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Apontamentos de IED Actualizado
Apontamentos de IED Actualizado
Introdução:
b) O que é o Direito?
O termo “Direito”, genericamente, significa tudo aquilo que tem especiais
atinências com o iustum (justo, exacto, o devido). Intuitivamente a palavra
direito nos outorga a noção do que é certo, correcto, equânime (Jean Patrício
da Silva, 2014)1.
Etimologicamente2, o termo Direito vem do latim “Directum” do verbo
“dirigere” (dirigir, orientar, endireitar), significando aquilo que é “direito” ou
“conforme à razão”. “Directum” não deriva de “derectum” (de-rectum =não
torto), mas houve um tempo em que “derectum” e “directum” eram usadas ao
mesmo tempo, indistintamente, chegando-se até a confundir o significado das
duas palavras. Com efeito, os lexicógrafos (Batista e Costa, 2006, p. 36)
corroboram com essa explicação, que a palavra direito se origina da palavra
latina directus, do verbo dirigere e significa algo que está conforme ou em
sintonia com a regra, no caso, com a lei.
Como dizia Cretella Jr. (2009, p. 17), na sua obra “Curso de Direito Romano”:
“Não conheciam os antigos romanos a palavra direito. O vocábulo cognato e
etimológico deste – directus – era um adjetivo que significava: aquilo que é
conforme a linha reta.
Historicamente, o termo que traduz o nosso actual direito é, em latim, o
vocábulo “jus”. O vocábulo jus pertence à mesma raiz do verbo “jubere”, isto
1
Instituto de Educação Superior da Paraíba, Brasil.
2
Jéssica Cavalcanti Barros Ribeiro e Guilherme Sabino nascimento Sidrônio de Santana, outro, Introdução
ao Estudo do Direito, disponível em https://conteudojuridico.com.br/consultas/artigos
1
é ordenar, e substantivado, “Jus” significa o ordenado, o sagrado,
o consagrado. Entretanto, as opiniões de diversos juristas e linguistas são
divergentes, uma das explicações para a origem da palavra “jus” (indo-
europeia) é que ela provém do termo Sânscrito “yeus” (yu?). Com efeito, com
a expansão do império romano, consequentemente, do latim por toda a
Europa, verificou-se a transição do termo “jus” para o termo “ius” (séc. III
a.C.).
Sublinhar que o termo “Ius” não é procedente da palavra “Iustitia” (deusa
romana da justiça), “Iustitia” é quem produz o “ius”, é ela quem produz o
Direito, “ius” é o ordenamento de “Iustitia”. Portanto, o termo Direito é
equivalente do latim “ius”, iuris, que, do Latim popular, remete-nos à palavra
“jus”, Latim clássico.
Outrossim, o termo “ius” com o significado de “Direito” que utilizamos hoje
começou pelos juristas romanos: Ulpianus (228) e Paulus (226), segundo o
testemunho do Digesto (ver Corpus Iuris Civilis, justinianus = 530 a 565). Ius,
chama-se assim porque vem de “Iustitia”, como definido por Celsus3, Ulpiano
define o direito como a arte do bom e do justo. Porém, os romanos usaram o
termo ius com muitos e múltiplos significados. Por exemplo:
3
Celso fez parte do conselho do imperador Adriano (Publius Aelius Hadrianus, 117 a 138 DC). Ulpiano foi
o primeiro assessor do prefeito do pretório Papiniano, durante os governos de Septímio Severo e
Caracala. Depois do assassinato de Caracala em 217, o seu sucessor, imperador Heliogábalo passou a
perseguir Ulpiano. Já o sucessor de Heliogábalo, Alexandre Severo, o tornou encarregado de
suprimentos e comandante da guarda pretoriana em 222, sendo o principal conselheiro do imperador.
Impopular com a guarda pretoriana, por ter diminuído seus privilégios concedidos por Heliogábalo,
Ulpiano foi morto pelo liberto Epagate, sob o olhar de Alexandre Severo, no final de 223.
4
Primeiro trabalho de codificação das leis que vigoravam na era da Monarquia (surgiu 451, 449?), feito
por um colégio de 10 magistrados Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos
maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta).
2
Direito objectivo - É o conjunto de regras gerais, abstractas e imperativas,
vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, e
impostas, coactivamente, à obediência de todos. Direito subjectivo – É
constituído pelos poderes, posições ou faculdades que as normas de direito
objectivo atribuem às pessoas de modo a que estas possam salvaguardar os
seus legítimos interesses: ex.: direito à vida, direito à integridade física,
direito ao bom-nome e à privacidade, direito ao casamento, etc.
Didacticamente, o Direito é o ramo da ciência que estuda as regras gerais,
abstractas e imperativas do relacionamento social, criadas pelo Estado e por
este impostas, se necessário, de forma coerciva. Consubstancia-se no saber
sobre os deveres e obrigações impostas à conduta de todas as pessoas no
convívio ou relações sociais em geral, familiar ou sucessórias, na vida laboral e
com outros entes soberanos, bem como a solução dos conflitos, que perigam a
existência da vida em sociedade.
Assim, Direito não é somente o conjunto de normas gerais, abstractas
obrigatórias e coercitivas (normas jurídicas) que regulam, ordenam ou
disciplinam os aspectos mais relevantes da vida societária mas é também o
ramo da ciência que tem por objecto o estudo dessas normas. A ciência jurídica
tem por objecto discernir, de entre as normas que regem a conduta humana, as
que são especificamente jurídicas. Ou seja, “o Direito não se limita a
apresentar e classificar regras, mas tem como objetivo analisar e estabelecer
princípios para os fenômenos sociais tais como os negócios jurídicos; a
propriedade; o casamento, etc.5”
2. Carácter necessário do Direito
3
A sociedade é, ao mesmo tempo, a forma de vida por excelência do Homem e
uma realidade ordenada pelo Direito. De facto, o meio social ordenado em que
vive o homem (a sociedade) é instituído pelo Direito, através da definição de
regras de conduta e padrões de comportamento individual e colectivo e de um
sistema organizativo em que se estrutura e funciona a sociedade.
Desde que foi assumido como uma das dimensões mais importantes da
cultura, o Direito está ligado ao esforço histórico de realização de valores
fundamentais na convivência social, a saber:
i) - Justiça:
É o fim último do Direito6. O filósofo Aristóteles define a justiça como sendo
uma “disposição da alma” que todas as pessoas têm, a qual caracteriza como
certa aptidão em “fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é
justo7”. O pensamento de Aristóteles consiste em examinar a justiça a partir da
análise do comportamento justo e injusto, no que se refere ao modo de
6
Segundo Felice Battaglia (1902-1977), só o suum cuique tribuere tem origens gregas, na senda de
Pitágoras, Sócrates e Platão. E são os romanos que acrescentam os outros dois, acentuando o aspecto
volitivo da justiça, como virtude essencialmente prática, onde o honeste vivere vem de Zenão e o
alterum non laedere, de Epicuro.
7
ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos. p. 91, STACCIARINI, Samantha, nota a seguir
4
tratamento entre as pessoas8. É “na justiça que se resume toda a excelência”.
Diz ainda que as disposições naturais presentes no caráter da pessoa
humana como a inteligência, o discernimento, a intuição. São acções
consideradas como Virtude ou Excelência, que Aristóteles subdivide em
intelectual e moral.
Aristóteles versa sobre a justiça que se manifesta do convívio entre os homens,
na maneira pelo qual se orientam à prática do bem (no sentido do bom), do que
é considerado correcto na sociedade em que vivem (idem). Estas pessoas
realizam acções como bondade, honestidade, justiça, moderação,
coragem, prudência e humildade, as quais são designadas como virtude ou
excelência, que reflete atitudes do bem, as quais se fundam no próprio caráter
do ser humano.
A Excelência Intelectual é entendida como a virtude que nasce e se aperfeiçoa
com a experiência e com o tempo. Funda-se em dois tipos de conhecimento
sendo o primeiro o conhecimento teórico (que formula ideias universais) e o
segundo, o conhecimento pela experiência (que produz ideias limitadas ao
particular). A partir das próprias potencialidades do ser humano, ambos os
conhecimentos são desenvolvidos pela Educação, a qual nasce no âmbito das
orientações familiares e/ou transmitidos pela Instrução, através do ensino, do
ato de educar9, que se expressa por meio de acções habituais voltadas para o
bem, para o aperfeiçoamento intelectual da pessoa não só individualmente,
como também de toda sociedade (idem, nota 8)).
