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Sempre é uma companhia

Português (Escola Secundária Henriques Nogueira)

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“Sempre é uma companhia”

Análise

Caracterização das personagens e relação entre elas:

 Em “Sempre é uma companhia”, a ação gravita em torno de duas personagens


nucleares: o Batola, que é o protagonista, e a mulher. O leitor acompanha mais
de perto o drama pessoal e íntimo destas duas figuras, mas vai também lendo
sobre as angústias e os problemas do Rata e dos outros habitantes da aldeia.
 Batola é um homem de estatura mediana, “atarracado” e de “pernas arqueadas”,
e tem cara redonda. No que diz respeito à sua personalidade, o protagonista do
conto revela-se, inicialmente, passivo e conformado com a situação. Mas é
também agressivo (com a sua mulher), pouco polido e fraco, visto que se entrega
ao vício da bebida, e não consegue ultrapassar a situação existencial em que se
encontra (frustração, vazio interior).
 Pela sua forma de sustento, Batola e a mulher, que têm uma loja, vivem de
forma mais desafogada do que os trabalhadores agrícolas da aldeia. No entanto,
o protagonista debate-se com o problema da solidão, do vazio existencial e da
frustração. Na segunda parte do conto, após a aquisição da telefonia, a
personagem ultrapassa a solidão em que se encontrava e ganha ânimo, vitalidade
e gosto pela vida.
 Por contraste, a mulher do Batola é caracterizada como o oposto do retrato
inicial do marido. Fisicamente, ela é alta, séria (“grave), tem “rosto ossudo” e
“olhos negros”. Na sua “serenidade de maneiras”, revela ser dinâmica,
determinada, organizada, sensata. É ela que gere a casa e o negócio de família: a
venda. O seu nome nunca é mencionado, sublinhando a ideia de que importa
mais o papel que desempenha do que a sua identidade.
 A relação matrimonial entre Batola e a mulher é marcada por um aparente
vazio de sentimentos e de frieza: coexistem, em vez de criar um espírito de

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comunhão e de partilha entre si, e mal falam. O silêncio acaba por se abater
sobre aquele lar. Os dois vivem em estado de tensão, ira e revolta e o resultado
desse mal-estar, em certos casos, desemboca na violência, quando Batola agride
a companheira.
 Já a personagem Rata vive na miséria. Apesar de manter uma amizade com o
Batola, estabelece um contraste com ele: a vida do protagonista prima pelo
imobilismo; por seu lado, o Rata sai frequentemente da aldeia e calcorreia o
Alentejo. Porém, quando a miséria e a doença o condenam a uma vida estagnada
e de grande privação, suicida-se.
 Acompanhamos também a existência dura, desgastante e carenciada de uma
personagem coletiva: os ceifeiros e demais trabalhadores agrícolas da aldeia,
que trabalhavam “de sol a sol” e que não parecem ter forma de ultrapassar as
suas difíceis condições de existência.
 Uma palavra sobre o vendedor de telefonias: trata-se de um homem elegante,
afável e cativante, como qualquer vendedor deve ser. Além disso, é convincente
e calculista.

Caracterização do espaço físico, psicológico e sociopolítico:

 A ação de “Sempre é uma Companhia” decorre em Alcaria, uma aldeia do


Alentejo profundo, na primeira metade dos anos 40 do século XX. Neste espaço
físico, o olhar do narrador incide na vida do casal que é proprietário da loja da
aldeia. É sobretudo na casa destes comerciantes, um espaço formado pela parte
habitável e pela venda, que a trama narrativa conhece os momentos mais
relevantes.
 O espaço da aldeia e, mais ainda, a casa do Batola são espaços
concentracionários e proporcionadores de claustrofobia, que colocam as
personagens nucleares sob grande pressão. É inevitável que os habitantes de
Alcaria sintam o lugar como uma prisão que determina as vidas vazias,
rotineiras e carenciadas que têm.
 O drama íntimo que Batola vive é retratado por um narrador omnisciente que,
em certos momentos, adota o ponto de vista da personagem para narrar a
história. É sobretudo nesses momentos que tem acesso aos pensamentos, às

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angústias e às ansiedades do protagonista do conto e que os apresenta ao leitor.


