e
desapegada, acreditei que com o tempo tudo ficaria bem e voltaria a ser
como era antes. Nos últimos anos, Beca teve alguns relacionamentos, nenhum
longo ou realmente sério, mas volta e meia ela me contava sobre algum cara
com quem estava saindo. Eu até mesmo dava conselhos para ela, mas não
sabia se ela seguia muito, pois sempre me falava que eu era um cara fora da
curva e não pensava como os outros. Que eu era romântico e sonhador
demais.
Mas nem nos meus sonhos imaginei ouvir Beca falando que me
amava e que queria ficar comigo depois de tantos anos. Ela sabia de toda a
minha história com a Amanda, sabia que estava apaixonado, mas, mesmo
assim, estava disposta a ficar comigo. Isso me balançou, afinal, não era
qualquer mulher, era a Beca. A minha Beca, a minha primeira garota, a
menina que eu vi se tornar mulher. Eu estava muito confuso, tivemos tantos
momentos para isso acontecer. Mas agora estou esperando neste corredor do
hospital, sem saber o que o médico me dirá quando sair da sala de cirurgia.
Minha vida virou de pernas para o ar nos últimos meses e meu único
desejo é que elas se salvem. Eu não consigo imaginar minha vida sem
minhas filhas, eu já sonho com elas nos meus braços. Sonhos com seus
rostinhos, com seus sorrisos. Imagino como serão nossos momentos juntos.
Quando nascerem os primeiros dentinhos, quando elas derem os primeiros
passos ou quando me chamarem de “papai”. Sempre ouvi dizerem que as
mulheres se tornam mães assim que descobrem que estão grávidas, mas que
os homens só se tornam pais quando o filho nasce.
Realmente eu era um cara fora da curva, pois me senti pai na noite
em que Amanda me contou sobre a gravidez. Quando saí do seu apartamento,
olhei para o céu e vi a lua, eu me senti pai.
Sabia que a partir daquele momento minha vida jamais seria a
mesma, talvez muitos ficassem assustados, ou até com vontade de fugir,
afinal não é todo dia que se descobre que será pai, ainda mais de gêmeos.
Mas eu não. Claro, foi uma surpresa, um choque até cair a ficha, mas em
nenhum momento eu quis correr. Pelo contrário, eu já senti o amor
incondicional que as pessoas falam que só conhecemos quando temos um
filho. Eu senti que faria qualquer coisa, que seria qualquer coisa que meus
filhos precisassem.
Eu sou completamente apaixonado por elas, mesmo sem ainda nem
conhecer, tinha certeza de que elas são um presente de Deus para a minha
vida e, por mais que eu não consiga entender hoje o porquê disso estar
acontecendo conosco, sei que Deus não irá tirá-las de mim, pois não
conseguirei aceitar perder a minha razão de viver.
—Amanda. Amanda, acorde, já acabou.
Escutei uma voz chamando pelo meu nome. Tentei abrir
meus olhos, mas não consegui pois tinha uma luz muito clara em cima de
mim. Instantes depois forcei novamente e dessa vez consegui abri-los.
Demorei um pouco para lembrar onde eu estava e o que estava acontecendo.
A cirurgia. Estou no hospital. Foi quando uma moça parou do meu lado e
falou:
— Bem-vinda, Amanda, você dormiu bastante. Sua cirurgia já
acabou há cinco horas. O doutor logo virá até aqui para conversar com você.
— Eu dormi tudo isso? Minhas filhas, minhas filhas estão bem? —
pergunto, recuperando a minha consciência. Como será que foi a cirurgia?
Será que deu tudo certo? Preciso saber como elas estão, se correu tudo bem.
— Fique tranquila, o médico tirará todas as suas dúvidas. Agora,
você gostaria de beber ou comer algo? Como você dormiu muito, deve estar
com fome.
— Sim, estou com sede, por favor, pode me dar água? — peço, por
mais que não tenha comido nada o dia inteiro e nem saiba direito que horas
eram, não estou com fome, a única coisa que quero é saber como estão as
minhas filhas.
— Claro, irei trazer junto com o seu jantar. Volto daqui a pouco. Se
precisar de qualquer coisa é só apertar neste botão. — Ela aponta para um
botão ao lado da minha cama e que apenas esticando a mão eu conseguia
alcançar.
— Sabe me dizer se já posso ver a minha prima? Ela deve estar
preocupada comigo.
— Não se preocupe, o médico já conversou com ela e com o seu
namorado. Logo depois que o doutor lhe atender, você será transferida para
o quarto e então poderá vê-los.
“Seu namorado”? Será que a enfermeira estava falando do namorado
da Bia? Será que Beto tinha vindo até São Paulo ficar com a gente? Não
duvidava, Beto era um cara maravilhoso e com certeza estava preocupado
como se fosse da minha família.
Vejo a enfermeira sair e então olho ao redor percebendo que estou na
sala de recuperação. Levanto um pouco o lençol que me cobre e noto dois
pequenos curativos na minha barriga. Um deveria ser do aparelho do laser e
o outro da câmera que eles colocam para conseguirem me ver por dentro.
Não imaginei que dormiria por tanto tempo depois da anestesia, acho que
agora tinha passado todo o efeito, pois minha ansiedade voltou e tudo o que
queria era saber como minhas filhas estavam e se tinha corrido tudo bem
durante a cirurgia.
Não sei dizer quanto tempo se passou, mas, para mim, pareceram
horas até que o médico veio falar comigo. Eu já havia comido a sopa que a
enfermeira me trouxe. Tentei falar que não estava com fome, mas ela insistiu
dizendo que eu precisava me alimentar. Então, acabei comendo e preciso
confessar que estava muito boa, nem parecia ser comida de hospital.
— Olá, Amanda, como você está se sentindo? — pergunta o médico
ao chegar perto da cama onde estava. Ele aparentava ter uns 50 e poucos
anos, era alto, magro e careca. E me transmitia muita segurança e calma.
— Ansiosa. Por favor, me diga, como minhas filhas estão?
— Estão bem. A cirurgia correu bem. Mas, a partir de agora, teremos
uma nova batalha.
— Como assim, doutor, eu ainda corro risco de perdê-las?
— Durante o procedimento, pode ocorrer que uma parte da
membrana fetal se romper e acabar ficando pontas “soltas” dentro da
placenta. O que pode ocasionar de uma dessas terminações enroscar em um
dos fetos e acabar gerando má formação. Durante sua cirurgia, infelizmente
a membrana rompeu e agora está solta dentro da placenta. Então, você
precisa fazer o menor esforço possível. Isso significa ficar a maior parte do
tempo deitada, pois sua gravidez é de alto risco. — Não consigo falar nada,
achava que, com a cirurgia, tudo terminaria e ficaria bem. — Sei que deve
estar nervosa, mas peço que tenha calma e que seja forte. Você é uma mulher
nova e tem tudo para ficar bem. Tenha fé que dará tudo certo. Bom, agora
deixarei você descansar e, se amanhã acordar bem, já poderá sair de alta e
voltar para casa. Tenha uma boa noite, Amanda.
— Obrigada, boa noite, doutor — é tudo o que consigo dizer.

