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Noção geral e integração na abertura de conta

1. O giro bancário é o conjunto das operações escriturais de transferência de fundos, realizadas


por um banqueiro, a pedido do seu cliente ou a favor dele. Enquanto conceito jurídico, o giro
bancário não tem sido dogmatizado entre nós; não obstante, e porque ele traduz operações
perfeitamente radicadas na vida bancária portuguesa, vamos ensaiar a sua introdução.

Giro advém-nos do latim gyrus, grego gyros: traduz a ideia de círculo ou de andar em círculo.
Pois bem: o dinheiro circula, em torno do banqueiro, sem que, propriamente, haja qualquer
movimento materia 1295

II. O giro bancário deriva de um contrato de abertura de conta cujo conteúdo integra. como
elemento necessário. Apenas para tacilidade de análise falaremos num contrato de giro, como
contrato pró-prio. Não se trata, contudo, de um contrato vulgar: ele funciona como um contrato-
moldura ou contrato-quadro, no âmbito do qual serão, depois, concluídos diversos contratos
simples ou praticados múltiplos actos bancários.

A possibilidade de acordar, com o banqueiro, um esquema imate. rial de circulação do dinheiro


ascende as primeiras experiências banca. rias, com raizes na Antiguidade. Avanços significativos
dar-se-iam na passagem do século XIX para o século XX. Seria, no entanto, no último quartel do
século XX, designadamente com a informatização, que o giro bancário atingiria proporções
predominantes. Os últimos passos vêm sendo dados mediante operações conduzidas através de
cartões - mas sem cartões! 298- e do denominado home banking, que permite, por telefone ou
por computador, desencadear, de casa, as mais diversas operações relativas a fundos, os quais,
fisicamente, nunca são deslocados .

187. Operações incluídas e sistemas de pagamentos

1. O contrato de giro bancário pressupõe a prévia celebração de uma abertura de conta, com uma
inerente conta-corrente bancária.

A partir daí, ele faculta, ou pode facultar, as operações seguintes 300

- transferências bancárias simples;

- transferências internacionais;
- pagamentos por conta bancária;

- cobranças por conta bancária:

- outras operações de transferência de fundos.

As transferências bancárias simples são deslocações de fundos de uma conta bancária para uma
conta diferente, dentro do País 301. Nor-malmente, na transferência simples, não há indicação da
causa. Quando a deslocação de fundos se faça para um banco no estrangeiro, a transferência é
internacional. O pagamento por conta bancária é uma transferência espressamente destinada a
solver uma dúvida. Pode ser isolada ou pode implicar prestações sucessivas, predeterminadas:
assim, a prá-fica de, por transferência automática e periódica, pagar a assinatura de uma revista
ou a renda da casa. Na cobrança, o movimento é inverso. o banco recebe em conta bancária e
vindos de outra conta, fundos des finados a satisfazer um crédito do seu cliente. Pagamentos e
cobrancas podem estar associados: o pagamento - por exemplo - de facturas relativas ao
fornecimento de eletricidade, de água, de gás ou de telefone por transferência bancária.

II. O giro bancário tem múltiplas vantagens. Ele faculta uma grande segurança: o dinheiro
escritural não pode ser furtado, roubado ou extraviado. Ele ajuda os clientes: o banqueiro, através
dos seus suportes informáticos, não perde prazos de pagamento nem esquece operações.
Finalmente: ele permite uma prova infalível dos fundos efectivamente deslocados e da data em
que isso tenha ocorrido: o ban-queiro, através dos seus suportes próprios demonstrá-lo-á, de
modo irrefutável.

O giro bancário pode, ainda, ser associado a outros esquemas: concessão automática de crédito,
operações de cobrança, serviço de títulos, rendibilização de tesouraria e outros.

III. O giro bancário assenta em suportes técnicos consideráveis, capazes de canalizar e operar um
número crescente de operações. No conjunto fala-se, a seu propósito, em sistemas de pagamento.
Existem vários esquemas.

Os sistemas de pagamento não são inóquos. Aparentemente, eles limitar-se-iam a melhorar os


suportes materiais (ou energéticos) das operações jurídicas comuns. Na realidade, eles
promovem alterações substanciais: determinados tipos de operações vêm a suplantar outros,
surgindo, num paralelo simultâneo, novos produtos financeiros. Institutos consagrados, como o
das falências, por exemplo, devem ser repensados. Basta atentar em que a situação liquida e
patrimonial de Tina empresa pode alterar-se completamente, num lapso muito curto de tempo,
através de operações de giro bancário.

IV. O contrato de giro bancário veio a ser introduzido no BOB - $ 676 1 - pela Lei de 21-Jul.-
1999, relativa a transferências e que visou sanspor a Directriz n.° 97/5/EG, abaixo referida.
Trata-se de matéria sobre a qual é de esperar novos desenvolvimentos doutrinais e
jurisprudenciais.

