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1. Identificar o problema
O problema jurídico em causa prende-se com os fins das penas e com a
medida da pena cominada ao agente, no contexto da legitimação,
fundamentação e função da intervenção penal estatal.
2. Explicar as várias posições sobre os fins das penas:
CONSELHEIRO SOUSA E BRITO E PROF. FARIA COSTA:
o A pena surge como fundamento, retribuição e reparação da culpa
ética do agente. A culpa assume uma relação funcional com as
finalidades de prevenção (geral e especial), perspetiva que
sustenta retirar fundamento da letra do artigo 71.º, n.º 1 do CP. Por
outras palavras, a culpa há de ser retribuída na medida necessária
para proteger bens jurídicos, porque o princípio da necessidade
da pena (artigo 18.º, n.º 2 da CRP) permite escolher a pena
mínima que ainda é sustentada pela culpa.
FIGUEIREDO DIAS:
o A jurisprudência, informada pelo pensamento do Professor
Figueiredo Dias atribui à pena fins dominantemente preventivos,
radicando tal entendimento na letra do artigo 40.º, n.º 1 do CP.
o Primordialmente a finalidade visada pela pena há de ser a de
tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, e
esta há-de-ser a ideia chave na medida da pena.
o A finalidade primária da pena prende-se com o restabelecimento
da paz jurídica abalada pelo crime, que vai de encontro às ideias
de prevenção geral positiva e que dá por sua vez conteúdo ao
principio da necessidade da pena art.º 18/2.
o Afirmar que a prevenção geral positiva constitui uma finalidade
primordial da pena - leva à convicção de que existe uma medida
óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas
comunitárias que a pena se deve propor a alcançar.
o Medida esta que não deve, nem pode ser excedida à luz do
principio da necessidade.
o É verdade que esta medida ótima de prevenção geral positiva não
fornece ao juiz um quantum exato da pena.
o Mas a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável
pela medida da culpa (como refere o nº 2 do art.º40 CP).
o Assim o seu limite superior: ponto ótimo de tutela dos bens
jurídicos e o inferior: exigências mínimas de defesa do
ordenamento jurídico.
o A função da culpa é a de estabelecer o máximo de pena ainda
compatível com as exigências de preservação da dignidade da
pessoa humana e da livre garantia do desenvolvimento da
personalidade.
o E por esta via construir uma barreira intransponível ao
intervencionismo punitivo estatal e um veto aos apetites abusivos
do estado.
o Assim, a pena que responda adequadamente às exigências
preventivas e não exceda a medida da culpa e uma pena justa.
MARIA FERNANDA PALMA:
o Numa outra linha de orientação, centrada nos fins reais das
penas, que se distancia das duas posições supra descritas,
focadas nos fins ideias, a pena surge como modo de substituição
da necessidade de vingança psicológica gerada pelo crime,
necessidade racionalizada a partir do princípio da culpa (derivado
dos princípios da dignidade da pessoa humana - artigo 1.º da CRP
- e da liberdade - artigo 27.º da CRP), e da necessidade da pena
(artigo 18.º, n.º 2 da CRP), incompatível assim com uma visão
retributiva dos fins das penas, porque inconstitucional.
o Nestes termos, de acordo com um modelo da culpa limitada pela
prevenção, a culpa, enquanto manifestação do direito penal do
facto, como critério de responsabilidade subjetiva e
materialização do poder de motivação pela norma em termos de
liberdade e igualdade, fundamenta a pena e oferece a moldura a
considerar no caso, intervindo depois finalidades de prevenção,
geral e especial, que limitam, mas nunca agravam, a medida
concreta da pena (cf. artigos 71.º e ss. do CP).
Reserva de Lei
Interpretação da Lei
1. Identificar o problema:
O problema jurídico em causa levanta um problema no que diz respeito à
matéria do princípio da legalidade (que procura assegurar que o Estado
apenas exerce poder punitivo dentro dos moldes legalmente definidos),
nomeadamente no seu corolário da lei estrita, patente no art . 1º/3 CP e
29º/1 e 3 CRP, e que define que só é crime o que se encontra estritamente
descrito na lei como tal.
2. Distinguir as doutrinas:
MARIA FERNANDA PALMA: tese baseada em raciocínios analógicos, a
interpretação permitida no Direito Penal só garante a segurança jurídica e a
conformidade com o art. 1º/3 CP, se se estribar no sentido possível das
palavras (compreendido no quadro do seu sentido comunicativo comum
num contexto significativo do texto da norma), alicerçando-se, ainda, na
articulação desse sentido com a essência do proibido subjacente à norma
criminal.
CASTANHEIRA NEVES: vê nas palavras apenas uma exteriorização possível
da norma. Para esta construção , a ideia do proibido pode, por isso, ser
encontrada noutras proveniências não textuais, como o sejam as intenções
e valores exigidos pelo legislador com correspondência sistemática,
dogmática e jurisprudencial.