No entanto, a Excelência Moral apresenta-se de maneiras diversas, mas seja
qual for esta maneira, a excelência moral não se constitui pela natureza. Ao
contrário, nasce do hábito, entendido como repetição consciente de ato, uso ou
costume. Assim a natureza atribuiu ao homem uma aptidão mental “de
inteligência para desenvolver a excelência moral” tornando-o capaz de
modificar-se pelo hábito, tanto para o caminho do bem como para o mal. Neste
sentido a pessoa é livre para escolher qual caminho irá seguir (idem, nota 8).
Excelência moral busca sempre o meio-termo. Segundo ARISTÓTELES, este
meio-termo significa o igual, pois em cada tipo de acção em que existe um
“mais” e um “menos” existe também um “igual”.
No mundo romano, como vem definida por Celsus (apud Ulpianus) “Justitia
est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere (A justiça é a
vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu). A justiça reflecte-
se nos tria praecepta iuris dos romanos: o honeste vivere, o alterum non
laedere e o suum cuique tribuere.
8
STACCIARINI, Samantha. Teoria da justiça em Aristóteles. Revista Eletrônica Direito e Política,
Itajaí, v.2, n.1, 1º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br
9
SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão: p. 47-48.
5
Designa, segundo alguns autores (como Leibniz, 1646-1716, alemão),
proporção, ponderação, adequação, correspondência a um fim . Na Grécia
Antiga, a Justiça fazia-se equivaler à igualdade; na tradição judaico-cristã,
supõe conformidade do agir humano com a vontade divina; expressa-se
também no conceito de carácter social que diz respeito à repartição dos
bens escassos entre os homens.
A Justiça é ainda encarada em função do tipo de relações que se estabelecem
entre os indivíduos (justiça comutativa) entre os indivíduos e a sociedade, em
termos de sujeição às normas fixadas pelo Estado (justiça geral ou legal) e
entre o Estado e os indivíduos, tendo estes direitos em relação àquele (justiça
distributiva).
A Justiça comutativa – orienta as “transacções entre os indivíduos”. Trata das
relações “horizontais”, seguindo um princípio de proporcionalidade aritmética -
“é justo que aquele que mais trabalho receba uma maior remuneração” –
equilíbrio prestação/contraprestação. A justiça comutativa pode dividir-se em
iustitia vindicativa (não adoptada nos dias de hoje) – “olho por olho, dente por
dente” – e em iustitia restitutiva -“aquele que violou um bem jurídico deve
reconstituir a situação que existia antes da violação”. A justiça comutativa exige
que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido.
Justiça distributiva – orienta a distribuição de bens (materiais e imateriais).
Regula as relações “verticais” entre a comunidade (Estado) e um indivíduo,
gerindo-se pelo princípio da proporcionalidade geométrica – “o mesmo para os
que precisam do mesmo, mais para os que precisam de mais”. Verifica-se um
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, assentando
assim num princípio de descriminação positiva. Conclui-se que, nesta
perspectiva, “aquele que necessita de mais tem direito a receber mais do que
aquele que não necessita de tanto”. A Justiça distributiva manda que a
sociedade (o Estado) dê a cada particular o bem que lhe é devido.
Justiça legal – Segundo S. Tomás de Aquino, temos de ter em conta o seu
contrário da justiça distributiva, ou seja, o contributo devido por cada
indivíduo à comunidade, que é a justiça legal. A justiça legal determina os
deveres/encargos de cada um para atingir o bem comum, sendo que essa
contribuição deve ser proporcional às possibilidades de cada um. Entre os
interesses individuais e o bem comum pode haver concordância – interesse
individual coincide com o bem comum - ou conflito – interesse individual não
coincide com o bem. Dentro do conflito, pode dar-se o caso de interesse
individual e o bem comum não coincidirem mas haver algum benefício para o
prejudicado, como também pode dar-se o caso de tal não acontecer. A Justiça
geral, social ou legal determina que as partes da sociedade (os indivíduos)
deem à comunidade o bem que lhe é devido10.
10
João Baptista Herkenhoff, http://www.dhnet.org.br
6
EXEMPLO: Construção de uma auto-estrada beneficia a colectividade, mas
prejudica quem vive perto dela com barulho. No entanto, estes podem também
vir a beneficiar da mesma. (2) Experiências clínicas realizadas num doente em
estado terminal não lhe salvarão a vida, mas poderão salvar a vida de quem
venha um dia a ter a mesma doença.
A justiça distributiva em conjunto com a justiça legal origina a justiça
social, que rege as relações entre os particulares e o Estado. Existe ainda a
justiça material que se baseia em critérios de justificação e adequação. A
chamada “pena justa” é uma pena que é justificada e adequada
Como dizia Aristóteles, cada tipo de acção em que existe um “mais” e um
“menos” existe também um “igual”. E a justiça distributiva ou justiça em sentido
estrito, revela-se na distribuição de funções elevadas de governo, da honra, do
mérito das pessoas, de dinheiro, da fixação de critérios sobre tributos,
distribuição de cargos, ou de outras coisas que devem ser divididas entre os
membros da sociedade política, visto que a participação de uma pessoa pode
acontecer de maneira igual ou desigual à de outra.
Para poder vigorar na sociedade, o Direito deve impor uma ordem de
convivência justa. A validade do Direito reside na Justiça, isto é, na justeza da
ordem jurídica.
ii) - Equidade: aequitas= igualdade, conformidade, e equus = justo, igual,
simétrico. “ius est ars boni et aequi” (direito é arte do bom e do justo”. para
Aristóteles, o conceito de equidade está interligado ao conceito de justiça: dar a
cada pessoa o que é proporcionalmente igual. No entanto, o equitativo é
considerado o mais justo, não de acordo somente com a lei, e sim como uma
correção da justiça legal que não deixará lacuna sociais – pois irá prever
particularidades e diferenças não observadas pelo tratamento generalizado da
lei.
Significa procurar ou promover a justiça, tendo em devida conta as
desigualdades sociais, o que implica dar tratamento diferenciado a situações
desiguais, dentro de parâmetros legalmente aceitáveis. Para o ser realmente, a
Justiça exige a consideração dos casos concretos na aplicação das normas,
não podendo cingir-se a uma aplicação cega. Por isso, o Juiz, na sua função
de julgar, obedece à lei mas também à sua consciência, além de considerar o
convencionado pelas partes, sempre que as normas o permitam.
“O uso da equidade tem de ser disposta conforme o conteúdo expresso da
norma, levando em conta a moral social vigente, o regime político do Estado e
os princípios gerais do Direito. A equidade em síntese, completa o que a justiça
não alcança, fazendo com que a aplicação das leis não se tornem muito rígidas
onde poderia prejudicar alguns casos específicos onde a lei não alcança”11. Por
11
https://www.facebook.com/messages/read/?fbid=100010377826776#fua
7
exemplo, a vítima de acidente grave passa à frente de quem necessita de um
atendimento menos urgente, mesmo que esta pessoa tenha chegado mais
cedo ao hospital.
Equidade, significa dar às pessoas o que elas precisam, de modo que todos
tenham, realmente, acesso às mesmas oportunidades. A igualdade é baseado
na premissa de que ninguém deve ter menos oportunidades em razão da cor,
origem, família, sexo, etc.
iii) – Segurança jurídica: Quer dizer que aos cidadãos deve ser dada a
necessária confiança na estabilidade (ou permanência) das normas jurídicas.
As normas jurídicas não podem ser alteradas a cada dia que passa, a fim de
garantirem aos cidadãos a possibilidade de orientar a sua conduta presente e
futura com a necessária estabilidade. Traduz-se na “tranquilidade psicológica
que resulta da certeza de que não há qualquer perigo a temer ou de que se
está protegido contra as ameaças”12. Tendo por segurança social o “conjunto
das medidas coletivas e legais que têm por objetivo garantir os indivíduos
contra riscos13”. A segurança e certeza, portanto, não se opõem, antes são
interdependentes. Formalmente a segurança jurídica é assegurada pelos
princípios seguintes14: irretroatividade da lei, caso julgado, respeito aos direitos
adquiridos, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral,
ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de
crimes e transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e
garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do
Poder Judiciário, vedação de tribunais de excepção, vedação de julgamentos
parciais etc.
iv) - Certeza Jurídica: O termo certeza provém do latim certitudo, certitudinis.
