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Dermeval SAVIANI2
RESUMO
1
Conferência proferida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 19 de
junho de 2007.
2
Professor Emérito da Universidade Estadual de Campinas e Coordenador Geral
do HISTEDBR. E-mail: <dermevalsaviani@yahoo.com.br>.
ABSTRACT
The educational policies concern the decisions that the Government, that is the State, takes regarding
the education. Therefore, dealing with the limits and perspectives of the Brazilian educational policies
implies in examining the scope of the educational measures taken by the Brazilian State.
There would be many aspects to be considered regarding the limits of the Brazilian educational
policies. I think, however, that many of the limitations derive, in last instance, from two structural
characteristics that cross the action of the Brazilian State in the field of the education from its origins
until today, and by that I mean the historical resistance that the leading elites present to the
maintenance of the public education, and the discontinuity, also historical, of the educational
measures defended by the State. The first limitation materializes in the traditional scarcity of the
financial resources destined to education; the second is embodied in the interminable sequence of
reforms, each one beginning again from scratch, and promising the definitive solution of the
problems that go on endelessly. In the sequence I will try to explain how these two limitations have
manifested themselves.
Keywords: Brazilian Education; Public Education; Educational Policies; Social Policies and
Educational Policies.
A educação era financiada com recursos e nelas, e na Ásia de dez reis em cada
públicos, configurando uma espécie de “escola canada de aguardente das que se fazem
pública religiosa” (LUZURIAGA, 1959, p.5-22). nas terras, debaixo de qualquer nome
Entretanto, se o ensino então ministrado pelos que se lhe dê, ou venha a dar (“Carta de
Lei” de 10/11/1772, Item II. In:
jesuítas podia ser considerado como público por
MENDONÇA, 1982, p.614).
ser mantido com recursos públicos e pelo seu
caráter de ensino coletivo, ele não preenchia os
demais critérios, já que as condições tanto
Mas também no caso das “aulas régias”,
materiais como pedagógicas, isto é, os prédios
que se concentravam dominantemente no ensino
assim como sua infra-estrutura, os agentes, as
que corresponderia ao nível secundário, em
diretrizes pedagógicas, os componentes
especial às classes de latim, a responsabilidade
curriculares, as normas disciplinares e os
do Estado limitava-se ao pagamento do salário
mecanismos de avaliação encontravam-se sob
do professor e às diretrizes curriculares da matéria
controle da ordem dos jesuítas, portanto, sob
a ser ensinada, deixando a cargo do próprio
domínio privado. O resultado foi que, quando se
professor a provisão das condições materiais
deu a expulsão dos jesuítas em 1759, a soma
relativas ao local, geralmente sua própria casa, e
dos alunos de todas as instituições jesuíticas
à sua infra-estrutura, assim como aos recursos
não atingia 0,1% da população brasileira, pois
pedagógicos a serem utilizados no
delas estavam excluídas as mulheres (50% da
desenvolvimento do ensino. Essa situação era,
população), os escravos (40%), os negros livres,
ainda, agravada pela insuficiência de recursos,
os pardos, filhos ilegítimos e crianças
dado que a Colônia não contava com uma estrutura
abandonadas (MARCÍLIO, 2005, p.3).
arrecadadora capaz de garantir a obtenção do
Por sua vez, o período seguinte (pedagogia “subsídio literário” para financiar as “aulas régias”.
pombalina: 1759-1827), corresponderia aos
Com a independência política foi instalado
primeiros ensaios de se instituir uma escola
o Primeiro Império, que fez aprovar, em 15 de
pública estatal. Pelo Alvará de 28 de junho de
outubro de 1827, um documento legal que ficou
1759, determinou-se o fechamento dos colégios
conhecido como lei das escolas de primeiras
jesuítas, introduzindo-se as “aulas régias” a serem
letras, pois estabelecia, no artigo primeiro: “em
mantidas pela Coroa, para o que foi instituído, em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos
1772, o “subsídio literário”. As reformas haverão (sic) as escolas de primeiras letras que
pombalinas contrapõem-se ao predomínio das forem necessárias” (TAMBARA; ARRIADA, 2005,
idéias religiosas e, com base nas idéias laicas p.23). Pode-se dizer, entretanto, que essa lei
inspiradas no Iluminismo, institui o privilégio do permaneceu letra morta. E o Ato Adicional à
Estado em matéria de instrução, surgindo, assim, Constituição do Império, promulgado em 1834,
a nossa versão da “educação pública estatal” colocou o ensino primário sob a jurisdição das
(LUZURIAGA, 1959, p.23-39). A partir dessa Províncias, desobrigando o Estado Nacional de
proposta, foi baixada a “Carta de Lei” de 10 de cuidar desse nível de ensino. Considerando que
novembro de 1772. Por ela foram extintas, no as províncias não estavam equipadas nem
item I, as “coletas” anteriores, substituídas, no financeira e nem tecnicamente para promover a
Item II, por um único imposto: difusão do ensino, o resultado foi que
atravessamos o século XIX sem que a educação
Nestes Reinos e Ilhas dos Açores e pública fosse incrementada.
