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Unidade 2: Moçambique sob o Estado Novo (1926 – 1974)

Principais temas da unidade 2


2.1. O “nacionalismo económico”, cerca de 1930 – 1961

2.2. A política de “portas abertas”, 1961 – 1974

2.3. O advento e desenvolvimento do nacionalismo moçambicano

Objectivos específicos da aprendizagem


 Identificar as principais mudanças em Moçambique como resultado do golpe de
estado de 1926
 Caracterizar as principais políticas económicas durante o Estado Novo e seu
impacto em Moçambique
 Analisar a evolução do nacionalismo e da luta de libertação em Moçambique

ESTADO NOVO – de que se trata?

Certamente já ouviu falar do Estado Novo. Aliás, o título da presente unidade inclui esta
expressão (conceito). Afinal, o que é o Estado Novo?
No dia 26 de Maio de 1928 houve um golpe de estado militar em Portugal que derrubou a
I República (1910 – 1926). Depois de sucessivas alterações legislativas, em 1933 foi
aprovada uma Constituição designada de Estado Novo. Tratava –se de uma Constituição
de carácter corporativista e ditatorial que, na prática, limitava significativamente os
direitos dos cidadãos e privilegiava os meios repressivos em nome da defesa do Estado.
Esta constituição era aplicável em todo o império português incluindo as colónias e, na
sua essência, só foi revogada com o golpe de estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal
que provocou a queda deste regime. O período do Estado Novo é também conhecido
como Salazarista devido ao papel bastante activo de António de Oliveira Salazar na
elaboração da constituição e na governação de Portugal (até 1968, quando foi substituído
por Marcelo Caetano).
Portanto, apesar da Constituição ter sido promulgada em 1933, convencionalmente,
designa –se de Estado Novo ao regime que governou Portugal desde Maio de 1926 até
Abril de 1974.

2.1. O “Nacionalismo Económico”, c. 1930 – 1961

Como você deve ter entendido na unidade 1, uma das razões que levou ao golpe de
estado de 1926 em Portugal foi o facto de ser quase unânime, entre os defensores do

1
colonialismo português, a ideia de que as colónias não estavam a ser suficientemente
úteis para os interesses económicos da metrópole. Os militares protagonizaram o golpe de
estado de Maio de 1926 e, com o apoio da burguesia portuguesa, estabeleceram um
regime que visava reforçar o papel das colónias para o desenvolvimento económico de
Portugal.

Uma das figuras mais importantes para atingir este objectivo foi António de Oliveira
Salazar que foi convidado pelos militares para fazer parte do governo e progressivamente
foi ocupando os cargos mais importantes – Ministro das Finanças (1928 – 1932) e
Presidente do Conselho de Ministros ou chefe do governo português (1932 – 1968).
Formado em Direito e especializações em economia financeira, Salazar conseguiu
disciplinar as finanças portuguesas e ajudou a desenvolver uma política económica que
colocou os interesses da metrópole acima dos das colónias. Esta política é geralmente
conhecida como “nacionalismo económico”. A natureza e a implementação desta política
foram inicialmente influenciadas pelos efeitos da crise económica mundial que iniciou
em 1929.

SAIBA MAIS – texto complementar

A Crise económica mundial de 1929 e suas repercussões em Moçambique

O sistema capitalista mundial foi atingido por uma grave crise económica entre 1929 e
1933. Conhecida como crise de superprodução, esta crise começou nos Estados Unidos
da América e alastrou – se pelo mundo capitalista. Os níveis de produção ultrapassaram
os níveis de consumo (a oferta ultrapassou a procura) levando a queda dos preços das
mercadorias afectando os produtores. O sistema financeiro foi também afectado e reduziu
os créditos aos produtores originando graves dificuldades no sistema económico. Esta
situação levou ao encerramento de fábricas e diminuição de produção e consequente
desemprego em todos os países industrializados. Os territórios colonizados pelos países
capitalistas também foram afectados uma vez que reduziu drasticamente a procura de
matérias-primas.

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Em Moçambique os preços dos principais produtos de exportação como a copra, o
amendoim, o milho e o sisal conheceram reduções significativas, a excepção foi o caju e
o algodão. Tal como aconteceu nos outros locais o regime e os proprietários reagiram à
crise tomando medidas especiais. Os proprietários das plantações, por exemplo,
abandonaram as actividades mais dispendiosas, dispensaram um numero significativo de
trabalhadores ou reduziram os seus salários, encerraram as fábricas menos rentáveis,
introduziram métodos e técnicas de produção mais eficientes. As acções da companhia
Sena Sugar Estates entre 1931 e 1935 demonstram esta tendência: libertou – se das
plantações e fábricas em Caia e Mopeia e reduziu a produção nas fábricas de Marromeu e
Luabo. O governo tomou também uma série de medidas com destaque para o subsídio ao
preço do algodão que permitiu que continuasse a um nível relativamente alto
contribuindo para um certo aumento de produção do algodão1.

No geral estas medidas permitiram que a agro – industria como um todo mantivesse ou
mesmo subisse ligeiramente o volume das exportações. No entanto, com a generalizada
baixa de preços o valor global das exportações caiu drasticamente durante o período da
crise recuperando apenas nos anos que se seguiram.