Certeza do direito, tem um significado assente nos valores: ter confiança no
direito. Assenta, não apenas na existência das normas jurídicas, mas também
na validez dessas mesmas normas e na força que elas têm para guiar os
comportamentos sociais. Deste modo, no contexto do Estado de Direito há a
certeza jurídica, há certeza jurídica quando todos conhecem seus direitos,
porque positivados, assegurados pelo Estado. Assim, as pessoas vivem na
expectativa de que é assim que se deve agir socialmente, podendo prever
acções alheias. Portanto, conhecer o conteúdo das leis vigente no país
corresponde a ter uma certeza de como agir, actuar e se comportar.
Desta feita, aos cidadãos deve ser dada a possibilidade de terem um
conhecimento preciso acerca do sistema de normas jurídicas vigentes na
sociedade, para orientarem convenientemente a sua conduta e defenderem os
12
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/467/r141-20.pdf?
sequence=4&isAllowed=y
13
Idem.
14
SOIBELMAN. Leib. Enciclopédia jurídica. Elfez. Edição em CD-ROM, Apud ELIEZER PEREIRA MARTINS,
Segurança e certeza jurídica …, pág. 143.
8
seus interesses. Os cidadãos devem estar em condições de gerir e prever os
efeitos da sua conduta com base em normas jurídicas vigentes e do
conhecimento geral. Por isso, em regra, as normas jurídicas, escritas de forma
clara, com rigor e objectividade, devem ser publicadas.
Com efeito, “O fim atribuído ao Direito não é o de criar uma ordem ideal, mas
uma ordem real de convivência” (Thomas Hobbes (1588 1679)15.
4. O Direito e a Sociedade.
1. A natureza social do Homem
15
Apud Jean Patrício da Silva, 2014, apontamentos, pág. 4
16
Entendemos aqui Sociedade como um conjunto de indivíduos que produzem e reproduzem as
condições de sua sobrevivência, relacionando-se uns com os outros, com base em determinadas regras,
para a satisfação de suas necessidades individuais e colectivas. Para a satisfação de determinadas
necessidades (nomeadamente as de segurança e bem estar), a sociedade tem de se organizar a um nível
superior, dotando-se de uma Autoridade capaz de empregar os meios para se impor, se necessário, de
força coerciva, a toda a colectividade, de modo incontornável. Tem-se, assim, a Sociedade Política, que
aglutina e se impõe a todas as sociedades ditas primárias ou de primeiro grau, como a família,
vizinhança, clubes, associações, etc., que visam satisfazer necessidades de menor alcance...
9
pré-social ou “estado de natureza” (status naturalis), caracterizado por uma
vida solitária e errante, sem vínculo comunitário, em que não havia leis nem
autoridade. A passagem à vida em sociedade ou ao “estado de sociedade”
(status civilis), com regras e princípios de convivência colectiva, processar-se-
ia mediante um contrato social ou acordo de vontades em que os homens
prescindiram da vida errante (ou do estado da natureza) em que viviam
anteriormente. Por esse contrato social os homens criam um ente regulador da
vida em sociedade tendo em vista o bem comum, surgindo, desta forma, o
Estado e, com ele, as normas que constituem o Direito (normas jurídicas).
10
Sociologia do Direito, é referência obrigatória para aqueles que se dedicam ao
estudo da Sociologia Jurídica.
11
vestir (moda), normas típicas de uma profissão (deontologia), normas de uma
determinada região (usos e costumes), etc.;
d) A ordem jurídica - é constituída pelas normas mais relevantes da vida em
sociedade e, ao contrário, das outras ordens normativas, serve-se da coação
como meio de garantir a observância das suas normas, caso estas não forem
acatadas voluntariamente. É, pois, um conjunto de normas que regulam as
relações sociais, impondo-se aos homens de forma obrigatória e com recurso à
coercibilidade.
Mas, note-se bem: todas as ordens sociais enunciadas têm em comum o facto
de as suas normas (normas morais, religiosas, de trato social e jurídicas)
serem gerais, abstractas e obrigatórias. A generalidade, a abstracção e a
imperatividade ou obrigatoriedade são, pois, características comuns às
mesmas. No entanto, e como marca diferenciadora, só a ordem jurídica (ou de
Direito) se caracteriza pela coercibilidade, assegurada pelo Estado em caso de
não cumprimento voluntário das suas normas (normas jurídicas).
6. Relações entre Direito e Moral
A vida social só é possível se forem efectivas as regras determinadas para o
procedimento dos homens. Tais regras, de cunho ético, emanam,
fundamentalmente, da Moral e do Direito, que procuram ditar como deve ser o
comportamento de cada um. Sendo ambos – Moral e Direito – normas de
conduta, evidentemente apresentam um campo comum. Assim, aquele que
estupra uma menor infringe, ao mesmo tempo, norma jurídica, contida no
Código Penal, e norma moral (neminem laedere = não prejudicar a ninguém).
Miguel Reale elucida que "o Direito representa apenas o mínimo da Moral
declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos
podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é
indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não
soçobre. A Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de
maneira espontânea, mas, como as violações são inevitáveis, é indispensável
que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão das regras que a
comunidade considerar indispensáveis à paz social".
Haveria, portanto, um campo de acção comum, sendo mais amplo o da
Moral. Mas seria correcto dizer-se que todas as normas jurídicas estão
contidas no plano moral? A resposta é, obviamente, negativa.
Acções existem, entretanto, que interessam apenas ao Direito, como ocorre,
por exemplo, com as formalidades de um título de crédito. Existem outras que
são indiferentes ao Direito, mas que a Moral procura disciplinar. É o que
acontece, v.g., com a prostituição. Com efeito, a mulher que se dedica à
prostituição não sofre qualquer sanção jurídica, posto que a prostituição, em si,
não é crime. Contudo, como salienta Bassil Dower, é considerada como
12
“câncer social” e a mulher que a prática, por um motivo de ordem ética, fica
marginalizada, sujeitando-se à repulsa geral.
Conquanto tenham um fundamento ético comum, as normas morais e jurídicas
possuem caracteres próprios que as distinguem, embora as regras da Moral
exerçam, normalmente, enorme influência sobre as de Direito.
Esses caracteres distintivos podem ser sistematizados sob um tríplice aspecto:
em razão do campo de acção, da intensidade da sanção que acompanha a
norma em cada caso ou dos efeitos de cada uma delas.
Sob o aspecto do campo de acção, a Moral actual, sobretudo, no foro íntimo
do indivíduo, enquanto o Direito se interessa, essencialmente, pela acção
exteriorizada pelo homem, ou seja, por aquilo que ele fez ou deixou de fazer na
vida social. Assim, a maquinação de um crime, podendo ser indiferente ao
Direito, é repudiada pela Moral, encontrando reprovação na própria
consciência. Já a exteriorização desse pensamento, com a efectiva prática do
crime, importa em conduta relevante para o Direito, que mobiliza o aparelho
repressivo do Estado para repor o equilíbrio social.
Quanto à intensidade da sanção, a Moral estabelece sanções individuais e
internas (remorso, arrependimento, desgosto) ou de reprovação social (ex.: a
prostituta é colocada a margem da sociedade). O Direito estabelece sanção
mais enérgica, consubstanciada em punição legal (ex.: aquele que mata fica
sujeito a uma pena de prisão maior).
Quanto aos efeitos, observa-se que da norma jurídica decorrem relações de
carácter bilateral, ao passo que da regra moral deriva consequência unilateral,
isto é, quando a Moral diz a um que ame o seu próximo, pronuncia-o
unilateralmente, sem que ninguém possa reclamar aquele amor; quando o
Direito determina ao devedor que pague a prestação, proclama-o
bilateralmente, assegurando ao credor a faculdade de receber a dita prestação.
