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1ª Fase | 38° Exame da OAB

Filosofia do Direito

1ª FASE 38° EXAME

Filosofia do Direito
Prof. Douglas Azevedo

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1ª Fase | 38° Exame da OAB
Filosofia do Direito

Olá! Boas-Vindas!
Cada material foi preparado com muito carinho para que você
possa absorver da melhor forma possível, conteúdos de qua-
lidade.

Lembre-se: o seu sonho também é o nosso.

Bons estudos! Estamos com você até a sua aprovação!

Com carinho,

Equipe Ceisc ♥

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1ª FASE OAB | 38° EXAME

Filosofia do Direito
Prof. Douglas Azevedo

Sumário

1. Grécia Antiga ........................................................................................................................... 4


2. Idade Média ............................................................................................................................. 7
3. Contratualismo ......................................................................................................................... 9
4. Teorias Éticas ........................................................................................................................ 10
5. Positivismo e Jusnaturalismo ................................................................................................. 13
6. Outros Autores e Teorias Fundamentais ............................................................................... 19

Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para
a 1ª Fase OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso, reco-
menda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente.

Bons estudos, Equipe Ceisc.


Atualizado em fevereiro de 2023.

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Filosofia do Direito

1. Grécia Antiga

Prof. Douglas Azevedo


@prof.douglasazevedo

1.1. Os Socráticos
Este conjunto de autores leva este nome em razão do alinhamento de sua filosofia com a
de Sócrates, responsável por uma completa mudança nos temas debatidos até então, ou, como
se diz, Sócrates tirou a filosofia dos céus e a trouxe para dentro da casa das pessoas. Antes de
Sócrates, a principal questão debatida pelos filósofos era cosmológica e metafísica – como sur-
giu o mundo, as leis da natureza etc., e, em seguida, passou a se debater a humanidade e suas
relações sociais, trazendo temas como justiça, política e ética para o debate. Elemento essencial
para se compreender este período reside na relação sujeito-pólis (cidade), isto é, o indivíduo do
período era parte de uma coletividade, e é neste meio em que vai residir a tônica da filosofia do
direito deste período.

1.2. Platão
Platão, em sua obra A República, trabalha a ideia de justiça, direito e política na pólis
(cidade) grega; contudo, a concepção do justo do filósofo é muito diferente das atuais, o que
pode gerar um estranhamento. Em primeiro lugar, há uma grande aproximação da noção de
justiça com a de direito (ao passo que, hoje em dia, separamos as leis por vigentes ou não
vigentes), assim, estamos ampliando o conceito, associando-o às noções de política e virtude.
Aqui, no entanto, Platão critica a democracia, a mesma que condenou seu mestre, Sócra-
tes, à morte. Os fundamentos são justamente no sentido de que não são os mais sábios que
elaboram as leis e tomam as decisões políticas, mas, sim, a maioria – ocorrendo aqui um afas-
tamento do justo. Ora, quem deveria, então, governar? Platão responderá: que os filósofos sejam
os reis, ou que os reis sejam filósofos.
Retornando à questão da justiça, Platão entende que esta deve ser algo interno. Assim,
traça uma interessante analogia: o indivíduo é justo quando as partes que compõem sua alma
(razão, espírito e apetite) estão em harmonia, obedecendo à razão. Somente assim o sujeito age
com justiça. Do mesmo modo, uma cidade só é justa quando a distribuição de tarefas ocorre de
forma harmoniosa: os filósofos governando, os mais fortes atuando como guardiões e os demais

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atuando como produtores. O pleno funcionamento ordenado, no qual cada um exerce sua função
conforme sua aptidão, resulta na cidade justa.
Há, portanto, um deslocamento interessante: a justiça não está só nos indivíduos, mas
deve ser entendida dentro da lógica da pólis, adquirindo uma aresta social. Se há injustiça na
sociedade, os indivíduos não estão dela alheios. Hoje, associamos a justiça ao sujeito – “tal
pessoa é justa” ou “tal pessoa praticou um ato justo”. Em nosso âmago pessoal, todos somos
justos, e a sociedade que é injusta. Tal ideia é totalmente contrária aos escritos de Platão.

1.3. Aristóteles
Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles complementa sua teoria política (na qual polí-
tica é a arte de bem governar a pólis) com sua teoria ética, a qual apresenta um caminho para o
pleno desenvolvimento e a boa vida em sociedade. Isto porque concebe o homem como animal
político, ou seja, afirma que a espécie humana só difere dos animais no momento em que se
encontra em relação com seus semelhantes. Inclusive vale aqui ressaltar que o surgimento da
cidade grega (a pólis) é um dos principais fatores que possibilitou o nascimento da filosofia oci-
dental, uma vez que o homem poderia acumular riquezas e viver de forma ociosa, tendo, assim,
tempo para pensar e refletir sobre as questões da vida.
Para Aristóteles, todas as ações humanas possuem uma finalidade (logo, teleológica), isto
é, a eudaimonia, traduzida como a felicidade ou o sumo bem. Para se chegar até essa felicidade,
é preciso seguir o caminho racional das virtudes, entendidas como o meio-termo ou a mediana
entre dois vícios (de excesso e de insuficiência. Ex.: coragem é equilíbrio, covardia é insuficiência
e temeridade é excesso). Fala o autor, ainda, do hábito virtuoso e do exercício da razão, ou seja,
as virtudes são aprendidas por meio do hábito, da repetição.
Ser moderado com minhas paixões é igual a ser virtuoso, e ser moderado nas minhas
ações com o outro é o mesmo que justiça. Entre as virtudes, a justiça é a mais elevada, pois se
estende ao próximo – é a própria excelência moral, estando presente em todas as outras virtudes
– é universal.
Justiça, por sua vez, é dividida pelo autor em duas categorias:
1) A justiça lato sensu seria o princípio geral que possibilita a convivência social. É a ideia
de seguir a lei. Aqui, temos de fazer uma ressalva importante: Aristóteles entendia a lei dentro
de uma construção ética no seio da pólis; logo, a lei seria justa. Uma lei ruim não pode sequer
ser considerada uma lei.

