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Os 4 elementos

Nathalia
Marvin
Copyright © Nathalia Marvin 2020
Todos os direitos reservados. Os personagens e eventos retratados
neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
falecidas, é coincidência e não é intencional por parte da autora. Nenhuma
parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de
recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a
permissão expressa por escrito da autora.
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Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Epílogo
Bônus
CAPÍTULO EXTRA
Esse livro faz parte de mim e do meu coração,
e à minha confusão...
uma história.
Prólogo

Mais uma manhã normal por aqui.


Douglas acordou, me deu bom dia e foi em busca de uma caixa de
cereal. Depois comeu todos os salgadinhos de um saco pequeno e
murmurou sobre ainda estar com sono; Nathan levantou logo depois, ligou
a Alexa e colocou uma música pra agitar o ambiente, como ele gosta de
dizer; Samuel – Sam, como gosto de chamar – foi o último a se levantar,
como sempre. Ele reclamou de tudo e no fim preferiu ir jogar em um dos
quartos. Pro seu azar, ninguém do seu time estava online e ele decidiu dar
uma volta no shopping.
No fim, à tarde, sobrou eu. Desde às cinco da manhã com a porra do
notebook no colo, sentado nesse sofá com as pernas apoiadas na mesa de
centro, suplicando que alguma coisa flua. Qualquer coisa. Pra ser bem
objetivo, não aguento mais escrever e apagar.
Um loop do caralho que daqui a pouco vai me fazer ir parar no médico
ou coisa pior. E Deus me livre ter que ver a cara do Dr. Steve tão cedo de
novo. Ou do meu psicólogo.
Ele só me lembra todo o episódio depressivo e angustiante que passei
há cinco anos. Todo aquele lance do meu avô pegar uma faca e enfiar no
meu peito. Ele ficou puto de raiva do nada, sei lá porquê. Eu só tinha ido
fazer um convite pra festa da filha dele. Muito sem noção o velho.
O lance é que tô muito curado de tudo isso, sério mesmo. O que me
pega é que hospital/médico me dão calafrios. Porque, querendo ou não, me
fazem lembrar. Não só do acidente, mas de todas as consequências do
mesmo. Minha família e tudo o mais. E aí fica toda aquela sensação ruim à
minha volta, que eu não gosto. Não me amarro nisso de bad vibes.
Então, pro bem geral, alguma coisa tem que fluir. Além do meu
desabafo. Como estou fazendo agora. Que barra. Não quero chegar no
ponto de escrever um diário e fingir que é uma coisa séria que posso
compartilhar com todos e me orgulhar. Seria tipo como se eu fosse um
adolescente e não um adulto de 21 anos.
— Aí — Douglas me joga um chaveiro com uma bola de futebol, que
esbarra no meu ombro e cai no chão. Ele está sentado no sofá ao lado
oposto há um tempo, fazendo sua atividade favorita: NADA. — Por que
você tá calado o dia todo?
— Talvez ele esteja de porre — Nathan responde, terminando de
colocar um dos seus troféus em cima da lareira.
Nathan é o cara que mais ganhou troféu na infância dentre nós todos.
De futebol, natação, pintura, aluno do ano. Todas essas porras. Ele decidiu
que seria bom deixar a sala de estar um pouco com a sua cara, então hoje
trouxe todos pra cá. Ele se orgulha muito de tê-los e parece ter um ciúme
obsessivo de cada um, porque quando Douglas fez menção de pegar um
para olhar assim que a caixa foi colocada no chão, Nathan quase o
espancou.
Claro que todos esses troféus ajudam um pouco no ego do cara. Deve
dar uma impressão que Nathan não é tão inútil quanto seus pais o fazem
parecer e acreditar. Às vezes fico um pouco comovido por ele.
Ele é herdeiro de uma das empresas de Tecnologia de maior nome da
atualidade. Filho único. Então, aquela pressão. Acho que Nathan não sabe
lidar com isso e é simples assim. Desde pequeno ouvindo que tem que ser o
melhor, se comportar, ser bem visto, ser como o pai que, pra variar, Nathan
odeia. Porra, a cabeça desse maluco não é das melhores.
Analisando assim, acho que é justificável a sua sede por uma vida
desregrada. Deve deixá-lo mais tranquilo quanto a responsabilidade que o
aguarda lá na frente. Nathan, se um dia você ler isso, sinto muito, cara. Não
tem jeito, você é o herdeiro da Tecnus, e não adianta odiar seu pai.
— Ele não tá de porre — Douglas contesta, e ergo os olhos para vê-lo
confuso enquanto me observa. — O que tá pegando, Ryan?
— Tô escrevendo.
Meu amigo permanece alheio. Diria que pensativo. E, se posso dizer
como um exímio observador, Douglas pensa demais. Dentre nós, ele é o que
mais pensa. Mas geralmente os pensamentos o fazem parecer um idiota. Ele
fica parado, encarando a gente, confuso na própria cabeça, até que solta
algo nada a ver pela boca. Não é uma crítica, eu amo o cara, mas às vezes
seria bom se ele fosse um pouco menos devagar. Pro próprio bem dele.
— Mas você vai apagar de novo? — ele quer saber. — Porque, tipo,
faz dois anos que você tá nessa de "tô escrevendo".
— Cinco anos, na verdade — Nathan caçoa, me fazendo ranger os
dentes.
— Qual a graça? — grunho, mas foco em Douglas. — Não é
pertinente que tu fique fazendo essas observações. Eu tô tentando fazer sair
alguma coisa.
— Você percebe que não tem base? — ele se inclina pra frente,
apoiando os cotovelos nos joelhos. — Não tem como você esperar escrever
algo que não tem base. Acho que nenhum escritor começa a escrever só por
"vou escrever".
— Que porra é essa que vocês tão dizendo? — Nathan quer saber. —
Que papo aleatório.
— Acho que entendi — meneio a cabeça. — Tá dizendo que não sei
sobre o que quero escrever e por isso fico nessa.
Douglas fica me encarando, então concorda depois de segundos no
mundo da lua.
— É isso. Você tinha dito aquilo um tempo atrás que ia escrever sobre
nós — ele sorri, quase rindo. Apontando para o nosso redor, complementa:
— Mas olha só, nossas vidas são uma desgraça. Quem tem empenho em
escrever sobre isso?
— Fale por você — Nathan imediatamente se incomoda. — A minha
vida é uma maravilha.
Douglas bufa um riso, zombando notoriamente.
— Fala sério, Nathan. A gente nem lembra o que faz nas noites.
— Eu sei — Nathan coloca o último troféu em cima da lareira. — Essa
é melhor parte.
Douglas faz uma careta, mas opta pelo silêncio.
— Vamos pedir pizza hoje? — Nathan pega a caixa vazia do chão e
segue para a cozinha.
— Enjoei — Douglas responde, sem vontade. — Sei lá, tô carente.
Queria uma namorada.
Nathan gargalha da cozinha e eu tiro a atenção do notebook um
segundo porque também quero rir.
— Que papo é esse, cara? — pergunto.
— O quê? Agora também eu não posso desejar uma coisa diferente?
Vão me criticar agora? — ele rebate, ofendido.
— Você não namora — Nathan ressurge da cozinha, indo cair deitado
na poltrona massageadora.
— É — concordo. — Tu tá ligado na mina que saiu daqui chorando
porque você expulsou ela depois que ela se declarou, ou já se esqueceu?
— Não — ele resmunga, então parece repentinamente pensativo. —
Fui cruel?
— Não foi — Nathan responde, dando de ombros. — Você disse pra
ela que era só diversão, ela se iludiu porque quis. Não é sua culpa.
— É, faz sentido — Douglas concorda. — Eu avisei.
— Avisou o quê? — Samuel pergunta, se juntando a nós.
— Caralho, fala que tá entrando — Nathan reclama quando Sam
adentra a sala de estar.
— Ah! Pode deixar, princeso. Vou te mandar uma mensagem sempre
que tiver chegando pra não te assustar — ironiza. — Qual o papo?
— Douglas tá carente, querendo uma namorada — respondo, tentando
não sorrir quando Sam encara nosso amigo com um olhar engraçado.
— Mano, não faz dois meses que você expulsou a garota que queria te
namorar. Que palhaçada é essa agora?
— Eu não posso mais mudar de ideia? — Douglas abre os braços,
pedindo compreensão.
Samuel volta os olhos para mim e depois pro Nathan, que está
visivelmente se divertindo às custas do Douglas.
— Sabe o que acho? — Sam questiona, não esperando para prosseguir.
— Que nós deveríamos tirar a atenção dos problemas sentimentais desse
idiota e destinar ao que realmente importa.
— Que é…? — questiono.
— Alguém pra limpar e cuidar dessa casa.
Nathan bufa.
— A gente já faz isso. Eu não vou gastar meu dinheiro com supérfluos.
— O dinheiro do seu pai, você quer dizer — Douglas alfineta,
provavelmente descontando sua ira por ter servido de chacota.
— Foda-se? — Nathan rebate.
— Acho uma boa — digo. — A casa tá mesmo uma zona. Não dá pra
eu me concentrar assim.
— Se concentrar em que e pra quê? — Sam quer saber.
— Escrever — Nathan e Douglas respondem em uníssono.
— Pô, cara, ainda nisso?
— Sempre nisso — sorrio.
O que posso dizer? É o que me amarro em fazer. Mais que qualquer
coisa. Nem que eu apague tudo que eu escreva, e depois escreva de novo, e
assim sucessivamente. Eu me amarro. Me refaz e renova. Me faz vivo.
... diferente de um tempo atrás.
E agora vou parar porque me sinto estranho em admitir isso pra uma
tela branca enquanto sou observado pelos meus três amigos que parecem
esperar alguma resposta.
Isso não é um bloco de anotações, que fique claro, nem o meu dia a
dia; são apenas palavras que vão fluir conforme eu adio as minhas
responsabilidades inerentes e relato o que eu achar que é coerente.
Espero que faça sentido, no fim de tudo.
Capítulo 1