O trabalho migratório foi também afectado pela crise económica. Esta depressão teve
efeitos negativos em quase todos os sectores da economia sul-africana especialmente na
agricultura e industria mas a indústria mineira de ouro foi uma das excepções. No
entanto, a crise nos sectores acima referidos levou ao aumento de número de sul-
africanos que procuravam emprego nas minas sul-africanas. Para empregarem mais
trabalhadores sul-africanos, a indústria mineira reduziu o número de trabalhadores
moçambicanos. Em 1927 e 1928 as minas tinham recebido 66094 e 75866 moçambicanos
respectivamente mas os números desceram nos anos seguintes – 54077 (1931), 39129
(1932) e 41398 (1933).2 As autoridades coloniais sentiram a necessidade de renegociar os
números de trabalhadores para as minas sul-africanas. Assim em 1934 as cláusulas da
convenção de 1928 referentes ao número de trabalhadores foram revistas e estabeleceu –

1
Para mais detalhes ver Hedges e Rocha, 1993: 36 - 41
2
Crush, Jeeves e Yudelman, 1991: 232 - 233

3
se 65000 como o mínimo de moçambicanos a serem contratados anualmente. Esta
revisão da Convenção, adicionada ao relaxamento da crise económica, levou a um
aumento significativo de trabalhadores moçambicanos nas minas da África do Sul nos
anos que se seguiram, em 1936 por exemplo foram contratados 70 092 trabalhadores
vindos de Moçambique.

O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Português, promulgados em 1930,


representavam a legislação básica sobre o funcionamento das colónias no contexto deste
novo regime. Com esta legislação territórios ultramarinos, como era o caso de
Moçambique, perderam formalmente o estatuto de “província” passando a designar – se
“colónias”. Foi introduzida a figura de Ministro das colónias que, a partir de Lisboa,
detinha os poderes legislativos e financeiros das colónias.

Ainda nos princípios da década de 1930 havia círculos dentro do regime português,
embora minoritários, que defendiam um forte investimento nas colónias. De qualquer
forma, elementos mais influentes advogavam uma ideia diferente. O discurso de Armindo
Monteiro, Ministro das Colónias, na abertura da Conferência Imperial (1932) demonstra
esta situação:

“Onerem o futuro com caras obras de fomento; transplantem para os trópicos milhares de
europeus; realizem experiências custosas em matéria de instalação de brancos; e eu afirmo que,
com todas essas despesas e trabalhos, não conseguirão resultados que se aproximam sequer do
que, com meios mais modestos, podem obter ensinando o preto a trabalhar e interessando – o na
constante exploração da terra”3

3
Armindo Monteiro citado em Santos, J.C.M, “A agricultura indígena e o comércio dos seus produtos”,
Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, 11, p.21

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A lógica seguida na elaboração da política económica estava de acordo com a ideia do
extracto acima como você poderá verificar, analisando as principais medidas tomadas
pelo regime no âmbito do nacionalismo económico

Medidas tomadas no contexto do nacionalismo económico em Moçambique

 Centralização e unificação político – administrativa: o regime colonial português


passou a administrar directamente todo o território moçambicano extinguindo (ou
não renovando) as actividades administrativas das companhias majestáticas que
actuavam no Centro e Norte de Moçambique;
 Intensificação da exploração de matérias-primas baratas: através da introdução de
culturas obrigatórias, do reforço do uso do chibalo (trabalho forçado) nas
plantações e outros serviços
 Reforço do papel de Moçambique como mercado de produtos industrializados
vindos de Portugal: através da legislação que evitava a instalação em
Moçambique de indústrias que pudessem concorrer com as indústrias da
metrópole;
 Unificação e disciplina financeira: através da obrigatoriedade do uso do Escudo e
da criação do fundo cambial,
 Reforço das relações entre o Estado e a Igreja católica: simbolizada pela
assinatura da Concordata e o acordo Missionário: permitindo que a educação das
crianças africanas (ensino rudimentar) passasse para a responsabilidade da Igreja
católica. Esta educação era de baixa qualidade e visava criar uma massa
trabalhadora para servir o regime;
 Continuação do trabalho migratório para os países vizinhos: o regime não
abandonou a exportação de mão-de-obra para os países vizinhos, especialmente
África do Sul e Rodésia do Sul, porque rendia elevadas divisas e outras vantagens
económicas.

Estas medidas iniciais do nacionalismo económico tiveram resultados satisfatórios para o


regime colonial e um dos aspectos mais visíveis foi o reforço das relações económicas

5
entre Portugal e Moçambique e o crescimento dos rendimentos externos vindos das
exportações, basicamente agrícolas, que chegaram a ultrapassar os valores que vinham
dos serviços de transporte e mesmo do trabalho migratório na contribuição para a balança
de pagamentos a partir dos finais da década de 1930. A aplicação das mesmas medidas
teve consequências catastróficas para a população africana pois, para além de serem
demasiado exploratórias, foram acompanhadas por um elevado nível de violência contra
as populações.

ACTIVIDADE
1. Considerando as medidas tomadas no contexto do nacionalismo económico em
Moçambique justifique o seguinte extracto: “Nas relações económicas, Moçambique
tinha um papel de “servidor” ou subordinado perante Portugal”

SAIBA MAIS

Parte da legislação e medidas coloniais básicas do nacionalismo económico

1926 – Introdução da cultura (cultivo) obrigatória do algodão: todas as famílias


camponesas deviam produzir obrigatoriamente o algodão e vender as companhias
concessionárias a preços estabelecidos pelo estado;
1929 – Fim das actividades da Companhia do Niassa
1932 – Estabelecimento do fundo cambial,
1936 - Lei de condicionamento industrial: estabelecimento das indústrias nas colónias
dependia da autorização do Ministro de colónias e, como resultado, não era permitida a
instalação de indústrias que pudessem concorrer com as industrias da metrópole
1938 – Estabelecimento da Junta de Exportação do Algodão Colonial (J.E.A.C.): o
objectivo era dinamizar a produção e comercialização do algodão através de um maior
controlo às companhias concessionárias;
1941- Introdução da cultura (cultivo) obrigatória do arroz
1942 - Término do contrato da Companhia de Moçambique

