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Indivíduo e a Sociedade

Para a formação de um sistema social e econômico podemos nos


basear em três princípios:

O indivíduo, o estado, a sociedade.

No estado, prescindindo absolutamente do indivíduo, se apoiam


os partidários do deus-Estado: os socialistas marxistas e comunistas.

Na sociedade, formada a seu modo, se apoiam o sindicalismo e o


universalismo (teoria de Othmar Spann).

No indivíduo se apoiam os demais.

1. O Indivíduo

A doutrina social que se baseia no indivíduo pode apresentar-se


de três formas diversas:

a) A teoria do indivíduo antissocial. É a que se apoia na


ideia do contrato social de Rousseau (†1778). O
homem, antissocial por natureza, só por virtude de
um pacto entra na sociedade; por consequência,
conserva todos os direitos que pelo pacto não cede:
seu predomínio indiscutível sobre a sociedade, seu
estilo de vida e todos os seus direitos.

b) A ideia do indivíduo extrassocial. É a que se apoia


em Hume (†1786). Por sua natureza, diz a teoria, o
homem não é nem social nem antissocial. Se lhe
apraz viver em sociedade, assim o faz; se quer viver
só, assim o faz também. De ninguém depende, a
ninguém cumpre imiscuir-se em seu ser além de si
mesmo.

c) A ideia do indivíduo social por natureza e essência.


O homem tem sua personalidade, direito e obrigações
próprias. Mas para a melhor e necessária realização
de suas necessidades, que não são puramente
individuais; É sociável por essência, e deve
direcionar seus atos, não somente a si mesmo —
como quer a teoria do homem extrassocial — mas
também à sociedade e aos demais seres que com ele a
formam; e, por isso, tem limitados seus direitos e
deveres sociais pela mesma natureza social, a qual, se
lhe dá direitos respectivos à sociedade e aos demais
membros dela, lhe impõe também deveres respectivos
a eles. Leão XIII, na encíclica Rerum novarum, ao
tratar do direito natural de associação do homem, o
fundamenta precisamente em sua própria natureza
social. Diz o Papa:

“O direito de fomentar tais sociedades privadas é direito


natural ao homem: a sociedade civil foi instituída para proteger,
e não para aniquilar o direito natural; se uma sociedade civil
proibisse aos cidadão fazer entre si estas associações, se
contradiria a si própria, porque todas as sociedade, públicas e
particulares, tiram a sua origem de um mesmo princípio, a
natural sociabilidade do homem.”

2. O Indivíduo e a Sociedade
E que relações existem entre o indivíduo e a sociedade?

Prescindindo do sistema individualista rigoroso e do


socialista, tidos como falsos, fixam estas relações dois sistemas
principais: o universalista de Othmar Spann, que constrói de
cima para baixo, e o sistema tradicional cristão, que o edifica de
baixo para cima.

a) A teoria universalista de Othmar Spann

Opina Othmar Spann, professor de Viena, que na


sociedade, como unidade coletiva de um todo, só de duas
maneiras podem considerar-se as partes: 1.a, à maneira dos
mecanismos independentes (individualismo); 2.a, à maneira de
organismos relativamente independentes que recebem do Todo
sua vida (universalismo). (Othmar Spann: Gesellschaftslehre,
Leipzig, Verlag Quelle und Meyer, 3.a ed. 1930, pág 65.)

Bem se compreende que dentre as duas hipóteses propostas


por Spann há uma terceira, que é precisamente a real: a de que os
organismos menores da sociedade sejam independentes em sua
própria esfera da suprema sociedade, de maneira que não tenham
que receber do Estado seu próprio ser. Eloquentíssimo é neste
respeito o que diz Leão XIII, confirmando esta ideia, na
encíclica Rerum novarum. (Rerum novarum, núms. 37-8. Cfr.
Azpiazu: Direcciones pontificias, 7.a ed., págs. 441-442.)

* * *
Othmar Spann faz três perguntas, que são fundamentais em
sua teoria: 1.a O que é primário na sociedade: o Todo ou as
partes? 2.a Qual é o fundamento em que se apoia a sociedade: o
Todo ou as partes? 3.a De que consta a sociedade: só de
indivíduos ou de algo mais, de alguma essência supraindividual
que está no Todo essencial? (Ibid., 66.)