Madeira, de um real em cada canada de
vinho; e de quatro réis em cada canada Durante os 49 anos correspondentes ao
de aguardente; de cento e sessenta Segundo Império, entre 1840 e 1888, a média
réis por cada pipa de vinagre: na América anual dos recursos financeiros investidos em
e África de um real em cada arrátel de educação foi de 1,80% do orçamento do governo
carne da que se cortar nos açougues; imperial, destinando-se, para a instrução primária
e secundária, a média de 0,47%. O ano de menor índice de 65% entre 1900 e 1920, sendo que o
investimento foi o de 1844, com 1,23% para o seu número absoluto aumentou de 6.348.869 em
conjunto da educação e 0,11% para a instrução 1900, para 11.401.715 em 1920. A partir da
primária; e o ano de maior investimento foi o de década de 1930, com o incremento da
1888, com 2,55% para a educação e 0,73% para industrialização e urbanização, começa a haver,
a instrução primária e secundária (CHAIA, 1965, também, um incremento correspondente nos
p.129-131). Era, pois, um investimento irrisório. índices de escolarização, sempre, porém, em
Não obstante isso, a consciência da importância ritmo aquém do necessário à vista dos escassos
da educação expressava-se na percepção de investimentos. Assim, os investimentos federais
que “na instrução pública está o segredo da em ensino passam de 2,1%, em 1932, para 2,5
multiplicação dos pães, e o ensino restitui cento em 1936; os estaduais se reduzem de 15,0%
por cento o que com ele se gasta”, conforme para 13,4% e os municipais se ampliam de 8,1%
afirmou Almeida Oliveira na sessão de 18 de para 8,3% no mesmo período (RIBEIRO, 2003,
setembro de 1882 do Parlamento (CHAIA, 1965, p.117). Isso não obstante a Constituição de 1934
p.125). E propostas não faltaram. Tavares Bastos, ter determinado que a União e os municípios
considerando que “não há sistema de instrução deveriam aplicar nunca menos de 10% e os
eficaz sem o dispêndio de muito dinheiro”, propôs estados 20% da arrecadação de impostos “na
em 1870: “Assim como cada habitante concorre manutenção e desenvolvimento dos sistemas
para as despesas de iluminação, águas, esgotos, educacionais” (art. 156). Essa vinculação
calçadas, estradas e todos os melhoramentos orçamentária foi retirada na Constituição de 1937,
locais, assim contribua para o mais importante do Estado Novo, e foi retomada na Carta de 1946,
deles, a educação dos seus concidadãos, o que fixou em 20% a obrigação mínima dos
primeiro dos interesses sociais em que todos estados e municípios e 10% da União. No entanto,
somos solidários” (TAVARES BASTOS, 1937, em 1955 tínhamos os seguintes índices: União,
p.228). A partir daí, apresenta um plano de 5,7%; estados, 13,7%; municípios, 11,4%.
criação de dois tipos de impostos: o local e o
provincial. Essa proposta foi retomada por Rodolfo As Constituições do regime militar, de
Dantas, em 21/08/1882 e pela Comissão de 1967, e a Emenda, de 1969, voltaram a excluir a
Instrução Primária, tendo como relator Rui vinculação orçamentária. Constata-se, então,
Barbosa (CHAIA, 1965, p.82-87). Mas, dada a que o orçamento da União para educação e
“mania de se quererem os fins sem se cultura caiu de 9, 6% em 1965, para 4,31% em
empregarem os meios necessários e próprios”, 1975.
conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 A atual Constituição, promulgada em 1988,
(idem, p. 55), resultou que “nenhum país tem restabeleceu a vinculação fixando 18% para a
mais oradores nem melhores programas; a União e 25% para estados e municípios. E, como
prática, entretanto, é o que falta completamente”, o texto constitucional estabelece esses
ironizou Agassiz em 1865 (idem, p. 45). E Rui percentuais mínimos em relação à “receita
Barbosa constatava em 1882: “O Estado, no resultante de impostos”, além do desrespeito
Brasil, consagra a esse serviço apenas 1,99% do contumaz à norma estabelecida na Carta Magna,
orçamento geral, enquanto as despesas militares encontrou-se, especialmente a partir do governo
nos devoram 20,86%” (idem, p. 103). Dessa FHC, um outro mecanismo de burlar essa
forma, o sistema nacional de ensino não se exigência. Passou-se a criar novas fontes de
implantou e o país foi acumulando um grande receita nomeando-as, porém, não com a palavra
déficit histórico em matéria de educação. “imposto”, mas utilizando o termo “contribuição”,
Ao longo da Primeira República, o ensino como são os casos da COFINS (Contribuição
permaneceu praticamente estagnado, o que pode para o Financiamento da Seguridade Social),
ser ilustrado com o número de analfabetos em CPMF (Contribuição Provisória sobre
relação à população total, que se manteve no Movimentação Financeira), CIDE (Contribuição
CHAIA, Josephina, Financiamento escolar no VILLELA, Milú. Todos pela educação de qua-
segundo império. Marília: Faculdade de Filo- lidade. Folha de S.Paulo, São Paulo, 6 set.
sofia, Ciências e Letras de Marília, 1965. 2006, Opinião, p. A-3.