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Nathalia
Marvin
Copyright © Nathalia Marvin 2020
Todos os direitos reservados. Os personagens e eventos retratados
neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
falecidas, é coincidência e não é intencional por parte da autora. Nenhuma
parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de
recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a
permissão expressa por escrito da autora.
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Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Epílogo
Bônus
CAPÍTULO EXTRA
Esse livro faz parte de mim e do meu coração,
e à minha confusão...
uma história.
Prólogo
Chego em casa com vontade de me jogar no chão assim que entro, para
alongar todos os membros do meu corpo.
— Chegou já, filha? — minha mãe pergunta do sofá, onde faz um dos
seus crochês enquanto assiste na TV um canal do YouTube sobre saúde
feminina.
— Já? — eu devolvo. — Caramba, mãe. Levantei às sete e levo, no
mínimo, duas horas para chegar no trabalho. Depois eu fico sentada
suportando clientes e chefes faladores que nunca estão satisfeitos, e a
senhora diz já?
— Desculpa, meu amor — ela deixa o crochê de lado e se levanta para
vir até mim, me dando um beijo demorado na bochecha antes do abraço de
mãe urso que tanto amo. — Eu me expressei mal. Só quis dizer que hoje a
hora passou muito rápido.
— Tudo bem, mãe, eu estava brincando — beijo sua bochecha e deixo-
a voltar para o sofá depois que a solto.
Eu amo o abraço da minha mãe. É tão cheio de amor e carinho!
Eu tiro os tênis e guardo no armário ao lado da porta, juntamente com
o casaco.
— Ah, não, que droga — Julie resmunga assim que chega na sala e me
vê. — Já chegou.
— Não fale assim com a sua irmã, Julieta. Que má vontade é essa?
— Por que a senhora me chamou de Julieta? Eu já disse que prefiro
Julie! — minha irmã me olha com cara de poucos amigos. — Veio um cara
bonito procurar por você.
— Por mim? Era entrega? Eu não comprei nada.
— Não, sua idiota. Ele queria saber de você.
Eu ignoro a grosseria da resposta, e gesticulo, pedindo mais
informação.
— Saber o quê? — questiono.
Ela se aproxima para falar só para eu ouvir.
— Ele perguntou se você morava aqui, eu disse que sim. Daí ele falou
que eu te avisasse que agora sabe onde você mora e falou também que você
entenderia o significado.
— Ãn? — eu me perco, e minha irmã revira os olhos. — Como ele
era?
— Alto, sorridente, bonito — ela sorri, toda afoita —, simpático,
educado. Eu fiquei apaixonada na hora.
— Muito bonito para você — balanço a cabeça. — Ele se apresentou?
— Não. Só queria saber de você. É seu namorado?
— Quem tá namorando? — minha mãe pergunta, os olhos arregalados
por baixo dos óculos de aro grosso. — Você, filha? Sério?
— Não, mãe — enfatizo com um balançar de cabeça e então olho para
a minha irmã. — Não é meu namorado, sua cretina.
Ela ri.
— Eu imaginei que não. Ele é muito bonito para você — ela solta o
veneno do dia, se virando para sair caminhando até sumir de vista.
— Que peste — olho minha mãe, que já se distraiu de novo no crochê.
Ryan Smith esteve aqui deixando recado que sabe onde moro? O que
significa? Que ele vai me matar?
Dou risada.
Até parece.
Capítulo 6
Meu irmão parece estranhar me ver na sua porta, mas como sempre foi
muito bom em disfarçar o que pensa, ele sorri e me puxa para um abraço.
— E aí, cara — eu o abraço de volta.
— Que bom te ver! Entra — Pedro me convida.
E eu entrei, depois de andar sem destino por algumas horas e minha
cabeça parecer que ia explodir.
Escolhi a casa do meu irmão ao invés da dos meus pais porque sei que
eu seria enchido de perguntas.
Diferente da casa do Pedro, onde além de não ser questionado, posso
também receber o carinho dos meus sobrinhos, Jade e Ben. Não sei
explicar, mas eu sinto conforto e paz quando vou pra lá.
Não que minha vida seja um inferno, não é isso. Tenho uma vida muito
boa. Mas depois da noite anterior, eu precisava parar de pensar. E, pra
isso, nada melhor que ser enchido de perguntas de uma criança.
— Achei que você não tivesse em casa — digo enquanto caminhamos
para a sala, onde meu sobrinho de 8 meses dorme no cercado de bebê e a
pirralhinha mais velha de 3 anos assiste desenho na TV.
— Decidi ficar com as crianças essa semana — Pedro explica. — Jade,
filha, olha quem veio nos visitar!
Minha sobrinha olha para trás, abrindo um sorriso do tamanho do
mundo quando me vê.
Eu me abaixo e abro os braços, esperando ela se chocar em mim
quando vem correndo.
— Tio Vyan!
Dou risada, me levantando com ela no colo e indo pro sofá.
— Como você tá, princesa? — pergunto, colocando ela na minha
perna.
— Feliz! — ela sorri, pondo as mãos no rosto. — Vamos viajar!
— É mesmo? — olho meu irmão. — Vão pra onde?
— Pro Brasil — ele dá um sorriso largo, como sabendo que isso vai
me deixar interessado. — Não quer ir com a gente?
Balanço a cabeça.
— Não acho uma boa estragar o passeio da família — foi uma recusa
com educação.
— O vovô e a vovó também vão — Jade diz, querendo sair do meu
colo.
Eu a deixo ir ver o desenho e me viro pro meu irmão sentado no outro
sofá.
— Eles vão mesmo com vocês? — quero saber.
— Sim, eles querem aproveitar os netos e não sou eu quem vai impedir
— Pedro ergue as mãos, como se quisesse enfatizar isso.
— Tendi — olho para a TV, onde Jade gargalha com o desenho.
— Se afasta mais da televisão, filha — meu irmão pede.
Ela obedece, me fazendo sorrir.
— Pelo menos alguém da família obedece — murmuro.
— É — Pedro concorda. — Você tá bem?
Eu o olho, vendo que estou sendo observado com atenção.
— Tô — respondo contragosto. — Cadê a Crystal?
— Ela foi fazer compras e também ao médico. Consulta de rotina —
explica quando questiono silenciosamente. — Eu vou buscar um lanche pra
gente.
Eu concordo, mas de repente não consigo ficar sentado quieto.
Não sei explicar, é simplesmente a inquietude que vem do nada.
— Não precisa, cara — eu me levanto ao mesmo tempo que ele. —
Tenho que ir nessa, preciso fazer uma coisa.
Pedro fica me encarando com um misto de decepção e apreensão.
— Tudo bem — ele concorda, sem perguntas. — Mas quando quiser
fazer uma surpresa de novo, pode vir.
Eu o abraço e depois vou me despedir dos meus sobrinhos, saindo da
casa e indo para o carro.
Onde eu tive a brilhante ideia de pegar o celular e, através de
Douglas, conseguir o contato de Samara, a faxineira da outra noite. E com
ela, o endereço da Lucy.
Precisei ser um pouco convincente nessa parte pra poder conseguir e
acho que Samara é tão ingênua que acreditou que eu queria me desculpar
enviando umas flores.
Mas a verdade é que eu queria dizer o quanto Lucy fodeu com a minha
cabeça que, até antes do seu aparecimento, estava uma maravilha.
Me contar da porra da foto que eu não precisava saber, me rejeitar, me
ofender dizendo que eu não passava de um corpo bonito e que minha lábia
era uma merda.
Ela me humilhou debaixo do meu teto!
E foi o que acabou comigo.
... mas isso não é um ponto final.
Capítulo 8
|555-9078
Oi, Douglas aqui. A Samara tem algum outro número? Ela me
bloqueou e n to conseguindo falar com ela
Dou um sorriso. Pelo menos uma novidade boa. Minha amiga enfiando
bom senso na cabeça e desviando de homens do tipo Douglas.
Eu abro a do outro número, vendo o rosto de Ryan no perfil, me
fazendo ralhar os dentes.
|555-6769
E aí. Vamos sair e esclarecer as coisas?
|Samy
Eu não me lembro oq fiz no sábado
Fiquei de ressaca até hoje
Luuuu
Pode vir aqui depois do trabalho?
QUANDO no domingo...
A facilidade que ele consegue fazer isso me espanta. Não mais que
descobrir que Ryan Smith foi esfaqueado pelo próprio avô, é claro. Quero
dizer, olhando aquelas fotos, ele, o irmão e o pai, todos aparentemente
felizes no clique, ninguém diria que uma atrocidade dessas poderia
acontecido nessa família aparentemente perfeita.
Mas, como estava dizendo, a facilidade que Ryan faz isso, de
conseguir a simpatia de todos tão habilmente, é espantosa. Eu não sei se
tem a ver com a falsa intimidade que ele consegue empregar tão
imediatamente, mas vê-lo daqui do sofá, sentado do outro lado, jogando
junto com Bernard, ambos dando risadas soltas, me espanta. E muito.
Landon está junto, mais calado no entanto. Normalmente, ele o é. Não
fala muito a menos que esteja conversando com uma só pessoa. E mesmo
assim é difícil fazê-lo falar mais que um pouco.
— Douglas está pedindo desculpas por não ter ficado — Samara
cochicha ao meu lado. — Ele disse que eu não mostrei interesse por ele —
ela dá uma risada, que me faz olhá-la e rir junto.
— O que você disse? — quero saber.
— Falei que ele entendeu tudo errado — ela balança a cabeça e solta
um suspiro profundo, quase pesado. — Eu só estava querendo relaxar
aquela noite, não teve nada a ver com querer ficar com ele, mas sim estar
com ele. Mas só naquela noite.
— Fico até emocionada com você tomando jeito e percebendo quem
não vale a pena — finjo limpar uma lágrima no canto do olho, recebendo
uma careta de Samy.
Dou risada e volto a olhar em direção aos meninos jogando,
percebendo que Ryan está super concentrado, com seu rosto bonito de
expressão dura e lábios grossos tão juntos, enquanto Bernard segura a
risada. Provavelmente Ryan está perdendo dessa vez.
Então deduzo que é a minha hora de ir para casa. Antes que eu comece
a prestar muita atenção ou me distraia o suficiente a ponto de começar
exaltar Ryan e sua beleza inegável.
Me levanto e olho para Samy.
— Vou para casa, amanhã eu trabalho — digo, como uma péssima
desculpa. Eu trabalho, mas não durmo às dez. Talvez por isso eu acordo tão
cansada e tomo nota para reavaliar meu péssimo costume. — A gente se
fala depois — me viro para os meninos. — Boa noite para vocês e bom
jogo.
Ryan abandona o controle para o lado no mesmo instante, deixando
Bernard com uma interrogação na testa. Ele vem na minha direção, com um
sorriso, passos fáceis e determinados. Meu corpo responde a isso, a tudo
isso, a essa facilidade, quando quase me sinto retesar. Me ponho na
defensiva.
— Vambora, te dou uma carona — ele me chama, seu sorriso largo me
fazendo soltar um som baixinho. Algo que lembra em muito incredulidade.
— Acho que não preciso da sua carona, obrigada pela oferta —
caminho para longe dele, indo em direção ao gancho ao lado da porta, onde
deixei minha bolsa.
— Mas eu não fiz uma oferta — Ryan já está perto de mim, me
fazendo olhá-lo enquanto coloco a bolsa no ombro.
Seus olhos estão estreitos e ele parece desentendido.
— O que foi isso então de oferecer carona? — pergunto.
— Uma informação — ele dá um sorriso curto. — Tô informando que
vou te levar pra casa. Seus pais estão acordados essa hora? Seria bom dar
um alô pra eles também.
No 220. Definitivamente não dá acompanhar a rapidez dele. Parece
que Ryan quer fazer tudo ao mesmo tempo e isso talvez não seja legal. Pelo
menos, não na situação que ele diz se encontrar, com pesos e pesares,
confusões e aflições; mas também, pode ser que seja sua saída por como
enfrenta as lembranças que tem. O seu escape.
— Obrigada, mas vou para casa de ônibus — sorrio sincera antes de
me virar para a porta, girar a maçaneta e sair. Ele me impede de fechá-la
novamente quando puxa a maçaneta para trás, segurando a porta aberta.
Ouço-o se despedir de Samy e dos meninos, e logo chego à rua,
acelerando os passos para chegar ao ponto de ônibus depressa.
Mas Ryan tem pernas mais longas que as minhas e com certeza seus
passos são mais largos, o que o faz logo mais estar perambulando ao meu
lado. E, quando chegamos ao ponto, me viro para olhá-lo. Está com o
semblante relaxado, o que faz com que me ofereça um sorriso fácil.
— Não precisa ficar aqui comigo — eu gesticulo lugar nenhum —,
pode ir embora.
— Sem essa — ele enfia as mãos nos bolsos da jaqueta, soltando um
suspiro. — O Douglas levou meu carro quando fugiu dos irmãos da
Samara, então eu meio que vou ter que ficar aqui com você sim. Preciso de
ônibus pra ir embora também.
— Uau — brinco. — Deve estar sendo de uma emoção e tanto saber
que vai andar de ônibus.
— É — Ryan assente. — Tô sentindo até frio na barriga.
— Tem certeza que é por pegar o ônibus e não outra coisa?
Seus olhos se estreitam para mim e de repente me sinto uma formiga
mirada sob seu olhar do alto.
— Tem razão — sua voz aparentemente calculada para soar mais
profunda me faz respirar fundo. — Pode ser porque tô com você.
— Eu quis dizer… — balanço a cabeça e pigarreio. — Sobre você ter
paranoias. Não tem medo de pegar o ônibus e, sei lá, achar que alguém vai
te sequestrar lá dentro?
Ele ri.
— Um sequestro não aconteceria num ônibus, Lucy.
— Ah — meneio a cabeça. — O seu medo é somente de que isso
aconteça quando está sozinho? Tipo em casa? Por isso seus amigos moram
com você?
Ryan me encara, mas não me responde. Ele passeia os olhos pelo meu
rosto antes de tirar a jaqueta e se aproximar de mim, colocando-a em torno
dos meus ombros.
O cheiro gostoso que emana dele e do tecido imediatamente me
embalam, e dou um profundo suspiro de prazer nasal. Que cheiroso, meu
Deus do céu. Que gostoso sentir esse cheiro. Muito, muito mesmo. Até me
arrepio.
— Pode ficar com minha jaqueta — ele aponta minha bolsa e fica com
a mão estendida, esperando que eu o deixe segurá-la enquanto enfio os
braços por dentro da jaqueta. O que eu faço, é claro. — Tá muito frio, você
pode se resfriar só com essa blusa aí.
Eu não concordo, mas também não vou teimar, afinal é uma jaqueta
com o cheiro dele, que é divinamente bom, aliás.
— Obrigada — agradeço, estendendo a mão para pegar a bolsa de
volta, mas ele a segura.
— Deixa que eu levo pra você.
Dou risada.
— Não precisa — garanto. — Nem é pesada.
— Faço questão.
Eu desisto do debate quando vejo o ônibus chegando. Ele para logo
mais à nossa frente e entro, sentindo Ryan atrás de mim.
Por todo o tempo. Até quando escolho um lugar para sentar, e ele senta
ao meu lado, todo seu cheiro gostoso enchendo mais o meu ar pela sua
ação.
— É sua primeira vez num ônibus? — pergunto ao vê-lo olhar ao redor
com curiosidade.
Ele me olha com um sorriso.
— Isso aí.
Me impressiono, mas não tanto. É de se esperar algo assim.
— Por que Douglas foi embora e não ficou para jantar igual você? —
quero saber.
— Sei lá, porque é frouxo.
— Palpito que seja por só querer bagunçar a cabeça da Samy —
rebato. — Ela não precisa de mais um cara fazendo isso.
Ryan tira os olhos da janela e me olha com um sorriso engraçado.
— Você fica bem falante essas horas, né? — pergunta, o que me faz
franzir o cenho. — Me amarrei, pode continuar.
Não concordo com a sua conclusão, mas aproveito para matar a minha
curiosidade.
— Por que você esteve no meu trabalho aquele dia?
Ele desvia para a janela outra vez, parecendo acanhado.
— Precisava saber com quem eu tinha que falar se quisesse alterar
algo do site — responde evasivo.
— Eu achei que você não conhecesse ninguém que trabalhasse para a
Winess, mas parecia bem familiarizado com a Shirley — Eu devia calar a
boca imediatamente, porque Ryan pode interpretar errado a minha
curiosidade.
— Conheço a Shirley desde que ela era uma garotinha — ele sorri. —
Meu pai contratou a empresa em que você trabalha por um tempo, mas
depois mudou. Meu irmão voltou com vocês por preferir o contrato ou algo
assim.
— Ah — estou ligeiramente surpresa. — Eu não trabalhava lá nessa
época… Mas você e a Shirley são amigos, é isso?
— Não acho que chega nisso. A gente brincava juntos quando meu pai
me levava nas reuniões pra acertar as paradas da publicidade da Winess —
ele me olha, seu olhar acentuando a cor quando o ônibus passa por um
estabelecimento com luzes led e seus olhos são atingidos. — Nem sabia que
ela tava na chefia.
— Ela está, já faz uns meses — engulo o restante do comentário, em
que eu diria que sua amiga Shirley é insuportável no comando. — Ela não
conseguiu resolver seu problema?
Ryan hesita, dividindo o olhar por vários ângulos antes de focar em
mim.
Quase sinto calafrios com esse olhar penetrante.
— Não — ele responde. — Não falei sobre isso com ela. Só fiz umas
perguntas indiretamente, mas vi que não tinha como conseguir nada sem
que meu irmão ficasse sabendo, então meio que deixei pra lá.
— Aceitou melhor a ideia?
— Não isso, eu só prefiro não pensar no que vai fritar meus miolos.
Eu balanço a cabeça, dando a entender que entendo e concordo. Mas
não concordo, e não sei exatamente como Ryan pode imaginar que seria
sequestrado só por ter sua foto no site de vinhos da família. Aparentemente,
não tem nem cabimento um pensamento desses.
Mas também, quem sou eu para julgar o cara? Ele foi esfaqueado pelo
próprio avô! Acho que já deve ser perturbado o suficiente somente por essa
lembrança. Não é de espantar que crie paranoias tão desconexas.
— Por que você foi com o Douglas pra casa da Samy? — emendo
minha dúvida.
Ryan dá de ombros antes de responder.
— Apoio moral.
— Louvável — sorrio irônica, atraindo seu sorriso preguiçoso.
Seu celular começa a tocar, fazendo-o bufar com impaciência. Ele o
captura do bolso da calça, confere o visor com uma lufada de ar e atende.
— Fala, Pedro. Ah, que bom pra você. Não, não tô. Agora? — Ryan
revira os olhos. — Beleza. Você precisa ser menos noiado, cara. Valeu, te
aviso. Boas férias.
Eu o observo descartar com frustração o celular para o bolso da calça
outra vez. Me olhando com seus olhos de cor acentuada, Ryan quer saber:
— Se importa de me acompanhar pra um lugar antes de eu te deixar
em casa?
Dou um sorriso, avaliando a ideia de Ryan estar achando que vai
mesmo me deixar em casa. Porque não vai. Ele não vai aparecer mesmo por
lá, tipo, nunca mais.
— Uma parada na casa do meu irmão só — ele enfatiza e se levanta do
banco do ônibus, me olhando de cima com todo seu ar presencial. — Vai
ser um pulo e a gente segue caminho.
— Por que você vai parar na casa do seu irmão? — quero saber.
— Ele viajou e quer que eu dê uma olhada pra ver se tá tudo bem por
lá — Ryan estende o braço e sua mão vem buscar a minha, que está sobre
meu colo, me incentivando a levantar. — Só dois segundos do seu tempo,
madame.
— Engraçado — bato em sua mão para afastá-la, então me levanto. —
Você tem um segundo e nada mais.
Ryan ri, o som melodioso me deixando com uma fraqueza nas pernas,
então seguimos para as portas do ônibus, que logo se abrem, nos deixando
na calçada à beira da noite.
Capítulo 18
Eu ainda tô confuso. Não sei bem como foi tudo aquilo que aconteceu.
Aquele momento a sós, especificamente. Foi rápido, muito rápido.
Mas tão certo. Fodidamente certo. Em cada detalhe e minuto. Pareceu
um sonho, muito bom por sinal, e... de repente eu fui acordado.
Bruscamente. Com um solavanco violento. Foi estranho também. E
magnifico. Eu senti uma coisa que não tinha nada a ver com dor ou agonia,
e isso foi o mais fora do normal no lance, já que dor e agonia é o que me
circunda em todos os meus dias.
E desespero. Um desespero sem porquê, que me dá calafrios e umas
sensações esquisitas.
Então, é, posso ser chamado de marica se algum dos caras da casa
acabar batendo os olhos nisso aqui, mas, vocês não tão ligados no que é o
sentir. Não tem como explicar, nem que eu tente. É só uma coisa que é tão
boa que parece mentira. Da mesma forma que uma coisa muito ruim
acontece e parece mentira, tipo ganhar uma facada do próprio avô e
conhecer a morte de perto.
É bem tipo isso, mas num sentido positivo.
Podem me julgar, mas acho que tenho propriedade pra falar sobre isso,
já que sinto muitas coisas. Diversas coisas.
Mas nunca nada tão bom.
Nunca tão verdadeiro e certo. Como a peça de um quebra-cabeças
quando se encaixa e a gente se afasta pra olhar, sorrindo, contente por ter
conseguido achar e acertar.
É, esse sou eu melancolicamente satisfeito relatando o que houve pra
conseguir reviver o momento.
Mesmo cheio de confusão, meio desnorteado e frustrado por saber que
nunca vou ter a chance de sentir de novo aquilo exatamente, ao menos me
resta a lembrança. Lembrança essa que sempre vou querer resgatar.
... só pra poder sentir tudo de novo.
— O que está fazendo? — Lucy pergunta, despertando do seu
duradouro silêncio.
— Te levando pra cama, achei que você tava dormindo.
— Não, não — ela bate nas minhas mãos, em um movimento de
reflexo. — Eu não posso ficar, tenho que ir embora. Que horas são? Deve
ser tarde já, preciso ir correndo para casa.
Me inclino pra colocar ela no sofá outra vez, desistindo de ir até a
cama. Me ajoelho novamente em frente suas pernas e procuro seu olhar.
Tremendamente linda e perturbadoramente arrependida.
Eu consigo ler o arrependimento nos seus olhos, e isso não é nada
legal. Tô acostumado a ver sorrisos depois que elas chegam ao orgasmo,
não isso.
— Não precisa ir tão rápido — inspiro fundo, o cheiro dela espalhado
no ar ainda driblando meus sentidos. — Por que o arrependimento?
Lucy me olha então, estreitando os olhos e soltando uma risada
atravessada.
— Eu não disse que estou arrependida — murmura.
— Não precisa dizer, tô vendo isso no seu rosto.
— Não banque o espertinho — ela bate nas minhas mãos outra vez. —
Por favor, me solte. Preciso ir para casa.
— Tá ok — afasto as mãos e me levanto, sentindo imediatamente falta
do calor que tive perto por esses poucos minutos.
Não que isso seja difícil de conseguir. Posso ter outra mulher em
alguns minutos, se quiser. E talvez eu tenha depois que deixar ela em casa.
Mas toda a magia do lance é que com Lucy eu tive que me esforçar um
pouco pra conseguir. Isso fez com que fosse, eu não sei, mais gostoso por
causa da expectativa. Quase uma conquista alcançada.
— Você quer ajuda pra se vestir? — pergunto com um sorriso ao ver
que ela ainda tá caindo em si.
— Não — suas mãos vão ao chão e Lucy captura a calcinha e a calça,
com um pouco de desespero. — Eu me visto sozinha. Você pode virar pra
lá, por favor?
Dou risada, mas faço. Me viro pra dar a devida privacidade a garota
arrependida, como se eu não tivesse acabado de me perder nela. Não tanto
quanto gostaria, mas foi o bastante pra ficar satisfeito da minha onda de
curiosidade.
— Você trabalha amanhã? — pergunto.
— Sim, eu só folgo aos fins de semana — ela pigarreia. — Não que
você precise saber disso.
— Relaxa, foi só uma pergunta. Queria te convidar pra jantar.
Lucy ri. Um riso nervoso em uma mistura de descrença.
— Não vamos jantar juntos — esclarece.
— Tem razão, sem essa. Fizemos isso há algumas horas — me viro pra
ela de novo, vendo-a terminar de abotoar a calça. — Então podemos
almoçar ou um lanche com passeio?
Lucy me olha como se eu estivesse delirando.
— Não. Isso aqui nunca aconteceu — ela gesticula e balança a cabeça,
aparentemente atormentada. — Não tem essa de encontro ou coisa
parecida.
— Cara — dou risada —, não dá pra você fugir do que houve aqui,
falou? — me reaproximo dela, sua boca me chamando… seu olhar carente
em um misto de desejo me tentando. — Vai se enganar, mas o seu corpo
sempre vai te lembrar que minhas mãos estiveram nele, te enchendo de
prazer.
Sua respiração alterada quase me deixa ofendido. Ela gozou com o
meu toque, pra que a porra do arrependimento e desespero?
— Para de fingir que quer esquecer — saliento. — Nada a ver isso.
Somos maduros o suficiente pra entender que isso foi um lance de alívio.
Não precisa querer me afastar de novo.
— Você não entende — Lucy murmura, passando as mãos nos cabelos
de um tom mais claro que mel, ajeitando os fios que se bagunçaram. O que
não me agrada, porque ela fica completamente sexy com os cabelos
bagunçados e as bochechas coradas como agora, parecendo uma tigresa.
— Não entendo o motivo de você ficar querendo me barrar —
exponho. — Não percebeu o que tá perdendo?
Ela solta um som de escárnio.
— Eu não quero te barrar — esclarece. — Não achei que você fosse
assim.
Meus olhos se estreitam.
— Assim como?