As contestações de Spann são sempre favoráveis ao Todo,


ou seja, à sociedade suprema. Delas se deduz claramente que
todos os direitos individuais e sociais das sociedades imperfeitas
que existem dentro da sociedade civil são provenientes de um
sumo direito emanado do Estado, e que, por consequência,
segundo Spann, o indivíduo é para a sociedade, e não a
sociedade para o indivíduo.

Em outra parte de suas obras expõe resumidamente toda


sua doutrina: “O universalismo diz: a atuação mútua espiritual
dos homens é criadora. A espiritual subsistência do indivíduo é
condicionada; necessita de outro espírito: a sociedade. Por isso o
indivíduo é desde o começo agrupável em uma mútua atividade
contida na espiritual atração comum de muitos. Por isso a
sociedade deve considerá-la como algo próprio, e, portanto,
como superindividual e primário.

Daí que, no Universalismo, o indivíduo não toma sua


própria vida espiritual no interior de si mesmo, mas que,
edificado e assentado na comunidade espiritual com os demais,
recebe seu ser espiritual da união mais íntima e variada com os
demais seres espirituais. Por isso, na comunidade espiritual, que
por ter de realizar-se ao menos entre dois, é chamada Gezweiung
(comunidade binária) — seja a união da mão com o filho, do
mestre com o discípulo, do homem com a mulher, de dois
amigos, pensador e crítico -, se encontra o começo dos
conhecimentos, sentimentos e afetos, não como fruto de um
intercâmbio mecânico, mas no sentido criador de mutua
influência...” “A comunidade espiritual é a fonte vital e a alegria
de viver dos indivíduos, algo necessariamente moral e espiritual
distinto do puramente utilitário. A sociedade está, pois, sobre os
indivíduos; é sua forma de vida criadora”. (Othmar Spann: Die
Hauptprobleme der Volkswirtschaftslehre, Verlag Quelle und
Meyer, Leipzig, págs. 26-27.)

Claramente aparece a ideia fundamental de Spann: o


professor vienense, ao querer ser eminentemente
anti-individualista, cai no extremo oposto.

Sua ideia central fundamental tende a dotar da máxima


riqueza e compreensão a ideia de sociedade, a chamada Ganzheit
(totalidade). Desta totalidade se derivam, pelo visto, os direitos e
deveres dos indivíduos e sociedades menores; segundo ela, se
fixam vários graus de sociedade: da mais elevada, a sociedade
nacional (Spann identifica a nação com a sociedade), derivam
todas as demais que podem formar-se: na ordem econômica, as
corporações econômicas; na ordem social, os sindicatos; na
familiar, a família. Por isto deve admitir-se estas sociedades, que
derivam sua vida do espírito da sociedade, e deve rechaçar-se
outras sociedades, como o Parlamento e os partidos políticos,
que, tendo sua origem no sufrágio universal, não recebem da
sociedade sua vida criadora.

b) A teoria tradicional cristã


A doutrina cristã é exatamente a contrária da de Othmar Spann.

A tese cristã se assenta no seguinte:

A sociedade, na ordem prática, acrescenta a seus membros uma


relação:

a) Intencional e afetiva comuns;

b) É a sociedade uma entidade real de ordem moral;

c) É criadora de direitos e deveres fundados na


inviolabilidade da pessoa humana;

d) E na ordem moral, a sociedade é algo substancial e


existente por si mesmo.

Isto é:

A sociedade não é mero ajuntamento de pessoas — como os


individualistas exagerados afirmam —, mas algo novo criado e
formado pelas mesmas pessoas;

A principal distinção entre as sociedades é sua finalidade (na


ordem internacional), e na ordem afetiva, a afeição (o que se chama
hoje de affectio societatis), de tal modo que a relação internacional
distingue às diversas sociedades, e a affectio societatis mantém unidos
os membros que a formam; e

A sociedade é algo novo de ordem moral — é uma


personalidade moral, mas real, com todos os direitos e deveres
próprios dela — e como criadora dos mesmos direitos e deveres entre
os sócios e terceiros.
* * *

Ao mesmo tempo, a sociedade é algo substancial, não puramente


acidental e acessório.

