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Conceitualização Cognitiva

Profa. Dra. Angela Donato Oliva


Aula 08
Conceitualização de
Caso Descritiva
TÓPICOS

01. Organizando informações e estabelecendo hipóteses.


02. Avaliação para nível explicativo de conceitualização
01 – Organizando informações
da sessão e estabelecendo hipóteses.
Sessão 1
TERAPEUTA: Marco, o que traz você aqui?
MARCO: Nem sei por onde começar; a minha vida é uma confusão só.

TERAPEUTA: Lamento ouvir isso, parece que as coisas estão difíceis para você.
Em que aspectos a sua vida parece ser “uma confusão só”?

MARCO: Bem, eu me preocupo com a minha saúde, com o meu trabalho, tenho
medo de desapontar minha família, faço coisas esquisitas, fico verificando se
desliguei a luz (e aparelhos) antes de sair, se fechei o gás. Acho que estou ficando
maluco...

TERAPEUTA: Parece que várias coisas estão lhe perturbando. Além dessas, há
outras esferas de sua vida em que parece que as coisas estão “uma confusão só”?

MARCO: No meu trabalho tem horas que fico com raiva de algumas pessoas, e na
maior parte do tempo fico me sentindo deprimido, cansado e não me sinto capaz de
lidar com as situações. (demonstra estar desanimado).
Primeiro nível de conceitualização:
Descreve as dificuldades presentes

Conceitualização descritiva faz um esboço/mapeamento do terreno e das


características das dificuldades presentes antes de explicar como os problemas
são mantidos ou desenvolvidos.

A descrição clara das preocupações do cliente é um pré-requisito para a


formulação de um plano de tratamento.

Para construir a conceitualização o terapeuta precisa entender as experiências


pessoais de Marco e integrar essas informações à teoria e à pesquisa em TCC.

A conceitualização descritiva inicial ajuda Marco e o terapeuta a determinar os


objetivos do tratamento.
Como “preencher” o cadinho:

1) Listar as dificuldades atuais do cliente - a lista de dificuldades requer colaboração,


concordância, ajuda a manter o foco nas dificuldades centrais que levaram a
pessoa a pedir ajuda (e não a ficar respondendo apenas às dificuldades da
semana). Indica como a pessoa está lidando com as dificuldades centrais.
Estimula a busca de ligações entre as dificuldades: cliente preocupada com o
casamento que vai mal, medo de perder o emprego, e dá pouca atenção aos filhos. Haveria
algo a ligar esses pontos, como por exemplo, uso excessivo de internet ou foco excessivo em
si própria?

2) Classificar - Como as dificuldades impactam na vida do cliente. Ajuda a tomar a


perspectiva do cliente, demonstra o interesse do terapeuta pela experiência do
cliente, o que fortalece a aliança terapêutica.

3) Priorizar - Reduz o peso diante da lista das dificuldades. Ao priorizar, pode-se lidar
com uma dificuldade de cada vez, de modo eficiente. Ajuda a construir a estrutura
das sessões.
TERAPEUTA: Marco, existem muitas áreas importantes que precisamos abordar para
ajudar você a não sentir sua vida como uma confusão. Para que a terapia seja efetiva,
vamos fazer uma lista daquilo que queremos atingir durante o tempo em que
estivermos trabalhando juntos. Está bem assim para você?

MARCO: Acho que sim, só não sei por onde começar. Tem tantas coisas...

TERAPEUTA: Talvez possamos começar com as questões que lhe afetaram mais nos
últimos dias e semanas. Que tal? (Marco acena com a cabeça, concordando.) O que
está lhe incomodando mais agora?

MARCO: Bem, eu acho que a dificuldade principal é eu me sentir tão deprimido.

TERAPEUTA: Você poderia escrever isso nesta folha para mim? (Marco escreve: “Me
sinto muito deprimido”.) Iremos descobrir mais sobre esta questão para você, mas,
antes de fazermos isso, que outras dificuldades você gostaria de colocar nesta lista?
A terapeuta pede que Marco escreva as dificuldades, com suas próprias palavras. Isso
o ajuda a se envolver na terapia. Ela dá foco ao aqui e agora. A preocupações atuais
são mais acessíveis. Aos poucos pode avançar para as origens dos problemas. Essa é
a porta de entrada para o mundo pelos olhos do cliente. A lista de dificuldades é um
primeiro ingrediente a ser colocado no cadinho, e já com prioridades.
As dificuldades devem ser entendidas em termos do impacto/sofrimento e
perturbação que causam na vida cotidiana do cliente.

