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UNIP – Universidade Paulista

Instituto de Ciências Humanas


Curso de Psicologia

SEMINÁRIO 1: OBSERVAÇÃO LÚDICA

Júlia Botter Fernandes RA: C073BG-5


Monique Ellen Pimentel Cruz RA: B9872C-4

São José do Rio Preto


2017
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A hora de jogo diagnóstica

A hora de jogo diagnóstica constitui um recurso ou instrumento técnico que o


psicólogo utiliza dentro do processo psicodiagnóstico com a finalidade de conhecer a
realidade da criança que foi trazida à consulta. A atividade lúdica é sua forma de
expressão própria, assim como a linguagem verbal acontece no adulto.
Há uma diferença básica entre a hora de jogo diagnóstica e a hora de jogo
terapêutica. A primeira engloba um processo que tem começo, desenvolvimento e
fim em si mesma, opera como uma unidade e deve ser interpretada como tal. A
segunda é um elo a mais em um amplo continuum no qual novos aspetos e
modificações estruturais vão surgindo pela intervenção do terapeuta.
No brincar, por sua vez, há uma comunicação de tipo espacial, na qual são
incluídos mais elementos do processo primário através de princípios como os de
condensação, atemporalidade e deslocamento, atuados no próprio brincar.
A hora de jogo diagnóstica é precedida das entrevistas realizadas com os
pais. Nelas o psicólogo elabora com os pais instruções que serão dadas à criança
por eles. Pode haver interferência de diferentes fatores na forma em que essas
instruções vão chegar até a criança, por isso é necessário reformular tais instruções,
num primeiro contato com a criança, de forma clara e precisa.
Cada hora de jogo diagnóstica significa uma experiência nova, tanto para o
entrevistador como para o entrevistado. Implica um estabelecimento de um vínculo
transferencial breve, cujo objetivo é o conhecimento e a compreensão da criança.

Sala de jogo e materiais

A sala de jogo será um quarto não muito pequeno, com mobiliário escasso
(uma mesa, duas ou três cadeiras e quadro negro) a fim de possibilitar liberdade de
movimentos à criança.
É conveniente oferecer à criança a possibilidade de brincar com água, se
desejar, permitindo-lhe fácil acesso à mesma.
Os elementos devem ser expostos sobre a mesa, ao lado da caixa aberta.
Deve-se evitar um panorama caótico através de um amontoamento indiscriminado
de brinquedos.
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A apresentação dos brinquedos sobre a mesa, fora da caixa, evita o


incremento da ansiedade persecutória que pode surgir no primeiro contato frente a
um continente-caixa-desconhecido, fechado.
Além disso, introduzindo outro critério, o da funcionalidade do brinquedo,
propõe a inclusão de elementos de diferentes tamanhos, texturas e formas.
Considera-se desnecessária uma quantidade excessiva de material porque distrai e
confunde o entrevistado.
Adere-se a um critério intermediário, oferecendo à criança os materiais de
tipos diferentes, tanto estruturados quanto não estruturados, possibilitando a
expressão, sem que a experiência se torne invasora. Propõe-se que seja incluído na
caixa de brinquedos o seguinte material: papel tamanho carta, lápis pretos e de cor,
lápis de cera, tesoura sem ponta, massas de modelar de diversas cores, borracha,
cola, apontador, barbante, colherinhas, trapinhos, giz, bola, dentre outras coisas.
É importante que o material seja de boa qualidade para evitar fáceis estragos,
situação que pode criar culpa na criança e fazê-la sentir que o entrevistador pode
ser facilmente destruído por seus impulsos agressivos, os quais ela tem pouca
capacidade para conter e manipular. O material deve estar em bom estado já que,
caso contrário, a criança pode ter a sensação de estar em contato com objetos já
usados e gastos.

Instruções

Quando a criança entra no consultório, o psicólogo deve manifestar de forma


breve e numa linguagem compreensível, uma série de informações que configuram
as instruções: definição de papéis, limitação do tempo e do espaço, material a ser
utilizado e objetivos esperados.
Isto significa que se esclarece para a criança que pode utilizar, como quiser, o
material que está sobre a mesa, que observaremos sua brincadeira com o propósito
de conhecê-la e de compreender suas dificuldades para uma ajuda posterior, tudo
isso num tempo determinado e nesse lugar.
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Papel do psicólogo

O papel que o psicólogo cumpre durante o processo psicodiagnóstico é um


papel passivo, já que funciona como observador, e ativo na medida em que sua
atitude atenta e aberta (atenção flutuante) permite-lhe a compreensão e a
formulação de hipóteses sobre a problemática do entrevistado. Outro tipo de
participação é o estabelecimento de limites, caso o paciente tenda a romper o
enquadramento.
Neste sentido, toda a participação do entrevistador tem como objetivo criar as
condições ótimas para que a criança possa brincar com a maior espontaneidade
possível, uma vez que esta, como qualquer outra situação nova, provoca ansiedade.
A função específica consiste em observar, compreender e cooperar com a criança.