Jogo a bolsa no chão do quarto e deixo meu corpo falido e molhado


cair na cama.
Que dia terrível. Como se não bastasse ter ouvido uns gritos dos meus
chefes, teve que chover no momento em que deixei o prédio onde trabalho
como publicitária. Tive o chamado dia de cão.
— Deixa só a mamãe ver você sujando a cama — Julie, minha irmã de
12 anos, entra no meu quarto só para soltar seu veneno e então vai embora.
Reviro os olhos e faço um esforço para levantar e ir fechar a porta.
É uma coisa não ter privacidade. Eu moraria sozinha, mas... Não,
obrigada. Tenho medo até da minha sombra. Sem contar que não ganho o
suficiente para isso, além de que gosto de ter meus pais por perto. Eles são
amorosos e, confesso, não vivo sem eles.
Volto para cair na cama outra vez, mas meu celular grita em toques
dentro da bolsa, me fazendo parar. Eu só espero que não seja a minha chefe
me cobrando alguma coisa. É a cara dela me ligar depois do horário e
solicitar “emergências”.
Pego a bolsa do chão e enfio a mão dentro, vasculhando pelo celular.
Assim que o encontro, confiro o visor. O nome da minha melhor amiga
desde a época da escola dança na tela, me dando tranquilidade.
— Oi, Samara — atendo.
— Lucy! — ela quase grita, parecendo ofegante e contida. — Você
está livre?
— Depende para quê — sento na ponta da cama e uso a mão livre para
pentear os cabelos molhados com os dedos.
— Para me ajudar — ela expira, o som da sua respiração ocupando a
linha por algum momento. — Eu estou um pouco frita.
Solto um riso.
— O que houve dessa vez? Você está tendo que limpar algum vômito
ou algo assim?
Ela solta um som coberto de nojo.
Mas é bem verdade que Samara encontra os piores trabalhos. Ela não
se importa muito com o cargo, desde que lhe dê algum dinheiro no fim do
dia. Minha amiga tem pânico de pedir dinheiro aos irmãos, com quem mora
desde que os pais se mudaram para outro estado.
— Não é vômito, mas eu levei para fora dois sacos de lixo repletos
de... — ela sussurra: — preservativos.
— Que caótico — me levanto para ir abrir as cortinas da janela do meu
quarto e poder ver as gotas de chuva batendo no vidro. — Mas qual a ajuda
você está precisando?
Samara pigarreia.
— Estou fazendo faxina em uma casa grande no KingWest.
— O bairro chique?
— Sim, mas é um lugar muito, muito grande e não vou conseguir
terminar tudo sozinha. Não poderia vir me ajudar? — suplica. — Aposto
que esses caras não vão querer me pagar se eu não limpar todos os
cômodos.
— Caras? Achei que você estava limpando um motel.
Ela dá um risinho, mas logo suspira.
— É basicamente a moradia de uns gostosos, nada demais — explica.
— Acontece que eu não tenho tanto tempo. Eles me deram até nove da
noite para terminar tudo e, como o de olhos verdes disse, “vazar daqui”.
Faço uma careta.
— Que horas você começou? — pergunto.
— Meio-dia.
— Nossa, Samy. Você comeu?
— Não, mas...
— Você tá falando no celular enquanto trabalha? — uma voz áspera
masculina ecoa no celular, ocupando o espaço da voz de Samara.
— É a minha amiga — ela explica. — Estou pedindo uma ajuda.
— Ajuda pra quê? — o homem quer saber.
— Limpar sua casa.
— Ah, beleza. Se precisar de ajuda masculina, me procura — ele
avisa. — Me chamo Douglas.
— Tá — ela concorda. Um silêncio se segue até eu ouvir seu
resmungo. — Ugh. Filho da mãe, sujou o chão que eu tinha limpado.
Dou risada.
— Não é engraçado, Lucy — ela me repreende, então grunhe um som
melancólico. — Vai poder vir me ajudar? Dois é melhor que um.
Fecho os olhos. Estou acabada já, mas meu trabalho não é braçal como
os de Samy. Talvez faça bem eu descontar meu cansaço psicológico nos
braços.
— Tudo bem — concordo. — Eu vou te ajudar. Me manda o endereço
por whats. Vou só trocar de roupa e estou indo.
— Eu te amo! — minha amiga fica toda aliviada. — Se um dia você
precisar de um rim, eu prometo que vou encontrar um doador.
Dou risada e desligo o celular para ir me trocar.

Samara tinha razão. A casa é gigantesca e constato isso mesmo


estando ao lado de fora. Se daqui tem esse tamanho, imagine por dentro.
Sigo para a porta depois de notar que, aparentemente, todas as luzes da
casa estão acesas. Tudo bem que os caras devem ser muito ricos, mas isso já
beira o desperdício.
Estendo a mão e toco a campainha, aguardando enquanto ajeito o
cachecol.
Pelo menos parou de chover, mas ainda assim está uma ventania
severa e um frio congelante.
A maçaneta de mexe e a porta se abre, um homem de shorts e sem
camisa surgindo para tomar o batente.
Eu engulo difícil, porque... Está certo, é só um cara de quase dois
metros, seminu com os lábios mais carnudos que já vi na vida e uns
desenhos no abdômen que me fazem sentir uma fraqueza nas pernas. Não
posso negar, é uma beleza excelsa. Ele tem cabelos ondulados, castanhos e
muito brilhosos. Tenho certeza que esses fios são macios.
— Quem é você? — o tom áspero da sua pergunta quase me faz
esquivar.
Precisa disso? Desse tom?
— Oi, eu sou Lucy. Vim ajudar minha amiga.
— Sua amiga marcou uma transa com alguém daqui? — ele quer
saber, dando uma olhada dentro de casa. — Não me avisaram nada.
— Não — balanço a cabeça, momentaneamente enjoada. — Ela está
limpando sua casa. Por isso eu vim ajudar.
— Ah! Pode crê — ele abre mais a porta, me oferecendo espaço. —
Entra aí. Ela tá lá em cima enrolada nos quartos ainda.
— Com licença — adentro o espaço oferecido, sendo recepcionada por
uma sala de estar enorme, ocupada por dois homens igualmente seminus.
Um está esparramado no sofá e eu desvio o olhar por ter muita informação.
E o outro está de costas, sentado num sofá. — Eu posso subir?
— Pode, pode — o homem que me recepcionou assente enquanto
fecha a porta. Ele me olha de cima a baixo antes de me oferecer um sorriso
largo demais. — A gente tá aqui em baixo, caso precisem de uma ajuda.
— Não vamos precisar — sorrio de volta, não tão amistosa como ele.
— Com licença.
Eu me viro para seguir às escadas, comprovando que Samara já
terminou de limpar o andar de baixo.
Possivelmente não vamos demorar.
Capítulo 2

Na noite anterior, ficou decidido que chamaríamos alguém para limpar


a casa. Essa tarefa ficou pro Douglas, que entrou em um app de empregos e
escolheu um currículo “aleatório”.
Tava na cara que não foi bem assim quando vi a garota que chegou
mais cedo. Loira, do rosto redondo e angelical, ela parecia mais alguém que
estava prestes a cair na rede do meu amigo do que apenas uma faxineira.
Mas acho que foi uma viagem pensar isso, porque depois de algumas
muitas horas de faxina, ouvi ela pedindo ruidosamente – ainda que tenha
sido educada – que ele parasse de sujar o chão com pó de salgadinho ou o
trabalho dela estaria sendo vão.
Douglas se desculpou enquanto tentava exibir seu peitoral trincado,
mas a garota soltou um “foi mal não, foi péssimo”, e deu as costas pra ele,
ignorando completamente o jogo de sedução do meu amigo.
Nathan achou a cena engraçada, mas eu nem tive tempo de rir porque
estava colhendo os detalhes para poder escrever depois.
E não sei bem se foi a mais brilhante das ideias decidir me atentar aos
detalhes de tudo que acontece ao meu redor e relatar.
Tô pegado nessa dúvida porque mais tarde, no mesmo dia, a
campainha tocou. A gente discutiu sobre quem ia atender, porque
provavelmente era alguma garota querendo uma rapidinha, e meio que todo
mundo queria ser o cara prestativo.
Sam foi atender, dizendo ser o mais velho – como se isso desse algum
mérito. Eu ouvi uma voz feminina trocando palavras com ele, mas não
entendi bem a conversa. Até Samuel voltar pro sofá e explicar que a
faxineira tinha chamado uma amiga para ajudar com a limpeza.
Foi a partir daí que tudo desandou.
Mais esquisito que ter uma faxineira dando esporro em um dos caras
por ele estar sujando a casa, foi todo o desenrolar.
— Por que ela precisa de ajuda? — Nathan questiona. — São só dez
cômodos.
— São cinco quartos e todos têm banheiro, sem contar o andar de
baixo com toda a área externa — Douglas enfatiza, olhando para Nathan
como se ele fosse delinquente. — Você devia dar mais valor ao trabalho dos
outros, cara.
— Por que é que você choraminga tanto igual uma mocinha mesmo?
— Nathan implica. — Alguém avisou que não vamos pagar a ajudante
dela?
— Ela sabe — Sam volta para a sua poltrona de frente para a TV, onde
uma nova partida do seu jogo favorito começou. É hora dele recomeçar os
gritos e xingamentos, amaldiçoando todo os jogadores do seu time.
— Deixa comigo — me levanto, fechando o notebook e pondo de
lado. — Eu vou lá avisar pra ela.
— Mesmo? — Nathan se estica no sofá, alongando o corpo recém
malhado.
— Mesmo. Não tô fazendo nada — dou de ombros. — Já volto.
Eu não devia ter feito isso.
Cara, não devia mesmo. Se eu pudesse voltar no tempo, tinha
continuado quieto, na minha, pra nunca ter tido a chance de encontrar
motivos para remoer outra vez.
Mas... o passado não se muda, e eu sei bem disso.
Maldita hora que alcancei o segundo andar, andei por aquele
corredor e entrei no quarto onde duas garotas esticavam um lençol no
colchão.
— Oi — bato na porta, atraindo dois olhares assustados na minha
direção.
— Algum problema? — a da faxina quer saber.
— Não, só pra avisar que não tá inclusa uma ajudante na sua diária,
então... Não vamos pagar.
— Nós sabemos — a ajudante responde, me olhando de um jeito
curioso.
— Me ajuda aqui, Lucy — a da faxina pede.
Mas a Lucy ainda parece focada em mim, o que me faz oferecer a ela o
meu sorriso destinado às mulheres, que geralmente deixa todas se
remexendo; e, se eu der sorte, vou garantir a companhia da noite sem muito
esforço.
— Você é o filho do dono da Winess, não é? — ela pergunta, fazendo
meu sorriso morrer pouco a pouco. Que porra? — Eu cuido da publicidade
da empresa do seu pai. Quer dizer, irmão. Ele mandou uma foto da família
para colocar no site há um ano, por isso eu sei quem é você.
Faço uma careta.
— Por que caralhos tem uma foto da família no site de uma loja de
vinhos? — quero saber.
Lucy dá um sorriso moderado.
— Não de toda família. Só dos principais. Do seu pai Logan Smith,
que já foi dono, do seu irmão Pedro Smith, e sua, Ryan Smith. Meio que
simboliza que vocês trabalham juntos nessa de vinhos — ela explica.
— É, mas não é bem assim. Eu não trabalho lá. Não se pode confiar
em tudo que se vê na internet, não sabia?
— Por que o desespero? — Lucy estranha, quase alienada. — Você
não gosta de ser o próximo da linhagem?
— Quem disse que sou o próximo de linhagem daquela porra?
Ela se esquiva, quase como se eu tivesse dado um soco em sua barriga.
— Ninguém disse, eu só fiquei empolgada por estar vendo um dos
Smith pessoalmente.
— Lu — sua amiga insiste. — Me ajuda com esse lençol para a gente
ir embora logo.
Lucy ainda me olha por uns segundos antes de atender o pedido, mas
agora eu estou borbulhando.
Que porra tem uma foto minha no site da Winess? Pra que, caralho?
Pedro enfiou o juízo no c* agora, pra ficar exibindo nossa cara na internet?
E se alguém pensar num sequestro? A Winess é uma loja de vinhos
cobiçada dentro e fora do país.
Puta merda! Se me sequestrarem, eu espero que me matem, porque não
tenho mais juízo pra passar por outra terapia e nem suportar toda a minha
família achando que sou um coitado vulnerável.
— Caralho — esfrego o rosto, tomado por um tormento que odeio. A
porra da bad vibes quer chegar. — Lucy — eu entro no quarto, indo em
direção a garota. Ela se vira, quase assustada. — Quanto você quer pra tirar
minha foto do site da Winess?
— O quê? — ela ri, estranhando completamente a pergunta. — Eu não
posso fazer isso.
— Por que não? Você disse que mexe com isso. Eu te pago o valor que
você quiser.
Lucy olha para a amiga e de novo para mim. Estou sendo encarado
pelas duas e isso não é a melhor coisa agora, porque não é um olhar de
cobiça e sim me achando um esquisito.
— Eu não quero ser sequestrado, falou? — explico. — Qual valor?
— Você não tem um carro blindado? — ela rebate.
— Que porra tem a ver um carro blindado com um sequestro? Podem
me esperar sair do carro e me enfiar em outro — balanço a cabeça,
atordoado pelo rumo da conversa. — Me fala seu preço.
— Eu não vou tirar nada! — ela se nega, incrédula, e se afasta pra ir
até a cômoda pegar um edredom, trazendo-o pra cama. Observo o pano ser
esticando enquanto minha cabeça funciona a toda.
— Vou procurar alguém que faça — informo e esfrego o rosto de
forma quase dolorosa. — A porra da foto não vai ficar no site.
— Por que não fala com seu irmão? — ela sugere depois de me olhar
de soslaio. — Explica isso de ter medo de ser sequestrado e diz que quer
tirar a foto. Ele vai ligar pros meus chefes e faremos isso.
Seria do caralho a ideia da Lucy, SE meu irmão não fosse um pouco
neurótico em relação a mim.
Imagina eu chegar nele e pedir que tire minha foto porque posso ser
sequestrado? Acabaria com ele, que pensaria que ainda tô traumatizado com
o lance do meu avô, o que obviamente não estou, e provavelmente meus
pais também seriam informados que fiquei paranoico e tudo, absolutamente
tudo daquela merda de onda depressiva de cinco anos atrás, voltaria.
— Não posso — respondo. — Não dá pra me ajudar? Qual foi, eu te
pago. O valor que quiser. Por favor, Lucy. Me ajuda nessa.
Ela ri, balançando a cabeça em negativa, estranhando a minha súplica
exagerada.
— Eu não posso fazer isso, desculpa. Seria demitida.
— Nós já acabamos aqui — a amiga comunica. — Vamos terminar os
outros dois quartos. Vem, Lu.
Lucy me dá um sorriso antes de segui-la, me deixando com a sensação
que vou explodir.
É foda. Eu não sabia da porra dessa foto e era melhor que não soubesse
nunca. Assim eu não ia ficar com essa sensação, tipo como aconteceu
quando levei a facada. Não fiquei grilado, mas depois que voltei pra casa do
hospital, comecei ter essas sensações. Sei lá. Qualquer barulho ou sombra
me assustava.
Não era uma coisa consciente. Eu estava de boa na minha, tranquilo,
quando tomava susto do nada; quando acordava sem respirar e tinha que me
concentrar pra respiração voltar devagar. Levou um tempo pra isso passar.
Não foi fácil. E agora a porra dessa garota vem me dar uma informação
dessa.
É pra me foder mesmo.
Decido voltar para o notebook, onde faço o que nunca fiz: entro no site
da Winess. No link “sobre”, encontro as fotos que Lucy comentou. Engulo
difícil, sentindo uma frieza no corpo.
— Caralho — xingo.
— O que foi? — Nathan pergunta, tirando a atenção do celular.
— Meu irmão colocou fotos nossas no site da loja de vinhos.
— E daí?
— Sério? — eu olho bem pra cara dele, que está sentado no sofá em
frente ao meu, ao lado do Douglas. Não é possível que só eu pense nas
possibilidades. — Eu posso ser sequestrado.
— Se fosse por isso, eu já tinha sido sequestrado — Nathan ri. —
Mano, quer alguém melhor que eu sujeito a um sequestro? Meu pai direto
nas revistas de homens mais ricos, sem falar nos eventos que fotografam a
gente. Relaxa, cara. Você não vale tanto assim.
— É, Ryan — Douglas concorda. — Não precisa ficar ofegante.
— Eu não tô ofegante — respiro fundo, fechando o notebook. Encaro
o chão por um segundo antes de levantar outra vez.
— Vai pra onde? — Nathan quer saber.
— Convencer aquela garota a tirar minha foto do site.
E se eu soubesse que essa seria mais uma péssima ideia, eu teria
continuado me remoendo no sofá.
Capítulo 3

