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DIREITO ADMINISTRATIVO - MARCELO ALEXANDRINO E VICENTE PAULO

CAPÍTULO 1 DIREITO ADMINISTRATIVO

1 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO

O Direito Pú blico tem por objeto principal a regulaçã o dos interesses da sociedade como um todo, a
disciplina das relaçõ es entre esta e o Estado, e das relaçõ es das entidades estatais entre si. Tutela ele o
interesse pú blico, só alcançando as condutas individuais de forma indireta ou reflexa.

É característica marcante do direito pú blico a desigualdade nas relaçõ es jurídicas por ele regidas, tendo
em conta a prevalência do interesse pú blico sobre os interesses privados. Essa desigualdade se justifica
pelo fato de que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o interesse privado. Em razã o disso o Estado
na defesa do interesse pú blico goza de certas prerrogativas que o situa em posiçã o de superioridade ante
o particular.

Direito pú blico e ordem pú blica nã o sã o sinô nimos. Ordem pú blica sã o regras inafastáveis pela vontade
das partes. Nã o pode ser modificada, nã o pode ser afastada pela vontade das partes (exigência de
pagamento de impostos, concurso pú blico para provimento de cargos – sã o de ordem pú blica). No Có digo
Civil há os impedimentos para o casamento que sã o inegociáveis. Mesmo estando no direito privado, sã o
regras de ordem pú blica. Essas regras estã o distribuídas por todo o ordenamento.

Na verdade, toda regra de direito pú blico é também de ordem pú blica, mas toda regra de ordem pú blica
nã o é de direito pú blico. Regra de ordem pú blica existe no direito pú blico e também no direito privado

O direito privado tem como escopo principal a regulaçã o dos interesses particulares, como forma de
possibilitar o convívio das pessoas em sociedade e uma harmoniosa fruiçã o de seus bens. O que o
caracteriza é a igualdade jurídica entre os pó los das relaçõ es por ele regida.

Cabe observar que nã o há ramo do direito em que todas as relaçõ es jurídicas sejam integralmente regidas
pelo direito privado, pois pode ter repercussã o nos interesses da coletividade. Como também no â mbito
dos ramos do direito pú blico inú meras relaçõ es jurídicas tem aplicaçã o subsidiá ria do direito privado.

O que nã o é possível é alguma atuaçã o do Estado, em qualquer campo, ser regida exclusivamente pelo
direito privado, com total afastamento de normas de direito pú blico.

Conceito de Direito Administrativo:

 Critério legalista ou exegético – o direito administrativo é o conjunto de leis


administrativas que regulam a Administraçã o Pú blica de um determinado Estado.

Crítica: Para essa teoria, o direito administrativo simplesmente estuda a lei seca. No entanto, o
Direito Administrativo nã o se limita a um corpo de leis, desprezando os princípios jurídicos.

 Critério do Serviço Público ou Escola do Serviço Público – O direito administrativo


consiste na disciplina que regula a instituiçã o, a organizaçã o e a prestaçã o do serviço
pú blico.

Crítica: critério insuficiente, pois o direito administrativo também se ocupa da disciplina de outras
atividades distintas do serviço pú blico, como a atividade de polícia administrativa, de fomento e de
intervençã o.

 Critério do Poder Executivo – o direito administrativo é o ramo do direito que regula os


atos do Poder Executivo

Crítica: esse conceito nã o satisfaz na medida que o Poder Legislativo e Judiciá rio também editam
atos administrativos disciplinados pelo direito administrativo.

 Critério das Relações Jurídicas – o direito administrativo é um conjunto de normas que


regula as relaçõ es entre a Administraçã o e os administrados.

Crítica: esse critério nã o é ú til para a definiçã o de direito administrativo, porque as relaçõ es entre a
Administraçã o e os administrados também sã o reguladas por outros ramos do Direito, como
constitucional, tributá rio, penal...

