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Componente Curricular: História

Professor: Marcello Paniz Giacomoni


Nome: __________________________ Turma: _________

Uma invenção grega: do pensamento mítico ao pensamento racional

Vamos tentar compreender como foi possível, na Grécia antiga, um pensamento de caráter
mítico mudar para outro de caráter mais racional. Mas o que são estas formas de pensamento?
O pensamento mítico é aquele que explica os fenômenos do mundo (natureza, política,
acontecimentos positivos ou negativos, etc.) a partir da agência de seres sobrenaturais responsáveis por
estes acontecimentos. Por exemplo, acredita-se que uma grande tempestade é a punição de algum deus,
ou que uma boa colheita é a recompensa pelos cultos bem executados a outro deus. Já o pensamento
racional é aquele que busca compreender os fenômenos em suas causas e efeitos, buscando as razões em
fenômenos que podem ser observados e refletidos.
Voltando aos gregos, durante o período minoico e micênico, que vai da formação do mundo
grego (aprox. 2000 a.C.) até por volta do século XII a.C., existiu uma forte aproximação entre estes
primeiros “gregos” e o oriente. A escrita era similar aos cuneiformes mesopotâmicos (Linear B) e a vida
social era centralizada em um palácio, onde o poder era ao mesmo tempo religioso, político, militar,
econômico e administrativo. O rei divinizado (Ànax) mantinha um vínculo pessoal com seus súditos,
através dos escribas, mantendo o equilíbrio entre os grupos sociais: a aristocracia guerreira (os homens
dos carros) e os camponeses, a base produtiva da sociedade.
Nestas sociedades, segundo o historiador Jean Pierre Vernant, o pensamento das pessoas era
organizado segundo uma ordem mítica. Ou seja, existiam histórias que explicavam o mundo, segundo
estes três pontos:
- O universo é uma hierarquia de poderes
- A origem foi instituída pela iniciativa de um agente
- O mundo é dominado pelo poder excepcional do agente que aparece único e excepcional
É esse o funcionamento, por exemplo, da Teogonia de Hesíodo, que conta as histórias das
divindades gregas, e em especial a ascensão de Zeus como rei dos deuses. E, para Vernant, as pessoas
construíam tais histórias porque projetavam nelas aquilo que viviam na realidade. Ou seja, já que existia
um rei que centralizava tudo em si, nada mais natural que o mundo divino também funcionasse desta
forma e que o universo também tivesse sido criado desta forma.
Mas, em meados do século XII a.C. um novo acontecimento altera esta situação. As invasões dos
dórios, vindos do norte e com tecnologias bélicas superiores, destroem toda a forma de vida social
centralizada no palácio, cortando os contatos com o oriente, e fazendo com que desaparecesse a figura
do rei divino. Inicia um longo período de isolamento, sem comércio, sem poder central, sem escrita.
A falta de um poder central colocará em choque grupos sociais, como a aristocracia guerreira e
os camponeses. A busca por um equilíbrio, por um acordo, em um período de desordem, fará nascer
uma primeira forma de “sabedoria humana”. Uma sabedoria que busca compreender o mundo dos
homens: que elementos o compõem? Que forças o dividem? Como harmonizá-las? Unificá-las? Esta é
uma história de vários séculos, pelo menos do XII até o VIII, em que os genos (grandes grupos
familiares) pouco a pouco se transformaram em Pólis, as cidades, o centro da vida grega daí em diante.
E é na virada do século VIII ao VII a.C. que esta transformação chegará em seu auge: a Pólis
pode ser pensada como a grande realização deste novo pensamento “laico” (ou seja, sem relação com a
religião), que tem como principal elemento a vida dos homens. A cidade não é mais centralizada no
palácio, mas sim na ágora, o centro público e político, onde as decisões são tomadas com base na
palavra, em disputas entre iguais. A escrita retorna (com base no alfabeto fonético dos fenícios) não
mais como uma técnica restrita aos escribas, mas sim como forma de tornar públicas as informações
necessárias aos cidadãos. A discussão, a polêmica, a argumentação tornam-se regras do jogo intelectual,
assim como do jogo político. Adotam-se leis e normas que garantem a justiça (Diké), pautadas em
provas e deduções, e estabelecem a isonomia (igualdade de todos perante a lei), mesmo que essa fosse
interpretada de formas diferentes pela aristocracia, por exemplo (meritocracia x isonomia).
O aparecimento dos Hoplitas é exemplo dessas mudanças: estes guerreiros combatiam em forma
de falange, onde formava-se uma linha de soldados que combatia em conjunto, lado a lado. Há uma
transformação da ética da guerra: enquanto os guerreiros dos carros (os aristocratas, que lutavam sobre
carros de batalha e buscavam se diferenciar dos demais) combatiam em busca de glórias individuais, o
hoplita não conhece (e não pode) exercer o combate singular. Tente lembrar do filme “300”: se um
soldado abandona a linha de guerreiros, coloca todos os demais em risco. Ele necessita da Sophrosyne,
ou seja, do domínio de si. A Sophrosyne submete, assim, cada indivíduo em suas relações com os outros
a um modelo comum conforme a imagem que a cidade se faz do homem político.
Ou seja, se concretizam relações de tipo racional: estabelecendo em todos os domínios uma
regulamentação, baseada na medida proporcional, igualam os diversos tipos de trocas que formam o
tecido da vida social.
E este processo de dessacralização (de entender a sociedade sem a ação de deuses, e sim como
fruto de decisões dos próprios homens e mulheres) da vida social levará a vida política a ser o eixo de
explicação para as cosmogonias (as explicações sobre o universo). Os esquemas geométricos dos jônios
pretendem organizar o universo segundo uma medida baseada na proporcionalidade; os excessos passam
a ser combatidos, e o pensamento moral se desenvolve conceitos com a hybris (excesso), que em
demasia pode provocar o maior dos males, a stásis (guerra entre concidadãos) e a sophrosyne. As
formas de pensamento não passam mais por analogias ao mito. Segundo Vernant:
No lugar do rei, cuja onipotência se exerce sem controle, sem limite, no recesso de seu
palácio, a vida política grega pretende ser objeto de um debate público, em plena luz do
sol, na Ágora. Com os cidadãos definidos como iguais e de quem o estado é a questão
comum. No lugar das antigas cosmogonias, associadas a rituais e a mitos de soberania,
um pensamento novo procura estabelecer a ordem do mundo. Relações de simetria, de
equilíbrio, de igualdade de todos os elementos que compõe o cosmos. A explicação
social inspira concepção de universo.

Atividades:

1) O que você entendeu por “pensamento mítico” e “pensamento racional”?


2) Quais as diferenças entre o palácio e a ágora?
3) Por que as pessoas viam o mundo divino como hierarquizado e dotado de seres poderosos?
4) A forma de justiça dos gregos, organizada a partir da palavra “isonomia”, é diferente da forma de justiça
que estudamos no Código de Hamurabi (ver semana 22). Explique.

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