Depois que o médico saiu, a enfermeira me trouxe para o quarto e


avisou que iria chamar meus acompanhantes para ficarem comigo. Vejo a
porta abrir e me espanto ao ver Gustavo entrando no quarto.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, pois estou em choque.
— Oi, como você está?
Não acredito que ele estava... que estava ali preocupado comigo.
Quer dizer, não deveria estar ali por mim, e sim por nossas filhas. Mas,
mesmo que fosse por isso, não conseguia não ficar feliz por vê-lo de novo.
— Sinceramente? Apavorada.
Sempre fui forte e raramente existiram momentos em que senti medo
ao longo da minha vida. Adoro assistir a filmes de terror, enquanto a Bianca
fica a maior parte dos filmes com uma almofada tapando o rosto. Eu gostava
da adrenalina, do coração disparado quando alguma cena causava um
“susto”. Mas ali, naquele quarto de hospital, percebi que era vida real e me
senti pela primeira vez assustada. Senti medo de morrer, senti medo de
perder minhas filhas, senti muito, muito medo.
— Eu vim o mais rápido que pude. Tentei te ligar assim que eu
soube, mas seu celular estava fora de área. Quando cheguei você já estava
em cirurgia… — ele diz enquanto se aproxima mais da minha cama e pega
na minha mão. Seu toque me arrepia da cabeça aos pés. Como senti falta
disso.
— Você está todo esse tempo aqui? — pergunto ainda surpresa, não
acreditando que isso estivesse acontecendo. — E a Bianca? E meus pais?
Será que já sabiam tudo o que havia acontecido na cirurgia? Eles
deveriam estar tão preocupados, não queria estar causando tudo isso. Nunca
gostei de dar trabalho para as pessoas. As poucas vezes em que fiquei
doente na vida, eu me virei sozinha, Bia até tentava cuidar de mim, mas eu
não gostava, dizia que podia me virar sozinha. Não queria causar
preocupação ou atrapalhar sua rotina.
— Eles estão todos lá fora. Seus pais chegaram às 17h. Eles me
deixaram entrar antes. Não aguentava mais ficar esperando. Eu precisava ver
você. Mas não vou demorar muito, eles também estão bastante ansiosos para
vê-la.
— O médico disse que, mesmo com a cirurgia, as bebês ainda
correm risco. Terei que ficar em repouso o máximo que conseguir, não sei
como farei isso com o meu trabalho, mas…
— Shhh, não se preocupe com o trabalho. Isso é o de menos.
— Não é o de menos, Gustavo, eu amo o meu trabalho e tenho minhas
responsabilidades…— Eu não podia simplesmente relaxar e esquecer todas
as minhas responsabilidades e compromissos. Era lógico que faria tudo
pelas minhas filhas e que se tivesse que ficar os meses restantes da gestação
deitada, eu ficaria. Mas precisava me organizar na empresa, minha equipe
dependia de mim e jamais os deixaria na mão.
— Eu sei, não foi isso que quis dizer. Só que agora você precisa
descansar, para o seu bem e para o bem das nossas filhas — ele fala,
tentando me acalmar e sei que está certo.
— Sim, eu sei. Não entendo por que isso tudo está acontecendo
comigo.
— Amanda… — Olho para Gustavo, seus lindos olhos azuis estão
brilhando para mim, como senti falta de vê-los. — Eu queria te pedir
desculpas. Sei que deveria ter ficado mais atento a você e a gravidez, não
poderia ter te ignorado como eu fiz…
— Tudo bem, Gustavo, eu errei feio com você. Entendo que você se
magoou. — Eu já sabia que Gustavo me amava, mas, mesmo assim, fui fraca
e acabei caindo no charme do André. Eu traí Gustavo, traí a confiança dele e
por mais que eu soubesse que aquilo não tinha significado nada para mim e
que estava arrependida, entendia que ele estava magoado e respeitava a
decisão dele de ficar longe de mim. Afinal, eu fiz mal para ele, eu não o
merecia.
— Isso não justifica eu não ter sido o homem que deveria ser. O meu
papel é cuidar das nossas filhas e consequentemente de você. — Meu
coração aperta, como ele pode ser tão bom assim, mesmo depois de tudo que
eu fiz, ele ainda se sente culpado por não ter estado ao meu lado.
— Guto, eu tentei tanto falar com você, eu errei, admito que errei.
Fui fraca e deixei as lembranças do passado me levarem. Mas eu não amo o
André e aquilo não significou nada. Espero que um dia você possa me
perdoar.
— Eu fiquei tão mal, doeu tanto ver você nos braços de outro…
— Ah, Guto, eu, eu sinto muito… — Quando percebo estou
chorando, como eu pude ter feito tanto mal para uma pessoa tão boa? O
Gustavo sempre foi maravilhoso e o que eu fiz? Eu o magoei da pior maneira
possível. Estava me sentindo horrível.
Ele se aproxima de mim e me beija na testa, um beijo suave quase
paternal, com tanto carinho que não consigo segurar minhas lágrimas que
caem sem parar. Era como se tudo o que eu estava prendendo desde a noite
que ele foi embora da minha casa desabasse.
Eu tive medo de perder nossas filhas, medo de perder o único pedaço
do Gustavo que ainda era meu, pois pensei que ele jamais me perdoaria.
Mas ele estava aqui, ele estava aqui comigo, e isso foi como se um sopro
novo de vida tivesse invadido meu corpo.
Talvez eu ainda tivesse uma chance. Talvez eu ainda pudesse
consertar a burrada que eu fiz. Talvez ele pudesse me perdoar e ficar na
minha vida, nem que fosse apenas como meu amigo, pois eu sabia que não o
merecia, mas não imaginava meus dias sem aquele olhar.
No dia seguinte, por volta das 16h o médico me deu alta e me liberou
para que eu pudesse voltar para casa. Contudo, deixou bem claro que eu
deveria permanecer em repouso absoluto, então, decidi que, assim que
chegasse em casa, iria conversar com a Sra. Carina, para vermos o que
podemos fazer a respeito.
Meus pais e a Bianca iriam embarcar de volta às 18h, mas Guto
insistiu para que eu voltasse de helicóptero com ele, pois seria mais rápido e
mais confortável para mim. Eu agradeço mais uma vez por ele estar me
ajudando. Conversei com meus pais e com a Bianca ontem, e eles me
falaram o quanto Gustavo ficou abalado enquanto eu estava em cirurgia.
Falaram que era nítido o amor e, também, a dor que ele estava sentindo.
— Acho que, por mais que ele me ame, ele jamais irá me perdoar
pelo que eu fiz. Acho que não ficaremos mais juntos — digo enquanto estou
com minha mãe e Bia no quarto, elas estavam me ajudando a guardar minhas
coisas para ir embora. Meu pai e Gustavo estavam assinando os documentos
do hospital de internação e liberação.
— Filha, dê tempo para ele. Você o magoou muito sim, mas se
arrependeu. O tempo cura todas as feridas — minha mãe fala. Ela ficou
desapontada pelo que eu fiz, mas me entendeu, sabia que minha história com
André era longa e que eu era falha como qualquer outro ser humano.
— Mandi, o cara voou até aqui, largou tudo na mesma hora e veio.
Ficou horas andando de um lado para o outro esperando notícias suas. Você
acha mesmo que ele não vai te perdoar? — Bianca questiona.
— Ele veio mais pelas meninas do que por mim — falo, desanimada.
— Amanda, para de ser assim. Para de tentar ser sempre racional e
lógica. Abre esse coração e lute pelo homem que você ama. Ou outra ficará
com ele.
Bianca fala pegando a minha bolsa e saindo do quarto, minha mãe a
segue. Fico alguns instantes paralisada e refletindo sobre as palavras dela:
“Abre esse coração e lute pelo homem que você ama. Ou outra ficará com
ele.” Será que eu realmente amo o Gustavo? Será que estou pronta para abrir
meu coração? Sim, eu senti medo de morrer e nunca mais vê-lo, mas, agora
que tudo passou, que estava me recuperando e voltando para casa, será que
esse sentimento não era só pelo medo? Ou ainda pela culpa? Ainda não
sabia se era amor, mas sabia que eu precisava descobrir e logo.
Pois realmente o tempo não para e, assim como eu entrei de repente
na vida do Gustavo, outra pessoa também poderia entrar.
A ssim que entrei
no quarto do
hospital e vi
Amanda, tão pequena deitada naquela cama, senti um misto de emoções. Ao
mesmo tempo que agradecia a Deus por vê-la bem, pois fui até o inferno
pelo medo de poder perdê-la. Senti uma grande tristeza. Olhar em seus
olhos, me fez lembrar daquela noite e a da dor que senti.
Ela parecia tão frágil ali, logo ela que sempre foi uma mulher cheia
de vida e com a confiança elevada. Senti vontade de pegá-la no colo como
se fosse uma criança e cuidá-la. Amanda admitiu seu erro, me pediu perdão
e disse que esperava que um dia eu pudesse lhe perdoar. Me confessou que
foi apenas uma fraqueza de momento e que não ama o André.
Novamente meu coração balançou e se dividiu em sentimentos, ao
mesmo tempo em que queria abraçá-la e dizer que sim, que a perdoava, que
esqueceria tudo e que ficaríamos bem, parte de mim estava destruída por sua
traição e a confiança que tinha antes por ela estava completamente abalada.
E, também, em nenhum momento ela falou que me ama.
Então me lembrei de Beca, das suas palavras, da sua declaração: “A
verdade é que eu te amo, sempre te amei, só tinha medo de admitir.” Por que
Amanda não podia fazer o mesmo? Será que ela, assim como a Beca,
demoraria anos para descobrir que me ama? Ou será que nunca irá se
apaixonar verdadeiramente por mim?
Depois da alta da Amanda, fiz questão de trazê-la de volta para casa
com o helicóptero, pois seria mais rápido e confortável. Não conversamos
muito durante o trajeto, na verdade, Amanda estava bem sonolenta, devido à
anestesia, então dormiu grande parte do tempo. Quando aterrissamos no
heliponto do meu prédio, ajudei-a a descer do helicóptero e a levei até em
casa. Mesmo nossos prédios sendo um ao lado do outro, peguei meu carro
para levá-la. O médico frisou que ela não pode fazer grandes esforços
físicos e que precisa ficar o máximo de repouso possível, então não deixaria
ela ficar se esforçando sem necessidade.
Assim que entramos no apartamento dela, meus olhos foram direto
para o sofá e a lembrança da cena dela em cima dele com o André beijando-
a, me torturou.
— Você quer que eu fique aqui até a Bia chegar? — Como Bianca
viria de avião com os pais dela, chegaria um pouco mais tarde.
— Não precisa, eu me viro daqui. Você já fez muito por mim.
— Tem certeza? — Por mais que estivesse sofrendo por ficar ali
naquele ambiente, não queria deixá-la sozinha.
— Tenho, de verdade. Eu só vou me deitar, provavelmente logo
estarei dormindo de novo. E daqui a pouco a Bia chega.
— Tá bom, então eu vou embora. Preciso trabalhar, deixei tudo nas
mãos da Patrícia para correr para São Paulo, ela deve estar precisando de
mim.
— Claro. — Ainda estamos perto da porta da entrada. Ela me olha e
sinto que quer falar algo, mas que não consegue. — Guto, eu quero te
agradecer. Por tudo.
— Não precisa, como eu te falei, é meu dever cuidar das nossas
filhas e de você.
— Guto?
— Sim.
— Será que um dia você irá me perdoar?
— Amanda, eu, eu não…
— Não precisa explicar, eu entendo. Deixa isso para lá.
— Amanda, ainda é muito cedo, eu ainda estou magoado. Muitas
coisas aconteceram nesses últimos meses. Eu só preciso de tempo. Mas o
que você precisar, pode contar comigo, eu vou te ajudar. Não vou sumir de
novo.
— Obrigada. Muito obrigada — ela diz se aproximando de mim e me
dando um beijo no rosto. Meu coração acelera e percebo que preciso sair
dali.
— Tchau, Amanda, se cuida, nos falamos.
Saio fechando a porta atrás de mim. Fico alguns instantes parado no
corredor tentando acalmar meu coração. Por mais que eu quisesse perdoá-la
e esquecer de tudo, parte de mim estava muito ferida e, enquanto eu não
curasse essa ferida, não conseguiria esquecer.
Depois de chegar ao meu apartamento, vou tomar um banho e depois
preparar algo para comer, estava exausto. Não comi nada além de um
sanduíche desde ontem. Também queria trocar de roupa pois as minhas
estavam com “cheiro” de hospital.
O banheiro da minha suíte era bem espaçoso e tinha uma
hidromassagem que raramente era utilizada. Mas hoje eu queria usá-la,
precisava relaxar e, na falta de companhia para fazer algo melhor para
aliviar a tensão, o jeito era “mergulhar” na espuma da banheira.
Peguei meu celular, escolhi uma das minhas playlist do Spotify e
coloquei para tocar na JBL. Apesar de não ter muito o hábito de ouvir
música, sempre que ouvia alguma que gostava, meu estado de espírito
melhorava.
Começou a tocar a música “Maybe” do James Arthur, não me
lembrava de ter colocado ela na minha biblioteca, na verdade, nunca tinha
ouvido. Começo a ouvir, a melodia é bonita, então presto atenção na letra e,
quando chega ao refrão, penso apenas em uma pessoa:

