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AULA 1

TECNOLOGIAS ASSISTIVAS

Profª Paula Mitsuyo Yamasaki Sakaguti


INTRODUÇÃO

É surpreendente acompanhar o avanço das tecnologias nas diversas áreas


do conhecimento e das necessidades humanas. Quem não se lembra dos cursos
de datilografia nos quais se requeria memorização, rapidez e agilidade na
destreza do uso de máquinas de escrever, que tanto facilitaram a produção de
textos e trabalhos acadêmicos na época? Ou mesmo do avanço das máquinas
elétricas até chegarmos aos computadores de mesa? Surgiram também
tecnologias utilizadas para apagar erros como as borrachas de duas cores, lápis-
borracha e outros recursos tecnológicos, cumprindo uma tarfa que, hoje, é suprida
pela tecla delete.
Nesta etapa, estudaremos o contexto das tecnologias, conceito e objetivos
da tecnologia assistiva, aspectos históricos da relação entre tecnologia e
deficiência, as tecnologias de informação e comunicação e o desenho universal.

TEMA 1 – UM OLHAR SOBRE O CONTEXTO DAS TECNOLOGIAS

Vamos pensar nos diferentes recursos utilizados pelos professores em sala


de aula. Dentre os vários exemplos, podemos citar giz, livro, cartazes, quadro de
giz, computador e acesso à internet. Todo e qualquer recurso, material e/ou
equipamento didático contribui para enriquecer o ambiente educacional.

1.1 Papel das tecnologias

É importante termos clareza sobre o papel das tecnologias como


instrumentos que servem como suporte para a construção do conhecimento
(Leite, 2014). Desde os recursos e materiais utilizados para os procedimentos de
ensino da escrita e leitura de um texto até as diversas formas de comunicação
constituem-se como tecnologias educacionais.
Além disso, a substituição de uma tecnologia (quadro de giz, vídeo,
televisão) por outras, como o computador e os leitores digitais, não acarretará
processos de ensino mais eficientes. O uso desses recursos e de smartphones
em desenvolvimento, por exemplo, pode contribuir para a aprendizagem, mas não
é suficiente para garantir uma excelência nesse processo.
É de fundamental importância a mediação dos professores frente a essas
tecnologias, a clareza dos objetivos pretendidos e a criatividade nas estratégias

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desenvolvidas com apoio das tecnologias. Acreditamos que a substituição de uma
tecnologiapor outra não garante a qualidade da aprendizagem.
Arroio e Giordan (2006) destacam que o professor pode inserir os recursos
audiovisuais, dentre eles o vídeo, em diferentes situações de aula. Para eles, um
dos desafios no uso dos recursos audiovisuais é “integrar consciente e
criticamente a escola, seus alunos e professores, no universo do audiovisual”,
visto que esses meios se revelam “eficazes para desenhar e tecer o imaginário de
todo o mundo” (p. 7).
Assim, a integração dos recursos audiovisuais no contexto escolar, além
de ajudar na organização das atividades de ensino, contribui no desenvolvimento
de propostas educativas criativas e leitura crítica do mundo (Arroio; Giordan,
2006).
Vale lembrar que, embora o uso de uma tecnologia seja importante, “de
nada adianta apresentar textos, imagens, sons e vídeos, ou utilizar softwares
educativos se a proposta continua a ser a de construir um aluno que seja um mero
banco de informações, e não um construtor do conhecimento” (Contin, 2016, p.
38-39). Em outras palavras, a tecnologia se torna desprovida de sentido se não
estiver comprometida com o conhecimento e o desenvolvimento humano.
Concordamos com Brito, Leite e Martins (2014, p. 44) quando estes se
referem às tecnologias como “[...] instrumentos criados e elaborados a favor do
desenvolvimento, e, portanto, não existem de modo independente e não
substituem o valor da ação humana”. Por isso, enfatizamos o papel do professor
no uso de tecnologias e, em específico, da tecnologia assistiva no planejamento
das atividades, prevendo os recursos, as metodologias e as ferramentas de
ensino para a efetiva participação dos alunos na aprendizagem acadêmica e nas
atividades de vida diária.
As tecnologias estão presentes na realização de diversas atividades
humanas e as inovações tecnológicas acontecem de uma forma muito rápida. No
entanto, muitas vezes elas não chegam a todas as escolas públicas e nem à
classe trabalhadora.