Lucy se vira para o sofá e pega sua bolsa, colocando no ombro. Então
me olha novamente, prendendo o lábio inferior entre os dentes, a fim de
umedecê-lo. Meu pau pulsa com força dentro da calça.
— Assim, desse jeito — gesticula com uma mão. — Meio carente.
— Carente? — só me restou rir. — Tá de sacanagem? Eu não sou
carente, só não gosto de gente hipócrita e que tenta me enganar.
— Enganar você? — ela balança a cabeça. — E por que exatamente
você acha que estou tentando te enganar?
— Porque você tá fingindo — chego tão perto dela que ela não tem
outra opção que não olhar para mim. — Tá fingindo que isso que rolou foi
simplório e banal, mas não foi. Lá no fundo você sabe que não foi assim.
— Ryan — ela hesita, alguma descrença no rosto bonito. — Acho que
você está viajando. Não disse que foi simples o que houve. Foi até bem
complicado, porque nós, racionalmente, não poderíamos ter tido… isso —
sua fala começa a ficar mais à vontade, Lucy menos retraída. Isso é
intimidade. Não era? — Mas estou tentando te dizer que temos que
esquecer.
Não dá pra esquecer isso assim, na hora. Foi o que tive vontade de
dizer, mas não disse. Eu engoli as palavras porque, fala sério, a mina já tava
me achando carente.
— Beleza — concordo. — Se é assim que você quer, é assim que vai
ser. Vamo te deixar em casa agora.
Lucy me acompanha quando saio fora do quarto até o hall de entrada,
indo ao armário de chaves e escolhendo a chave de um carro.
Depois seguimos até a garagem e pego o veículo, sentindo seu olhar
inquisitivo em mim o tempo inteiro, mesmo quando já estamos na pista.
Eu ligo o som pra tocar uma música, mas faço uma careta quando
Michael Bublé começa a cantar. Estendo a mão pra trocar a música, mas
Lucy me impede quando segura meu pulso.
Olho para ela, vendo seu sorriso doce. Aquele mesmo sorriso que
nunca tinha visto antes, mas que depois da conversa no jantar, se tornou
mais frequente em seus lábios.
— Deixa — ela pede, a voz suave me desafiando a negar. — Eu gosto
dele.
Tiro a mão do som e levo pro volante, desviando a atenção pra pista e
minha cabeça começa a aflorar umas perguntas estranhas. Tipo como deve
ser ouvir Lucy falando essas mesmas palavras, mas pra mim.
Dou risada, me condenando. Se poupe, cara. Foi só um lance de cinco
minutos. Desde quando você é emocionado assim?
Mas sei lá, não é emoção, é que teve uma diferença. Das outras. De
todas*. Eu não sei dizer exatamente o que foi. Não sei se foi o beijo, os
toques dela, ter provado o sabor dela, que foi tão doce na minha língua que
ficou impossível parar de lambê-la e chupar, ou talvez aquilo de ela me
puxar pra perto quando gozou. Aquilo foi inesperado, mas foi tão gostoso
ficar tão perto e sentir sua explosão na respiração e em meus dedos.
— Você toca algum instrumento? — pergunto quando ela começa a
cantar com "nananã".
— Não toco, infelizmente. Não tenho coordenação e nem concentração
pra isso — lamenta.
— Nada a ver, é totalmente possível, você só tem que se dedicar.
— Então achamos o x da questão — ela dá um risinho que me faz
sorrir. — E você, toca alguma coisa?
— Além de punheta?
Lucy solta um murmúrio descrente, me fazendo rir.
— É brincadeira, não preciso disso — adianto. — Sei um pouco de
piano e me arrisco no violão. Minha mãe me colocou na aula de piano
quando eu era pequeno pra eu gastar um pouco da minha energia
raciocinando.
— Não quero nem imaginar quão elétrico você era quando pequeno —
Lucy comenta. — E o violão?
— Aprendi sozinho. Sozinho entre aspas, que tenho uns amigos que
me ensinaram a maioria dos acordes.
— Legal isso — ela elogia, sonhadora. — Deve ser bem incrível poder
replicar a melodia de uma canção que você gosta.
— Depois se acostuma, aí não é mais tão incrível. Mas é bom sim, ver
ali a cifra e saber tocar — a olho de soslaio. — Posso te ensinar algum dia,
se você quiser.
— Oh, não — Lucy ri, abanando as mãos. Ela tem um jeito tão simples
que me fascina. Me deixa sentir que somos próximos, apesar de eu ter a
plena noção de que há um abismo entre nós. — Com certeza essa é uma
péssima ideia. Você perderia o seu tempo, e eu também.
— Não é uma péssima ideia e não seria perda de tempo — começo a
tamborilar os polegares no volante, enxergando essa oportunidade e
querendo me agarrar nela. — Falo sem zoação ou maldade — Não menti,
mas também não fui totalmente claro ao afirmar isso — Não vamos encarar
como eu sendo seu professor, mas um amigo que vai te ensinar.
Lucy fica quieta, pensando sozinha, avaliando o que acabei de dizer.
— Sem maldade? — ela pergunta. — Hum, interessante...
— É sério — naquele momento, meus dedos apertaram forte o volante.
Somente a ideia de poder estar vários dias por mais algumas horas com ela,
fez meu corpo tremer, ansioso. E eu não soube, e ainda não sei, o que aquilo
significou. Bom ou ruim? — Eu sou um cara sério a maior parte do tempo.
Lucy ri tão alto que eu me sinto magoado.
— Eu sou sério — reafirmo —, só não perco as oportunidades que a
vida me dá. Ela é muito curta e a gente não sabe o que nos espera nos
próximos minutos.
— Você não faz o tipo sério — ela discorda. — Mesmo não fazendo, o
seu jeito é… legal. Você é meio, assim, paranoico de um jeito diferente,
mas é legal ver esse incomum.
— Pô, valeu — dou risada. — Imagino que isso tenha sido você me
elogiando.
— Tentando, tentando… — ela pondera com uma risadinha. — Mas é
sério, seu jeito é diferentemente legal. Pelo menos, eu acho. Depois do que
você passou, aquilo… poderia muito bem ser um cara fechado e indiferente
com as pessoas, mas não, você tem um astral contagiante. Eu gosto disso.
De como você consegue ser amigo de todo mundo, ser divertido, educado e
simpático.
— Aí — aviso de antemão —, é melhor parar com isso, tá me
deixando de pau duro com esses elogios.
Lucy gargalha, me fazendo olhar pra ela por um segundo e um sorriso
se forma na minha boca, porque ela parece perfeitamente à vontade. Muito
diferente da Lucy de minutos atrás, que acordou depois de ter tido o meu
toque.
Essa parece uma Lucy que aceitou melhor a realidade e entendeu que o
passado não se muda. Não, tem-se que aprender a lidar com ele*. Essa
garota agora ao meu lado percebeu que só resta surfar junto com a onda
rumo a algum lugar, qualquer que seja, antes de querer pular da onda e se
afogar, desistindo de achar uma saída lógica.
— Bem — ela se recompõe —, e onde aconteceriam essas aulas?
— Onde for melhor pra você. Sua casa, minha casa, seu quarto, meu
quarto…
— Engraçadinho — ela empurra meu ombro. — Na minha casa então.
É mais seguro.
Uau, pra quem disse que eu não poderia mais ir lá, até que essa ideia
não foi ruim.
— Beleza então — concordo. — Qual dia é melhor pra você?
— Sexta.
— À noite?
— Sim, às nove. Mas só por uma hora, que geralmente eu estou bem
cansada nas sextas — Lucy comunica.
— Ótimo pra mim — Que tô sempre desocupado.
Eu estaciono ao lado da sua casa, desligando o carro e já tirando o
cinto e descendo pra ela não ter tempo de me parar. Vou cumprimentar seus
pais sim.
— Ei — Lucy logo tá correndo atrás de mim. — Você vai para onde?
— Falar com os meus novos amigos. Quero dizer, seus pais.
Ela chega ao meu lado, me lançando um olhar mortal, mas que não me
atinge. Eu já vi ela se derretendo pra mim e por mim, qualquer olhar a partir
disso, é fichinha.
Bato na porta, mas Lucy me empurra para o lado, enfiando sua chave
na tranca.
— Você parece uma criança desobediente — ela explana, me fazendo
sorrir, então me olha quando gira a maçaneta. — Só os cumprimente e vá
embora.
— Pode deixar, madame — aceito.
Lucy continua me olhando por uns segundos, até que respira fundo de
um jeito atravessado e abre a porta.
Somos recebidos pelo burburinho de vozes. Estão todos na sala,
assistindo um documentário de um serial killer. A voz da irmã de Lucy é a
que mais sobressai em comentários. "Eu não sou doida" ela diz antes de
Lucy se pronunciar.
— Boa noite, pessoal.
Seus pais e irmã nos olham, a mãe dela abrindo um sorriso muito largo
ao me ver.
— Boa noite, Sra. Waller — a cumprimento, olhando o pai da Lucy e
maneando a cabeça. — Senhor.
— Ah, lá vem — a irmã de Lucy revira os olhos.
Ela em lembra em muito a irmã, tanto na aparência como na forma de
agir.
— Oi pra você também mini Lucy — eu aceno pra ela, que estreita o
olhar pra mim, como se me condenasse pelo que acabei de dizer.
— Mini Lucy? — ela olha pra irmã e de novo pra mim. — Meu nome
é Julie e eu não tenho nada a ver com essa aí.
— Juliet — o pai a adverte. — Cuidado com a língua e com os modos.
— Pai! — ela o olha, alarmada. — Ele me comparou com a Lucy! Isso
é ultrajante!
Lucy bufa ao meu lado, nitidamente desprezando o drama da irmã.
— Ô, Julie, não tem um livro para você ler, não? — Lucy se aproxima
do sofá pra falar com os pais. — O Ryan veio dar oi para vocês, mas ele já
tem que ir embora.
— Ah, que atencioso! — a Sra. Waller se levanta e vem ao meu
encontro, me abraçando. — Que bom vê-lo de novo, Ryan.
— Digo o mesmo pra senhora. Me senti na obrigação de vir depois de
ter saído daquela forma da última vez — olho o Sr. Waller depois que sua
esposa se afasta, me segurando pelo ombro. — Sabe, a filha de vocês meio
que me expulsou por eu ter vindo sem avisar, então me desculpem por sair
sem me despedir.
O pai a olha.
— Você fez isso, Lucy? — pergunta.
— Eu fiz — ela não dá rodeios. — Ele já tinha enchido muito meu
saco na noite anterior.
— Não me lembro de você sendo impaciente com alguma coisa — o
pai divaga. — Justo ser com esse seu amigo, que é um rapaz muito
educado. Você devia pedir desculpa a ele.
Julie solta uma reclamação em forma de som e Lucy dá risada, me
olhando.
... ah, aqueles olhos… aquela boca… O sabor dos seus lábios, o sabor
dela… o jeito que ela moldou a vontade na minha vontade, me puxando e
me querendo, então explodiu…
Respiro fundo, dando um sorriso breve.
— Não precisa, Sr. Waller — adianto. — Somos amigos e amigos são
assim. Brigam, mas se amam.
Julie ri e logo Lucy também, então as duas riem mais depois de se
olharem.
— Acho que tá na minha hora — puxo a Sra. Waller pra deixar dois
beijos em suas bochechas e depois vou até o seu esposo, o cumprimentando
com um aperto de mão. — Precisamos marcar um churrasco, Sr. Waller.
Ele ri, concordando.
— De fato, Ryan.
— Nas sextas-feiras vou estar vindo ensinar Lucy a tocar violão —
informo a eles. — Espero que não se incomodem pela minha vinda
frequente.
— Que nada, rapaz. Você é sempre bem-vindo.
— Obrigado, senhor — olho Lucy, que está de braços cruzados no
meio da sala, me avaliando. — Pode me levar até a porta, Lucy?
Ela sorri, assentindo com a cabeça. Parece muito querer rir.
Nós seguimos até a porta, eu dando um último aceno pra sua mãe antes
de sairmos à rua, Lucy me seguindo até o carro.
— Vai, tá — digo. — Pode falar do que tá querendo rir.
— De você — seu sorriso é largo o suficiente pra me fazer sentir
vontade de mais dela. Mais, muito mais…
— Não, isso tá bem óbvio, mas eu quero saber por quê?
— Acho incrível como sua postura muda perto dos meus pais — ela se
apoia no carro e inclina a cabeça pro lado, me estudando. — Parece até que
você se comporta como um adulto.
— Ah, qual é — balanço a cabeça quando ela dá uma risadinha. — Eu
adoro seus pais, eles são tipo muito calorosos.
— Parece também que gostam de você — ela pondera. — Dificilmente
deve ter alguém que não gosta, né?
Aponto sua casa.
— Sua irmã. Ela me detesta. Tipo você antes de algum tempo atrás —
me aproximo de Lucy, vendo-a tomar uma postura defensiva.
— Não liga, não. A Julie só está com ciúmes do tratamento que meu
pai te dá — ela explica, o que me surpreende.
— Ciúmes do pai?
— Muito. Ela é acostumada a ser o centro da atenção dele, então ver
alguém chegar e mudar isso é um pouco sofrível para ela.
— Acho que preciso conversar com ela e explicar que não é minha
intenção, o que acha?
Lucy sorri, balançando a cabeça e antecipando:
— Não precisa, ela é mimada, logo vai superar.
— Falou então, se você acha… — passo o olhar pelo seu rosto,
pegando cada detalhe dela pra segurar a vontade até sexta. Ainda é
segunda! — Tenho que ir agora.
— Já era pra ter ido — ela sorri, se afastando do carro, me fazendo
respirar fundo por sentir imediatamente um vazio dentro de mim.
Estranho pra caralho, porque ainda tô sentindo… Ainda sinto
enquanto meus dedos deslizam por essas teclas e sou massacrado pelas
lembranças dela, que substituíram espantosamente qualquer outra.
Por enquanto, pelo menos.
— Até sexta então? — pergunto.
— Sim, sexta. Ah, espere — ela começa a tirar a jaqueta, mas eu a
impeço com um tom imperativo.
— Não — ergo uma mão, recebendo um olhar desentendido. — Fica
pra você.
Lucy arregala os olhos.
— De jeito nenhum — protesta, insistindo em tirar, mas me aproximo
e seguro suas mãos. Ela me olha de baixo, tão perto que…
NÃO. Nada a ver confundir as coisas. Só por causa de uns toques?
Muita viagem.
— Fica com ela, ficou ótima em você — sorrio. — Sem contar que,
toda vez que olhar pra ela, vai se lembrar de mim — dou uma piscadela,
que a faz sorrir.
— Ah, então tá bom — ajeita de novo a jaqueta no corpo. —
Obrigada.
— De nada — me viro pra ir pro carro, saindo de perto dela. — A
gente se vê sexta.
— Eu não tenho violão — avisa antes que eu entre no carro.
— Sem problemas — aceno. — Se cuida, Lucy.
— Você também e dirija com cuidado! — ela grita antes de eu ligar o
carro e sair pela rua, tentando dissipar as últimas horas.
Eu tentei, tentei mesmo, e acho que amanhã ainda vou estar tentando.
Capítulo 20
***
Estou dando uma arrumada no meu quarto na sexta-feira, dia esse que
chegou em um piscar de olhos – infelizmente. Às vezes ter muito trabalho
faz a semana voar, bem como às vezes também não.
Falta pouco para dar nove horas, hora essa que Ryan disse que
iniciaríamos a aula de violão. Mas não me sinto mais tão entusiasmada.
Estou, hoje, cansada e com as pernas um pouco travadas. Fiz 33 posts para
empresas e todo esse bate e volta entre os setores tornou um processo
simples bem do cansativo.
— A mamãe está perguntando o que seu amigo gosta de comer —
Julie aparece na porta do meu quarto dizendo.
— Primeiro que Ryan não é meu amigo e, segundo — olho-a —, por
que eu saberia do que ele gosta de comer?
— Porque são amigos e amigos sabem essas coisas — minha irmã
sorri de um jeito falso. — Não entendo isso! — ela adentra o meu quarto
para se sentar na minha cama. — Se não são amigos e você não o suporta,
por que ele está vindo tanto aqui?
Eu respiro fundo. É uma boa pergunta.
— Acho que porque agora sei o que Ryan enfrentou — digo baixinho.
— E o que foi que ele enfrentou? Oposição em um concurso de moda?
— Julie destila ironia.
Eu a olho, dando um sorriso. Então vou me juntar a ela na cama,
sentando ao seu lado e virando o corpo em sua direção.
— O próprio avô esfaqueou ele — conto, o que me faz minha irmã ter
um pequeno sobressalto. — Ryan quase morreu e então ele tem que lidar
com isso, com o trauma, com a própria família que ainda não superou e
finge ter superado. Isso parece que o incomoda, porque ele não suporta…
— Hipocrisia e que tentem enganá-lo.
— Não suporta o quê? — Julie pressiona. — A própria família?
— Que finjam — balanço a cabeça. — Ele tem aquele humor todo e
aquele jeito, mas, no fundo, é um cara que busca fugir dos monstros que
carrega consigo. Dê um desconto para ele.
Julie fica quieta, pensativa.
— Foi isso que você decidiu de fazer? — pergunta.
— Eu apenas acho que não está no meu direito ser cruel com quem já
vive uma crueldade na própria mente — explico. — Você não concorda?
— É… — minha irmã anui. — Acho que não mesmo. Mas você acha
que ele está querendo fazer da nossa família, a família dele?
Dou risada.
— Não, Julie. Acho que ele só sente confortável em um lugar que as
pessoas não finjam alguma coisa — gesticulo para ela. — Tipo você. Você
o detesta e não se importa em demonstrar isso, acho que essa naturalidade o
deixa confortável em estar aqui.
Julie bufa.
— Para qualquer pessoa normal, seria o contrário.
— Bem, sim, você tem razão — concordo. — Mas sabemos que o
Ryan não é muito normal.
Ela dá um risinho, balançando a cabeça em afirmação.
— Ele é muito bonito, eu gosto do sorriso dele — declara. — Mas
gostaria mais se ele não ficasse monopolizando a atenção dos nossos pais.
— Ele é muito bonito mesmo — suspiro em concordância. — E ele
não precisa monopolizar a atenção dos nossos pais, pode ser a sua também.
Por que não participa da aula hoje? Assim você tem um contato maior com
ele e vai perceber que Ryan não é tão desgraçado como está achando.
Acho que essas palavras são mais para mim do que para minha irmã.
Julie demora algum tempo para responder, mas por fim balança a
cabeça.
— Tudo bem, eu acho que vou tentar — ela se levanta. — Vou falar
para a mamãe que ele gosta de limonada e hambúrgueres 3 queijos com
carne.
— Mas esse não é o seu lanche preferido?
Ela me lança um sorriso maléfico.
— É, sim — afirma. — Mas não faz mal, você não sabe do que ele
gosta mesmo.
Minha irmã sai do quarto quase correndo, me deixando com um
sorriso na boca.
Acho que isso pode fazer bem ao Ryan. Ter algumas pessoas que não
tentam fingir perto dele.
Pouco depois de terminar a organização do meu quarto, estou saindo
do banheiro para me vestir e ir à sala, onde tenho certeza e plena noção de
que Ryan já me espera.
Decido colocar um shorts preto de renda de algodão, bem confortável,
e uma blusa branca simples, uma das minhas favoritas, que tem escrito na
frente "não olha muito que sou tímida". Penteio os cabelos, coloco meu
perfume, desodorante e passo meu creme de amêndoa com avelã no corpo,
então vou para a sala.
Quando chego lá, Ryan está sozinho com Julie. Ela no sofá maior de
três lugares e ele no de dois, com o violão na perna, testando as cordas.
Lambo os lábios enquanto reparo na cabeleira loira e o corpo longo
sentado. Ryan está sem jaqueta hoje, usando uma camisa de mangas azul
marinho e uma calça jeans preta, seu sapato também preto combinando com
o restante do traje.
— Oi — digo, me fazendo notar.
Ele levanta a cabeça imediatamente, abrindo um sorriso largo demais.
Esses olhos conseguem ser tão expressivos que nem sei…
— Pronta pra aula? — ele quer saber, já indicando o sofá da frente
com a mão. — A mini Lucy disse que vai participar também.
Julie grunhe.
— Pede para ele parar de me chamar assim — ela suplica para mim,
então olho Ryan.
— Ela não gosta, não a chame assim — peço e ele olha minha irmã,
estreitando os olhos.
— Você não gosta de ser comparada com a sua irmã? — ele pergunta,
testando mais uns acordes. — Isso é bem ruim. Quando eu era mais novo,
me amarrava que dissessem que eu parecia com o meu irmão.
Julie faz um bico, então cruza as pernas, entediada.
— Você tem um irmão? — quer saber.
— Mais velho. Eu sei como é ser o irmão mais novo — Ryan pisca
para ela. — E com certeza sei como é bem barra quando alguém parece
querer roubar aquela atenção que já estamos acostumados a ter.
— Eu não sei do que você está falando — Julie soa petulante.
Ryan ri, me olhando no processo e eu respiro fundo. Ele realmente não
devia ser tão bonito e de presença tão marcante.
Vou me sentar ao lado da minha irmã, tentando não olhar tão
enfaticamente para ele. Mas é impossível. Ele está bem à minha frente e
nesta noite veio para ser o centro da minha atenção mesmo. Ele veio me
ensinar.
Assim como me ensinou noite retrasada o que é possível sentir no
próprio corpo com os toques certos, nos lugares certos, com a voz certa e as
palavras certas.
Engulo em seco, olhando para o violão, mas me atento a mão grande e
de dedos longos que está ali. Me endireito no sofá, desvio o olhar, cruzo as
pernas e começo a balançar o pé.
Não sei o que fazer. Meu corpo parece estar sendo atraído por algum
tipo de imã. É como se estivesse fazendo falta o que sentiu anteontem.
Como se quisesse de novo, mais um pouco e…
Eu sou uma pessoa racional. Não vou me entregar às vontades do meu
corpo só porque foi bom. Ok, maravilhoso. Incrivelmente delicioso. Mas, e
daí? Isso não é um problema. Posso dar um jeito nisso sozinha.
— Julie — Ryan diz —, vamos começar com você. Vem pra cá.
Minha irmã se levanta com um chiado e vai se sentar ao lado dele.
Ryan dá instruções quando ela se aproxima, então começa a dizer algo
sobre aprender somente os 3 principais acordes primeiro.
— Vamos começar com o Dó Maior, falou? — ele se vira para ela. —
Preste atenção onde meus dedos vão e onde vão tocar.
Eu suspiro, sabendo que, obviamente, Ryan está falando do violão,
mas não posso me impedir de me deixar levar pelos meus pensamentos.
Onde seus dedos vão e onde eles vão tocar…
Onde tocaram. Em mim. No meu corpo, que fez uma conexão com a
minha alma e eu fui arrebatada para um redemoinho de sensações
impactantes.
— Eu não consigo! — o grito irritado de Julie me faz piscar os olhos e
voltar a atenção para a aula. — Minhas unhas ficam tocando as outras
cordas e não sai melodia! — ela parece frustrada.
— Fique calma, é assim mesmo — Ryan a tranquiliza. — Você só não
pegou a prática ainda. Quando isso acontecer, suas unhas de gavião vão ser
um benefício.
Ela ri, olhando-o e então para as próprias unhas.
— Você caçoa, mas as meninas da minha turma sentem inveja das
minhas unhas — se defende.
— Aposto que sim — Ryan sorri, me dando uma olhada e eu respiro
fundo, de novo. — Logo é sua vez, Lucy. Por favor, nada de dormir na aula
ou perde pontos.
Minha irmã ri de mim, mas eu aceno que entendi, me endireitando no
sofá e prestando atenção nos acordes. E só.
— Por onde você andou? Fica saindo agora sem dizer pra onde vai.
Devo ficar preocupado?
Foram as primeiras palavras que ouvi depois de chegar em casa.
Samuel que disse tudo aquilo e eu não tinha a melhor expressão naquele
momento, tenho certeza.
Me sentia magoado e triste. Lucy com certeza não sentiu tudo como eu
naquele dia. Ela sequer demonstrava sentir alguma coisa quando me olhava.
Era apenas um olhar, nada íntimo como naquela noite em que estivemos no
meu quarto na casa do meu irmão; apenas um olhar, comum e que ela
direcionava a todo mundo.
— Tô bem, tô bem — tiro a bolsa com o violão das costas e a deixo no
chão perto do hall. Quando levanto a cabeça, vejo meus três amigos me
olhando.
Todos na sala, com olhares curiosos. Não foi diferente há duas noites,
quando Douglas me fez várias perguntas sobre eu ter ficado na casa de
Samara. Ele ficou mais perturbado quando falei ter jantado com os da casa.
Mas não contei sobre Lucy e eu. Não poderia jamais. Os caras estão
acostumados a usar um palavreado pesado com as garotas que ficam com a
gente, e eu não sei como me sairia se ouvisse algum deles falando alguma
besteira a respeito da Lucy.
Apenas achei que seria melhor não dizer. Eu não encarei o nosso
momento, meu e dela, como algo momentâneo. Menti pra ela, tive que
mentir ao dizer que era só alívio. E isso me incomoda, mas não poderia
dizer a verdade.
De que há muito tempo não sentia algo tão completo e que me encheu
de uma satisfação, que me trouxe paz. Eu fiquei calmo. Me senti calmo. E
isso é novidade, porque sempre estou tão à toda que é perturbador.
— Por que estão largados na sala em uma sexta à noite? — quero
saber.
— E por que é que você tá com um violão vindo Deus sabe de onde?
— Nathan devolve.
— Isso é do interesse de vocês porque… — começo, mas me paro. —
Ah, não é.
Sigo para a cozinha, indo atrás de um suco ou refrigerante. Qualquer
coisa que mate a minha sede, que não é de líquido.
— Você foi até ela de novo, não é? — Sam pergunta, chegando na
cozinha logo depois.