— O que foi aquilo? — Samara pergunta quando entramos no outro


quarto depois de certificar que Ryan Smith não veio atrás de nós. — O que
deu nele?
— Eu também não sei — respondo, confusa.
Não era minha intenção deixar o cara daquele jeito. Ele pareceu um
pouco paranoico, ficando vermelho, respirando difícil, implorando por uma
coisa sem cabimento e lógica. Foi bem esquisito também contemplar sua
alteração de cor.
Ainda mais porque eu estava tentando me situar depois de vê-lo
pessoalmente.
A foto do site não condiz, de forma alguma, com o que vi a cores. O
cara é completamente de uma beleza estonteante. Olhar profundamente
claro em uma mistura de cores: acastanhado claro, quase chegando num
verde que foi esquecido. Lábios chamativos, grossinhos e com um tom
rosado. Os cabelos espetados caíam para todos os lados, numa bagunça
própria. E aquele corpo… meus lábios ficam pesados só de lembrar.
Ele não tem um abdômen como o do homem que me atendeu quando
cheguei, mas não deixa de ser igualmente tentador, com aquela tatuagem
discreta perto de onde fica o cós do shorts. E o jeito dele andar e os
músculos dos braços são uma coisa a parte, que podem sim deixar alguém
perdido. Alguém tipo eu.
— Você não acha que devia se desculpar? — Samy questiona.
— Eu não, por quê?
— Vai ver você mexeu em uma ferida do rapaz — ela embola os
lençóis sujos da cama e pega um dos limpos que trouxe do outro quarto
para estendermos no colchão. — Ele ficou visivelmente perturbado.
— Eu não falei nada demais, Samara. Só estava querendo comprovar
se era ele. Não sabia que ser rico incomodava o cara.
— Justamente por não saber. Eu acho que você tem que se desculpar.
Nego, olhando-a com descrença.
— Eu não vou. Não tenho motivos para me desculpar.
— Então você não devia ter dito que trabalha com a publicidade da
loja do irmão dele — minha amiga está visivelmente incomodada. — Poxa,
Lu, eu só queria que você tivesse vindo me ajudar, não criar um caos. Agora
eles devem estar discutindo lá embaixo sobre quem vai me pagar.
Persisto olhando-a. Não acredito que ela vai me culpar pela histeria
daquele cara.
— Você não tem que se preocupar — puxo o lençol com força para
vestir a ponta do colchão. — Eles têm que te pagar ou você pode…
— Posso o quê? — ela bufa. — Não me diga que apelar ajuda pra um
dos meus irmãos, porque eu não vou fazer isso.
— Você precisa superar a surra que eles deram no seu antigo namorado
— aconselho. — Não entende que foi merecido? O cara sempre te
convencia a dar seu dinheiro pra ele comprar drogas e beber, não trabalhava
e só te procurava quando queria dinheiro ou transar. E aí quando você
ameaçou terminar se ele não mudasse, ele te bateu. Quando se separaram,
ele começou a te perseguir.
Ela faz uma careta antes de murchar no lugar. Samy é uma pessoa
muito doce e inocente. Não é justo que a vida sempre lhe dê os piores caras
para se apaixonar.
— Ele não encontrava trabalho — ela tenta justificar, mas logo muda
de ideia. — Não acredito que me submeti àquilo. Mas, mesmo assim, eu
não vou recorrer aos meus irmãos de novo. Imagine só eles vindo aqui e…
— ela balança a cabeça, repelindo o pensamento. — De jeito nenhum!
Esses mauricinhos poderiam colocar os dois na cadeia.
— Quem você tá chamando de mauricinho? — a voz grave que
conheci há pouco invade o quarto e Ryan Smith se coloca em frente à cama
depois de passos pesados, onde pode ser notado sem esforços.
Parece que voltou à sua cor normal, embora suas bochechas estejam
um pouco rosadas. Seu semblante parece mais tranquilo, como quando ele
me prestigiou com aquele sorriso aparentemente muito afetuoso e íntimo,
como se fôssemos próximos; antes de eu dar a notícia que pareceu ter
quebrado suas pernas.
— Eu não… Eu só… — minha amiga se atrapalha, fingindo estar com
a atenção no lençol já arrumado.
Mas eu me pego observando aquela tatuagem perto da barra do shorts
azul escuro dele. Somente metade dela está visível, a outra metade sendo
coberta pelo shorts. É um desenho de alguma coisa, uma tribal, um símbolo
que significa algo pessoal?
Quando noto o cós do shorts baixar junto com o de baixo, da cueca, o
suficiente para me fazer congelar; meus olhos se arregalam e me dou conta
de que fui pega em flagrante.
Olho para cima, encontrando os olhos claros dançando em deleite
enquanto um sorriso sexy sem esforço brinca nos lábios do cara.
— Prometo que se pedir com jeitinho, eu deixo você dar uma olhada
— ele sussurra.
Balanço a cabeça, desviando a vista. Samy me encara com
desentendimento, o que me faz desviar de novo, dessa vez para o colchão.
Eu só estava tentando descobrir o que era a tatuagem. Não estava
exatamente babando pelo abdômen esculpido dele e combina muito com o
seu rosto – se é que isso faz sentido. Mas também não tenho culpa se ele
parece um ser desenhado, como se cada parte tivesse sido formada
cuidadosamente para combinar em um todo.
Uma reflexão surge na minha cabeça. O que deu em mim? Desde
quando me tornei tão observadora?
— Qual o seu nome? — eu o ouço questionar e levanto a cabeça,
percebendo que a pergunta é direcionada a Samy.
— Samara Barfield — ela responde, um pouco cuidadosa.
— Bonito nome — Ryan oferece a ela um sorriso sensual, que me faz
estreitar os olhos. Parece o sorriso que ganhei há pouco tempo. — Aí,
Samara, vou fazer vista grossa pro lance do mauricinho, mas será que você
poderia dar um pulinho lá embaixo? Um dos meus amigos derrubou algo e
sujou o chão.
Minha amiga engole a saliva pela garganta à força.
— Foi o Douglas? — ela quer saber, um pouco de irritação disfarçada
na voz.
— Pra te dizer a verdade, eu não sei quem foi — Ryan faz pouco caso.
— Dá uma chegadinha lá, por favor.
Samy respira fundo antes de me olhar e dizer silenciosamente que eu
não pise na bola. Então sai do quarto, me deixando sozinha com um dos
herdeiros da Winess, a loja de vinhos para qual trabalho mais que outros
clientes.
— Lucy — Ryan me chama, amaciando meus ouvidos com o som do
meu próprio nome em sua voz. — Sabe que te conhecer foi um presente?
— Ãn? — eu fico ligeiramente perdida.
Ele se aproxima dois passos, me fazendo semicerrar os olhos, em uma
confusão interior.
— Bem real mesmo — ele continua. — Se você não tivesse aparecido,
eu não saberia que tenho isso pra resolver e... — mais dois passos, o que o
faz ficar quase muito próximo a mim. — Poderia ser algo perigoso.
O que diabos ele quer dizer? Tento demonstrar meu desentendimento
quando balanço a cabeça.
Mas Ryan não parece captar, porque se aproxima mais um passo,
ficando bem perto, me fazendo sentir um arrepio no ventre. Ele parece ter
um campo magnético ao seu redor, o que é muito conflitante.
Focada em seu rosto, engulo em seco, observando quando ele inclina a
cabeça para ficar à minha altura e me encarar no limite.
Momentaneamente, me perco em seus olhos. A cor é ainda mais bonita
de perto. Sua respiração está pesada, atingindo meu rosto, e o cheiro que
emana dele sutilmente invade minhas narinas, a parte desnuda do seu corpo
estando tão próxima a mim.
Eu pisco os olhos algumas vezes, não entendendo.
— Vamos fazer o seguinte, Lucy — sua voz fica mais baixa e
consequentemente mais rouca, o que me faz engolir em seco. — Você tira
minha foto daquele site e eu passo uma noite inteira com você.
— O quê? — meu quase grito o faz inclinar a cabeça para o lado e
quase posso afirmar que Ryan é que está desentendido desta vez. Seus olhos
focados em mim tão perto me fazem arrepiar. — O que você está
insinuando?
— Nada que você não esteja a fim, porque eu vi o jeito que ficou
olhando minha tatuagem, de boquinha aberta, lambendo os lábios — ele
levanta a mão, fazendo menção de tocar meu rosto.
Mas eu me afasto para o lado imediatamente, horrorizada, batendo o
quadril com força no móvel à frente pelo pouco espaço de saída, chiando
com a dor aguda da pancada.
— Qual o problema? — Ryan pergunta, me fazendo virar com as mãos
pressionando o osso da bacia, só para vê-lo ainda parado, desentendido.
— Você é maluco? — questiono, sentindo meu rosto esquentar de dor
e raiva. — Não pode ficar fazendo isso de… de… propostas indecentes para
quem você não conhece baseado em um achismo.
Ele fica em silêncio por um momento, me encarando.
— Nunca tive problemas com isso, porque nunca foi achismo, eu
sempre estive certo — informa.
— Ah, que ótimo! — ironizo. — Eu não estava lambendo os lábios,
só… só estava tentando adivinhar o desenho que era. Meu Deus, você é tão
super convencido assim?
Ele toma mais algum tempo me encarando antes de afirmar com um
aceno de cabeça.
Eu o encaro de volta, abismada demais para formar algo a dizer além
de:
— Que horror.
Então me viro e saio do quarto para ir a procura de Samy avisar que
estou indo embora.
Capítulo 4

Que gosto foi aquele?