“So maybe
“Então, talvez
Maybe we were always meant to meet
Talvez sempre tenhamos sido feitos para nos encontrar
Like this was all our destiny
Como se este fosse todo nosso destino
Like you already know
Como se você já soubesse
Your heart will never be broken by me
Que seu coração nunca seria partido por mim
So is it crazy
Então, é louco
For you to tell your friends to go on home?
Para você, dizer aos seus amigos irem para casa?
So we can be here all alone
Para que possamos ficar aqui sozinhos
Fall in love tonight
Nos apaixonando nesta noite
And spend the rest of our lives as one”
E passando o resto de nossas vidas como um só”

Amanda entrou do nada na minha vida e mudou tudo. Às vezes me


pergunto como eu estaria se não tivéssemos nos conhecido. Se eu não fosse
ser pai. Será que estaria melhor do que estou hoje? A verdade é que não
tenho como saber, as coisas acontecem como devem acontecer.
Termino de me enxugar e enrolo a toalha na cintura. Então escuto o
barulho da campainha. “Quem será?” Vou até a porta e olho pelo olho
mágico: Beca. “Ela aqui?” Abro a porta.
— Oi, que surpresa — digo, ela está linda em um vestido preto justo,
um pouco acima dos joelhos, saltos altos e seus cabelos ruivos e compridos
estão soltos. Ela me olha de cima a baixo e então me dou conta que ainda
estava apenas de toalha. — Desculpa, acabei de sair do banho, não esperava
visitas — falo sem jeito.
— Oi, não, eu que peço desculpas por vir sem avisar. Como você
não atendeu o celular, estava preocupada e acabei indo na sua empresa. Eu
vim passar uns dias na casa de uma amiga. Sua assistente me avisou que
você deveria estar em casa pela hora que saiu de São Paulo, então resolvi
vir até aqui. Se você ainda não tivesse chegado, iria te esperar.
— Entre, Beca. Fica à vontade, eu só vou colocar uma roupa e já
volto. — Antes que ela pudesse falar qualquer coisa, corri para o meu quarto
e coloquei uma calça de moletom e uma camiseta. Não podia conversar com
ela apenas com uma toalha amarrada.
Quando volto para a sala, Beca está sentada no meu sofá, ela parece
nervosa e deslocada, muito diferente de como costumava ser.
— Pronto, agora podemos conversar. Como você está? — pergunto,
me sentando ao seu lado no sofá, mas não tão próximo de forma que nossos
corpos se tocassem. Estava tentando evitar contato físico.
— Guto, eu estava morrendo de preocupação, você não me mandou
nenhuma mensagem. Como foi a cirurgia? As bebês estão bem? A Amanda
está bem? — Beca sempre se preocupou comigo, sempre esteve ao meu lado
para me ouvir, sempre me aconselhou e cuidou de mim. Mas agora, agora
parecia tudo diferente. Depois que ouvi ela dizer que me ama, parece que
algo dentro de mim mudou.
— Me perdoe Beca, foi tudo muito rápido, eu cheguei agora a pouco
e fui direto tomar um banho. Correu tudo bem, deixei Amanda em casa. A
gravidez ainda é de risco, por isso ela terá que fazer repouso até o final da
gestação. Mas vai ficar tudo bem. Eu cuidarei delas.
— Vocês voltaram? — ela pergunta, e sinto que existe aflição na sua
voz.
— Não. — Ela, então, esboça a sombra de um leve sorriso. — Ainda
é muito cedo, eu preciso de tempo para entender tudo o que tem acontecido
ultimamente na minha vida.
— Guto, você pensou no que eu te falei?
— Beca, a gente…
— Guto, eu amo você. — Ela se joga no meu colo e segura minha
cabeça. Então olha no fundo dos meus olhos — Eu não consigo fazer mais
nada, eu não tenho dormido, comido ou trabalhado direito. Eu só penso em
você. Guto, por favor, fica comigo.
Ela me beija. Dessa vez estamos sóbrios. Desta vez sei o que está
acontecendo. Beca e eu estamos nos beijando. Beca, meu primeiro amor.
Beca, minha primeira desilusão. Beca, minha melhor amiga. Beca e eu
tínhamos tantas histórias. Nos conhecíamos bem. Eu sabia a cor favorita dela
e o que lhe causava medo. Ela sabia das minhas manias e dos meus sonhos.
Seria “fácil” ficar com ela. Seria fácil amá-la e ser amado. Afinal, como
amigos já fazíamos isso há anos.
Então, por que eu não sentia nada beijando ela? Beca era linda, uma
mulher de virar a cabeça. Sua boca era carnuda e quente. Ela estava no meu
colo e estava rebolando no meu pau. Mas, nada. Eu simplesmente não senti,
nada.
— Beca — falo e me afasto delicadamente dela. Vejo o brilho nos
seus olhos, mas preciso falar. — Talvez eu me arrependa e muito do que
direi, mas, Beca, eu amo a Amanda, estou completamente apaixonado por
ela. Não posso ficar com você.
— Guto, mas eu te amo, eu estou aqui. Ela te traiu, te magoou.
— Você também já me magoou, Beca. Não da mesma forma, mas
também já sofri por você. Se eu superei e consegui ser seu amigo, acredito
que conseguirei superar, perdoar e ficar ao lado da mulher que eu amo, da
mulher que será a mãe das minhas filhas.
— Guto, você é um burro sentimental. — Ela se levanta do meu colo
e grita comigo. — Ela é uma vagabunda, aproveitadora, ela te traiu na sua
cara. Como você pode preferir ela a mim? — Beca nunca gostou de “perder”
e agora já não sabia se ela estava tão irritada por estar sofrendo mesmo por
amor ou por eu estar dizendo que quero a Amanda e não ela.
— Beca, me desculpe. Mas, no coração, a gente não manda — falo e
tento me aproximar dela.
— Você é um idiota. Não, na realidade eu que sou uma idiota, estou
fazendo um papel de trouxa aqui.
— Não fala isso, você sabe o quanto significa para mim…
— Gustavo, eu estava disposta a cuidar dos seus filhos, a ficar do
seu lado, mas você… você prefere ficar com aquela mulher que mal conhece
do que comigo. — Ela está completamente fora de si e vai em direção a
porta.
— Beca, por favor… vamos conversar. Eu não quero que vá embora
assim.
— Quer saber, Gustavo? Tudo foi um grande erro. Eu achei que
poderíamos ficar juntos, afinal, nossa noite foi maravilhosa, você se
declarou para mim… bom, pelo menos eu acreditei que era para mim…
— Eu estava bêbado, me perdoe, eu não lembro o que eu falei. Mal
lembro o que aconteceu…
— É. Acho que entendi tudo errado. Você devia estar pensando nela
quando nós estávamos… Esquece, Gustavo. Esquece tudo isso. Eu me
enganei…
— Beca, me desculpe…
— Não, Gustavo, você não fez nada errado. Na verdade, eu que
errei. Eu que errei há 10 anos atrás quando disse que não estava pronta para
namorar. Quando eu fui medrosa e fugi. Você se declarou para mim. Nós nos
amamos e nossa primeira vez foi linda, foi mágica. Mas eu pensava que era
nova para me amarrar e fui embora. Pensei que quando fosse a hora de
"sossegar" seria fácil encontrar alguém. O tempo foi passando, eu conheci
vários homens, mas nenhum deles chegou perto de me fazer sentir tão
especial de novo como você fez na nossa primeira vez. Então, anos depois,
eu estava aqui no seu apartamento. Você estava tão triste quando eu cheguei,
mas eu fui contando histórias, nós fomos bebendo e você foi se soltando e
esquecendo o que aconteceu. Até que uma hora você sorriu para mim, me
disse que eu era linda, que era a “sua” garota… e me beijou… achei que
aquelas palavras eram para mim, que aquele beijo era meu… e me deixei
levar. Nos amamos, eu me entreguei para você, deixei você fazer o que
queria comigo. Você estava tão diferente daquele garoto com quem perdi
minha virgindade. Agora você era um homem e fez com que eu me sentisse
mulher. No dia seguinte, quando eu acordei, percebi que você estava nervoso
e parecia completamente arrependido. Então me dei conta que na noite
passada você estava bêbado e que talvez não era em mim que você estava
pensando. Fiquei mal e resolvi ir embora. Pensei que, com o passar dos
dias, eu esqueceria tudo aquilo e seguiria minha vida normal. Mas isso não
aconteceu. Eu não conseguia parar de pensar em você. De lembrar dos seus
beijos, da sua voz, do seu toque… Então, percebi que estava apaixonada. Eu
percebi que você era o homem pelo qual eu sempre esperei. Eu percebi que
eu te amo — ela fala e abaixa sua cabeça. Me aproximo dela e levanto seu
rosto, ela me olha e seus olhos estão cheios d ́água.
— Beca, se você soubesse o quanto quis ouvir isso de você quando
éramos adolescentes… você foi o meu primeiro amor. Mas o tempo passou,
nós crescemos, mudamos e eu me apaixonei novamente. A Amanda pode não
ser perfeita, mas quem é? Espero que um dia você me perdoe por aquela
noite, eu bebi demais, estava triste, misturei as coisas. Foi um erro. Eu não
posso ficar com você se meu coração pertence a outra. Por maior que seja o
carinho e o amor que eu tenha por você, sim, amor, amor de amigo, eu não
sinto paixão. E você, Beca, você merece alguém por inteiro, pois você é
maravilhosa, incrível e merece o amor.
— Guto, por que a gente só dá valor quando perde?
— Porque somos humanos.
Ela me abraça e ficamos ali por alguns minutos, até que seu coração
que estava acelerado começasse a acalmar.
— Eu tenho que ir agora — ela diz, se afastando de mim.
— Beca, eu realmente espero que a gente possa continuar como
sempre fomos, amigos, não imagino minha vida sem você nela.
— Sim Guto, eu só preciso… de…
— Tempo — completo sua frase solta.
— Isso. Guto, me promete uma coisa? — ela pergunta já se
segurando a maçaneta da porta.
— O quê?
— Me promete que será feliz. Você merece ser amado, Gustavo, você
é o melhor homem que eu conheço. Pena que percebi isso tarde demais.
Adeus, Guto.
Ela fala e sai fechando a porta atrás de si. Eu amo a Amanda, mas
será que conseguirei mesmo perdoá-la, esquecer tudo e lutar para conquistá-