Deve-se explorar o significado que essas dificuldades causam para o cliente


para estabelecer a ordem em que serão tratadas, prioritariamente, na terapia.

Perguntas que podem ser feitas:

“De que forma [questão relevante] lhe afeta?”


“De que forma isso [questão relevante] afeta os que estão à sua volta?”
“O que as pessoas chave na sua vida [parceiro, filhos, colegas, amigos] diriam sobre como isso
[questão relevante] afeta você e a sua vida?”
“Quando isso não era [questão relevante], em que a sua vida era diferente?”
“O que você pensava, sentia e fazia de forma diferente quando [questão relevante] não fazia
parte da sua vida?”
“Tem alguma outra forma pela qual isso [questão relevante] se manifesta na sua vida?
Foco do terapeuta:

1) Saber como o cliente valoriza as dificuldades;


2) 2) Identificar e manter (ativada) a lista dos pontos fortes.

- A terapeuta pede que Marco escreva a lista das dificuldades...


Lista produzida por Marco:

sente-se muito deprimido, preocupações com a saúde, preocupação


excessiva com o trabalho, raiva dos colegas de trabalho e verificação
frequente das luzes, do gás.
Terapeuta pode tentar identificar tarefas que Marcos esteja evitando
para “diminuir” o sofrimento:

O terapeuta precisa perguntar o que a pessoa está fazendo e o que não


está fazendo mas deveria estar.
Em busca de evitações “ocultas”...

TERAPEUTA: Marco, você está deixando de fazer alguma tarefa que acha que deveria estar
fazendo?
MARCO: Eu estou evitando as reuniões no trabalho.
TERAPEUTA: E isso traz consequências?
MARCO: Isto está se tornando um problema.
TERAPEUTA: De que forma?
MARCO: As pessoas estão comentando que eu não estou lá. Eu deveria apresentar o meu
trabalho nessas reuniões e como não tenho feito o trabalho, então não vou.
TERAPEUTA: O que aconteceria se você fosse?
MARCO: Iriam me perguntar sobre meu trabalho, e eu iria desmoronar. Então não posso ir a
essas reuniões, seria insuportável. (...) Eu me sentiria um fracasso total, um inútil.
TERAPEUTA: Há quanto tempo as coisas estão assim?
MARCO: Há mais ou menos uns três meses.
TERAPEUTA: Marco, você consegue se lembrar da última vez em que participou de uma reunião
e apresentou algum trabalho seu e tudo pareceu correr bem?
MARCO: Sim, seis semanas atrás eu apresentei um trabalho referente ao
orçamento do ano que vem.
TERAPEUTA: Como você se sentiu durante e depois da reunião?
MARCO: Bem, antes eu estava realmente preocupado, pensando muito sobre
isso...
TERAPEUTA: Entendo, mas durante a apresentação, como foi?
MARCO: Eu foquei na apresentação, e tudo andou bem. Acho que as pessoas
gostaram de receber as informações.

Terapeuta convida Marco a acrescentar “não participo de reuniões” à lista


das dificuldades atuais.
Terapeuta deve tentar identificar pontos fortes de Marco que possam ajudá-lo a
desenvolver esperança:

O terapeuta pode perguntar diretamente a partir do que identificou tangencialmente.