Eu pego uma lata de refrigerante na geladeira e abro, dando um gole
antes de olhar pra ele.
Parece em um misto de preocupação com curiosidade.
— Ela quem? — banco o desentendido.
— Cara, sem essa — ele me censura. — Você tá fascinado por essa
garota. O que é que ela te fez? Ainda é sobre a foto do site, vingança,
tentativa? Hãn, o que é?
A verdade é que eu já nem me importo mais se minha foto continua no
site da Winess. Nem me lembrava mais disso, como também não passava
tanto tempo sem tentar repelir as horríveis lembranças a respeito da minha
família.
Não dá pra explicar que Lucy, ao mesmo tempo que me fez ruir,
também me reergueu. É estranho que alguém tenha esse… poder sobre
mim. A meu respeito. É como se… ela tivesse um controle e eu tivesse
descoberto isso só então.
É possível isso? Ela pode controlar como me sinto? Do que vou me
lembrar?
Nem ela tem noção disso!
— Por que você não tá enchendo a cara ou comendo alguém? —
pergunto áspero.
— Estamos cansados da semana e você saberia disso se tivesse
prestando mais atenção nos seus amigos — Samuel comunica, estranhando
meu tom. — Mas tudo que faz agora é só ficar com a cara no notebook ou
então sair atrás dessa garota.
Passo uma mão no rosto, ainda entendendo minhas próprias
descobertas sobre Lucy.
— O que fizeram durante a semana? — pergunto, indo me sentar em
uma das cadeiras da mesa.
Sam me imita, também sentando na cadeira do outro lado.
— Nathan começou a trabalhar — começa a dizer. — Ele vai substituir
o pai, que foi diagnosticado com uma doença terminal e tem somente uns
meses de vida. Ele tá odiando que tenha chegado tão rápido a hora de adiar
o inevitável.
Eu coloco a latinha de refrigerante na mesa, sendo pego de surpresa
com a notícia.
— Caramba, que difícil isso do pai.
— Aparentemente Nathan não demonstrou sentir alguma coisa, mas —
Sam gesticula —, é o pai dele. O pai que não deu muito amor, mas… Sei lá,
acho que não tem como não sentir alguma coisa com isso. Com o pai tendo
os dias de vida contados.
— É, eu também acho que não.
Meu tio Santiago discordaria de mim e de Sam, mas não disse nada
sobre isso.
Ficamos em silêncio, atordoados por essa notícia, até que Samuel
continua.
— Meu irmão vai se mudar, ele vai cuidar de uma empresa em
Washigton, que ainda vai ser inaugurada — ele expira, não muito
entusiasmado com a notícia. — Então eu meio que vou ser forçado a ficar
no lugar dele porque, você sabe, o meu pai já tá gagá. Passei a semana em
treinamento com o meu irmão.
— Caraca, e você tá legal com isso?
— Acho que não tenho outra opção — ele passa a mão na cabeça. —
Mas não vamos embora daqui, os caras e eu, isso te adianto.
Não pensei diferente, mas ao mesmo tempo me pergunto se isso
também não é um fardo que tô colocando nos ombros dos meus amigos. Eu
os chamei pra ficarem aqui e eles vieram por saber da minha situação.
E então passou pela minha cabeça se eles se sentiam presos aqui, como
um tipo de obrigação, só porque sabem pelo que passei e sabem que os
considero como meus irmãos. Isso faria com que pensassem que me apoio
neles pra não desabar? Por isso não querem ir embora daqui?
— Aí, Sam — comecei a dizer —, eu sei que a empresa do seu pai não
é perto daqui, então meio que não faz sentido que você fique morando aqui
depois que começar a trabalhar lá.
Ele balança a cabeça, como se nem tivesse considerado isso.
— Seria um problema se eu não tivesse um carro, Ryan — informa. —
Nada a ver, não vou embora.
— Não vai porque não quer ir ou porque acha que deve ficar?
Samuel me encara, então sorri de um jeito despreocupado. Eu não
botei muita fé no que ele disse depois desse sorriso, pareceu sem qualquer
convicção.
— Não vou porque gosto daqui.
Balanço a cabeça, em concordância.
— E quanto ao Douglas? Também trabalhando? — pergunto.
— Não, esse aí é vagabundo mesmo. Falando nisso, chegou a falar
com seus pais?
Estreito o olhar.
— Não, por quê?
— Eles ligaram hoje depois que eu cheguei. Um monte de vezes.
Primeiro seu pai, mais tarde sua mãe — Sam se levanta. — Pareciam muito
querer falar com você. Dá um toque pra eles se acha que não é tão tarde.
Agora vou pra cama, tô cansadão.
— Falou, boa noite — digo enquanto tô enfiando a mão no bolso da
calça pra pegar o celular.
Não tenho nenhuma chamada perdida dos meus pais, o que é bem
estranho. Então ligo pra minha mãe, sendo atendido no terceiro toque.
— Filho! — ela tem um jeito muito feliz sempre que me atende.
— Oi, mãe — pego a latinha de refrigerante na mesa e dou mais um
gole, meio que me preparando pra seja o que for. — Queria falar comigo?
— Sim, querido. Sábado é aniversário da Aurora e eu pensei se você
não queria dar um pulinho na festa, o que acha?
Acho péssimo. Nada contra a Aurora, ela é maneira e tal, mas não
quero estar tão perto dos olhares que costumam me colocar em evidência.
Vai ser tipo estragar a festa dela, porque todos vão ficar receosos só por eu
estar lá.
— Vou pensar, mãe — respondo, sem vontade. — Era só isso?
— Não — ela suspira —, também quero saber quando você vai vir me
fazer uma visita. Faz mais de um mês que não te vejo, filho. Está se
cuidando, como você está?
— Mãe… — hesito, apertando bem os olhos. Esse cuidado todo que
ela tem no falar… Cara, me faz um mal fodido! — Olha, não vou poder por
esses dias.
— Você tem algo mais importante para fazer? Me diga se está bem.
— Aham, eu tô sim — tento soar convicto. — E não vou poder
porque… — tento pensar rápido em algo aceitável. — Vou viajar pro Brasil.
Minha mãe solta um som de euforia.
— Que ótimo, filho! É perfeito! Nós vamos com você, seu pai e eu!
Ah, meu Deus! Olho para cima e balanço a cabeça.
— Escuta, mãe — respiro fundo —, não vai dar pra vocês irem.
— Por que não? — a alegria dela morre um pouco.
— Porque… — Eu confesso que não pensei, apenas falei. — Eu estou
indo com uma amiga. Só nós dois — enfatizo.
— Oh — me senti um desgraçado por ter causado tristeza na minha
mãe e tirado aquele som cabisbaixo dela, mas não daria.
Simplesmente não daria pra suportar minha mãe me tratando como se
eu fosse de vidro ao mesmo tempo que lido com tudo isso que estou
sentindo no que diz respeito a Lucy.
— Mas eu vou visitar vocês quando voltar — garanto. — Tá certo?
— Tudo bem, querido. Tudo bem… O que uma mãe pode fazer?
Esperar e apenas esperar — ela suspira profundamente. — Seu pai também
precisa falar com você. Vou dizer a ele que espere você chegar de viagem. E
tome cuidado, não esqueça de se prevenir com essa sua amiga.
Faço uma careta.
— Fala sério, mãe, não sou um adolescente e… — cuspo em uma
risada. — Com certeza não vamos ter esse tipo de contato. Vai ser uma
viagem de amigos.
— É claro que vai — ela concorda, mas sinto o sarcasmo ali no fundo.
— Eu te amo, meu filho. Muito, muito. Não se esqueça da mamãe.
Sorrio.
— Nunca, mãe — prometo. — Eu também amo a senhora.
Ela dá um risinho e desliga, e eu fiquei ali na cozinha, pensando no
que tinha acabado de fazer.
Incrível. Menti pra minha mãe e agora tenho que arrumar uma amiga
pra viajar comigo pro Brasil pra não parecer um mentiroso.
O único problema é que amigas que aceitariam esse convite eu tenho
de sobra, mas a única que penso em levar é também a única que, ao que
tudo indica, vai me dizer não.
Capítulo 23
Minha vista está quase ofuscada de tanto olhar para o monitor, então
me inclino na mesa do trabalho e enfio a mão no espaço maior debaixo,
pegando minha bolsa e então meus óculos de grau.
Coloco-os e tiro um minuto para pegar minha garrafa térmica com
café, que está perto do teclado, bebendo um gole e mais outro.
Estou cansadíssima. Fico me perguntando o quanto a vida dos
psicólogos deve ser difícil. Eles têm que lidar com pessoas mais
complicadas que apenas clientes indecisos e insatisfeitos. Não é uma coisa
ali com um prazo curto, como um trabalho, mas sim uma vida nas mãos
deles. Várias vidas. Quase a dependência dos pacientes.
Não deve ser uma profissão fácil, e por que estou pensando nisso?
Porque estou me lembrando de Ryan. Ele disse que fez um ano de terapia e
que sabe lidar com o que enfrenta, mas eu acho que não. Acho que não
mesmo.
Então eu suponho que ele não fez um tratamento por tempo suficiente.
Quero dizer, seria ótimo que ele ainda tivesse ajuda de um profissional, para
que pudesse ajudá-lo a se achar e ficar menos… elétrico e urgente.
Ele é um pessoa urgente, sem dúvidas. Parece que quer fazer tudo ao
mesmo tempo e poucas vezes pude contemplar alguma quietude e
tranquilidade nele.
Sei que já disse isso, e é justamente o que faz o lembrar do que vi
sexta, um pouco diferente. Todas aquelas expressões no rosto de Ryan.
Desentendimento, confusão, incredulidade, aflição, tristeza, e ele teve um
mar sem fim do mais absoluto nada nos olhos. Tudo em menos de um
minuto. Eu achei que ele ia entrar em parafuso.
Então, sim, me lembrar disso sabendo que a pessoa em questão sempre
lida com tudo com a mais alta energia e naquele momento pareceu não ter
nenhuma, me deixou pensativa durante todo o fim de semana. Tudo aquilo
que o atingiu, aquelas emoções todas, teve alguma consequência depois que
ele deixou minha casa?
Obviamente eu não deveria estar me importando tanto com isso, mas
acho que acaba sendo inevitável depois que você descobre o motivo das
paranoias de Ryan.
Eu inclino a cabeça para um lado e outro, alongando o pescoço. Ergo
os braços, alongando-os e também ao corpo. Tenho que parar de pensar
tanto nesse cara.
Dou uma conferida por cima da divisória, olhando se não tem um
chefe por perto e, quando vejo que não, enfio a mão na bolsa para pegar
meu celular e dar uma olhada nas mensagens.
Claro que esbarrar os olhos na foto de Ryan é tentador demais para eu
conseguir resistir, então fico olhando por uns bons segundos, seu sorriso
bonito escondendo o que seus olhos transmitem: uma falsa felicidade.
Eu passo o polegar em cima da tela, na foto dele, sentindo um tipo de
coisa estranha. É um aperto junto a um arrepio. Por que estou preocupada
com você?
Balanço a cabeça e tiro da foto, vendo minhas mensagens e a da minha
irmã está no topo da lista, enviada de alguns minutos atrás. Não entendo
bem o emoji e aperto para ver a mensagem completa.
| Julie malinha:
Espero q faça boa viagem hahaha
Acho que posso declarar e afirmar convicto que esse foi o melhor dia
da minha vida. Foi arriscado, bastante; decepcionante, no início um pouco;
mas no fim tudo não poderia ter se encaixado melhor. Indescritivelmente
melhor.
Eu mal sabia, mas nosso lance ali no restaurante estava apenas
começando.
— Não consigo me levantar — Lucy anuncia. — Eu me sinto uma
bola de cimento — ela geme tristemente, o que me faz rir.
— Quem falou pra você comer tudo de uma vez, mulher?
Ela me fuzila com os olhos, como se eu tivesse culpa.
— Você pediu tudo isso, eu achei que era só um lanche que faríamos
— ela faz uma careta quando se mexe, então simula um lamento choroso.
— Acho que é pecado comer tanto.
— Foi a feijoada — dou risada.
— Foi o quê? — ela estranha.
— A feijoada — aponto. — Essa delícia aqui que você comeu com
couve e farofa.
— Oh, céus — lamenta. — Mas foi a mais gostosa.
— Foi, sim — concordo, chamando o garçom. Peço uma água tônica
pra ela, olhando-a quando o garçom sai com um sorriso.
— Você não devia ter dito a ele o que me ocorreu — ela critica.
— Foi mal — me desculpo, acompanhando a série de caretas que se
formam em seu rosto e quase sentindo pena. — Esse é um restaurante de
culinária brasileira, depois quero te levar no restaurante da minha mãe. Lá
também servem alguns pratos assim.
— Por que você não me disse no início isso? — ela lamenta. — As
comidas do Brasil são todas assim?
— Pesadas?
— Não — balança a cabeça. — Deliciosas.
Dou um sorriso.
— São.
Lucy desvia o olhar, pensando alguma coisa sozinha.
Ela balança a cabeça para um lado e outro, me olhando então.
— Talvez não seja má ideia — murmura.
— O quê?
— Ir com você para o Brasil. Quero dizer — ela dá um suspiro que
parece exigir o triplo do esforço normal —, eu vou comer comidas assim e
sair um pouco da rotina. Vou te dizer — gesticula —, não aguento mais
ficar travada naquela mesa tantas horas dos meus dias. Acho que uma
viagem realmente pode me fazer bem.
Essa pareceu uma Lucy diferente pra mim. Quase como se tivesse
bêbada. E talvez fosse a fermentação das comidas que ela passou pra
dentro, uma atrás da outra. Mas aquilo era uma chance, ela tava cogitando,
e eu não deixei passar.
— Seria ótimo — concordo.
— Ótimo — ela concorda, levantando o olhar pro garçom que volta
com a sua água.
Agradecemos e ele sai, eu me apressando em abrir a garrafa e despejar
a água no copo que veio junto. Entrego a Lucy, que faz uma careta.
— Isso vai me ajudar? — pergunta, duvidosa. — A água não costuma
deixar a impressão de que a barriga está mais cheia?
— Essa é tônica, vai te aliviar. Pode beber, vai se sentir melhor.
Ela morde a boca, mas acaba bebendo. Depois que termina, solta um
grande suspiro de alívio.
— Só precisamos esperar alguns minutos agora — digo, olhando o
relógio.
— Obrigada, Ryan.
O agradecimento inesperado me faz levantar o olhar pra ela outra vez,
recebendo o seu sorriso. E ela não faria isso de sorrir pra mim se soubesse a
sensação que me causa.
— Não tem de quê.
— Por que você quer me levar ao Brasil? — ela quer saber, o que não
foi difícil responder.
— Foi meio que uma desculpa pra recusar o convite da minha mãe pra
ir até a casa dela. Tô com a cabeça cheia esses dias e não seria uma boa pra
mim — desvio o olhar pro lado, fingindo olhar a movimentação do
restaurante. — Eu disse que iria pra lá, então ela se ofereceu pra ir também,
junto com o meu pai. Daí acabou saindo que eu iria com uma amiga e não
daria pra eles irem junto.
— Entendi — ela ri. — Não tem nada a ver então comigo. — Tem tudo
a ver com ela. — Isso é um grande alivio, porque eu achei que você estaria
me perseguindo depois daquelas flores e do chocolate — ela expira,
aparentemente mais leve. — Já me sinto melhor, que água milagrosa.
Dou um sorriso de lado, e não estava nem um pouco preparado pras
palavras que vieram a seguir.
— Acho que já podemos ir para o aeroporto.
Capítulo 25
Fui mais calma dessa vez. Não comi como se o mundo fosse acabar
amanhã. Estou levemente cheia, mas nada como antes de vir para o Brasil,
que não consegui sequer levantar da cadeira do restaurante.
Ryan terminou primeiro que eu e ficou com a atenção nos carros e não
em mim.
Começo a bocejar e me sentir mole, um indicativo do meu sono.
— Já terminei — digo olhando a pista também, instantes depois de
acabar de comer.
— Ótimo — seu olhar vem lentamente para mim. — Podemos ir
embora e eu faço a sobremesa em casa — ele se levanta, me fazendo erguer
o olhar para focar seu rosto. Por que ele tem que ser tão rápido? — Precisa
de ajuda pra levantar?
— Não, só estou mole e consequentemente mais lenta — empurro
minha cadeira para trás e me levanto. — Obrigada por ter me trazido aqui
— acrescento. — A comida é excelente. Os gostos são incríveis.
— Por nada — ele gesticula para eu sair na frente. E eu vou, Ryan me
seguindo.
Estamos perto do seu carro logo mais e me viro para quase dar de cara
com o seu peitoral, mas ele freia antes de isso acontecer. Seus olhos se
estreitam e ele me questiona em silêncio.
— Não vi você pagando a conta — observo. — Você conhece o dono,
pode comer de graça?
— A dona — ele passa por mim e vai abrir a porta do carona, me
esperando aproximar para entrar. Antes disso, no entanto, o espero
completar a resposta. — É o restaurante da minha mãe.
— Oh — deslizo para dentro do veículo, esperando Ryan se colocar ao
meu lado, então emendo: — Pensei que o restaurante da sua mãe fosse em
Nova Iorque.
— Também. Ela tem em muitos lugares — ele liga o carro e nos tira do
meio-fio.
— Que demais. Deve ser muito bom ter acesso a restaurantes incríveis
assim.
— Se acostuma com o tempo — ele tem tanto desdém na voz.
— Você deve impressionar as garotas com quem sai — divago. —
Fazendo-as comer uma comida de primeira.
Ele ri.
— Geralmente impressiona mais que elas sejam a comida de primeira.
— Esse comentário nem me alarma — finjo desdenhar, mas sei que ele
está falando sério. Ryan leva mesmo a sério sua parte no sexo, ao que
parece. Ele é viril e fala umas coisas que parecem chocantes, mas são
ardentemente satisfatórias quando meu corpo fica quente por causa dele.
Dou um suspiro curto ao me lembrar do que tivemos hoje mais cedo na
piscina. Aquilo foi tão surreal. Eu não senti o corpo e ao mesmo tempo
senti tudo. Houve algum tipo de conexão entre nós e tudo que ele falava se
refletia diretamente no meu corpo.
O jeito que ele me olhou, me tocou, desejou. Eu nunca, nunca, me
senti tão desejada. Foi tão quente, eu relaxei tanto, como nunca antes. Foi
como se nos braços dele eu não devesse me preocupar ou sentir receio,
porque nesse sentido Ryan exala uma firmeza, uma segurança, uma
determinação tão palpável, que não há hesitação ou vestígio de retração. É
instantâneo querê-lo.
— Você não sente falta? — a pergunta dele me rapta dos pensamentos.
Eu o olho, vendo-o concentrado na pista.
— Do quê? — questiono.
— De namorar.
Balanço a cabeça.
— Não.
— Por que não?
— Você pergunta demais — resmungo. — Estou bastante cansada no
momento para pensar em me desgastar com namoro. Eu mal consigo
descansar no fim de semana.
— Achei que o namoro era justamente pra dar um alívio da rotina.
— Exige muita necessidade de presença — o imito. — Não estou a
fim de doar minhas horas livres para alguém se eu posso descansar.
Ele ri.
— Você doou pra mim — argumenta.
— Você me tirou do trabalho, Ryan — suspiro em um agradecimento
audível. — E tem me levado para comer. Você é incrível — digo sincera. —
Além do mais, isso não é um namoro, somos amigos. — Apesar de tantos
toques.
Ele inspira.
— Somos amigos? — pergunta. — Desde quando?
— Desde que você tem se tornado frequente nos meus dias — cruzo os
braços e apoio a cabeça no banco.
— Alguns chamariam de amizade colorida — dá um sorriso curto. —
Falando em amigo… — ele não se estende no meu comentário. — Qual o
seu lance com o Brad? Já se pegaram?
Quase rio.
— Não — respondo. — Brad é como um conhecido muito querido.
— Ele sabe disso?
— Acho que sim — bocejo. — Por que a pergunta?
— Curiosidade só.
— Também estou curiosa — me viro na sua direção como o cinto de
segurança permite. — O que te deixa feliz?
Ele dá um sorriso atrevido.
— Sem ser isso de coisas carnais — saliento.
— Mas eu nem disse nada — Ryan se defende.
— Pensou que eu sei.
— Sei lá. Gosto de jogar, acho.
— Você não fala com o entusiasmo de quem realmente gosta —
aponto. — Deve ter algo mais.
— Não tem — ele nega.
— Filmes?
— Alguns, de ação — dá um suspiro cansado, obviamente farto da
conversa que nem começou. — Se importa se a gente for em um lugar antes
de ir pra casa?
— Nem um pouco — bocejo, desistindo das perguntas. Serei
persistentemente inconveniente em outro momento. — Vou tirar um cochilo
até chegarmos.
Me ajeito no banco confortável e fecho os olhos, não demorando muito
para o sono me pegar.
Sou acordada pelo som de vozes. Altas e risonhas. São vozes
masculinas, o que me desperta mais rapidamente.
Logo percebo que ainda estou no carro, mas sozinha. Olhando pela
janela semi aberta ao meu lado, vejo Ryan de pé ao lado de fora,
conversando com dois caras. Parecem ter a mesma faixa etária, bonitos e de
sorrisos fáceis. Consigo ouvi-los, mas não os entendo. Estão falando em
português.
Me remexo e pisco os olhos algumas vezes, me espreguiçando um
pouco antes de levar um susto com a batida na janela, e logo depois a porta
se abre ao meu lado, Ryan colocando seu rosto próximo ao meu.
Apressado demais.
— A princesa acordou finalmente — ele sorri. — Quero te apresentar
pros meus amigos de infância, vem cá.
— Eu acabei de acordar — protesto sonolenta. — Nem me situei
ainda.
— Não tem problema, só quero que te conheçam.
Ryan segura a porta aberta e levanto a cabeça para dar uma olhada nos
seus amigos, que já estão me observando. Com uma respiração funda, desço
do veículo e dou um aceno para os caras.
— Prazer em te conhecer — o mais alto se estica e me cumprimenta
com um aperto de mão.
O segundo apenas dá um aceno curto enquanto sorri e não diz nada.
Ryan começa a dizer algo e novamente só entendo o meu nome até ele
me explicar:
— Eu disse pra eles que você é uma amiga muito querida.
Dou um sorriso.
— Engraçadinho — cruzo os braços, dando uma olhada no lugar em
que estamos. Em uma rua longa e logo percebo que mais a frente há um
tipo de bar aberto, com pessoas conversando e bebendo ao lado de fora,
uma música alta tocando.
— Eles convidaram a gente pra beber e conversar, o que você acha? —
Ryan pergunta para mim.
— Você pode ir, eu vou entrar no carro e voltar a dormir.
Ele me avalia.
— Tá cansada assim?
— Nem tanto por isso, mas eu não bebo — explico. — E essa música
que está tocando também não agrada meus ouvidos.
— A madame é muito enjoada — ele ironiza, voltando a atenção para
os amigos. Eles conversam mais um pouco e depois Ryan se despede com
abraços rápidos. Os rapazes acenam para mim em despedida e começam a
se afastar de volta ao bar. — Vamos embora.
Entramos no carro e Ryan rapidamente dá partida, nos tirando da rua e
levando para a pista.
— Onde você arruma tanto sono? — ele quer saber.
Dou uma risadinha, pigarreando em seguida.
— Achei que eu estava de folga uns dias — murmuro. — Foi só um
cochilo, aliás. Nem dormi tanto.
— Falando nisso, o seu chefe me ligou porque o seu celular não pega
aqui.
Quase cuspo de frustração.
— O que ele queria?
— Ele quer que você finalize o trabalho de um cliente específico.
Disse que é importante — sinto seu olhar voar em mim um segundo. —
Você pode usar meu notebook, sem grilagem.
Começo a massagear a testa com as pontas dos dedos, tirando a tensão
da área.
— Tudo bem — digo com um suspiro. — Deve ser coisa rápida.
Afinal, deixei quase todos os serviços prontos antes de desligar o
computador para ir me encontrar com Ryan no térreo e então sair em
viagem.
Não sei como começar isso a não ser por… agora eu sou um cara
comprometido. E não é brincadeira.
Acho que deixei meus pensamentos rolarem descontrolados quando
soltei aquilo pra Lucy. Até que ela quisesse namorar comigo? Aquilo foi
emotivo demais. Fodidamente demais. Dava pra ela ter me achado [de
novo] um filho da puta carente.
Mas não foi o que aconteceu. Ela aceitou. Ela me disse sim pra ser
minha namorada. Só que Lucy não tava muito ligada que isso não seria
simplesmente fácil.
Principalmente quando ela se convidou a dormir comigo.
E, falando muito sério, eu também não tava ligado.
Por isso é um pouco pesado, no sentido doloroso, falar do que houve
mais tarde, quando a gente foi dormir juntos no meu quarto. Tenho certeza
que, olhando ela agora dormindo tranquila do meu lado na cama, Lucy se
arrependeu de me dizer sim – apesar de não ter demonstrado.
Mas as pessoas sempre se arrependem e o lance foi que quando ela
deitou junto comigo e se agarrou no meu corpo, eu não tive escolha que não
deixar o sono me pegar, porque aquilo foi uma sensação boa demais e eu
tava feliz. Por finalmente sentir algo bom e só bom, sem contratempos.
Tava muito feliz, despreocupado [aparentemente] e… com algum outro tipo
de sentimento que eu não sei explicar.
Mas aí tudo desceu pelo ralo quando eu abri os olhos e não conseguia
mais respirar.
… a sensação de pânico me tomou outra vez.
E eu nem sabia o porquê. Eu tava bem, caralho. Tudo estava bem.
Então por que aquilo? Por que daquilo? Eu não tava desesperado. Não
tava.
Ao menos, eu achava que não.