[...] foi a engenhosidade humana, em todos os tempos, que deu origem


às mais diferenciadas tecnologias. O uso do raciocínio tem garantido ao
homem um processo crescente de inovações. Os conhecimentos daí
derivados, quando colocados em prática, dão origem a diferentes
equipamentos, instrumentos, recursos, produtos, processos,
ferramentas, enfim, a tecnologia. Desde o início dos tempos, o domínio
de determinados tipos de tecnologias, assim como o domínio de certas

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informações, distingue os seres humanos. Tecnologia é poder. (Kenski,
2012, p. 15)

Para Kenski (2012), as tecnologias são tão antigas quanto a história da


espécie humana. Por sinal, foi a engenhosidade humana que deu origem às
diferentes tecnologias. Conhecê-las e dominá-las abre um espectro de
possibilidades e melhora a qualidade de vida das pessoas, com ou sem
deficiência.
Por isso ouvimos o ditado popular “saber é poder”. Ele destaca a
importância da educação: possibilitar o acesso ao saber, ensinar a manejar e a
dominar o saber real para almejar novos patamares, transformando a realidade e
dando melhor qualidade para a vida. Trata-se do poder de ensinar, de transformar,
de descobrir coisas novas, de atuar sobre o mundo pelo bem comum.
A escola representa o acesso ao saber e de formação de todas as pessoas,
isto é, o espaço pelo qual a educação formal é socializada, possibilitando o
domínio do conhecimento historicamente construído. Desde os tempos remotos
há o predomínio de determinadas tecnologias. Em todos os períodos históricos
tivemos “eras tecnológicas” (Kenski, 2003), representadas, por exemplo, pela
vitrola, radiola, discos de vinil e fita cassete, que são instrumentos tecnológicos
específicos de outrora e que determinaram as atividades de lazer, de
comunicação e a forma como as aprendizagens eram mediadas.
Diante disso, Kenski (2012, p. 24) conceitua tecnologia como o “conjunto
de conhecimentos e princípios que se aplicam ao planejamento, à construção e à
utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade”. Isso porque,
para todas as atividades que realizamos, necessitamos de equipamentos ou
instrumentos resultantes de pesquisa, estudo e planejamento.
A definição do termo tecnologia é complexa, visto que no transcorrer da
história o seu conceito foi interpretado de diferentes maneiras, conforme pontuam
Veraszto et al. (2008). Os autores entendem a “tecnologia como um corpo sólido
de conhecimentos que vai muito além de servir como uma simples aplicação de
conceitos e teorias científicas, ou do manejo e reconhecimento de modernos
artefatos” (Veraszto et al., 2008, p. 75).
Desse modo, a tecnologia não se relaciona apenas aos artefatos,
instrumentos, máquinas e computadores, mas também ao conjunto de
conhecimentos que podem ser utilizados nas diferentes atividades humanas.

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Outra definição importante é a de tecnologia educacional, que se refere ao
uso das diferentes tecnologias na educação, cujas discussões iniciaram na
década de 1960, fundamentadas na ideia de tecnicismo (Leite; Sampaio, 1999).
Portanto, em um cenário permeado pelas diversas tecnologias e educação
inclusiva, os professores precisam estar incluídos digitalmente na cibercultura,
tornando o conhecimento acessível a todos os estudantes.
De acordo com Lemos (2003), o conceito de cibercultura é marcado pelas
tecnologias digitais. Para ele, já vivemos a cibercultura, pois não é algo que
chegará no futuro, faz parte do presente. Dentre os exemplos, temos o home
banking, smartphones, voto eletrônico e imposto de renda via rede. Por isso, a
cibercultura representa a cultura contemporânea, sendo consequência dos
avanços da cultura técnica moderna.