Transferência e contratransferência

A hora de jogo diagnóstica implica o estabelecimento de um vínculo


transferencial. Antes do primeiro contato já existe uma imagem mútua, resultante da
informação que os pais transmitem. Isto condiciona determinadas expectativas que
devem ser reajustadas na primeira entrevista, através do vínculo real e concreto com
a criança.
A transferência na hora de jogo e em todo o processo diagnóstico adquire
características particulares que respondem, por um lado, à brevidade do vínculo e,
por outro, ao fato de que o meio de comunicação sejam os brinquedos oferecidos
pelo psicólogo, o que permite que a transferência se amplie e se diversifique para
estes objetos intermediários. Neles o paciente depositará parte de seus sentimentos
representantes de diferentes vínculos com objetos de seu mundo interno.
A contratransferência é um elemento que pode ajudar a compreensão da
criança, se for conscientemente integrada pelo psicólogo. Este deve discriminar suas
próprias motivações e impulsos, para que não interfiram na análise compreensiva da
conduta lúdica da criança.
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Indicadores da hora de jogo diagnóstica

Quando nos dedicamos à tarefa de analisar uma hora de jogo diagnóstica,


deparamo-nos com a não existência de uma padronização deste material. Isto faz
com que a tarefa se torne difícil e a produção não seja bem aproveitada.
Por isso, foi elaborado um guia de pautas que oferecem um critério
sistematizado e coerente para orientar a análise, comparar diversos materiais dentro
do processo diagnóstico e obter inferências generalizadoras.
Não se pretende com ele esgotar toda a riqueza e a complexidade das
possibilidades a serem consideradas na hora de jogo, mas sim considerar os itens
mais importantes para fins diagnóstico e prognóstico, apontando tanto para o
dinâmico quanto para o estrutural e econômico.
Os indicadores a serem analisados são: escolha de brinquedos e de
brincadeiras, modalidades de brincadeiras, personificação, motricidade, criatividade,
capacidade simbólica, tolerância à frustração e adequação à realidade.

Escolha de brinquedos e de brincadeiras

Deve-se levar em conta o tipo de brinquedo escolhido para estabelecer o


primeiro contato, de acordo com o momento evolutivo e com o conflito a ser
veiculado (observar se a criança se dirige a brinquedos de tipo escolar, brinquedos
representativos de diferentes modalidades de vínculos - oral, anal, fálico e genital -,
brinquedos não estruturados ou de significado agressivo manifesto).
Quanto ao tipo de jogo, é necessário ver se tem princípio, desenvolvimento e
fim, se é uma unidade coerente em si mesma e se os jogos organizados
correspondem ao estágio de desenvolvimento intelectual correspondente a sua
idade cronológica.
Em uma criança de três anos, a atenção está centrada, fundamentalmente, na
investigação do objeto, em suas funções e no prazer que lhe proporciona o exercício
e a manipulação do mesmo.
Dos quatro aos sete anos há uma maior aproximação ao real, com crescente
preocupação pela veracidade da imitação exata. Isto pode ser apreciado na
atividade gráfica, nas construções e nas associações verbais. Com relação à
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construção com cubos, interessa-se por empilhar com equilíbrio, mas sem objetivo
prévio e sem maior continuidade: pode interromper para passar para outra coisa.
Aos cinco ou seis anos, começa a incluir a intencionalidade: o propósito
explícito de realizar uma determinada tarefa com uma margem mais ampla de
constância em relação a seus objetivos.
De sete a onze anos, encontramos já estabelecidos os esboços de regras:
pode atribuir e assumir papéis explicitados de antemão e próximos à realidade
(vendedor, professor, aluno). Tem noção da brincadeira mútua e consciência da
alteração da regra; pode dramatizar cenas cotidianas.

