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CONDUTAS VEDADAS

AOS AGENTES
PÚBLICOS
EM ANO ELEITORAL
SOBRE O AUTOR

Igor Pereira Pinheiro


Promotor de Justiça do MPCE; Especialista, Mestre e Doutorando em Ciências
Jurídico-Políticas pela ULISBOA; Autor dos livros “Legislação Criminal Eleitoral
Comentada” (ed. JusPodivm) e “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano
Eleitoral” (ed. JH Mizuno); Coordenador das Pós-Graduações em Compliance/
Direito Anticorrupção e Direito Político/Eleitoral da Faculdade CERS; Foi Professor
da Escola Superior do MPCE na área de combate à corrupção; Foi Membro do
Grupo de Atuação Especial de Defesa ao Patrimônio Público do Ministério Público
do Estado do Ceará (GEDPP); Foi Coordenador do Grupo Auxiliar da Procuradoria
Regional Eleitoral do Ceará.



1. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E de crimes. Era uma clara hipótese de lei


PREVISÕES TÍPICAS. penal temporária. Foi o que sucedeu com
as Leis nº8713/93 e 9100/95. Felizmente,
A criação dos tipos penais eleitorais, isso acabou em 1997!
em observância ao princípio constitucio- De qualquer sorte, a despeito da exis-
nal da reserva legal (artigo 5º, XXXIX, tência de um Código Eleitoral, que dedica
CF/88) só pode ocorrer mediante lei em Título próprio com as disposições penais
sentido estrito, cuja competência legisla- eleitorais (Título IV, artigos 283 a 364), no
tiva é privativa da União (artigo 22, I, da qual estão descritos a maioria dos crimes
Constituição Federal de 1988), sendo ve- eleitorais, é importante consignar que os
dada, inclusive, a sua criação por meio de delitos eleitorais estão previstos em
medida provisória (vide artigo 62, I, “a” 06 (seis) diplomas legais, a saber:
e “b”, CF/88), ou por ato regulamentar
do Tribunal Superior Eleitoral (vide arti-
gos 1º, parágrafo único e 23, IX, ambos 1. Código Eleitoral (Lei nº4737/65);
do Código Eleitoral c/c artigo 105, da Lei 2. Lei do Transporte de Eleitores (Lei
nº9504/97 e artigo 61, da Lei nº9096/95). nº6091/74);
Nesse mesmo sentido, deve-se destacar 3. Lei do Processamento Eletrônico de
que também não poderá ocorrer delega- Dados nos Serviços Eleitorais (Lei
ção legislativa ao Executivo para esse fim nº6996/82);
(vide artigo 68, II, da CF/88)1. 4. Lei do Escrutínio (Lei nº7021/82);
Pois bem, esclarecida a questão da 5. Lei das Inelegibilidades (Lei Comple-
competência legislativa, destaca-se que, mentar nº64/90);
até a edição da Lei das Eleições (Lei 6. Lei das Eleições (Lei nº9504/97), cuja
nº9504/97), havia o entendimento – e a última modificação ocorreu por meio
prática legislativa – de que o artigo 16 da da Lei n°13.834/2019, que inseriu o
Constituição Federal (princípio da anuali- crime de denunciação caluniosa elei-
dade) exigia a aprovação de uma lei espe- toral por meio do artigo 326-A do
cífica para cada pleito eleitoral. Código Eleitoral.
Assim, a cada dois anos, aprovava-se
uma lei eleitoral, inclusive com previsão Ao todo, existem 93 (noventa e três)
previsões incriminadoras no Direito
1 “A lei permanece figurando como fonte formal ime-
Eleitoral Brasileiro, conforme tabela em
diata, sendo o único instrumento normativo capaz anexo, cujo estudo individualizado será re-
de criar infrações penais (crimes e contravenções alizado mais à frente do presente trabalho,
penais) e cominar sanções (pena ou medida de se-
gurança). Nenhuma outra fonte pode ampliar ou dar quando serão analisadas eventuais revo-
origem ao ius puniendi.” (CUNHA, Rogério Sanches. gações e os casos de não recepção pela
Manual de Direito Penal – Parte Geral. 5.ed. Salvador:
Editora JusPodivm, 2017, p.58). ordem constitucional vigente.