TEMA 2 – O QUE É TECNOLOGIA ASSISTIVA?

Com o avanço da ciência e de políticas públicas para inclusão e


acessibilidade, a tecnologia assume um papel singular na sociedade atual. O que
para muitas pessoas apenas traz facilidade para outras é a possibilidade de fazer
algo com autonomia e independência. Dentre as pessoas que usam as
tecnologias para tornar seu cotidiano pessoal e laboral possível e funcional, estão
usuários/estudantes com deficiência. Nesse sentido, as tecnologias assumem a
função de tecnologia assistiva com a criação de condições favoráveis para a
inclusão social.

2.1 Nomeando pessoa com deficiência

De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiência, as “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva com as
demais pessoas” (Brasil, 2009).
Logo, o que determina a deficiência não é a limitação do sujeito, mas os
impedimentos e as barreiras que estão em seu entorno. Com isso, ressaltamos a
importância da tecnologia assistiva, que busca eliminar os obstáculos para
pessoas com deficiência, garantindo-lhes mais qualidade de vida. Trata-se da
inclusão social.

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2.2 Conceituando tecnologia assistiva

Em seu sentido amplo, entendemos a tecnologia assistiva como a área do


conhecimento que visa eliminar as barreiras do entorno, para aumentar a
participação, inclusão social, autonomia, qualidade de vida e independência das
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
A esse respeito, Novôa pontua que:

Em relação à tecnologia assistiva, diferencia-se o enfoque de


acessibilidade, ajuda técnica ou adaptações curriculares. A Tecnologia
Assistiva visa melhorar a funcionalidade pessoas com deficiência, ou
seja, é utilizada com objetivos funcionais. Segundo a CIF - Classificação
Internacional de Funcionalidade (Organização Mundial de Saúde, 2004),
o modelo de intervenção para a funcionalidade deve ser biopsicossocial
e diz respeito à avaliação e intervenção em: funções e estruturas do
corpo em relação à deficiência, as limitações de atividades e de
participação, fatores contextuais como os relacionados a aspectos
ambientais e pessoais. (Novôa, 2018, p. 116)

Na perspectiva da educação inclusiva, essas tecnologias trouxeram muitas


aplicações e benefícios funcionais para os alunos com deficiência e mobilidade
reduzida. A partir da VII Reunião do Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), em
parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) e a
Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE), realizada nos dias 13 e 14 de dezembro de 2007, o conceito para
tecnologia assistiva apresentado foi:

Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica


interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (Brasil,
2007)

De acordo com Manzini (2011, p. 46), “a definição traz as palavras recursos,


metodologias, estratégias e práticas, que estão diretamente relacionadas à
Educação e ao ensino e, portanto, podem ser estendidas à formação de
profissionais da Educação”. Nesse sentido, a realização de formação continuada
para professores regentes da Educação Especial na qual seja trabalhada a
tecnologia assistiva é uma alternativa que contribui para o surgimento de novas
práticas e processos de aprendizagem. .
A partir de Novôa (2018) observamos que a definição de Tecnologia
Assistiva (TA) é ampla, vejamos os conceitos no Quadro 1

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Quadro 1 – Conceitos de tecnologia assistiva

AUTOR TERMO CONCEITO

DAMASCENO, L. L.; FILHO, T. Tecnologia “É toda e qualquer ferramenta ou recurso


A. G. (2002, p. 1). Assistiva utilizado com a finalidade de proporcionar uma
maior independência e autonomia à pessoa
portadora de deficiência”.

RODRIGUES, M. E. N. (2013, Tecnologia “São recursos, serviços, equipamentos


p. 30). Assistiva especiais, adaptação de material pedagógico,
adequação dos espaços físicos da escola,
como banheiros, salas, biblioteca e refeitório. A
TA não é restrita à escola, ela favorece a
funcionalidade e possibilidade de interação e
participação da pessoa com deficiência, tanto
nos espaços escolares como fora deles”.