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2) Já a justiça stricto sensu refere-se apenas a determinadas ações previstas pela lei. Esta
se divide também em duas:
a) Justiça distributiva: dá-se no âmbito da distribuição de honrarias ou bens públicos
(benefícios). Por exemplo: quem exerce uma atividade mais complexa deve receber mais. As
pessoas consideradas iguais recebem quantidades iguais das coisas a serem repartidas. As
pessoas consideradas desiguais recebem porções desiguais das mesmas coisas. Assim, cons-
titui ato justo tratar igualmente as pessoas iguais e, também, justo tratar desigualmente pessoas
desiguais (ex.: é justo um filho receber mais mesada do que outro caso tenha feito tarefas).
Igualdades de razões – razões proporcionais ao mérito.
b) Justiça corretiva: as pessoas são tratadas conforme o princípio da igualdade, no sen-
tido absoluto da palavra. Na busca da correção da perda em relação ao ganho, a justiça corretiva
(ou comutativa) não se preocupa com a qualidade das pessoas em questão, mas, sim, com o
dano causado. Ideia de um para um. Ex.: se furtou alguém, devolver na igual medida. Lógica de
igualdade absoluta: 1 por 1. A ideia é reparar o prejuízo ou garantir a obrigação, podendo ser ela
voluntária (contrato) ou involuntária (um furto).
*Para todos verem: esquema.

Justiça
Lato Sensu
Justiça
Justiça
Distributiva
Justiça Stricto Sensu
Justiça
Corretiva

Alguns cuidados acerca dos conceitos de justo: quando abordamos as justiças em sentido
estrito de Aristóteles, temos de considerar que o justo só se aplica àqueles que estão em situa-
ções semelhantes. Como o próprio autor diz, pessoas livres e proporcional ou aritmeticamente
iguais: assim, não se fala em justiça quando, competindo por uma vaga, temos um adulto e uma
criança de 10 anos, por exemplo. A justiça na lógica proporcional ocorre no âmbito dos seme-
lhantes. Ou seja, entre os cidadãos da pólis – os homens, maiores de 21 anos e nascidos em
Atenas, excluindo mulheres, crianças e escravos. O justo acaba sendo uma medida da elite po-
lítica da época.

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Outro ponto relevante é entender a justiça como uma virtude tanto em potencial como na
prática. Sobre este último aspecto, vale lembrar a ideia do meio-termo: a análise de cada caso
revelará o meio-termo adequado para a ação justa.
Vale destacar ainda outros dois conceitos de justo para Aristóteles:
1) Justiça política: melhor forma de organizar uma cidade / fazê-la funcionar bem ® todos
serem felizes.
2) Equidade: perceber a necessidade de se buscar uma solução adequada ao caso con-
creto que não está na lei, que é limitada ao seu conteúdo – uma ideia de direito natural, ou seja,
compreender a natureza das coisas dentro de um caso concreto (as partes, circunstâncias etc.).
Em poucas palavras: regular e preencher lacunas; melhorar o justo na aplicação do caso con-
creto.

2. Idade Média

Período marcado pela forte presença de Deus e da Igreja em todas as esferas da vida
pública (ética, moral, explicações metafísicas etc.). Num primeiro momento, a filosofia seguia os
ditames da chamada patrística (os pais da igreja), sobretudo os ensinamentos de Santo Agosti-
nho. Só muitos séculos depois, com a escolástica, o pensamento filosófico medieval abre mais
espaço para uma base filosófica mais racional, inspirada em Aristóteles, tendo como principal
referência São Tomás de Aquino. No período, há de se destacar o jusnaturalismo teológico, quer
dizer, o homem até pode criar leis, mas estas estão sempre fundadas na figura de Deus.

2.1. Santo Agostinho


Santo Agostinho faz uma leitura cristã da filosofia de Platão, quer dizer, na existência de
um mundo ideal e um mundo sensível. Agostinho fala, assim, em uma Cidade de Deus, a qual é
perfeita; e uma Cidade dos Homens, sendo esta imperfeita e marcada pelo pecado (dicotomia
ser x dever ser). De igual sorte, a lei dos homens também é falha, devendo tentar se aproximar
da lei de Deus, que é perfeita. E é justamente nesta última que se encontra a justiça. Em outras
palavras, os homens e suas ações terrenas são incapazes de compreender e atingir a justiça; o
justo dá-se somente pela graça divina. Tal lei divina é imutável e se aplica a todos na Terra.
Temos, aqui, uma nova etapa do direito natural: se antes, para os gregos, ele se referia à
análise da natureza das coisas, flexibilizando o direito diante do caso concreto e do momento,

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com Agostinho fala-se em um direito natural teológico que não advém da “natureza”, mas, sim,
de Deus, sendo inflexível e imutável.
Todavia, mesmo sendo as leis humanas injustas por natureza, a elas todos devem se
submeter. Isto porque Agostinho entende que a autoridade existe por um desígnio divino. Mesmo
injustas, as leis terrenas devem ser aplicadas e seguidas, no intuito de se manter a ordem.