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As consequências da II Guerra Mundial para o nacionalismo económico em
Moçambique

Como você deve saber a II Guerra Mundial, que desenrolou entre 1939 e 1945,
constitui um marco histórico de importância significativa na História contemporânea
do mundo. Portugal (colonizador de Moçambique) não participou nesta guerra mas a
sua posição neutral permitiu uma dinâmica política, económica e social no seu
império. Em Moçambique, durante o período desta guerra, os colonialistas
portugueses aproveitaram para intensificar os métodos coercivos na exploração de
mão-de-obra resultando no aumento da produção e consequente subida dos níveis de
comercialização. Portanto, a guerra proporcionou, por um lado, um ambiente em que
o regime podia explorar os moçambicanos de forma desumana sem ser alvo de crítica
das grandes potências mundiais porque estas estavam preocupadas com a guerra. Por
outro lado, as mesmas potências tornavam - se mercados importantes para os
produtos portugueses uma vez terem as suas economias em crise ou viradas à guerra.

Foi durante esta guerra que foi nomeado um novo Governador-geral de Moçambique,
José Tristão de Bettencourt (a partir de 1940), que tomou medidas que ajudaram a
materializar a intensificação da exploração colonial e dinamizar a economia colonial.
Alguns dos exemplos das medidas tomadas durante este período:
 Nomeação de novos administradores apoiantes da política económica do
Estado Novo;
 Autorização, em 1941, de companhias concessionárias para contratar
capatazes;
 Introdução, em 1941, do arroz como cultura obrigatória, como resultado da
escassez do produto resultante de bloqueios das rotas comerciais devido à
guerra;
 Emissão da Circular 818/ D-7, de 7 de Outubro de 1942, redefinindo a
obrigação dos africanos de trabalhar;
 Substituição, em 1942, do imposto de palhota pelo imposto de capitação;

7
Como referimos acima o regime teve bons resultados com estas medidas. Você pode
prestar atenção às palavras do Governador – Geral especificamente sobre os resultados da
circular 818/ D-7:

“Os efeitos desta circular foram imediatos e de tal forma se fizeram sentir que, quando, em Julho
de 1943, visitei as províncias da Zambézia e Niassa, nenhuma queixa ou pedido me foram
apresentados sobre mão-de-obra e antes agradecimentos recebi, pelas medidas tomadas. O
ambiente era completamente diferente do que observara no Niassa em 1941 e 1942, mas manda a
verdade dizer que para ele não contribuiu só a circular mas, principalmente, a perfeita integração
na sua doutrina dos novos governadores daquelas províncias”4

Que interpretações podem se fazer do extracto do relatório do Governador – Geral?


Várias, pois não? Nota que ele chama atenção ao facto destas medidas estarem a
funcionar porque estavam sendo aplicadas em conjunto e não de forma isolada.

Se estas medidas agradavam o regime e os seus seguidores, as mesmas tinham efeitos


negativos sobre a maioria da população. A aplicação desta medidas, como as que as
antecederam, foi acompanhada pelo aumento da violência e maus tratos às populações o
que levou a crescente resistência dos moçambicanos a esta exploração recorrendo por
exemplo a fugas das zonas de maior exploração para outras zonas ou integrando em
maior numero ao trabalho migratório.

Os avanços económicos registados durante a guerra permitiram que Portugal pudesse ter
maior capacidade financeira para investimentos nas colónias. Na metrópole estava a
desenvolver uma burguesia que estava em condições de investir nas colónias embora com
alguma protecção estatal. Ao mesmo tempo, crescia na metrópole uma onda de
desempregados e o regime português não encontrava soluções imediatas. O resultado
destes desenvolvimentos foi uma mudança de política em relação ao que tinha sido
inicialmente estabelecido e o nacionalismo económico foi incluindo paulatinamente o

4
Bettencourt, J.T. Relatório do Governador – Geral de Moçambique, 1940 – 1942, Lisboa: AGU, 1945,
vol. II, P.86

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“investimento” nas colónias. Outro aspecto que contribuiu para esta mudança foi o
contexto internacional do pós guerra.

Assim o regime foi desenvolvendo uma série de acções que incluíram pequenas
reorganizações no sistema de culturas obrigatórias, alguns relaxamentos no
condicionamento industrial e principalmente o estabelecimento de planos de fomento e a
instalação de colonatos. Como consequências deste relativo reajustamento de políticas
foram introduzidas no sistema de cultivo obrigatório as chamadas concentrações
algodoeiras no início da década de 1950 e, na segunda metade da década, as
cooperativas. Estas últimas permitiram alguma prosperidade dos agricultores africanos já
“evoluídos”. Na indústria, o número de unidades industriais foi aumentando como
resultado do relaxamento do condicionamento neste sector.

ACTIVIDADE
2. Concorda com a ideia de que a II Guerra Mundial (1939 – 1945) levou à intensificação
da exploração colonial, aumentando o sofrimento dos moçambicanos? Justifica.