Não, na moral. Que gosto horrível foi aquele que experimentei e me
fez ficar parado no quarto por quase minutos, encarando o fato de que eu
tinha recebido um fora e ainda ficado com a impressão de que sou um
doido?
E então eu decidi que devia me situar. O maluco não era eu, era ela.
Aquela mulher que fez o favor de vir estragar a minha noite. Ela era a
culpada.
Saí do quarto e desci as escadas, não me importando com o fora.
Fala sério, quem sou pra agradar a todas as mulheres que cruzam meu
caminho? Não tô nessa nem um pouco. Não agrado todas, mas a maioria, e
isso é suficiente.
Quando cheguei na sala de estar, não vi mais Lucy, mas encontrei sua
amiga Samara com o aspirador de pó no meio dos sofás, sendo observada
por Douglas, Samuel e Nathan, que estavam sentados, estranhamente
quietos.
— Que silêncio é esse? — pergunto.
Os três levantam os olhos para mim e Douglas é o que sorri.
— Estamos esperando a garota da faxina terminar — responde,
olhando-a.
Samuel balança a cabeça em negativa.
— Você acredita que — Nathan começa, pegando um saco de chips
que está no sofá ao lado do Douglas e virando para baixo, derrubando pó do
salgadinho no chão — o Douglas derrubou todos os cheetos no chão pra
garota ter o que limpar?
— Culpa sua, Ryan — Douglas se defende. — Ela chegou aqui
dizendo que você tinha falado que alguém tinha derrubado algo no chão. Te
fiz um favor pra ter dar algum tempo lá em cima com a mina.
A respiração funda de Samara ecoa pela sala enquanto ela leva o
aspirador para limpar a sujeira recém feita por Nathan.
— Tá nervosinha? — ele questiona, empurrando o aspirador com o pé.
— Para com essa porra — Samuel dá um tapa na cabeça dele. —
Deixa a garota fazer o trabalho dela ou tu vai pagar o dobro.
— O caralho que eu vou — Nathan se levanta. — Se eu estipulei um
valor, ela tem que fazer e ponto final — ele se inclina na direção da Samara:
— E não mexe nos meus troféus, ouviu?
— Que idiota — ouço a voz baixa vindo de trás de mim, me fazendo
virar para encontrar Lucy de pé na entrada da sala, segurando uma pá de
lixo e uma vassoura. Provavelmente ela foi buscar os itens, por isso não
estava aqui quando cheguei.
Vou ao seu encontro, aqui cabe dizer que não sei exatamente porque
fiz isso, e, como o esperado, ela não recua ou se afasta. Ao contrário, ergue
o olhar para mim.
— Você ainda tá aqui — observo.
Ela me encara, não muito interessada. Parece entediada e coberta de
ódio.
— Vou ajudar Samy até o horário dela acabar — informa.
— Tem certeza que não é pra ficar mais tempo pertinho de mim? —
me apoio no batente da porta, dando um sorriso.
Lucy respira fundo, assim como sua amiga fez com Nathan.
— Não me leva a mal, mas quero ficar o mais rápido possível longe de
você e desses seus... amigos.
— Por quê?
Não sei o que me deu pra perguntar isso, também. Talvez o lance de,
também, pela primeira vez, ouvir uma mulher falando que queria distância
de nós; mas a merda toda foi que perguntei, e a resposta da Lucy quase me
fez rebater e dar motivos a ela pra mudar de ideia a nosso respeito.
Que ironia da droga do destino! Eu dando motivos a alguém, a uma
mulher!, para fazer uma reavaliação a nosso respeito? Que viagem!
— Você ainda pergunta? — ela sussurra, a forma baixa que fala
fazendo-a se aproximar mais do meu rosto, me dando a oportunidade de
reparar nos seus olhos.
... tão amarelos como os de uma gata; nos seus lábios, pareciam
macios e deliciosos; no seu cheiro, eu quis enfiar o nariz no pescoço dela
pra sentir mais.
Nathan passa por nós, me fazendo entender o motivo de Lucy ter
baixado o volume da voz.
Ela solta um som todo esquisito.
— Nada pessoal — diz por último.
Então eu tentei. Por uma última vez, eu tentei fazer com que ela
amolecesse um pouco. Tive a impressão que ela ficou um pouco assim no
quarto, mas o seu choque descartou a possibilidade.
Mas eu tentei de novo.
[infelizmente].
— Sabe que você fica linda assim toda irritada? — falo baixinho só
pra ela.
O jeito que Lucy me olha demonstra descrença.
— Escuta, Ryan Smith, eu sei que você é rico, tem tudo e tudo mais, e
quer me fazer tirar sua foto do site da Winess — ela diz —, mas esses
papinhos não vão me convencer. Aliás, é bom explicar linha por linha, para
que fique claro: eu não vou ser convencida a fazer isso por você. Seja por
causa dessa sua lábia péssima ou do seu corpo bonito.
— Nossa, mano, pra que isso? — questiono.
Olhando agora, lembrando de tudo, percebo que pareci uma garotinha
magoada e ofendida. Mas não, cara. Tá maluco. Na real, eu tava
estranhando aquilo tudo. Aquele cenário anormal pra mim. A minha noite
se desencaminhou toda! Aquela resposta.
Eu só fiquei...
Embasbacado.
(Pra não dizer sem chão).
— Só peço que pare de me pressionar — Lucy pede. — Só vim ajudar
minha amiga, só isso.
— É, mas você que começou — a acuso. — Você que veio dizer que
tava empolgada de conhecer um Smith pessoalmente!
— Por causa do trabalho que faço para vocês, não achei que você
ficaria mal por isso.
— Normalmente eu não fico mal quando uma mulher se empolga por
me conhecer, mas normalmente também — grunho —, não é assim que elas
se comportam.
— Bem, eu só posso lamentar, porque não tinha a intenção de te deixar
revoltado e nem desesperado.
— Quer saber? — chego ao limite, puxando a vassoura e a pá de lixo
das mãos dela e jogando para o lado. — Fora daqui.
— O quê? — ela fica me olhando, chocada, as mãos à deriva no
mesmo lugar.
— Tá surda? — falo mais perto do seu rosto. — Fora. E você também,
Samara.
— O QUÊ? — esta parece mais chocada. — Eu não fui paga!
— O que aconteceu, Ryan? — Samuel se aproxima, querendo saber.
— Quero as duas fora da casa — respondo, ainda encarando Lucy, que
tem a boca aberta para mim, provavelmente não acreditando na expulsão.
— Tá, acho que motivo deve ter. Meninas — ele vai até a porta,
abrindo-a. — Hora de vazar.
— A minha diária? Quem vai pagar? — Samara chega até nós,
segurando a mão da amiga e balançando, aparentemente desesperada. —
Lucy! Me ajuda aqui!
Douglas se aproxima após ela.
— Eu tenho o número do seu celular, gata. A gente se fala mais tarde
pelo whats e te faço o pix — ele promete.
— Você acha que vou acreditar nisso? — Samara o olha com
descrença, então se vira para mim. — Eu posso pelo menos ir buscar a
minha bolsa e a dela?
— Eu pego — Samuel se oferece. — Esperem lá fora. O Ryan não
pode... — imediatamente ele engole o resto da frase, me olhando pra ver se
captei a sua quase muita informação.
É, cara, eu captei. E não sei pra que isso. Eu posso sim me estressar e
irritar e ficar puto! Não significa que eu vá ter uma crise na respiração
mais tarde enquanto tiver dormindo como acontecia há anos. Que neurose.
Samara puxa a amiga e as duas saem da casa, Samuel me olhando com
atenção depois de fechar a porta atrás delas.
— Você tá bem? Tá legal? — ele quer saber.
— Eu tô tranquilo, cara. Relaxa — bufo em desdém. — Vou voltar pro
notebook.
Eu realmente fiz isso. Abri o notebook e o programa de escrita, mas
não consegui fazer nada fluir.
Até agora, já madrugada, quando fechei os olhos pra dormir e a
inquietação não deixou. Não por causa de nenhuma preocupação comigo
mesmo, mas por ela.
Por causa dela e a sua boca grande que despejou mais coisas além de
uma informação desnecessária em cima de mim.
Capítulo 5