— Meu Deus — Lucy senta na cama depois de mim, os olhos
arregalados em minha direção enquanto ela tenta entender o que tá
acontecendo. — Meu Deus…
Deve não ser fácil também ver, porque o sentir é... deixa pra lá.
Então eu levantei da cama e fechei os olhos, buscando me concentrar
e, a partir daí, foi só estranheza.
— Ryan… — sua voz vem pra perto de mim, que me ajoelhei no chão
em busca de fazer o meu corpo encontrar novamente a tarefa fácil e normal,
que é respirar.
Não sinto nada e sinto tudo. O desespero latente, a falta de ar, o meu
pedido silencioso por socorro mas que ninguém pode atender. Não pode
porque ninguém sabe como me devolver o ar e eu tenho que fazer isso.
Tenho que trabalhar sozinho nessa.
Lucy se ajoelha na minha frente, seus olhos arregalados e, caralho, era
melhor que ela tivesse ficado na cama, bem longe de mim. Porque toda essa
merda não é fácil.
Mas não dá pra pensar nisso agora enquanto trabalho pra forçar o ar a
entrar pela minha boca e ser aceito pelo meu corpo, que trava essa entrada
de algum jeito, se recusando a aceitar. Meu coração tá acelerado enquanto
toda essa merda acontece e mantenho os olhos fechados, ficando
calmo, tentando.
Vamo lá, vamo lá. É só respirar.
Parece um século pra mim, mas tenho certeza que não se passam
instantes antes de, finalmente, a respiração voltar. Ainda difícil, como se eu
tivesse levado um chute no estômago, a normalidade que vem e não vem.
Bem aos poucos, muito aos poucos, a concentração em manter os
olhos fechados e não me desesperar, faz meu coração tranquilizar e minha
respiração se tornar constante. Mesmo que ainda em rajadas profundas, mas
respirando outra vez.
Quando abro os olhos, encontro Lucy ajoelhada na minha frente, as
mãos em cima das coxas enquanto ela tem um olhar de desalento.
A saliva na minha boca, se formando abundante, indica que o corpo tá
trabalhando pra voltar ao normal.
E nenhum de nós sabe o que dizer agora. Eu não quero dizer nada, pra
falar a verdade, só tentar relaxar mais e ficar em silêncio, enquanto tento
não me remoer que essa merda que já tava ausente há algum tempo, decidiu
reaparecer justo no dia que dormi a primeira vez com a minha primeira
namorada.
É pra me foder mesmo.
— Venha — Lucy se levanta, como se nada do que acabou de
acontecer, tivesse acontecido. — Vamos voltar para a cama.
Tá bem claro pra mim que ela não sabe o que fazer também, mas já
deve ter sido barra suficiente me ver quase morrendo, então não custou me
levantar e vir com ela pra cama.
Lucy deitou primeiro e eu fiquei sentado contra a cabeceira. Ela não
perguntou, não comentou, não falou, até que o sono a levou e eu me
levantei pra pegar o notebook, onde sabia que encontraria uma calma mais
tangível quando começasse a escrever.
E realmente encontrei, mas isso não vai me ajudar a encarar o
amanhecer, quando eu tiver Lucy me olhando nos olhos outra vez.
Ryan não me tocou com as mãos desde o início do dia, isso é um fato;
mas com toda a certeza seus olhos estiveram me tocando em todos os
momentos desde que chegamos à praia e eu tirei a roupa.
Achei um pouco injusto quando peguei o protetor solar – que ele se
lembrou de comprar – e fui me virar para pedir que ele passasse em mim,
mas não o encontrei mais. Não, porque Ryan já tinha seguido sozinho para a
água, evidenciando que queria manter a distância que criou sozinho entre
nós.
E tudo bem, eu posso respeitar o seu tempo de considerar que eu
presenciei um dos momentos que mais frustram a sua cabeça. Mas ele
também precisa mesmo entender que nada entre nós mudou ou vai mudar
depois daquilo. Eu não vou mudar e também não vou a lugar algum.
Acabo ficando sozinha sobre a canga, passando o protetor em mim
mesma, me levantando para passar na bunda e pernas, e depois nas costas
como consigo.
A praia está bem cheia, mas não é algo que me incomoda. A maioria
das crianças tenta fazer castelos na areia, outras mais pequenas brincam
com as mães no seu próprio mar cavado na areia e estão muito felizes com
isso; algumas pessoas estão praticando esportes, outras apenas aproveitando
o calor e o mar.
Dou um sorriso. Seria uma manhã perfeita não fossem as
circunstâncias.
Noto, então, dois homens vindo em minha direção, atrapalhando
minha visão de um bebê em especial, que se diverte batendo as mãozinhas
na água da sua mini piscina trazida de casa.
Meu olhar se ergue para os dois caras, que chegam com sorrisos, me
fazendo estreitar os olhos.
Um deles, ergue a mão e fala alguma coisa, mas eu completamente não
entendo, embora, seja o que for, acho que o melhor a se a fazer é balançar a
cabeça negativamente.
Ele olha o acompanhante e os dois riem, então apontam minha canga.
Eu a olho, não vendo nada que não minha bolsa nova que Ryan comprou na
mesma loja em que compramos o biquíni – ele garantiu que a minha não era
adequada.
E antes que eu tenha a oportunidade de olhar os homens novamente,
eles já estão se sentando no pano estendido sobre a areia, me deixando
incrédula.
Estou me virando para gritar uma expulsão, mas Ryan me limita disso
quando se aproxima, indo diretamente aos caras e dizendo algumas palavras
que os faz se levantarem imediatamente com rostos notoriamente
preocupados e mãos erguidas como em desculpa; saindo depressa, um deles
ainda se virando para nos dar uma última olhada.
Eu olho para o meu namorado todo molhado do banho de mar, mas
não sou retribuída. Ele vai se sentar na canga, me fazendo bufar baixinho.
— Acho que agora eu vou tomar banho — aviso, me abaixando para
colocar o protetor solar dentro da bolsa antes de soltar os cabelos e começar
a caminhar em direção ao mar.
Ryan não me acompanha, como eu premedito. Não, ele me deixa ir
sozinha, o tombo na areia molhada me tirando um pouco dos pensamentos,
muito mais quando o mar me acolhe e abraça. E praticamente me leva os
pensamentos.
Acho que estamos voltando para casa, eu não sei. Ficamos a manhã
inteira na praia e agora, já à tarde, eu saí da água para dizer ao Ryan, que
estava esticado na canga, que eu precisava comer. Estou faminta. Acho que
toda essa atmosfera da praia abriu meu apetite e tirou as preocupações.
Ele não hesitou ou pensou, só levantou, me entregou minha bolsa e
depois se aproximou de mim com a canga em mãos, dando a volta até estar
nas minhas costas, então o pano envolveu minha cintura, me fazendo
arquear as sobrancelhas.
Agora eu apenas solto uns suspiros incontroláveis dentro do seu carro,
observando o movimento das ruas e pensando quão triste vou me sentir
quando nossa viagem acabar. Aliás…
— Quando vamos voltar para casa? — me viro em sua direção para
perguntar, imediatamente percebendo a burrada da pergunta. Ryan pode
entender errado, então complemento: — Pergunto porque ainda não
terminei o trabalho que meu chefe pediu.
— Depois de amanhã — sua resposta é neutra, assim como a
expressão em seu rosto, e isso me frustra!
— Estou mesmo com muita fome — escolho só dizer. — Você não?
— Não muita.
— Entendi — fico inquieta no banco por um momento, percebendo
seu olhar se voltar para mim algumas vezes, mas não dá para continuar
assim.
Quero o meu Ryan de volta, então acho por bem sugerir:
— Podíamos ver um filme depois do jantar, o que acha? — pergunto.
Ele dá um sorriso curto.
— Você ainda nem almoçou e já tá pensando na janta?
— Não, não estou — nego, porque não estou mesmo. Apenas que não
quis dizer "à noite", pois isso pode remeter ele a lembranças e… balanço a
cabeça. — É uma das melhores partes do namoro. Assistir filme juntos e —
enfatizo: — não vale dormir.
Cala a boca, Lucy!
— Acredite, eu não vou — Ryan sorri sem jeito, me deixando mal pela
minha fala errada. — Qual filme você tem em mente?
— Jogos Mortais.
Ele sorri, meneando a cabeça.
— Beleza — concorda. — Vamos dar um pulo no mercado então e
comprar pipoca.
— E chocolate! — digo.
— E chocolate, madame.
Dou um sorriso enorme porque, apesar de não ser de todo, uma
pequena parte do meu Ryan enfim reapareceu.
Depois de Lucy ter sumido pra dentro da casa da Samy, e eu ter ficado
um tempo sozinho dentro do carro considerando aquilo, decidi enfim ir pra
casa.
Não dava pra ficar me remoendo naquilo e, além do mais, eu confiava
nela. Confio na minha namorada. Não acho que ela vai dar algum tipo de
liberdade a mais pra algum cara, porque agora ela tem a mim.
Naquela hora, já tinha ficado escuro, a noite tinha começado. Eu tava
cansado e triste por ter tido pouco dias com ela, mas tentei ser positivo.
Lucy quis viajar comigo e se tornar minha namorada, afinal. Não tinha do
que eu reclamar... Exceto pelo incômodo por ver seu amigo tão perto e com
tanta mão e simpatia.
Enfim, eu segui caminho. Tava indo pra casa, mas me lembrei que
tinha dito pra minha mãe que visitaria ela depois que voltasse. Por que não
naquela hora? Eu ainda não tava paciente o suficiente pra lidar com meus 3
amigos sem noção. Isso me daria algum tempo.
Então foi isso, decidi de um último momento. Mudei de rota e rumei
pra casa dos meus pais. Mais preparado pra enxurrada do camuflar que
veria nos olhos de ambos: minha mãe com sua preocupação, meu pai com
extrema e incômoda culpa.
Cheguei, toquei a campainha e esperei. Fui recebido pela minha mãe,
que me abraçou tão forte que me fez rir. E isso pareceu estranho pra ela, que
se afastou com uma expressão curiosa e ficou me olhando com olhos
estreitos.
— A viagem foi boa assim? — ela quis saber.
— Como assim?
E pra falar a verdade, eu não devia ter perguntado. Pra que, né, cara?
Por que eu não calei a boca ali naquela hora? Por que não mudei de
assunto?
— Você está rindo assim... — minha mãe gesticula em minha direção.
— Tão à vontade, com vontade, de peito aberto. Sua amiga foi mesmo com
você?
— Ahn... — balanço a cabeça, sem jeito. — Foi, foi sim. Ela foi. Foi
divertido, a gente riu bastante. Nada demais. Coisas de amigos, sabe?
Minha mãe sorri de um jeito muito largo e pela primeira vez desde que
me lembro, e isso é muito tempo, vejo seus olhos brilharem de um jeito
feliz. Sem peso, sem obscuridade.
Minha mãe sorriu e foi pra valer.
— Então — digo quando o sorriso dela pra mim começa a me fazer
sentir culpa por não contar que, na verdade, tô namorando —, a senhora me
disse antes de eu viajar que meu pai queria conversar comigo.
— Isso, querido — ela me puxa e fecha a porta, me mantendo debaixo
do seu braço enquanto começamos a caminhar pelo corredor. — Ele está na
cozinha — recebo um beijo no rosto enquanto seguimos. — Você mudou de
perfume, filho?
Merda.
— Não — dou um sorriso. — Deve ser o da minha amiga, ficou em
mim quando a gente se abraçou em despedida.
E aquilo foi algo que me fez corroer mais um pouco. Droga, mano, eu
não tinha sequer dado um abraço na Lucy antes de ir embora. Que tipo de
namorado eu tava sendo? Aprendendo a ser... Um babaca?
— Amor, olha quem chegou! — minha mãe grita quando chegamos à
cozinha, onde meu pai tá preparando uma comida tão cheirosa que eu quase
ouço minha barriga pedir.
— Caramba, pai — me aproximo dele quando minha mãe me solta,
então dou uma olhada no fogão. Tem muita comida, umas cinco panelas
cheias. — Que isso, hein? Daqui a pouco vira chef.
Ele ri.
— Oi, filho. Muito obrigado — agradece. — Mas, você sabe, sua mãe
me ensinou tudo. A digníssima chef da família.
Concordo e digo de impulso:
— Minha amiga ia adorar se tivesse vindo. Ela ama comer.
Imediatamente calo a boca, porque sinto o olhar dos dois em mim.
— Ah, verdade? Essa sua amiga... — minha mãe é quem corta o clima
repentino da minha tensão. — Por que não nos conta mais sobre ela? Parece
que você está ficando bem próximo dela.
— Não, não — ergo os ombros, fingindo desdém. — Conhecer ela foi
meio que acaso e... — de repente começo a voltar a fita na mente.
Do dia que conheci Lucy, do desespero que fiquei quando ela me
contou sobre a minha foto no site da Winess, de como ela disse umas
verdades na minha cara sem cuidado algum e sobre como, a partir daí, eu
fui assombrado, no bom sentido, diariamente por ela na minha cabeça.
E a saudade bateu.
Forte e dolorosa, que eu tive que respirar fundo, sem meios de me
segurar que não lidar com aquilo.
— E...? — meu pai me dá um toque no ombro, me fazendo focar ele
de novo.
— E... — gesticulo. — Bom, isso que vocês sabem. A gente viajou,
ela é legal e a gente que se faz rir. Quer dizer, se faz rir. Nós fazemos um ao
outro dar risada — me atrapalho. — Ela me faz bem, pronto! Melhor assim.
O olhar da minha mãe me atrai, porque meu pai consegue ficar
concentrado na carne que está mexendo na panela, como se eu não tivesse
dito nada importante.
— Parece que faz mesmo — ela sorri, os olhos brilhando com emoção
visível. Aquilo fez algo em mim balançar.
Eu não sei, fiquei triste por minha mãe não conseguir esquecer o que
aconteceu e, naquela hora, ter mostrado um fio de algo a ver com
esperança. Mas não pra ela. Não, essa esperança era em relação a mim.
— Por que tanta comida? — mudei de assunto. — Vocês moram
sozinhos e parece que vão alimentar uma creche.
Meu pai dá risada.
— Vamos levar as comidas para as famílias necessitadas — ele
explica, a voz diminuindo de volume quando completa: — Tem muita
criança sem ter o que comer por perto, e nós podemos ajudar.
— Nossa, maneiro — me impressiono.
— Precisamos mesmo conversar, filho — emenda.
O tom sério me deixou em guarda.
Meu pai desliga o fogo pra me olhar, então segura meu ombro e me
incentiva a caminhar até uma das cadeiras da mesa.
Ele senta na minha frente, os olhos da cor dos meus se voltando pra
mim. Nunca o vi desse jeito.
A expressão um misto. Apreensão, seriedade, cautela, tristeza, e eu tive
que dar uma olhada na minha mãe que ficou sentada no banco da ilha.
Ela sorriu, ainda com a emoção nos olhos.
— Sei o quanto é difícil pra você, Ryan, mas não tem como adiar mais
— meu pai começou e, tava na cara, eu logo saquei o que seria. — Você
precisa começar a ajudar no trabalho da Winess. E — ele estendeu a mão,
como se eu fosse rebater, o que eu nem iria fazer — também voltar com as
consultas no psicólogo.
Eu esperei um pouco antes de me pronunciar. Porque a bomba
explodiu de uma vez e não deu tempo de nem sentir nada.
— E por que eu preciso? — pergunto, uma calma impressionante na
minha voz.
— Porque seu pai vai se aposentar — minha mãe responde, o que me
pega de surpresa.
— Caramba, pai — meus olhos estão alarmados. — Por quê?
— Cansaço. Já dediquei muito do meu tempo na Winess e agora confio
em deixá-la nas mãos de vocês, os meus filhos.
Dou risada, inconscientemente.
— O senhor não me leva a mal, mas essa corda não vai vir pro meu
pescoço. Eu tenho preparo nenhum!
— Você não vai começar sabendo, Ryan — ele usa um tom de voz
neutro. Continua com o peso de decisão final, mas ainda tem suavidade. —
Seu irmão vai te ajudar, você pode me pedir ajuda. A Crystal também vai
estar sempre por perto.
Balanço a cabeça em negativa, meu corpo dizendo não enquanto a
minha mente grita que SIM, é uma boa ideia.
Tô namorando agora. Com uma garota incrível, decidida
e responsável. Ela não vai querer um desocupado perto dela. Eu tenho que
compensar de algum jeito. Não posso ser traumatizado e desocupado. Os
dois seria muita coisa. É pedir pra levar um pé na bunda.
Observando agora, até que foi tranquilo. Em outro momento, eu teria
explodido com essa possibilidade. De trabalhar na Winess. Eu sempre
explodia.
Mas agora é como se tudo isso, essa memória de recordar que a
Winess foi a ponte que manteve meu irmão longe por tanto tempo enquanto
se sentia culpado; enquanto tudo acontecia em câmera lenta perto de mim,
me deixando como uma bolha prestes a estourar; é como se estivesse
sumindo. Se apagando. Ficando quase um borrão, difícil de enxergar sem
focar.
Tudo de um jeito que nem percebi, mas foi ficando pra trás, até então
não me causar aquele arrepio no estômago pelo que acabei de ouvir meu pai
dizer: vou precisar trabalhar na Winess.
— Beleza — concordo. — Quando eu começo?
— Semana que vem? — ele não se dá tempo de ficar petrificado igual
minha mãe. — Na segunda?
— Ok — aperto sua mão, retribuindo o sorriso que ele me oferece. —
Segunda, então.
E a minha vontade maior foi contar pra Lucy naquela hora. Ligar pra
ela e dizer, mas a barreira entre nós não permitiu.
Não enquanto a cena de ver seu abraço com Landon ainda tava tão
vívida na minha mente.
Capítulo 39
Quando meu expediente acaba, percebo que nunca me senti tão moída.
Minhas costas doem, meu pulso e, principalmente, minha cabeça – que
parece pesar uma tonelada.
Shirley, a honorável filha do chefe supremo, a insuportável, fez
questão de vir até mim e dizer que o pessoal dos outros setores tinha
colocado muito trabalho na rede, e que eu precisava correr contra o tempo,
já que havia acumulado serviço “só” para me dar o luxo de viajar com Ryan
Smith, sabendo que o pai dela, meu chefe, não iria impedir.
Como se eu tivesse tido culpa...
Mas tudo bem, o importante é que consegui finalizar a maioria e agora,
rumo ao ponto de ônibus, com o celular em mãos, fico dividindo o olhar
entre a rua e a tela, onde as mensagens que enviei para o meu namorado
NÃO FORAM RESPONDIDAS.
Que ódio.
Respiro fundo, tentando me convencer que ok, Ryan não sabe como
funciona o namoro. Talvez ele não tenha ideia que deixar a própria
namorada no vácuo por mais de 24 horas seja angustiante e digno de
estresse. Principalmente quando ela tem conhecimento da confusão na
cabeça dele e também fica preocupada.
Paro no ponto e sento no banquinho. Fico encarando a tela do celular,
pensando e repensando.
Ligo ou não ligo? Não vou bancar a perseguidora, mas, caramba, a
gente acabou de começar a namorar! Eu estou com saudades!
Vou ligar.
Faço a chamada e ponho o celular no ouvido, aguardando e
aguardando.
Alguns segundos nunca foram tão duradouros.
— Alô? — a voz rouca dele enfim preenche os meus ouvidos, me
fazendo soltar uma respiração funda, de puro alivio.
Meu cansaço até se dissipa um pouco e meu sorriso é tão largo que
uma garotinha no ponto de ônibus fica me encarando, provavelmente me
achando uma esquisita.
— Oi... — respondo, tímida. Ironia, né? É o meu namorado. —
Resolvi ligar já que você sumiu. Fiquei preocupada e... com saudades.
Digo a última parte quase inaudível.
— Ah — Ryan não parece o mais animado. — Não sumi, Lucy, eu só...
tava aquietando a mente antes de falar com você de novo.
Tento evitar, mas minha respiração de desagrado acaba sendo audível.
— Você não precisa evitar falar comigo ou me ver porque sua mente
está agitada. Eu vou querer te ver como for.
Ele dá um risinho e meu coração saltita no peito.
— Que que isso — ele solta. — Assim eu vou me sentir muito
desejado.
— Eu sou sua namorada, claro que te desejo — esclareço. — Muito,
aliás. Estou saindo do trabalho, posso ir te ver?
Quando eu cheguei nesse nível? De saudade que desespera.
— Claro, pode — Ryan responde depressa, para o meu alívio. Se
houvesse hesitação, seria motivo de repensar o nosso namoro. — Quer que
eu vá te buscar? Onde você tá?
— Eu vou de ônibus. Esperar você vai demorar mais e eu estou com
saudades.
— Nossa — ele ri. — Tudo bem, mas toma cuidado.
— Vou tomar.
— Quer que eu te espere pelado na cama?
Dou risada.
— Para — me levanto do banco quando o ônibus chega. Não seria má
ideia... — Até já.
Desligo o celular com um sorriso na boca. Mais leve, mais feliz e, sem
dúvidas, nem um pouco cansada.
3 MESES DEPOIS
Tentei mais de dez vezes. Acho que tentei umas vinte, ou mais. Mas
Lucy não me atendeu. Ela nem me mandou uma mensagem mais tarde,
quando provavelmente viu as chamadas perdidas. Então eu mandei. Não
devia estar tudo bem com ela. Só que ela também não respondeu.
E eu não tive escolha. Falei com o meu irmão que precisava sair mais
cedo, porque provavelmente minha namorada não estava bem e eu tava
preocupado.
Vi na cara do Pedro o quanto ele pareceu em dúvida sobre me liberar, e
aquilo não foi fácil pra mim, que não tô acostumado com alguém limitando
os meus passos.
Era muito coisa. Eu tinha dado o braço a torcer por uma chance com a
Lucy. Pelo novo que eu tava experimentando com o nosso relacionamento.
Infelizmente, aquilo era muita coisa.
Na teoria, eu tava administrando tudo muito bem. Meu irmão tava
feliz, meus pais estavam felizes, mas eu... Meio feliz.
Essa metade de felicidade, inclusive, só por saber que eu tinha Lucy.
Ela era um porto seguro no meio daquilo tudo, e me dava esperança. De que
tudo ia se ajeitar, em alguma hora – eu esperava.
No fim, Pedro acabou permitindo. Só hoje, ele destacou. Então eu saí,
peguei meu carro e fui pra casa da Lucy.
Não sei se foi uma boa ideia. Acho que eu devia ter ficado na minha e
esperado o tempo trabalhar. Mas também acho que já fiz muito isso, e não
deu muito certo. Então por que não tentar agir diferente um pouco?
Meu sorriso agora só escreve o óbvio: que babaca.
A irmã de Lucy me recebeu na porta.
— Oi, cunhado — o sorriso dela me tirou outro. — Se você veio ver
minha irmã, se prepara. Ela está cheia de mau humor — Julie se inclina e
cochicha: — Deve ser TPM.
Aceno com a cabeça antes de entrar na sala.
— Valeu pelo aviso. Onde ela tá?
— Na cozinha — Julie aponta.
Vou na direção do cômodo, encontrando-a. Tá de costas pra entrada,
preparando uma salada numa tigela.
Se é mau humor, eu posso resolver; se é TPM, é melhor eu não me
aproximar.
— Oi, madame — digo, me apoiando no batente da porta e esperando
Lucy me olhar.
Eu esperei isso, só que não aconteceu.
— Tá fazendo o que aí? — pergunto.
Lucy ainda fica me deixando de molho e me fazendo invisível por um
tempo, até que se vira, o rosto fechado. Seus olhos esbarram nos meus, mas
não grudam. Eu não vejo o olhar que costumo receber. Seus olhos não
brilharam, o sorriso não se abriu na boca dela e Lucy não veio saltitante
me abraçar e me apertar, como fazia em todas as vezes.
— O que aconteceu? — me aproximo, as sobrancelhas arqueadas.
Tinha algo estranho. Eu tava sabendo disso desde cedo.
— Para, não se aproxima — ela estende a mão, me fazendo parar
imediatamente. — Não sei como te dizer isso, Ryan, mas preciso ser
honesta.
Meu coração acelerou naquela hora. E agora, também.
Não era coisa boa. Nada boa.
Eu devia ter ido embora, porque a lembrança das palavras que se
seguiram, nunca vai me deixar.
— Eu me peguei pensando sobre o nosso namoro e... — ela respira
fundo, o olhar vagando a cozinha. — Acho que não está dando certo.
— O que não tá dando certo? — Eu fui bem idiota perguntando isso.
Mas fiquei desnorteado. Muito desnorteado e sem entender direito.
Eu não quis acreditar que aquilo tava acontecendo, na real.
— A gente. Nós dois — Lucy responde, na tranquilidade. Ela balança
a cabeça, se apoiando na pedra da pia atrás de si. — Não estamos quase nos
vendo, nos falamos muito pouco, e acho que... — se corrige: — Acho não,
tenho certeza, que isso está acabando com a nossa intimidade e esfriando
nosso sentimento.
— Pera — peço. Não tinha entendido direito. Ainda não entendo. —
Você tá... Tá me dando o fora? Terminando nosso relacionamento?
Seus ombros se elevam e baixam, então seus olhos assim me
encontram.
— Estou.
A resposta foi fria e, cara, eu não sei. Eu tava alheio naquilo tudo.
— Você tá terminando comigo? — pergunto de novo, as palavras
sendo estranhas na minha boca.
— Sim, é isso, Ryan — ela fala, irritada. — Terminando com você,
com o namoro, com tudo.
Eu fico olhando pra ela, não em choque, mas... não sei explicar qual
foi o sentimento que eu tive naquela hora.
— Mas por quê? — insisti. — Você sabe, eu aceitei o trabalho na
Winess em busca de ser um cara melhor. Tudo isso porque você chegou na
minha vida, e então você acha legal terminar, assim, do nada?
— Não é do nada — ela volta a se virar.