De forma sucinta, podemos fazer a distinção entre a ordem jurídica (Direito)
e a ordem moral com base nos seguintes critérios:
a) Critério do “mínimo ético”: O Direito só acolhe e impõe as regras morais
cuja observância é imprescindível para a subsistência da paz, da liberdade e
da justiça em sociedade. O Direito constitui aquele mínimo ético ou moral, que
resulta da coincidência das suas normas com as regras morais. Isto equivale a
dizer que o Direito não se propõe, como seu fim essencial, garantir certa
concepção ética da sociedade, mas tampouco ignora as normas morais; na
verdade, o Direito não prescreve condutas imorais.
b) Critério da coercibilidade: As normas morais só têm relevância para a
consciência de cada um, enquanto as normas jurídicas se impõem ao indivíduo
na medida em que são coercivas, ou seja, podem ser impostas pela força;
13
c) Critério da exterioridade: Ao Direito, que se preocupa essencialmente com
a conduta externa ou visível do homem, basta que o indivíduo cumpra as
normas em vigor, enquanto a Moral exige, além disso, uma adesão íntima
(interior) aos valores éticos que prescreve.
Entretanto, há outros critérios de distinção referidos pela doutrina, tais como:
i) O critério teleológico, segundo o qual a Moral visa a perfeição a pessoa
humana, enquanto o Direito tem por objectivo a realização da justiça na vida
social.
ii) O critério do objecto, conteúdo ou matéria, segundo o qual a Moral regula
toda a conduta humana, individual e social, interessando-lhe inclusivamente o
que é puramente interno, enquanto o Direito respeita exclusivamente aos
comportamentos sociais.
iii) O critério da perspectiva, conforme o qual a Moral considera a conduta
preferentemente “do lado interno”, enquanto o Direito considera sobretudo o
lado externo, a conduta exteriorizada.
Pode dizer-se, em suma, que as condutas que nem todas as condutas
humanas entram na esfera do Direito, mas sim aquelas que são susceptíveis
de pôr em causa a ordem social de convivência, os fundamentos da própria
sociedade.
Todavia, entre as diversas ordens sociais normativas estabelecem-se relações,
influenciando-se reciprocamente, como facilmente nos damos conta no
quotidiano.
Em suma, há de facto uma relação de coincidência (todos punem o homicídio,
genocídio, violência domestica, adultério, etc), de indiferença (ex. regras de
transito para a moral ou a prostituição para o direito) e de conflitos entre a
moral e a ordem jurídica (Direito) (certos aspectos do aborto, a eutanásia, uso
de anti-concepcionais, masturbação, etc.
6. Direito Natural e Direito Positivo
O Direito Natural, para os que aceitam a sua existência, é aquele que não se
consubstancia em regras impostas ao indivíduo pelo Estado, mas de uma lei
anterior e superior ao Direito Positivo, que se impõe a todos os povos pela
própria força dos princípios supremos dos quais resulta, constituídos pela
própria natureza e não pela criação dos homens, como, por exemplo, o direito
de reproduzir, o direito de viver etc. Numa palavra, o Direito Natural, é o que
independe do acto de vontade, por reflectir exigências sociais da natureza
humana, comuns a todos os homens.
14
por função dar legitimidade ao Direito Positivo (ordenamento jurídico) que,
por sua vez, para ser respeitado como válido deve conformar-se com os
princípios do Direito Natural, entendido como: - aquilo que é devido como
justo em virtude da natureza das coisas (Lei Natural); - as normas
emanadas da vontade divina; - os direitos subjectivos que todos os homens,
enquanto pessoas, devem desfrutar (Direitos Fundamentais, Direitos
Humanos).
17
Texto do Prof. Doutor Diogo Costa Gonçalves, personalidade vs. capacidade jurídica — um regresso ao
monismo conceptual? Disponível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba1bc248a-bd79-453c-8f3c-
4520273
15
alemão Haff, quando na sua obra distinguia entre corporações com e sem
personalidade jurídica.
O entendimento ilustra-se na seguinte afirmação “O conceito de direito
(subjetivo), reconhecido pelo ordenamento como um poder relevante dirigido à
satisfação de interesses humanos, requer um sujeito a quem o poder é
conferido, um sujeito jurídico ou, como igualmente se diz no discurso jurídico,
uma pessoa. A personalidade não é um direito subjetivo mas sim uma
qualidade jurídica, pressuposto de todos os direitos e obrigações, da
capacidade jurídica”18.
Ilustra-se aqui um “conceito qualitativo da personalidade jurídica, como uma
qualidade jurídica em virtude da qual se é pessoa em Direito e que, do mesmo
modo, expressa o denominador comum a todos os sujeitos jurídicos. A
capacidade jurídica poderá ser imanente à personalidade, não podendo existir
separadamente desta, mas surge conceptualmente distinta”.
A influência alemã veio sedimentar-se na doutrina europeia, ganhando espaço
nas legislações que se seguiram.
Em Portugal, logo com o Professor Guilherme Moreira, a distinção entre
personalidade jurídica e capacidade jurídica 19 ganhou terreno. Segundo este
jurista, personalidade corresponde à qualidade jurídica de ser pessoa, à
suscetibilidade de direitos e obrigações. Já capacidade é entendia como a
“medida do poder jurídico” ou a “susceptibilidade do exercício pessoal dos
poderes que por lei são atribuídos a uma pessoa” 20. Contudo, Cabral Moncada
viria a aperfeiçoar esta distinção, sustentando que a personalidade é a mesma
para todos os sujeitos, enquanto suscetibilidade genérica. Já o conceito de
capacidade expressa o quantum de direitos e obrigações que pode cada sujeito
titular e exercer21.
Apesar do acolhimento feito pelo Prof. Guilherme Moreira, acerca da distinção
entre capacidade de gozo e capacidade de exercício, verifica-se que ele
dedicou maior atenção. Desta feita, Cunha Gonçalves, seguindo a mesma
distinção, realçou com veemência a dimensão estática/dinâmica da
abordagem. Segundo este autor, “a personalidade, enquanto suscetibilidade de
direitos e obrigações, pressupõe uma compreensão estática da pessoa,
separada do seu agir. in actu, a pessoa é exercício de direitos e obrigações.
Daqui decorre a seguinte sistematização: “personalidade jurídica é apenas
sinónimo de capacidade de gozo”. Em ambos os conceitos subjaz a
consideração estática do sujeito, a sua qualidade de pessoa. Neste sentido,
18
LUDWIG ENNECCERUS/ThEODOR KIPP/MARTIN WOLLF, Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, 1926, §
76.º, p. 185, apud Diogo Costa Gonçalves, ob cit. 125.
19
O conceito de capacidade jurídica foi introduzido na doutrina alemã por Thibaut,
20
GUILhERME MOREIRA, instituições, I, pp. 170 e 171, Idem.
21
CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil (Parte Geral), 2.ª ed., 1954, p. 263., Apud Diogo C. Gonç.
Ob cit. pag. 127.
16
são conceitos idênticos. A capacidade de agir ou de exercício é de outra
grandeza. No mesmo diapasão, segue o José Tavares. Personalidade e
pessoa são tomados como conceitos jurídicos sinónimos. Já capacidade de
exercício surge entendida como a idoneidade do sujeito para praticar atos
jurídicos. No mesmo sentido vai Manuel de Andrade, sublinhando que o
conceito de personalidade e capacidade de gozo se implicam mutuamente22.
Em suma, a personalidade jurídica é a susceptibilidade (a possibilidade) de
qualquer pessoa ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e
obrigações. De acordo com o Código Civil, a personalidade adquire-se no
momento do nascimento completo e com vida e cessa com a morte. Assim,
todos os seres humanos têm personalidade jurídica e, desde logo, titular
sobretudo de direitos de personalidade, tais como: o direito à vida e à
integridade física, direito ao nome, ao bom-nome e à reputação, direito à
honra, direito à imagem, direito à reserva sobre a intimidade privada, etc.
Se a personalidade jurídica significa a susceptibilidade de a pessoa ser titular
de direitos e obrigações, e sendo certo que todas as pessoas podem gozar
direitos (a capacidade de gozo de direitos é dada a todos os que tem
personalidade jurídica), a verdade é que nem toda a pessoa é efectivamente
capaz de exercer total ou mesmo parcialmente os seus direitos e responder
pelas suas obrigações (a capacidade de exercício de direitos pode ser maior ou
menor). A medida em que uma pessoa pode ser sujeito de relações jurídicas,
ou seja, titular de direitos e obrigações é dada pela sua capacidade jurídica.