Estou almoçando na sala dos funcionários quando meu celular toca,


me fazendo tirar a atenção do meu bife suculento e dos talinhos de agrião
da salada, que fazem uma grande explosão de sabores na minha boca.
— Quem é? — Brad, um dos meus colegas de trabalho, pergunta com
preocupação.
Ele está almoçando comigo, na mesma mesa. Eu contei a ele todo o
alvoroço da minha noite de ontem, tudo nos mínimos detalhes. Brad achou
muita coincidência eu ter ido parar na residência de um Smith e disse que
eu deveria estar com medo, porque ele pode tomar medidas a meu respeito.
Medidas a meu respeito? Eu nem fiz nada. Simplesmente falei que o
conhecia e ele pirou. Eu não tive intenção negativa nenhuma. Talvez por
isso eu estou tranquila.
Exceto pela Samy. Até hoje de manhã, ela ainda não tinha sido paga. O
tal Douglas não tinha feito o pix porque dormiu depois de prendê-la em
uma conversa até às três da manhã.
Ela perguntou se poderíamos voltar na casa depois que eu saísse do
trabalho, caso ainda não tivesse sido paga. Eu disse que sim, mas passei o
restante do tempo torcendo para que o Douglas a tivesse pago.
Não porque estou preocupada comigo, mas por Samy. Que fez o seu
trabalho e não recebeu, só porque Ryan Smith ficou revoltado por ter medo
de um sequestro.
Pego o celular e vejo o rosto dela sorridente na tela. Recuso a chamada
de vídeo e refaço uma de voz, colocando o aparelho no ouvido.
— Oi, Samy — atendo.
— Achei que você tivesse no almoço, por isso liguei por vídeo,
desculpa!
— Eu estou, mas tem muita gente aqui — explico. — Você ficou
melhor desde ontem?
Ela ri, soltando um "ai ai" no fim.
— Que noite, minha amiga — suspira. — Mas eu fiquei melhor depois
de agora, que Douglas me mandou uma mensagem pedindo desculpa por ter
dormido do nada falando comigo e não ter enviado o dinheiro.
— Mas ele te pagou?
— Sim! Pagou, sim. Ele me deu mil dólares a mais, e quer saber? Eu
nem questionei! Só agradeci e tchau.
Dou um sorriso.
— Acho que foi merecido pelo que te fizeram passar ontem —
comento. — Eles te colocaram para fora na chuva.
Samy dá um riso nervoso.
— Nos colocaram. Ainda ficamos uns dez minutos esperando aquele
abençoado achar nossas bolsas.
É a minha vez de rir.
— Passamos maus bocados. Foi mal, amiga. Foi minha culpa.
— Que isso, Lucy. Não se sinta culpada. Você só foi me ajudar. Eu que
te devo desculpas por ter feito você ficar sujeita àquele episódio — ela
respira fundo. — Fiquei preocupada de você ser demitida.
Por que todo mundo está achando que vou ser demitida?
— Me sujeitar aos caprichos daquele mala é que me faria ser demitida,
Samy — murmuro. — Você não viu? Ele não tem noção nenhuma de nada.
Fica naquela casa com aqueles homens idiotas, que parecem não fazer nada
além de serem inúteis. Com certeza só fica recebendo dinheiro da família
sem se importar como chega.
— Pode até ser, mas a forma que fomos expulsas do nada me deixou
preocupada — ela faz uma pausa. — Eu achei que Douglas ia me explicar o
motivo de tudo aquilo repentino, por isso não desliguei na cara dele quando
a ligação passou de um minuto.
— Você ainda aguentou mais essa — dou uma risada discreta. — E ele
não comentou nada, nada?
— Nada vezes nada. Absolutamente nada a respeito. Nem sobre o…
como é mesmo o nome dele?
— Ryan — respondo, a pronúncia do nome me remetendo
imediatamente ao ontem, e respiro fundo. É como se meu cérebro fosse
capaz de reviver toda aquela sensação de proximidade, euforia e arrepio que
senti. Balanço a cabeça, dispersando isso. — Ryan Smith.
— Isso, do Ryan — Samy continua. — Nenhum comentário. Douglas
só disse que foi melhor a gente ter saído mesmo, e também falou que o
Samuel é o líder da casa, o que ele acha irônico porque o imóvel é dos pais
do Ryan.
— Do sr e da sra Smith — sorrio, irônica. — Por isso o líder do bando
fez a vontade do dono da casa. Faz sentido — bufo.
— Por que será que eles moram juntos?
— Bancando a fraternidade, talvez? — palpito.
— Será? Mas acho que se fosse, teria pelo menos uma garota zanzando
pela casa.
— Por que você está pensando nisso, Samy?
Ela ri.
— Eu não sei. Por que morar todos juntos e não sozinhos, numa casa
só de cada um? Eles podem, são ricos o suficiente para isso — reflete.
— Não faço ideia e nem quero saber — murmuro. — Que bom que te
pagaram, Samy, mas agora eu vou almoçar senão dá meu horário de voltar e
não comi.
— Caramba, verdade, desculpa. A gente se fala mais tarde, bom
trabalho!
— Valeu, beijo.
Eu desligo e volto a comer, percebendo que estou sendo observada por
Brad.
— Que foi? — pergunto, limpando os cantos da boca com o
guardanapo de papel.
— Era sua amiga? Ela foi paga?
— Era, foi sim — assinto. — E pode ficar sossegado que Ryan não
tomou nenhuma medida a meu respeito.
— Um dos Smith, você quer dizer — ele divaga.
— Isso. Agora vamos comer que eu estou faminta.
Devolvo a atenção à minha marmita, percebendo Brad focado em mim
por alguns segundos antes de também voltar a comer.

Chego em casa com vontade de me jogar no chão assim que entro, para
alongar todos os membros do meu corpo.
— Chegou já, filha? — minha mãe pergunta do sofá, onde faz um dos
seus crochês enquanto assiste na TV um canal do YouTube sobre saúde
feminina.
— Já? — eu devolvo. — Caramba, mãe. Levantei às sete e levo, no
mínimo, duas horas para chegar no trabalho. Depois eu fico sentada
suportando clientes e chefes faladores que nunca estão satisfeitos, e a
senhora diz já?
— Desculpa, meu amor — ela deixa o crochê de lado e se levanta para
vir até mim, me dando um beijo demorado na bochecha antes do abraço de
mãe urso que tanto amo. — Eu me expressei mal. Só quis dizer que hoje a
hora passou muito rápido.
— Tudo bem, mãe, eu estava brincando — beijo sua bochecha e deixo-
a voltar para o sofá depois que a solto.
Eu amo o abraço da minha mãe. É tão cheio de amor e carinho!
Eu tiro os tênis e guardo no armário ao lado da porta, juntamente com
o casaco.
— Ah, não, que droga — Julie resmunga assim que chega na sala e me
vê. — Já chegou.
— Não fale assim com a sua irmã, Julieta. Que má vontade é essa?
— Por que a senhora me chamou de Julieta? Eu já disse que prefiro
Julie! — minha irmã me olha com cara de poucos amigos. — Veio um cara
bonito procurar por você.
— Por mim? Era entrega? Eu não comprei nada.
— Não, sua idiota. Ele queria saber de você.
Eu ignoro a grosseria da resposta, e gesticulo, pedindo mais
informação.
— Saber o quê? — questiono.
Ela se aproxima para falar só para eu ouvir.
— Ele perguntou se você morava aqui, eu disse que sim. Daí ele falou
que eu te avisasse que agora sabe onde você mora e falou também que você
entenderia o significado.
— Ãn? — eu me perco, e minha irmã revira os olhos. — Como ele
era?
— Alto, sorridente, bonito — ela sorri, toda afoita —, simpático,
educado. Eu fiquei apaixonada na hora.
— Muito bonito para você — balanço a cabeça. — Ele se apresentou?
— Não. Só queria saber de você. É seu namorado?
— Quem tá namorando? — minha mãe pergunta, os olhos arregalados
por baixo dos óculos de aro grosso. — Você, filha? Sério?
— Não, mãe — enfatizo com um balançar de cabeça e então olho para
a minha irmã. — Não é meu namorado, sua cretina.
Ela ri.
— Eu imaginei que não. Ele é muito bonito para você — ela solta o
veneno do dia, se virando para sair caminhando até sumir de vista.
— Que peste — olho minha mãe, que já se distraiu de novo no crochê.
Ryan Smith esteve aqui deixando recado que sabe onde moro? O que
significa? Que ele vai me matar?
Dou risada.
Até parece.
Capítulo 6

Uma quinta-feira típica, eu penso enquanto estou voltando da sala de


reuniões para minha mesa. Por que meus chefes são tão insuportáveis, eu
não sei, a única coisa que sei é que fico com vontade de me demitir toda vez
que eles fazem essas reuniõezinhas para dizer que nosso empenho tem que
aumentar pois a firma não está no seu melhor ano.
Nunca está, pelo visto. Sempre essa ladainha. E o que é pior, todos
aqui trabalham incansavelmente e sequer ganhamos uns bônus no fim do
semestre ou mesmo de fim de ano. Um agrado assim? Nunca. Funcionário é
serviçal sem mérito.
— Por que a Shirley é tão arrogante? — Brad, que tem a mesa ao lado
da minha, põe a cabeça do lado da divisória para perguntar.
Ele está falando a respeito de uma das chefes mais insuportáveis. Ela
consegue piorar a cada dia. Nada contra que ela seja filha do dono da
empresa, acontece que ela não trabalha e só sabe dar ordens exacerbadas.
Sempre chiando no nosso ouvido, até depois do nosso horário, ligando para
nós, como se já não nos bastasse os clientes sedentos por sempre mais.
— Eu não sei — respondo para Brad, soltando um suspiro cansado. —
Pensando seriamente em me demitir e me tornar freelancer.
Ele ri, o que quase me deixa ofendida e me faz olhá-lo.
— Eu não acho que é uma boa ideia — fala, parando de rir quando
percebe meu olhar fuzilá-lo. — Deixe para lá. O que vai fazer na sexta?
— Dormir o dia inteiro, eu espero. Essa semana exigiu muito de mim
— volto a atenção ao meu computador, as imagens da tela quase retorcendo
minha mente. — Jesus, minha vista nem se alinha mais.
— Você precisa de um final de semana daqueles, digno de uma rainha
— Brad sugere.
— Como é o final de semana digno de uma rainha? — ponho na área
de trabalho e pego minha garrafinha ao lado do monitor, bebendo um
grande volume de água.
— Dançando, se divertindo, com o melhor amigo...
Eu o olho, voltando a garrafinha para a mesa.
— Você está me chamando para sair? — franzo o cenho.
— Não — ele dá um riso nervoso, desviando o olhar. — Claro que
não, Lu. Eu sei que você não aceitaria….
— Eu aceitaria, por que não? — devolvo. — Você é o cara mais
próximo ultimamente.
— Oh, entendo — ele ri, e quase posso sentir que está magoado. — É
o típico "só tem tu, vai tu mesmo".
Dou risada, fazendo-o murchar.
— Não é isso — explico. É também isso. — Bom, pelo menos a gente
ia se divertir. É um convite ou não?
— Se você quiser que seja, então é — ele passeia seus olhos castanhos
pelo meu rosto.
— Fechou, então é. Mas vamos mudar o dia da diversão. Na sexta eu
só quero dormir e descansar.
— Tudo bem. Tudo o que você quiser e como preferir — ele sorri e
volta a trabalhar, enquanto eu fico encarando o meu wallpaper de um
castelo que contracena com um pôr do Sol incrível e tem o mais lindo verde
sob sua estrutura e derredor.
— O que eu não daria para estar em um lugar assim agora — sussurro
no meu cubículo.
— Olhe aquilo — Brad volta a cabeça na divisória, cochichando.
— Olhar o quê?
— Aquilo na sala de reuniões.
— Por que você está cochichando?
— Olhe — ele insiste, me fazendo virar em direção à sala que
deixamos há pouco. Então parece que tudo piora.
Ryan Smith está sendo cumprimentado por Shiley, ambos sorridentes,
até ela arrastá-lo para dentro da sala de reuniões.
Além de me lembrar do que aconteceu na semana passada, aquela
noite estranha e inesquecível no pior sentido, eu também relembro que ele
foi à minha casa, dizer para minha irmã caçula me deixar recado com o
intuito de me assustar.
— Eles não podem fazer nada, as paredes são de vidro, todos veriam
— Brad continua a cochichar.
— Você é tão malicioso, às vezes são apenas negócios — murmuro,
tendo em mente que, eu duvido, sinceramente duvido muito que algumas
paredes de vidro impediriam Ryan Smith de fazer alguma coisa. Ele não
parece se importar com a chamada noção.
— Será que ele veio pedir para ela tirar a foto dele do site? — meu
amigo divaga.
— Eu não me importo, Brad — volto os olhos para o monitor, mas não
consigo focar por muito tempo depois de saber que Ryan está tão perto
levando uma palavrinha com a serpente da chefe.
Então olho de soslaio para a sala, vendo os dois sentados,
aparentemente conversando com sorrisos afetuosos. Até o momento que
Ryan se inclina na direção dela, falando mais perto do seu rosto, e Shirley
baixa a cabeça, o que faz com que ele segure seu queixo e a faça encará-lo
de novo.
Em suma, é uma cena que me causa repugno.
— Eu tenho certeza que a foto vai sair do site — Brad dá risada. — É
muito fácil para ele seduzir alguém. É rico e tem essas jaquetas caras.
— Você acha que é a jaqueta? — também rio. — Ele é sexy para
caramba, e tem uma tatuagem que faz… — eu me censuro e interrompo,
olhando Brad, que parece desentendido.
— Você o achou sexy, Lucy? Desde quando gosta de tatuagens?
— O quê? — dou um sorriso simplório. — Eu só estou dizendo que o
motivo de ele seduzir alguém, não é isso da riqueza ou jaqueta.
— Sei — Brad parece repentinamente desanimado. — O que é então?
— A determinação — dou de ombros. — Eu acho. Ele tem uma
intimidade fácil.
— Como assim? O que isso significa?
— Não sei, ele meio que já te cumprimenta como se fossem próximos
e se conhecessem, o que te causa uma falsa intimidade — tento explicar,
relembrando da quase facilidade que foi conversar com Ryan antes do seu
ataque histérico e ele ter me jogado para fora junto com a Samy.
— E isso te fez se sentir bem? — Brad quer saber, me fazendo olhar
para ele com desentendimento.
— Não, Brad, eu estou apenas te explicando que seduzir uma mulher
não é um bicho de sete cabeças para Ryan Smith. Ele mesmo confessou que
nunca teve problemas com isso.
— Você sabe tanto assim por ter passado apenas minutos junto com
ele?
— Viu só? É o que estou dizendo, o cara tem uma facilidade imensa de
te aproximar dele sem nem deixar isso claro.
Eu volto a atenção para o monitor quando percebo que falar de Ryan é
mais empolgante que trabalhar. O que não é certo, claro. Mas para ser justa,
qualquer coisa é melhor que trabalhar.
— Eu vou buscar um café, você quer alguma coisa? — Brad pergunta.
— Talvez um suco, se tiver, por favor.
— Está bem — ele afaga meu ombro antes de se levantar e sair.
Foi quase bom, pareceu uma massagem que estou precisando mesmo
receber.
Meus olhos, sozinhos, se voltam para a sala de reuniões e agora Ryan e
Shirley já estão fora da sala. Eles se abraçam e ele a beija na bochecha,
demorando por tempo demais a boca ali.
Então ele se vira, seus olhos encontrando diretamente os meus, como
se ele soubesse exatamente onde estou e essa fosse sua intenção.
— Merda — me abaixo ao máximo, quebrando o contato visual de
dois segundos.
Pego a garrafinha de água e bebo mais um pouco, meu coração
acelerado indicando que houve toda uma adrenalina no momento.
Capítulo 7

No dia seguinte àquele que me deu inquietação, eu levantei virado.