 Critério Teleológico ou finalístico – O direito administrativo é um sistema formado por


princípios jurídicos que disciplina a atividade do Estado para o cumprimento de seus fins.

Crítica: Esse critério diz que o direito administrativo nada mais é do que um conjunto harmô nico de
princípios. Esse critério é insuficiente, associa o direito administrativo aos fins do Estado.

 Critério Residual ou Negativo – o direito administrativo compreende o estudo de toda a


atividade do Estado que nã o seja legislativa ou jurisdicional. Aná lise por exclusã o

Crítica: limita o direito administrativo ao exame tã o somente da atividade empreendida.

 Critério da Administração Pública – o direito administrativo consiste em um conjunto de


normas que regulam a Administraçã o pú blica

1. Celso Antô nio Bandeira de Melo: “o ramo do Direito Pú blico que disciplina a funçã o administrativa e os
ó rgã os que a exercem”

2. Hely Lopes Meirelles: “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os
agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins
desejados pelo Estado.”1
 Concreta = efeitos concretos.
 Direta = independente de provocaçã o.
 Imediata = afasta a funçã o social do Estado.
A funçã o imediata do Estado se refere à funçã o jurídica do Estado, que é diferente da funçã o
mediata. A funçã o mediata traz a funçã o social do Estado. A imediata é a jurídica, distinta da
mediata que é a atividade social. Funçã o social nã o é problema nosso. Escolher política pú blica nã o

1 conceito a ser utilizado em provas de concurso


é funçã o do direito administrativo, que nã o se preocupa com a questã o social do Estado, mas com a
questã o jurídica

3. Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “ramo do direito pú blico que tem por objeto os ó rgã os, agentes e
pessoas jurídicas administrativas que integram a Administraçã o Pú blica, a atividade jurídica nã o
contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecuçã o de seus fins, de natureza pú blica”

4. Conceito do autor: “conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturaçã o e ao funcionamento das


pessoas e ó rgã os integrantes da administraçã o pú blica, à s relaçõ es entre esta e seus agentes, ao exercício
da funçã o administrativa, especialmente à s relaçõ es com os administrados, e à gestã o dos bens pú blicos,
tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse pú blico.”

2 OBJETO E ABRANGÊNCIA

O objeto do direito administrativo abrange todas as relaçõ es internas à administraçã o pú blica - entre os
ó rgã os e entidades administrativas, uns com os outros, e entre a administraçã o e seus agentes,
estatutá rios e celetistas -, todas as relaçõ es entre a administraçã o e os administrados, regidas
predominantemente pelo direito pú blico ou pelo direito privado, bem como atividades de administraçã o
pú blica em sentido material exercidas por particulares sob regime de direito pú blico, a exemplo da
prestaçã o de serviços pú blicos mediante contratos de concessã o ou de permissã o.

Embora a atividade de administraçã o pú blica seja típica do Poder Executivo, os demais Poderes também
praticam atos que sã o objeto do direito administrativo, estando sujeito ao regramento do direito
administrativo.

OBS: a funçã o de governo (política - elaboraçã o de políticas pú blicas, diretrizes) nã o constitui objeto do
direito administrativo.

3 CODIFICAÇÃO E FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo nã o se encontra codificado, seus textos de lei nã o estã o reunidos em um có digo.

Fontes:
 Lei: fonte primordial do direito administrativo. Deve-se incluir, de forma secundá ria, além das leis
propriamente ditas e da Constituiçã o, os atos normativos infralegais expedidos pela administraçã o
pú blica, pois sã o de observâ ncia obrigató ria pela pró pria Administraçã o.

 jurisprudência: reiteradas decisõ es em um mesmo sentido, é fonte secundá ria do Direito


Administrativo.