Construção e regime jurídicos

A construção do contrato de giro bancário nem sempre surge expressa, nos diversos autores 306.
Por razões de clareza, adiantamos, desde já, um esquema explicativo.

O cliente do banqueiro, ao abrir uma conta, tem acesso imediato a diversos produtos e,
designadamente, às múltiplas transferências e recepções de fundos, por via escritural. As
operações que se desenro-lem, a essa luz, não são negociadas caso a caso: de resto, elas nem
teriam um regime coerente, se não apelarmos para as regras gerais ligadas à abertura de conta e à
conta-corrente bancária. Todavia, elas não são nenhuma decorrência automática dessas duas
realidades ou de alguma delas. Há, pois, uma "convenção de giro", implícita na abertura de
conta, pela qual o banqueiro põe à disposição dos seus clientes, esses produtos, mediante as
competentes retribuições.

As cláusulas contratuais gerais portuguesas, na parte relativa à abertura de conta, são pouco
explícitas. Referem, de todo o modo e em termos latos, a ocorrência de débitos e de créditos, nas
contas: aflora aí, pelo menos, a ideia duma convenção tácita de giro. Tal convenção resultará, em
qualquer caso e com toda a probabilidade, dos diversos actos que, depois, a executem.

Os actos concretos de transferência de fundos não estão sujei. tos a qualquer forma específica,
embora se pratique a forma escrach iVormalmente, o banco porá impressos normalizados à
disposição dos cruzes em quadrículas e no essencial: assinado. Mas são dispensáveis : O próprio
banqueiro, em relações bancárias mais elaboradas e dinamicas, executa ordens de transferência
por fax ou, simplesmente, por telefone e: a voz humana é individual, podendo ser reconhecida
pelo banqueiro
As ordens concretas de transferência são actos de exccução do contrato de giro bancário. Salvo
situações pontuais, que devam ser obiecto de negociação individualizada, parece-nos ficcioso vir
desco-brir, numa ordem de transferência dada ao banqueiro, um contrato.

A ordem é pura e simplesmente executada, desde que haja fundos; pode, mesmo, concretizar-se
por via exclusivamente informática, com ou sem a intermediação de cartões e sem que o
banqueiro seja chamado a manifestar qualquer vontade.

III. Verificados os pressupostos - e, designadamente, a disponibi-ridade de fundos na conta -


concluímos que o banqueiro não deve recusar a ordem de transferência que o cliente lhe
transmita, salvo justa causa: proibição administrativa ou prudencial, dúvidas quanto à operação
ou à sua legalidade ou dificuldades técnicas. O banqueiro poderá celebrar o contrato de giro
bancário; porém, estando este em vigor, há que acatá-lo.

Em relação ao contrato de giro bancário, não se põem os problemas de tutela da confiança


pública que justificam a hipótese de rescisão da convencão de cheque. Cada operação concreta
depende de condições preestabelecidas, com relevo para a presença de fundos disponíveis.

IV. O regime jurídico de cada no releva nas relações com o banqueiro, é marcado pela
abstracção: não releva a fonte ou causa da operacao. Salvo a hipótese de conhecimento directo
do problema, Altura em que o banqueiro, ex bona fide, deve avisar o seu cliente, uma
transferencia não é prejudicada pelo facto de executar um contrato nulo celebratodo entre o
cliente e o torceiro beneficiário. A restituição a que, porventura, haja lugar, irá processa se as
relações entre o cliente c.terceiro beneficiário e à margem do banqueiro 309

Pergunta-se, depois, quando e onde se efectiva uma determinada transferência. O problema


poesse porque, normalmente, a emissão da ordem pelo cliente, a sua recepção pelo banqueiro, a
sua transmissão ao banqueiro do beneficiário, a sua recepção por este e a execução final na conta
do beneficiário não coincidem nem no espaço, nem no tempo. Os usos bancários e a própria
interação dos princípios gerais levam a concluir que uma transferência se tem por efectuada no
local de destino dos fundos e no momento em que eles fiquem, efetivamente, na disponibilidade
do beneficiário Consequência prática é a de que a ordem de transferência pode ser revogada,
antes de produzir esses efei tos; o mandante, porém, terá de pagar ao banqueiro as despesas oca-
sionadas. A prática leva ainda a que o banqueiro, logo que receba a ordem, retire os fundos
visados da disponibilidade do mandante; há, assim, um período durante o qual os fundos já não
pertencem ao man-dante, mas ainda não ingressaram na disponibilidade do beneficiário.

A quem pertencem os rendimentos processados nesse período?