Os Planos de Fomento
Logo após a II Guerra Mundial, o regime começou a promover investimentos nas
colónias de acordo com planos bem definidos e que tinham em conta as suas prioridades
estratégicas sobretudo na construção de infra - estruturas nas áreas de energia e
transportes e comunicações. De qualquer forma, o regime optou por planos quinquenais
mais conhecidos por Planos de Fomento. Durante o período do nacionalismo económico
foram lançados dois planos. O I Plano de fomento (1953 – 1958) previa investimentos em
áreas como transporte (ferroviário e aéreo), aproveitamento de recursos e povoamento de
colonos. A principal obra materializada no período do I Plano do fomento foi a
construção da linha férrea Lourenço Marques – Malvérnia (fronteira com a Rodésia do
Sul, actual Zimbabwe). Pode - se destacar também o estabelecimento do colonato de
Limpopo. O II Plano de fomento (1959 – 1964) previa investimentos em áreas como
povoamento colono, comunicação e transportes, aproveitamento de recursos,
conhecimento científico do território.

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Os Colonatos em Moçambique

O estabelecimento de colonatos foi um dos principais responsáveis do aumento da


população colona – em 1940 existiam em Moçambique cerca de 27.000 colonos, em
1960 eram cerca de 97.000 e nos últimos anos da colonização eram cerca de duas
centenas de milhares. O estabelecimento de colonatos era dirigido pelo estado. Com
passagens pagas pelo estado, famílias de colonos eram conduzidas para áreas específicas
do território moçambicano, atribuídas terras férteis e outros incentivos para a prática da
agricultura. O colonato do Limpopo (Província de Gaza) foi o primeiro a ser estabelecido
a partir de 1954. Pode – se destacar outros exemplos de colonatos criados em
Moçambique como Revué, Sussundenga (Província de Manica), Nova Madeira
(Província de Niassa) e Sabié (Província de Maputo).

O estabelecimento dos colonatos foi acompanhado pela expulsão de camponeses e


agricultores moçambicanos “evoluídos” das terras onde desenvolviam a actividade
agrícola colocando – os em terras mais marginais e de pouca fertilidade, originando um
crescente descontentamento no seio destes.

2.2. A Política de “Portas Abertas”, 1961 – 1974


Desde os finais da década de 1940 que o movimento independentista ganhava uma maior
dinâmica no continente africano. A partir da segunda metade da década de 1950 os
movimentos nacionalistas nas colónias portuguesas começaram a serem mais
reivindicativos. Como resposta a esta situação e a algumas mudanças de índole político e
económica na conjuntura interna e externa, o governo português tomou uma série de
medidas que levaram à abertura ao capital estrangeiro e à constituição da chamada zona
monetária do escudo português. O facto de Portugal ter abandonado leis como o
condicionamento industrial e ter permitido que os capitais estrangeiros pudessem ter uma
maior liberdade de acção tornou este período conhecido como o de “portas abertas”.

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As principais medidas tomadas pelo regime no âmbito da política de “portas abertas”
foram:
 A abolição de culturas obrigatórias (1961): a JEAC foi substituída pelo Instituto
de Algodão de Moçambique (IAM) que com sede em Lourenço Marques visava
fomentar, coordenar e fiscalizar a produção e que tinha uma maior intervenção
técnica no sentido de melhorar a produção e comercialização do algodão;
 A abolição do trabalho forçado (1961): legalmente, a obrigatoriedade dos negros
de trabalharem deixa de existir;
 A abolição do estatuto de indigenato (1962): prosseguindo com as medidas que
iniciaram na década anterior relativas a cidadania portuguesa nas colónias (que já
eram designadas províncias ultramarinas desde (1951), é revogada a legislação
que separava os cidadãos “portugueses” tendo em conta a origem (indígenas ou
não indígenas);
 A reorganização do sector bancário (1963): foi regulada a fundação e operação de
bancos nas colónias e, como resultado, verificou – se a proliferação de bancos
comerciais em Moçambique principalmente na segunda metade da década de
1960. De qualquer forma, os maiores beneficiários desta expansão foram os
grandes grupos financeiros e colonos;
 A reforma no sistema do ensino (1964): legalmente deixou de haver diferenças
entre brancos e negros no sistema de ensino em Moçambique. O ensino
rudimentar (Ensino de Adaptação desde 1956) foi extinto e o Estado passou a
assumir um papel mais activo retirando a responsabilidade quase total que a Igreja
Católica detinha no ensino primário;
 A abertura ao capital estrangeiro (1965): a lei de nacionalização de capitais de
1943 que impunha que nas colónias só se pudesse estabelecer empresas
portuguesas (pelo menos 60% do capital português) deixou de existir, dando
espaço para maiores investimentos externos em Moçambique;
 A revogação do condicionamento industrial (1965): foram abandonados os
condicionalismos que dificultavam a instalação de alguns sectores industriais em
Moçambique.

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Estas e outras medidas tiveram consequências diversas. Na indústria, por exemplo,
registou – se um incremento inédito da produção industrial especialmente para o mercado
interno a um ritmo de 9,5 por ano, entre 1964 e 1972. De qualquer forma, deve se ter em
conta que esta industrialização era, no geral, para substituir as importações a favor do
sector colono que tinha visivelmente aumentado de número desde a década de 1950 com
os planos de fomento e política de povoamento colono, os colonatos. Na década de 1960,
ao lado das tradicionais agro – indústrias, as indústrias de construção, alimentar, de
vestuário, química, energia e outras proliferavam e constituíam uma espécie de
“revolução industrial”, sustentada por capitais mistos, estrangeiros e portugueses. Grande
parte do parque industrial que você pode ter observado nos primeiros anos da
independência teve origem naquela década.