— Pelo menos olha pra mim — minha voz saiu áspera. Não fui rude,
só não ia conseguir falar com clareza se fosse mais baixo. — Olha pra mim
porque é o mínimo que você pode fazer ao terminar comigo do nada — me
aproximei dela.
Lucy obedece, e a expressão no seu rosto não me dizendo nada. Ela
fica quieta.
— O que você sentia por mim se esfriou, é isso que você tá me
dizendo, né? — pergunto. — Esfriou e agora você vai me jogar pra lá?
— Para de drama — ela gesticula, em completo desdém. — Não estou
te jogando para lá. Até parece que vai ser difícil para você não me ter mais
na sua vida. Você vai achar um alívio.
— É isso mesmo que você pensa? É sério? — retrocedi um passo, em
descrença. — Mano, a Lucy que foi minha namorada, cadê ela? Era uma
máscara sua? Caramba, pra quê? A custo de quê?
Ela engole em seco, mas balança a cabeça.
— Eu sou a mesma Lucy, mas não sinto mais o mesmo por você, só
isso — admite.
Isso doeu. Ainda tá doendo.
Eu tentei não errar, e, de novo, tinha errado. Eu resguardei as noites
mal dormidas do seu saber, eu segurei tudo pra mim, temendo que ela fosse
embora se soubesse, que se afastasse e, olha isso... Ela se afastou do mesmo
jeito! Que babaca eu fui!
— Entendi — digo com a boca seca. Fiquei sem ação. Era uma carta
final. — E se eu não tivesse vindo até você, teria me deixado, tipo, sem nem
avisar?
— Eu ia avisar no domingo — ela responde depressa. — Estava me
preparando para... te dizer.
As últimas palavras, meio tropeçadas, me fizeram lembrar da Lucy que
eu tive por namorada até aquele dia. E doeu mais um pouco.
— Eu não sei o que dizer — gesticulo. — Achei que estava
aprendendo bem e que estávamos bem...
— Você não fez nada de errado — ela dá um passo à frente, mostrando
um desespero tão rápido que a própria Lucy estranha, se recompondo: —
Não foi culpa sua, não é culpa sua. É minha. Eu que não sinto mais o
mesmo. Não tem a ver com você, Ryan.
— E como teria, né? — dou um riso sem graça. — Eu sou só o
namorado. Ou ex.
Lucy fica em silêncio, e eu diria que ela tá desconfortável.
Mas também tinha acabado de descobrir que não conhecia bem a Lucy
que tinha estado ao meu lado naqueles meses. Pensei que ela estava feliz e,
otário, ela tava fingindo muito bem.
— Você ficou com alguém enquanto estávamos juntos? — questiono.
— Quando se esfriou o que você sentia por mim.
Seus olhos se arregalam brevemente.
— Não — despeja. — Claro que não, Ryan.
— Não tô duvidando da sua fidelidade, só... — olho pro chão. — Só
queria ter certeza.
Ela poderia ter ficado com o Landon, ou o cara do trabalho, que
sempre tá com ela nos almoços, ou até mesmo nas festas que vai quando sai
com a amiga...
— Então eu acho que isso é uma despedida — as palavras dela me
atingem como vidro cortante. Como uma lâmina afiada.
Olho pra Lucy de novo, sentindo meu coração rasgar.
— Isso é tudo então? — devolvo. — “Meu sentimento esfriou, adeus”?
Ela balança a cabeça afirmativamente.
— Isso é tudo — assente. — Você pode ir embora e... — desvia o
olhar. — Não voltar mais. Por favor.
— Uau — dou risada. — Esfriou tanto a ponto de exigir um por favor
— vou caminhando para trás. — Entendi, madame. Pode ficar tranquila,
não vou encher seu saco e nem ocupar mais o seu tempo.
Me viro, sentindo ainda algo dentro de mim rasgando e pesando.
Doendo.
Porra, pra que tanto assim?
— Adeus, Lucy — eu disse antes de sair, porque precisava que ela
soubesse que, fosse como fosse que tava terminado... — Eu amei te ter na
minha vida.
Então eu vim pra casa e fiquei sentado, sozinho, em um dos sofás da
sala de estar. Não sei por quanto tempo, eu não tive essa noção. Não tive
noção de nada desde que olhei Lucy pela última vez.
— Ryan? — a voz de Samuel me faz olhar pro lado, onde ele tá de pé,
segurando o paletó no braço. — Você tá bem, cara?
Demorei a responder.
As pessoas ao meu redor tinham tesão em me perguntar isso.
— Tô.
— Chegou mais cedo hoje? — ele adentra a sala e se senta no sofá do
outro lado, colocando o paletó no braço do assento antes de prestar atenção
em mim. — Seu irmão decidiu pegar mais leve? — sorri.
— Não — tô olhando pra ele, mas não enxergando-o. — Minha
namorada terminou comigo.
Meu amigo desfaz o sorriso, me encarando por uns segundos antes de
erguer as sobrancelhas e desviar o olhar.
Ele se inclina pra frente, colocando os cotovelos sobre os joelhos, e
esfrega as mãos uma na outra antes de voltar a me olhar.
— Acho que essa é a hora que eu tenho que dizer: sinto muito, cara.
Balanço a cabeça. Me sinto sem emoção alguma.
— Também sinto muito — digo.
Ficamos em silêncio. Não me sinto estranho em estar estranho perto do
meu melhor amigo. Samuel é, na verdade, como um irmão de outra família.
Já me viu, e vê, nos piores momentos e nunca largou mão de mim, nunca
perdeu a paciência ou me subestimou. Ele cuida de mim quando é preciso, e
não é estranho admitir. Cuida mesmo, mais que um familiar distante faria.
— Você tá muito pegado com isso? — ele pergunta.
Maneio a cabeça, dando um sorriso de canto.
— Não sei o que é isso que tô sentindo, pra te falar a verdade —
desabafo. — Nunca senti antes.
— É pior que... — ele pigarreia. — Pior do que o que você sente à
noite?
Encaro-o, considerando.
— É.
Samuel fica imediatamente surpreso.
— Como assim pior? — questiona, agora com incredulidade. — Não
tem como ser pior, cara!
— Eu sei o que sinto à noite. É desespero, impotência e descontrole.
Aqui, agora — balanço a cabeça —, eu não sei o que é, mas tá me
rasgando. Tá doendo. E ninguém pode me ajudar, eu não posso me ajudar
nessa porque é algo que nunca senti.
Ele me estuda antes de desviar o olhar.
— Não sei como foi que esfriou o que ela sentia por mim — confesso.
— Pensei que tudo tava bem. Eu pretendia superar os... — gesticulo. — O
que acontece comigo antes que eu pudesse convidar ela pra morar comigo.
Samuel me olha de novo, agora de olhos arregalados.
— Você ia chamar ela pra morar aqui, com você? — pergunta,
estupefato.
— Não aqui. Eu ia comprar uma casa nova, pra ter mais momentos
novos com ela — respondo, me sentindo um pouco mais idiota.
— Caramba, Ryan, mas você não pensou que ela causou isso? — ele
gesticula em minha direção, me fazendo estreitar os olhos. — Ela te trouxe
isso de novo. Você não tinha problemas no sono há anos e de repente essa
Lucy se aproximou e te fez um mal do caralho.
— Nunca foi culpa dela — esclareço. — Ela tava me ajudando a
limpar a mente.
— A foder mais a mente, você quer dizer — ele ri, descrente. —
Talvez seja melhor pra você que ela se afaste.
— Do que você tá falando?
— De você parar de ter que ver essa garota. Isso vai te fazer bem. Ela
te deixa, sei lá, de um jeito estranho. Você fica diferente, fica...
— Tentando ser melhor — completo, estranhando que Samuel de
repente tenha começado a parecer exasperado ao falar de Lucy. — Eu tento
ser melhor por causa dela, e isso não me parece um problema.
— Diz isso pra sua cabeça — ele ri, mas não achou graça. — Você
acha o quê? Que, opa, isso é legal. Minha namorada me faz ter uns
problemas que não tenho há anos, mas é só porque me faz ser um cara
melhor — caçoa. — Não fode, Ryan. Você tá cego por essa garota e não
consegue ver o quanto ela te prejudica.
Samuel se levanta, pegando o terno do braço do sofá antes de olhar pra
mim outra vez e completar:
— E se eu fosse você, começava as consultas com o psicólogo como
seu pai te pediu. Não fica esperando o milagre cair do céu, porque o céu só
faz o que não tá ao teu alcance.
Samuel saiu da sala e eu não o vi mais até vir pro meu quarto.
Não consegui pensar direito em tudo que ele me disse, apesar de ter
guardado todas as palavras – até mais do que gostaria.
Mas acho que vou ter tempo pra pensar nisso mais tarde, porque agora
só quero...
Ficar quieto e não pensar.
Como o segundo desejo é impossível, eu vou só me calar e deixar
meus pensamentos conversarem comigo.
E isso não me faz um louco, só desamparado.
Deixado pelo meu amparo.
Capítulo 43
BÔNUS – Pedro
Já perdi.
A conta dos dias, do tempo sem ela, e também da vontade de relatar
meus dias.
Qual vai ser o sentido de pegar o notebook e escrever, repetidamente,
que eu me sinto um idiota vazio?
Não tem um motivo agora. Não tem um porquê como antes. Tudo
passou a ser embaraço.
Fecho o bloco de notas do celular assim que a presença do meu irmão
toma a minha sala. Ele fica no batente por um tempo, só me encarando.
— Ainda não terminei de avaliar os nomes que chegaram pros novos
vinhos — digo sem entusiasmo. Mas não é de propósito, é só que... sei lá.
— Podemos conversar?
A pergunta me faz soltar um suspiro que diz em tudo o quanto tô
cansado e que não, não quero conversar.
— É sobre a Winess?
— Não — Pedro termina de entrar e fecha a porta, vindo se sentar na
cadeira em frente minha mesa.
Apesar de eu ainda não ter me acostumado que me puseram em uma
sala própria, com responsabilidades verdadeiras, tô conseguindo levar tudo
na tranquilidade.
— O que foi? — quero saber.
Meu irmão me olha de um jeito que não gosto.
— Tenho percebido você diferente — ele responde, os olhos
avaliativos. — Tem alguma coisa, não sei, te deixando pra baixo?
— Minha namorada terminou comigo — respondo com um sorriso
irônico.
Isso faz meu irmão desviar os olhos um momento.
Deve ser surpresa, mas, a essa altura, eu não me importo mais.
Nada tá fazendo sentido mesmo, então que se dane.
— Não achei que você realmente tivesse uma namorada — evidencia.
— Eu tinha.
— Por que não contou pra gente?
— Porque vocês me deixam desconfortável — bufo, sem saco pra isso.
Não quero ficar pensando no que poderia ter sido se...
Sei lá, de repente Lucy ainda estivesse comigo se eu fosse um cara que
agisse normal. Que tivesse levado ela pra conhecer meus pais, minha
família, e tê-la deixado se sentir mais próxima, como provavelmente um
cara normal faria. Como possivelmente Landon faria.
Mas eu fiz isso? Não. Não fiz. Não consegui, porque não dava pra
levar ela pra conhecer minha família porque nem eu queria vê-los. Não até
me recuperar dos “sonhos da noite”.
Pedro ainda tá sem palavras quando desvio o olhar.
Não tenho visto sentido em nada desde que deixei Lucy. Desde que a
vi pela última vez. Tudo tem sido uma merda e cada dia parece ter mil
horas.
— Então... — meu irmão pigarreia. — Essa sua cara é só por ter
terminado o namoro?
— Não é “só”. Isso não é só — esclareço. — A pessoa que fazia a
minha vida medíocre ter algum brilho, simplesmente terminou comigo. E
por quê? Porque não estávamos nos vendo com frequência. E por que não
estávamos nos vendo tanto? Porque vim trabalhar aqui. E o que trabalhar
aqui me trouxe, além de pesadelos diários? Um namoro levado ao fim!
Então não é só, Pedro, porque foi a minha vida voltando à estaca zero e o
motivo da minha força indo embora!
— Pesadelos diários? — ele pergunta. Parece ter ouvido só essa parte e
ignorado o restante.
Falei demais sem querer. O descontrole emocional sempre me leva a
isso, mas não dá pra voltar atrás agora e, sabendo disso, meneio a cabeça,
afirmando:
— Sim, Pedro, pesadelos diários.
— Você quer dizer o que com isso?
— Que eu não consigo ter paz à noite — bufo, passando uma mão no
rosto e deixando meus olhos focarem a superfície da mesa. — Eu demoro a
dormir e, quando consigo, aquilo que você já sabe acontece.
— Achei que estava encarando bem trabalhar aqui. Por que é que não
disse nada?
Volto a olhar pra ele.
— Não era relevante. Eu tinha a Lucy e ela me dava alguma esperança
de recuperação total.
Dou risada das minhas próprias palavras. Que idiota eu fui, não canso
de me lembrar.
— Então isso — ele faz gestos com a mão — voltou por causa da
Winess? Desde que veio trabalhar aqui?
Balanço a cabeça.
— Não sei te responder. Pra te falar a verdade, não tenho nem pensado
nisso aqui ultimamente. Só nela.
— Falou isso com o seu terapeuta?
Reviro os olhos.
— Odeio terapia. Odeio contar o que me faz sofrer e ter que me
corroer por isso mais um pouco falando em voz alta — admito com ruído.
— Então não, não falei porque nem na terapia eu vou. Só fui nas duas
primeiras semanas.
— Certo — meu irmão diz apenas. Ele não me julga ou me solta um
esporro, como provavelmente meus pais fariam. Ele não insiste, só me ouve
e entende. Não acho que entenda tudo, mas tenta entender pelo menos. —
Mas você pode conversar comigo — se oferece, apontando pra si mesmo.
— Não ficar remoendo, mas conversando. Eu entendo de mulheres — dá
um sorriso.
— Não tenho mais o que falar sobre ela. Não me anima mais, me deixa
na fossa.
Pedro considera, em silêncio.
— Entendo.
Não acho que entende. Pra isso, pra chegar pelo menos perto de
entender, ele teria que entender o que eu sentia antes e o que passei a sentir
depois da Lucy. E isso só aconteceria se ele conseguisse ler dentro de mim
ou... os meus relatos.
Mas isso tá fora de questão. Ninguém vai ler aquela merda. É
vergonhoso e destaca que não passo de um cara revestido de tanta neurose
que, meu Deus, bem capaz de não me obrigarem a fazer terapia, e sim
levarem direto pro manicômio.
Se Lucy pelo menos sonha que eu tenho tanta coisa dentro da cabeça...
Putz, ela ao menos teria se aproximado. Iria me achar louco de verdade.
Nós não teríamos namorado e não teríamos vivido nada do que vivemos e...
Fora de cogitação! Eu me sinto péssimo em ao menos pensar em ser
descoberto tão intimamente.
Porque é isso que são meus relatos: meu íntimo. Minhas dores,
fraquezas, medos, tempestades e caos.
Não. Jamais alguém pode ler aquilo. Seria como me desnudar e entrar
na minha mente, e essa permissão eu não concedo a ninguém.
Preciso calar os pensamentos.
Essa merda de pensar nunca me levou a nada que não frustração.
— Você quer tirar uns dias de folga? — meu irmão pergunta.
— Não — sou taxativo. — Ficar em casa de bobeira seria pior. Prefiro
vir pra cá e ficar me desafiando todo dia. Uma hora minha cabeça vai
entender que, não importa o que eu faça, a Winess existe e as consequências
do passado, também. Não adianta só me esconder, a realidade precisa ser
encarada.
Pedro arqueia as sobrancelhas, como em surpresa. Mas não se deixa
nessa por muito tempo, porque logo pergunta:
— Você não pretende falar com a Lucy mais uma vez?
Estranho a receptividade com que ele pronuncia o nome dela.
— Por que eu faria isso?
— Por estar sofrendo.
Dou risada.
— Ela não liga, pode acreditar.
— Olha, Ryan — meu irmão se inclina, pra falar mais perto de mim,
me olhando nos olhos: —, eu conheço o suficiente de mulheres pra te
afirmar que elas não perdem o sentimento por um cara que está se
esforçando.
— O que isso quer dizer?
Ele aponta na minha direção, como se fosse algo óbvio.
— Você mesmo acabou de dizer: veio trabalhar aqui. E isso depois do
namoro, o que significa que ela te deu um propósito na vida — vai falando.
— Mulheres adoram isso, que os caras demonstrem melhorar,
principalmente se tiverem parte nisso. Não acho que Lucy realmente tenha
deixado os sentimentos por você de lado por causa do que você falou. Acho
que vale a tentativa de uma nova conversa.
Meu irmão não me espera debater com ele quando já se levanta e sai
da minha sala.
Mas eu acho que não. Lucy não agiu estranho.
Seu jeito normal é mesmo a indiferença. Estranho ela agiu depois que
começamos a namorar. Era incomum no seu normal.
Mas eu me amarrava. Adorava de verdade.
Eu amava.
E agora fui deixado... pra me virar com isso sozinho.
Eu tinha que tentar, não dava pra continuar como tava. Numa fossa, me
sentindo mastigado e diminuindo a cada dia.
Só não… não poderia continuar.
Então, que se dane. Eu precisava fazer alguma coisa. E é exatamente
disso que tô me convencendo enquanto aguardo o elevador me levar pro
andar em que Lucy trabalha.
Não daria pra esperar até a hora de eu sair do trabalho, ou ela. O
desespero poderia me matar até lá. A saudade. A vontade de vê-la
e entender.
Apesar de eu achar ter entendido, o que Pedro me falou ficou ecoando
na minha mente por algumas horas, até depois que eu subi pro meu quarto.
Mas foi doloroso pensar que poderia haver outra razão.
Foi tão doloroso que eu não consegui suportar meus pensamentos
gritando. Tive que pegar o carro e recorrer a um médico, que me receitou
um remédio que não demorou a fazer seu efeito. Na verdade, ele passou
dois. Mas eu só tomei um. Afinal, eu tava com o meu coração acelerado, só
que por um motivo diferente do que ele acreditou ser.
O lance é que eu dormi. Mais que a cama. Perdi o horário de chegar no
trabalho e mandei uma mensagem pro meu irmão explicando. Falei do
remédio que tinha me colocado pra dormir. Sem pesadelos, eu destaquei.
Ele disse não ter problema e tentou esconder o tom de euforia – mas eu
percebi –, então disse que eu poderia chegar mais tarde.
Exatamente por isso decidi que era a melhor pedida. Ver Lucy antes de
ir trabalhar e, bom, desistir de vez. Me entregar a dor de ter fracassado no
meu primeiro namoro e com a primeira garota por quem me apaixonei.
Apaixonei… Essa palavra ainda é totalmente estranha pra mim e é a
primeira vez que penso nela de fato.
As portas do elevador se abrem, me fazendo sair. Acho que minhas
pernas se mexem sozinhas nessa, porque eu tô tão sei lá, ansioso, que me
sinto todo duro.
O burburinho de vozes no andar, me deixa incomodado, e meus olhos
começam a vasculhar a procura dela. Tento me lembrar onde ela se senta
pra trabalhar, mas são divisórias altas que não me permitem ver muito do
lugar onde tô.
Começo a andar pra perto das portas de vidro ao lado direito, onde dá
pra enxergar melhor todo mundo. Me sinto ansioso demais e a maneira
como meu coração acelera de um jeito louco, me diz isso.
Ansiedade de ver ela, mas também ansiedade pelo se. Se ela me
mandar embora de novo... Vai ser barra. Vai ser muito barra.
Eu paro de caminhar quando vejo o tal amigo dela. Lembro da cara
dele. Ele tava com a Lucy na boate, no início de tudo. Mas logo minha
atenção é tirada dele e se dirige pros cabelos claros, mais ao lado, e os
braços que se esticam pro alto. Lucy.
Me aproximando mais das mesas distribuídas, ainda assim alguns bons
metros dela, percebo que não vou conseguir encurtar a distância além disso.
Caminhos estreitos e divisórias não vão me permitir.
Então eu grito o nome dela. Preciso fazer isso. Eu a chamo mesmo,
com vontade e saudade. Pedindo implicitamente que ela me veja mais uma
vez.
E ela vira a cabeça na direção da minha voz, alarmada com os olhos
muito abertos. Nossos olhares se cruzam e se mantêm assim, ligados um no
outro até eu perceber que tô sendo observado por uma plateia.
Eu não me importo, quero que se danem todos, porque eles não
entendem. Não entendem. Ninguém entende.
E não tem problema. Não preciso que ninguém, além da minha Lucy,
entenda o que sinto.
Mas, de toda forma, o burburinho ao redor, cessou. O silêncio é
notório e, quando Lucy se levanta, tropeçando na cadeira, antes de começar
a caminhar depressa em minha direção, quase se atrapalhando muito no
caminho estreito entre as divisórias, eu me sinto aliviado. Afinal, ela tá
vindo pra mim.
— Ryan? — seus olhos estão mesmo em choque quando me encontra.
Ela está cheia de olheiras e só posso imaginar que é por causa das noites
que não dorme, provavelmente por estar aproveitando que tá solteira de
novo. — O que está fazendo aqui?
Meu peito se encher de ar antes de eu soltá-lo pela boca, minhas mãos
coçando pra tocar nela. No seu rosto. Meus lábios ansiosos, chorando
invisivelmente de saudade.
Ah, Lucy… que merda você fez comigo?
— Precisava te ver — confesso, a voz firme. Não me importo se vão
me ouvir. — E…
Os olhos dela estão fixos em mim, me deixando pequeno. Eu não sei
explicar. É uma sensação dilacerante, de expectativa e confusão.
Muita confusão, principalmente porque eu não vejo o olhar que ela
costumava me olhar. Eles não brilham. O amarelado dos seus olhos não
brilham. Está uma sombra. Isso me dói.
Balanço a cabeça, desistindo de tentar fazê-la entender com apenas as
palavras da minha boca, que provavelmente vão sair desesperadas, ou nem
vão sair.
Tô nessa mesmo quando enfio a mão no bolso da calça e pego meu
celular. Me sinto esquisito. E isso é irônico, porque, nossa, é a Lucy. É ela.
Então… por que me sinto assim?
— Ryan… — ela sussurra baixinho, me fazendo engolir em seco antes
de abrir o bloco de notas do celular.
E eu começo a ler em voz alta. Não sei, sinto que preciso explanar. É
como se fazer isso pra todo mundo ouvir fosse, de algum jeito, tirar essa dor
de dentro de mim. Não é explicável. Não é.
— Antes de você, eu não sabia o que era amar — olho em seus olhos
antes de continuar: — Ninguém me fez delirar de paixão. Que caos que isso
tá sendo, porque ficar meus dias sem você não é sendo moleza, não.
Envergonhado, levanto a cabeça. Lucy tem os olhos marejados e
segura o cantinho do lábio inferior entre os dentes.
— Escrevi como tava me sentindo. Sou melhor escrevendo, eu acho.
Gosto de escrever — explico, sem jeito.
— Eu sei — ela sussurra. — Ficou lindo.
Abro um sorriso, mas de repente meus olhos se estreitam pra ela.
— Você sabe?
— Sei — Lucy afirma, ainda falando baixinho.
— Como? — estranho a informação. Como ela pode saber se nunca
contei pra ninguém, exceto pros meus amigos?
Ela tem um momento de hesitação, seu olhar desviando pra olhar ao
redor antes de voltar pra mim de novo.
— Eu... — Lucy pigarreia. — Eu acabei descobrindo sem querer. Na
nossa viagem. Foi sem querer. Eu... Quando você me emprestou o notebook
pra trabalhar — ela gesticula brandamente — acabei esbarrando os olhos
no... sabe, no que você escreveu.
Meus relatos.
Dou um passo pra trás. É uma reação inconsciente e também
instantânea.
— Você o quê? — pergunto.
Eu tô cheio de confusão e incredulidade e parece que... eu não sei, é
putamente desconfortável.
— Eu não contei antes porque... — Lucy dá um passo a frente, mas
ergo uma mão, dizendo em silêncio pra que ela não faça isso. Que não se
aproxime, porque... Porra.
— Quando você leu? — quero saber. — Foi antes do namoro?
Ela engole em seco, meneando a cabeça em um “sim”.
Isso dói mais um pouco, como se tudo, enfim, tivesse fazendo sentido.
Como se a facilidade que ela teve em terminar comigo fosse explicada.
— Em que parte antes? — pressiono, como se já não tivesse doendo o
suficiente.
Lucy balança a cabeça. Parece desorientada.
Ela se nega a dizer.
— Eu só quero saber — digo com um sorriso.
— Ryan, eu só não contei porque...
— Quando foi, Lucy? — insisto. — Fala pra mim quando foi que você
leu.
Ela baixa o olhar um instante antes de erguê-lo de volta pra mim.
— Antes da nossa... — toma fôlego — da nossa primeira vez.
Minha risada é instantânea.
— Puta merda.
— Não, Ryan, me escuta, eu não contei porque...
— Porque não quis — dou mais um passo pra trás, agora desnorteado.
— Não contou porque não quis, Lucy.
— Não, Ryan... — ela balança a cabeça, olhos cheios de lágrimas. —
Não contei porque não era o momento.
— O momento? — questiono, incrédulo. — O momento, Lucy? Como
esse momento que tô sendo um panaca — gesticulo a nossa plateia da
equipe de seu trabalho — recitando sobre algo que você me fez sentir, mas
que nunca foi real? Nunca foi porque você não... Droga, você fez de
propósito. Me quis... por pena. Você me enganou.
— Mentira — ela engasga, negando com a cabeça. — Mentira. Eu
sinto tudo, eu senti tudo. Você não pode dizer isso, Ryan. Não depois de
tudo. Não é justo achar que eu te enganei.
— Depois de tudo você quer dizer todo o seu fingimento por pena? —
dou risada, o silêncio ao redor me deixando mais puto. — E, tá de
sacanagem, não é justo? Como você tem coragem de... — rio incrédulo,
passando uma mão no cabelo. — Porra, Lucy! Não, cara... Não você. Por
quê?