la? Será que realmente vale a pena?
— Sabe, Amanda, eu achei que estava apaixonado por você,
mas, depois da sua traição, percebi que estava enganado. E,
também, conheci uma pessoa, na verdade, a gente já se conhecia, nos
reencontramos e estou ficando com ela.
— Guto, mas eu…
— Você o que, Amanda? Você não me ama, se amasse, não teria feito
o que fez. Mas não esquenta, vamos esquecer isso. Vamos ser amigos e
conviver em harmonia para o bem das nossas filhas.
— Não, Gustavo, eu errei, errei sim, mas eu amo você. Sim, eu te
amo. Me perdoe. Me dá outra chance…
— Tarde demais, Amanda, estou em outra.
Gustavo fala isso e desaparece como mágica, para onde ele foi?
Estou sozinha, no escuro. Sozinha, sem ninguém. Sinto medo. Sinto vazio. Eu
tento chamá-lo. Grito seu nome, mas ele sumiu. Ele se foi. Eu o perdi…
— Amanda. Mandi, acorda, você está sonhando. — Escuto a voz de
Bianca, então abro meus olhos e me levanto assustada. — Ei, shh, calma.
Você estava dormindo. Eu acabei de chegar, assim que entrei, vim para o
quarto te ver e você estava agitada, estava tendo um pesadelo?
— Bia. Eu preciso falar com o Guto.
— Calma, pelo amor de Deus, meu amor, você não pode ficar assim.
Respira, vou pegar um chá para você.
Ela sai do quarto, eu acendo a luz do abajur que fica na minha
cabeceira, pois o quarto estava escuro, já era noite, eu apaguei depois que o
Gustavo foi embora. Olho no relógio e vejo que são oito e meia da noite.
Respiro fundo e tento acalmar meu coração. “Era só um sonho, Gustavo não
foi embora…” Eu nunca havia ficado tão apavorada assim. Nunca fui de ter
sonhos, muito menos pesadelos.
— Pronto, toma tudo, vai te acalmar. — Bia me entrega uma caneca
grande com chá de camomila dentro. — Agora, me explica, o que aconteceu?
Com o que você estava sonhando? Nunca vi você assim.
— Eu sonhei com o Gustavo. Que ele ia embora, que dizia que
encontrou outra pessoa…
— Mandi… você está apaixonada por ele, não está? — Bianca me
pergunta. A mesma pergunta que André me fez naquela noite e que eu não
soube responder. Mas que agora estava finalmente claro para mim qual era a
resposta.
— Sim. Sim estou. Ver ele de novo e agora esse pesadelo horrível
me fez perceber que eu o amo. E que não quero perdê-lo. Quer dizer, talvez
já o tenha perdido, mas eu preciso que ele saiba. Eu preciso dizer para ele
com todas as letras o que eu sinto.
— Amandinha, seus olhos estão brilhando… nunca vi você assim,
nem mesmo com o Pedro. Acho que finalmente o cupido te fisgou e quer
saber? Que bom que foi pelo Gustavo, ele é maravilhoso e vocês juntos são
incríveis.
— Acho que ele não vai me perdoar, mas…
— Mas, mesmo assim, você vai tentar. Você nunca teve medo,
Amanda, sempre lutou por tudo o que quis e sempre conseguiu. Agora
chegou a hora de lutar pelo seu amor.
— Sim, é isso mesmo. E eu vou lá agora. — Levanto-me devagar da
cama, pois não posso fazer movimentos “bruscos”.
— Agora? Pirou? Você não pode ficar andando…
— Eu vou e nada vai me impedir, vou de carro.
— Nem pensar. Você não vai, você não pode…
— Bianca, agradeço a sua preocupação, mas estou bem. O médico
falou para eu evitar esforços, não que eu não poderia andar ou me
movimentar, se quiser, pode olhar no receituário que ele me passou.
— Eu sei, Amanda, mas não pode ir lá agora sozinha. Eu acabei de
chegar, vamos jantar, você precisa se alimentar direito, garota, acabou de
fazer uma cirurgia. — Eu a olho e vejo que ela percebe que não desistirei da
ideia. — Você é impossível, eu te levo. Ainda bem que seu prédio tem
elevador.
—Obrigada — digo e coloco meu tênis que estava na porta do
quarto. Não troco de roupa. Meus pijamas eram basicamente camisolas no
verão ou calça e blusa de moletom no inverno, como hoje, estava friozinho,
estava com moletom. — Vamos.
— Sou uma péssima influência para você. Em outros tempos, jamais
deixaria você sair assim para ir atrás de um cara. Mas agora sou uma
romântica e essa história de vocês já estava até parecendo novela.
Enquanto Bianca me espera na recepção, subo para ir ao apartamento
do Gustavo. O porteiro não me anunciou, pois já me conhecia. Gustavo mora
na cobertura, apesar de não demonstrar, era bastante rico, mas não ligava
para luxo e isso era uma das coisas que me encantava nele. Chego no seu
andar e, assim que saio do elevador, esbarro em uma moça.
— Desculpa — digo. Então olho para a ruiva que está na minha
frente e tenho a sensação de conhecê-la de algum lugar, mas não lembrava de
onde.
— Amanda? — ela pergunta parecendo surpresa ao me ver ali.
— Sim, desculpe a gente se conhece? — falo, tentando forçar minha
memória que a cada dia que passava andava mais fraca. O que eu vivia
atribuindo aos hormônios da gravidez.
— Bom, não pessoalmente. Prazer, sou a Beca, acredito que Guto já
tenha falado de mim.
Beca? Beca… me esforço ainda mais. Então me lembro uma vez que
Gustavo comentou que tinha uma amiga que morava em… acho que Curitiba.
Isso, lembrei, era ela, ele me mostrou uma vez uma foto de uma moça ruiva e
me falou que era sua amiga. Mas, se ela mora em Curitiba, o que estava
fazendo ali, em pleno dia de semana e ainda essa hora da noite?
— Sim, sim, o Guto me falou de você. Vocês são amigos, né?
— Bom, na verdade, sempre fomos mais que amigos. Sabe, Amanda,
não sei se Gustavo te contou toda a nossa história.
— Vocês têm uma história? — pergunto, sabendo onde ela queria
chegar com aquela conversa.
— Namoramos na época do colégio, eu fui o primeiro amor e a
primeira garota da vida dele. Ele sempre foi louco por mim, mas eu fui fazer
faculdade fora, então não achei certo continuarmos namorando. Desde então
nos tornamos amigos, confidentes mesmo. Ele sempre me conta tudo o que
acontece, inclusive, sei toda a história de vocês… — ela fala e seu tom é
ácido, não gosto dela, não gosto do jeito como ela me olha e não estou
gostando nada do rumo dessa conversa, mas ela continua antes que eu possa
falar qualquer coisa. — Na noite que você traiu ele, ele correu para mim.
Ele estava triste, mas eu consegui animá-lo, passamos a noite juntos. Nós nos
amamos e então eu percebi que o Gustavo é o homem que eu sempre quis.
Ele me faz bem e eu faço bem para ele.
Não acreditava em tudo o que estava ouvindo, então lembrei do meu
sonho, lembrei de Gustavo me falando que tinha reencontrado alguém, que
amava outra. Ele ficou com ela na mesma noite que terminamos? Eles
transaram? Eles estavam juntos? E eu trouxa aqui achando que ele estava
sofrendo por mim. “Como sou burra.”
— E o único motivo pelo qual nós ainda não oficializamos nosso
relacionamento é por conta da sua gravidez — ela continua falando, e eu
estou tão surpresa que simplesmente fico ali parada, sem falar ou fazer nada.
— Gustavo é certinho demais e jamais deixará de assumir as
responsabilidades como pai. E como sua gravidez, ao que parece, é de risco,
ele vai ficar ao seu lado. Mas… — Ela então se aproxima de mim e me
encara nos olhos. — Ele não te ama, ele vai ficar com você por pena e medo
de perder as filhas. Ele já perdeu Rick e não quer perder mais ninguém. Se
eu fosse você, nem tentaria consertar a burrada que fez, só cuida da sua
gravidez e segue sua vida. Deixa o Gustavo seguir a dele.
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, vejo a ruiva entrar no
elevador e sumir.
“Que merda foi essa?”
— Já falou com ele? — Bianca pergunta se levantando do sofá da
recepção em que estava me esperando.
— Não, desisti, isso é loucura. — Não quero falar sobre o encontro
que tive com a “amiga” dele.
— Como assim, Amanda? Você veio até aqui, estava decidida. Eu te
conheço o que aconteceu, Amanda? — Ela pega no meu braço e me vira para
ficar de frente para ela. — Amanda Barros, o que aconteceu?
— Eu encontrei com a amiguinha dele no corredor e ela me contou
que eles transaram, que ele não me queria mais e que só ficaria ao meu lado
por medo de perder as filhas. — Eu estava puta da vida.
— Como é que é?
— Isso que você ouviu. Eu achei que o Gustavo fosse diferente, mas
ele é como todos os outros homens. Na primeira dificuldade, foi afogar as
"mágoas" nos braços de outra. E eu, a idiota aqui, achando que ele me
amava, que a gente poderia dar certo. Eu sou burra, não existe amor perfeito,
não existe final feliz.
— Essa mulher é uma ruiva? Eu vi ela passar ainda a pouco aqui. Ela
é amiga dele? Ex? — Bianca pergunta, tentando entender o que estava
acontecendo, a verdade é que nem eu estava entendo direito.
— Os dois. Quer saber, Bianca? Não importa. Vamos para casa,
esquece tudo o que aconteceu hoje. Não quero mais falar nisso. Eu me
enganei.
— Mandi, calma, toda a história tem dois lados e, mesmo que ele
tenha ficado com ela, acredito que só fez isso depois de ter terminado com
você…
— Mesmo assim, ele não estava tão apaixonado? Não estava
sofrendo tanto? Como conseguiu ir para cama com outra se me amava?
— Meu amor, você também errou e muito. Não pode julgá-lo e
condená-lo assim.
— Agora vai ficar do lado dele também? Então, por eu ter cometido
um erro, tenho que aceitar isso de boa? — falo um pouco mais alto e acabo
sentindo uma fisgada na barriga, imediatamente coloco minha mão nela.
— Chega, Amanda, você nem deveria estar fora da cama. Vamos
agora para casa. Por favor, o senhor poderia me ajudar a levá-la até o carro?
— Bianca pede para o porteiro, que prontamente vem em nossa direção e,
com muita delicadeza, me pega no colo e me leva até o carro.