Assim, a capacidade Jurídica é, pois, é a capacidade ou faculdade que o
ordenamento jurídico confere a uma pessoa para ser sujeito de quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (art.º 67.º do CC).
Qualquer sujeito de relações jurídicas é titular de direitos e poderá dispor deles
desde que não sofra de qualquer incapacidade prevista na lei, como a
menoridade ou a anomalia psíquica, surdez, mudez, etc 23. Se tal acontecer,
o incapaz deve ter um representante legal que actuará em seu nome e
defenderá os seus direitos. A capacidade jurídica envolve, assim, a
capacidade jurídica de gozo de direitos, que em regra todos possuem, e
22
Diogo Costa Gonçalves, ob cit. 126 e segs.
23
A incapacidade relativa permite que o incapaz pratique actos da vida civil, desde que assistido por seu
representante legal, sob pena de anulabilidade. A incapacidade absoluta acarreta a proibição total do
exercício, por si só, do direito. O ato somente poderá ser praticado pelo representante legal do
absolutamente incapaz. A inobservância dessa regra provoca a nulidade do ato. A inabilitação aplica-se
a indivíduos que, devido a anomalia psíquica, surdez-mudez, cegueira, habitual prodigalidade, uso de
bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu
património (artigo 152º do Código Civil) (suprimento: assistência= curadoria e representação- quando
os bens são dados ao curador). A interdição tem em vista todos aqueles que por anomalia psíquica,
surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens (artigo 138º, nº 1, do
Código Civil) (representação= menores, tutela e poder paternal. Os surdos e mudos podem ter
capacidade matrimonial e de testamento). A inabilitação e a interdição são decretadas pelo tribunal, no
âmbito de um processo especial.
17
capacidade jurídica de exercício de direitos, que é maior ou menor
consoante os casos e conforme a lei.
2. Direitos da personalidade24.
Persona, vem da expressão prósopon que foi utilizada em um primeiro
momento para designar as máscaras utilizadas no teatro. Superada esta
acepção passou a significar o papel encenado pelo actor em uma peça.
Posteriormente passou a significar a função ocupada pelo indivíduo na
sociedade, sem, contudo, significar o indivíduo em si mesmo.
“Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (TEPEDINO et al, 2004, p.31), que
somente a partir do século XIX, com a elaboração das doutrinas francesa e
alemã que se iniciou a construção dos direitos da personalidade”.
“O termo “pessoa” foi utilizado pela primeira vez em seu sentido técnico pelos
juristas do século XVI. No século seguinte, a liberdade pessoal aparece como
objecto de estudo de Grozius, enquanto a expressão “direito da
personalidade” se pode atribuir a Gierke, o qual no fim do século XIX,
individualizava os aspectos pertinentes ao indivíduo, como a vida, a honra, a
liberdade física e o nome. Na contradição de uma sociedade que lutava
contra o privilégio de classe e, que todavia, teorizava o privilégio do Rei, não se
visualizava espaço para colocar a tutela da personalidade em termos
completos, como valor absoluto. Somente mais tarde começa a prosperar a
possibilidade de estruturar a sociedade sobre a base da reciprocidade entre
indivíduo e soberano (com obrigações e direitos recíprocos), a qual é
concebida com a teorização da divisão dos poderes.
24
Texto de Silvio Romero Beltrão, direito da personalidade – natureza jurídica, delimitação do objeto e
relações com o direito constitucional, em https://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/01/2013
18
a situação de objecto. No sentido jurídico, é para a pessoa que o direito foi
feito, conceituando-se pessoa todo ser humano capaz de direitos e obrigações.
19
ponderação dos interesses em jogo (no caso de extado de necessidade, etc,
quando exista conflito entre dois ou mais direitos = 335.º do CC), o
consentimento do lesado (exclusão do facto ou justificação da lesão ou do
facto). São três espécies de consentimento: consentimento vinculante -
quando há assunção de um autêntico compromisso jurídico, um contrato,
apesar disso, o n.º 2 do art.º 81.º do CC estabelece o princípio da
revogabilidade do consentimento, sem afastar a responsabilidade civil pelos
danos causados; consentimento autorizante - não deixa de dar origem a um
compromisso jurídico (não negocial), a responsabilidade resulta da frustração
das expectativas. Ex. Cirurgias em benefício alheio, actividades perigosas,
intervir em benefício alheio; consentimento tolerante – ocorre nas
intervenções em benefício próprio, como cirurgia em benefício próprio, ou
actividade perigosa em benefício próprio.
20
visam a protecção de bens jurídicos fundamentais comuns, como a
dignidade da pessoa, o desenvolvimento da personalidade, e, sobretudo,
a garantia da liberdade individual, da autodeterminação existencial, a
garantia da privacidade, nos termos do art. 32.º; os direitos relativos à
família, ao casamento e a filiação (art. 35.º) – consagração importante no
âmbito do reconhecimento e garantia dos direitos relativos à família, ao
casamento e a filiação; o direito à liberdade física e à segurança pessoal
(art. 36.º) – relativamente ao direito à liberdade, a Constituição consagra
algumas garantias ou meios específicos de garantia, designadamente no
que toca à lei criminal, às penas e medidas de segurança; a extradição e
expulsão; o direito de asilo; o direito ao processo criminal e o habeas
corpus (neste âmbito seria verdadeiramente importante a positivação de
uma outra garantia intimamente ligada ao direito à liberdade, ou seja, a
prisão preventiva, desprovida de dignidade constitucional em face da
nova Constituição angolana, e constitui ao nosso ver, um retrocesso
relativamente a Lei Constitucional anterior, que consagrava este direito,
nos termos dos arts. 37.º e 38.º da LCA de 92). Quanto ao direito à
segurança “representa mais uma garantia de direitos do que um direito
autónomo” . A liberdade de expressão e de informação (art. 40.º) – estes
dois direitos ou “conjunto de direitos” (n.º 1) – têm como uma das
consequências mais importantes a proibição da censura em sentido
amplo, ou seja, é proibida “todo tipo ou forma de censura” (n.º 2); o direito
de consciência, de religião e de culto (art. 41.º) – etc.
4. A problemática dos Direitos Humanos
Os Direitos do Homem são direitos aceites como válidos por toda a
Humanidade (para todos os povos e todas as épocas), com base no carácter
inviolável, intemporal e universal da natureza da pessoa humana. Derivam da
natureza da pessoa humana, fazem parte da essência da Humanidade
(entendida aqui como uma comunidade de gerações presentes e futuras).
Fazendo parte da essência da Humanidade e sendo conaturais ao próprio
Homem, os Direitos Humanos têm por objectivo a protecção da personalidade
humana na sua dimensão social e impõem limites à autoridade e soberania dos
Estados modernos. Os Direitos Humanos têm um carácter universal e
indivisível e a Comunidade Internacional possui organizações (como a Amnistia
Internacional) e normas, tratados ou convenções que visam a sua protecção ou
salvaguarda (como a Declaração Universal dos Direitos do Homem) A
condenação generalizada da pena de morte, da tortura e da prisão por motivos
políticos ou religiosos, do racismo e da xenofobia, do genocídio e da violação
do princípio da autodeterminação dos povos constitui expressão do combate
universal em prol da promoção dos Direitos Humanos.
8. DA RELAÇÃO JURÍDICA
21
1. Noção de Relação Jurídica
Toda a relação social que é disciplinada pelo direito. A relação jurídica é fruto
de vínculo, elo entre pessoas, tutelado pelo Direito, por criar direitos e deveres.
O conceito de relação jurídica pressupõe um conjunto de elementos cuja
sistematização tradicional é a seguinte:
Esta distinção entre objecto imediato e mediato nem sempre se verifica, pois
nos direitos reais não há intermediário entre o titular do direito e o bem. O
proprietário está em contacto directo com o objecto do seu direito, como vimos
no primeiro exemplo.
22
poder tutelar. Só que os direitos inseridos no poder paternal ou no poder tutelar
não conferem qualquer domínio sobre a pessoa do filho ou do pupilo, no
interesse dos pais ou do tutor. São meramente direitos que conferem poderes
destinados a habilitarem os pais e os tutores ao cumprimento dos deveres que
lhes são impostos por lei, são poderes deveres ou poderes funcionais, pois são
exercidos em função dos direitos dos menores ou do incapaz. Pelo que, as
pessoas são sempre sujeitos da relação jurídica, nunca objecto propriamente
da relação jurídica.