2.2. São Tomás de Aquino


Santo Tomás, por sua vez, faz uma leitura cristã da filosofia de Aristóteles: há uma justiça
universal estabelecida por Deus (em Aristóteles, era a justiça natural) e também utiliza do racio-
nalismo aristotélico, quer dizer, busca explicar a existência de Deus com base em deduções
lógicas. Há, assim, uma aproximação entre razão e fé – a razão melhora a fé, diferentemente de
Agostinho, para quem a razão possuía pouca importância. Há espaço, portanto, para uma raci-
onalidade da justiça – que, é claro, deriva de Deus.
Em sua Suma teológica, Aquino apresenta-nos um tratado sobre as leis – sempre voltadas
para a ideia de bem comum:
1) Lei eterna: lei de Deus, perfeita; a lei que tudo rege – o homem não a alcança.
2) Lei divina: intervenções de Deus na história para orientar os homens (ex.: os manda-
mentos) – o homem a alcança por meio da fé.
3) Lei natural: obra de Deus disposta na natureza, mas o ser humano é capaz de captá-
la; alcançada pela razão humana.
4) Lei humana: lei natural que, depois de compreendida pela razão humana, é positivada
(escrita).
No tocante à justiça, Tomás de Aquino utiliza as mesmas concepções de justiça aristoté-
licas (justiça distributiva e corretiva). Pode-se reduzir a ideia do “dar a cada um o que é seu”.
Esta questão, inclusive, já foi cobrada no exame da ordem.
Tem-se, assim, a justiça geral ou em sentido amplo, a qual é dotada de princípios absolutos
e estabelecida por Deus, e a justiça particular, que deriva da justiça geral e, tal qual em Aristóteles,
divide-se em justiça distributiva e comutativa.
A justiça distributiva também se dá na lógica meritória (igualdade proporcional), sendo
aquela na qual o Estado daria bens aos indivíduos em uma relação vertical. A justiça comutativa,
por sua vez, trataria das relações entre particulares sem uma relação de subordinação, logo, ho-
rizontal e equilibrada (igualdade absoluta).

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3. Contratualismo

Os autores a seguir analisados (Hobbes, Locke e Rousseau) buscam explicar o surgi-


mento da entidade estatal ou, mais precisamente, o motivo de os homens abrirem mão de parte
de sua liberdade, conferindo poderes a um grupo seleto de indivíduos – quer dizer, analisam o
surgimento dos Estados e as relações de poder. Para tanto, todos partem de um mesmo ponto:
um Estado de Natureza no qual o homem se encontrava antes do surgimento do Estado.

3.1. Thomas Hobbes


O ponto de partida para Hobbes é o Estado de natureza, quer dizer, um momento anterior
ao surgimento do Estado e da sociedade. Nesse momento, o autor entende que os homens,
imbuídos de um forte senso de autopreservação, viviam num estado de guerra de todos contra
todos, em que imperava a insegurança e o medo, razão pela qual afirmou ser o homem o lobo
do próprio homem.
Para romper esse estado de insegurança, os homens juntam-se e, por um ato de vontade,
celebram o contrato social (que, como contrato celebrado, deve ser cumprido), pelo qual trans-
ferem seus direitos e liberdades a outro homem, que passará a governar todos, criando meca-
nismos para proteger o direito à vida.
O Estado, portanto, deveria ser forte e com o poder centralizado. Logo, o autor defende a
ideia de um Estado absolutista, pois seria o mais apto a impedir o retorno ao Estado de natureza.
Nota-se, pois, que o direito passa a efetivamente surgir após a estrutura estatal estar consoli-
dada. Ao súdito deste poder absoluto caberia, assim, o dever de obedecer aos comandos do
soberano (ideia de liberdade dos súditos).

3.2. John Locke


O Estado de natureza também é o ponto de partida, mas, diferentemente do modelo
hobbesiano, para Locke o homem tende a ser bom e viver bem. Existem alguns direitos no Es-
tado de natureza (direitos naturais), a saber: a vida, a propriedade privada, a liberdade. Tem-se,
pois, a adoção de uma visão jusnaturalista, na qual já existiam direitos na natureza derivados da
razão humana, mesmo antes do surgimento do Estado.
O trabalho era o critério para a propriedade de terras. Eventualmente poderia haver dis-
putas, configurando um estado de guerra temporário. Seria, portanto, interessante haver uma

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instituição para julgar as disputas, prevenir abusos, punir os que descumprem as leis naturais
etc.
Surge, assim, o contrato social e, com o consentimento das partes, há a cessão de direitos
ao Estado com o intuito de se poder criar as próprias leis, um sistema coercitivo e instituir juízes
imparciais. A ideia, portanto, é a de melhorar algo que já era bom.
Assim, modelo de governo = democracia representativa; papel do Estado = garantia das
liberdades individuais.
Por fim, vale destacar o direito de defesa proposto por Locke. Para o autor, se o governo
representante não garante à população os direitos de liberdade e a propriedade privada, o povo
pode contra ele se insurgir.