Deve-se ressaltar que apesar de um modo geral as decisõ es judiciais só terem eficá cia entre as partes do
processo, nas açõ es de controle abstrato de constitucionalidade produzirã o eficá cia contra todos e feito
vinculante, relativamente aos demais ó rgã os do Poder Judiciá rio e à administraçã o pú blica direta e
indireta. Essas decisõ es e as sú mulas vinculantes - efeito vinculante e eficá cia contra todos - devem ser
consideradas como fontes principais, e nã o secundá rias, pois estabelecem condutas de observâ ncia
obrigató ria.

 doutrina: conjunto de teses. Constitui fonte secundá ria

 costumes: conjunto de regras nã o escritas observadas pela sociedade. Fonte secundá ria.

* Os costumes administrativos: prá tica reiteradamente observada pelos agentes administrativos. A praxe
administrativa diante de lacunas normativas funcionam como fonte secundá ria do direito administrativo
podendo gerar direitos aos administrados. Isto com base nos princípios da lealdade, boa-fé e moralidade
administrativa.

4 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS: SISTEMA INGLÊS E SISTEMA FRANCÊS

Sistema administrativo vem a ser o regime adotado pelo Estado para o controle dos atos administrativos
ilegais ou ilegítimos praticados pelo poder pú blico nas diversas esferas e em todos os Poderes. Sã o dois
sistemas: inglês e francês

 Sistema Inglês ou de Unicidade de Jurisdição: é aquele em que todos os litígios - administrativos ou


que envolvam interesses exclusivamente privados - podem ser levados ao Poder Judiciá rio, ú nico que
dispõ e de competência para dizer o direito de forma definitiva.

OBS: Deve-se observar que a adoçã o do sistema de jurisdiçã o ú nica nã o implica a vedaçã o à
existência de soluçã o de litígios em â mbito administrativo. O que se assegura nesse sistema é que
qualquer litígio, de qualquer natureza, ainda que já tenha sido iniciado (ou já esteja concluído) na
esfera administrativa, pode sem restriçõ es, ser levado à apreciaçã o do Poder Judiciá rio.

Esse sistema nã o impede a realizaçã o do controle de legalidade dos atos administrativos pela pró pria
administraçã o pú blica que os tenha editado (autotutela administrativa).

 Sistema Francês ou de Dualidade de Jurisdição ou Sistema do Contencioso Administrativo: é


aquele em que se veda o conhecimento pelo Poder Judiciá rio de atos da administraçã o pú blica,
ficando estes sujeitos à chamada jurisdiçã o especial do contencioso administrativo, formada por
tribunais de índole administrativa. Nesse sistema há uma dualidade de jurisdiçã o: a jurisdiçã o
administrativa e a jurisdiçã o comum (Judiciá rio - competente para os demais litígios)

 Sistema Misto – A doutrina brasileira nã o reconhece o sistema misto de controle.

5 SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO


O Brasil adotou o chamado sistema inglês, sistema de jurisdiçã o ú nica ou sistema de controle judicial, em
que todos os litígios podem ser resolvidos pelo Poder Judiciá rio, ao qual é atribuída a funçã o de dizer, em
cará ter definitivo, o direito aplicável aos casos submetidos a sua apreciaçã o. (Princípio da
Inafastabilidade de Jurisdiçã o)

XXXV - a lei nã o excluirá da apreciaçã o do Poder Judiciá rio lesã o ou ameaça a direito;
Isso nã o significa retirar da administraçã o pú blica o poder de controlar os seus pró prios atos. No entanto,
as decisõ es dos ó rgã os administrativos nã o sã o dotadas da força e da definitividade que caracterizam as
decisõ es do Poder Judiciá rio, suas decisõ es nã o fazem coisa julgada, ficando sujeitas à revisã o pelo Poder
Judiciá rio.

Deve ficar claro que mesmo apó s o início do processo administrativo, por iniciativa do administrado, esse
pode abandoná -lo em qualquer etapa e recorrer ao Poder Judiciá rio, a fim de ver decidida nessa esfera.

