AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA
FEDERAL DE GUARAPUAVA – PR.
O Ministério Público Federal, por intermédio de seu Procurador ao
final assinado, no uso de suas atribuições previstas no art. 129 da Constituição Federal, vem perante Vossa Excelência, com base no Inquérito Policial nº 666, oriundo da delegacia da Polícia Federal de Guarapuava, oferecer:
DENÚNCIA
Contra VINICIUS SERQUEIRA, brasileiro, casado, empresário,
nascido em 15.05.1983, filho de Antonio Brunassi Serqueira e Maria Aparecida Galvão Serqueira, portador da cédula de identidade RG nº 12.444.123-9 SSP/PR, inscrito no CPF sob o nº 122.435.555-09, residente e domiciliado na Avenida das Consolações Inexistentes, nº 111, na cidade de Guarapuava – Pr. TEL: (44) 99922-2234, E-mail: vinicios_serqueira@outlook.com, pela prática dos seguintes fatos delituosos.
I – DOS FATOS: I.1 – DOS CRIMES DE TRÁFICO DE PESSOAS: ART. 149-A III DO CP.
O Denunciado por meio de propaganda enganosa em panfletos
distribuídos e expostos na rodoviária do município de Gavião – Ba induzia premeditadamente e sabidamente trabalhadores esperançosos quanto a uma melhora de vida, para que os mesmos aventurassem-se na jornada que consistia em deixar a sua terra para virem até a cidade de Guarapuava – Pr., para trabalharem na Fazenda Novo Futura, Estrada Liberdade, Km 28, na produção de maçãs.
Uma das táticas do Denunciado, nessa propaganda falsa, era
oferecem um excelente salários, além de moradia, alimentação, bem como o adiantamento das passagens para que o trabalhador pudesse deslocar-se para essa empreitada o mais rápido possível. Mas não satisfeito com a panfletagem enganosa, o Denunciado também acabava por ludibriar os trabalhadores por meio de contato telefônico, quando os trabalhadores acabavam por entrar em contato com o mesmo, e sempre confirmava tudo o que propagavas os panfletos distribuídos com intuito de recrutar trabalhadores e mais uma vez as promessas enganosas eram sempre reforçadas para que o trabalhador enganado fosse.
I.2 – DOS CRIMES DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO:
ART. 149 CAPUT § 1º II DO CP.
Os trabalhadores enganados pelo Denunciado ao chegarem até a
propriedade rural do mesmo, deparavam-se com um cenário totalmente diferente daquele prometido nos panfletos enganosos e nas conversas deliberadamente atraentes do Denunciado.
A jornada de trabalho na propriedade rural do Denunciado era
exaustiva e extremamente puxada, além de fornecer um alojamento assustadoramente pequeno exageradamente sujo para que os trabalhadores dormissem sobre colchões finos e sujos sob um chão de terra batida. Além do mais os trabalhadores eram obrigados a ficarem somente dentro da propriedade conforme demonstrado no Inquérito Policial pois as porteiras eram fechadas por fora e trancadas com correntes e cadeados impossibilitando assim a saída dos trabalhadores da propriedade.
O Denunciado ainda usava da tática de fazer com que os
trabalhadores trabalharem para o mesmo para que tivessem que pagar as passagem que outrora o Denunciado forneceu para que os mesmo pudessem via para Guarapuava – Pr., Essas passagem que era propagadas como sendo oferecidas gratuitamente era depois usadas como desculpa para o que Denunciado explorasse ainda mais os trabalhadores.
Além do mais, o Denunciado obrigava os trabalhadores a comprarem
alimentos exclusivamente dele e por um preço muito mais alto e com juros surreais para que os mesmo acabassem por criarem uma dívida perpetua com o Denunciado, uma tática antiga e desumana. E por fim, o Denunciado ainda ousava confiscar os documentos e celulares dos trabalhadores forçando assim os mesmos a ficarem ainda mais reféns dessa situação degradante.