Em busca dos “pontos fortes”:
TERAPEUTA: Já identificamos dificuldades na sua vida para as quais você quer ajuda.
Eu também gostaria de saber o que está indo bem na sua vida. Está bem assim?
MARCO: Sei lá..., parece que nada está indo bem.
TERAPEUTA: Pode parecer assim. Mas se descobrirmos o que está indo bem para você,
poderei ajudá-lo a desenvolver mais essas coisas boas e menos as ruins. Às vezes
temos pontos fortes em uma área da vida e eles podem nos ajudar a encontrar uma
forma melhor de lidar com as áreas que são mais difíceis de manejar.
MARCO: OK.
TERAPEUTA: Então, que coisas você consideraria como os seus pontos fortes?
MARCO: Eu não sei.
TERAPEUTA: É difícil achar pontos fortes em nós... O que sua mulher diria que são as
suas qualidades?
MARCO: Ela diria que eu sou um bom pai e bom marido, muito embora eu não veja
dessa forma.
TERAPEUTA: Por que a sua esposa acha que você é um bom pai e marido?
MARCO: Eu realmente amo meus filhos, eu amo estar junto deles. Quando estou bem gosto de
brincar e jogar com eles e também os faço rir. Tento ajudar minha esposa nas tarefas de casa e
procuro sair com ela às sextas para que possamos ter um tempo sem as crianças.
TERAPEUTA: Você está sorrindo enquanto diz isso. É bom ver isso.
MARCO: Estou deprimido, afastado e não sei eles se sabem o que significam para mim.
TERAPEUTA: Parece importante lhe ajudar nisso. Que outras qualidades você tem?
MARCO: Sou organizado e meticuloso. O meu trabalho é de alto nível ... bem, era! Eu me preocupo
com as pessoas, com meus amigos, com minha mãe e meu irmão. Sou bom em música, mas não
toco há séculos.
(Parece se animar mais)

2)Terapeuta pede para Marco escrever esses pontos fortes na folha, em uma coluna
chamada “Pontos fortes” e ele listou os seguintes: “Organizado; preocupado com
família e amigos; bom músico, adoro música; gosto de ser pai e marido.”
Estados emocionais positivos estão relacionados à resiliência e têm o potencial de
ampliar o pensamento do cliente (Fredrickson, 2015). Essa expansão não seria
possível se a sessão ficasse restrita aos estados emocionais negativos.

Usar os pontos fortes tem efeito de produzir alívio emocional. Permite que o paciente
desenvolva uma visão positiva de si próprio, percebendo-se como alguém que
consegue lidar bem com as dificuldades. Estimula o cliente a buscar encontrar
perspectivas diferentes para entender e lidar com as situações problemáticas. A
inclusão dos pontos fortes ajuda a construir uma relação terapêutica, engaja o cliente
e multiplica possíveis caminhos para mudança.

(Kuyken et al., 2010).


Por pior que seja o presente, há momentos em que a vida é percebida com algum
prazer, ou seja, não é vivida apenas como sendo o problema.

Essas exceções podem ser usadas pelo terapeuta como estratégia para aumentar a
resiliência:

TERAPEUTA: Você lembra de algum momento recente, por mais breve que tenha sido, em que
não se sentiu ....[deprimido]?

Quando o cliente encontra um momento desses (pode ser abrindo a janela do quarto e
vendo o céu, ou o cheiro do café, ouvindo uma música, bebendo um copo de água,
etc.) o terapeuta usa essa informação:

TERAPEUTA: E o que você achou de si mesmo, sentindo essa sensação/tendo esse


pensamento/fazendo isso?
É útil na terapia: mostrar que o paciente pode lidar de forma construtiva com muitas
situações, embora ele possa estar mais focado em suas dificuldades.

Marco sente-se deprimido, tem preocupações excessivas com a saúde e com o


trabalho, e verifica as luzes e o gás.

Foco do terapeuta: Tomar uma decisão – Terapeuta pode:

Testar o pensamento negativo, mostrando que o relato de bons momentos não


corresponde à sensação de “estar completamente imerso por problemas”; ou b) o
terapeuta pode optar pela tarefa de classificar o impacto de cada um desses pontos
na vida de marco.
Opção b) Classificação e impacto das dificuldades atuais

q Terapeuta e cliente decidem classificar o impacto de cada um desses pontos.


q Precisam em seguida definir a ordem em que as dificuldades devem ser abordadas
(o que priorizar).
q Os critérios são variados, é preciso que cliente e terapeuta negociem de alguma
forma.
• Pode ser abordado primeiro o que causa maior sofrimento, pela facilidade de
ser mudado, pela urgência. Uma dificuldade pode trazer muito sofrimento,
porque existe há muito tempo e não se modifica com facilidade.
• Essa dificuldade pode ser abordada depois de outra que produza menos
sofrimento, mas que seja percebida como de mais fácil mudança.
Perguntas que podem ser feitas:

§ O que está lhe incomodando mais?


