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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED


Educação Especial e Inclusão – A

Março de 2023

Análise do Artefato cultural – Filme: Como estrelas na terra – toda


criança é especial.

INTRODUÇÃO:

Esse trabalho é uma reflexão a respeito do filme Como Estrelas na Terra –


Toda a Criança é Especial, baseado no roteiro de Amole Gupte e dirigido por Aamir
Khan, que também faz o papel de professor no enredo. O filme se passa na Índia e
aborda temas como (in)tolerância, integração social, dificuldades e falta de
percepção de alguns professores na aplicação de métodos de aprendizagem que
visem a inclusão de alunos com características especiais. A produção conta a
trajetória de um menino que possui dislexia e passa por duas escolas na Índia que
desconhecem quaisquer fundamentos de política educacional inclusiva. Muito
embora o termo educação inclusiva tenha sua origem em 1994, na Declaração de
Salamanca, da qual a Índia é signatária.
No que diz respeito ao período em que se situa o filme, meados dos anos
2000, em termos de legislação educacional relativa às pessoas com deficiência:
vigorava na Índia a Política Nacional de Educação (1986), que inaugurava a menção
a pessoas em situação de deficiência nos textos legais e defendia a integração de
crianças com deficiências leves nas escolas regulares. Posteriormente, a Lei do
Direito à Educação(2005), preconizava a Educação de crianças com deficiências
leves na escola regular e previa que crianças com deficiências severas fossem
matriculadas em escolas especiais com facilidades de acomodação em pontos
centrais de cada localidade; que as escolas especiais para crianças com deficiências
deveriam estar equipadas com facilidades de treinamento profissional e, dentre
outras normativas, que centros de formação de professores deveriam ser
estabelecidos com vistas a desenvolver os recursos humanos necessários.
No que entende Santos (2006), relativo a legislação indiana de inclusão, em linhas
gerais, a inclusão escolar de pessoas em situação de deficiência tem percorrido uma
trajetória bastante semelhante à de muitos países: do não reconhecimento desses
sujeitos como pessoas, ao enclausuramento dos mesmos em instituições
especializadas, à tentativa de integrá-los em certas arenas sociais até o momento
mais atual, em que se tenta pensar transformações de ordem mais sistêmica, com
mudança de paradigmas.

O FILME:

Esse artefato cultural se baseia no filme Como Estrelas na Terra –toda a


criança é especial. O filme conta a história de Ishaan, um menino de 09 anos que
vive com seus pais e seu irmão mais velho em uma cidade da Índia. Inteligente,
carinhoso com seus pais e muito talentoso com desenhos, Ishaan está prestes a
repetir, pela segunda vez, o terceiro ano na escola. Ishaan tem dislexia, que segundo
a Associação Internacional de Dislexia - IDA, é considerada um transtorno específico
de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldade no
reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e em
soletração.
Ishaan é disperso na escola e sua
atenção fica voltada às suas fantasias
pessoais. Os professores o repreendem
constantemente, enquanto Ishaan, com sua
mente criativa, busca sentido para as letras,
que dançam na sua frente; e aos números da
prova de matemática, que se transformam em
seus devaneios numa fantástica batalha
galáctica, de onde Ishaan cria suas próprias
formulações.
Com habilidade inata para as artes, pintura e criatividade manual, porém
estigmatizado como preguiçoso e indisciplinado, Ishaan se torna, em sala de aula,
um menino problema, sem solução, como assim pensam os professores. Em casa, é
explícito o contraste com seu irmão mais velho, que é um dos melhores alunos da
escola; a admiração do pai pelo filho mais velho e a decepção e vergonha por Ishaan
é evidente ao longo da trama. Ofuscado pelo ótimo desempenho acadêmico do
irmão, Ishaan não é reconhecido pela criatividade em sua arte. Enquanto o irmão
traz para casa, suas provas com notas altas, Ishaan sequer tem o cuidado com seu
uniforme (chega em casa diariamente sujo), e suas provas foram perdidas pelo
caminho.
Sua mãe, no entanto, parece perceber as dificuldades do menino, porém sem
se aprofundar nos motivos que levam Ishaan a ser como ele é, acolhendo em todas
as suas travessuras e tentando minimizar as “irresponsabilidades” do menino.
O drama de Ishaan se complica cada vez mais dentro da escola e na própria
família, após descobrirem que ele havia gazeado a aula e pedido ao irmão que
abonasse sua falta, falsificando um bilhete para o professor. Seus pais são
chamados na escola e a diretora, após informar aos pais que o menino havia tirado
zero em todas as disciplinas, sugere que Ishaan seja transferido para uma escola
especial. O pai de Ishaan, inconformado e imbuído de seus próprios preconceitos,
dentre eles a pecha de retardado àqueles que frequentam escolas especiais; e
crendo que os problemas de Ishaan eram preguiça e indisciplina, manda-o para um
colégio interno.
O que estava ruim para Ishaan, iria piorar. A rigidez na educação do internato
e o afastamento do meio familiar faz com que o menino perca seu brilho e o afaste
muito mais dos estudos, excluindo-o, cada vez mais, do ambiente escolar.
Diferente dos padrões rígidos, que predominam no internato e com
experiência docente numa escola especial, é contratato Nikumbh, professor
substituto de artes plásticas dotado de uma metodologia pedagógica diferenciada
dos demais professores. Ao conhecer Ishaan, Nikumbh percebe na tristeza do seu
olhar e na falta de ânimo em suas atitudes que há algo errado com menino.
Ao investigar sobre o garoto e olhar seus cadernos de aula, Nikumbh percebe
pelos erros de decodificação das palavras que Ishaan possui dislexia, assim como
ele próprio na infância. Nikumbh procura ajudá-lo, primeiramente adquirindo sua
confiança, o que não seria uma tarefa fácil, já que a experiência de Ishaan com os
professores que passaram pela sua vida era de humilhação, abandono e
menosprezo. Disposto a não desistir, o professor procura reconstruir a imagem que
todos tem do menino, fazer com que percebam: família, escola, colegas e os que o
cercam, que Ishaan, pela sua condição de disléxico, não é um incapaz, tonto e
limitado e que além de seu talento artístico, ele pode aprender no seu próprio tempo
e experienciar outras formas aprendizado dos mais diversos saberes. Acreditando no
potencial de menino, o professor convence o diretor da escola a realizar os testes
das disciplinas de forma oral e dedica algumas horas por dia no período diverso ao
turno de aula para ajudar Ishaan. Diante dos esforços de Nikumbh, Ishaan aprende a
ler e escrever e vai superando diariamente suas limitações e reconquistando sua
autoconfiança.