Já em casa, Bianca me ajuda a ir direto para a cama.


— Quer que eu durma na cama com você? — Geralmente a gente
dormia juntas, mas, desde que engravidei, Bia achava melhor dormir no
outro quarto para que eu ficasse mais à vontade na cama.
— Sim, por favor.
Não queria ficar sozinha. Ela troca de roupa e se deita ao meu lado,
estava virada de costas para ela.
— Boa noite, Mandi, eu te amo.
— Boa noite, eu também.
Assim que apago a luz, uma onda de tristeza invade o meu peito e
choro. Choro baixinho, pois não queria que Bia ouvisse. Estava triste.
Magoada. Eu sabia que tinha errado, mas esperava que pudesse consertar o
erro. Pensei que Gustavo estivesse realmente apaixonado que pudesse me
dar outra chance.
Acreditei que ele fosse diferente. Mas me enganei. A verdade é que
nenhum homem aceita e perdoa uma traição. O ego deles não permite. Já nós,
mulheres, as bobas apaixonadas, por amor, acabamos perdoando e seguindo
a vida.
Ele dormiu com outra, e não era qualquer pessoa. A tal Beca devia
ser especial para ele, já que Guto tinha poucas pessoas em sua vida. Como
ele pode ter transado com ela logo depois de brigar comigo? Se ele disse
que me amava, por que fez isso?
Não adiantaria eu ficar remoendo essa história e sofrendo. O que
estava feito não poderia se desfazer. Eu o traí. Ele terminou comigo e seguiu
a vida. Agora cabia a mim fazer o mesmo. Então eu e Gustavo não daríamos
certo como casal, mas eu prometo para mim mesma, que daríamos certo
como pais. Pelas nossas filhas.
A cordei e ainda sentia
meu corpo pesado, os
últimos dias foram
intensos demais, o susto com a cirurgia da Amanda e a visita da Beca me pegaram
de surpresa. Levanto-me da cama e vou até a cozinha para passar um café. Decido
mandar uma mensagem para Amanda, para ver como ela passou a noite.
Errei em ficar afastado nos últimos dois meses, por mais que estivesse por
dentro de tudo que estava acontecendo com a gravidez, não estava ao seu lado para
acompanhar de perto e me senti muito mal por isso. Deixei que a mágoa que estava
sentindo da Amanda afetasse meu papel como pai. Mas aprendi o erro e não o
cometeria mais. A partir de agora ficaria ao lado dela, cuidaria de tudo que
estivesse ao meu alcance, pois isso que um homem de verdade faz.
Ainda não sabia se eu e ela nos acertaremos, bom, eu torcia para que sim.
Mas ainda não estava pronto para isso. Então, preferi deixar o tempo agir, ele
sempre é o melhor remédio.

“Bom dia,
Como você está? Passou
bem a noite?”

Espero alguns minutos, ainda são seis e meia, ela deve estar dormindo,
como está de atestado por 15 dias, não precisa se levantar cedo para trabalhar. Já
eu tenho várias reuniões hoje, a primeira será às oito e meia, então, depois de
tomar meu café, vou me arrumar para ir para a empresa.

“Bom dia, estou bem.


À noite, senti um pouco de dor,
mas nada demais. Obrigada
por perguntar :)”

“Que bom que dormiu bem.


Estou me arrumando para trabalhar.
À noite, posso passar aí para te ver?
“Sim, claro. Eu ficarei de molho, sem nada
para fazer… :( um saco”
“É por pouco tempo,
aproveita para colocar suas séries da Netflix
em dia :)”
“É o que me resta. Bom trabalho
então :) Beijo”
“Obrigado, até a noite, um
ótimo dia para vocês. Beijo”
O dia foi longo e exaustivo, mas muito satisfatório, consegui fechar mais um
grande contrato com uma multinacional de cosméticos. A empresa estava crescendo
cada vez mais e eu ficava feliz por isso.
Chego no apartamento de Amanda para ver como ela passou o dia. Toco a
campainha e espero alguns instantes.
— Oi, tudo bem? Entra. — Amanda abre a porta e parece estar cansada.
— Oi, como você está? — pergunto, entrando e seguindo ela que vai até a
cozinha.
— Hoje não estou muito bem, não sei, acho que agora que está caindo a
ficha de tudo o que aconteceu… — fala enquanto pega a jarra de água na geladeira
e serve um pouco em um copo. — Quer um pouco?
— Não, obrigado. Você não acha melhor ficar deitada? Eu posso fazer algo
para você comer — me ofereço, pois quero ajudá-la.
— Não aguento mais ficar deitada. Não estou acostumada a ficar parada.
Falando nisso, conversei hoje com a minha coordenadora e contei toda a história
para ela, acho que já estava na hora… — ela começa a falar. — Contei sobre nosso
encontro, claro que não dei detalhes, mas falei que você é o pai das bebês. Disse
também que não estamos mais juntos, mas que nos damos bem. Aproveitei para
alinhar com ela nos próximos meses e optamos por eu ficar em home office, assim
posso trabalhar e repousar ao mesmo tempo. Espero que não se importe por eu ter
contado.
— Não, claro que não me importo. Se você está à vontade com isso, para
mim, tudo bem.
Após ouvir sua declaração, percebo que estava certo, ela não me ama
mesmo. Parte de mim fica triste com isso, pois esperava que, depois de tudo o que
aconteceu, Amanda pudesse ter percebido que sente algo a mais por mim, mas
estava enganado. Talvez seja melhor assim, talvez o tempo mostre o caminho certo.
Por ora, faria o que era certo, ficaria ao seu lado, como seu amigo.
Dois meses depois

Os últimos meses foram bons, para falar a verdade, foram maravilhosos. Eu


e Amanda estávamos aprendendo a conviver e criamos um laço de amizade e
companheirismo. Por mais que eu tentasse negar, a cada dia que passava eu me
apaixonava ainda mais por ela. Ela era exatamente a mulher com quem eu sempre
sonhei. Era forte, decidida, inteligente, engraçada… com ela, tudo era fácil. Muitas
vezes sentia que ela estava compartilhando deste sentimento, mas, por algum
motivo que eu não entendia, não se permitia tentar.
Beca não deu mais nenhum sinal, mandei mensagens para ela, tentei ligar,
mas ela simplesmente estava me ignorando. Me senti mal por isso, eu queria ter ela
por perto, mas comecei a aceitar que talvez nossa relação tivesse terminado.
— Guto, por favor, vem aqui. — Escuto Amanda me chamando, ela tinha
ido ao banheiro e eu estava preparando pipoca para assistirmos a um filme.
Estávamos fazendo muito isso nos últimos dias.
— Oi, tá tudo bem? — pergunto, entrando no seu quarto e parando na frente
da porta do banheiro.
— Guto, me ajuda…
Ela está com voz de choro, não penso duas vezes antes de entrar. Amanda
está sentada no vaso sanitário e seu rosto está vermelho e assustado.
— Guto, eu fui me limpar e estou sangrando, por favor, eu…
Sem pensar, a pego no colo e corro com ela nos meus braços. Saio do
apartamento, pego o elevador e vou para a garagem. Vou o mais rápido que consigo
para o hospital. Assim que chegamos, deixo-a no carro e corro para informar o que
está acontecendo e pedir ajuda.
— Oi, por favor, minha… minha mulher está grávida de sete meses e está
com um sangramento…
— Fique tranquilo, senhor, ela ficará bem. Arthur, por favor, pegue uma
cadeira de rodas e busque a paciente. Senhor, por favor, preencha essa ficha para
darmos entrada dela — diz a recepcionista do hospital.
Depois de preencher, vejo Amanda passando em uma cadeira de rodas.
— Guto… — Ela me olha e percebo que está assustada. Eu também estou,
mas tento demonstrar calma.
— Vai dar tudo certo, eu não sairei daqui. Amanda… — Não consigo mais
segurar isso. — Eu te amo.
Ela me olha, queria poder abraçá-la, mas, antes que eu consiga me
aproximar, vejo ela sumir por entre as portas de um longo corredor. “Deus, por
favor, cuide das minhas meninas.”