II – DOS CRIMES COMETIDOS:
O Denunciado ao criar panfletos e distribuí-los em locais com alto fluxo de pessoas, como a rodoviária do município de Gavião – Ba, obviamente possuía a intenção de estar realizando tráfico de pessoas com o intuito de servidão conforme art. 149-A III do CP (Código Penal):
transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: III - submetê-la a qualquer tipo de servidão.
Visto que tudo o que era propagando nesses mentirosos panfletos
eram confirmados pelo Denunciado ao ter contato telefônico com os trabalhadores, não há dúvidas de que o Denunciado planejava e executava tão ardiloso plano de traficar trabalhadores para servi-lo em seu propriedade rural conscientemente. O Denunciado de igual maneira, ao submeter os trabalhadores ludibriados pelo mesmo a jornadas extremamente pesadas, longas e cansativas de trabalho e também por impedir os mesmos trabalhadores de saírem da sua propriedade rural trancando com correntes e cadeados as entrada e saídas e ainda por obrigar esses mesmos trabalhadores a comprarem alimentos somente do próprio Denunciado, com valor muito mais alto do que o visto no mercado, fazendo assim com que esses trabalhadores ficassem com dívidas impagáveis e perpétuas com o Denunciado, o mesmo incorreu no crime de redução à condição análoga a de escravidão conforme art. 149 caput do CP: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Desta forme entende-se que o Denunciado cometeu sim o crime de
redução à condição análoga a de escravo, visto ter praticado as conduta prevista no diploma legal, pois não há a necessidade de pratica-se todas as condutas tipificadas caput do art. 149 do CP, bastante apenas uma conduta criminosa para que o artigo possa ser evocado conforme entendimento do TRF4:
EMENTA: DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL.
CÓDIGO PENAL, ART. 149, CAPUT E § 2º, INCISO I. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. OMISSÃO DO REGISTRO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO (ARTIGO 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL). MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS APENAS QUANTO AO FATO 2. ABSOLVIÇÃO NO TOCANTE AO RÉU OSVALDO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO RETROATIVA CONFIGURADA EM RELAÇÃO AO CRIME DO ART. 297, § 4º, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA AJUSTADA. 1. O art. 149 do Código Penal, em sua atual redação, estabeleceu quatro meios de execução que, alternativamente, poderão conduzir à consumação do delito de redução à condição análoga à de escravo, quais sejam: a) submissão a trabalhos forçados; b) submissão a jornada de trabalho exaustiva; c) sujeição a condições degradantes de trabalho; d) restrição, por qualquer meio, de sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. 2. Para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão a condições degradantes de trabalho ou às condutas alternativas previstas no tipo penal. 3. Pela prova documental e testemunhal, somadas aos interrogatórios, conclui-se que os apelantes desempenharam papel fundamental na prática criminosa de redução a condição análoga à de escravos dos trabalhadores da lavoura de tomate, pois foram responsáveis por agenciar os trabalhadores e suas famílias, transportando-os e instalando-os em local insalubre e submetendo-os a condições de vida e trabalho degradantes e desumanas, sem efetivo pagamento de salário, promovendo o endividamento das famílias por meio do fornecimento de vales a serem utilizados em supermercado específico. 4. Não há falar em crime impossível (Código Penal, art. 17). No caso, não se tem uma tentativa, mas uma prática consumada de crime de redução à condição análoga à de escravo majorado por também vitimar de menores de idade, não sendo viável cogitar a ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto, porquanto as condições degradantes a que os trabalhadores foram submetidos são meios eficazes para violar a dignidade das vítimas. 5. Em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, impõe-se a absolvição do réu ADILSON MOLIN BOF relativamente ao FATO 1. 