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Diploma Legal Tipos Incriminadores


70 no total, assim distribuídos:
1 – Art.45, §9º
2 – Art. 45, §11
3 – Art. 47, §4º
Código Eleitoral 4 – Art. 68, §2º
(Lei Ordinária nº4.737/65) 5 - Art. 71, §3º
* Obs: O Código Eleitoral possui natureza de 6 - Art. 114, parágrafo único
lei mista, tendo status de lei ordinária em sua 7 - Art. 120, §5º
generalidade e de lei complementar nas disposições 8 - Art.129, parágrafo único
que trata da competência e organização da Justiça 9 - Art.135, §5º
Eleitoral, a teor do que dispõe o artigo 121, da 10 - Art.174, §3º
Constituição Federal de 1988. 11 – Artigos 289 a 354-A, num total de 60 tipos
previstos (incluindo o novo artigo 326-A), já
que alguns dispositivos foram revogados por
leis posteriores e outros possuem conteúdo
explicativo ou de natureza processual.
Lei do Transporte de Eleitores 5 no total, assim distribuídos:
(Lei nº6091/74) - Art. 11, incisos I à V
Lei do Escrutíneo 1 no total:
(Lei nº7021/82) - Art. 5º
Lei do Processamento Eletrônico de Dados 1 no total:
nos Serviços Eleitorais - Art.15
(Lei nº6996/82)
2 no total:
Lei das Inelegibilidades - Art. 20
(Lei Complementar nº64/90) - Art.25
14 no total, assim distribuídos:
1 – Art.33, §4°
2 - Art.34, §2°
3 – Art. 34, §3º
4 - Art.39, §5°
5 – Art. 40
Lei das Eleições 6 - Art.57-H, §1°
Lei nº9504/97 7 - Art.57-H, §2°
8 – Art.58, §7º
9 - Art.68, §2°
10 – Art.72
11 – Art.87, §4°
12 – Art.91
13 – Art. 94, §2º
14 – Art. 100-A, §5°

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2. PSEUDO INFRAÇÕES PENAIS Exatamente por isso, o crime de falso


ELEITORAIS. testemunho praticado em processo
judicial em trâmite na Justiça Eleitoral
3

Ter domínio do exato conceito das in- ou em procedimento investigatório


frações penais eleitorais é de extrema im- presidido pelo no Ministério Público
portância teórica e prática, pois existem Eleitoral não é crime eleitoral, sendo a
determinadas situações do dia a dia forense competência da Justiça Federal, con-
que podem induzir o intérprete à errônea forme já decidiu o Superior Tribunal de
configuração dessa modalidade delituosa, Justiça (STJ):
em especial pela circunstância dos fatos
ocorrerem em ambientes eleitorais, ou ------------------------------------------------------------------------------------------
pela subsunção de uma conduta a um tipo CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
penal previsto na legislação eleitoral sem DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETI-
que haja uma lesão ou ameaça de lesão aos DO PERANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA
ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A
bens tutelados pelo Direito Eleitoral. ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL.
Assim, como já visto, para a configura- INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA
ção de uma infração penal eleitoral, faz- JUSTIÇA FEDERAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA
-se imperativo que estejam presentes dois DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDI-
GO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBI-
elementos: LIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA
JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA
1 - Tipificação da infração penal na DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA
legislação eleitoral; CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLI-
CAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.
2 - Lesão ou potencial de lesão aos
1. A prática do delito de falso testemunho,
bens jurídicos eleitorais, bem como cometido por ocasião de depoimento perante
o especial fim de agir, quando ex- o Ministério Público Eleitoral, enseja a compe-
pressamente exigido pela norma2.
3 PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME
Não basta, portanto, a mera localiza- ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. FALSO TESTE-
ção do tipo na legislação criminal eleitoral, MUNHO. CRIME PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL.
INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTI-
a finalidade eleitoral ou a ambiência polí- ÇA FEDERAL. 1. Nos termos do art. 109, inciso IV, da
tico-partidária da conduta prevista como Constituição Federal, compete à Justiça Federal pro-
infração penal para que exista um delito cessar e julgar infração penal de falso testemunho pra-
ticada em detrimento da União, que tem interesse na
eleitoral. É preciso mais! administração da justiça eleitoral. 2. A circunstância de
ocorrer o falso depoimento em processo eleitoral não
estabelece vínculo de conexão para atrair a competên-
2 É o caso, por exemplo, dos artigos 348 e 349 do cia da Justiça Eleitoral. 3. Conflito conhecido para de-
Código Eleitoral, que exigem a comprovação dos clarar competente o Juízo Federal, ora suscitante. (CC
“fins eleitorais” na falsificação de documento público 106.970/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA
e particular, respectivamente. SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 22/10/2009).