Modalidades de brincadeiras

É a forma em que o ego manifesta a função simbólica. Cada sujeito estrutura


o seu brincar de acordo com uma modalidade que lhe e é própria e que implica um
traço caracterológico. Entre tais modalidades podemos detectar: plasticidade,
rigidez, estereotipia e perseverança.
Esta plasticidade pode se manifestar de diferentes maneiras: expressando a
mesma fantasia ou defesa através de mediadores diferentes, ou uma grande riqueza
interna por meio de poucos elementos que cumprem diversas funções.
A rigidez no brincar, geralmente é utilizada frente a ansiedades muito
primitivas para evitar a confusão. Neste caso, a criança adere a certos mediadores,
de forma exclusiva e predominante, para expressar a mesma fantasia. Esta
característica pode tanto ser vista nos brinquedos quanto nas sequências,
verbalizações e gestos, e tem como objetivo controlar a identificação projetiva no
depositário, conservar os limites e manter a dissociação, dado que qualquer situação
nova desorganiza-a e provoca confusão. Esta defesa empobrece o ego e dá como
resultado uma brincadeira monótona e pouco criativa.
Como modalidades mais patológicas de funcionamento egóico podemos
caracterizar a brincadeira estereotipada e perseverante. Nelas manifesta-se uma
desconexão com o mundo externo cuja única finalidade é a descarga; repete-se uma
e outra vez a mesma conduta e não há fins comunicacionais.
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Personificação

Quando falamos de personificação, referimo-nos à capacidade de assumir e


atribuir papéis de forma dramática.
Em crianças muito pequenas a realização de desejos se expressa de maneira
mais imediata e a identificação introjetiva é utilizada como mecanismo fundamental.
Assume o papel do outro, fazendo seu o personagem temido ou desejado.
Numa etapa posterior, as personificações se enriquecem com figuras
imaginárias tais como fadas, monstros e bicho-papão, dissociando e projetando
nestas figuras diferentes imagos.
A criança começa também a atribuir papéis e a tornar mais explícito o vínculo
que mantém com estas imagos (se submete, vence, domina, ataca ou é atacado, é o
perseguidor ou o perseguido), mostrando alternâncias sucessivas desses papéis,
como expressão da labilidade das identificações.
Na adolescência a personificação adquire importância novamente e é
utilizada como meio de expressão.
A personificação, como elemento comum a todos os períodos evolutivos
normais, possibilita a elaboração de situações traumáticas, a aprendizagem de
papeis sociais, a compreensão do papel do outro e o ajuste de sua conduta em
função disso, o que favorece o processo de socialização e de individuação.
Se, durante a hora de jogo, a criança nos pede para assumir determinados
papéis, achamos que é necessário que ela nos explique claramente as
características do papel atribuído, para que fique bem definido e responda às
fantasias projetadas.

Motricidade

Em cada período há pautas previsíveis que respondem, por um lado, ao


desenvolvimento neurológico e, por outro, a fatores psicológicos e ambientais.
Os problemas motores podem corresponder a qualquer desses fatores com
predominância de alguns deles e/ou a uma inter-relação entre os mesmos.
Através da hora de jogo o psicólogo pode observar a falta de funcionalidade
motora, apesar de que, para poder especificar a qualidade, a intensidade e a origem
do problema, será necessária a aplicação de instrumentos mais sensíveis.
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A manipulação adequada das possibilidades motoras permite o domínio dos


objetos do mundo externo e a possibilidade de satisfazer suas necessidades com
autonomia relativa, já que as dificuldades provocam frustrações e incrementam
tensões a nível intra e interpessoal.
A comunicação gestual e postural enriquece a mensagem e pode mostrar
aspectos dissociados que se manifestam como uma discordância entre o que se diz
e o que se expressa corporalmente.
Um bom uso do corpo produz prazer e resulta num fortalecimento egóico que
permite o alcance de novos ganhos e facilita a sublimação, quando a criança está
preparada para isso.
Alguns aspectos dignos de serem observados dentro deste indicador são:
deslocamento geográfico, preensão e manejo, lateralidade, movimentos bizarros,
hipercinesia, hipocinesia, dentre outros aspectos.

Criatividade

Criar é unir ou relacionar elementos dispersos num elemento novo e diferente.


Isso exige um ego plástico capaz de abertura para experiências novas, tolerante à
não-estruturação do campo.
Este processo tem uma finalidade deliberada: descobrir uma organização
bem-sucedida, gratificante e enriquecedora, produto de um equilíbrio adequado
entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. A criança age sobre os
elementos à sua volta (brinquedos), para conseguir os fins propostos.
A nova configuração tem uma conotação de surpresa ou de descobrimento
para a criança e é acompanhada de um sentimento de satisfação.

Tolerância à frustração

A tolerância à frustração é detectada, na hora de jogo, pela possibilidade de


aceitar as instruções com as limitações que elas impõem (o estabelecimento de
limites e finalização da tarefa) e pelo desenvolvimento da atividade lúdica (pela
maneira de enfrentar as dificuldades inerentes à atividade que se propõe realizar).
Torna-se fundamental diferenciar onde a criança situa a fonte de frustração:
se deriva de seu mundo interno (desenhar algo que vai além de suas capacidades)
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ou se a localiza de preferência no mundo externo (desejar algo que não está


presente), assim como a reação frente a ela: encontrar elementos substitutivos (sinal
de boa adaptação), ou desorganizar-se, começar a chorar (atitude negativista).
Produz-se assim uma frustração necessária dos elementos desprezados em
função da aquisição de novas possibilidades e, portanto, do crescimento da criança,
o que resulta num equilíbrio emocional adaptativo e maturativo do ego.