Os usos atribuem-nos ao banqueiro. Trata-se duma remuneração a acrescer às comissões


cobradas, normalmente, pela operação. Cabe ao banqueiro utilizar moderadamente essa
vantagem, sob pena de bloquear o uso, por contrariedade à boa fé - artigo 3.9/1, do Código Civil.

V. As cláusulas contratuais gerais dos bancos procuram, por vezes, isentar o banqueiro de
responsabilidades, no caso de errada execução das ordens. Encontramos, por exemplo, cláusulas
deste tipo:

O Banco não assume qualquer responsabilidade pelos danos resultantes do emprego correio,
telegrafo, telefone, telefone, Swift ou qualquer outro meio de transmissão ou de transporte,
nomeadamente os resultantes de perdas atrasos, mal entendidos ou mutilações.

Cumpre distinguir. Na hipótese de haver um erro puro e simples do sistema de transmissões


alheio ao banqueiro, este não é responsáves. A não se demonstrar outra fonte de imputação, o
risco será do utente e. portanto, do cliente mandante, salvo se solução diversa tiver sido
clausulada. Se o erro for do mandante, as consequências recaem, natu-ralmente, sobre este: por
exemplo, identificou erradamente o bencri ciário, levando o banqueiro a fazer uma transferência
errada: sibi imputer. Havendo erro do banqueiro por exemplo: recebeu a ordem correcta e
executou algo diverso - a responsabilidade já será dele.

Quando muito, seria possível, por cláusulas contratuais gerais, exonerá-lo de violações cometidas
com culpa leve, perante deveres con-tratuais. A cláusula transcrita tem, assim, um papel
essencialmente informativo.

VI. As ordens bancárias são unilaterais, quando a débito do man-dante. Numa manifestação da
unilateralidade, formal e de fundo, cujo peso, no Direito bancário, já sublinhámos, verifica-se
que alguém pode ser surpreendido com um crédito em conta inesperado e cuja origem
desconheça. Pelas regras civis, poderá rejeitá-lo, dando-lhe outro des-fino ou pedindo ao
banqueiro que o devolva 313. O banqueiro, porém, ligado ao sigilo profissional, não pode, em
princípio, revelar a sua ori-gem, se o mandante não o consentir. Do ponto de vista do terceiro
beneficiário, as transferências funcionam como depósitos.

Já o inverso não é pensável: ninguém pode ser cobrado, por via bancária, sem um prévio
assentimento.

VII A doutrina reconhecida, no contrato de giro bancário uma variedade de mandato sem
representacao l. Efetivamente, o banqueiro adstringe-se a prática certos actos jurídicos por conta
do seu cliente . Os diversos actos depois praticados, sem prejuizo da sua individualidade própria
perante terceiros, não são mais do que a execução do previamente assumido.

O giro bancário ocorre, em última análise, como um serviço bancário típico, a contratar pelos
clientes do banqueiro. A análise aqui realizadas não deve obnubilar o facto de o giro bancário,
enquanto contrato. surgir integrado numa série mais ampla de negócios, com relevo para a
abertura de conta - verdadeira figura geral - e para o depósito bancário.

189. Transferências transfronteiriças; o Decreto-Lei n° 41/2000, de 17 de Março

1. A matéria das transferências bancárias veio suscitar diversos problemas, solucionados pela
doutrina e pela jurisprudência. Por exem-plo, entendeu-se que o cumprimento por transferência
bancária s6 se consideraria efectivado quando o cliente tivesse a efetiva disponibilidade da
importância 3I5. O banqueiro seria responsabilizável por violação positiva do contrato quando
tivesse procedido à má execução da transferência 316

II. As instâncias comunitárias entenderam dever ocupar-se do pro-blema. Assim surgiu a


Directriz n.° 97/5/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa às
transferências transfrontei-ras 317. A Directriz em causa ocasionou esforços, nos diversos países,
com vista à sua transposição 318. Na Alemanha, ela teve a maior digni-dade, ocasionando, pela
Lei de 21-Jul.-1999, uma alteração no BGB 676 a a 676 g ° Entro nós, a Directriz n° 97/5/CE foi
transposta

pelo Decreto-Lei n. 41/20003, Lo 17 de Março. Este diploma for alterado pelo Decreto-Lei n.
18/2007. de 22 de Janeiro, que visou por cobro as dilações na creatação dos saldos: foi, nesse
sentido, dada nova redação ao artigo 5.°.
III. Segundo o regime adoptado por esse Decreto-Lei, são visadas as transferências em euros, no
espaço económico europeu, de valor inferior a 50000 euros. Cominam-se deveres de informação
a cargo do banqueiro 32 - artigos 3° e 4.° - e regras sobre indemnizações - artigos 6.° e seguintes.
Elas permitem inferir que o risco da operação corre, em geral, contra o banqueiro. De todo o
modo, a responsabilidade é excluída em caso de força maior - artigo

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