3.3. Rousseau
No Estado natural de Rousseau, o homem é bom; ele era solitário (grupo familiar, no
máximo) e os indivíduos respeitavam a liberdade uns dos outros. O eventual crescimento popu-
lacional acaba por instituir o chamado Estado de sociedade, no qual alguns homens tomam para
si a propriedade, dando início a uma sociedade desigual e corrompida. As leis protegem os ricos
etc. Há, portanto, a corrupção do homem pela sociedade. Não há liberdade, pois só alguns fazem
as leis.
O contrato social seria celebrado para sair desse Estado de sociedade para um novo mo-
delo. Para isso, seria necessário romper a alienação inicial dos oprimidos e instaurar um modelo
de democracia participativa pautada na ideia de vontade geral – entendida como o substrato das
vontades coletivas; o interesse comum “norteando” a sociedade; o que cada homem quer em
comum com seus semelhantes.

4. Teorias Éticas

4.1. Immanuel Kant


Kant era iluminista, ou seja, buscava romper com a moralidade anterior que tolhia a liber-
dade dos indivíduos. Para tanto, Kant vai tentar elaborar uma teoria da moralidade fundada na
razão – caráter universal (vale para todo mundo).
Em sua obra, Kant aborda a questão da ética da moral, bem como aspectos jurídicos e
políticos, sobretudo sob a lógica de como orientar nossa ação. Nesse contexto é que o autor

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apresenta os imperativos. Estes (que são os princípios) podem ser tanto hipotéticos (inclinações
– sede, fome, desejo etc.) como categóricos (baseados na razão). Nestes últimos, a ação passa
a ser um fim em si mesma – é o certo a ser feito, é o puro dever.
Transcrevendo os imperativos categóricos de Kant, temos:
• “Age de modo que a tua ação possa se tornar uma lei universal.”
• “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio.”
• As coisas possuem preço, as pessoas possuem dignidade.

Ex.: Por que não mentir? Segundo o imperativo hipotético, alguém pode contar uma men-
tira buscando evitar sofrimento, ou para se livrar de uma situação negativa. Pela lógica do impe-
rativo categórico, o indivíduo não deve mentir, pois não é o correto; é inviável para uma ordem
social que as pessoas mintam quando acreditarem que o podem fazer. Logo, o caráter universal
– por meio da razão, o ser humano já consegue chegar a esta conclusão, não importa em qual
cultura ele esteja inserido. Outrossim, a ação só estará conforme a moralidade, para Kant, caso
eu não minta por não querer mentir; se eu não o faço em virtude de minha boa vontade, e não
apenas por medo de uma punição. Logo, a boa vontade é elemento fundamental na ação moral
– o indivíduo deve agir daquela forma pois ela é correta, independentemente dos fins.
Em outras palavras, o agente, ao agir, precisa querer o resultado bom, e não agir apenas
por interesse pessoal. A ação é boa independentemente dos fins que se alcançam com ela. Essa
boa vontade, portanto, não deve ser afetada pelas inclinações, mas, sim, pela vontade de agir
por dever.
Exemplo de boa vontade: o comerciante que pratica preços justos por receio de que,
caso cobre valores elevados, acabe perdendo clientes para os concorrentes. Embora o resultado
seja a prática dos preços justos e em conformidade com os demais vendedores, a intenção do
comerciante está moralmente maculada, pois não o faz pensando ser o certo, seu dever e obri-
gação, mas tão somente para evitar seu prejuízo. Caso esse comerciante exerça preços justos
motivado por uma noção de dever e obrigação moral, estará, portanto, imbuído de boa vontade.
Isso não quer dizer que o homem não deva se preocupar com sua felicidade (os imperativos
hipotéticos), a questão é que esta não pode ser considerada quando a questão permeia a esfera
do seu dever moral. É esse agir que nos tornaria, portanto, dignos da felicidade.

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A lei, por sua vez, é algo cumprido pelo medo da coação, logo, é externa ao indivíduo. A
boa vontade, por sua vez, é interna – a vontade de agir de forma ética está dentro do próprio
sujeito.
Por fim, temos que, para Kant, a justiça consiste em agir conforme o imperativo categó-
rico, pois ao assim fazê-lo, estamos adequando nossa conduta a uma máxima universal benéfica
para todos.

4.2. Utilitarismo
O utilitarismo foi uma corrente filosófica pragmática e consequencialista, isto é, estava
preocupada com o resultado das ações, e não com os meios. Em outras palavras, o que importa
são os fins obtidos, e não os meios utilizados para se chegar até eles.

4.3. Jeremy Bentham


Para Bentham, as ações são boas quando promovem a felicidade (ação moralmente cor-
reta) e más, quando geram infelicidade (moralmente incorreta). Para melhor representar a teoria
do autor, vale citar o seu princípio da utilidade: toda ação deve ser aprovada/rejeitada conforme
tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar (seu e geral).
Deve-se, portanto, agir de forma a produzir uma maior quantidade de bem-estar. Ex.: cinco
pessoas estão amarradas em um trilho de trem e uma pessoa em outro. Um indivíduo, puxando
uma alavanca, pode escolher matar um ou cinco. Pela lógica utilitarista, deveríamos sempre
escolher poupar cinco vidas, independentemente de quem fosse essa pessoa a ser sacrificada.
Bentham trabalha a ideia, portanto, de quantidade de bem-estar/felicidade como critério
para a justiça.