A agricultura beneficiou de um processo de modernização. A ideia do regime era de


apoiar esta actividade com vista a aumentar os níveis de produção e de produtividade mas
o sector colono foi o maior beneficiário. Aliás, beneficiando de apoios diversos incluindo
financeiros, a agricultura colona (classificada como sector empresarial ou moderno)
prosperou significativamente chegando, no princípio da década 1970, a contrariar as
estatísticas dos princípios dos anos 1960 mesmo nos sectores que anteriormente foram
dominados pelos camponeses moçambicanos (classificados como sector tradicional). Os
exemplos foram de culturas como algodão e arroz onde a produção colona, suportada
pelas políticas discriminatórias superou a produção camponesa. A expansão da
agricultura colona foi também promovida à custa da expropriação de terras dos
camponeses que eram expulsos para terras não produtivas e ou despidas de infra
estruturas básicas para a prática da actividade agrícola, sujeitando as suas famílias a
difíceis condições de vida.

Os rendimentos vindos da exportação de mão-de-obra para a África do Sul e da prestação


de serviços de transportes (portos e caminhos de ferro) continuaram a ser determinantes
nos anos 1960. O regime assinou acordos em 1964 que estabeleciam que a África do Sul

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transferiria para Portugal o valor de pagamento diferido em ouro (cláusula ouro), o que
beneficiava grandemente as finanças de Lisboa. Ainda em 1964 definiu - se que os
trabalhadores só podiam ser recrutados para a África do Sul com o conhecimento do
Instituto do Trabalho. Esta era uma forma de continuar a controlar o processo de
recrutamento. O Acordo de 1965 autorizava o estabelecimento de outras empresas
recrutadoras de trabalhadores. Foi neste contexto que se estabeleceram 3 agências que
recrutariam trabalhadores para as minas não filiadas na Câmara das minas e para o sector
agrícola sul-africano nomeadamente ATAS, ALGOS e CAMON.

Breve Cronologia - criação de algumas instituições importantes durante a política


de “portas abertas”

1961 – Criação do Instituto do Algodão de Moçambique (IAM);


1962 – Criação da primeira universidade em Moçambique, os Estudos Gerais
Universitários de Moçambique que mais tarde, a partir de 1968, passou a se designar
Universidade de Lourenço Marques. Após a independência passou à designação actual,
Universidade Eduardo Mondlane;
1966 – Formação do Banco Pinto e Sotto Mayor, de António Champalimaud (que tinha
também interesses no cimento e no aço);
1966 – Formação do Banco Standard Totta de Moçambique
1969 – Início da construção da Barragem de Cahora Bassa
1970 – Criação do Instituto de Crédito de Moçambique

ACTIVIDADE
3. Em que medida acha que a revogação (fim) do condicionamento industrial e a abertura
ao capital estrangeiro beneficiaram a economia de Moçambique?

A economia colonial em crise


Você poderá inicialmente achar estranho que uma economia em expansão nos sectores
mais importantes e com visíveis rendimentos possa ser considerada como estando em

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crise. Realmente, a economia colonial em Moçambique estava em crise. Como é que se
explica esta situação? Ora vejamos: a modernização da industria exigia importações de
maquinarias e de bens bastante caros e o estabelecimento de colonos impunha altos
gastos financeiros e materiais. Como resultado desta situação a balança de pagamentos de
Moçambique era negativa, entre 1958 e 1971. Apesar das vantagens do regime no que
toca a rendimentos vindos dos chamados invisíveis, como os serviços de transporte
(basicamente portos e caminhos de ferro) e a exportação de mão de obra especialmente
para as minas da África do Sul os gastos com equipamentos referidos acima e a complexa
estrutura organizativa nas relações económicas com a metrópole colocavam a balança de
pagamento de Moçambique desfavorável. Presta atenção ao quadro que se segue:

Quadro 1: Balança de pagamentos de Moçambique, 1970

Crédito % do total Débito % do Saldo


(contos) (contos) total (contos)
Mercadorias (exportações/importações) 4.230.090 46,94% 8.190.466 77,41% -3.960.376
Caminhos de Ferro e Portos 2.179.782 24,19% 189.688 1,79% 1.990.094
Comissões sobre trânsito 558.221 6,19% 209.671 2% 348.550
Transferências de migrantes 508.360 5,64% 220.341 2,1% 288.019
Turismo 459.455 5,1% 287.721 2,72% 171.734
Transferências privadas (Donativos, legados e 50.995 0,57% 251.517 2,38% -200.522
pensões)
Seguros e resseguros 34.467 0,38% 56.834 0,58% -22.367
Estado 222.152 2,47% 31.153 0,29% 190.999
Outros serviços e pagamentos 243.377 2,7% 80.949 0,76% 162.428
Operações de capitais privadas 519.338 5,76% 729.765 6,9% -210.427
Operações de capitais públicas 2.917 0,03% 43.606 0,41% -40.689
Rendimentos de capitais públicos/privados 1.786 0,01% 289.187 2,73% -287.401

Total/ Balança de Pagamentos 9.010.940 10.580.898 -1.569.958

Fonte: elaborado por David Hedges (UEM – Departamento de História), baseado em Moniz de Bettencourt,
Estudo da Balança de Pagamentos…, pp. 20-41, Quadros 4-13

O que é que achou do quadro? É complexo, não é? Podemos ajudar a decifrar os dados
deste quadro indicando parte dos aspectos mais gerais. Por exemplo, é possível ver que a
balança de pagamentos em 1970 era negativa através do total/ balança de pagamentos; é
possível confirmar o que vimos acima sobre os gastos de Moçambique na importação
principalmente de maquinaria que não eram compensados pelos ganhos das exportações
através de mercadorias. Você pode continuar a analisar este quadro referindo –se aos
aspectos gerais e específicos

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ACTIVIDADE
4. Baseando – se no quadro 1, responda a seguinte questão: porque se diz que a economia
colonial estava em crise durante o período da política de “portas abertas”?