— Você não está me ouvindo — ela tenta se aproximar, mas estendo a
mão, parando-a.
— Eu não tenho mais nada pra ouvir — esclareço. — Acho que já ouvi
o suficiente pra me foder mais.
— Ryan, por favor, você precisa me ouvir...
— Eu não tenho nada — grunho, cheio de dor. — Me esquece, Lucy.
Saio andando de volta ao elevador, ouvindo o soluço dela ficando pra
trás e, ao mesmo tempo, não ouvindo nada porque tudo parece ser
simplesmente isso de repente: nada.
Capítulo 47
Fecho a porta num baque assim que entro em casa. Isso chama a
atenção dos meus amigos, que estão comendo pizza na sala. Douglas tá
junto, mas, a essa altura, eu não tô nem aí.
— Boa noite, Ryan — Sam é o que me cumprimenta, me fazendo só
acenar com a cabeça. — Quer pizza? Acabou de chegar, tá quente ainda.
Balanço a cabeça em negação e saio caminhando em destino a
cozinha.
Abro a geladeira em busca de uma bebida, mas quando vejo as
latinhas, me lembro que vou tomar outro daquele remédio. Eu vou, tenho
que dormir. Não vou ficar sendo massacrado pela ideia de que… nada
aconteceu de verdade.
— Tá tudo bem? — a voz de Samuel me faz fechar a geladeira, e vou
até os armários, ver o que tem pra comer.
— Tá — respondo, pegando um saco de pão de fôrma antes de ir
procurar pela pasta de amendoim e a geleia.
— Ultimamente, você parece andar puto até com o vento.
— Cansado do trabalho.
Sam ri, mas eu não olho pra ele. Não preciso de mais risadas de
zombaria além das que eu já tô dando de mim mesmo.
— Acho que você pensou no que eu disse ontem, né? Percebeu que
tenho razão — meu amigo se apoia na bancada. — Nem teve crise à noite.
E só tô afirmando isso porque dei uma passada no seu quarto pra ter certeza
se você tava dormindo.
Passo geleia e depois pasta no pão, fecho com outro e dou a primeira
mordida antes de ir atrás do mixer pra bater duas bananas com gelo e
morango.
— Fui ao médico — explico. — Ele me passou um remédio pra
apagar, não teve nada a ver com você ter jorrado merda pela boca.
Sam fica em silêncio enquanto ligo o mixer e espero bater, em seguida
dando um grande gole antes de atacar o sanduíche de novo.
— Bom — ele limpa a garganta —, pelo menos você tá com bastante
apetite.
— Preciso comer antes de tomar o remédio.
Mais silêncio, que não me importa.
— A gente tava pensando ali — ele retoma. — Seu aniversário tá
chegando e a gente quer saber se você topa uma viagem? Vamos os quatro.
Longe da sua família, pra não ter o risco de darem uma festa surpresa aqui
— dá risada.
Eu o olho. Não vejo graça, não sinto raiva, não tenho nada a
demonstrar.
— Só quero ficar sozinho — digo.
Alguma coisa muda no rosto dele. Compreensão? Duvido muito. Esse
cara não sabe nada sobre dar importância a sentimentos. E fodido eu, que
fui me deixar levar por uma emoçãozinha a mais por uma garota que
chegou falando e fingindo demonstrar qualquer merda a mais.
— Eu até iria embora daqui, todos nós — Sam começa —, se isso
fosse o mais seguro pra você, se isso fosse te ajudar. Mas não vai, você sabe
disso. Sabe que não posso simplesmente ir sabendo o que pode acontecer
com você.
Não vou debater com ele. Fui tão fodido que, não capaz de segurar a
peteca das crises sozinho, trouxe meus amigos junto. Coloquei em cima
deles uma responsabilidade que não tinha a ver com eles. Deixei eles
incapazes de se negarem a vir. Eu sou um filho da puta.
— Olha, Ryan, só queremos te ajudar — Sam enfatiza. — Só isso. Por
isso até o Douglas tá aqui hoje. A gente quer que você fique bem e volte a
ser aquele cara que era antes. Cheio de vida e alto astral. Não pode deixar
que uma garota te leve a ser a sua pior versão.
Dou risada, olhando-o.
— Do que adianta a versão, não é? — ironizo. — Quando penso que
acerto, sempre vem algo me atingir — balanço a cabeça, voltando a atenção
pro meu sanduíche. — Me sinto vivendo em uma constante e infindável
tempestade de gelo, nunca escapando e sempre sendo atingido.
Meu amigo fica em silêncio, depois se aproxima e coloca uma mão no
meu ombro.
— Estamos com você, cara — ele garante. — Independente de
qualquer coisa, sempre vamos estar com você.
Então ele sai, me deixando como eu quis estar desde que deixei Lucy.
Sozinho e sozinho. Dessa vez, nem meus pensamentos vão levar vez.
Nem eles, nem por um momento mais.
O frio na barriga está comigo desde que acordei essa manhã, porque eu
sabia o que teria que enfrentar. E eles aumentam enquanto me aproximo do
quintal da casa da minha mãe, vendo o tanto de cadeiras dispersas pela área
verde.
Uma mesa retangular enorme está forrada por um pano branco e com
diversas fotos polaroide minhas – desde o meu nascimento até minha idade
atual –. A mesa tá oferecendo diversos tipos de comidas em pratos e
bandejas, além das bebidas. Uma música de fundo animada toma o local e
meus familiares já estão se divertindo em risadas e conversas. Tento não
notar os balões com glitter e a faixa escrito "Ryan 22" com um coração.
— Aqui vamos nós — sussurro sozinho, então completo os passos que
vão me fazer ser notado.
— Aêeee! — meu primo Alan é o primeiro a me ver e começa a bater
palma, fazendo todo mundo me olhar, minha mãe dando um grito de
felicidade e vindo correndo na minha direção.
Dou um sorriso e abro os braços, recebendo o seu abraço apertado e
seus um milhão de beijos estalados.
— Obrigada, obrigada, por ter vindo, meu amor! — ela agradece e por
alguns segundos me sinto mal.
Porque, caralho, minha mãe não tinha que estar me agradecendo por
ter vindo à festa que ela fez pra mim! Por que eu tenho que ser tão fodido e
não só um cara normal, que aprecia estar com a família e se sente feliz por
ter uma festa assim, comemorando com eles?
— Fiz aqueles salgadinhos de queijo que você adora! — minha mãe tá
tão feliz ao me dizer isso, me dando mais um beijo antes de ir andando
depressa pra dentro de casa, provavelmente indo buscar.
Eu me aproximo das mesas, vendo Pedro me observar de onde está,
sozinho e sendo sério demais com esse olhar.
Mas não é na direção dele que vou primeiro, e sim na do meu primo,
que se levanta pra me abraçar.
— Parabéns, cara — ele me dá um tapinha nas costas. — Um dia
desses você era um moleque, e hoje tá fazendo... Quantos anos mesmo?
— Nossa, Alan — Aurora se impressiona na cadeira ao lado. — Está a
idade dele em praticamente todo canto aqui — gesticula ao redor.
— Oi, Aurora gatinha — me inclino pra deixar um beijo em sua
bochecha, recebendo também um abraço. Apertado e muito quente, me
transmitindo todo o seu carinho.
— Feliz aniversário, meu anjo! Estamos felizes que você veio.
Me afasto com um sorriso.
— O que diriam se o aniversariante não viesse à própria festa, não é?
— brinco. Eu não me importo com o que diriam, na verdade. Não mesmo.
— Que bom que veio — ela repete, alisando meu braço, como se
quisesse me dá algum conforto, mas isso só me dá mais calafrios.
— Aproveitem a festa — digo antes de ir na mesa do meu tio Santiago,
que está olhando fixamente algum lugar digno de sua atenção. — Oi, tio —
estendo a mão, entrando em sua frente.
Seu olhar escuro se ergue pra mim e ele estreita os olhos, se
levantando em seguida e apertando minha mão. Com uma firmeza
impactante, percebo, o que me faz erguer as sobrancelhas.
— Como vai, rapaz? — quer saber.
— Tô legal, e o senhor?
— Estou ótimo — ele solta minha mão de repente, voltando a sentar.
Fico meio desentendido, ainda sendo encarado de baixo, mas esse é um
olhar estranho do meu tio. Não que ele já tenha sido o mais normal também.
Tem trauma com o pai até os dentes. E acho que olhar pra mim só faz ele
relembrar o quanto tem um pai que odiou por tanto tempo. — Bom que
você veio.
— É — aceno —, acho que sim. Aproveite a festa.
Vou até a mesa da minha tia Lili, que se levanta rapidinho e dá uns três
pulos antes de eu chegar até ela. Sou esmagado em um abraço, dando um
aceno pro tio Aaron, seu esposo, que tá sentado, sorrindo de um jeito
despreocupado.
— Oi, tia — dou risada. — Cuidado com meus ossos.
— Ah, meu querido — ela me solta só pra pegar meu rosto entre as
mãos e me dar um beijo na testa. — É sempre tão bom ver você!
— Digo o mesmo, tia — também deixo um beijo em sua bochecha, me
sentindo um desgraçado por mentir. Não digo o mesmo. Acho um pesadelo
ter que vê-los. — Preciso cumprimentar o restante do pessoal — uso a
desculpa pra me afastar até meu tio. — Fala aí, tio Aaron.
Ele aperta minha mão, sem muita cerimônia – o que eu agradeço.
— Feliz aniversário, Ryan — ele deseja.
— Valeu — saio da mesa deles com um sorriso, indo na direção da
minha prima, que é a única que tá em pé perto na mesa. — Fala aí,
esfomeada solteirona — dou um tapinha em sua cabeça, de brincadeira.
Ela se vira, estreitando os olhos pra mim.
— Ai, garoto — reclama. — Ser o seu aniversário não me impede de
te dar uns socos, ouviu? E eu não sou solteirona.
— Claro que é! Ninguém te assume. Os caras te deixam sozinha
sempre.
Me esquivo de um tapa, dando risada.
— Para — ela pede, cabisbaixa. — Isso magoa.
— Ô, meu Deus — a abraço. — Desculpa. Eu só tô brincando com
você.
— Brincadeira tem limite — ela se vira pra mim quando me afasto. —
E você ultrapassou esse limite quando tinha 16 anos, seu insensível.
Me esquivo, fingindo ofensa.
— Que sacanagem me chamar assim — murmuro. — Se você falasse
com a minha ex, ela ia te dizer que não sou nada insensível.
Safira dá um sorriso, virando de volta pra mesa.
— Fiquei sabendo mesmo que você estava namorando — comenta. —
Nem acreditei.
— Por que não acreditou? — aceito um docinho que ela me oferece,
enquanto destina sua atenção pra mim.
— Talvez porque era a cara do descompromisso.
— Fala sério, eu tenho esse direito. Sou novo ainda. Você que já pega
mal, né? — implico, segurando um sorriso. — Já tá aí, dessa idade. Daqui a
pouco as pregas no rosto aparecem e...
Saio correndo quando a mão da minha prima vem na minha direção
com o intuito de me atingir.
Entro em casa rindo, encontrando meus pais na cozinha, falando baixo
um com o outro.
Meu pai me percebe, abrindo um sorriso sem graça, que me faz
estreitar os olhos.
— Oi, pai — o cumprimento e olho minha mãe. — Fiquei esperando
os salgadinhos, mãe — sento em um dos banquinhos da ilha. — Cadê as
crianças da família?
— Estão... — meu pai começa a responder, mas ela o corta.
— No quarto, já vão descer. Por que você não fica lá fora com todo
mundo, filho? — minha mãe vem me enxotar, me deixando desentendido.
— Espere seus amigos, aí você vai se sentir mais à vontade.
Ela fecha a porta na minha cara e eu fico parado, alienado, antes de
sentir mãos em mim e reconhecer a voz da tia Celeste, sendo espremido por
mais um abraço.
Capítulo 50
Lucy ainda tem uns espasmos por dentro e também por fora do corpo.
Devo estar sonhando, minha cabeça tenta me enganar. Mas não dessa vez.
Seria impossível isso ser um sonho.
É ela. Real. Nos meus braços. Alcançável. Desmanchando ao menor
dos meus toques. Caralho, que saudade eu tive. Não é explicável.
— Desculpe por ter aparecido justamente aqui — ela tá com a voz
rouca de chorar, me fazendo inclinar a cabeça pra espalhar uns beijos pelo
seu rosto e pescoço, seu cheiro me embebedando. Senti também muita
saudade desse cheiro gostoso. — Mas eu achei que não teria um lugar
melhor pra tentar conversar com você.
Raspo os dentes em seu queixo antes de cair pro lado, meu pau
reclamando a saída do calor incomparável.
Lucy imediatamente se vira pra mim, o rosto se enterrando no meu
peito e a mão em meu quadril.
— Você tá bem? — pergunto, enfiando os dedos entre seus cabelos e
fazendo uma massagem breve.
Ela se remexe, se junta mais a mim e fica em silêncio até se achar
pronta pra falar.
— Agora, eu estou ótima. Não tenho palavras — sua mão faz um
carinho ali onde tá repousada. — E eu posso saber como você está?
— Agora tô ótimo, não tenho palavras — roubo suas palavras e dou
risada quando ela geme, me abraçando forte antes de levantar a cabeça pra
me olhar.
Não resisto e me inclino, raspando meus lábios nos seus antes de
deixar um beijo na boca que tanto me castigou em saudade.
— Achei que você ia me mandar embora de novo. Por que não quis
conversar primeiro? — ela sussurra quando mordisco seu lábio inferior.
— Achei que seria mais prático demonstrar a saudade — passo minha
perna entre as suas, adorando o calor dela.
Lucy ri, me fazendo sorrir.
— Desculpe pelo que fiz — ela lamenta outra vez.
— Pare de se desculpar — levanto sua blusa e o sutiã, deixando um
beijo demorado entre seus seios, fazendo-a ofegar. — Mas preciso
perguntar, por que terminou comigo?
— Eu... — ela hesita ao engolir o restante da frase, me fazendo
levantar a cabeça pra olhar no seu rosto. Vejo arrependimento ali, nos seus
olhos amarelados, mas também vejo relutância. — Achei que estava
sufocando você e... Droga — desvia o olhar.
— Dei a entender que você estava me sufocando?
— Não, mas...
— Mas? — incentivo o restante.
— É complicado, Ryan — sua resposta é uma respiração.
— Não é complicado se você compartilhar comigo. O que eu fiz pra te
motivar a dizer aquelas mentiras quando me deu o fora?
Não quero que seja assim, mas é impossível que eu não tenha mágoa e
dor nas minhas palavras. Sempre dói lembrar – se é que um dia vou
esquecer. Acabando com a nossa intimidade e esfriando nosso
sentimento. Que papo. Tá tudo vívido aqui, nos toques, na maneira que ela
me recebe e doa; é impossível que qualquer palavra daquela tenha sido
verdade.
— Eu fiquei... — Lucy de novo vai responder e se interrompe, me
fazendo estreitar os olhos, curioso pela explicação. — Fiquei sabendo que
você continuava a ter crises à noite e então achei que fosse a culpada. Você
mesmo admitiu que não as tinha mais fazia 5 anos, então eu apareci e elas
voltaram.
— Que merda, Lucy — me sento, pouco desconexo. Ela se senta
também, ajeitando o sutiã e a blusa, o que me faz bufar. — Foi por isso que
você achou que devia me entristecer com aquela atitude filha da puta?
Ela morde o cantinho do lábio antes de gesticular.
— Pensei que estaria fazendo o bem para você — responde. — Não
queria que ficasse triste.
— Como ficaria, né? Foi só minha namorada terminando comigo de
repente e com uma mentira!
Ela balança a cabeça.
— Quem te contou? — quero saber.
— Eu também falei com o seu irmão... — ela ruma pra outro papo.
Uma coisa de cada vez...
— Quem contou pra você, Lucy? — insisto.
— Foi alguém.
Dou risada.
— Você não espera que eu vá me contentar com essa resposta, né?
— Droga, Ryan, eu não posso dizer — ela leva as mãos ao rosto,
balançando a cabeça em negativa.
— Ao contrário, você deve. Foi alguém nos separando — me
aproximo dela, segurando seus pulsos e tirando suas mãos dali. Nossos
olhares se encontram. — Fala pra mim quem foi, meu amor.
— Oh, droga — ela fecha bem os olhos antes de abri-los. — Não seria
justo contar, Ryan. Ele só pensou no seu bem, em te ajudar.
— Pensou no meu bem fazendo quem eu amo se afastar de mim —
dou um sorriso irônico. — Qual dos caras foi?
Ela nega outra vez, desviando o olhar.
— Tudo bem — assinto. — Não vou te obrigar a me dizer, mas por
que você deu ouvidos? Quero dizer, eu tinha te dito um monte de vezes que
você não tinha nada a ver com o que acontece comigo.
— Acho que tenho, Ryan — Lucy tem a voz triste quando fala. —
Pelo menos, as crises mais recentes.
Nego.
— Não tem, Lucy. A minha mente ferrada não tem a ver com você —
nos levo a deitar novamente, meu corpo por cima do seu enquanto me
encaixo entre suas pernas, ganhando devagar espaço dentro do seu corpo.
Minha respiração é funda. — Como você pode imaginar ainda que é
culpada de qualquer coisa ruim? — me mexo pra fora, nossas respirações
desestabilizando juntas. — Você me deixou confuso no início, só isso.
Ela geme quando ondulo bem dentro do seu corpo, saindo com
lentidão, quase me sufocando.
— Foi uma confusão porque eu tava aprendendo — continuo a
explicar. Não quero que ela pense que fodeu a minha mente já fodida. — Eu
estava aprendendo o que era sentir, se interessar por alguém, querer
descobrir mais de uma pessoa — beijo seus lábios, enfio a língua na sua
boca para explorar lá dentro, com paciência, saindo só porque Lucy precisa
respirar. — Depois de tudo, nunca foi culpa sua.
Ela tem os olhos marejados quando a olho.
— Desculpa.
— Pare de repetir isso — peço, passando um braço por baixo de sua
cintura e puxando-a comigo quando sento novamente, nossos corpos ainda
conectados, Lucy por cima de mim com os olhos em brasas vivas. —
Mostra pra mim como somos bons juntos.
— Como? — seu lábio inferior é preso entre os dentes.
— Assim — agarro seu traseiro e a faço subir e então descer no meu
pau, Lucy agarrando meus ombros antes de entender.
— Assim? — ela tira minhas mãos e repete o movimento sozinha, seus
olhos se fechando de prazer. — Minha nossa, Ryan.
— Assim mesmo — elogio, me apoiando para trás nos braços
enquanto observo seu corpo perfeito em cima de mim, me deixando louco.
— Faz mais forte, amor. Desce com vontade.
Ela obedece, a sensação me fazendo fechar os olhos e grunhir.
Como pode isso? É tão bom que eu fico cego. É tão bom que não é
explicável como ela pôde considerar se afastar achando que me fazia algum
mal.
— E se eu fizer assim? — Lucy aperta meus ombros e se remexe,
rebolando no meu pau. — Você gosta disso, não é? — ela se inclina pra
mim, beijando meu pescoço e depois cravando os dentes.
— Porra, Lucy — aperto sua cintura, eletrizado.
Ela dá uma risadinha antes de me empurrar pelos ombros, me fazendo
cair deitado, e então começo a ser torturado com seus movimentos.
Que aumentam de velocidade e impacto conforme ela vai se sentindo
mais confortável com a posição; rebolando e remexendo, subindo e
descendo, me afogando em prazer.
— Minha nossa, eu fiquei com tanta saudade! — Lucy ofega, me
deixando com a vista escura pelo jeito que prova isso ao se mexer. — Ryan!
— Eu sei — minhas mãos se enchem na sua bunda antes de eu ajudá-
la.
Lucy abaixa a cabeça, chocando nossas bocas, me dando um beijo
desesperado e que mostra que, sim, a saudade tá demais.
Começo a me mexer enquanto a seguro parada, seus gemidos
entrecortados fazendo nosso beijo romper e somente nossos lábios ficarem
encostados.
— Eu vou gozar — ela avisa. — Ryan, Ryan… eu vou gozar!
Dou um sorriso e viro a cabeça, mordiscando seu ombro.
— Meu nome na sua boca é a minha canção favorita — admito,
falando pertinho do seu ouvido: — Vem, goza comigo. Posso me derramar
em você?
— SIM! — Lucy grita, a voz toda trêmula. — Minha nossa, sim! Faz
isso sim.
Fecho os olhos e deixo rolar, não sabendo o que leva vez nessa: se o
meu corpo ou o meu coração. Mas fato é que os dois se quebram em
segundos, desfeitos sob a força da presença da Lucy. Só a ela.
A única que me deu algum sentido nesse jogo chamado vida.
Capítulo 54
Acho que nunca me senti tão bem, tão absurdamente leve. É como se
toda a tensão que veio me assolando nos últimos dias, tivesse sido desfeita,
esvaído.
E foi mesmo.
Ryan deitado ao meu lado agora enquanto faz carinho na minha
barriga, prova isso.
Eu me remexo e viro o rosto para ele, já com as batidas do coração
estáveis outra vez. Para ser honesta, nem vi em que momento mudei de
posição, só lembro dos fogos de artifícios que me desmancharam e depois,
quando me dei conta, estávamos aqui, deitados juntinhos.
— Sua família deve estar preocupada — digo. — E me achando uma
péssima pessoa por ter feito você sair da sua festa.
Ele dá um sorriso de canto, com seu olhar formando um combo para
me abalar um pouco mais. Tanta, tanta saudade!
— Garanto que estão te agradecendo — rebate. — Nunca fiquei tanto
tempo em uma festa minha. Só quando era pequeno.
— Você era elétrico tipo o Drew?
Ryan ri.
— Um pouco mais. Você conheceu todo mundo?
— Sim, todos que estão aqui — me mexo, incapaz de ficar um
centímetro que seja longe ou sem tocá-lo, então vou me deitar em cima
dele, sorrindo pelo jeito que ele ergue as sobrancelhas. — Sua família é
muito gentil e educada. Apesar de que...
— O quê? — ele estreita os olhos.
— Seu irmão e seu pai riram de mim quando falei que era sua ex-
namorada. Eles não acreditaram, eu acho.
Ryan dá uma risada baixa.
— É... meio que eles têm motivo pra duvidar — seu olhar desvia do
meu, e fica vago um instante. E imediatamente sinto medo, porque é a
mesma expressão que ele faz quando se aluga sozinho dentro da própria
cabeça e me deixa de fora, e eu não quero mais isso. Não quero mais que
seja assim. Eu sendo deixada de fora, sem saber o que está acontecendo
com ele. Ryan sem confiar em mim e tudo o mais.
— O que importa é que não sou mais ex — trato de falar, depressa.
Ele sorri e volta a me olhar, começando a acariciar minhas costas, e eu
o sinto ainda espalhando entre minhas pernas, e eu nunca fui tão feliz
também.
— Você nunca foi ex, Lucy — ele me corrige, o que me faz respirar
fundo, o coração saltitante. — Por que você falou com o meu irmão?
— Porque foi preciso. Eu precisava de ajuda. Queria te dizer que nada
do que senti e demonstrei foi fingimento. Mas não sabia o que fazer, você
não queria me ver, seus amigos não gostam de mim, então não iam deixar
eu te ver, e...
— Epa lá — ele me interrompe, sua mão pausando a carícia em
minhas costas. — Que papo é esse? Como assim eles não gostam de você?
— Eu te fiz voltar com as crises, claro que eles me odeiam — digo
isso sentindo tristeza absoluta.
Ryan balança a cabeça e desvia o olhar outra vez, reprovando o que
ouviu. Mas então vejo suas sobrancelhas se erguerem, em estranhamento.
— Aquilo é a jaqueta que te dei? — quer saber, me fazendo apertar os
olhos.
— Merda, é — também viro a cabeça, vendo a peça de roupa
dependurada na maçaneta da porta do banheiro. — A ideia era usar
enquanto eu cantava para você. Nossa — volto a enfiar o rosto em seu
peito. — Agora eu me sinto muito constrangida. Deve ter sido um horror
me ouvir cantar e tocar, duas das coisas que não sei. Sua família e seus
amigos vão rir de mim daqui até a eternidade.
O peito de Ryan retumba embaixo de mim em uma risada, me fazendo
sorrir. Volto a olhá-lo, sendo presenteada por um sorriso largo.
— Nem os anjos cantariam e tocariam tão bem, meu amor — sua mão
encontra meu rosto e seus dedos fazem um carinho em minha pele enquanto
ele profere as palavras. — Você foi perfeita. Eu poderia até te pedir um
show particular.
É a minha vez de rir.
— Que bom que você gostou. Eu não sabia como falar o que estava
sentindo e... Bom, achei melhor cantar a música que tocou no seu carro
depois que tivemos nossos primeiros toques.
— Você se lembra disso? — ele sorri.
— Claro que lembro. Também lembro de você ter escrito como seria
ouvir eu dizendo que gosto de você — é a minha vez de sorrir, então rastejo
até minha boca estar colada a sua. — Então, aqui vai, Ryan Smith: eu mais
que gosto de você. Eu amo você, neném.
Ele solta uma respiração toda pesada, as mãos encontrando minha
cintura e fazendo círculos ali com os dedos.
— Te amo, garota — sua voz tem uma rouquidão deliciosa ao
pronunciar as palavras. — E foi mal por tudo que você leu. Eu meio que
tava paranoico e... É uma droga, porque às vezes eu só queria ser como
qualquer cara normal.
— Ei — seguro seu rosto. — Eu só vi ali naquelas palavas alguém que
tinha tanto dentro de si, que precisava se libertar de alguma forma. E você
só foi paranoico porque temia tudo que acontecia à sua volta. Depois do que
você passou e por conta das crises, quem não teria cautela? Não ligue para
isso, foi o seu diário que nos fez ficar juntos.