TONOLLI, J.; BERCH, R. Tecnologia “[...] em primeiro lugar, o termo tecnologia não
(1998), citados por BERSCH, Assistiva indica apenas objetos físicos, como
R. (2013, p. 4). dispositivos ou equipamento, mas antes se
refere mais genericamente a produtos,
contextos organizacionais ou modos de agir,
que encerram uma série de princípios e
componentes técnicos”.

CARNIEL, A. (2017, p. 36). Tecnologia “É denominada como TA toda tecnologia


Assistiva utilizada para auxiliar no desempenho funcional
de atividades, de forma a reduzir a
incapacidade de realização de atividades
cotidianas, diferindo-se de tecnologia
reabilitadora, usada para auxiliar na
recuperação de movimentos perdidos”.

KULPA, C. C. (2017, p. 79), Tecnologias “As Tecnologias Assistivas (TA) se referem aos
citados por MELO; Digitais recursos e serviços que buscam facilitar as
BARANAUSKAS (2006). Assistivas ações da pessoa com deficiência nas
atividades da vida diária, procurando assim
ampliar as capacidades funcionais e promover
a autonomia e a independência de quem as
utiliza”.

Fonte: Elaborado por Paula Mitsuyo Yamasaki Sakaguti com base em Novôa, 2018, p. 119-120.

De acordo com Novôa (2018, p. 120), os conceitos abordam “ajudas


técnicas, apoio, práticas e estratégias para possibilidade de autonomia e
participação de pessoas com deficiência em diferentes espaços e situações”.
Quanto às modalidades da tecnologia assistiva, Novôa (2018), com base
em Rodrigues (2013), destaca as seguintes:

a) Auxílio para vida diária (materiais pedagógicos para auxiliar na


independência em atividades do dia a dia);
b) Comunicação aumentativa e alternativa (recursos criados para auxiliar na
comunicação de usuários sem fala ou escrita funcional);

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c) Recursos de acessibilidade ao computador (correspondem aos hardwares
e softwares criados para tornar o computador acessível);
d) Projetos arquitetônicos para acessibilidade (projetos de edificação e
urbanismo que visam acessibilidade, funcionalidade e mobilidade);
e) Sistemas de controle de ambiente (controle remoto para auxiliar as
pessoas com limitações motoras);
f) Órteses e próteses (órteses são colocadas junto a um segmento do corpo,
e próteses são peças artificiais substitutivas às partes do corpo);
g) Adequação postural (recursos usados para garantir a postura);
h) Auxílios de mobilidade (equipamentos e estratégias que auxiliam a
mobilidade pessoal);
i) Auxílios para cegos ou para pessoas com visão subnormal (equipamentos
que visam permitir independência às pessoas com deficiência visual em
algumas atividades);
j) Auxílios para pessoas com surdez ou com déficit auditivo (equipamentos
para auxílio);
k) Adaptações em veículos (permitem à pessoa com deficiência física dirigir
por meio de acessórios e adaptações feitas no carro).

Adicionalmente, compreendemos a tecnologia assistiva como um “auxílio


que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará
a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de
deficiência ou pelo envelhecimento” (Bersch, 2017, p. 2).

TEMA 3 – BREVE HISTÓRICO DA TECNOLOGIA ASSISTIVA

Geralmente, a cena que nos vem à mente ao mencionarmos a evolução


histórica das técnicas desenvolvidas pelo homem é a de nossos ancestrais
dominando o fogo. Neandertais usaram e dominaram o fogo para se alimentar,
proteger, aquecer e construir seus artefatos de pedra.
Observamos que se inicia, juntamente com a história da descoberta do fogo
e a transformação de objetos da natureza em instrumentos e artefatos para a sua
subsistência, a garantia por melhores condições de vida (Veraszto et al., 2008).

