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toxicologia

Monitorização Biológica do Chumbo


Chumbo sangüíneo - Chumbo urinário
Zinco protoporfirina
Ácido delta-aminolevulínico urinário
Atividade da ácido delta-aminolevulínico desidratase
Coproporfirina urinária

1. Introdução

Chumbo é um metal pesado facilmente encontrado no ambiente e que pode levar à


intoxicação aguda ou crônica pela sua ingestão, inalação ou mesmo contato. Níveis
elevados de chumbo leva a danos nos sistemas cardiovascular, nervoso, reprodutivo,
hematológico e renal (1,2,3).

2. Fontes de exposição

Exposição ocorre nas indústrias de petróleo, baterias, tintas, cerâmicas, tubulações, cabos,
explosivos e quando da utilização de soldas e estruturas que contêm o chumbo como liga
(4,5,6). A concentração de chumbo foi limitada em tintas, mas ainda persiste em
concentrações elevadas naquelas de uso artístico. O chumbo é ubíquo, estando presente
em alimentos, poeiras e água. Uma dieta americana típica contém 300 mcg de chumbo ao
dia, dos quais 1 a 10% são absorvidos, sendo que crianças podem absorver até 50% da
quantidade ingerida. Ácidos fracos como os sucos cítricos e o vinagre podem retirar
chumbo dos recipientes de cerâmica ou cristal. Projéteis de arma de fogo, retidos no
organismo, são fontes de contaminação (1).
O chumbo tetraetila, composto orgânico cujo estado físico é líquido, não mais está sendo
utilizado como aditivo para gasolina, o que provocou diminuição dos níveis de chumbo no
ar e conseqüente queda da contaminação dos vegetais (6).

3. Toxicocinética

A penetração do chumbo no organismo pode ocorrer pelas vias respiratória, cutânea ou


digestiva. A mais importante via de intoxicação ocupacional é a respiratória. Calcula-se
que 35% a 50% do chumbo que alcança a via respiratória inferior seja absorvido. No
sangue, o chumbo liga-se aos eritrócitos (90 a 95%). Após a absorção, nas primeiras 24
horas, estabelece-se equilíbrio entre o chumbo plasmático e o eritrocitário. Menos de 5%
do chumbo encontra-se livre no plasma ou ligado às proteínas, estando distribuído em três
compartimentos: sangue (meia-vida de 30 a 50 dias); tecidos moles (meia-vida de 30 a 60
dias); osso (meia-vida de 3 a 20 anos) (4). Mais de 90% do chumbo corpóreo se encontra
nos ossos. Cerca de 76% do chumbo absorvido é excretado na urina (5,7).

4. Mecanismo da toxicidade

O mecanismo mais conhecido é a interferência do chumbo na biossíntese do heme,


inibindo enzimas como a ácido delta-aminolevulínico desidratase (ALA-D), a
coproporfirinogêneo descarboxilase e a ferroquelastase. Assim, os substratos dessas
reações se acumulam: o ácido delta-aminolevulínico (ALA), o coproporfirinogêneo III
(COPRO) e a protoporfirina (PP-IX). O ALA, em razão do baixo peso molecular, atravessa a
membrana dos eritrócitos, se eleva no soro e finalmente é excretado na urina (ALA-U). A

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PP-IX não atravessa as membranas celulares e portanto se acumula nas células. Nos
eritrócitos é analisada como protoporfirina eritrocitária livre, compreendendo cerca de
90% de PP-IX. Devido à inibição da ferroquelastase, a PP-IX não utilizada quela o metal
zinco formando o complexo zinco protoporfirina (ZPP) (5). O chumbo inibe a depuração do
ácido úrico, resultando em seu aumento sérico e quadro clínico de gota. O mecanismo da
ação neurotóxica não é totalmente esclarecido. O chumbo atravessa a barreira placentária,
sendo teratogênico (4).

5. Quadro clínico

No sistema hematopoiético, a intoxicação pelo chumbo leva à anemia. No sistema nervoso


central, causa lesões vasculares e dos neurônios, provocando cefaléia, irritabilidade,
distúrbios visuais, alucinação, convulsão e encefalopatia; no sistema nervoso periférico,
causa desmielinização segmentar e degeneração, gerando lesões motoras e sensitivas. Nos
rins, leva à fibrose intersticial, degeneração tubular, alterações de artérias e arteríolas,
causando proteinúria, glicosúria e aminoacidúria. No aparelho digestivo, causa dor
abdominal (cólica saturnínica), diarréia, constipação e anorexia (5).