É.
Não é que não consegui dormir, só não quis dormir naquela noite.
Enfim.
O lance é que...
Me levantei e percebi que minha cara não devia estar das melhores,
porque encontrei com Douglas na cozinha comendo cereal e ele ficou me
encarando. Até eu ficar incomodado.
— O que foi? — pergunto.
— Tá legal?
— Tô — meneio a cabeça. — E você?
Obviamente eu não perguntei o porquê. Eu não queria saber. E seja lá
o que ele tivesse achando, que guardasse para si ao invés de despejar em
cima de mim – do jeito que Lucy tinha feito na noite anterior.
— Tô bem, tô bem — ele tosse quando se entala com um pouco de
cereal, provavelmente.
Vou até o armário pegar outra caixa de cereal pra mim e despejo na
tigela, colocando um pouco de leite que já está na bancada.
— Sabe que — Douglas recomeça depois de algum silêncio
confortável — eu falei com aquela garota ontem. Dormi no celular com ela.
Infelizmente, só no celular.
Eu não dou muito bola porque não estou interessado na carência do
Douglas.
— Ela é legal — continua enquanto fico de pé comendo cereal,
apoiado na bancada. — Mora com os irmãos. Eu achei legal.
Ele me olha quando não faço nenhum comentário a respeito.
— Não tá a fim de papo hoje? — quer saber.
— Cara — dou risada, e não sei do que eu ri, talvez tenha sido de mim
mesmo —, por que eu iria querer saber disso?
— Talvez porque você expulsou ela daqui sem pagar? — ele rebate,
menos amistoso, quase irritadiço.
— Foi mal, eu atrapalhei seu lance? — ironizo. — Porque pelo que
lembro, você pareceu bastante satisfeito em destratar ela jogando biscoito
no chão igual uma criança. Foi um favor que fiz a garota.
Douglas fica em silêncio, me encarando – como ele sempre faz quando
tem que raciocinar.
— Eu achei que você precisava de tempo no quarto com a outra
garota, por isso fiz aquilo — se explica.
— Não, cara, você fez aquilo por ser babaca mesmo — volto a comer
o cereal.
A risada curta do meu amigo é sarcástica.
E agora, vendo de longe, eu percebo que fui igualmente um babaca.
Não era uma coisa nova que a gente tentasse se ajudar no lance de pegar
alguém. Douglas só estava fazendo seu papel de amigo.
A parada é que ele realmente não precisava ter feito aquilo de sujar o
que ela já tinha limpado.
— Engraçado que eu sou babaca por ter tentado te ajudar — ele não
está mais me olhando e sim pra sua tigela —, mas você não é por ter
expulsado as duas daqui com o céu caindo lá fora.
Ele tinha razão. Como eu falei, eu também fui um babaca.
Mas só que... foi estranho ser negado vez após vez. Eu não soube...
Processar.
Mas eu não admiti isso em voz alta. Ao contrário, continuei quieto
comendo meu cereal.
Sem esperar algum tipo de resposta, Douglas se levanta e sai da
cozinha. Instantes depois, Nathan chega, bocejando e bagunçando os
cabelos.
— Fala aí, bom dia — ele me cumprimenta, indo buscar um copo. —
Acordei com uma sede, maluco... Parece que eu tava no deserto.
— Bom dia — respondo, observando-o encher o copo no filtro
automático.
Bebendo a água toda de uma vez e soltando um som de satisfação, ele
volta a me olhar.
— Vai fazer o que hoje? — questiona.
— Sei lá, e você?
— Tenho que ir ver o velho — ele dá um suspiro longo e de desgosto.
— Pra quê?
— Ele quer falar comigo. A secretária dele me mandou uma
mensagem hoje — Nathan balança a cabeça, como se ver o pai causasse
dor. — Deve ser alguma coisa das empresas ou pra me dar bronca — ri. —
Como se isso funcionasse a essa altura.
— Ele ainda te dá bronca? Porra, você tem 23 anos.
— Fazer o quê — sorri. — O velho acha que pode construir a estrada
que devia ter sido feita quando eu era pequeno. Azar o dele.
Eu não entendi bem o que Nathan quis dizer naquela hora. Tanto por
estar um pouco distraído, como por não ter captado mesmo.
Provavelmente ele estava pensando sobre nunca ter tido um momento
com o pai. Nenhum, cara. Nenhum momento pai e filho. Isso deve ser bem
estranho. Nenhuma festa de aniversário, homenagem na escola quando
pequeno, passeios... Nada. Nathan não teve nada disso.
— Vai na fé, de repente não é nada demais — tento apaziguar.
— Mesmo que for, eu não me importo.
Ele deixa o copo na bancada e sai da cozinha, possuído por desgosto e
má vontade.
Eu termino meu cereal e lavo a tigela, deixando no escorredor antes de
sair também para ir até...
Foi aqui que eu parei e me lembrei que tinha deixado o notebook no
meu quarto, o que me fez, de novo, infelizmente, relembrar da noite
anterior.
Sinto um frio estranho no corpo e tento ignorar, desistindo de ir buscar
o notebook, onde vou ler tudo que escrevi e reviver aquele dia de novo.
Ainda não tô pronto pra isso.
Passo no lavabo e dou uma lavada no rosto antes de ir à garagem pegar
o meu carro para dar uma volta.

Meu irmão parece estranhar me ver na sua porta, mas como sempre foi
muito bom em disfarçar o que pensa, ele sorri e me puxa para um abraço.
— E aí, cara — eu o abraço de volta.
— Que bom te ver! Entra — Pedro me convida.
E eu entrei, depois de andar sem destino por algumas horas e minha
cabeça parecer que ia explodir.
Escolhi a casa do meu irmão ao invés da dos meus pais porque sei que
eu seria enchido de perguntas.
Diferente da casa do Pedro, onde além de não ser questionado, posso
também receber o carinho dos meus sobrinhos, Jade e Ben. Não sei
explicar, mas eu sinto conforto e paz quando vou pra lá.
Não que minha vida seja um inferno, não é isso. Tenho uma vida muito
boa. Mas depois da noite anterior, eu precisava parar de pensar. E, pra
isso, nada melhor que ser enchido de perguntas de uma criança.
— Achei que você não tivesse em casa — digo enquanto caminhamos
para a sala, onde meu sobrinho de 8 meses dorme no cercado de bebê e a
pirralhinha mais velha de 3 anos assiste desenho na TV.
— Decidi ficar com as crianças essa semana — Pedro explica. — Jade,
filha, olha quem veio nos visitar!
Minha sobrinha olha para trás, abrindo um sorriso do tamanho do
mundo quando me vê.
Eu me abaixo e abro os braços, esperando ela se chocar em mim
quando vem correndo.
— Tio Vyan!
Dou risada, me levantando com ela no colo e indo pro sofá.
— Como você tá, princesa? — pergunto, colocando ela na minha
perna.
— Feliz! — ela sorri, pondo as mãos no rosto. — Vamos viajar!
— É mesmo? — olho meu irmão. — Vão pra onde?
— Pro Brasil — ele dá um sorriso largo, como sabendo que isso vai
me deixar interessado. — Não quer ir com a gente?
Balanço a cabeça.
— Não acho uma boa estragar o passeio da família — foi uma recusa
com educação.
— O vovô e a vovó também vão — Jade diz, querendo sair do meu
colo.
Eu a deixo ir ver o desenho e me viro pro meu irmão sentado no outro
sofá.
— Eles vão mesmo com vocês? — quero saber.
— Sim, eles querem aproveitar os netos e não sou eu quem vai impedir
— Pedro ergue as mãos, como se quisesse enfatizar isso.
— Tendi — olho para a TV, onde Jade gargalha com o desenho.
— Se afasta mais da televisão, filha — meu irmão pede.
Ela obedece, me fazendo sorrir.
— Pelo menos alguém da família obedece — murmuro.
— É — Pedro concorda. — Você tá bem?
Eu o olho, vendo que estou sendo observado com atenção.
— Tô — respondo contragosto. — Cadê a Crystal?
— Ela foi fazer compras e também ao médico. Consulta de rotina —
explica quando questiono silenciosamente. — Eu vou buscar um lanche pra
gente.
Eu concordo, mas de repente não consigo ficar sentado quieto.
Não sei explicar, é simplesmente a inquietude que vem do nada.
— Não precisa, cara — eu me levanto ao mesmo tempo que ele. —
Tenho que ir nessa, preciso fazer uma coisa.
Pedro fica me encarando com um misto de decepção e apreensão.
— Tudo bem — ele concorda, sem perguntas. — Mas quando quiser
fazer uma surpresa de novo, pode vir.
Eu o abraço e depois vou me despedir dos meus sobrinhos, saindo da
casa e indo para o carro.
Onde eu tive a brilhante ideia de pegar o celular e, através de
Douglas, conseguir o contato de Samara, a faxineira da outra noite. E com
ela, o endereço da Lucy.
Precisei ser um pouco convincente nessa parte pra poder conseguir e
acho que Samara é tão ingênua que acreditou que eu queria me desculpar
enviando umas flores.
Mas a verdade é que eu queria dizer o quanto Lucy fodeu com a minha
cabeça que, até antes do seu aparecimento, estava uma maravilha.
Me contar da porra da foto que eu não precisava saber, me rejeitar, me
ofender dizendo que eu não passava de um corpo bonito e que minha lábia
era uma merda.
Ela me humilhou debaixo do meu teto!
E foi o que acabou comigo.
... mas isso não é um ponto final.
Capítulo 8