Estes momentos, em que entramos na mente da personagem para auscultarmos
os seus pensamentos e sentimentos, são momentos de espaço psicológico.
 No conto, abre-se ainda o espaço social (ou sociopolítico) quando os ambientes
e as vivências das personagens conduzem à análise e à crítica da organização e
das práticas de uma comunidade. Alcaria é uma localidade rural que não tem
contacto com o resto do mundo e que ficou parada no tempo. No isolamento
geográfico, na vida dos seus habitantes e no atraso tecnológico (apenas uma casa
tem eletricidade e não existia uma única telefonia na aldeia), encontramos um
microcosmos da pobreza e do atraso cultural do Portugal do Estado Novo.
Indiretamente, podemos concluir que as políticas do governo central são também
responsáveis pelo fechamento e pela situação socioeconómica de Alcaria.
 Na segunda parte da narrativa, opera-se uma mudança nesta comunidade. A
compra de uma telefonia, que transmite notícias e música, abre uma linha de
comunicação com o resto do país e com o mundo. O isolamento da
comunidade atenua-se porque os seus habitantes passam a saber o que acontece
noutros lugares: recebem, por exemplo, informações sobre a Segunda Guerra
Mundial.

A solidão e convivialidade como tema central:

 A existência da telefonia na venda do Batola introduz alterações no modo de


vida das personagens e na convivialidade que mantêm entre si.
 Como antes vimos, a primeira parte do conto é marcada pelo isolamento
geográfico da ladeia e pela solidão do Batola. A relação fria e tensa com a
mulher pauta-se pelo afastamento e pelo silêncio. Por outro lado, sendo Batola
um comerciante, a solidão do protagonista deve-se também ao facto de ter uma
ocupação que o afasta do contacto regular com os trabalhadores agrícolas que
forma o grosso da população de Alcaria e que poucos frequentam a sua venda. O
isolamento da personagem, em tempos, era quebrado pelas conversas com o
Rata, mas esse contacto humano também se perde quando este último se suicida.

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 O modo de vida da população da aldeia altera-se quando o Batola adquire uma


telefonia. Os habitantes começam a sair de suas casas à noite para irem até à loja
escutar a rádio, ora a fim de saber notícias do País e do mundo, ora para ouvir (e
dançar ao som da) música. A convivência entre os membros da comunidade
aumenta.

A importância das peripécias inicial e final:

 No início de “Sempre é uma companhia”, o narrador apresenta o protagonista do


conto e, de seguida, dá a conhecer ao leitor os traços centrais da sua
personalidade e a relação que tem com a mulher pelo processo de caracterização
indirecta, no breve episódio em que um cliente entra na loja. Batola demora-se
para não ter de aviar a criança que foi comprar café, esperando que seja a mulher
a fazê-lo. Conclui-se então que a inércia e a frustração minam Batola e que a
relação com a mulher se pauta pela frieza, pelo ressentimento e pelo despeito.
 Na peripécia final, que corresponde ao desenlace da ação, a mulher de Batola
recua na sua intransigência e comunica ao marido que aceita que ele compre
definitivamente a telefonia, que tanto animava a loja e a aldeia. Antes a
personagem ameaçara sair de casa se o marido adquirisse o aparelho, e o
protagonista convence-se de que tem de abdicar do rádio para que tal não
suceda.
 Esta alteração da decisão da mulher de Batola tem consequências para a
comunidade e para a sua relação matrimonial. Os habitantes poderão continuar a
juntar-se para conviver ao som da música e escutar as notícias do exterior. Por
outro lado, a mulher do protagonista percebeu como a telefonia tinha alterado a
atitude e o ânimo do marido e ficou agradada com esse facto, se é que não ficou
ela própria rendida às emissões radiofónicas. Como o desenlace do conto é
aberto, podemos conjecturar que o casal se voltou a aproximar e que ressurgiram
os afetos e a partilha entre ambos.

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