Imunidades
Concurso
1. Ver art. 77º CP: sistema de pena conjunta fundada numa combinação dos
princípios da cumulação material e do cúmulo jurídico: considera-se
conjuntamente os factos e a personalidade do agente; Art.º 79.º, CP - no que toca
ao crime continuado, opta-se pela moldura penal que corresponda à conduta mais
grave que integre a continuação.
2. Mas quando - sob que pressupostos e circunstâncias - é que se está perante uma
pluralidade de crimes?
“o número de crimes determina-se pelo (1) número de tipos de crime
efetivamente cometidos, ou pelo (2) número de vezes que o mesmo tipo de
crime for preenchido pela conduta do agente” - art. 30.º/1 CP
Daqui se extrai uma distinção importante:
o Concurso heterogéneo - prática de vários tipos de crime;
o Concurso homogéneo - prática de um tipo de crime várias vezes.
EDUARDO CORREIA: Para decidir da unidade ou pluralidade de crimes
dever-se-á olhar antes para o “número de valorações que, no mundo
jurídico-criminal, correspondem a uma certa atividade”: “se a atividade do
agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam
diversos valores jurídico-criminais e estamos, por conseguinte, perante
uma pluralidade de infrações; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado,
a atividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos,
portanto, perante uma única infração”
FIGUEIREDO DIAS: O critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais
de ilicitude do comportamento global – “é a unidade ou pluralidade de
sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente,
submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou
pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes.”
o Deste modo, acaba por subescrever à posição de EDUARDO
CORREIA: sempre que o agente, com o seu comportamento
global, tivesse preenchido vários tipos penais existiria sempre um
concurso a exigir um tratamento unitário e cujo reconhecimento
não implicaria qualquer valoração.
3. Terá de se identificar dois grupos de casos aos quais se atribuirão soluções
distintas:
Concurso efetivo, próprio ou puro (art.º 30.º/1, CP): o caso "normal" em que
os crimes em concurso são reconduzíveis a uma pluralidade de sentidos
sociais autónomos dos ilícitos-típicos cometidos e, neste sentido, a uma
pluralidade de factos puníveis - só este poderá encontrar acolhimento na
norma do art.º 77.º, CP;
Concurso aparente, impróprio ou impuro: casos em que, apesar de existir
um efetivo concurso de tipos legais preenchidos pelo comportamento
global, se deverá afirmar que aquele comportamento é dominado por um
único sentido autónomo de ilicitude (e que a ele corresponde, por isso, uma
predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos-
típicos praticados) - para este deverá procurar encontrar-se uma moldura
penal que seja a cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do
ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida
(concreta) da pena.
4. Relação de especialidade:
Uma relação de especialidade entre normas existe sempre que um dos
tipos legais (lex specialis) integra todos os elementos de um outro tipo legal
(lex generalis) e só dele se distingue porque contém um qualquer elemento
adicional (seja relativo à ilicitude ou à culpa) - ou seja, uma das leis,
repetindo ou incorporando todos os elementos constitutivos de um outro
tipo, caracteriza o facto através de elementos suplementares e
especializadores, pelo que a primeira lei se subordina à segunda. Há que
sublinhar que uma relação de especialidade só poderá encontrar-se
quando o tipo legal prevalecente tenha alcançado a consumação.
5. Relação de subsidiariedade:
Uma relação de subsidiariedade existe quando um tipo legal de crime deva
ser aplicado somente de forma auxiliar ou subsidiária, se não existir um
outro tipo legal aplicável que comine pena mais grave - aqui encontramos a
relação lógica de interferência (ou de sobreposição): lex primaria derogat
legi subsidiariae;
FIGUEIREDO DIAS: faz uma divisão:
o Subsidiariedade expressa: Existirá quando o teor literal de um dos
tipos legais restringe expressamente a sua aplicação à
inexistência de um outro tipo legal que comine pena mais grave,
podendo nomear esse outro tipo - subsidiariedade especial - ou
determinar de forma geral a subordinação - subsidiariedade geral;
o Subsidiariedade implícita: Existirá sempre que, apesar do silêncio
da lei, o legislador entendeu criar (para fins de alargamento ou
reforço da tutela) tipos legais abrangentes de factos que são (1)
estádios evolutivos, antecipados ou intermédios de um crime
consumado ou como (2) formas menos intensivas de agressão ao
mesmo bem jurídico;
6. Relação de consumpção
Existe consumpção em sentido estrito quando o conteúdo de um ilícito-
típico inclui em regra o de outro facto, de tal modo que, em perspetiva
jurídico-normativa, a condenação pelo ilícito-típico mais grave exprime já
de forma bastante o desvalor de todo o comportamento: lex consumens
derogat legi consutae; a diferença face às categorias anteriores reside na
consideração do facto na sua conexão típica e se assume que o legislador
teria já levado implicitamente em conta esta circunstância ao editar as
molduras penais respetivas;
7. Teremos concurso de crimes sempre que, no mesmo processo penal, o
comportamento global imputado ao agente preenche mais que um tipo legal de
crime, previsto em mais que uma norma concretamente aplicável ou preenchendo
várias vezes o mesmo tipo legal de crime previsto pela mesma norma
concretamente aplicável (nos termos do art.º 30.º/1, CP).