4.4. John Stuart Mill


Trabalha também com a qualidade do prazer, não só a quantidade. Em outras palavras,
entende que alguns prazeres têm mais valor do que outros, como os prazeres do pensamento,
do sentimento e da imaginação, que resultam da experiência de apreciar a beleza, a verdade, o
amor, a liberdade, o conhecimento, a criação artística. Assim, por exemplo, se uma grande man-
são e uma pequena biblioteca estivessem pegando fogo, deve-se salvar primeiro a biblioteca por
ser mais importante, mesmo que menor.

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Mill também é um crítico da chamada “ditadura das maiorias” – mostra que, num modelo
democrático, muitas vezes é possível que o interesse de grupos majoritários seja prejudicial a
grupos minoritários, os quais devem, portanto, ter seus direitos resguardados pelo Direito (ideia
de caráter contramajoritário do âmbito de proteção). Ou seja, mesmo dentro do cálculo utilitarista,
Mill entende que violar direitos de uma minoria é pior para o todo.

5. Positivismo e Jusnaturalismo

O positivismo jurídico apresenta-se de diversas formas ao longo da história e por meio de


diversas escolas. Para nossa prova, vale a pena destacar a escola da exegese, por ser a pioneira
e por já ter sido diretamente cobrada no exame. Positivismo exegético é a tentativa de prever
todas as condutas humanas nos códigos; a simples aplicação da subsunção, ou seja, o fato
amolda-se ao texto legal. O papel do juiz era o de “juiz boca de lei”, pois apenas identificava o
fato e aplicava a lei sem qualquer interpretação. Tal modelo, todavia, logo foi entendido como
insuficiente, pois impossível de se prever todas as condutas humanas em códigos.
Para além do positivismo exegético, vale pontuar a ideia central das diversas correntes do
positivismo: a ideia de direito como ciência, que recebe validade quando posto pela autoridade
competente. Assim, se a lei foi criada pela autoridade devidamente incumbida de tal tarefa, e sub-
metida ao devido processo legislativo de elaboração, tal lei é válida e eficaz, mesmo que grande
parte da população a considere injusta ou insuficiente.
Alguns autores, como Bobbio, ainda vão classificar o positivismo como uma espécie de
ideologia, pois, além de uma teoria, no sentido em que descreve o direito, o positivismo também
é uma forma de querer o direito – a noção do dever absoluto de se obedecer às leis.
Já no que toca ao jusnaturalismo, temos a ideia de leis naturais que independem de leis
positivas, ou seja, que existem regramentos na “natureza” e que o ser humano, sendo dotado de
razão, compreende e segue. Por exemplo, é preciso estar escrito em um código penal que matar
alguém é errado ou o ser humano é capaz de compreender, naturalmente, que tal prática é in-
correta?

5.1. Hans Kelsen


Kelsen abordou o direito como ciência: se existem leis que explicam a natureza e são
válidas em todo o mundo, o direito também deveria ter validade objetiva e uma base universal

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(notamos aqui uma certa influência kantiana). Este aspecto é fundamental na compreensão da
obra do autor: a separação do direito entre o que ele é na prática jurídica (ser) do que ele é como
ciência (dever ser).
Kelsen não se preocupa em trabalhar o conteúdo do direito, pois este é relativo (cada país
tem leis diferentes, logo, impossível de se conceber bases universalmente válidas). Logo, direito
não é aquilo que é justo, mas, sim, o que é posto por uma autoridade competente. O que Kelsen
verifica ser universal é a estrutura do direito; sua manifestação normativa (dever ser); a relação
de imputação que busca tornar válida/inválida uma conduta, entre outros aspectos.
A seguir, alguns pontos importantes de sua teoria que aparecem na prova.

5.1.1. Modelo escalonado e norma fundamental


O ordenamento jurídico, para Kelsen, obedece a uma ordem escalonada de validade.
Quer dizer, as normas inferiores (sentenças, por exemplo) obedecem às normas (leis) e delas
adquirem sua validade, recebendo, por sua vez, validade da norma superior (a Constituição).
Assim, o que dá “validade” a um sistema jurídico? Sua Constituição. O que dá validade e
objetividade a uma Constituição? A Constituição anterior. Mas como proceder diante desse re-
torno infinito? Por meio da norma fundamental.
A norma fundamental é fictícia; pressuposta (pelo intelecto, não pela vontade) – sem ela,
o retorno infinito só seria explicado por questões alheias ao direito. A Constituição, por sua vez,
dá objetividade e validade às normas gerais, que, por sua vez, darão objetividade e validade às
normas individuais. A norma fundamental poderia, por exemplo, ser entendida como o comando
de que “devemos seguir a Constituição Federal”, muito embora isto não esteja positivado em
nenhum lugar – logo, pressuposta.

5.1.2. Moldura e interpretação


Kelsen aponta existirem duas espécies de indeterminação da lei:
1) Intencional (lei das alternativas a serem escolhidas. Ex.: trabalho comunitário ou presta-
ção pecuniária);
2) Não intencional (plurissignificância das palavras). Para enfrentar os limites da inter-
pretação, Kelsen imagina a figura de uma moldura de quadro, que representa o limite dentro do
qual uma interpretação é válida, limite este estabelecido pelas próprias normas hierarquicamente
superiores.