Enquanto o fogo e os utensílios manualmente desenvolvidos davam ao


homem a chave das transformações materiais, a palavra dava-lhe o
domínio interior dos seus atos e dos seu próprio pensamento. Assim, o
surgimento da linguagem também deve ser visto como uma das
primeiras técnicas surgidas, ou uma tecnologia intelectual, segundo Lévy

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(1993). [...] Com estas três grandes concepções – a pedra lascada, o
fogo e a linguagem – a espécie humana dava um salto muito grande
rumo às grandes invenções e às colossais descobertas que acabariam
fazendo parte da história. (Veraszto et al., 2008, p. 65)

Assim, a linguagem em sua forma oral e escrita é uma tecnologia que


revolucionou o modo de vida e de pensar, sendo tão importante ensinar a ler,
escrever e a desenvolver a oralidade. Entendemos que as pessoas se expressam
de diferentes maneiras e, no caso da oralidade, pessoas com deficiência usam
outras formas de linguagem. Para a escrita, é preciso adequarmos e utilizarmos
recursos para que a deficiência não seja um impeditivo para a aprendizagem.
Desse modo, conhecer as diversas tecnologias, dominá-las e fazermos uso
delas abre inúmeras possibilidades para que as pessoas com deficiência se
desenvolvam plenamente.
O século XX foi marcado pelo talento na produção de grandes invenções e
avanços tecnológicos que impactaram a vida social e cultural. A partir da segunda
metade do século, com o advento dos computadores pessoais, aparelhos de
celular e fax, a forma de comunicação e de relacionamento entre os usuários viria
a ganhar impulso nas estratégias educacionais.
Inicialmente em número reduzido, os computadores ganharam espaço nas
escolas, onde os recursos tecnológicos eram, antes, apenas o giz e o quadro. As
diversas possibilidades de softwares, metodologias e recursos ampliam o uso do
computador para as demandas educacionais e socioemocionais de pessoas com
deficiência. Certamente, o acesso às redes sociais, aos sites de conteúdo
acadêmico e às diversas atividades lúdicas proporcionam maior sentimento de
pertencimento.
De acordo com Valente (1999), tanto na realidade educacional brasileira
quanto na de outros países, a utilização do computador teve começou no início
da década de 1970, com experiências educacionais nas universidades, até que,
no início dos anos 1980, houve diversas iniciativas sobre o uso da informática na
educação no Brasil.
Ao trazermos a tecnologia assistiva na linha do tempo em 1970,
registramos inúmeras e profundas mudanças paradigmáticas em relação à
concepção de homem e de deficiência. Para Pinheiro (2021), desde 1973
vivenciamos um movimento em prol da inclusão de pessoas com deficiência. A
autora cita as pesquisas de Bryant e colaboradores apontando que desde os
primórdios da história há marcos da existência de tecnologias que hoje são

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conhecidas como tecnologias assistivas, “[...] tendo seus utensílios e ferramentas
aperfeiçoados, inclusive criando tecnologias específicas para sua sobrevivência,
como por exemplo, um apoio feito com um pedaço de pau usado à guisa de
bengala” (Pinheiro, 2021, p. 62).
Silva (1987) destaca que estudos em sítios arqueológicos indicam que o
homem neolítico fazia uso de instrumentos pontiagudos, como facas, para
atividades relacionadas à alimentação e vestuário de todo o grupo. Com sua
contínua utilização para esquartejamento de caça, retirada de peles e divisão das
carnes em frações menores, o homem neolítico provavelmente tenha usado esses
instrumentos cortantes juntamente com o conhecimento da natureza para
intervenções cirúrgicas no cuidado com os doentes, com ferimentos da caça e
talvez uma incipiente medicina. Silva (1987) descreve que há cerca de 10 mil
anos, na época neolítica, foram inventadas armas de longo alcance, represamento
de rios e outros conhecimentos que foram aprimorados neste período.
Caracterizamos esses avanços significativos na cultura dessas unidades
sociais básicas como o uso de tecnologias como ferramentas de sobrevivência.
Silva (1987) descreve que, no século IV, foram encontrados na capital do Império
Bizantino registros de uso de próteses em documentos, fazendo referência a
braços de metal e pernas de madeira. Já no século XVI, há registros da fabricação
de mãos de metal devido a uma necessidade de amputação para que as pessoas
pudessem, logo após sua recuperação, voltar às campanhas militares ou exercício
de atividades anteriores
Atualmente, esses recursos e objetos constituem o que denominamos
tecnologia assistiva, mais especificamente o uso de próteses, que foram e são
usadas para manter as capacidades funcionais da pessoa e servem para dar
autonomia e romper com as barreiras que obstruem a sua participação na vida
em sociedade.