Ele dá um sorriso mais largo agora.
— Tô putamente envergonhado — murmura. — Diário, amor? Era pra
ser um relato que, em breve, viraria um livro — a última frase sai mais
baixinha.
— Oh, desculpe — caio para o lado, a prova do seu prazer abundante
me deixando com mais calor. — Já venho, vou ao banheiro.
Não dou tempo dele me impedir, levanto depressa e corro até o
cômodo ao lado, indo direto para o box e ligando o chuveiro para me
limpar.
Não calculo dois minutos antes de Ryan se juntar a mim, seus braços
envolvendo minha cintura e me puxando de debaixo do jato de água.
Sua boca encontra meu pescoço e logo depois ele me leva de encontro
aos azulejos da parede, seu braço se esticando para fechar o registro.
Dou um sorriso.
— Adoro o Ryan com respingos de água — lambo os lábios. — Me
deixa com água na boca.
— É? — ele sorri, aproximando o rosto do meu e desviando a boca
para o meu ouvido. — Deixa eu sentir se é verdade. Ajoelha pra mim.
O box se enche com a minha respiração antes de eu escorregar as
costas pela parede e me ajoelhar na frente dele, seu pau duríssimo a frente
dos meus olhos.
— Eu nunca vou cansar — despejo, agarrando-o nas mãos. — Nunca
vou. Meu Deus, impossível.
Ryan dá uma risada baixa.
— Saber disso também me deixa muito feliz — sua mão vem pela
minha nuca e seus dedos se embrenham entre meus cabelos, me deixando
toda mole.
Eu abro a boca para ir de encontro a ele, mas aquela marca chama
minha atenção. A que a tatuagem de leão tenta encobrir.
Mordo o lábio, hesitante.
— O que foi? — ele quer saber.
Levanto os olhos para os seus, me perdendo um pouco no verde
acastanhado, mas também temendo.
— Onde você conseguiu essa cicatriz? — quero saber. Não vou mais
arriscar bambear no saber sobre ele. Eu quero saber tudo. Tudo, de cada
parte.
Dessa vez, é a respiração de Ryan que enche o box.
Ele balança a cabeça, como se fosse algo banal.
— Foi só... — desvia o olhar. — É só um negócio que eu me
envergonho. Era moleque ainda. Não sabia o que tava fazendo.
— Ainda assim — tento ser gentil —, eu quero saber.
— Ah, cara — ele balança a cabeça outra vez, me olhando com um
olhar perdedor. — Vai me fazer falar mesmo?
— Vou, ué — passo os dedos pela tatuagem. — Me conta.
— Foi depois que eu me recuperei do acidente com o meu avô — ele
despeja. — Eu tinha ficado vivo e tal, mas vieram as crises e com todo o
lance dos meus pais e a minha família me jogarem aquele peso de... sabe,
como se eles sempre estivessem pisando em ovos e tendo cautela comigo...
eu meio que não aguentei isso. Eu ainda tava procurando um escape, então
eu me furei. Não fundo o suficiente pra matar, porque fui covarde. E com
certeza não furei o lugar certo. Foi daí que eu falei que queria fazer terapia
e... — gesticula. — Toda aquela merda que você já sabe.
— Meu Deus — eu me levanto imediatamente e seguro seu rosto nas
mãos, nem sabendo direito o que sinto. É desespero, aflição, tristeza
profunda. Meu-Deus. — Ryan, por que você não me contou isso?
Ele meneia a cabeça.
— Não é algo do que eu me admiro e, bom, não é bem algo que me foi
traumático. Eu só era um garoto desesperado, sem saber o que fazer... meu
irmão tinha se afastado, ido embora, minha mãe estava triste, meu pai se
sentindo culpado... Só queria acabar com aquilo — ele respira fundo. —
Depois, já mais velho, percebi o quanto tinha sido egoísta na minha ação.
Eu teria causado mais dor aos meus pais e minha família se tivesse
conseguido me matar, e meu pai e irmão se sentiriam culpados enquanto
vivessem.
Eu o puxo para os meus braços, incapaz de digerir que... Minha nossa,
ele tentou se matar.
— Eu não li nada sobre isso no seu diário — digo baixinho, apertando-
o contra o meu corpo.
Ele ri.
— É como eu disse, não me afetou, só me ensinou um pouco. Mas eu
não tenho traumas com isso, não é algo que me abala e a faca nem entrou
tão fundo.
— Meu Deus — fecho os olhos e enfio o rosto em seu pescoço. —
Ryan, meu amor, estou muito feliz por você ter sido covarde.
— Verdade, né? — suas mãos encontram minha cintura e ele me
desgruda de si, levando meu corpo de encontro a parede. Seus olhos cravam
nos meus, me estudando. — Eu não teria te conhecido se tivesse morrido.
Engulo em seco. Ele fala tão natural, como se não me rasgasse de dor
essa possibilidade passada.
Mas ignoro firmemente o meu alarde e aproveito a oportunidade para
sanar todas as minhas curiosidades a seu respeito.
— Quando você diz que não te causou trauma — pigarreio —, você
quer dizer que sua família lidou melhor com essa situação do que com a
anterior?
Ele dá um sorriso, baixando o olhar um instante.
— Minha família não sabe — seus olhos então voltam aos meus. —
Por isso não foi um trauma. Eles não sabem de onde vem essa cicatriz. Só
sabem da parte "boa", que foi quando eu falei que queria fazer terapia.
Minhas mãos cobrem minha boca. Estou estarrecida, é inevitável.
— Como você conseguiu ajuda então? — indago. — Não foi um corte
fraco, tem uma camada de pele bem mais fina aí.
— Eu não consegui ajuda por mim mesmo — ele dá de ombros. —
Meu amigo me encontrou na sala e me levou pro hospital. Fiz ele prometer
que não ia contar pra minha família, e ele não contou.
— Minha nossa. — É só o que sai da minha boca.
— Fiquei sempre de blusa quando em casa, até dar pra fazer a
tatuagem — ele continua sua explicação.
— Sua mãe nunca percebeu a cicatriz por baixo da tatuagem?
Ele balança a cabeça, mordendo o canto do lábio antes de responder.
— Provavelmente. Mas nunca perguntou, nem ninguém. Talvez achem
que eu consegui nas madrugadas e tá tranquilo assim — ele esfrega o rosto.
— Minha mãe sabe que minha cabeça não sabe processar tudo que já tem
dentro dela, então acho que foi sábia o suficiente pra não se meter em mais
essa. Evitou alarde, o que pra mim é ótimo.
Sou incapaz de pronunciar uma palavra enquanto Ryan persiste o olhar
em mim depois da sua explicação sobre o que tem por baixo da sua
tatuagem de leão feroz e prestes a atacar.
— Por isso, madame — sua mão encontra a minha, que é levada até a
cicatriz. — Não esquenta sua cabecinha com isso. Eu tava cheio de pavor
quando fiz isso, mas agora... — ele se aproxima mais, fazendo minha mão
cair para o lado. — Eu só tô cheio de amor. Só amor.
Abro um sorriso, apesar do desconforto de saber que seu pavor foi
tanto que o levou a se ferir, a querer dar um fim a sua vida. Minha nossa.
Por isso a Winess e tudo que o remete à lembrança daquele momento
terrível ao qual passou, o fazia surtar.
— Eu preciso agradecer ao seu amigo que te socorreu — digo quando
seus lábios brincam raspando por sobre os meus.
— Quando quiser — seus dentes prendem meu lábio inferior e o
puxam.
— Foi um dos três elementos que moram com você?
Ele dá um risinho antes de me olhar.
— Foi o Samuel.
Ah, maravilha! Ele vai me falar para enfiar a gratidão sabe-se lá onde.
Principalmente quando souber que Ryan e eu estamos juntos de novo.
Capítulo 55
Ryan não me pegou no chuveiro, como eu pensei que faria. Mas não
reclamei também, e não fui insistente para que o fizesse. Não depois de
saber da outra cicatriz, que foi uma tentativa de suicídio.
Isso é muito pesado. Não consigo imaginar o meu Ryan, que é tão
forte apesar de tudo, chegando ao ponto de tentar tirar a própria vida.
Embora, talvez, essa tentativa não tenha a ver com força.
Agora, depois do banho e da "chuveirada de verdades”, estamos
descendo de volta para nos juntarmos à sua família. Não estou nervosa e
não acho que vou me importar quando vir seus amigos nos olhando de mãos
dadas. Ryan está comigo e isso é tudo que importa. É tudo o que eu preciso.
Nós nos encontramos com sua mãe na cozinha, preparando algum
prato de doce. Ela nos percebe quase que imediatamente, abrindo um
sorriso enorme em minha direção. E só posso torcer para minha aparência
estar boa o suficiente.
Me sinto em uma mistura de tristeza e felicidade – tristeza pelo que eu
soube e felicidade por não esquecer que Ryan me tocou de um jeito que me
fez alucinar – e espero que minha cara não dedure tudo isso. Esse mix de
sentimentos.
— O que a senhora tá fazendo? — ele pergunta, me fazendo levantar a
cabeça em sua direção para deixar claro que eu nunca, nunca, vou me
acostumar com essa voz deliciosamente potente que ele tem.
— Ah! — a senhora Smith parece contente. — Preparando bomba de
chocolate para incluir na mesa. Vão para lá — ela pede e gesticula em
direção à porta. — Seu pai já está servindo o almoço.
— Que ótimo — digo num impulso. — Estou mesmo cheia de fome.
Acho que o nervosismo me deixou com mais fome ainda.
— Nervosismo — Ryan ri. — Sei.
Eu o olho com repreensão. "Estamos na frente da sua mãe!", meus
olhos gritam, mas isso não tira o sorriso fácil do seu rosto.
— Você foi ótima se declarando, Lucy — a sra. Smith fala para mim,
como se não se importasse com o que ouviu. — Eu mesma me emocionei
muito, porque nunca pensei que alguém… — ela se interrompe, olhando
para o filho.
Ele, por sua vez, bufa ao meu lado, completando a frase da mãe:
— Que alguém fosse me amar a ponto de cantar pra mim?
— Não isso — ela nega. — Não achei que você estaria apto a abrir o
coração para alguém, sendo tão fechado sentimentalmente como é e tão
cheio de...
— Eu não abri — o filho a interrompe, não querendo ouvir o restante
—, Lucy entrou na base do murro — ele brinca e me puxa para a porta de
vidro, me dando tempo de ver sua mãe sorrir para mim.
Nós chegamos ao quintal e claro que os primeiros olhares em nossa
direção são os dos seus amigos.
Eles nos olham de um jeito esquisito, Samuel sendo o primeiro a
desviar o olhar para o lado, bebendo algo em um copo descartável e, quase
despercebidamente, balançando a cabeça em negativa.
Ele deve estar pensando que eu o mencionei para Ryan. Mas não. Eu
não vou fazer isso. Os caras são tão amigos dele que até a família os
conhece. Não vai acontecer isso de eu falar quem me motivou a terminar o
nosso namoro. Não vai.
Mas, para o meu azar, é justamente para a mesa dos amigos que Ryan
nos conduz.
Engulo em seco por antecipação e, tirando o sorriso curto que se abre
na boca de Nathan, nenhum dos outros dois amigos parecem se importar
com a nossa chegada.
— E aí — meu namorado se anuncia e solta minha mão para pegar
duas cadeiras da mesa onde seu primo está sentado com a esposa.
Eu aguardo, tentando não olhar muito para os seus amigos. Meus
braços se cruzam e tento focar nas duas crianças correndo pelo quintal.
Mas, sem sucesso. Sou toda nervosismo.
— Aqui, amor — Ryan toca meu braço. — Senta aqui.
Eu o olho, dou um sorriso e vou me sentar. Minha cadeira está ao lado
de Nathan e Ryan se senta ao meu outro lado, de forma que ficamos de
frente para Douglas e Samuel.
Este, por sua vez, não nos olha durante um longo tempo. Tanto que
fico até desconfortável, quase me levantando do lugar, tendo em vista que
todos os três caras permanecem calados.
— Tô esperando, Samuel — a voz de Ryan é estridente quando fala, e
meu olhar voa para ele, em questionamento.
Mas imediatamente desvio para olhar o seu amigo, que dá uma risada
curta de sarcasmo antes de também olhar para o meu namorado.
Em estranheza silenciosa, Samuel estreita os olhos e inclina a cabeça
para o lado.
— Esperando o quê? — quer saber.
Ryan hesita um pouco antes de responder.
— Você se desculpar com a Lucy e, claro, me dizer porque porra
contou pra ela o que tava rolando comigo.
Minha boca se abre, em choque e... eu nem sei. Eu nem contei que foi
o Samuel!
Samuel ri. Outra risada irônica antes de virar o rosto para o lado, como
se não tivesse se importado com o que ouviu.
— Fala, caralho — Ryan pressiona. — Se desculpa com a minha
namorada e responde porque se achou no direito de fazer ela se afastar de
mim!
— Calma aí, Ryan — Nathan intervém. — Vamos deixar pra resolver
isso depois da sua festa.
— Depois o caralho! — meu namorado destila um tapa no meio da
mesa, causando um barulho forte e chamando a atenção de Samuel outra
vez, que agora vira a cabeça para nos olhar com raiva estampada.
— Vai se ferrar, Ryan — ele chia, ruidoso. — Pra porra que vou me
desculpar com alguém ou tentar me explicar pra você que, mais do que
ninguém, devia estar me agradecendo! Por ainda ter alguém que se
preocupa com a sua saúde!
— Ryan... — eu tento remediar a conversa, mas meu namorado
estende uma mão, pedindo que eu não o faça.
Engulo em seco, preocupada, porque Samuel e ele estão se encarando
a altura, ambos desafiando-se com o olhar – o que me leva a temer que
percam a compostura no meio da família Smith.
— Porque me ajuda você acha que tem o direito de se meter na minha
vida pessoal, é isso mesmo que entendi? — Ryan questiona, uma pitada de
descrença ao fim da pergunta.
— Não — Samuel nega, se inclinando um pouco para frente na mesa.
— Não acho que tenho o direito de me meter na sua vida pessoal, mas
tenho certeza que preciso interpor no que te faz esculhambar por dentro.
Principalmente se é por alguém que te leva ao fundo do poço.
As palavras me doem e me rasgam, me deixando congelada. É sobre
mim que ele está falando e se referindo. Sobre o que faço com Ryan.
— Ryan... — dessa vez é Douglas que fala, como se também tivesse a
mesma preocupação que eu. — Cara, deixa pra...
— Ao fundo do poço? — Ryan ri. — Do que você tá falando?
Conhecer a Lucy e conseguir ter ela na minha vida, foi a melhor coisa que
me aconteceu, Samuel. Por que você tá falando isso de fundo do poço? O
que você conhece sobre amar e ter alguém na sua vida que se importa com
você?
Meus olhos umedecem ante as palavras do meu namorado, meu
coração se enchendo de emoção.
Mas Samuel ri outra vez, quase um gargalhar.
— Amar alguém implica em aceitar a própria morte? — ele ergue as
mãos. — Foi mal aí, eu não tô ligado nessa. Mas, cara — um dedo se
estende na direção do rosto de Ryan —, quando tiver se sentindo prestes a
cair do abismo, não bate na minha porta, não. Não bate porque eu não vou
abrir.
Ryan imediatamente derruba o dedo do amigo na mesa, rebatendo:
— Você tá jogando na minha cara ou tô entendendo errado?
— Tô falando o que acontece — Samuel me olha um segundo, suas
sobrancelhas quase unidas pela dureza da sua expressão. — Essa garota
apareceu na sua vida do nada e te fez descer vários degraus, e você tá cego!
Tá completamente cego! Se liga, que uma boceta e uma música não vão te
ajudar na hora que a corda apertar teu pescoço!
Ryan se levanta, derrubando a cadeira para trás pelo movimento
abrupto, o que me faz levantar também, em preocupação; e igualmente seus
amigos.
Mas não adianta, porque é tão rápido que ele consegue alcançar
Samuel e puxá-lo de seu lugar, que quando noto, já é mais pelo barulho do
soco do que do levantar em si.
Samuel uiva com a dor do golpe no rosto, sua mão indo ao maxilar e
ele levantando a cabeça após uns segundos para encarar Ryan, que o puxa
pela camisa, frisando diante do seu rosto:
— Nunca mais — o sacode —, nunca mais fala da minha namorada
como se ela se resumisse a uma única parte do corpo, entendeu? Nunca
mais, ouviu bem, seu filho da puta?
— Me solta! — Samuel tenta se desvencilhar, mas Ryan não o solta, o
que o faz empurrar seus ombros e indagar: — E o que você acha que vai
acontecer agora? O amor vai te curar? — dá uma risada debochada. —
Acorda, Ryan! Isso é vida real! Você só vai se foder mais! E talvez ficar
muito pior quando essa daí — ele gesticula com o queixo em minha direção
— se cansar de te ver quase morrer todas as noites! Uma hora cansa, você
tá ligado nisso? Cansa! E não vai precisa que eu peça pra ela se afastar, ela
vai fazer isso sozinha.
Ryan o acerta de novo no rosto. E de novo, e mais uma vez, me
fazendo retroceder um passo, enquanto Nathan e Douglas se aproximam
para tentar afastar os dois.
Estou assustada, e nervosa, e outros sentimentos que me deixam em
um balançar antes de eu sentir meus ombros serem envolvidos; e logo após
o pai de Ryan se aproxima do alvoroço, puxando o filho para trás com um
solavanco e o afastando de Samuel; que se dobra ao meio, uma mão no
rosto enquanto sua camisa se movimenta, indicando uma respiração difícil.
Nathan e Douglas estão parados, olhando a cena, como se estivessem
em transe ou desacreditados demais para sequer tomarem alguma atitude.
— O que você pensa que está fazendo? — o senhor Smith pergunta ao
filho.
— Trocando uma amizade de anos por uma garota de momento —
Samuel responde, levantando o rosto e cuspindo o sangue da boca no
gramado.
Sr. Smith me olha, seus olhos tão claros me estudando antes de se
voltarem ao filho.
— Isso não tem a ver com você, pai — Ryan deixa claro, sacudindo o
ombro para indicar que quer que a mão de seu pai saia dali. E quando sai,
ele vem na minha direção e agarra meu pulso: — Vem, Lucy. Vamos
embora.
— Não! — eu tento ir contra seu toque. — É a sua festa, Ryan! Vamos
ficar!
Não sei o que estou dizendo, para falar a verdade. É automático.
Porque o que achei que se podia evitar, acabou de acontecer. Ryan e Samuel
discutiram por minha causa. Não! Pior. Por causa do mal que eu faço ao
Ryan enquanto Samuel só quis, e quer, protegê-lo.
Merda, droga, droga...
— Eu saio — Samuel anuncia. — Deixa que eu vou embora — e vai
até a cadeira em que estava sentado, pegando a jaqueta que está nas costas
do assento. Dando uma olhada em Ryan, o lado do rosto com evidente
marcas e manchas de sangue, diz por último: — A gente se esbarra. Mas eu
espero que não.
Engulo em seco quando seu olhar vem em mim de raspão antes de
Samuel caminhar por além do quintal, seguindo para a entrada da casa, em
direção ao portão.
E então tudo é silêncio e mais silêncio, meu olhar desviando para o
redor, onde todos os familiares de Ryan estão aparentemente tranquilos
quanto a cena. Como se... como se ele não tivesse acabado de se
descontrolar e golpeado o amigo descontroladamente, deixando em choque
até mesmo os outros amigos com quem tem intimidade.
Meu namorado entra sozinho na casa dos pais, o que me faz segui-lo, e
é tudo tão de uma vez que... eu só vou. Nossa, eu só vou, ainda tentando
processar que acabei de fazer dois amigos discutirem, sendo que era o que
eu tentei não fazer.
Vou encontrá-lo subindo as escadas, e o acompanho até o quarto em
que estivemos há minutos. Observo-o ir até a cama e cair deitado, as mãos
cobrindo o rosto antes dos dedos se enfiarem pelos cabelos; seus olhos
fechados antes de ele xingar.
Fico parada perto da cômoda ao lado da porta, sem saber o que fazer.
Eu me sinto tão absurdamente culpada.
Deixo que Ryan fique sozinho na sua mente até ele decidir que posso
me aproximar; e, quando isso acontece, sua cabeça se vira, seu olhar
encontrando o meu.
Eu me arrepio, mas também gelo dos pés à cabeça.
— Vem cá, vem, amor — ele me chama, se arrastando para cima, até
se sentar contra a cabeceira da cama.
E eu vou. Me sinto estranha diante do que causei, mas também estou
indescritivelmente apaixonada. Não posso me impedir de ficar em fagulhas
de fogo ao ouvi-lo me chamar; e, principalmente, quando seu braço me
alcança, me puxando para si, quando chego ao seu lado.
Dou um suspiro alto quando meu corpo encontra o seu e recosto a
cabeça em seu ombro, a mão de Ryan se infiltrando dentro da minha blusa,
acariciando minha barriga e cintura.
— Desculpa — digo baixinho. — Desculpa de verdade.
Ele para a carícia um instante, mas logo continua.
— Pelo quê?
— Por ter sido o motivo da sua briga com o Samuel.
Ryan solta um murmúrio.
— Não empanca nisso, amor — ele pede. — Não tem a ver com você.
— Ao contrário, — viro meu rosto para ele — tem tudo a ver comigo.
— Tem a ver comigo — Ryan me censura, antes de desviar o olhar
para o meio do quarto e soltar um suspiro abafado. — Depois eu converso
com ele.
— Ele não parece querer te ver de novo. Está com ódio porque
estamos juntos.
Ryan me olha com um olhar alarmado antes de tomar meu rosto entre
as mãos, me encarando bem de perto.
— Esquece isso. Por favor, Lucy — seu polegar dança perto da minha
boca. — A partir de hoje, nada é mais importante que nós dois juntos.
Sempre juntos, meu amor. Consegue entender isso?
Meu respirar fundo de amolecimento diz que sim, eu completamente
entendo isso.
— Eu te amo — declaro mais uma vez. — Senti muito a sua falta.
Ryan me puxa para si, me deixando aconchegada em seus braços e
beijando incansavelmente o alto da minha cabeça.
— Por que sua família pareceu indiferente quanto a sua briga com o
Samuel? — pergunto. De olhos fechados, encaixada em seu peito, não há
melhor lugar no mundo para se estar. Me sinto em mim outra vez. Apesar
dos pesares...
— Eles não sabiam o motivo da briga — Ryan faz pouco caso. — Não
acho que tinham que se meter.
— Como não? — levanto o rosto para enxergá-lo. — Era você batendo
em um dos seus melhores amigos na sua festa de aniversário!
— E...? — ele parece não entender a parte que deveria ser incômoda.
— E que é algo que — abano as mãos —, nossa, Ryan, não é
“normal”.
Ele ri.
— Parte do ponto que não sou normal e então você vai sacar porque
eles ficaram sem se meter.
Balanço a cabeça, discordando.
— Para com isso. Eu falo sério.
— Caralho, amor, eu não sei — ele bufa. — Esquece isso. Eu quero ir
pra minha casa pra gente se pegar bastante e matar a saudade. Esquece o
Samuel e esquece minha família. O lance é a gente, nós dois, só isso e
ponto final.
Eu me derreto na hora.
É verdade que sua família foi totalmente fria enquanto Ryan destilava
socos em Samuel; e também que seus amigos não tiveram muita disposição
para intervir briga, o que me leva a crer que todos ficaram estupefatos
demais, o que causou a falta de reação; MAS, não posso deixar que isso me
impeça de me render sempre que Ryan fala coisas como “a gente ir para
casa e se pegar bastante”.
— Temos que esperar você cortar o bolo — digo, com pouca vontade.
Nem eu me convenço com esse tom.
Ryan dá um sorriso travesso, que me faz arrepiar inteira. No segundo
seguinte, ele está sobre mim, me puxando e colocando deitada na cama, seu
corpo ficando ao lado do meu quando minha blusa é levantada e sua boca
encontra o meu pescoço.
E então sou só respiração, minha própria mão encontrando sua
cabeleira loura.
— Hmmm — ele geme, mordiscando minha pele e beijando. — Que
saudade de você.
Arfo e fecho os olhos.
— Também estou sentindo sua falta demais.
— Mesmo? — sua mão está entre minhas pernas de repente, me
fazendo engolir em seco quando seus dedos fazem um carinho reverencial
por cima da minha calcinha. — Saudade de me ter aqui, né?
— Em todo lugar — minha voz é pura rouquidão.
— Eu entendo você — sua boca se arrasta até a minha, seus lábios
ficando sobre os meus, recebendo meu suspiro até Ryan completar: — Eu
também quero a Lucy em todo lugar que ela possa estar.
Meu sorriso se abre, imenso e emocionado.
Eu disse isso para ele antes. Na nossa primeira vez. Quando li seu
diário. Quando descobri mais dele. Quando o conheci por dentro, não a
maquiagem de fora.
— Eu te amo — repito o que nunca vou me cansar de dizer.
— Eu sei — ele me dá um selinho. — Eu também amo você, e vamos
ficar juntos. Dessa vez, ninguém vai nos separar. É pra valer.
Não tenho tempo de perguntar o que esse “para valer” significa,
porque Ryan mói meus pensamentos ao enfiar a mão por dentro da minha
calcinha e me beijar, então sei que os próximos minutos não vão ter nada a
ver com conversa.
Capítulo 56
Um dia longo. Foi um dia muito longo. No qual, pro meu espanto,
aconteceram muitas coisas boas. A melhor coisa: ter Lucy novamente nos
meus braços.
É meio (muito) foda ter que relembrar que, apesar do melhor ter me
acontecido no dia do meu aniversário – que por acaso foi comemorado em
uma festa com toda a minha família estranha reunida –, aconteceu também
uma coisa nada boa: a briga com Sam.