6. À vista do farto conjunto probatório existente, que comprova a autoria dos réus OSNI LENZ e ADILSON MOLIN BOF no tocante à prática do crime previsto no art. 149, caput e § 2º, I, do Código Penal, deve ser mantida a sentença condenatória no tocante ao FATO 2. 7. Para configuração do crime do artigo 297, § 4º, do CP, é exigido o dolo do autor, revelado, no caso, pela vontade livre e consciente de omitir a vigência dos contratos de trabalho. Trata-se de crime contra a fé pública, cujo tipo penal depende da verificação do elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade de falsificar ou alterar o documento público, sabendo o agente que sua conduta é ilícita. 8. Inexistindo fundamentos suficientes para reformar a sentença, deve ser mantida a condenação dos réus ADILSON MOLIN BOF e OSNI LENZ, pela prática do crime previsto no art. 297, § 4º, do Código Penal. 9. O fato de o réu OSVALDO participar indiretamente, com a destinação de recursos a título de adiantamento de safra, na aquisição de insumos e equipamentos, não atrai para ele a responsabilidade sobre os contratos de trabalho firmados, sendo, assim, insuficientes a provas de sua autoria em relação ao crime tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal (FATO III). 10. Embora comumente ambos os crimes sejam praticados em conjunto, inexiste vínculo de necessariedade entre eles, a ensejar a aplicação do princípio da consunção. Assim como é plenamente possível haver a omissão do vínculo empregatício na CTPS sem a redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, também pode se submeter o trabalhador a condições penalmente reprováveis ainda que a CTPS esteja regular. 11. Considerando a data do recebimento da denúncia para o FATO III, em 14/05/2012 (evento 14), por força do provimento ao Recurso em Sentido Estrito nº 5000573-16.2011.404.7211, e a prolação da sentença condenatória apenas em 06/10/2017 (evento 415), impõe-se o reconhecimento ex officio da extinção da punibilidade dos réus OSNI LENZ e ADILSON MOLIN BOF em relação ao crime tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, diante da prescrição retroativa, com base na pena em concreto, transitada em julgado para a acusação. (TRF4, ACR 5000214-66.2011.4.04.7211, SÉTIMA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, juntado aos autos em 13/04/2021). Ainda ressalta-se que o Denunciado incorreu no crime do art. 149 § 1º, inciso II, do CP, pois foram encontrados em um cofre na propriedade rural do Denunciado os documentos e aparelhos celulares dos trabalhadores, o que claramente era uma tática consciente e planejada pelo Denunciado, reter os documentos pessoas e aparelhos celulares dos trabalhadores para impedir com que os mesmo buscassem ajudassem e deixassem a propriedade:
"Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
II – Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou
se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
Desta forme, fica claro a prática do crime por parte do Denunciado
conforme expressa o diploma legal do art. 149 § 1º inciso II do CP.
III – DOS PEDIDOS:
Diante do exposto o Ministério Público Federal denuncia o Sr.
Vinicius Serqueira pela prática dos crimes previstos nos artigos 149-A inciso III e 149 caput § 1º inciso II todos do Código Penal, na forma do artigo 69 do Código Penal (Concurso Material). Requerendo que após recebida e autuado seja o Denunciado processado e julgado conforme o rito ordinário. Requer ainda a produção de todos as provas que se fizerem necessárias, especialmente a inquirição de testemunhas abaixo arroladas e o interrogatório do Denunciado os quais deverão ser intimadas por oficial de justiça para comparecerem em juízo na audiência de instrução a ser designada. Requer ainda a certificação dos antecedentes criminais em todos os órgãos competentes. Ademais, incabível ao caso o oferecimento do acordo de não persecução penal (ANPP) e a suspensão condicional do processo em razão dos antecedentes criminais e pena mínima dos crimes. Por fim, tendo em vista a situação fática dos Autos não modificaram desde a prisão em flagrante até a presente data, requer a manutenção da prisão preventiva do Denunciado. Guarapuava – Pr., Aos 27 dias do mês de Março de 2023.