TEMA 4 – TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

As Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) estão presentes


em nosso cotidiano de forma cada vez mais frequente. Elas podem ser definidas
como “o conjunto de recursos tecnológicos que utilizamos para nos comunicar”
(Contin, 2016, p. 92). Já Miranda (2007) define as TICs como a união entre a
tecnologia computacional com a tecnologia das telecomunicações e a internet em
sua mais forte expressão.

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Os recursos das TIC englobam diversas ferramentas, dentre elas:
internet, computadores, rádio e televisão. Porém, nota-se a
popularização do uso de dispositivos móveis, como uma tendência para
o ensino. De acordo com os dados do Centro Regional de Estudos para
o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) para a
pesquisa TIC Educação do ano de 2016, 68% dos alunos entrevistados
utilizam a internet mais de uma vez por dia e 93% alegam fazer uso de
smartphones para tal ação. (Canto et al., 2019, p. 265)

Com o advento das diferentes TICs, muitos recursos foram desenvolvidos


para proporcionar, por exemplo, a visualização de locais, endereços e pontos
turísticos, como é o caso do Google Street View e do Google Earth. Vale destacar
uma pesquisa realizada por Lotthammer et al. (2019), com o objetivo de analisar
a percepção da professora participante do estudo quanto ao uso de tecnologias
digitais como o aplicativo Guia de Viagens Offline, como ferramenta para que seus
alunos possam conhecer os pontos turísticos de várias cidades brasileiras e do
mundo e, com isso, elaborar relatos de viagem, que fazem parte do conteúdo de
Língua Portuguesa. Esse aplicativo foi utilizado como apoio na construção de
conhecimento oferecendo subsídios para o registro dos relatórios.
A sala de aula invertida, aliada às tecnologias educacionais, é uma
estratégia do modelo híbrido muito utilizada atualmente, pela qual os estudantes
têm acesso ao conteúdo previamente elaborado de modo on-line e,
posteriormente, no modo presencial, aprofundam os temas e conceitos propostos
remotamente. Não é por acaso que o ensino híbrido surge para integrar os
ambientes virtuais e físicos da sala de aula, permitindo, segundo Moran (2015),
que as tecnologias possibilitem trazer para o ambiente físico da escola o mundo
inteiro em tempo real, em uma troca ininterrupta e enriquecedora.
O relato de experiência de Scalzer e Oliveira (2019, p. 43) nos chama a
atenção para o potencial da sala de aula invertida do modelo híbrido, junto com
as tecnologias educacionais, proporcionando um “aprendizado em ritmo próprio
de cada aluno, pois cada aluno acessou os conteúdos online ajustado ao seu ritmo
e tempo, dando-lhes mais flexibilidade”, complementando que esta estratégia
“constitui a reconfiguração da prática pedagógica”.
Em seu relato, as autoras sinalizam uma das desvantagens que
perceberam com o uso do Moodle , em relação a problemas técnicos que podem
ocorrer com o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem), queda de energia, pane
no servidor da instituição, falhas na conexão da internet, dentre outros. Então, é
importante que o professor tenha um “segundo plano, ou seja, planejar outros