6. Monitorização

6.1. Chumbo sangüíneo (Pb-S)

Determinação de chumbo no sangue total é o melhor teste para detecção de exposição ao


metal. O nível médio de Pb-S em adultos nos EUA é inferior a 3 mcg/dl (2). A OMS define
que níveis de Pb-S acima de 30 mcg/dl denotam exposição significativa. A OSHA
(Occupational Safety and Health Administration) indica que trabalhadores com Pb-S > 60
mcg/dl devem ser removidos da exposição (3,7). No Brasil, a portaria NR-7 estabelece
como referência valores até 40,0 mcg/dl e IBMP (Índice Biológico Máximo Permitido) de 60
mcg/dl (5). Análise do chumbo sérico é de pouca utilidade, pois revela apenas exposição
recente (7).
Tendo em vista a possibilidade de contaminação durante a coleta, na presença de
resultados elevados, um segundo espécime deve ser avaliado antes que se institua
qualquer terapia. São considerados críticos aqueles valores de Pb-S superiores a 70 mcg/dl
na intoxicação aguda, sendo que na exposição crônica, níveis sangüíneos podem não se
correlacionar com a severidade da toxicidade (5).
Utilizamos para determinação do chumbo no sangue a Espectrofotometria de Absorção
Atômica (EAA) com chama. Baseia-se na complexação do chumbo com
pirrolidinaditiocarbonato de amônio e extração do complexo com metilisobutilcetona.
Variações interlaboratoriais se encontram amplamente citadas na literatura. Diferenças
podem ser derivadas de equipamentos diversos, corretores utilizados e da metodologia
empregada (8,9,10). Estudo recente encontrou grande variabilidade de resultados de
chumbo em 18 laboratórios, todos eles participando de programa de controle externo (9).
Deve ser utilizado tubo desmineralizado com heparina (12). O quadro 1 correlaciona níveis
de Pb-S e toxicidade na intoxicação pelo chumbo (1,5).

Chumbo – sangue
Material: sangue total
Método: absorção atômica (chama)
Valores de referência: ate 40,0 mcg/dl (NR-7, 1994, MT/Br)
IBMP: até 60,0 mcg/dl (NR-7, 1994, MT/Br)

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Quadro 1- Níveis de Pb-S e toxicidade pelo chumbo (1,5).


Pb-S Efeitos
(mcg/dl) Hematológico Neurológico Renal Gastrintestinal Reprodutivo Cardiovascular
100 - 120 Encefalopatia Sintomas
evidentes
80 Anemia
60 Ação no ovário
50 ↓ síntese de Confusão mental
hemoglobina
40 ↑ COPRO-U Nefropatia Ação no testículo
↑ ALA-U crônica
30 Neuropatia
periférica
25 – 30 ↑ PP-IX (homem) ↓ Acuidade ↑ da pressão
Auditiva sistólica
15 – 20 ↑ PP-IX (mulher) ↓ Velocidade de
condução nervosa
10 ↓ ALA-D ↓ do QI, audição
e crescimento em
crianças
PP-IX = Protoporfirina.

O quadro 2 mostra a conduta proposta pela Academia Americana de Pediatria de acordo


com os níveis de Pb-S em crianças (1).

Quadro 2
Mcg/dl Conduta

< 10 Obter teste confirmatório em 30 dias. Se permanecer nesta faixa, realizar


orientações e repetir o teste em 3 meses.
15 a 19 Obter teste confirmatório em 30 dias. Se permanecer nesta faixa, colher história
clínica detalhada, realizar orientações e repetir em 2 meses.
20 a 44 Obter teste confirmatório em 7 dias. Encaminhar para serviço especializado.
45 a 69 Obter teste confirmatório em 02 dias. Se persistir alteração, está indicado terapia
de quelação.
> 70 Obter teste confirmatório imediatamente. Se persistir alteração, hospitalizar e
iniciar terapia de quelação imediatamente.

6.2. Chumbo urinário (Pb-U)

É considerado um indicador biológico de exposição recente menos exato que o Pb-S em


função das flutuações em sua excreção. A portaria NR-7 considera o Pb-U como indicador
biológico para as exposições ao chumbo tetraetila (orgânico), tendo como referência
valores até 50,0 mcg/g creatinina e IBMP de 100 mcg/g creatinina (5). Teste de quelação
pode ser usado para avaliar a carga corporal de chumbo, sendo, entretanto, considerado
obsoleto pela Academia Americana de Pediatria (4). A via renal representa o mais
importante mecanismo de excreção do chumbo. A urina de 24h deve ser preferida, mas em
uma emergência amostra de urina recente é aceita. Evita-se coleta por meio de sonda
vesical (1). Conforme documento do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), a
acidificação é desnecessária e aumenta o risco de contaminação (11).