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A norma superior é igual à moldura (esfera de ação da norma inferior). Há, assim, dois
momentos:
1) determinação objetiva da moldura colocada pela norma superior, por meio de um ato
cognoscitivo;
2) escolha subjetiva, por meio de um ato de vontade, de uma das possíveis opções apre-
sentadas pela norma superior para transformação em Direito positivo.
Em outras palavras, primeiro o intérprete verificará os limites de aplicação impostos pelas
próprias normas e, assim, decidirá, e qualquer coisa que decidir dentro desses limites configurará
uma decisão válida.
Todavia, caso o magistrado realize uma interpretação fora da moldura, esta também será
direito, pois se trata de intérprete autêntico. O próprio Kelsen deixa claro em sua obra que, pela
via da interpretação autêntica (quer dizer, pelo órgão jurídico que a tem de aplicar), também é
possível se produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a ser
aplicada representa.
Por meio dessa interpretação, poder-se-ia, então, criar direito não só no caso em que a
interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação autêntica no sentido usual
da palavra, mas também no caso em que é produzida uma norma jurídica individual por meio de
um órgão aplicador do Direito, desde que o ato deste órgão já não possa ser anulado, desde que
ele tenha transitado em julgado.
É notório que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado
Direito novo, especialmente pelos tribunais de última instância.

5.1.3. Kelsen versus Schmitt: quem deve ser o guardião da Constitui-


ção?
Temática que ainda não foi cobrada, mas que se mostra pertinente, sobretudo em virtude
de sua popularidade acadêmica, é o debate travado entre Hans Kelsen e Carl Schmitt a respeito
de quem deveria ser o guardião da Constituição.
Para Schmitt, a Constituição possui uma conotação política (sendo a soma dos poderes
reais), de modo que este caráter político se sobreporia ao caráter jurídico. Assim, seu guardião
deveria ser um órgão apto a manter esse seu caráter, portanto, o Presidente, eleito democrati-
camente.
Já Kelsen entendia que o guardião da Constituição deveria ser um órgão autônomo, com
a tarefa exclusiva de efetuar o controle de constitucionalidade concentrado, ou seja, um Tribunal

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Constitucional. Tal Tribunal não possuiria nenhum vínculo com qualquer outro poder e seria de-
rivado da própria Constituição, portanto, independente, e teria o poder de anular normas disso-
nantes do sistema constitucional.
Num primeiro momento, a visão de Carl Schmitt foi dominante, sendo, inclusive, adotada
pelo regime nazista alemão. Todavia, após a Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os
países passaram a adotar o modelo kelseniano de Tribunais Constitucionais, cada um, é claro,
com suas particularidades tanto no funcionamento como no próprio sistema jurídico, como o
brasileiro, que permite também o controle difuso de constitucionalidade realizado por juízes de
qualquer instância.

5.2. Norberto Bobbio


Norberto Bobbio, em sua obra Teoria do ordenamento jurídico, destaca que um ordena-
mento precisa, para sua devida manutenção, de três elementos:
• Unidade;
• Norma fundamental que funda e sustenta o sistema normativo;
• Coerência;
• Ordenamento sistemático – ideia de relação entre as normas;
• Completude;
• Possibilidade de que todo caso seja resolvido pelo ordenamento.

É neste último ponto que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem insistido na prova: nas
lacunas e nas antinomias.
Lacunas podem ser:
1) próprias: espaço vazio no sistema;
2) impróprias: originam-se da comparação do sistema real versus ideal (Ex.: a lei sobre
aborto brasileira é injusta se comparada com a legislação alemã sobre o tema).
As lacunas próprias podem ser resolvidas por meio da:
1) Heterointegração: busca-se alternativa em ordenamento diverso – direito natural, inter-
nacionais, costume, doutrina etc.;
2) Autointegração: busca-se alternativa dentro do ordenamento (analogia, princípios ge-
rais do direito, interpretação extensiva).

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A analogia é utilizada naquelas situações não reguladas de forma expressa pelo legisla-
dor, momento no qual se devem buscar regras previstas para casos semelhantes, estendendo-
se o alcance.
Princípios gerais de direito são aqueles postulados genéricos que, muitas vezes, dão fun-
damento às regras inferiores de um ordenamento jurídico. Importante lembrar que eles fazem
parte do ordenamento, muito embora nem sempre estejam positivados em um texto.
Interpretação extensiva é aquela na qual se parte de uma norma e se procura estabelecer
seu significado e sua abrangência, quer dizer, nos casos em que o legislador disse, no texto,
menos do que tinha a intenção de dizer. A ideia, portanto, é a de se buscar a real intenção do
legislador na hora da aplicação.
As lacunas impróprias só podem ser solucionadas pelo próprio Poder Legislativo, já as
antinomias são duas normas válidas e vigentes incompatíveis entre si.
Elas podem ser:
1) aparentes/solúveis: critérios de solução:
a) critério cronológico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior;
b) critério hierárquico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente
superior;
c) critério da especialidade: havendo duas normas incompatíveis, uma geral e outra es-
pecial (ou excepcional), prevalece a segunda.
2) reais/insolúveis: incompatibilidade, “impossível” de resolver.
Outro tema trabalhado pelo autor é a questão da sanção no âmbito do direito. Para Bobbio,
a sanção pode ser moral (aquela que obriga a consciência dos destinatários da norma, produ-
zindo um sentimento de culpa), social (aquela que resulta dos costumes e da vida em sociedade,
objetivando tornar o convívio social mais fácil) e a sanção jurídica (criada para casos de violação
de regras estipuladas pelas leis e aplicada por pessoas já determinadas), ou seja, trata-se de
sanção devidamente institucionalizada.