Foi tudo muito rápido, em um momento, estava feliz, em casa, íamos ver um
filme e comer pipoca. Eu e o Gustavo estávamos cada dia que se passava mais
unidos. Eu sentia que aos poucos a mágoa que ele tinha por mim estava sumindo, eu
conseguia ver no seu olhar que aos poucos aquela barreira estava caindo. Em
muitos momentos, sentia vontade de conversar com ele sobre tudo o que aconteceu,
mas então me lembrava das palavras de Beca e desistia.
Agora eu estava aqui nesta sala de cirurgia, o médico falou que precisamos
fazer o parto das meninas ou elas correriam risco de vida. Eu ainda não estava
pronta, eu pensei que teríamos mais tempo. Eu ainda estava arrumando os últimos
detalhes do quarto delas, mas não tinha nada que eu pudesse fazer, a não ser, ser
forte.
— Eu estou aqui, vai dar tudo certo. — Gustavo me diz, ele fez questão de
assistir ao parto. Ele estava segurando a minha mão.
— Guto, eu estou com medo… — Eu sabia que um parto neste período da
gestação era muito arriscado, então estava apreensiva.
— Shhh, vamos ficar bem, seja forte.
— Vamos começar.
O médico anestesista fala e aplica a anestesia. O quarto está cheio de
médicos, pelo meu histórico clínico, eu acabei chamando a atenção de muitos
médicos que me usavam de “exemplo” para suas aulas. Por essa razão, meu parto
era muito esperado no hospital.
Acho que a anestesia fez efeito, pois vejo que eles começam a realizar os
procedimentos. Sinto uma onda forte de calor invadindo meu corpo, olho para o
teto e tento acalmar minha respiração, mas sinto dificuldade. Não escuto bem o que
os médicos e enfermeiros estão falando. Meu coração começa a acelerar.
— Amanda, a Isa nasceu.
Gustavo fala no meu ouvido, tento forçar um pouco meus olhos, mas não
consigo enxergar com nitidez. Alguns minutos depois, sinto muito calor e está cada
vez mais difícil de puxar o ar, não sei o que está acontecendo. Começo a ouvir um
barulho agudo, como um apito. Tento olhar para o lado, mas não tenho força para
virar minha cabeça.
— A Manu chegou, elas nasceram, elas nasceram — Gustavo fala no meu
ouvido e lágrimas escorrem do meu rosto. “Obrigada, meu Deus”. Me esforço para
olhar para Gustavo.
— Gu… — quero falar, mas meu peito está doendo, preciso ser forte —,
por favor.
— O que foi, Amanda? O que você tem? Doutor, minha mulher, minha
mulher….
— Cuide delas… — Está cada vez doendo mais, não consigo escutar nada,
não consigo respirar direito. “Deus, me ajuda, eu preciso falar, eu preciso falar”:
— Eu te amo.
Não escuto mais. Não vejo mais. Não dói mais.
—Você acordou… — Abro meus olhos e vejo minha mãe. Não
sei bem onde estou. — Graças a Deus, minha menina. Como
você se sente?
— Bem, mãe, minhas filhas…
— Fique calma, meu anjo, elas estão na UTI, mas estão bem.
— O que aconteceu?
— Você teve duas paradas cardíacas, eles precisaram te reanimar.
Meu anjo, quando o Gustavo nos contou, eu quase morri. Mas Deus é bom e
você é forte.
— Eu não lembro, só lembro de me sentir muito mal… eu pensei que
iria morrer, onde está o Gustavo?
— Ele está com as meninas na UTI, eu vou avisar que você acordou.
O coitadinho não tem saído do seu lado, agora que foi lá ver as meninas.
pois tem horário para visitá-las…
— Eu quero ver elas, mãe.
— Você verá, mas o médico antes precisa te ver. Calma, vou lá
avisar e chamar o Gustavo.
Alguns minutos depois, o médico veio me ver e disse que eu poderia
ir no próximo horário de visitas ver as meninas. Ele me explicou que
infelizmente meu leite secou e eu não conseguiria amamentá-las, o que me
deixou muito triste. Então, vejo Gustavo entrando no quarto, ele parece muito
abatido, diferente do que sempre aparenta.
— Oi, como você está?
Ele pergunta e me dá um beijo na testa. Apesar de não me lembrar de
tudo o que aconteceu, lembro do medo que senti de morrer. Eu precisava
falar para o Gustavo o que eu sentia por ele antes de partir, e eu consegui.
— Oi, estou bem. Como elas são?
— Lindas, são as coisas mais lindas que eu já vi na vida. Elas são
pequenas, mas são perfeitas.
— Graças a Deus… — Eu preciso contar para ele, contar tudo o que
estava sentindo. — Guto, eu tive tanto medo, eu achei que iria morrer… e
tive medo de morrer sem falar o que eu sinto…
— Mas você está aqui, você está bem. Logo estaremos em casa.
Amanda, eu também tive medo, quando você desmaiou, um pedaço de mim
morreu. Nunca achei que sentiria algo assim…
— Eu te amo, Gustavo, eu te amo de verdade, eu te amo com todas as
minhas forças — falo e vejo que os olhos dele se enchem d’água. — Me
perdoe por tudo o que eu fiz. Me perdoe por ter sido tão… tão idiota. Eu
tinha medo de abrir meu coração, pensei que sofreria de novo se o fizesse.
Mas agora eu percebo que fui uma idiota. Você é maravilhoso e, mesmo
depois de tudo o que eu fiz, você não desistiu de mim, não largou a minha
mão… eu te amo muito e espero que um dia você realmente me perdoe.
— Minha linda, minha Amanda, eu te amo, eu já te perdoei há muito
tempo. Ninguém é perfeito, eu também não sou. Tudo o que eu mais quero é
ficar ao seu lado com nossas filhas. Tudo o que eu mais quero é que a gente
seja uma família.
— Gustavo Medeiros, quer namorar comigo? — repito a pergunta
que ele havia feito meses atrás para mim. Na época, não estava pronta, na
verdade, tinha medo de me apaixonar e sofrer. Mas agora, agora eu percebia
que a vida era muito curta para desperdiçarmos com medos.
— Sim.
Então ele pega meu rosto e me beija. Como senti falta desse beijo.
Como senti falta dele. Demorei muito para entender e aceitar esse
sentimento, tive medo e fui fraca. Mas agora percebo que o Gustavo é tudo o
que sempre sonhei, ele é o meu amor.

Nenhuma palavra conhecida seria capaz de descrever o que senti


quando vi minhas filhas pela primeira vez. Elas eram tão lindas, tão
perfeitas. Estavam dentro de incubadoras, ligadas a aparelhos que
auxiliavam na sua respiração. Elas eram idênticas, e eu achava elas a cara
do pai. A primeira que nasceu foi a Isabela e depois a Manuela chegou ao
nosso mundo. Eu sabia que meu amor por elas já era grande, mas vê-las me
fez perceber que é infinitamente maior.
Minha vontade era pegá-las no colo e irmos logo para casa, mas
infelizmente não era possível. Apesar de estarem bem, elas ainda
precisavam ganhar peso para terem alta, então ficaríamos ali por mais um
tempo.
Uma nova batalha começava, mas era só mais uma, já passamos por
tantas coisas, agora era só mais uns dias para finalmente podermos ir para
casa e vivermos como uma família.