Chumbo – urina
Material: urina recente/urina 24h
Método: absorção atômica (forno de grafite)
Valor de referência: até 50,0 mcg/g creatinina (NR-7, 1994, MT/Br)
IBMP: 100,0 mcg/g creatinina (NR-7, 1994, MT/Br)

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6.3. Zinco protoporfirina (ZPP)

É um indicador biológico decorrente da interferência do chumbo na síntese do heme e


correlaciona-se bem com o Pb-S. A ZPP pode permanecer elevada por anos nas
intoxicações severas, em razão da inibição da síntese do heme pelo chumbo depositado e
posteriormente liberado. A NR-7 estabelece como referência para a ZPP valores de até 40
mcg/dl e IBMP de 100 mcg/dl (5). A ZPP é melhor indicador de exposição crônica que o Pb-
S por apresentar meia vida mais longa (67 dias). Na exposição crônica, o pico de ZPP
ocorre em 6 a 9 meses, enquanto o pico do Pb-S ocorre em 3 a 6 meses. Após a eliminação
da exposição, a ZPP pode permanecer acima dos valores de referência por até 2 anos. A
ZPP tem menor especificidade, alterando-se em outras condições (anemia ferropriva,
hemolítica e de doenças crônicas). Estudo em trabalhadores expostos mostrou que o
achado de ZPP aumentada e Pb-S em faixa não tóxica pode predizer concentrações tóxicas
de Pb-S com seis meses de antecedência, podendo, assim, indicar toxicidade incipiente
(14).

Zinco Protoporfirina
Material: sangue total (heparina)
Método: Hematofluorimétrico
Valor de referência: até 40 mcg/dl (NR-7, 1994, MT/Br)
IBMP: 100 mcg/dl (NR-7, 1994, MT/Br)

6.4. Ácido delta-aminolevulínico urinário (ALA-U)

O ALA-U é um indicador biológico que reflete a interferência do chumbo na síntese do


heme. Elevações do ALA-U são observadas a partir de níveis de Pb-S entre 35 e 45 mcg/dl.
Também se eleva nos casos de porfiria intermitente e tirosinemia hereditária, e consumo
alcoólico, independente da ocorrência de exposição ao chumbo. A NR-7 estabelece como
referência valores de 4,5 mg/g creatinina e IBMP de 10 mg/g creatinina. Valores do ALA-U
> 3 mg/g de creatinina se correlacionam com Pb-S acima de 20 mcg/dl com sensibilidade
de 92% e especificidade de 90% (18).

ALA-U
Material: urina recente/urina 24h
Método: colorimétrico
Valor de referência: até 4,5 mg/g de creatinina (NR-7, 1994, MT/Br)
IBMP: 10 mg/g creatinina (NR-7, 1994, MT/Br)

6.5. Atividade da ácido delta-aminolevulínico desidratase (ALA-D)

É um indicador biológico altamente sensível ao chumbo. Apresenta uma excelente


correlação negativa com os níveis de Pb-S na faixa de 10 a 60 mcg/dl. Devido à grande
capacidade de reserva da enzima no organismo humano, a inibição observada não
representa sinais de prejuízo imediato à saúde. Não distingue exposição moderada de
acentuada (5,15). Também diminui na deficiência de ALA-D e tirosinemia hereditária.

ALA-D
Material: sangue total
Método: colorimétrico
Valor de referência: 30 a 60 U/L eritrócitos

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6.6. Coproporfirina urinária (COPRO-U)

A inibição da enzima coproporfirinogêneo descarboxilase leva ao aumento da


coproporfirina nos eritrócitos e na urina. É um indicador tardio de intoxicação por
chumbo, estando elevado quando Pb-S encontra-se maior que 40 a 60 mcg/dl (5). A
COPRO-U é um indicador com menores sensibilidade e especificidade que a ALA-U,
podendo se elevar em hepatites, anemia hemolítica, febre reumática, poliomielite, várias
intoxicações (Hg, Ag, Sb, Zn) e após consumo elevado de bebidas alcoólicas. Não deve,
pois, ser utilizada na monitorização biológica da exposição ao chumbo (16,17).

COPRO-U
Material: urina recente/urina 24h
Método: colorimétrico
Valores de referência:
Normais: até 100,0 mcg/g creatinina
Exposição: até 250,0 mcg/g de creatinina

7. Referências
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