5.3. Herbert Hart


O que interessa da teoria de Hart para se enfrentar a prova de filosofia do direito reside
na distinção apontada pelo autor sobre as normas e na questão da indeterminação legislativa.
Inicialmente, o autor, um dos mais importantes positivistas, entende que um ordenamento jurí-
dico é composto de um sistema de normas primárias e secundárias:

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*Para todos verem: esquema.

• São regras de obrigação que impõem condutas ou abstenções.


Normas
Primárias

• Surgem para corrigir defeitos das normas primárias. Se dividem em:


a) Modificação;
Normas b) Julgamento;
Secundárias c) Reconhecimento.

As normas secundárias dividem-se em:


a) de modificação (disciplinam mecanismos para modificação, revogação ou introdução
de uma norma primária);
b) julgamento (que outorgam a determinadas pessoas poder de julgar violações das nor-
mas primárias);
c) reconhecimento – legitima o sistema das normas primárias – aceitação social da
norma, logo, questão fática, não normativa. Atenção especial a esta última informação, pois já
foi cobrada: no momento em que se fala de aceitação social da norma, abre-se espaço para
juízos valorativos no universo do direito, razão pela qual o positivismo de Hart é chamado de soft
(brando).
Outro ponto relevante para a prova abordado por Hart é a questão da textura aberta do
direito, que ocorre por dois motivos:
1) imprecisão linguística na descrição de uma norma, prejudicando o método da subsun-
ção e do silogismo;
2) impossibilidade de prever todas as condutas possíveis.
Para o primeiro caso, Hart utiliza como exemplo uma norma que proíbe o ingresso de veículos
automotores em determinado local, mas, conforme novas tecnologias se desenvolvem, exsurge
a questão acerca de se novos inventos de locomoção se enquadram na categoria de veículos
automotores.
Muito embora exista tal indeterminação, ainda há grande margem de segurança na maio-
ria dos casos, quer dizer, as normas apresentam noção de sentido. Essa noção de sentido é um
núcleo de sentido fixo, o que, segundo Hart, afasta a ideia de que o direito é o que os juízes

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dizem. Assim, a discricionariedade estaria em um plano intermediário entre arbitrariedade e apli-


cação literal da lei.

5.4. Gustav Radbruch


O autor tece críticas à obediência cega das leis positivas – direito passava a ser equiva-
lente à força – quer dizer, algo que não se questiona, obedece-se sem questionar e não deixa
espaço para o seu não cumprimento.
Assim, o jurista propõe uma espécie de “retorno” aos modelos anteriores ao positivismo,
a saber, o jusnaturalismo, ressaltando a existência de princípios maiores que a lei (supralegais)
e que, portanto, transcenderiam o direito positivo.

6. Outros Autores e Teorias Fundamentais

6.1. Rudolf von Ihering


Para Rudolf von Ihering, Direito e força confundiam-se, porquanto o Direito se tornaria
vazio na medida em que desprovido de força. Em outras palavras, o autor afirma que o direito
precisa possuir mecanismos de coação para ser efetivo; é necessário que existam sanções e
todo um aparato que possibilite a implementação do direito.
Outro ponto explorado pelo jurista é a ideia de luta pelo Direito e de o direito ser uma força
viva (sofre modificações). A paz é o fim que o direito almeja, a luta é o meio. Luta dos povos,
Estado, classes, indivíduos etc. Assim, os direitos não surgem espontaneamente na cabeça dos
legisladores, mas precisam sempre ser reivindicados pela população.
Ex.: os movimentos de mulheres que foram às ruas para conquistar o direito ao voto no início do
século XX; o movimento LGBT, que vem conquistando bastante espaço, com a regulamentação
da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

6.2. Teoria política


6.2.1. Hannah Arendt
A questão dos apátridas em contextos de totalitarismo: tanto a Primeira como a Segunda
Guerra resultaram, entre outros aspectos, em fluxos muito grandes de pessoas de uma região
para outra. Essas pessoas, fugindo dos conflitos ou de perseguições de cunho ideológico, esta-
vam em países estranhos, na qualidade de apátridas, não sendo titulares, portanto, de direitos

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(direitos humanos em especial). A autora destaca, portanto, a importância do direito a se ter


direitos, o que muitas vezes implica pertencer a determinada comunidade que o aceite (o apá-
trida) e garanta seus direitos.

6.2.2. Montesquieu
O autor aponta, em seus estudos, os tipos de governo e em qual princípio se baseiam:
despotismo (medo)/República (virtude)/Monarquia (honra). Quanto a este último, trata-se, con-
tudo, de uma monarquia regida por leis. Esse modelo defendido por ele introduz a ideia de tri-
partição de poderes, sendo inspirado no inglês. As leis decorrem da realidade social e histórica
de um povo: não há justo ou injusto, mas, sim, uma situação do que é adequado naquele con-
texto. Dentro do contexto da monarquia inglesa: liberdade é fazer tudo o que as leis permitem.
Em O espírito das leis, Montesquieu não parte do pressuposto da existência de um Direito
natural, inato ao ser humano, captado pela razão. Rejeita esse argumento porque as leis, de
fato, não se fundamentam na razão humana; pelo contrário, elas derivam de circunstâncias na-
turais sob a influência de determinados fatores físicos e morais.
Por fim, Montesquieu trabalha com a ideia da separação de poderes, que persiste até o
modelo atual. Para o pensador, executivo, legislativo e judiciário precisam ser órgãos indepen-
dentes e autônomos, cada um limitando a esfera de atuação do outro. Com isso, evitar-se-iam a
centralização do poder e os eventuais abusos.