Coisas Corpóreas: São as coisas físicas, isto é, aquelas que podem ser
apreendidas pelos sentimentos. Artigo 202º do Código Civil. Diz-se coisa, tudo
aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. Está neste caso o objecto
dos chamados direitos reais, maxime do direito de propriedade, que é o direito
real por excelência. O artigo 1302º do Código Civil: Objecto do direito de
propriedade “Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto
do direito de propriedade regulado neste código”. Exemplo: Propriedade sobre
um automóvel.
Coisas Incorpóreas: Não são mais do que valores da natureza que não
podem ser apreendidos pelos sentidos. São concebidos apenas pelo espírito.
Assim, o objecto de tais direitos é a respectiva obra na sua forma ideal e não
as coisas materiais que constituem a sua corporização exterior, como o livro, o
filme, etc. Exemplo: Um determinado autor pode adaptar a sua obra literária ao
cinema e daí auferir lucros, mas pode também mantê-la inédita ou impedir que
depois de publicada seja posteriormente reproduzida com modificações. Assim,
apenas a obra na sua concepção ideal é o objecto de direitos.
23
Direitos potestativos e sujeição
24
A primeira grande classificação dos factos jurídicos é a que se pode
estabelecer entre factos jurídicos voluntários e factos jurídicos
involuntários (stricto sensu). Os primeiros resultam da vontade como
elemento juridicamente relevante; são manifestação ou actuação de uma
vontade. Os segundos são estranhos a qualquer processo subjetivo - ou
porque resultam de causas de ordem natural, ou porque a sua eventual
voluntariedade não tem relevância jurídica.
Dentro dos simples actos jurídicos é usual fazer-se uma distinção entre: quase-
negócios jurídicos, que se traduzem na manifestação exterior de uma
vontade (interpelação do devedor, gestão de negócios, etc.); e operações
jurídicas (materiais) que se traduzem na efetivação ou realização de um
resultado material ou factual a que a lei liga determinados efeitos jurídicos
(acessão industrial, ocupação de animais ou coisas móveis, etc.).
2. A Garantia
25
mas a solicitação dos titulares dos correspondentes direitos subjetivos. E toma
sobretudo a forma de uma reparação, da garantia de obter coativamente à
realização do interesse reconhecido por lei, ou indenização equivalente.
9. A NORMA JURÍDICA
a. Estrutura
Estrutura da norma jurídica A norma jurídica tem uma estrutura interna
constituída, amiúde, por três elementos, a saber:
a) Previsão: a norma jurídica regula situações ou casos hipotéticos da vida que
se espera venham a acontecer (previsíveis), isto é, contém, em si mesma, a
representação da situação futura;
b) Estatuição: a norma jurídica impõe uma conduta a adoptar quando se
verifique, no caso concreto, a previsão da norma:
c) Sanção: a norma jurídica dispõe os meios de coacção que fazem parte do
sistema jurídico para impor o cumprimento dos seus comandos.
As sanções jurídicas apresentam diversas modalidades, destacando-se as
seguintes: - Sanções civis – têm por fim impor o cumprimento das obrigações
e ou o ressarcimento de danos morais e materiais causados por quem age em
violação das normas a que está obrigado. Traduzem-se, designadamente, na
reconstituição do interesse lesado, ou uma indemnização, destinada a cobrir os
prejuízos ou danos causado, - Sanções criminais (ou penais) – visam
responsabilizar o criminoso perante a sociedade em virtude de actos ou
omissões que violem normas imperativas de convivência social, podendo as
penas revestir-se as mais diversas formas: pena de multa, privação da
liberdade (pena de prisão), imposição de medidas de segurança,
indemnizações (nalguns casos), etc.; - Sanções disciplinares – traduzem-se
na aplicação de sanções a indivíduos pela violação de normas que disciplinam
a conduta no seio de organizações a que pertençam esses mesmos indivíduos.
As penas disciplinares podem ser de mera censura, pecuniárias (multas),
suspensivas (suspensões) e expulsivas (aposentação compulsiva e demissão).
Nas sanções jurídicas revela-se a coercibilidade que se traduz na associação
entre o Direito (Justiça) e a Força. Entretanto, não é imprescindível a utilização
da Força em todos os casos para se assegurar o cumprimento das normas
jurídicas. Com efeito, na maioria das vezes, o acatamento destas a acontece
de forma voluntária ou natural, sem a intervenção da Força.
b. Características
26
Características da norma jurídica A partir da própria definição acabada de
apresentar, podem extrair-se as características mais marcantes da norma
jurídica, que são:
a) Generalidade: Todos os cidadãos são iguais perante a lei, razão por que a
norma jurídica se aplica a todas as pessoas em geral. As normas jurídicas são
válidas para todos e a todos obrigam de igual forma;
a) Validade
27
Para ser considerada válida a norma jurídica precisa ter sido inserida no
sistema normativo seguindo as exigências previstas para a Técnica da
Formulação das normas jurídicas. Uma lei só terá validade se houver sido
submetida ao poder competente e passar por todos os trâmites da ou
procedimentos tais como a votação, promulgação e publicação da lei, na forma
prevista na Constituição. Essa primeira análise é denominada de validade
formal.
b) Vigência
c) Eficácia
28
criança no automóvel); b) por desobediência a norma, quando a norma não tem
sucesso, ou no popular, quando a norma “não pega” (ex.: norma que prevê o
fim das sacolinhas plásticas nos supermercados). Exemplo, estipulação em
dólares em certos contratos de arrendamentos em Angola por vários anos.
1. Quanto à obrigatoriedade
2. Quanto à sanção
29
1. O problema das fontes de Direito
São várias as classificações das fontes do Direito. "A mais importante divide-as
em fontes directas ou imediatas e fontes indirectas ou mediatas.
Fontes directas ou imediatas são aquelas que, por si só, pela sua própria
força, são suficientes para gerar a regra jurídica”. São a lei, o Costume
Internacional e o Tratado Internacional.
Fontes indirectas ou mediatas são as que não têm tal virtude, porém
encaminham os espíritos, mais cedo ou mais tarde, à elaboração da norma.
São o costume, a doutrina e a jurisprudência, os usos, os princípios gerais do
Direito".
30
provida de coacção, com o objectivo tornar induzir os indivíduos a não violar os
seus preceitos.
31
Lei em sentido amplo, a palavra lei ou legislação é empregada para indicar
quaisquer normas jurídicas escritas, sejam as leis propriamente ditas, oriundas
do Poder Legislativo, sejam elas decretos legislativos presidenciais, decretos
executivos, regulamentos, resoluções, Avisos do BNA, estatutos etc. (ver
designação no CRA).
O Tratado Internacional
No Direito Romano, desde a fundação de Roma (753 a.C data presumível) até
meados do século V a.C, o costume foi a única fonte do direito. A Lei das XII
Tábuas surge como uma representação dos costumes. A partir de então os
costumes passam a desempenhar um papel menor no Direito Romano.
32
A obediência a uma conduta por parte de uma colectividade configura um uso.
A reiteração desse uso forma o costume, que vem a ser a regra de conduta
criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por
modo constante e uniforme, e sob a convicção de corresponder a uma
necessidade jurídica.
Para que um costume seja reconhecido como fonte de Direito deve reunir
determinados requisitos. Assim, é preciso: a) que seja contínuo (factos
esporádicos, que se verificam vez por outra não são considerados costumes);
b) que seja constante (a repetição dos factos deve ser efectiva, sem dúvidas,
sem alteração); c) que seja moral (o costume não pode contrariar a moral ou os
bons hábitos, não pode ser imoral); d) que seja obrigatório, isto é, que não seja
facultativo, sujeito a vontade das partes interessadas".
De facto, é o Código Civil, no seu art.º 3.º n.º 1, que leva a saber, quando este
dispõe que “os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são
juridicamente atendíveis quando a lei o determinar”. Desta feita, entende-se
que os usos serão considerados fontes mediatas do direito aqueles que, não
sendo contrários à boa-fé, a lei comercial determina a sua relevância jurídica.
33
remuneração do depositário pelos usos da praça onde o depósito tiver sido
constituído; o art.º 373.º do CCom – na falta de guia de transporte, a realização
do transporte é determinada pelos usos comerciais, temos outros exemplos de
usos: os art.ºs 238.º, 271.º, 382.º, 399.º todos do CCom.