CONSIDERAÇÕES:

Diante da ficção, que possivelmente poderia ser a realidade de qualquer


criança com características semelhantes, torna-se evidente a falta de qualificação e
sensibilidade dos professores ao não perceberem as singularidades do aluno e ainda
permitirem que os colegas de classe sejam preconceituosos e debochados com
Ishaan. Ainda que o filme ultrapasse um pouco os limites da realidade, o
comportamento inadequado de alguns professores de Ishaan fazem da trama, uma
receita bem-sucedida de como promover a exclusão em sua forma mais ignóbil. A
exclusão das pessoas com deficiência, no ambiente escolar, se incrementa a medida
que as instituições adotam padrões culturalmente definidos e engessados pelo
princípio intolerante da normalidade. Nesse ponto de vista, GITZ e KRAEMER (2021,
p. 524) compreendem “que não se trata de pensar a sociedade, as instituições e as
relações com o coletivo pelo princípio da normalidade, mas muito mais pela
perspectiva da potência da singularidade.
Constantemente somos desafiados e cobrados a corresponder às
expectativas culturais, que são preestabelecidas pelas instituições e confrontados a
escolher entre o nosso próprio jeito de ser “normal”, ou o que fomos condicionados
para ser. Por anos somos exigidos a mostrar habilidades e competências para nos
configurarmos como sujeitos incluídos na sociedade de acordo com a expectativa
dos princípios da normalidade. Nesse ponto, atender essas expectativas, está ligado
à capacidade de se enquadrar em padrões preestabelecidos. De acordo com GITZ e
KRAEMER (2021p.470), “são frequentemente preconizadas práticas de segregação
entre aqueles que se enquadram nos padrões culturalmente definidos, os ditos
normais, e aqueles que estão distantes dessa predeterminação de normalidade, os
anormais.” A escola reproduz as desigualdades de forma natural, logo os resultados
diferentes, geralmente são interpretados como diferentes dons e capacidades
individuais, que não necessariamente são percebidos de forma tão natural, como é o
caso de Ishaan. No entanto, quando os valores culturais enviesados dos princípios
predefinidos de normalidade dentro de uma escola são percebidos, por ao menos
um educador que seja, a potência dessa percepção será traduzida, para aqueles que
precisam ser vistos com singularidade, em uma transformação afirmativa de inclusão
e cidadania. Essa ruptura na percepção do docente também pode ser chamada de
educação para todos no melhor sentido de sua concepção.

Referências:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA. Disponível em: Disponível em:»
http://www.dislexia.org.br - Acesso em: 10 mar, 2023.
GITZ, Sabrina; KRAEMER, Graciele .Marjana. O outro na escola: cidadania e inclusão
escolar In: KRAEMER, Graciele Marjana et. al. A educação das pessoas com deficiência:
desafios, perspectivas e possibilidades.
SANTOS, Mônica Pereira dos. In: Eduardo José Manzini. (Org.). Inclusão e Acessibilidade.
1ed.Marília: UNESP, v. 1, p. 1-16

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