A sociedade colonial entre 1961 e 1974


Tendo em conta as medidas tomadas pelo regime colonial durante o período da política
de portas abertas pode – se pensar que a colonização portuguesa passou a ser mais
moderada e a sociedade passou a ser mais igualitária em termos de direitos. Esta ideia só
pode ser de quem se concentra apenas na legislação. As leis estavam a mudar
significativamente mas a aplicação das mesmas era claramente limitada. Algumas leis
não eram aplicadas em grande parte do território, outras apareciam mas de forma
“disfarçada” e outras ainda entravam em contradição com alguns regulamentos passando,
por isso, ao desuso.

A abolição do estatuto de indigenato não significou o fim da discriminação racial. O que


é que realmente aconteceu? Na prática o regime colonial substituiu o termo indígena por
termos como: sector tradicional (na agricultura, onde os apoios estatais concentravam –
se principalmente no sector empresarial constituído por colonos); trabalhadores não -
sindicalizados (na industria e serviços, onde os melhores postos e altos salários estavam
reservados aos sindicalizados e especializados, quase todos de origem portuguesa);
ensino oficializado, que era na prática o antigo ensino rudimentar (na educação, onde era
privilegiado o ensino privado). Num sistema em que para fazer parte dos sindicatos era
preciso ter completado a quarta classe e para frequentar o ensino primário privado ou
continuar nos níveis seguintes devia ter uma significativa capacidade financeira, a
esmagadora maioria dos moçambicanos estavam relegados ao último plano. Mais ainda,
num sistema em que era preciso pagar altos impostos (em dinheiro) e em que nas zonas
rurais quase que não havia empreendimentos consistentes para oferecer emprego aos
trabalhadores, a maioria dos moçambicanos acabava por não pagar impostos e, por isso,
obrigada a prestar serviços, ou seja, era o imposto que obrigava os moçambicanos a
trabalhar. Portanto, o sistema colonial não tinha deixado de o ser e as mais importantes

15
características do colonialismo estavam bem presentes durante este período. O regime
colonial continuava a ser discriminatório, prejudicando a esmagadora maioria da
população moçambicana.

ACTIVIDADE
5. “O término oficial do trabalho forçado (chibalo) e das culturas obrigatórias no início da
década de 1960 significou o fim do sofrimento dos moçambicanos”. Concorda com esta
afirmação? Porquê?

2.3. O advento e desenvolvimento do nacionalismo moçambicano

Os factores e evolução do nacionalismo moçambicano

Os moçambicanos sempre resistiram contra a dominação colonial. Esta tomou formas


diversas como por exemplo: a resistência rural contra os elevados impostos, o
recrutamento para o trabalho compulsivo e as injustiças laborais nas plantações; as greves
e manifestações dos trabalhadores contra os maus tratos e salários baixos; a luta dos
intelectuais nas zonas urbanas através dos movimentos associativos; e as manifestações
culturais. Até a década de 1940 estas formas de luta não eram mais do que reclamações e
revoltas mais ou menos localizadas exigindo a resolução de aspectos específicos sem, no
entanto, advogar abertamente o fim do regime colonial em Moçambique. O regime não
mostrava nenhum interesse em promover mudanças no sistema colonial e, pelo contrário,
como vimos anteriormente, durante a II Guerra Mundial intensificou a exploração.

Após a II Guerra Mundial o contexto mudou. Ao nível internacional, a nova conjuntura


era favorável à autodeterminação dos povos permitindo a uma notável radicalização dos
movimentos nacionalistas e que culminou com uma série de independências em países
sob domínio colonial no continente africano. Portugal passou a ser alvo de críticas da
comunidade internacional para conceder independência às suas colónias. Este ambiente
contribuiu para uma crescente mudança das formas de reivindicação nas colónias
portuguesas incluindo Moçambique.

16
Os movimentos juvenis e estudantis começaram a se fazer sentir de forma mais regular.
O Movimento dos Jovens Democráticos de Moçambique (MJDM) e o Núcleo dos
Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) fazem parte dos exemplos mais
conhecidos. O NESAM teve como um dos fundadores principais Eduardo Mondlane. Sob
forte vigilância das autoridades coloniais, estas associações oscilaram entre as actividades
políticas e sócio - culturais e acabaram sendo o elo de ligação entre o período do
chamado protonacionalismo e o da luta mais radical e com tendência de abrangência
nacional dos princípios da década de 1960.
Portanto, a intensificação da exploração colonial, a falta de interesse por parte do regime
em responder positivamente as reclamações dos moçambicanos e a influência do
contexto internacional, que era de críticas ao colonialismo e consequente independências
no continente, contribuíram para o desenvolvimento e radicalização do nacionalismo em
Moçambique.

As manifestações generalizaram e se tornaram mais incómodas para o regime e este


quase sempre usou a violência e um maior controlo das actividades das populações
através da sua polícia secreta, a temível e brutal Policia Internacional de Defesa do
Estado (PIDE). A reacção mais drástica do regime foi em Mueda, Cabo Delgado, a 16 de
Junho de 1960, quando muitos moçambicanos foram mortos a tiro por um pelotão da
tropa colonial que acompanhava o governador Teixeira da Silva num encontro popular.
Esta reunião tinha sido convocada pelo administrador alegadamente para responder as
reivindicações dos camponeses, da Sociedade Agrícola Africana e Voluntária de
Moçambique e União Maconde que pediam o fim do trabalho forçado, a autorização para
a abertura de lojas e a venda livre, e a preços aceitáveis, de cabritos, galinhas e ovos.