A Doutrina
Como salienta Caio Mário da Silva Pereira, "em determinadas fases da cultura
jurídica sobressaem escritores, a cujos trabalhos todos recorrem de tal forma
que as suas opiniões se convertem em preceitos “obrigatórios ”... Com efeito, é
de grande valor o trabalho dos doutrinadores na elaboração e na aplicação do
direito objectivo, já que, analisando criticamente as diferentes opções jurídicas,
apontando as falhas, os inconvenientes e defeitos da lei vigente, ajuda o
legislador na feitura de lei mais perfeita e o aplicador do direito na procura das
soluções mais adequadas aos casos em apreço.
A Jurisprudência
34
A Jurisprudência é um conjunto de regras gerais e orientações que se retiram
das decisões judiciais emanadas dos tribunais da mais alta hierarquia para
efeitos de consideração ulterior no julgamento de casos semelhantes
submetidos a outros tribunais de igual ou menor nível. Com efeito, as
sentenças ou acórdãos dos tribunais superiores sobre determinados casos
servem de referência no julgamento de casos idênticos, contribuindo para uma
interpretação e aplicação uniformes (ou tendencialmente uniformes) das
normas jurídicas.
• Não condenar alguém se não se pode provar sua culpa, na dúvida, não se
condena.
•Não há crime nem criminoso se não houver lei anterior que o prescreva como
tal.
35
Conjunto de regras e princípios que regulam relações entre os sujeitos
internacionais (os Estados, Organizações Internações, entidades).
Características:
Direito Interno.
36
O Direito do Comércio Internacional tem como objeto de estudo toda a
atividade mercantil internacional, abrangendo todas as áreas do direito
comercial e do direito industrial, caracterizando-se como um verdadeiro direito
econômico, mais amplo, que inclui o direito monetário-cambial, o direito
financeiro, o direito fiscal, em síntese, faz parte do direito internacional
econômico.
Fontes principais:
37
conjunto de normas que regulam a actividade de arrecadação das receitas,
efectuada essencialmente através de impostos (prestações unilaterais
estabelecidas por lei e calculadas com base nos rendimentos auferidos pelos
cidadãos e entregues ao Estado) e taxas (prestações efectuadas pelos
cidadãos como contrapartida de serviços que lhes são prestados pelo Estado
ou pela utilização de bens do domínio público), Direito Fiscal (que se ocupa do
sistema de normas jurídicas que disciplinam as relações de imposto e definem
os meios e processos através dos quais se realizam os direitos emergentes
daquelas relações). Direito Económico (que se ocupa do estudo do conjunto
de normas jurídicas reguladoras das relações de realização e de direcção da
actividade económica, tendo em vista a produção e a distribuição de bens e a
prestação de serviços susceptíveis de satisfazer as necessidades de
subsistência e desenvolvimento da sociedade).
Direito privado
É constituído por normas que regulam as relações que se estabelecem entre
os cidadãos, entre estes e o estado ou qualquer ente público, desde que seja
despido de ius imperii.
O Direito Privado, por seu turno, compreende, essencialmente, o Direito Civil
(regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas,
aos bens e às relações que as pessoas estabelecem entre si e a respeito dos
bens: dto das obrigações, dtos reais, dto da família, dto das sucessões,
especializações: dto do autor, dto das associações, dto do trabalho ) e o
Direito Comercial (que regula a profissão dos comerciantes, seus actos ou
contratos = especializações: dto marítimo, bancário, dos seguros, propriedade
industrial, dos transportes, do consumo).
Com o fenómeno de iuspublicização e iusprivatização, a divisão dto publico
e privado tem sofrido influências mútuas (dto do trabalho e dto administrativo
em matéria dos contratos). Ademais, dado o fenómeno de convergência (dto
publico e privado a caminharem no mesmo sentido), há certos ramos do direito
que não cabem nos limites formais da distinção entre dto público e dto privado.
Ex: o Dto do Ambiente, o Dto do Ordenamento do Território. Incluímos neste
tópico O Direito internacional privado.
38
Antes de se aplicar a lei, ou qualquer norma jurídica), há que interpretá-la, para
se ter uma clara percepção do sentido e alcance do que nela se contém, ou
seja, do pensamento do legislador.
2. Fim da interpretação
A interpretação da lei é o processo técnico-jurídico que visa determinar qual o
conteúdo e alcance das normas jurídicas.
3. Sujeitos da interpretação da Lei
São os aplicadores de direito: juízes, advogados, administração pública, como
notários, registo civil, comercial, predial, bairro fiscais etc.
4. Formas de interpretação quanto a sua origem e valor
Atendendo ao critério da fonte ou origem da interpretação, esta pode ser
autêntica ou doutrinária:
i. Interpretação autêntica - É uma interpretação que é feita pelo próprio
órgão que criou a norma (não pode ser feita por um órgão de hierarquia
inferior) e deve assumir a mesma forma de acto que a utilizada na
produção da norma que ora se interpreta.
ii. Interpretação doutrinal - É uma interpretação feita por especialistas e
técnicos de Direito, como os magistrados, juristas, assim como pelos
tribunais, fazendo uso da doutrina e da ciência jurídicas.
5. Elementos da Interpretação
Elemento literal – atende-se à letra da lei, ao sentido das palavras que a
compõem;
Elemento lógico. – Vai-se explorar todas as possibilidades de análise do texto
legal, para se determinar a razão de ser das normas, o espírito da lei;
Elemento sistemático – Tem-se em conta a norma não numa perspectiva
isolada mas sim no âmbito do sistema em que a norma está inserida;
Elemento histórico – Para se interpretar bem a norma, deve-se considerar o
contexto histórico em que a mesma foi adoptada, sendo para isso importante a
consulta dos documentos que fazem parte dos trabalhos preparatórios do
diploma.
Formas de interpretação quanto ao resultado
a) Interpretação declarativa - É um método de interpretação em que o
intérprete entende que o sentido da norma está de acordo com o respectivo
texto.
b) Interpretação extensiva - É um método através do qual se faz uma
interpretação de modo a corrigir a não conformidade entre a letra da norma e o
39
pensamento do legislador, no entendimento de que este expressou na lei
menos do que queria, não abarcando todas as situações que caberiam
razoavelmente no seu pensamento. Assim, o intérprete alarga o alcance da
norma de modo a abarcar essas situações, adequando-se, assim, a letra da
norma ao pensamento do legislador.
c) Interpretação restritiva - É um método através do qual se faz uma
interpretação de modo a corrigir a desconformidade existente entre a letra da
norma e o pensamento do legislador, no entendimento de que este expressou
na lei mais do que queria, usando uma formulação demasiado ampla que foi
além da realidade que pretendia abarcar. Assim, o intérprete restringe ou reduz
o alcance da norma de modo a abarcar apenas as situações que caberiam
razoavelmente no pensamento do legislador.
Espécies de interpretação
Subjectivismo e objectivismos na interpretação da Lei
a) Interpretação subjectivista - É um método de interpretação através do qual
se procura reconstituir o pensamento concreto do legislador.
b) Interpretação objectivista - É um método de interpretação em que se
busca apurar o sentido da norma abstraindo-se de quem foi o legislador ou de
quem produziu essa norma.
40
Analogia juris (jurídica) – essa analogia implica em recurso mais amplo, isto
é, na ausência de regra estabelecida para o caso sub judice, o juiz recorre aos
princípios gerais do direito.
Limites à admissão da analogia
Há casos em que não é aplicável a analogia nem, por conseguinte, a
integração de lacunas. Como os casos de:
a) Leis excepcionais - que regulam um sector particular das relações sociais
de modo diverso do regime geral adoptado para relações situações do mesmo
género (ora, nas situações excepcionais reguladas pelo Direito, a ausência de
norma de excepção não é susceptível de suprimento por analogia);
b) Leis penais - que se regem pelos princípios da legalidade e da tipicidade,
nos termos dos quais não é possível condenar ninguém por condutas e ou com
penas não previstas expressamente na lei;
c) Leis tributárias (normas do Direito Fiscal ou Tributário) - ninguém é
obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da lei.
41
serviços, as partes, que podem ser de distintos países, podendo estipular que
em caso de controvérsia na aplicação das cláusulas contratuais.