Falando sério, minha felicidade tá insana, mas não posso deixar de
ressaltar aqui que, porra, é frustrante. No mesmo dia que minha namorada
voltou pra mim, foi também o dia que meu melhor amigo se afastou.
E não estaria relatando isso aqui se não soubesse que foi um bagulho
sério. Samuel me olhou no olho quando disse que esperava que não nos
encontrássemos mais e… caralho, eu tô me sentindo maior mal.
Quero dizer, me sinto ingrato com ele. O cara sempre me ajudou e
nunca reclamou de nada. Sequer me fazia lembrar no dia seguinte das crises
que eu tinha, quando ele sempre estava me ajudando estando presente.
Então, é, ter visto ele saindo com tanto ódio de perto de mim, não foi
nada bom.
— Não vem deitar? — a voz doce da minha namorada me chama, e eu
preciso olhar pra ela. Como se eu tivesse conseguido o contrário… Só parei
pra pegar o notebook e, bom, fazer o que tanto já estava me mastigando por
não fazer.
E deitada na minha cama, no meu quarto, os seios descobertos e um
sorriso que me faz sentir como o cara de mais sorte do mundo, encontro seu
olhar por um momento; onde sou capturado.
Nós viemos pra minha casa depois que a festa acabou. Lucy me
convenceu que seria bom se eu ficasse até o fim do dia. Sua mãe está feliz,
bem observou. E ela estava mesmo. Nem parecia que tinha rolado uns socos
na festa.
Então a gente ficou e, quando não dava mais pra segurar a vontade de
ter Lucy só pra mim, eu disse que precisávamos vir embora.
Meus amigos tinham saído há algum tempo da festa, mas não vieram
pra cá – pra minha sorte. Então não tivemos problemas ao chegar.
Conseguimos matar um pouco da saudade até Lucy dizer que estava
cansada.
— O que você está escrevendo aí que te fez sorrir desse jeito? — ela
quer saber.
Ergo as sobrancelhas, e a vejo se sentar na cama pra depois levantar e
vir até mim, na escrivaninha.
Ela fica de pé ao meu lado e se inclina um pouco pra ler no notebook.
— Esqueci meus óculos — murmura, antes de ler em voz alta: —
Conseguimos matar um pouco da saudade… Ah — ela agarra minha
cabeça e me dá um beijo estalado na bochecha. — Fofíssimo — então
retoma a leitura: — Até Lucy dizer que estava can… Ei!
Ela se afasta, me olhando incrédula.
— Você não pode ser tão detalhado assim, Ryan — reclama.
— Eu escrevo — dou de ombros. — Essa é a cor da escrita, amor. Os
detalhes. Me perdoa. Ninguém vai ler mesmo.
Agora ela ri.
— Só quem pegar seu notebook.
— Sendo uma pessoa fofoqueira — sorrio com ironia, e a puxo pra
minha perna, onde ela cai sentada com um gritinho.
— Foi sem querer. Desculpe — lamenta.
— Tudo bem, passou — aperto sua coxa, e seus olhos amarelados se
voltam pra mim, desviando do notebook.
— Você me acha fofoqueira? — ela pergunta, e ao mesmo tempo
responde: — Eu só estava curiosa sobre você.
— E você acertou em cheio. Nada me descreve melhor que isso aqui
— gesticulo o notebook. — Me achou maluco quando leu?
Lucy ri.
— Um pouquinho.
Nós dois olhamos pro notebook ao mesmo tempo, antes de ela
complementar:
— Não é louco pensar que foi de algo que você escreveu enquanto
estava com a cabeça cheia, que nossa união aconteceu?
Dou um meio sorriso.
— Loucamente bom.
— Por palavras… — ela divaga. — Você tinha ideia que seus escritos
poderiam ser lidos por mim algum dia? Digo, quando começou a escrever e
me colocar tanto no meio?
— Honestamente, não — admito. — Isso nem passou pela minha
cabeça. Até porque eu ficaria envergonhado se te pegasse sabendo da minha
cabeça bagunçada. Então não, nada a ver mesmo. Por isso era tão libertador
escrever sobre algo que eu não tinha com quem falar.
— Você ficou muito chateado pelo que eu te disse na primeira vez que
nos encontramos, não é?
Solto um suspiro pesado.
— É. Muito — balanço a cabeça. — Mas meio que foi bom. Se você
tivesse agido diferente e aceitado a oferta de eu passar a noite com você,
provavelmente tudo não estaria como tá agora.
— Não acredito que você fazia isso de oferecer noites com você —
Lucy faz um beicinho. — Fico triste em pensar que meu homem se oferecia
assim.
Dou risada.
— Tentei driblar você, nada costumeiro — esclareço. — Eu não saía
por aí fazendo esses convites… Não com frequência.
— Ah — sua lamúria me faz sorrir e abraço-a pela cintura. — Que
bom que agora você é meu — seu rosto se inclina um pouco. — E
unicamente meu.
— Só seu? — dou um sorriso, sua boca encostando na minha pra ela
confirmar.
— Só meu, todinho meu.
— Que possessiva, meu amor — mordo seu lábio inferior, Lucy
gemendo no meu colo e me abraçando pelo pescoço.
— Não sou possessiva, mas estou deixando claro que o meu namorado
lindo e gostoso pertence a mim, só a mim, pra amar.
Dou risada, segurando debaixo das suas pernas juntas com um braço
enquanto o outro rodeia sua cintura, então me levanto com ela; e, quando
estou nos levando até a cama, ouço o barulho de uma porta batendo.
Lucy me olha, questionando em silêncio.
— Um dos caras, provavelmente — respondo, sem muito interesse.
Ela bate em meus ombros e deixo suas pernas tocarem o chão.
— É melhor você ir ver quem é — aconselha. — Eu espero aqui, na
cama.
Não tenho muita vontade de saber qual dos meus amigos chegou, mas
também acho que faltou um pouco de papo com eles durante o dia.
Principalmente porque, pelo jeito que Douglas e Nathan ficaram focando na
gente, eles não pareciam acreditar muito no que estavam vendo. E teve
também a desavença com o Samuel.
E eu meio que entendo. A gente não tem a vibe relacionamento na
cara. Eu não tinha. É uma coisa estranha mesmo me verem doer por uma
mulher. Não vou culpar eles. Não dá pra culpar.
— Tá — concordo com Lucy, contragosto. — Eu já volto.
Saio do quarto, seguindo o som dos ruídos que me levam a um dos
quartos do corredor. E minhas sobrancelhas saltam quando vejo a
movimentação dentro do quarto de Samuel.
Me aproximo da porta entreaberta, sem nada esperar, e o encontro
jogando as roupas que estão em cima da cama dentro de uma mala.
— Tá indo embora? — pergunto, me recostando no batente. Não existe
uma atitude ou uma fala certa, pra fazer ou dizer. Só deixo o barco seguir.
Ele não me olha e não para no ato de persistir a jogar as roupas na
mala de qualquer jeito.
— Deus me livre atrapalhar você e sua amada por mais um segundo —
ele ironiza, ainda que usando um tom firme. — Então te respondendo, sim,
tô indo embora. Vazando daqui.
— Pra onde? — quero saber. Não vou me desculpar pelos socos que
dei nele. Ele ofendeu a minha namorada e, quanto a isso, eu não respondo
por mim.
— Ainda não sei — ele fecha a primeira mala e parte pra segunda,
enchendo-a com blusas sociais e shorts. — A única coisa que sei é que
maldita foi a hora que resolvi que a gente devia chamar alguém pra limpar
sua casa.
Não gosto de como o pronome soa solto no ar, mas entendo que o
objetivo foi deixar claro que ele não faz mais parte daqui.
— Você sabe, cara, que nós não precisamos criar um atrito na nossa
amizade por causa da Lucy — me aproximo, entrando no quarto. — Essa é
a hora que eu queria que você tivesse feliz por mim. Eu encontrei alguém
pra amar, e que me ama também. Isso não pode te deixar alegre também,
por mim?
Ele enfim me olha e eu faço uma careta ao ver seu rosto. Acho que
pesei muito a mão nos socos.
— Você tá me zoando, né? — questiona. — É uma puta zoação que tu
diga isso. Eu não acredito nessa porra de amor, Ryan — ele volta a enfiar as
roupas na mala. — E te ver querendo alguém que te faz mal, só dá forças à
essa descrença.
Fico quieto enquanto escolho as melhores palavras. Não posso culpar
ele porque não crê no que nunca viveu.
— Eu também não me ligava muito nisso de amor — digo. — Você
sabe disso. Não faz sentido querer, dar e receber atenção de uma única
mulher quando temos tanta escolha e tantas querendo a gente.
— Espero que esteja se ouvindo e assim caia na real — Samuel fecha a
segunda mala e a coloca no chão, pegando uma de suas mochilas da cama e
indo até a cômoda alta no canto do quarto.
— Mas esse é o ponto do amor, cara — observo ele deslizar seus
perfumes e cosméticos pra dentro da bolsa. — O amor não é explicável, ele
só acontece, e acaba com o sentido do que a gente achava que tinha um
sentido, mas na verdade não passa de mata-hora.
Meu amigo entra no banheiro, onde vai buscar o restante das suas
coisas. E, quando retorna ao quarto, eu espero sua resposta.
Que não vem. Mas é meio barra tentar explicar algo que é real pra
alguém que não acredita. Principalmente em se tratando de sentimentos.
Nenhum dos caras que moram comigo se amarram muito nisso.
— Peguei tudo, eu acho — ele diz, ignorando tudo que me ouviu dizer.
— Se encontrar algo meu, pode jogar fora ou sei lá. Faz o que você achar
melhor — Samuel dá uma olhada na cama em que dormiu por tantos anos.
— É — ele eleva os ombros, os abaixando lentamente de acordo com a
respiração. — Acho que é isso.
— Sabe que não precisa ir — cruzo os braços. — Eu não vou ficar
aqui com a Lucy mesmo. Vou comprar uma casa nova pra morar com ela.
Samuel ri, me estudando.
— Você tem noção que acabou de fazer 22 anos? — questiona.
— E o que tem?
— Significa que você é muito novo, ainda não sabe o que tá fazendo, a
consequência disso, e tudo o mais. Nitidamente tá metendo os pés pelas
mãos e… — ele balança a cabeça em negação. — Bom, te desejo que isso
preste enquanto dure. Isso se durar…
Samuel coloca a mochila nas costas e agarra as alças das malas com as
mãos, me olhando pra dizer:
— Se um dia você se arrepender, não me procura, não, falou?
— Cara, você não precisa me jogar tanto descaso — minha voz não
tem alteração alguma porque, o que eu faria, não é? O cara não acredita
mesmo no amor. — Você ainda é o meu melhor amigo.
— Se manca, Ryan. Você me deu uma surra. Que tipo de melhor
amigo é esse que você me considera?
— Você ofendeu a minha namorada, não fica esperando desculpas
minhas. Você que deve desculpas a ela.
Ele ri.
— Devo. Não devo nada nem a minha própria família — ele começa a
se mover pra fora do quarto.
— Então é isso? — pergunto, seguindo-o até o corredor.
— É isso — Samuel não me olha ao concordar. — Tô indo, pra nunca
mais. Fui que fui, e vou de uma vez.
Fico olhando enquanto ele desce a escada com as malas, parecendo
sem paciência quando joga as duas no chão e desce os degraus sozinho,
pegando-as lá embaixo.
— Vou deixar a chave da tua casa no porta-chaves — ele grita o último
aviso e, segundos depois, ouço a porta bater, se fechando.
Logo passos estão atrás de mim e Lucy aparece na minha frente então,
me olhando com apreensão enquanto morde o lábio.
— Desculpe — ela sussurra. — Eu jamais quis isso.
— Fica tranquila, amor — puxo ela pra mim, Lucy deitando a cabeça
no meu peito. — Não é culpa sua. O Samuel só… ele não acredita.
— Na gente?
— No que um cara pode sentir por uma só mulher — meus lábios
raspam em sua testa. — Ele não tem sossego.
— Por que os homens gostam tanto de ficar com várias? — ela
sussurra.
Dou risada.
— Não sei, acho que acaba sendo natural. A gente nem percebe que é
um gostar de ficar com várias. Na verdade, gostamos mesmo do sexo. Daí,
experimentar sexo com várias.
Ela me olha, os olhos estreitos.
— Isso é tão superficial, Ryan.
Rio de novo.
— Faz parte da vida, eu acho — seguro seu queixo e balanço um
pouco. — Vamos pra sua casa agora? Meus sogros devem ter sentido minha
falta.
Ela sorri, balançando a cabeça.
— Vamos. Mas, antes... — fica na ponta dos pés, alcançando meu
pescoço com a boca ao mesmo tempo que suas unhas encontram minha
nuca, me tirando uma respiração funda. — Preciso do meu namorado mais
um pouco.
Agarro sua cintura, segurando-a pra mim.
— Pensei que você tava cansada.
— Estava sim — ela beija meu pescoço. — Mas já me recuperei.
Tiro-a do chão, nos levando pro quarto com ela em meus braços; Lucy
dando uma risada gostosa e que me enche de certeza. Do aqui, do agora, do
futuro.
Sem medo, nenhum medo. Ela tá comigo, não dá pra errar nessa. Não
tem como errar.
— E o que vamos fazer? — sua pergunta me faz sorrir.
— Agora a gente vai viver.
Eu, reviver.
Porque me sinto respirar outra vez.
Epílogo
Tô nervoso pra caramba. Não sei se é a melhor hora pra essa atitude.
Quero dizer, a Lucy pode me achar precipitado demais porque, afinal, faz
apenas alguns meses que estamos morando juntos.
Tá certo que, somado ao tempo que nos conhecemos, tem bem mais de
um ano, mas mesmo assim… pode ser que na hora que eu abrir a boca pra
fazer o pedido, ela me olhe com aqueles olhos amarelados perfeitos e
pergunte: "como assim, Ryan?".
Mas é um risco que tô disposto a correr, porque meu coração e eu não
podemos esperar mais. A gente não consegue se conter. Precisamos que
nosso amor seja alicerçado de todas as formas possíveis. É preciso que
Lucy entenda que o que eu sinto por ela é tão forte que não dá pra se
contentar em só namorar morando juntos. Não é suficiente, porque sei que
não é tudo que podemos ter.
Então, é, eu passei umas boas horas na cozinha hoje desde que cheguei
do trabalho. É uma das coisas que Lucy ama em mim, o fato de eu saber
cozinhar. Ela fica toda contente quando digo que "preparei uma receita
nova".
Abro um sorriso ao me lembrar disso. Ao menos, tenho uma carta na
manga pra quando a gente discutir. Não que eu ache que isso vai acontecer
com frequência, mas sei que ela não concorda com todas as atitudes que
tomo – a maioria delas a meu próprio respeito. Mas, quando acontecer, já
tenho uma ideia do que fazer: cozinhar pra ela.
Conferindo pela décima vez se a aliança continua no meu bolso, vou
até o forno dar uma olhada no frango. Depois, me desloco até a ilha, onde
pego a garrafa de vinho que trouxe da Winess e levo pra mesa, colocando
junto dos pratos e ajeitando as velas, que ajudam a deixar o ar mais íntimo.
Analiso de longe, observando o que dá pra melhorar e, quando vejo
que tudo já tá ótimo, volto pro fogão, onde termino de preparar o purê de
batatas.
Algum tempo se passa até que eu ouço a voz dela. Ainda tá longe, me
dando a percepção de que Lucy acabou de entrar e ainda vai deixar os
sapatos no armário da entrada antes de começar a me procurar.
Então corro contra o relógio, tirando o frango do forno e levando pra
mesa; despejando o purê em uma travessa e pegando a bandeja de aspargos
antes de também levar pra superfície de vidro.
Lucy me chama. A voz dela me gela, em um arrepio de nervoso.
Vou mesmo fazer isso?
Vou.
— Tô aqui! — grito. — Na cozinha.
Lucy não demora cinco segundos pra aparecer, abrindo um sorriso
lindo pra mim antes da mesa chamar sua atenção.
Seus olhos saltam e seus lábios se entreabrem.
— Nossa, amor — ela vai se aproximando de mim. — Hoje você se
superou. Que lindo, e parece estar muito gostoso também! — seus olhos
encontram os meus. — Tem alguma data especial hoje que por acaso eu
possa ter esquecido?
Balanço a cabeça em negativa.
— Não — gesticulo pra mesa. — Vamos comer.
— Nem precisa chamar — Lucy me dá um beijo na bochecha antes de
ir pra mesa, tomando assento em uma das cadeiras, e me lançando um olhar
curioso. — Você está bem?
Me dou conta que a pergunta veio porque fiquei parado com cara de
bocó, então assinto.
— Tô, tô bem — garanto, indo me sentar ao seu lado.
Disfarçadamente, passo as palmas das mãos na calça.
Tô suando, pra caralho. Achei que seria moleza isso. Nós temos
intimidade suficiente pra qualquer coisa. Por que será que é tão
amedrontante pedir pra mulher que eu amo fazer parte da minha vida pra
sempre?
Pô, porque é minha vida! Quem quer fazer parte disso se...
Não! Chega desses pensamentos.
É aqui. Agora. Lucy e eu.
— Amor — ela puxa a cadeira pra mais perto da minha, conseguindo
me abraçar, passando uma mão no meu ombro. — O que houve? Foi um dia
difícil no trabalho?
— Eu não sei como fazer isso — dou uma risada, tomado de
nervosismo enquanto a olho. Tão perto de mim, ao meu lado, o amor
brilhando nos seus olhos. — Mas eu preciso fazer.
— Fazer o quê? — Lucy fica em um misto de preocupação e
curiosidade.
— Eu fiz esse jantar e... — gesticulo a mesa, me sentindo o maior
panaca. — Eu pensei que precisaria disso. Levei esse tempo pensando no
que falar, como falar... não só nessas horas, mas desde que decidi que
tomaria essa atitude. E isso faz um tempo. Mas o lance é que nada nunca
poderia me preparar o suficiente ou me dar as palavras certas.
— Ryan... — ela hesita, meus olhos cravando nos seus. — Do que
você está falando?
Eu puxo minha cadeira pra trás, o suficiente pra conseguir enfiar a mão
no bolso e tirar a aliança.
Consigo ver o exato momento em que Lucy arregala os olhos, olhando
o anel brilhando na palma da minha mão aberta.
Então seus olhos levantam pra encontrar os meus de novo.
— Nada nunca ia me preparar pra isso — digo. — Pra esse momento e
esse pedido. Não é difícil pra mim perguntar se você quer passar a vida toda
dividindo-se — dou um sorriso — comigo. Dividindo seu tempo, seu
sorriso, suas risadas, suas alegrias e suas tristezas, seu estresse, seus choros
ou seus abraços. Tudo. Dividindo-se comigo, amor. Não é difícil. A parte
difícil é não saber qual vai ser sua resposta quando eu perguntar em alto e
bom som — me levanto, só pra me ajoelhar em sua frente: — Lucy Waller,
você quer se casar comigo?
— Ryan, eu... — sua mão vai a boca, sendo a primeira reação depois
dos olhos arregalados. — Sim — é um sussurro entrecortado. — Meu Deus
do céu, claro que sim. Sim, meu amor, sim — ela balança a cabeça e ri, me
estendendo a mão pra que eu coloque a aliança no seu dedo. — Agora eu
preciso de...
Interrompo seu fluxo de palavras e descrença com um beijo, chiando
de desejo quando suas unhas cravam nos meus ombros.
A gente se beija por um tempo. Todo o tempo. Tempo nenhum. Porque
nossos lábios sempre parecem querer mais.
— Você é sempre tão impressionante — ela sussurra por cima da
minha boca. — Eu nunca achei que... — hesita, me fazendo buscar seu
olhar.
— Que o quê? — quero saber.
— Que você fosse querer se casar — ela me analisa antes de continuar:
— Achei que a ideia de casamento poderia te dar uma ilusão de, sei lá, estar
preso a alguém e, levando em conta a prisão que você teve na própria
mente, jamais eu poderia pensar que você ia querer se casar comigo.
— Eu teria que ser louco pra não querer me casar com você — beijo o
canto da sua boca e depois seu pescoço, levantando o rosto pra enfatizar: —
Louco.
Lucy sorri.
— Que bom que eu estava errada.
— Eu adoro quando você percebe quando tá errada a meu respeito.
Ela encosta a testa na minha.
— Não acontece tanto... — murmura. — Você sabe que vamos ter que
convidar os seus amigos para o nosso casamento, né? Incluindo o Samuel.
— Não sei disso de vamos ter — acaricio suas coxas. — O cara não
nos queria juntos, então não vejo um motivo pra ele ser convidado.
— Se chama consideração, meu amor — ela segura meu rosto, me
fazendo olhá-la. — E além disso, vocês são amigos. Não sei porque estão
deixando isso de lado a troco de mágoa.
— Porra, amor. Para. Você sabe que não é isso. Não é mágoa. O
Samuel é uma porta que, se as coisas não acontecem do jeito dele, então ele
não aceita.
— Bem, ele vai ter que superar. Porque vamos nos casar. Ele é seu
melhor amigo, você o considera um irmão, eu vi isso escrito nos seus
relatos esses dias. Por que o amigo que você se sente tão próximo não pode
ficar feliz por você?
— E você tá fazendo essa pergunta pra mim?
Ela balança a cabeça.
— Não vamos ter um bate boca hoje, mas ainda acredito que devemos
mandar um convite para ele.
Dou um sorriso.
— Apressada nem um pouco minha noiva — digo, experimentando a
palavra pela primeira vez.
Lucy abre um sorriso enorme enquanto volto pra cadeira e a puxo pra
perto de mim.
— Podemos nos casar no Brasil, assim seus avós e amigos de infância
participam também da cerimônia — ela sugere, me deixando surpreso.
— Sério? Você pensou mesmo nisso?
— Pensei agora — sorri. — Não acha que é uma boa ideia?
— Boa até demais, igual você — puxo sua mão com a aliança e
observo o anel brilhar no seu dedo.
— Arrependido? — ela ri.
— O único arrependimento que tenho e sempre vou ter, é das horas
que não consigo passar com você.
— Ah! como que compete com as declarações de amor de um escritor?
É desvantagem garantida.
Dou risada.
— Eu amo você — beijo sua mão.
— Também te amo — ela se inclina e deixa um beijo estalado na
minha boca, voltando a sentar direito e observando a mesa. — Mas todo
esse nervosismo que senti de você se declarando, me deixou com fome.
— Vai em frente. Espero que você nunca me deixe igual a fome não te
deixa.
Ela vira o rosto pra mim, dando uma piscadinha de olho e
esclarecendo:
— A fome por você é impossível de saciar.
Dou um sorriso, olhando-a começar a se servir enquanto considero:
Antes, eu não sabia o que era amar.
A vida me fez doer [e arder] em confusão
A caminhada até aqui
... sem atalhos
De alvo ao amor
... não foi moleza, não
Mas eu consegui chegar
e cheguei ao ponto
final.
CAPÍTULO EXTRA
— Você vai dizer para ele o que fez! — eu ouço minha noiva gritar pra
irmã enquanto desço os degraus da escada.
Julie gosta de passar alguns finais de semana na nossa casa. Tanto pra
ficar perto da irmã, quanto pra se trancar na sala de filmes e ficar assistindo
tudo o que quer.
— Diz para ele o que você fez, Julieta — Lucy se altera, me olhando
em seguida e balançando a cabeça em negativa.
Dou um sorriso e olho minha noiva. Caralho, ela tá mais furiosa ainda
depois dessa.
— Desculpa. Eu que errei em ter dado os seus escritos para ela ler.
Minha cunhada ergue os olhos pra mim, mas eu não sei o que dizer.
Ela me olha.
— O quê?
Seu sorriso é largo, mas morre aos poucos quando olha a irmã.
Dou risada.
— Deixou. Faz anos que tento escrever algo bom nesse aplicativo e
nunca consegui — ela abana uma mão no ar. — Claro que vou dizer que
não é de minha autoria. Não se preocupa, cunhado. Não sou plagiadora.
— Tudo bem, Lucy — tranquilizo-a. — Não faz mal ela ter postado.
— Não fiz isso — ela discorda —, ajudei meu cunhado. Você ajudou
de um lado e eu ajudei do outro. E, Ryan — me olha —, vou deixar meu
usuário e a senha com você, se você quiser alterar alguma coisa, vai poder.
Sua irmã ri antes de avisar que vai assistir Ella Encantada na sala de
TV porque é apaixonada pelo príncipe e que qualquer coisa podemos
mandar uma mensagem pro seu celular, então nos deixa.
— Ah, tudo bem. Não é algo que me atinge mais — acaricio suas
costas. — Um tempo atrás, me colocaria em alarde, mas, no fim, esse
sempre foi meu motivo de escrever. Além de me ajudar a lidar com tudo de
forma mais suportável, eu também sempre quis poder compartilhar com as
pessoas. Só não imaginei que seria sobre minha vida.
— Esse raciocínio eu não entendi, mas fico aliviada que você não
tenha ficado...
— Isso me deixa orgulhosa — sua mão vem ao meu rosto, seu sorriso
me aquecendo. — Eu tenho orgulho de você.
Série Os Mackenzies:
Amor em Atração
Amor em Redenção
Amor em Obsessão
Amor em Opção
Amor em Omissão
Amor em Negação
Amor em Ilusão
Amor em Impulsão
Amor em Possessão
Amor em Intenção
Amor em Pretensão
Amor em Obstinação
Amor em Depressão
Amor em Presunção
Amor em Ambição
Amor em Solidão
Amor em Exceção
Amor em Emoção
Série Armstronger:
Submissão sob Amor
Coração sob Amor
Rendição sob Amor
Perseguição sob Amor
Livro único:
Falhas de Amor
Série Os Irreverentes:
À Prova do Amor
À Sombra do Amor
À Espera do Amor
À Deriva do Amor
Às Escuras do Amor
Booktrailer Os Armstronger
Booktrailer Os Mackenzies