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meios para entrega dos conteúdos aos alunos, como por exemplo, WhatsApp, e-
mail e Google drive” (Scalzer; Oliveira, 2019, p. 43).
Santos et al. (2018), fazendo referência ao que chamam de Era do
Conhecimento, destacam que os processos de ensino e aprendizagem estão
sendo progressivamente mediados pelas TICs.
Certamente, a adoção do computador e o acesso à internet oferecem um
suporte inovador, estimulador e enriquecedor às práticas educacionais. A escola
tem o papel de auxiliar no desenvolvimento intelectual e socioemocional,
oferecendo aos seus estudantes oportunidades para a sua formação, abrangendo
também a inclusão digital (Silva et al., 2012). No entanto, sabemos que o acesso
à rede de internet não é democrático, muitas famílias de estudantes de escolas
públicas estão excluídas desse arsenal de recursos digitais.
Dentre as barreiras para a efetiva inclusão sociodigital, temos a falta de
investimento na infraestrutura das escolas e a carência de formação continuada
aos professores para o efetivo uso das TICs no processo de ensino e
aprendizagem.
No caso de TICs aplicadas como tecnologias assistivas, a pesquisa de
Emer (2011) sinalizou que equipamentos enviados pelo MEC para as salas de
recursos permaneciam lacrados e guardados por não haver na escola um
professor que conhecesse o funcionamento, instalação e uso. Como exemplo, é
trazido o caso do Programa Boardmaker (pranchas de comunicação aumentativa),
que estava “em desuso, porque algumas escolas não tinham autorização para a
sua instalação nos computadores das escolas ou por falta de compatibilidade em
sistemas operacionais” (Emer, 2011, p. 122).

TEMA 5 – DESENHO UNIVERSAL

Em uma sociedade inclusiva, entendemos que os avanços tecnológicos


permitem que todas as pessoas possam desempenhar suas tarefas com
facilidade e autonomia. A definição de desenho universal foi concebida
originalmente por engenheiros e arquitetos para a projeção de edifícios e espaços
públicos (Zerbato; Mendes, 2018), considerada pela Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015) em seu capítulo I, art. 3º, inciso II, como
“concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por
todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico,
incluindo os recursos de tecnologia assistiva”.

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A projeção de espaços públicos pela arquitetura, com foco em atender a
necessidade de todos, para que todas as pessoas tenham acesso foi a inspiração
para o desenho universal. Um exemplo que deixa clara a compreensão desse
conceito é a concepção de rampa, que pode ser utilizada por pessoas com alguma
deficiência física e dificuldade de locomoção, mas também por aquelas que não
apresentam deficiência física alguma, como um idoso, uma gestante, uma mãe
empurrando o carrinho de bebê ou uma pessoa obesa (Zerbato; Mendes, 2018).
Com base nos conceitos de tecnologia assistiva e desenho universal,
Pletsch e Souza (2021) apresentam o desenho universal na aprendizagem, que
consiste em possibilitar o acesso ao currículo a todos, independentemente de
suas condições, respeitando as peculiaridades e os talentos dos estudantes por
meio do uso de estratégias pedagógicas e/ou tecnológicas diferenciadas,
incluindo a tecnologia assistiva.
De igual modo, temos o desenho universal aplicado à web, tendo como
foco a acessibilidade para maior número de usuários, ou seja, permitir que
qualquer pessoa usando qualquer tecnologia de navegação possa acessar um
ambiente na web e ter entendimento de seu conteúdo, com total interação. É
importante salientar que o ambiente também deve ter tecnologias assistivas como
leitores de tela, mouse e teclado adaptados, acionador de voz, dentre outros
(IFRS, 2019). Para tanto, é necessário garantir os sete princípios do desenho
universal, propostos pelo Centro para Desenho Universal da Universidade do
Estado de Carolina do Norte para que o conteúdo em meios digitais seja para
todos. No Quadro 2, apresentamos esses princípios.