1 mês depois…

— Finalmente vamos para casa… — digo, fechando a última bolsa


das meninas.
— O Guto vem buscar vocês? — Bianca me pergunta enquanto
coloca Isa do carrinho. Manu estava no colo da minha mãe.
— Sim, ele disse que a gente não pode sair até ele chegar.
— Ai, Mandi, estou tão feliz que nem consigo explicar. Minhas
afilhadas são as bebês mais lindas do mundo.
Desde que descobri a gravidez, já sabia que Bianca seria a madrinha
das meninas, só não tinha certeza se o Guto concordaria. Mas, no dia do
nascimento das meninas, ele mesmo chamou Bia de madrinha, ele disse que
ela em nenhum momento saiu de perto das meninas na UTI enquanto eu não
acordava. Bianca era minha melhor amiga e não teria outra pessoa no mundo
melhor do que ela para ser a madrinha das minhas filhas.
— O papai chegou, cadê as minhas princesas? — Gustavo entra no
quarto e está absurdamente lindo, com um terno social azul-marinho,
perfeitamente ajustado no corpo, me pergunto aonde ele vai com toda essa
produção. — Oi, meu amor, pronta para ir para casa? — Ele vem, me dá um
beijo rápido e me abraça.
— Sim, é tudo o que mais quero.
No último mês, não saí do hospital, mesmo que todos falassem que
revezariam comigo e com o Gustavo para que fôssemos um pouco para casa
descansar, em nenhum momento saí do lado das minhas filhas. Para mim, não
fazia sentido nenhum sair do hospital sem elas. Guto vinha todos os dias
dormir comigo, mas ele precisava ir na empresa durante o dia, pois estava
com cada vez mais contratos novos. Hoje finalmente iremos poder dormir na
minha cama, em casa, com as nossas meninas. Não via a hora disso
acontecer e, também, não via a hora de poder ficar com o Gustavo, sozinha,
sem ser em um quarto de hospital, não via a hora de poder fazer amor com o
meu namorado.
Depois de dar tchau para minha mãe e Bia, que foram com o carro
dela para casa, Gustavo diz que precisa passar em um lugar antes de irmos
para casa.
— Chegamos.
Olho e estávamos em uma rua de um bairro residencial, não
imaginava o que Gustavo precisava fazer ali. Como sempre, ele vem e abre a
porta do carro para mim. “Meu cavalheiro sem armadura.” Saio do carro e
me deparo com um grande portão de ferro, vejo que tem uma casa gigante
atrás dele, na realidade uma mansão.
— O que viemos fazer aqui? — pergunto cada vez mais curiosa.
— Você já vai descobrir, deixa eu pegar as meninas. — Então.
depois de tirar as meninas do carro e colocá-las nos carrinhos, ele abre o
portão da casa. Sigo com ele para dentro enquanto empurra o carrinho. As
meninas estão tirando um cochilo. — Meu amor, o que você acha desta casa?
— ele me pergunta assim que entramos na casa completamente mobiliada.
Ela é linda, com a decoração perfeita, em tons claros. Se eu pudesse
escolher uma casa, com toda a certeza seria como aquela.
— É linda, maravilhosa e incrível na verdade. É de quem?
— Nossa. — Antes que eu pudesse questionar qualquer coisa, vejo
Gustavo em toda a sua glória e gostosura se ajoelhar diante de mim e pegar
uma caixa de veludo vermelha da sua calça. — Amanda Barros, você aceita
se casar comigo?
Ele abre a caixinha e lá tem um lindo e grande solitário. Levo minhas
mãos à boca, pois não esperava aquilo. Achei que ainda demoraria muito
tempo para que ele me pedisse em casamento, mas estava acontecendo, era
real, e não existia outra resposta aquele pedido senão:
— Sim, sim, sim.
Então ele se levanta e me pega no colo. Começo a ouvir aplausos e
gritos de comemoração, quando me viro, vejo meus pais, Bianca, Beto, os
pais de Gustavo, todos ali. Todos alegres e vibrando com nossa alegria.
E logo me dou conta que tudo o que sempre sonhei quando era
criança e que achava que jamais se tornaria realidade aconteceu, eu
encontrei o amor.
O último ano foi o mais
incrível da minha vida.
Depois de tantos altos e
baixos, finalmente minha vida estava calma. Eu tinha tudo o que sempre sonhei,
uma família linda.
E agora estava aqui no altar, esperando a mulher mais linda do mundo para
finalmente selarmos o nosso amor perante os homens e Deus. Uma música começa a
tocar e é difícil me segurar para não chorar com a visão que tenho: Isabela e
Manuela estão lindas em vestidos cor-de-rosa. Isa está entrando pelo corredor no
colo do Beto e, ao seu lado, está Manu, no colo de Bianca. Me esforço para não
chorar, meu mundo nunca foi tão colorido como é agora. Depois de todos os sustos,
as meninas estão cada dia mais espertas, elas são idênticas fisicamente, mas suas
personalidades são completamente diferentes. Isa parece ter puxado a mãe, mesmo
tão pequena demonstra ter personalidade forte, é mais agitada. Já Manu é calminha
e muito risonha.
Vou até elas e dou um beijo em cada uma. Bianca e Beto se sentam com elas
em seus colos. Então começa a tocar a marcha nupcial e todos se levantam. E vejo
Amanda ao lado de seu pai. Ela está linda, simplesmente linda. Segura um buquê
com girassóis, seu vestido é como o de uma princesa, a minha princesa.
Cumprimento meu sogro e dou um beijo na testa da minha garota. E logo a
cerimônia começa.
Depois de falar meus votos, o celebrante fala que é a vez de Amanda, então
vejo que Bianca se levanta e entrega para ela um pedaço de papel dobrado.
— Guto, fiquei com medo de estar tão nervosa que acabasse esquecendo de
falar alguma coisa, então resolvi escrever e agora quero ler para você.
“Meu amor,
Quando era pequena, sonhava com contos de fadas, casamentos perfeitos e
amores eternos. Mas cresci e me fizeram acreditar que essas coisas só aconteciam
em filmes e histórias contadas.
Ouvi muitas vezes as pessoas me chamarem de fria, sem coração, egoísta e
por aí vai, mas a verdade é que eu sempre sonhei em viver o verdadeiro amor, só
tinha medo de sofrer. Pois eu sabia que, quando abrisse meu coração, eu ficaria
vulnerável e eu não sabia ser dependente de alguém.
Eu lutei contra meus sentimentos, eu tentei esconder, tentei fugir, mas quem
disse que se manda no coração?
Gustavo, você me aceitou mesmo com todos os meus defeitos, você não
desistiu de mim, você me mostrou que sim, sim existem contos de fadas. Sim,
existem casamentos perfeitos e sim, existem amores eternos.
Então, meu amor, eu te prometo que, enquanto eu respirar, te amarei e serei
sua parceria em todos os momentos, jamais soltarei a sua mão, assim como você
não soltou a minha.
Eu te amo, Gustavo Medeiros, da sua Amanda.”
— Enfim, sós — falo enquanto fecho a porta do quarto do hotel. Não iremos
viajar para uma lua de mel, pois as meninas ainda eram pequenas, mas nem por isso
nossa noite seria menos especial.
— Sim, eu não via a hora de ficar sozinha com você, Sr. Medeiros —
Amanda fala e vem em minha direção.
— Ah é? E o que você pretende fazer. Sra. Medeiros? — Amanda não
responde. Ela para na minha frente e começa a tirar meu terno.
Depois de me despedir, ela pega na minha mão e me leva até a cama. Me
sento na beirada, ela dá um passo para trás e então começa a tirar seu vestido que
tem botões na frente. “Linda”. Ela não tira seus olhos dos meus. Após abrir o
último botão, o vestido cai se espalhando no chão, ela está com uma lingerie branca
com renda.
— Você é maravilhosa. Eu te amo demais, Amanda.
Ela se joga sobre mim, me fazendo cair de costas na cama e, depois de me
dar um beijo, me olha e declara:
— Eu te amo muito mais, Gustavo.
Então, nos perdemos um no outro. Amanda era o meu mundo e hoje eu sabia
que era o dela. Nossa história não foi fácil e não foi amor à primeira vista.
Sofremos muito, erramos também. Tivemos que nos perdoar. Depois de um tempo,
Amanda me contou sobre seu encontro com a Beca e entendi por que ela se manteve
distante até a hora do parto.
Nunca mais falei com a Beca, fiquei decepcionado com o que ela fez.
Amanda também não teve mais nenhum contato com o André. Juntos, nós superamos
tudo e decidimos esquecer o passado e construir uma nova história.
Não éramos perfeitos, ninguém é, mas tínhamos amor e isso, isso bastava.
Nem acredito que teria um final de semana de descanso. Não lembro a
última vez que consegui me desligar da empresa e descansar. Fazia seis anos que
trabalhava como assistente da presidência da empresa G&R Marketing Digital e
simplesmente amava o meu trabalho.
Quando comecei lá, não fazia muito tempo que havia me mudado do interior
do Estado, cidade de Teotônio. Não conhecia ninguém em Porto Alegre, vim com a
cara e a coragem. Muita coragem na verdade, deixando um passado doloroso para
trás.
Me casei muito nova, ainda com 17 anos, era completamente apaixonada
por Valter e acreditava que nosso amor seria eterno. Ele era 10 anos mais velho do
que eu, mas isso nunca me incomodou. Nunca liguei para idade, o que sempre me
chamou a atenção eram as atitudes.
Nos conhecemos na igreja, ele sempre me trazia uma rosa aos domingos nas
missas. Cerca de dois meses depois, estávamos casados. E o que no início era só
carinhos e gentilezas, passou a ser gritos e agressões. Até o dia da nossa última
discussão. Na qual ele me bateu muito, me deixando jogada na cama, com o rosto
machucado e completamente exausta. Ele saiu e demorou muito para voltar. Quando
consegui me levantar, fui ao banheiro, lavei meu rosto e encarei meu reflexo no
espelho. Aquela menina inocente e apaixonada, com um brilho nos olhos havia se
tornado uma mulher apática e sem vida. E eu não aguentava mais aquilo.
Já estava planejando há algum tempo minha fuga e aquela seria a noite.
Juntei durante um ano os trocados das compras que fazia para casa, pois Valter não
me deixava trabalhar fora e comprei uma passagem só de ida para a capital.
Peguei uma mochila, joguei algumas peças de roupas dentro e parti para a
rodoviária, deixando para trás um passado que jurei que jamais se repetiria.
Quando cheguei a Porto Alegre, não tinha dinheiro nem teto. Passei as duas
primeiras noites vagando pela rodoviária. Ofereci serviço de limpeza em troca de
comida nas lanchonetes da rodoviária. Até que em uma delas conhecia Dona Rosa,
que foi minha fada madrinha.
Contei para ela minha história e ela me estendeu a mão, me levando para
sua casa e me contratando para lhe ajudar na lanchonete. Trabalhei bastante e com o
meu salário paguei um curso de informática, pois sempre fui muito aplicada aos
estudos e sabia que poderia chegar longe.
Então um dia vi uma vaga em uma empresa nova, era de Marketing Digital,
não sabia muito bem o que era e como funcionava, pois, era um termo novo no
mercado, mas mesmo assim me arrisquei a tentar, afinal o não eu já tinha.
Fui entrevistava pelo próprio CEO da empresa, termo que antes não
conhecia também que é como se chama o presidente de uma empresa. Quando vi
Ricardo Medeiros pela primeira vez, meu coração parou, ele era lindo. O homem
mais bonito que já tinha visto. Alto, moreno e com os olhos tão azuis quanto o mar.
Ele era jovem, acho que pelo menos uns 6 ou 7 anos mais novo do que eu, mas ele
não aparentava. Dono de uma segurança e inteligência que causavam inveja.
Desde o começo da entrevista ele foi extremamente atencioso, e eu fui
completamente sincera. Quando me perguntou se eu tinha experiência, falei que não,
mas que aprendia rápido e que precisava muito do trabalho. Então ele me deu um
voto de confiança e desde então passei a ser seu braço direito.
Aprendi muito com o Ricardo e a cada dia me apaixonava mais também.
Era impossível não me apaixonar, ele era simplesmente tudo o que sempre sonhei.
Nunca revelei meus sentimentos, pois achei que teria tempo para isso. Estava
esperando o momento certo. Mas infelizmente isso não aconteceu.
Ricardo partiu cedo demais, deixando em mim mais uma dor, um vazio que
até hoje não consegui preencher.
Então Gustavo, seu primo e também fundador da empresa, assumiu seu
posto e eu permaneci ao seu lado. Gustavo era um homem maravilhoso, diferente
do Ricardo, não tinha a mesma desenvoltura, mas trabalhou muito, e hoje dois anos
depois assumir o cargo de CEO, a empresa estava melhor do que nunca.
Gustavo está casado com Amanda há um ano, eles estão muito felizes e as
duas pequenas, suas filhas, acabam de completar 2 anos. Isabela e Manuela são as
crianças mais lindas e espertas que já vi e amo passar algum tempo com elas.
Fico feliz em ver que Gustavo encontrou seu verdadeiro amor, Ricardo
sempre falava o quanto desejava ver o primo feliz. Não foi nada fácil, a história
dele e de Amanda era quase uma novela, mas teve um belo final feliz.
E cá estou eu, depois de tantos anos, preste a aproveitar um momento de
descanso. Não que esteja reclamando de trabalhar, mas realmente precisava, não
lembrava a última vez que pude ficar um final de semana sem o celular grudado.
Como Gustavo e Amanda estavam cansados por conta do aniversário das
meninas e as correrias da empresa, eles me deram o convite para ir ao lançamento
de uma nova safra da vinícola dos pais de Gustavo.
Estava acabando de me arrumar no hotel da cidade para ir para a festa.
Dona Rosa, mãe de Gustavo, insistiu muito para que eu ficasse hospedada em sua
casa, mas recusei, eu era tímida e me sentia mais à vontade sozinha. Contudo,
fizeram questão de mandar o motorista me buscar para me levar até a festa.
Conferi meu look no espelho e sorri ao ver meu reflexo. Aos meus 42 anos
me considerava uma mulher bonita, não era uma modelo, mas acreditava que tinha
boa aparência. Tanto que recebia muitos convites de executivos e até
colaboradores da empresa para jantares, mas sempre acabava recusando, pois não
sentia que estava pronta para um relacionamento. A verdade é que desde Ricardo,
nenhum homem balançou meu coração e não queria me envolver apenas por
curtição. Sabia que quando encontrasse a pessoa certa eu sentiria algo especial.
Meu celular toca e vejo que é o motorista avisando que chegou. Pego minha
bolsa em cima do balcão do quarto do hotel e desço para encontrá-lo.
A festa estava maravilhosa e os vinhos saborosos, acabei me empolgando e
bebendo um pouquinho além da conta o que me causou uma alegria repentina.
Decido ir até a área externa do salão para pegar um pouco de ar, pois sinto minhas
bochechas quentes.
— Posso lhe fazer companhia?
Estou apoiada no parapeito da varanda sentindo a brisa gelada da noite
bater no meu rosto, quando escuto uma voz grossa e extremamente sexy me
despertar dos meus pensamentos. Me viro para encarar o dono daquela voz e sou
surpreendida. A aparência dele era ainda mais atraente do que a voz. Me deparo
com um homem alto, loiro, com porte atlético e olhos verdes brilhantes. “Uau”.
Não sabia se era a bebida que estava correndo pela minha corrente sanguínea, mas
ao olhar aqueles olhos, senti o ardor voltar para o meu rosto.
— Boa noite, claro, estava apenas apreciando a lua cheia, ela está linda
essa noite.
— Prazer, sou André De Luca. E realmente a lua está fascinante. — André
me encara e posso estar enganada, mas pelo seu olhar poderia jurar que ele não
estava se referindo a lua.
— Prazer, Patrícia Mendes.
— Encantado.
André pega minha mão e a leva até sua boca, depositando um beijo que faz
até o último pelo do meu corpo arrepiar. Não sabia quem era aquele homem, mas
estava realmente tentada a descobrir.
Agradeço sempre e todos os dias a Deus, pela vida que me deu e por
guiar os meus caminhos.
Aos meus pais, por sempre me apoiarem e acreditarem nos meus sonhos.
Ao meu marido, Guilherme, por, ser além de tudo, meu melhor amigo. Sem
você, eu não conseguiria fazer nem metade disto.
A toda a minha família e amigos, por me apoiarem e incentivarem.
As minhas queridas leitoras betas, Luana e Cátia, meninas, vocês foram
demais. Esta história foi muito difícil para mim e muitas vezes duvidei se
terminaria, mas vocês me deram confiança e não desistiram de mim. Esta
história é de vocês também.
A minha amiga Dhay, que durante toda a escrita foi mais que uma leitora
beta, foi também fonte de inspiração. Obrigada por tudo, eu amo você,
amiga.
A minha revisora Mari, que, além de revisar, corrigir e ensinar, ainda surta
comigo. Obrigada demais.
Gostaria de deixar um agradecimento especial para minhas parceiras
literárias, vocês, meninas, são um presente de Deus em minha vida.
E, por fim, agradeço a você, caro leitor, que leu a minha história. Espero
que, de alguma forma, eu tenha tocado seu coração. Obrigada, e nos vemos
em breve.
Gabriela da Cunha Verran é natural de Porto Alegre/RS e vive em
Joinville/SC desde os seus quatro anos de idade. Desde criança, sempre
amou livros, lia o tempo inteiro e, por muitas vezes, os livros eram os seus
melhores amigos e o seu refúgio. Como dizem por aí: “Quem tem um livro
nas mãos, nunca está só”. Gabriela formou-se em Direito no ano de 2013,
atuando por pouco tempo na área financeira. Hoje encontrou na literatura sua
paixão.