Pois bem: qual é a razão de ser das sociedades? É o


aperfeiçoamento do indivíduo. Assim, a família aperfeiçoa ao
indivíduo, dotando-o de ser criador de novas personalidades: na ordem
física da procriação e na moral da educação; o município aperfeiçoa
aos indivíduos e às famílias, facilitando-lhes muitos serviços que
individualmente não poderiam obter; as sociedades de socorro
favorecem aos indivíduos que nela se alistam; as anônimas, a seus
sócios; a nação, a seus indivíduos; o Estado, a seus súditos...

Logo a razão de ser da sociedade é o indivíduo. Não um


indivíduo egoísta, mas um indivíduo social. Logo a razão de ser fonte
de direitos a sociedade se apoia no mesmo indivíduo, enquanto este,
por um direito inato de associação, cria esta entidade moral (a
sociedade), da qual vão nascer direitos e deveres.

Maravilhosamente explica esta doutrina o sábio escritor


dominicano A. D. Sertillanges:

“Tudo deve partir do indivíduo. A razão desta afirmação é bem


simples, e é que o indivíduo é ao mesmo tempo o fim da sociedade e
seu princípio, e que tudo parte do fim na ordem da intenção, e do
princípio ativo na ordem da execução.

“Muitos teóricos recusariam admitir que o fim da ordem social


seja em benefício do indivíduo. Demasiado imbuídos nas ideias pagãs,
fazem do Estado um deus à maneira de Saturno, que devora
voluntariamente seus próprios filhos, o que, em todo caso, os
subordina em absoluto, olvidando que o mesmo – o Estado – é coisa
temporal, enquanto o indivíduo, à parte de sua atividade temporal que
deve consagrar ao Estado, tem, por virtude de sua alma, um tesouro
espiritual que de ninguém depende, que ninguém pode alienar, e que
toda a ordem social deve servir.

“Daqui nascem múltiplas consequências. Não se permitirá mais


ao Estado desconhecer o direito natural dos indivíduos em matéria de
consciência, de educação, de propriedade individual, de herança, de
autoridade familiar, de instrução; porque todo ele, fundado em sua
natureza, toca a ordem divina, e se encontra conquistado pelo
cumprimento de nossos destinos, anteriores à constituição do mesmo
Estado, já que o Estado é o efeito e não o princípio deles.

“No mais, já que nós concedemos que o indivíduo que está


subordinado ao estado quanto a suas atividades temporais, deverá
concluir-se também daqui consequências oportunas. Leão XIII não
falta tampouco neste ponto, e a deificação do Estado não substitui a
deificação do indivíduo. Só Deus é Deus, e só n’Ele se encontra o
princípio da ordem que rege, por uma parte, a sociedade, e por outra,
as consciências. O individualismo é tão pernicioso quanto o estatismo.
E sucede muitas vezes que em nossas sociedades desorientadas estes
dois erros juntam sua própria malícia.” (A. D. Sertillanges, O. P.: A
quelles conceptions et a quelle structure sociale se rattachent les
enseignements de l’encyclique “Rerum novarum”, publicado em Il XL
anniversario della enciclica “Rerum novarum”. Milano, Vita e
Pensiero, 1931, págs. 465-467.)

3. A teoria da finalidade individual e social dos atos humanos

A teoria da dupla finalidade individual e social que têm ou


devem ter as ações humanas deriva logicamente da mesma natureza
humana do homem.
Segundo ela, o indivíduo não vive nem trabalha só para si; nem
tem sua propriedade para seu próprio e exclusivo usufruto, senão que,
dentro da sociedade em que se encontra, por disposição de Deus,
necessariamente tem de dar a seu trabalho e a seus bens uma
orientação individual e social, conforme a dupla função que aqueles
têm, individual e social.

Esta doutrina, em seus pontos particulares, há de explicar-se


logo. Basta indicar aqui a existência da teoria do duplo fim e do
influxo que, segundo ela, têm todas as ações humanas, em bom ou mal
sentido, na própria vida social.

Para não alargar a matéria, ficam aqui indicadas algumas ideias


fundamentais da encíclica de Pio XI a este respeito:

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