Capacidade simbólica

O brincar é uma forma de expressão da capacidade simbólica e a via de


acesso às fantasias inconscientes.
Quanto mais elementos a criança utiliza para expressar seu mundo interno,
maiores possibilidades egóicas revela, no sentido de refletir na realidade toda uma
série de significados adquiridos mediante um processo de capacitação para
simbolizar.
Na capacidade simbólica valorizamos não só a possibilidade de criar
símbolos, mas analisamos também à dinâmica de seu significado.
Cada símbolo adquire sentido no contexto no qual se expressa.
Através deste indicador podemos avaliar: a riqueza expressiva, a capacidade
intelectual e a qualidade do conflito.

Adequação à realidade

Um dos primeiros elementos a serem levados em conta ao se analisar uma


hora de jogo é a capacidade da criança de se adequar à realidade.
Tal adequação à realidade permite-nos avaliar possibilidades egóicas,
embora ela possa adaptar-se ou não aos limites que esta situação lhe impõe:
a) aceitação ou não do enquadramento espaço-temporal com as limitações
que isto implica;
b) possibilidade de colocar-se em seu papel e aceitar o papel do outro.

Um exemplo de dificuldade de adequação ao enquadramento espacial é a


criança que insiste em utilizar a sala de espera como prolongamento do consultório.
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No começo da hora de jogo podem aparecer condutas pouco adequadas, por


ser o primeiro contato que estabelece com o psicólogo; necessitará, então, de um
tempo de adaptação, que será diferente para cada indivíduo.

O brincar da criança psicótica

A dificuldade para brincar é o índice mais evidente das características


psicóticas presentes numa criança seriamente perturbada.
No psicótico, significante e significado são a mesma coisa (equação
simbólica).
Esta dificuldade vai desde a inibição total ou parcial do brincar até a
desorganização da conduta.
É importante distinguir, num diagnóstico diferencial, situações em que se
estrutura uma “pseudobrincadeira”, condutas ou série de condutas em que a criança
aparenta brincar, mas onde há uma ausência total ou parcial de simbolização.
Nestes casos a criança só descarrega uma fantasia.
São frequentes as organizações originais, os neologismos, as atitudes
bizarras e as dificuldades de adequação à realidade, tolerância à frustração e
aprendizagem.

O brincar da criança neurótica

Encontra-se diferentemente do que acontece com a criança psicótica, a


capacidade simbólica desenvolvida, o que lhe possibilita a expressão de seus
conflitos no “como se” da situação lúdica, sendo capaz de discriminar e de
evidenciar um melhor interjogo entre fantasia e realidade, assim como as alterações
significativas em áreas específicas. É importante, portanto, levar em conta o grau e
qualidade da comunicação com o psicólogo e com os brinquedos, manifestados
através do deslocamento de seu mundo interno.
A dinâmica do conflito neurótico se dá entre os impulsos e sua relação com a
realidade. O quadro nosográfico é determinado por seu lado, pela predominância de
certos tipos de defesas.
Outra característica diagnóstica é o baixo limiar de tolerância à frustração ou
a superadaptação em certas áreas, que são ambas, manifestações da fraqueza
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egóica do neurótico que está em íntima relação com as características severas de


seu superego e os termos do conflito.
Estas crianças dramatizam personagens mais próximos aos modelos reais,
com menos carga de onipotência e maldade.

O brincar da criança normal

Devemos levar em conta que a hora de jogo diagnóstica está incluída dentro
do processo psicodiagnóstico total, e é muito importante detectar as diferentes
respostas da criança frente a situações que vão desde a grande desestruturação
dada pelas instruções da hora de jogo, até situações mais dirigidas do resto do
processo.
É fundamental ter em mente que o conflito não é sinônimo de doença, em
cada período evolutivo, a criança atravessa situações conflitivas inerentes a seu
desenvolvimento.
O equilíbrio estrutural permite à criança normal a superação destes conflitos e
permite que ela saia enriquecida, isto é, a situação conflitiva opera como motor e
não como inibidor do desenvolvimento.
Quanto à personificação no brincar, os modelos atuais aproximam-se dos
objetos reais apresentados, a criança dá livre curso à fantasia, atribuindo e
assumindo diferentes papéis na situação de vínculo com o psicólogo, ampliando as
possibilidades comunicativas.

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