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tência da Justiça Federal, em razão do evidente contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão
interesse da União na administração da Justiça jurisdicional de cunho federal, evidencia o inte-
Eleitoral. Precedentes. 2. Na eventualidade resse da União em preservar a própria admi-
de ficar caracterizado o crime do art. 299 do nistração. 3. Conflito conhecido para declarar
Código Eleitoral, este deverá ser processado a competência do Juízo Federal do Juizado Es-
e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no pecial Cível e Criminal da Seção Judiciária do
andamento do processo relacionado ao crime Estado de Rondônia, ora suscitado. (CC 45552/
de falso testemunho, porquanto a competência RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
da Justiça Federal está expressamente fixada na TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2006, DJ
Constituição Federal, não se aplicando, dessa 27/11/2006, p. 246)
forma, o critério da especialidade, previsto nos ------------------------------------------------------------------------------------------
arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Elei-
toral, circunstância que impede a reunião dos Nunca é demais lembrar, porém,
processos na Justiça especializada. Precedentes.
que se o desacato for praticado juntamente
3. Conflito conhecido para declarar competen-
te o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção com outros crimes eleitorais, ele continuará
Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado. sendo um pseudo crime eleitoral, embo-
(CC 126729/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉ- ra venha a ser julgado na Justiça Eleitoral
LIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em por força da atração dos delitos especiais.
24/04/2013, DJe 30/04/2013)
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Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) já decidiu, in verbis: “No caso dos
Segue-se, assim, a lógica do disposto na autos, a Justiça Eleitoral é competente para
Súmula nº165, do Superior Tribunal de Jus- julgar os crimes de desacato, pois, além de
tiça (STJ), segundo a qual “compete à Justiça os policiais militares desacatados estarem
Federal processar e julgar crime de falso teste- no exercício de atividades relacionadas às
munho cometido no processo trabalhista”. eleições, esses crimes eram conexos ao de
Outro crime bastante recorrente na boca de urna e, conforme o disposto no art.
prática e que não é da competência da 81 do CPP, ainda que tenha havido absolvição
Justiça Eleitoral é o desacato praticado quanto ao crime eleitoral, esta Justiça Espe-
contra juiz e promotor eleitoral, ou cializada continua competente para os de-
qualquer agente público investido de mais crimes. (Recurso Especial Eleitoral
função eleitoral. Vejamos: nº 174724, Acórdão, Relator(a) Min. João
Otávio De Noronha, Publicação: DJE -
------------------------------------------------------------------------------------------ Diário de justiça eletrônico, Tomo 234,
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Data 12/12/2014, Página 51).
CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ Cumpre registrar também precedente
ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COM-
PETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. do Supremo Tribunal Federal (STF), no
1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se sentido de que os delitos de calúnia e
restringe ao processo e julgamento dos crimes difamação praticados por parlamentar,
tipicamente eleitorais. 2. O crime praticado no bojo de comício eleitoral, contra