O administrado pode, ainda, em qualquer hipó tese, recorrer diretamente ao Poder Judiciá rio quando
entender que se perpetrou alguma lesã o ou ameaça a direito seu, independentemente de se ter esgotado
as vias administrativas.

Exceções (deve-se esgotar a via administrativa):


 Ações relativas à disciplina e as competições desportivas: justiça desportiva
 O ato administrativo, ou a omissã o da administraçã o pú blica, que contrarie súmula vinculante só
pode ser alvo de reclamaçã o ao STF depois de esgotadas as vias administrativas
 É indispensável para caracterizar o interesse de agir no habeas data a prova do anterior
indeferimento do pedido de informaçã o de dados pessoais, ou da omissã o em atendê-lo.

Ainda há outros atos ou decisõ es, nã o enquadrados como atos administrativos em sentido pró prio, que
nã o se sujeitam a apreciaçã o judicial. Ex: atos políticos, tais como a sançã o ou veto a projeto de lei,
políticas pú blicas.

No julgamento do processo de impeachment do Presidente da Repú blica ao qual compete ao Senado


Federal, nã o há possibilidade de revisã o judicial.

6 REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

É um regime de direito pú blico, aplicável aos ó rgã os e entidades que compõ em a administraçã o pú blica e
à atuaçã o dos agentes administrativos em geral. Baseia-se na existência de poderes e restriçõ es especiais
que regem a atuaçã o da Administraçã o pú blica. Essas prerrogativas e limitaçõ es traduzem-se nos
princípios da supremacia do interesse pú blico e na indisponibilidade do interesse pú blico. (Pedras de
Toque)

Princípio da Supremacia do Interesse Público: O princípio da supremacia fundamenta a existência das


prerrogativas ou dos poderes especiais da administraçã o pú blica, dos quais decorre a verticalidade nas
relaçõ es administraçã o-particular.

As prerrogativas que o ordenamento jurídico confere ao Estado justificam-se tã o-somente na estrita


medida em que sã o necessá rias para que o Estado logre atingir os fins que lhe sã o impostos pela
Constituiçã o e pelas leis. A administraçã o atua estritamente subordinada à lei e possui poderes especiais
unicamente como meios, como instrumentos para atingir os objetivos que juridicamente é obrigada a
perseguir.

Havendo conflito entre os interesses pú blicos e os interesses de particulares, aquele deve prevalecer,
exigindo-se, entretanto, o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Ex: toda atuaçã o administrativa em que exista imperatividade, em que sejam impostas, unilateralmente,
obrigaçõ es para o administrado, ou em que seja restringido ou condicionado o exercício de atividades.
Pode-se citar: poder de polícia (poder que limita a atuaçã o do particular), clá usulas exorbitantes no
contratos pú blicos, desapropriaçã o, presunçã o de legitimidade dos atos administrativos, auto-
executoriedade de atos administrativos, etc.

Princípio da indisponibilidade do interesse público: A administraçã o sofre restriçõ es em sua atuaçã o


que nã o existem para os particulares. Essas limitaçõ es decorrem do fato de que a administraçã o nã o é
proprietá ria da coisa pú blica/ do patrimô nio pú blico, mas sim o povo.

Em decorrência desse princípio a administraçã o somente pode atuar quando houver lei que autorize ou
determine sua atuaçã o, e nos limites estipulados por essa lei. Nã o existe, a rigor, a idéia de vontade
autô noma da administraçã o, mas sim de vontade da lei, que é o instrumento que traz a vontade geral, do
povo, manifestada por seus representantes.

Exemplos: necessidade de realizar concurso pú blico, licitaçã o, a exigência de motivaçã o dos atos
administrativos, restriçõ es à alienaçã o de bens pú blico.

A Constituiçã o nã o traz expressamente esses dois princípios, no entanto no art. 37, CF enumera os
princípios que decorrem diretamente desses dois. Princípios mínimos do Direito Administrativo:

Art. 37. A administraçã o pú blica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Uniã o, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

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