6.2.3. Teoria tridimensional do direito de Miguel Reale


Sobre Reale, interessa-nos conhecer sua teoria tridimensional do direito, que une os prin-
cipais aspectos de três correntes jurídicas:
1) normativistas: leis deveriam ser compreendidas pelo seu valor intrínseco, afastando
aspectos alheios na hora da interpretação. Direito, portanto, é norma;
2) sociologismo: leis como um produto de seu tempo e espaço (eficácia e necessidade
de uma lei, por exemplo). Direito, assim, é fato;
3) moralismo: verificar se a lei é justa ou não e se é socialmente aceita. Para essa cor-
rente, direito é valor.
Para Reale, todas estão corretas. Cria, assim, a teoria tridimensional do direito, na qual
os elementos (norma, valor e fato) se implicam e se exigem de forma recíproca, resultando na
interação dinâmica e dialética dos três elementos.

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Temos, assim, a Dialética da complementaridade – norma, fato e valor correlacionam-se


(interagem um sobre o outro), de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro e
distinto, mas se exigindo mutuamente, o que resulta na origem da estrutura normativa como
momento de realização do direito.
Exemplo 1: art. 121 do CP. O artigo determina que matar alguém resulta em uma pena
corporal – há, assim, uma imputação. O valor perseguido é o valor vida, que se entende como
bem tutelado por aquela sociedade naquele momento.
Exemplo 2: Um título de crédito é um documento previsto na legislação e que regula-
menta um fato de ordem econômica (as relações comerciais muitas vezes operam por meio de
títulos de crédito) e há, por trás disso, um valor, consistente no pronto pagamento do débito
contraído.

6.2.4. Regras e princípios: Ronald Dworkin


Dworkin traz a ideia de direito como integridade, ou seja, legitimar uma decisão judicial
que considere todos os aspectos fáticos, normativos e morais relevantes para a solução do caso.
Com isso, cria as condições para impedir a discricionariedade do intérprete, pois a magnitude da
tarefa não deixa margem a escolhas arbitrárias. Defende, assim, a ideia de uma única e melhor
decisão possível para cada caso.
Como a tarefa de encontrar a decisão mais adequada para cada caso é muito árdua,
Dworkin cria um juiz imaginário, inspirado na mitologia de Hércules, como uma espécie de mo-
delo a ser seguido pelos juízes na tarefa de decidir questões jurídicas.
Contudo, o ponto mais explorado de Dworkin em provas é a diferença entre regras e prin-
cípios. Há que se lembrar, primeiramente, que nos modelos positivistas clássicos, como o de
Hart, existia tão somente a figura da regra, sendo o direito, assim, um sistema fechado. Com o
novo constitucionalismo pós-guerra, abriu-se espaço para questões morais por meio dos princí-
pios. Norma jurídica, portanto, é gênero, e regra e princípios, espécie.
Princípios são mandados de otimização: ordens para que algo seja realizado ao máximo
possível de acordo com as circunstâncias fáticas e possíveis – cumprimento gradual conforme
as possibilidades (Ex.: direito à saúde, previsto na Constituição, em seu art. 196 ® diz que tem
que fazer ao seu máximo, mas são as regras que estabelecerão as peculiaridades). É, contudo,
possível aplicar os princípios diretamente.

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Estão sempre em rota de colisão ® prevalência sempre se dá diante do caso concreto por
juízo de ponderação – o que sucumbiu não deixa de existir. A tabela a seguir apresenta algumas
outras diferenças entre princípios e regras:
*Para todos verem: tabela.

REGRAS PRINCÍPIOS
Mandado de determinação (menos abstrato). Mandado de otimização (aplicar ao máximo pos-
sível).
Aplicadas ao modelo tudo ou nada (aplica ou não Aplicados na dimensão do peso/importância –
aplica – subsunção). prevalecem em detrimento a outro, em alguns ca-
sos – logo, não são mais importantes só naquele
caso.
É possível numerar todas as exceções de uma re- Aplicam-se por ponderação.
gra (que já vêm previstas na própria regra – ex.:
legítima defesa).
Uma regra exclui a outra. Um princípio não é exceção a outro.

Exemplo da ponderação de princípios encontra-se na própria ementa da ADPF no 130.

Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco


dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem,
honra, intimidade e vida privada. Precedência do primeiro bloco. Incidência a posteriori do
segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar
responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo
da liberdade de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção a interesses priva-
dos que, mesmo incidindo a posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte
da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabilidade civil por
danos morais e materiais a terceiros (STF, ADPF n o 130/DF – rel. Carlos Britto – j. 30-4-
2009).

No julgado, percebe-se como o STF entendeu que o bloco dos direitos da liberdade de
imprensa possui precedência sobre o bloco dos direitos da personalidade. Contudo, estes últi-
mos ainda permanecem na relação, protegendo as partes de eventuais abusos.

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