Na sexta, chego ao trabalho só em pé. Quase não consegui dormir à


noite, o que vai me render um grande esforço hoje.
— Bom dia, Brad — tomo meu lugar, enfiando a bolsa debaixo da
mesa e ligando o computador. — Qual a boa de hoje?
— Bom dia, raio de sol — ele me cumprimenta. — Parece que o
mesmo de sempre. Shirley se sobressaindo aos outros chefes, clientes nunca
satisfeitos, funcionários destratados e sofrendo…
Dou um sorriso, abrindo o navegador assim que o PC inicia para
começar o meu trabalho. Preciso estudar duas empresas distintas hoje, uma
academia e outra do ramo alimentício, preciso saber o que de melhor vai se
encaixar para chamar mais clientes e dar destaque a elas.
— Você dormiu bem? — Brad quer saber enquanto viajo pela péssima
página do site da academia.
— Não muito. Minha irmã fez uma festa do pijama com as amigas —
balanço a cabeça. — Viraram a noite com risadas escandalosas e música
alta.
Brad ri.
— Por que você não pediu para ela pegar leve com o som?
— Você acha que não pedi? — reprimo um suspiro de desgosto. —
Preferi nem me estressar insistindo, mas acordei com uma puta enxaqueca
mesmo assim.
— Caramba, que chato. Você quer que eu arrume um analgésico? —
meu colega se solidariza.
— Tomei um já, comprei no caminho — sorrio para ele. — Obrigada.
Brad é um cara tão legal comigo, que às vezes eu fico até sem graça.
Ele não se importa em demonstrar todo o carinho que sente por mim, e eu
tento fazer o mesmo por ele, mas acho que não consigo ser tão carinhosa.
— De nada — ele me olha por alguns segundos antes de completar: —
Precisando, estou aqui.
Eu sorrio, assentindo e destino minha atenção às minhas tarefas pelas
próximas horas. Consigo fazer pelo menos metade do que pretendo,
descobrindo melhorias e algumas estratégias, que passo para a equipe de
criação, onde eles vão me devolver para analisar mais tarde e confirmar se
está tudo como pensado.
No horário do almoço, vou com Brad para fora do prédio, precisando
urgentemente de um pouco de ar natural. O ar condicionado às vezes pode
ser um pouco severo com meus lábios, que ressecam mesmo com um
protetor.
— Quer ir em um restaurante ou um lanche da barraquinha está bom?
— Brad pergunta enquanto caminhamos pela calçada, desviando dos muitos
pedestres.
— Acho que um lanche é suficiente — respondo, já que não estou tão
faminta. O suco verde que tomei no café da manhã me deixou satisfeita por
bastante tempo. — Vai dar para segurar, já é sexta mesmo.
— Você melhorou realmente?
— Melhorei que nem percebi — sorrio. — Nada melhor que uma
distração, eu sempre digo.
— Distração? — ele ri. — É assim que você chama fritar os neurônios
com o trabalho?
Rio também, balançando a cabeça.
— Querendo ou não, é uma distração. A gente se perde aprofundando
no que tem que fazer, por isso que as dores só vêm quando relaxamos.
— Acho que depende do tipo de relaxamento — Brad pondera.
— É verdade, depende se é um relaxamento na ida pra casa ou uma
massagem daquelas que faz nossos olhos revirarem.
Ele me olha, dando um sorriso.
— Alguém quer uma massagem?
— Não, não. Alguém precisa de uma massagem — corrijo.
— Se você quiser… — Brad se interrompe quando meu celular
começa a tocar dentro da bolsa.
— Um segundo — me desculpo e capturo o aparelho, vendo que é
Samy. — Oi, Samara.
— Oi, Lucy. Desculpe ter ligado, é que te mandei mensagem e você
não respondeu.
— Foi mal — esfrego a testa. — Eu devo ter tirado as notificações do
whatsapp na hora de dormir e esqueci de ativar de novo. Aconteceu alguma
coisa?
— Eu queria te perguntar algo — Samy parece cuidadosamente
hesitante.
— O quê? Diga.
— Fui chamada para limpar a casa daqueles rapazes de novo — ela
explica. — Queria saber se você acha um problema eu voltar lá.
— Samy, pelo amor de Deus — quase soo muito exaltada, mas dá
tempo de me recompor assim que me lembro que ela depende de trabalhos
esporádicos. — Olha, amiga, eu não sei. Se você não vê problema, não sou
eu que vou contestar.
— Eu sei que provavelmente você acha incabível depois da semana
passada, mas…
— Samy — eu a interrompo educadamente —, eu não acho nada. Só
sei que a vida é sua e não sou eu que vou me meter nos seus trabalhos.
— Está certo — ela suspira em aparente alívio. — Só vou porque tive
que comprar algumas coisas para a casa e aqueles mil de bônus eu enviei
para os meus pais.
— Eu entendo, Samy. Fique tranquila, dessa vez eu não vou estar lá
para atrapalhar, então você vai fazer seu trabalho em paz.
Ela ri.
— Obrigada por entender, Lu — agradece. — Isso de não se opor é
porque você aceitou as desculpas do Ryan?
— Ãn? — franzo o cenho.
— As flores que ele te mandou como desculpas... Você aceitou?
— Que flores? Do que está falando?
— Ele me ligou no dia seguinte ao da faxina. Douglas que deu meu
número. Ryan disse que queria seu endereço para mandar umas flores como
pedido de desculpas por ter sido um irracional. Foi exatamente assim que
ele se chamou.
Eu paro de caminhar, descrente até o último fio de cabelo.
— Você foi quem deu meu endereço a ele? — questiono. — Samy,
pela misericórdia… Não acredito que você caiu nessa de flores!
— Ele não… — ela faz uma pausa e depois sua respiração enche a
linha. — Droga. Ele não se desculpou.
— Ele nunca quis se desculpar, Samara. Você devia ter avaliado
melhor quando ele te pediu meu endereço. O cara se auto nomeia irracional
e você vai e faz o que ele pede — balanço a cabeça. — Dando meu
endereço!
— Desculpe — ela lamenta. — Eu realmente… realmente pensei que
ele queria se desculpar. Pareceu tão sincero o jeito que ele falou.
Meu-Deus. Às vezes não acredito no quando Samara consegue ser tão
fácil de cair em qualquer papo. E isso nem é só quando se trata de homens
no modo convincente.
Ela já era assim na escola, quando as populares fingiam ser suas
amigas para colarem da sua prova ou deveres de casa, e ela aceitava.
Sempre. Ela acreditava na amizade inexistente.
— Eu sei que você acreditou nele — lamurio. — Ele foi à minha casa
e deixou um recado com a minha irmã de que sabe onde eu moro.
— Foi uma ameaça então? — Samy pergunta, cautelosa. — Acha que
devemos falar com a polícia?
— Não, não é necessário. O que você acha que ele vai fazer, Samara?
O cara não rasga dinheiro para matar alguém que não fez o que ele mandou.
— Mas ele se chamou de irracional.
— Só falou isso para te convencer que estava arrependido pelo show
que fez, provavelmente ele nem se considera irracional.
— Você acha? Não está preocupada?
Brad reaparece diante de mim segurando dois pretzels. Ele me oferece
um e eu aceito, então o acompanho para sentarmos na calçada alta ao lado
de uma padaria enquanto murmuro para Samy que não estou preocupada
nem um pouco.
— Você me avisa se algo diferente acontecer? — ela pede suplicante.
— Aviso e, por favor, tome cuidado naquele covil de idiotas.
Ela ri.
— Tudo bem, qualquer coisa ligo para os meus cães de guarda, vulgo
irmãos. Um beijo, Lu. Bom trabalho.
— Obrigada, se cuida. Beijo.
Eu enfio o celular de volta na bolsa depois de desligar e começo a
comer meu pretzel enquanto observo o movimento de pessoas ao redor.
— Covil de idiotas? — Brad me olha, sorrindo de lado.
— Samy vai limpar aquela casa de novo — explico. — A que Ryan
Smith mora com os outros caras.
— Ela vai voltar lá? — ele parece ligeiramente surpreso.
— Vai. Acho que ela nem se importou com o que fizeram.
— Uau — meu colega sibila, aparentemente admirado. — Sua amiga
deve ser uma mulher forte.
— Se é — concordo. — Talvez eu pudesse chamar ela para ir se
divertir com a gente amanhã. Você se importa?
Brad demora tempo demais antes de responder.
— Não me importo, não.
E entendo, pode ser que minha proposta não o tenha agradado pelo
motivo de que vamos sair juntos como em um tipo de encontro, mas
Samara não vai nos atrapalhar.
— Ótimo — sorrio. — Vai ser uma noite incrível.
— Aposto que sim — Brad anui, mas parece um pouco sem ânimo ao
afirmar isso.
Capítulo 9

No sábado à noite, Brad vem me buscar em casa. Ele até gosta da


minha mãe e troca meia palavra com o meu pai, que também não ajuda já
que não é muito de papo, principalmente quando se trata de pessoas que ele
não conhece.
Eu termino de colocar meus saltos e me levanto da cama para ir dar
uma olhada no espelho. Não estou a típica Lucy de todo dia, sem graça e
sem brilho. Meu vestido de alcinha e colado com comprimento acima do
meio das coxas talvez seja um pouco provocante, e não seria tão chamativo
se eu não tivesse colocado os saltos e enchido a cara de maquiagem.
Mas enchi. Chutei para longe a mesmice e acho que mereço um dia de
diversão e ousadia. Afinal, eu não trabalho tanto para nunca desfrutar.
Pego minha bolsa, jogo o celular e o carregador dentro, e saio do meu
quarto para ir ao encontro de Brad na sala.
Ele está sorrindo de algo que minha mãe está contando, ambos
sentados no sofá, e, de repente, eu me pego parando no lugar.
Brad está lindo, preciso admitir. Momentaneamente, ele não parece
mais o cara do trabalho, comum com seus olhos escuros, cabelos castanhos
e sorriso fácil.
Ele cortou os cabelos, deixando-os baixinhos e espetados, e colocou
uma camisa social, que o faz parecer mais alto e, estranhamente, sedutor.
Eu nem sabia que ele poderia parecer tão... assim.
— Podemos ir? — ele se levanta, me fazendo perceber que estou
parada, olhando em sua direção.
— Ãn, podemos — balanço a cabeça, em um agito anterior para me
recompor. — Mãe, volto antes das duas — aviso.
Ela me olha com um pouco de apreensão.
— Tão tarde assim, filha?
— Não se preocupe, Heloise — Brad vem a meu favor —, eu fico de
olho nela.
— Obrigada, querido — minha mãe fica visivelmente satisfeita e mais
aliviada.
Nos despedimos e seguimos para o carro dele, que está estacionado em
frente minha casa.
— Você está linda — Brad me elogia enquanto gira a chave, me
tirando um sorriso.
— Sabe que eu ia dizer a mesma coisa? — dou uma piscadinha para
ele, que desvia o olhar com um aceno de cabeça, sorrindo. — É verdade,
adorei seu visual noturno.
— Meu visual noturno? — ele repete.
— Isso, ficou parecendo um galã — coloco o cinto.
— Obrigado — Brad dá um riso entrecortado. — Você não bebeu, né?
Dou risada.
— Você sabe que não bebo. Aceite o elogio. E, ah, podemos pegar a
Samy no caminho?
— Claro que sim — ele concorda, dando partida no veículo.