Na expressão tipos de crime deveremos inserir os ilícitos-típicos cometidos
no mundo da vida e não os arquétipos contidos nas descrições legais.
8. Concurso de crimes efetivo: Em termos de consequência jurídica regem os arts.º
77.º e 78.º, CP, que conduzem à determinação de uma pena única sob a forma de
pena conjunta:
O juiz começará pela determinação da pena concreta cabida a cada um dos
ilícitos-típicos efetivamente cometidos (como se cada um deles fosse o
objeto de um processo autónomo);
Depois definirá a moldura penal conjunta, que terá como limite máximo a
soma das penas parcelares determinadas (sem nunca exceder os 25 anos
de prisão ou 900 dias de multa) e como limite mínimo a pena concreta mais
grave determinada (art.º 77.º/2, CP);
Por fim, através de uma consideração conjunta dos factos (plurais) e da
personalidade (singular) do agente, o juiz determinará a medida concreta
da pena a aplicar (art.º 77.º/1, CP).
9. Concurso de crimes aparente: Faltam inteiramente no ordenamento jurídico-penal
português vigente normas expressas onde se contenha o regime de punição para
estas hipóteses - FIGUEIREDO DIAS sugere, por isso, uma solução: tomar como
moldura penal do concurso aquela que corresponde ao sentido (socialmente ou,
em casos excecionais, sancionatoriamente) dominante de desvalor do ilícito,
determinante de uma tendencial ou aproximativa unidade global do facto i.e. a que
corresponde ao singular ilícito típico ao qual seja aplicável a moldura penal mais
grave:
Dentro desta moldura do concurso (aparente) o juiz determinará a medida
concreta da pena segundo os critérios gerais - mas, ao contrário do que dita
o art.º 77.º/1, CP, o juiz não deve considerar em conjunto os factos
cometidos mas antes deve determinar a pena concreta em função da culpa
do agente e das exigências de prevenção (art.º 71.º/2, CP): o juiz tem de
tomar obrigatoriamente os crimes que concorrem com aquele que serviu
para eleger a moldura penal do concurso como fatores agravantes da
medida da pena (isto na parte e que eles já não participem da tipicidade do
ilícito dominante, sob pena de violar o princípio non bis in idem na vertente
do mandado de esgotante apreciação da matéria ilícita); Se em algum caso
a moldura penal correspondente ao sentido de ilícito dominado (não
obstante prever um limite máximo igual ou interior ao da moldura penal do
ilícito dominante) preveja um limite mínimo mais alto do aquela, deverá
agora dar-se um efeito de bloqueio: a moldura penal do concurso
continuará a ser, apesar do mínimo mais alto da moldura penal
correspondente ao ilícito dominado, a que cabe ao sentido de ilícito mais
gravemente punível - isto tudo garantindo que o efeito mínimo de agravação
não permita a fixação de uma pena concreta inferior ao limite máximo da
moldura penal correspondente ao ilícito dominado;
Por fim, o juiz deve aplicar as penas e as medidas de segurança previstas
por uma qualquer das normas aplicáveis (mesmo por aquela ou aquelas
que não relevem para a construção da moldura penal do concurso) - nesta
medida, o disposto no art.º 77.º/4, CP valerá também para o concurso
aparente;
10. Crime continuado: O crime continuado é constituído, de um ponto de vista real, por
hipóteses que conformam um concurso de crimes efetivo que, todavia, a lei
transforma numa unidade jurídico-normativa - a razão de ser da figura reside
principalmente na intenção político-criminal de subtrair esta figura à dureza da
punição do efetivo concurso de crimes: daí a regulação do art.º 77.º/9, CP;
No preceito normativo encontramos que "o crime continuado é punível com
a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação" - o
sentido desta estatuição passa por ser a transmissão de um comando ao
juiz no sentido de determinar qual a moldura penal aplicável a cada um dos
crimes que integram a continuação das quais a mais elevada será a
moldura penal do crime continuado; aqui, os factos singulares não relevam
como fatores de agravação da medida concreta da pena (diferente, por isso,
do que se viu ser a punição do concurso aparente) - antes será levado em
conta o conteúdo do ilícito e de culpa (bem como as exigências de
prevenção) do comportamento global tomado como unidade.
FIGUEIREDO DIAS conclui, pois, no seguinte sentido: a opção pela previsão
da figura do crime continuado (como alternativa, para certas situações, ao
concurso efetivo) é uma decisão legislativa com a qual o intérprete se terá
de conformar.