O regime tinha dado um sinal definitivo de que não toleraria diálogo nem mudanças nos
seus principais meios de exploração. Alguns moçambicanos começaram a organizar fora
de Moçambique para lutar contra o colonialismo. Assim várias organizações ou
movimentos políticos foram criados das quais podemos destacar:
 a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), fundada na Rodésia
do Sul em finais de 1960;

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 a Mozambique African National Union - União Nacional Africana de Moçambique
(MANU), formado em Quénia nos princípios de 1961;
 a União Africana de Moçambique Independente (UNAMI), formado em Niassalandia
(actual Malawi) em 1960.

Em Junho 1962, estes 3 movimentos – UDENAMO, MANU e UNAMI – uniram –se em


Dar es Salaam e formaram a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Eduardo Mondlane foi o principal impulsionador da união deste grupo de moçambicanos
que queria libertar o povo da dominação colonial portuguesa.

ACTIVIDADES
6. Sintetize os factores que aceleraram a evolução e radicalização do nacionalismo
em Moçambique.
7. Na sua opinião, quais foram as razões que levaram à união dos 3 movimentos e
consequente formação da FRELIMO?

A Luta Armada de Libertação Nacional, 1964 – 1974

O período entre Setembro de 1962 e Setembro de 1964 foi de preparação da luta armada.
Esta iniciou a 25 de Setembro de 1964 em Cabo Delgado e depois foi desencadeada em
Niassa e, nos meses que se seguiram, em Tete e na Zambézia. Durante o período de
preparação Eduardo Mondlane visitou União Soviética e China, vários grupos de jovens
foram enviados a vários países, para treinos militares, tais como Argélia (destaque para
Samora Machel e Filipe Samuel Magaia), China e antiga União Soviética. Outros jovens
foram sendo treinados nos campos de treino localizados na Tanzânia como por exemplo
Bagamoyo, Kongwa, e mais tarde, Songea, Tunduru e Nachingweia.

A luta armada pode ser dividida em 3 períodos principais:

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 1964 – 1968: período que se estende do início da luta até a realização do II
Congresso da FRELIMO que se caracterizou pela tentativa da FRELIMO em
adquirir uma estrutura revolucionária e estabelecer uma luta permanente;
 1968 – 1970: desde a materialização da estratégia revolucionária até ao ano da
operação Nó Górdio protagonizada pelos portugueses;
 1970 – 1974: o período em que a FRELIMO demonstrou uma eficácia
estratégica levando ao fracasso da operação Nó Górdio e ao alastramento da
guerra para todas as províncias do centro e norte do país.5

Saiba mais: os Congressos da FRELIMO no período colonial

Os Congressos da FRELIMO que se realizaram antes da independência de


Moçambique foram:

 O I Congresso que se realizou em Dar Es Salaam, na Tanzânia, entre os dias 23 e


28 de Setembro do ano da fundação da FRELIMO (1962). Neste Congresso foram
definidos os objectivos da FRELIMO que se resumiam na necessidade de unidade
entre os moçambicanos na luta pela independência e na ideia de que esta era a única
via para se alcançar a independência total e completa. Ali, foram confirmados os
líderes do movimento, Eduardo Mondlane (Presidente) e Uria Simango (Vice –
Presidente).
 O II Congresso que se realizou em Matchedje, província nortenha de Niassa,
entre os dias 20 e 25 de Julho de 1968. Este Congresso, que se realizou numa
zona libertada, definiu a necessidade da continuação da luta, da reestruturação das
zonas libertadas e de reconhecimento do apoio internacional. Eduardo Mondlane
e Uria Simango foram, no II Congresso, reeleitos nos cargos que ocupavam
respectivamente Presidência e a vice – Presidência da FRELIMO.

Você pode estar a perguntar se esta luta foi contínua. Não está? A resposta é simples: a
luta armada de libertação nacional só foi interrompida quando se conseguiu o objectivo

5
Ver Por exemplo Borges Coelho, 1993: 173 - 175

19
final, a rendição dos colonialistas e consequente independência de Moçambique. Se numa
primeira fase os ataques foram sendo lançados a partir da Tanzânia, logo a seguir a
FRELIMO começou a instalar bases militares no interior de Moçambique tornando cada
vez mais fácil o aceso aos alvos coloniais. A FRELIMO foi ocupando vastas regiões nas
províncias de Niassa e Cabo Delgado e posteriormente em quase todas as províncias do
Centro e Norte de Moçambique.

Estes territórios ocupados pela FRELIMO e que já estavam fora do controlo


administrativo do governo colonial foram designados “Zonas Libertadas”. Para além das
populações ali estabelecidas, muitas pessoas fugiam das zonas controladas pelo regime
colonial e instalavam – se nas zonas libertadas. Neste contexto, a FRELIMO teve que
proporcionar toda uma série de serviços económicos e sociais para servirem a população
como, por exemplo, o sistema de saúde, educação, agricultura e comércio que eram
claramente benéficos para as populações.

Como já referimos anteriormente, ao longo do período da guerra foram abertas mais


frentes e várias “operações” foram lançadas levando a combates intensos entre as tropas
portuguesas e os guerrilheiros da FRELIMO. A operação das forças militares portuguesas
designada “Nó Górdio” constituiu uma das campanhas militares mais visíveis. Sob
comando do general português Kaúlza de Arriaga, esta operação foi lançada e desenrolou
no ano de 1970 e visava destruir as principais bases da FRELIMO estabelecidas no norte,
especialmente em Cabo Delgado. Os colonialistas acreditavam que com esta estratégia
controlariam o território e derrotariam a luta nacionalista. Os meios mobilizados foram
impressionantes e incluíram a participação de milhares de militares e a mobilização de
avultado material circulante e bélico. Apesar de um aparente sucesso inicial os objectivos
mais importantes do exército colonial não foram alcançados pois a guerrilha foi forçada a
se retirar da região e, estrategicamente, a concentrar as suas acções em Tete
desorientando completamente o exército comandado por Kaúlza de Arriaga.