Já as leis territoriais, que, como vimos, se aplicam a todas as pessoas que se
encontrem no território do respectivo Estado, sejam eles cidadãos, estrangeiros
ou apátridas, obedecem ao princípio da territorialidade, ou, por outro, não têm
eficácia extraterritorial. Variam segundo os Estados e referem-se a tipos legais
ou normas de direito constitucional, penal, processual e, em parte, de direito
civil.
42
16. O DIREITO E A ECONOMIA
d) Relação entre a Economia e o Direito.
Economia é entendida como a ciência social que observa de que forma a
sociedade decide aplicar recursos produtivos escassos na produção de bens e
serviços, para distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, com
o objetivo de atender as necessidades humanas (VASCONCELLOS; GARCIA,
2012, p. 2 citado abaixo). Estuda “como pessoas, empresas, governos e outras
organizações de nossa sociedade fazem escolhas e como essas escolhas
determinam a forma como a sociedade utiliza seus recursos” (STIGLITZ;
WALSH, Introdução à microeconomia. trad. de Helga Hoffmann. 3 ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2003, p. 8).
De facto, o conhecimento de institutos econômicos e do funcionamento dos
mercados contribui para a aproximação das normas jurídicas à realidade
econômica. Outrossim, o ordenamento jurídico exerce influência sobre o
comportamento dos agentes econômicos.
A integração Direito e Economia surgiu na América do Norte e atinge de
forma crescente todo o mundo (50 anos atrás). A correlação entre o Direito e a
Economia tornou-se notória nos Estados Unidos e a disciplina passou a incluir
a grade curricular do curso de Direito das mais destacadas Universidades
(COOTER; ULEN, Direito & economia. Porto Alegre, Bookman, 2010).
No que se refere à interação entre o Direito e a Economia, afirma-se que a
análise conjunta destas especialidades detém como importante marco a obra
de Roland Coase. O advogado norte-americano ganhou o Prêmio Nobel de
Economia no ano de 1991 (VASCONCELLOS; GARCIA, 2012, p. 41, citado
abaixo). Ele propiciou relevante crítica em relação à ortodoxa análise
econômica ao evidenciar que, “ao contrário do que inferem os neoclássicos
tradicionais, as instituições legais impactam significativamente o
comportamento dos agentes econômicos”.
Com efeito, a Economia centra-se na análise da alocação de recursos e no
emprego destes de modo mais eficiente para os indivíduos, para as empresas
e à sociedade (STIGLITZ; WALSH, ob. cit. p. 08).
Alguns economistas acreditam que as decisões acerca da alocação de
recursos podem ser mais eficientes conforme a quantidade e amplitude das
regulamentações do mercado, pois estas normalmente ensejam restrições.
Além disso, entendem que tais regulamentações quando existentes devem
deter a maior estabilidade e o menor grau de interferências possíveis, sob o
argumento de que a instabilidade e a insegurança provenientes de diferentes
decisões judiciais reduzem a oferta e crédito e aumentam a taxa de juros.
Desta forma, a análise de aspectos legais dissociados dos aspectos dos
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sistemas econômicos pode não ser suficiente e, em determinados casos, tende
a prejudicar a sociedade.
Na sua essência o Direito é verbal, hermenêutico, almeja a justiça e analisa
questões sob o enfoque da legalidade. A Economia, por sua vez, embora
também verbal, é primordialmente matemática, almeja ser científica e
examina questões tendo em vista o custo (SALAMA, 2008, p. 49).
Roland Coase tratou das externalidades – impactos econômicos – positivas e
negativas acerca do consumo e produção, indagando se determinado indivíduo
teria o direito de prejudicar outro e como refrear sua ação quando prejudicial.
Como exemplo, o autor examina o caso de uma fábrica que polui um rio.
Primeiramente, se o bem produzido pelo empreendimento, apesar da poluição
ocasionada, é mais eficiente para a comunidade na medida em que gera
empregos e impostos do que a cessação das atividades da fábrica (apud
PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 106).
Assim, a lei pode conceder o direito de poluir e permitir o dano causado,
todavia, impondo condições como a instalação de filtros para atenuar os efeitos
da poluição. Observa-se desse modo uma conexão entre o Direito com os
fundamentos da Economia dos custos de transação.
Ademais, o Direito muitas vezes preocupa-se com o retorno ao status quo ante,
ao passo que a Economia focaliza o futuro para se antecipar. Por isso, as
referidas diferenças normalmente acarretam dificuldades no diálogo entre
operadores do Direito e economistas.
Todavia, consoante Bruno Meyerhof Salama, o Direito e a Economia
apresentam pontos comuns, pois ambos procuram solucionar problemas de
coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade (2008, p. 49). Os Preceitos
jurídicos relativos aos custos do processo litigioso, normas legais e
constitucionais acerca da responsabilidade civil, direitos de propriedade e
direitos contratuais, influenciam o crescimento econômico e constituem apenas
alguns exemplos da relação entre o Direito e a Economia.
A globalização, também caracterizada pelo processo de integração econômica
internacional que envolve contratos e regulamentações, ressalta a necessidade
de integração entre as disciplinas.
Em razão da concorrência no mercado internacional desencadeada pela
globalização, o Direito, ao regulamentar a produção de bens e a prestação de
serviços, e a Economia, ao buscar formas ou modelos econômicos adequados
a um melhor desempenho diante da competição, encontram-se em progressivo
intercâmbio.
Assim, fica demonstrado que um apropriado tratamento jurídico também
pode derivar da análise de questões econômicas. Por outro lado, um
tratamento econômico adequado do mesmo modo requer sejam
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ponderadas as questões jurídicas, “para não correr o risco de chegar a
conclusões equivocadas ou imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos
impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes econômicos”
(ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 3).
Portanto, é de destacar que o estudo da Economia e do Direito são
complementares e não excludentes.
e) O sistema económico e as regras de Direito.
Segundo Vasconcellos, a busca pela solução dos problemas econômicos
fundamentais ocorre conforme o sistema econômico adotado por cada país.
Sistema econômico corresponde a forma de organização econômica para a
produção, distribuição e consumo, podendo ser classificado em: sistema
capitalista, também chamado de economia de mercado, ou sistema
socialista, por vezes denominado de economia centralizada. Algumas
nações se organizaram adotando uma forma intermediária entre estes dois
sistemas (Marco Antonio Sandoval de; GARCIA, Manuel Enriquez.
Fundamentos de economia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 4).
A partir das questões concernentes aos problemas econômicos fundamentais,
observa-se que as decisões econômicas se relacionam a um juízo de valor,
pois decorrem de decisões humanas admitindo diversos modos de
interpretação e diferentes correntes de entendimentos econômicos (ob. cit., p.
3).
Sob este prisma destaca-se também a congruência entre o Direito e a
Economia, competindo ao ordenamento jurídico (leis, regulamentos,
decretos, despachos, avisos e directivas do BNA, estatutos, contratos etc…)
nortear a aplicação das ferramentas da política econômica, pois constitui dever
do Estado a promoção do bem-estar e da justiça sociais tanto sob o aspecto
econômico como sob o aspecto jurídico.
Segundo Robert Cooter e Thomas Ulen, “a análise econômica do direito é um
assunto interdisciplinar que reúne dois grandes campos de estudo e facilita
uma maior compreensão de ambos” (COOTER; ULEN, ob. cit., p. 33).
A convergência dos fundamentos da Economia e dos fundamentos do Direito
oferece a compreensão do real sentido e da razão de ser da norma jurídica,
pois a empresa, como agente econômico e como sujeito de relações
jurídicas, assume importante papel social. A regulamentação jurídica pode
influenciar empreendimentos econômicos a fim de promover o desenvolvimento
e a mudança social (idem).
A almejada justiça social, cuja busca encontra-se constitucionalmente traçada,
insere-se na ordem econômica e na ordem social, de modo que sua realização
necessariamente detém implicações econômicas e sociais (idem).
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Segundo Vasconcellos e Garcia “as normas jurídicas buscam, em última
análise, regular as atividades econômicas, no sentido de tornar os mercados
eficientes (função alocativa) e buscar melhor qualidade de vida para a
população como um todo (função distributiva) (ob. cit. p. 42)
Disponível: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/
Fim da matéria
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