Instagram: https://www.instagram.com/gabiverranautora/
Meu conto que não é de fada

Sinopse: “Gabriela, ou melhor, a Gabi, era uma garota comum


que sempre sonhou com os contos de fadas. Morava com seus pais, tinha
muitos amigos e levava uma vida normal. Até o dia em que conheceu o
Lucas.
Esta poderia ser só mais uma típica história com uma menina comum que é
romântica e sonhadora e que, no final, precisa fazer uma grande escolha.
Seria apenas mais uma história, igual a tantas outras, a não ser pelo fato desta
história ser real e esta menina ser eu”.
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Minha vida em crônicas


Sinopse: “Uma vida contada através das lições aprendidas.
A vida é feita de altos e baixos que deixam como herança aprendizados e
cicatrizes. Seguimos em frente com as bagagens recolhidas ao longo do
caminho e, nessa longa caminhada, conhecemos pessoas inesquecíveis,
vivemos momentos inesquecíveis, experimentamos cheiros e sabores
inesquecíveis. No final desse caminho, nos resta saudades e muitas histórias
para contar. Que esta obra possa trazer a cada leitor momentos de nostalgia e
boas lembranças”.
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Encontro com o ídolo – As loucuras de Bibi

Sinopse: “Thiago Santorini é a nova estrela de Hollywood e


está de volta a sua cidade natal para as gravações de seu novo filme. Acaba
de sair de um relacionamento e a imprensa não o deixa em paz, tudo o que
ele queria era poder descansar. Mas um acidente muda seus planos. Bibi é a
fã número um de Thiago e sonha com o dia em que encontrará com seu ídolo.
Tudo estava perfeito, a data estava marcada, seria um encontro épico e ainda
por cima bem no Dia dos Namorados, mas o destino resolveu mudar os
planos de Bibi. Tudo certo para dar errado, os planos de Bibi foram por
água abaixo, mas e se o errado fosse, na verdade, ainda melhor?”
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DOIS PONTOS DE AMOR: Como explicar o amor?

Sinopse: Rita e Pedro se conheceram ao acaso e eram muito diferentes um


do outro, mas nunca desistiram do amor. Eles estavam dispostos a encontrar
o equilíbrio perfeito para ficarem juntos.
Entre uma história e outra neste pequeno conto, Rita e Pedro vão nos mostrar
que, em muitas vezes, o amor precisa da nossa força de vontade, da nossa
persistência e da nossa paciência para se fortalecer.
Utilizando aquela clássica metáfora: o amor é uma flor, ele precisa ser
regado todos os dias para florescer e, se não lhe é dado água, ele irá secar e
morrer.
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O caso da minha vida – Volume I

Sinopse: “O amor pode vencer qualquer julgamento.


Emily é uma garota que desde pequena tem um objetivo: ser a melhor
advogada dos Estados Unidos. Ela nunca perdeu tempo pensando em
romances e relacionamentos.
James não queria assumir o escritório da família, se achava muito novo e
vivia dizendo que este era o sonho do seu irmão, não o dele. Seu objetivo
era rodar o mundo com uma mochila nas costas e mulheres ao seu lado.
Cada um tinha um objetivo, mas depois de um simples encontro tudo mudou.
O amor não escolhe o momento ou a pessoa, e agora Emily e James teriam
que aprender a lidar com suas emoções, mas seria fácil, afinal, o amor
sempre vence. Será?”
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O caso da minha vida – Volume II

Sinopse: O amor pode mesmo vencer qualquer julgamento?


Três anos após sua maior perda, Emily finalmente se formou na faculdade e
está prestes a abrir seu próprio escritório de advocacia junto com sua amiga
Mari.
James se manteve afastado e recluso durante esse tempo, mas nem um dia
sequer esqueceu Emily. Agora ele estava de volta a Nova Iorque e disposto a
ficar novamente com ela.
Três anos é bastante tempo, Emily não é mais a mesma que James conheceu,
será que depois de tanto tempo ele conseguiria reconquistá-la?
Nesta continuação você encontrará, um casal em busca de uma segunda
chance, que enfrentarão não só inimigos reais, como também a escuridão de
suas próprias almas.
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DUOLOGIA: O Caso da Minha Vida


Sinopse: A Duologia O caso da minha vida contém os dois
livros:

Volume I: O amor pode vencer qualquer julgamento.

Emily é uma garota que desde pequena tem um objetivo: ser a melhor
advogada dos Estados Unidos. Ela nunca perdeu tempo pensando em
romances e relacionamentos. James não queria assumir o escritório da
família, se achava muito novo e vivia dizendo que este era o sonho do seu
irmão, não o dele. Seu objetivo era rodar o mundo com uma mochila nas
costas e mulheres ao seu lado. Cada um tinha um objetivo, mas depois de um
simples encontro tudo mudou. O amor não escolhe o momento ou a pessoa, e
agora Emily e James teriam que aprender a lidar com suas emoções, mas
seria fácil, afinal, o amor sempre vence. Será?

Volume II: O amor pode mesmo vencer qualquer julgamento?

Três anos após sua maior perda, Emily finalmente se formou na faculdade e
está prestes a abrir seu próprio escritório de advocacia junto com sua amiga
Mari.
James se manteve afastado e recluso durante esse tempo, mas nem um dia
sequer esqueceu Emily. Agora ele estava de volta a Nova Iorque e disposto a
ficar novamente com ela.
Três anos é bastante tempo, Emily não é mais a mesma que James conheceu,
será que depois de tanto tempo ele conseguiria reconquistá-la?
Nesta continuação você encontrará, um casal em busca de uma segunda
chance, que enfrentarão não só inimigos reais, como também a escuridão de
suas próprias almas.
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