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juiz e promotor eleitorais não configuram ------------------------------------------------------------------------------------------


crimes eleitorais, pois para a configura- PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATI-
ção dessas específicas infrações eleitorais VO DE COMPETÊNCIA. ATO INFRACIONAL
EQUIPARADO AO DELITO PREVISTO NO
exige-se que sejam praticados “em propa- ART. 39, § 5º, II, DA LEI Nº 9.504/97.
ganda eleitoral ou para fins de propaganda Compete ao Juízo da Vara da Infância e da Ju-
eleitoral, máxime se considerado o caráter ventude, ou ao Juiz que, na Comarca, exerce
de ultima ratio do direito penal”. Senão, tal função, processar e julgar o ato infracional
vejamos: cometido por menor inimputável, ainda que
a infração seja equiparada a crime eleitoral.
------------------------------------------------------------------------------------------ Conflito conhecido, competente o Juízo de Di-
reito da Vara Criminal de Milagres (BA). (CC
DENÚNCIA. CRIMES PREVISTOS NOS
38.430/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER,
ARTS. 325, 326 E 327, II E III, TODOS DO
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2003, DJ
CÓDIGO ELEITORAL. INJÚRIA E DIFAMA-
18/08/2003, p. 150)
ÇÃO PRATICADAS CONTRA PROMOTOR
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DE JUSTIÇA E JUIZ DO TRABALHO. ATI-
PICIDADE DA CONDUTA. DENÚNCIA
REJEITADA. 1. À luz do Código Eleitoral, é É importante, contudo, não deixar imu-
atípica a conduta de proferir ofensas irrogadas ne de responsabilização penal o terceiro
fora da ambiência político-eleitoral. 2. Para a (maior) que induziu o menor ou com ele
configuração de delito contra a honra na seara
concorreu para prática do ato infracional.
eleitoral, faz-se necessário que a conduta seja
praticada em propaganda eleitoral ou para fins Nesse caso, temos algumas possibili-
de propaganda eleitoral, máxime se considera- dades:
do o caráter de ultima ratio do direito penal.
3. Denúncia rejeitada. (Inq 3925, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acór- 1 – Se o terceiro apenas induz, sem
dão: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, praticar qualquer ato auxiliar ou de
julgado em 27/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔ- execução, deve responder pelo cri-
NICO DJe-078 DIVULG 22-04-2016 PUBLIC me de corrupção de menores (arti-
25-04-2016).
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go 244-B, do ECA), perante a Justiça
Comum, independente do grau de
Por fim, destaca-se que, uma vez prati- corrupção do infante, pois “a Tercei-
cado ato infracional análogo ao crime ra Seção do Superior Tribunal de Jus-
eleitoral por criança ou adolescente, o tiça, no julgamento de recurso espe-
entendimento jurisprudencial do Supe- cial processado sob o regime do art.
rior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido 543-C do CPC, firmou a orientação
de que cabe à Justiça Comum (Vara da de que o crime de corrupção de me-
Infância e Juventude) apreciar o fato: nores é de natureza formal, sendo ir-
relevante, portanto, tratar-se de me-
nor anteriormente corrompida” (HC

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260.090/MS, Rel. Ministro GURGEL


DE FARIA, QUINTA TURMA, julga-
do em 07/04/2015, DJe 17/04/2015);
2 – Caso, todavia, o terceiro prati-
que ato executório do crime elei-
toral, possua domínio do fato ou se
enquadre na condição de autor ma-
terial (intelectual), deve responder,
em concurso de crimes, pela corrup-
ção de menores (artigo 244-B, do
ECA) e o respectivo crime eleitoral,
tudo perante a Justiça Eleitoral, pois
a competência da mesma atrai os de-
litos conexos aos especializados4.

4 Processual penal. Conflito de competência. Justiça


eleitoral e justiça comum. Havendo conexão entre um
crime eleitoral e outro comum, a justiça eleitoral, em
prejuízo, julgará os dois delitos. Conflito conhecido, de-
clarando-se competente a justiça eleitoral. (CC 16.316/
SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SECAO,
julgado em 23/04/1997, DJ 26/05/1997, p. 22469)

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