Quadro 2 – Princípios do Desenho Universal

PRINCÍPIO CARACTERÍSTICA

1. Uso equitativo Possibilitar o uso de diferentes espaços, produtos, serviços e informações


por usuários com as mais variadas capacidades, garantir que a mesma
interface se mantenha atraente, utilizável e intuitiva.

2. Flexibilidade de Design para atender usuários com diferentes habilidades e preferências


uso (páginas com layout responsivo com o conteúdo se adaptando ao tamanho
da tela, acesso ao conteúdo por meio de linha ou display braille, controle
sobre o ambiente, assegurando a possibilidade de pausar, retroceder,
avançar, aumentar/diminuir o volume e outras possibilidades).

3. Uso simples e Em ambientes virtuais, diz respeito a assegurar a compreensão do


intuitivo conteúdo, pelo usuário, com informes, instruções claras, linguagem
simples, fornecendo feedbacks durante a execução e finalização da tarefa.

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4. Informação de Na web, abrange pensar em diferentes formas de apresentar o conteúdo
fácil percepção de maneira a atender as necessidades de quem as recebe, por exemplo,
fornecer opção para conteúdo em vídeo, como transcrição textual, legenda,
audiodescrição e alternativa em libras, dividir blocos de informação de
maneira lógica e organizada com topo, conteúdo, menu e rodapé, dentre
outros.

5. Tolerância a Busca minimizar os erros. Em aplicações na web, se o usuário cometer um


erros erro, o sistema automaticamente o corrige ou fornece um feedback para
que o problema possa ser resolvido.

6. Baixo esforço Uso eficiente, ergométrico (confortável). Na web, oferecer contraste


físico adequado ou opções de alto contraste a pessoas com baixa visão para não
prejudicar o resíduo visual; para conteúdos extensos, fornecer sumário de
âncoras que saltem para sessões específicas, dentre outros.

7. Dimensão e Estabelece dimensões e espaço apropriado para o acesso, manipulação e


espaço para uso independentemente do tamanho do corpo (obesidade, nanismo etc.).
acesso e uso Usar os menus em cascata somente quando forem necessários; fornecer
um tamanho adequado para os botões e controles de uma página, de
forma que não sejam muito pequenos ou pouco visíveis; ao separar botões,
links e áreas de conteúdo, fornecer uma área de separação que facilite o
clique e a visualização do foco.

Fonte: Elaborado por Paula Mitsuyo Yamasaki Sakaguti com base em IFRS, Centro Tecnológico
de Acessibilidade, 2019.

Assim como os projetos de edifícios e cidades baseados no desenho


universal atendem às demandas de todos, devemos procurar uma solução versátil
para que o projeto se adeque a todos, assegurando que todos possam usufruir
com segurança.

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REFERÊNCIAS

ARROIO, A.; GIORDAN, M. O vídeo educativo: aspectos da organização do


ensino. Química nova na escola, v. 24, n. 1, p. 8-11, 2006.

BERSCH, R. Introdução à Tecnologia Assistiva. Porto Alegre:


Assistiva/Tecnologia e Educação, 2017. Disponível em:
<https://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf>. Acesso em
7 dez. 2022.

BRASIL, Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos


Jurídicos. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Lei n. 13.146,
de 6 de julho de 2015, Brasília, DF, 2015.

CANTO, Z.; LOTTHAMMER, S.; SILVA, B. O uso das TIC no ensino de Geografia
para a educação básica. In: SILVA, B.; BILESSIMO, S.; ALVES, M. (Orgs.).
Integração de Tecnologias na Educação: práticas inovadoras na Educação
Básica, v.3, Araranguá/SC: Editora Hard Tech Informática Ltda, 2019, p.263-280.

_____. Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Ata


VIII Reunião do Comitê de Ajudas Técnicas – CAT, Brasília, 2007.

CONTIN, A. Educação e tecnologias. Londrina: Editora e Distribuidora


Educacional S/A, 2016.

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