No período pós Nó Górdio, a FRELIMO intensificou a luta armada, conquistando e


consolidando mais regiões e criando descontentamento no seio das tropas e da opinião
pública portuguesas. Em Abril de 1974 houve um golpe de estado em Portugal que derrubou
o regime de Estado Novo e levou a subida de um regime mais democrático. A luta armada

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só terminou com a assinatura do Acordo de Lusaka entre o governo português e a
FRELIMO a 7 de Setembro de 1974. Para além do cessar-fogo, o Acordo de Lusaka
preconizava a transferência progressiva de poderes para a FRELIMO e a proclamação, a 25
de Junho de 1975, da independência de Moçambique.

Breve cronologia do avanço da luta armada de libertação nacional

1962- Formação da FRELIMO


1962 – Realização do I Congresso da FRELIMO
1964 – Início da luta armada de libertação nacional – Cabo Delgado e Niassa eram
os principais palcos da luta armada
1967 – Criação do Destacamento Feminino da FRELIMO
1968 – Realização do II Congresso da FRELIMO
1968 – (Re) abertura da frente de Tete
1969 – Morte de Eduardo Mondlane (3 de Fevereiro)
1970 – Samora Machel passa a ser o Presidente da FRELIMO
1970 – Lançamento da “Operação Nó Górdio”
1972 – Abertura da frente de Manica e Sofala
1973 – Início de ataques da FRELIMO a cidades importantes em Cabo Delgado e
Niassa
1974 – Golpe de Estado em Portugal (25 de Abril)
1974 – Reabertura da frente da Zambézia
1974 – Assinatura dos Acordos de Lusaka (7 de Setembro)

Actividade
8. Seleccione um dos acontecimentos apresentados na cronologia e explique, por
palavras suas, a sua importância para o avanço da luta armada da libertação
nacional.

Glossário
Ensino rudimentar - Ensino exclusivamente direccionado as crianças africanas (negras),
a partir de 1930. O objectivo deste ensino era “civilizar e nacionalizar os indígenas da
colónia”6 Através da difusão da cultura portuguesa especialmente a língua e os costumes.
Com a assinatura da Concordata e Acordo Missionário o Ensino rudimentar ficou na
responsabilidade da Igreja Católica;

6
Anuário do Ensino, 1930, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1931, pp.10 - 11

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Fundo Cambial – Fundo estabelecido pelo Governador - Geral em 1932 para a entrada e
distribuição de divisas segundo as prioridades do regime. As empresas que exportavam
em Moçambique eram autorizadas a reter 20% das divisas provenientes das suas
exportações ficando 80% para o Fundo Cambial. Esta última percentagem era
compensada em escudos da colónia (ver Hedges e Rocha, 1993: 43);

Companhias concessionárias (nas culturas obrigatórias) – companhias que eram


atribuídas largas zonas territoriais onde as famílias camponesas eram obrigadas a
produzir algodão. O seu papel era de distribuir sementes pelos camponeses, comprar o
algodão bruto (em caroço) dos camponeses a preços fixos (geralmente baixos) e
transforma – lo em rama nas suas fábricas e, depois, exporta – lo para Lisboa.

Bibliografia básica

CLARENCE - SMITH, W.G. (1985) O Terceiro Império Português, Lisboa: Teorema.

HEDGES, D., ROCHA, A E CHILUNDO, A. (1999) “O Reforço do Colonialismo, 1930- 1937”


in Hedges, D. (Coordenador) História de Moçambique: Moçambique no Auge do Colonialismo,
1930 – 1961. Maputo: Imprensa Universitária, pp. 35- 82.

HEDGES, D. e ROCHA, A. (1999) “Moçambique Durante o Apogeu do Colonialismo Português,


1945- 1961: A Economia e a Estrutura Social” in Hedges, D. (Coordenador) História de
Moçambique: Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930 – 1961. Maputo: Imprensa
Universitária, pp.129- 195.

NEWITT, M. (1995) História de Moçambique. Publicações Europa – América.

Bibliografia complementar
Anuário do Ensino de 1930, (1931) Lourenço Marques: Imprensa Nacional.

BETTENCOURT, J.T. (1945) Relatório do Governador – Geral de Moçambique, 1940 – 1942,


Lisboa: AGU, vol. II.

BORGES COELHO, J.P. (1993) Protected villages and communal villages in the mozambican
province of Tete (1968-1982): a history of state resettlement policies, development and war.
(Tese de Doutoramento), Universidade de Bradford.

CRUSH, J., JEEVES, A. e YUDELMAN, D. (1991) South Africa’s Labour Empire: A History of
Black Migrancy to the Gold Mines. Cape Town: David Philip.

MONDLANE, E. (1995) Lutar por Moçambique, Maputo: colecção nosso chão.

SANTOS, J.C.M, (1933) “A agricultura indígena e o comércio dos seus produtos”, Boletim da
Sociedade de Estudos de Moçambique, 11

VAIL, L. AND WHITE, L. (1980) Capitalism and Colonialism in Mozambique: A Study of


Quelimane District. Londres.

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AUTOR: NAPOLEÃO GASPAR, MA EM HISTÓRIA

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