§ Quais desses aspectos você acha que é o melhor ponto por onde começar?
§ Quando você olha para a sua classificação dos impactos, quais dificuldades você
acha que são mais importantes de trabalhar primeiro?
02 – Avaliação para nível
explicativo de conceitualização
Quando as dificuldades persistem, é necessário mudar a conceitualização para um
nível explicativo – isto é, um entendimento baseado na teoria sobre como são
mantidos os sintomas, e a conceitualização pode evoluir para uma explicação
histórica sobre os fatores predisponentes que desenvolveram as dificuldades e
indicar fatores protetores.

Em um nível mais explicativo da conceitualização.

A terapeuta formula a hipótese que as dificuldades de Marco seriam devidas às


exigências de alto padrão e alta expectativa. Marco tem alta preocupação com os
erros – Marco teme consequências terríveis - e isso se mantém por ruminação e
por esquiva. Essa dinâmica explicaria a ansiedade observada no trabalho, as
preocupações com a saúde, comportamento de verificação, humor deprimido.
Teste da hipótese:

Buscar os fatores desencadeantes e os de manutenção, isto é, os


aspectos que justificariam a vulnerabilidade de marco às
dificuldades atuais.
A conceitualização explicativa transversal com foco no presente é
chamada de transversal e é construída a partir das informações
descritivas.

A meta dessa conceitualização é identificar os mecanismos cognitivos


e comportamentais que desencadeiam e mantêm o quadro nas
situações e dificuldades presentes.

No nível explicativo, a TCC busca articular os fatores externos (situação,


contexto interpessoal, reforçamento externo) e os fatores internos
(cognição, emoção, sensação física e reforçamento interno) de modo a
conectá-los com a teoria.
A conceitualização explicativa, em tese, teria a capacidade de prever
resultados da intervenção.

Os resultados podem ser usados para avaliar a “adequação” das


conceitualizações.

Idealmente, as intervenções propostas a partir de uma conceitualização


explicativa deveriam diminuir o sofrimento.
Em Síntese...
Conceitualização explicativa transversal em 4 passos:

1) Cliente descreve exemplos recentes da dificuldade atual, terapeuta ajuda


organizando os que são de maior prioridade – (ex. o humor deprimido).

2) Terapeuta verifica se as experiências relatadas se encaixam nos modelos


baseados em evidência que ele domina, e busca identificar fatores
desencadeantes e de manutenção (do humor deprimido) estabelecendo uma
relação entre eles.

3) Terapeuta escolhe e implementa as intervenções terapêuticas.

4) São observados os efeitos da intervenção e com isso a conceitualização é


avaliada em termos de sua “adequação”.
Referências bibliográficas
BECK, J. S. (2007). Terapia cognitiva para desafios clínicos: O que fazer quando o básico não funciona (S. M.
de Carvalho, Trad.). Porto Alegre: Artmed (Obra original publicada em 2005).

BIELING, P. J. & KUYKEN, W. (2003). Is Cognitive Case Formulation Science or Science Fiction?. Clinical
Psychology: Science and Practise, 10 (1), 53-69.

EASDEN, M. & KAZANTZIS, N. (2017). Case conceptualization research in cogntive behavior therapy: A state of the
science review. J. Clin. Psychol. (1-29) https://doi.org/10.1002/jclp.22516

FREDRICKSON, B. L. (2015). Amor 2.0: a ciência a favor dos relacionamentos. São Paulo: Companhia Editora
Nacional.

KUYKEN, W., PADESKY, C. A., & DUDLEY, R. (2010). Conceitualização de Casos Colaborativa: o trabalho em equipe
com pacientes em terapia cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.

KUYKEN, W., FOTHERGILL, C. D., MUSA, M., & CHADWICK, P. (2005). The relaability and quality of cognitive case
formulation. Behavior Research and Therapy, 43, 1187-1201.

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