Alguns bons minutos depois, nós três estamos entrando na boate


lotada. Vasculhamos por um lugar na área de assentos, mas não
encontramos, então decidimos ficar de pé perto do bar.
Samy parece estar um pouco fora do lugar com os olhos piscando por
causa da luz que vem do globo de led, e olhando ao redor enquanto Brad
pede uma bebida.
— Como se diverte aqui? — ela pergunta, puxando a barra do shorts
jeans que usa.
Dou um sorriso, me virando para pegar a latinha de coca que Brad me
oferece, e também passa uma para Samy.
— A gente dança com os amigos, conversa aos gritos — respondo. —
E obedece ao DJ. Se ele for bom, dá um agito na coisa toda.
Ela abre a latinha do refrigerante e bebe um pouco, mas não parece a
mais motivada – o que percebi desde o telefone, quando liguei para avisar
que passaríamos para buscá-la.
— Você está bem? — quero saber, abrindo minha coca também.
Samy não responde de imediato. Fica pensando antes de me lançar um
olhar conturbado.
— Eu tenho uma coisa para te dizer.
Paro a latinha de coca no caminho até minha boca, voltando-a para o
balcão. Fico momentaneamente tensa enquanto Samy engole em seco.
— Ontem eu fui beijada pelo Douglas — conta, e sua respiração se
altera visivelmente no mesmo instante.
— O QUÊ? — questiono, não podendo evitar minha incredulidade.
— Eu não sei, uma hora ele estava me ajudando empurrando o sofá
para eu limpar e na outra sua boca estava na minha — suas mãos se agitam.
— Foi uma coisa rápida. Tão rápida que eu nem sei. Ele me beijou, sorriu e
voltou para o jogo.
— Meu Deus, Samy — bebo um gole considerável da coca, fazendo
meus olhos arderem e lacrimejarem de tão gelada. — Eu nem sei o que
dizer.
Ela concorda, ajeitando sua pulseira antes de me olhar de novo.
— Eu te entendo — murmura. — Também não sei o que dizer até
agora.
— Mas você está bem com isso? Não ficou traumatizada?
Ela ri, me olhando como se eu tivesse dito a coisa mais sem noção do
mundo.
— Não fiquei traumatizada — responde somente antes de Brad sair de
detrás de mim e se colocar onde podemos vê-lo sem esforço.
— Quer dançar, Lucy? — ele me convida, me fazendo olhar para a
área de dança, onde tem muitas pessoas alteradas e casais em danças
sensuais, se divertindo do seu próprio jeito.
— Quero — aceito, então devolvo o olhar para Samy. — Eu já volto,
tá? Vai ficar bem sozinha?
— Pode ir — ela abana a mão, fazendo pouco caso —, vou estar aqui
quando você voltar.
Então eu entrego minha mão ao Brad e o deixo me levar para dançar.
Já na pista, algumas pessoas esbarram em nós enquanto eu tento
desenferrujar meu corpo, que aparentemente está duro pelo costume de
apenas ficar sentado em uma cadeira de 8 a 12 horas – dependendo das
exigências dos meus chefes depois do horário – ou deitado.
Eu me movimento cada vez mais desinibida, aproveitando também
para me alongar depois de toda uma manhã na cama, descansando.
A voz do DJ logo enche o ambiente em junção com uma batida
pesada, que se assemelha a pancadas na parede. As pessoas gritam respostas
às perguntas dele, mas eu estou aproveitando o som para me movimentar
bastante, já que tenho, também, uma vida sedentária.
Eu danço por um tempo que me passa despercebido, de tanto que me
entrego ao som. Posso ver Brad sorrindo quando faço voltas. Sei que danço
mal, mas aqui não é um concurso de dança e ninguém vai me multar por
não saber dançar.
Meus pés e pernas já estão doloridos quando as mãos de Brad vêm
para minha cintura e ele me puxa ao seu encontro, trazendo a boca ao meu
ouvido para cochichar.
— Parece que Samy encontrou um par.
Então eu me viro na direção do bar para averiguar, abrindo um sorriso
quando vejo que ela está bem sorridente conversando com um cara. Está até
mesmo colocando o cabelo atrás da orelha, uma demonstração óbvia de
nervosismo.
— Tomara que ela se divirta! — eu me viro de volta para Brad, mas de
repente congelo por não vê-lo mais.
Eu olho ao redor, procurando-o, mas não o encontro.
Meu coração começa a bater muito depressa, um frio na espinha me
dizendo que devo sair da pista e procurá-lo. Uma droga, porque estava
começando a me divertir.
E estou caminhando por entre as pessoas para voltar ao bar e avisar
Samy, para que saiamos à procura dele, quando dou de cara com Brad
enroscado com uma mulher, em um beijo feroz. Ela parece que vai engoli-
lo.
Por um momento, eu o condeno por me abandonar para beijar uma
desconhecida. Mas logo o entendo. Ele também está se divertindo, afinal.
Retomo os passos ao bar para pegar minha coca, para me refrescar,
tendo o cuidado de chegar à espreita para não atrapalhar Samy e seu par;
mas logo tenho uma nova surpresa quando vejo quem é o tal cara.
Douglas.
Minha careta é automática. Que diabos ele está fazendo aqui? E de
repente me pergunto se Samara não contou a ele por descuido.
Quando comprovo que ela não aparenta desconforto, bebo o restante
da coca e caminho para a pista de dança de novo, louca para seguir a nova
ordem do DJ, que é gritar as letras do nome dele com as mãos para o alto.
Pego já o finalzinho e, ao findar do nome, as luzes ficam mais
intensas, causando um apagão de flashes na cabeça; e a música seguinte é a
mais agitada e contagiante, com batidas intensas e estrondosas.
Eu estou rindo sozinha enquanto balanço o corpo, os olhos fechados
pelo o último clarão das luzes, totalmente entregue às batidas, até que me
esbarro com força em alguém.
Tropeço nos saltos pelo impacto, meus joelhos se dobrando para me
levarem ao chão. Mas sou segurada firme, o que me impede desse acidente.
De olhos já abertos, me viro para me desculpar e agradecer, mas estou
engolindo qualquer "desculpa" e "obrigada" quando dou de cara com Ryan
Smith.
Demoro uns segundos para assimilar a realidade, olhando-o de um
jeito mordaz. Ele e seu amiguinho perambulando por aqui é o que eu chamo
de azar.
— Foi mal aí por ter feito você interromper sua dança — ele quebra o
silêncio, me oferecendo aquele sorriso. Aquele mesmo, da sua casa, que faz
parecer que já o conheço há anos. — Eu fiquei envolvido pelo seu ritmo.
Ele usa o volume de voz adequado para que eu o ouça perfeitamente.
Não é como alguém normal, que grita escandaloso para não restar dúvidas
que está sendo ouvido acima das batidas da música.
— Por que você está pairando na minha frente? — eu berro, porque
com certeza sou uma dessas pessoas. Não quero deixar dúvidas de que ele
me ouça. — Não pode me ameaçar no meio de tanta gente! Eu posso
chamar o segurança!
Ryan parece ofendido, se esquivando do meu grito.
— Não quero te ameaçar — ele murmura, seus olhos deixando os
meus para descerem, e descerem, pouco a pouco, devagar, me fazendo
sentir como se ele estivesse tirando meu vestido e enxergando além dele.
Ele inclina a cabeça para o lado, refazendo todo o caminho até
encontrar meus olhos outra vez. Mais um sorriso toma seus lábios, mas esse
é diferente. É quase maléfico.
O que, consequentemente, liga meu alarme interior de perigo iminente,
me fazendo dar dois passos para trás.
— Vai pra onde? — ele quer saber.
— Isso não te interessa.
Estou prestes a lhe dar as costas quando sua risada preenche meus
ouvidos. É claro que eu tento ignorar o quanto é gostosa de ouvir, mas meu
cérebro ainda me deixa parada no mesmo lugar, aguardando-o parar de rir.
— Acho que seu acompanhante nem lembra mais de você — ele olha
para o lado, então de novo para mim. — Acabei de encontrar ele saindo
daqui muito bem acompanhado.
— O quê? Você nem sabe quem ele é.
— Seu amigo do trabalho — Ryan se aproxima de mim, encerrando o
espaço que coloquei entre nós. — Você parece um pouco decepcionada.
Eu o encaro.
— Como você sabe disso? — pergunto, com certo temor. — Você
além de irracional, é também maníaco que fica vasculhando a vida alheia
quando é contrariado?
Posso vê-lo segurar um sorriso.
— Posso ter esbarrado os olhos nele quando fui onde vocês trabalham.
Então eu me lembro de ter sido pega em flagrante encarando seu
encontro com Shirley.
— E não podemos esquecer também o lance da sua amiga Samara ser
um livro aberto — ele complementa. — Ela gosta de falar bastante — Ryan
inclina a cabeça para frente, olhando para os meus lábios antes de finalizar:
— Ela contou pro Douglas que estariam aqui, que você teria alguém e ela
não.
Pisco os olhos algumas vezes, embaraçada pela proximidade.
— Douglas só quis ser um cara altruísta depois que ficou sabendo
disso — Ryan dá um sorriso de lado, antes de se afastar dizendo: —
Continua sua dança. Não se intimida, não. Eu tava curtindo bastante você
parecendo o Papa-Léguas.
Sem pensar duas vezes, saio de perto dele, me enfiando por entre as
pessoas para ir dançar mais perto do palco e ficar o mais distante possível
dele.
Capítulo 10

Eu até queria dormir depois que cheguei em casa e tomei um banho


gelado.
Mas aí eu preferi levantar e puxar o notebook do criado-mudo, onde
tudo ainda tá tão fresco na minha mente que não posso deixar passar. Eu
tenho que relatar, porque foi isso que eu prometi pra mim mesmo.
Que ia escrever sobre o que acontecesse, não como um diário, mas
como um relato.
Então, é, eu tô aqui dizendo tudo isso para uma tela branca que vai
sendo preenchida pouco a pouco enquanto meus dedos parecem que têm
vida própria tirando até as entrelinhas que eu nem sabia que tinha na mente.
Isso deve ser o que chamam de inspiração. Quando parece que você
nem comanda o que surge, e é uma coisa muito louca – agora eu tô
percebendo.
Mas o lance é que, depois de tentar e não conseguir falar com a Lucy,
eu desisti.
Pensei, Quer saber? Que se foda. Ela que ficasse com a sua impressão
a meu respeito e enfiasse onde bem quisesse. É minha melhor fase depois
de tudo que passei, eu não preciso da opinião de uma garota desconhecida,
que nem me conhece e acha que pode me colocar pra baixo. Até que...
Por uma desgraça do destino, ele ama ferrar comigo, Douglas chamou
a garota da faxina outra vez, para limpar nossa casa antes que ficasse uma
perdição em bagunça.
Aqui cabe uma observação: ele lançou a proposta que ela fosse nossa
faxineira fixa, em três dias da semana o que, é meio que óbvio, ela aceitou.
E a gente também.
Então essa noite, o Douglas tava saindo para fazer uma companhia pra
Samara. Ela tá sozinha na boate provavelmente segurando vela pra amiga.
Com isso, ele conseguiu minha atenção e logo mais a gente estava entrando
na boate.
Não foi difícil achar a Samara e com a sua, hm, elevada benevolência –
irado falar assim – não demorei a encontrar Lucy. Adoidada na dança, como
se tudo mais ao seu redor tivesse sumido.
O único problema é que eu não podia falar com ela, porque tinha um
cara junto. Mas não foi difícil arrumar uma distração pra ele quando
cochichei para uma mulher aleatória que estava na pista de dança que “meu
amigo” estava louco por um beijo dela.
Simples assim, fácil até demais.
Então eu tive minha chance de chegar na Lucy. Até ser deixado
sozinho na pista.
E, aparentemente, foi aí que a minha noite começou.
É o momento dela, eu penso. Não vou atrapalhar como um filho da
puta.
Me virando, saio da pista e vou até o bar, dando uma olhada no
Douglas e na Samara, os dois rindo de um jeito que até me faz sorrir.
Alguém ali tá caindo na lábia de alguém.
— Vai querer alguma coisa? — o bartender pergunta, me fazendo tirar
os olhos dos dois.
— Gim-tônica. Capricha no gelo, por gentileza.
— É pra já! — o cara confirma e vai preparar o drink.
Eu me viro de costas para o bar, vagando o olhar pelo ambiente,
tentando encontrar uma mulher que chame minha atenção. Umas duas
fazem o meu tipo e começo um contato visual até que uma delas perceba.
Ou as duas, se rolar.
— Samy, você não... — Lucy chega toda apressada falando, mas não
completa a frase quando me vê. — Merda — sussurra, mas leio em seus
lábios.
Sorrio.
— Cansou de dançar? — pergunto e Samara se vira, me notando.
Seus olhos se arregalam e ela parece muito surpresa – de um jeito
negativo, infelizmente.
— Oi, Samara — aceno e Douglas me fuzila com o olhar.
Fico assim, sendo encarado pelos três por um tempo incômodo, até que
gesticulo.
— Por que estão me olhando assim? Não tô aqui pra estragar o rolê de
vocês, relaxem.
Me viro de volta pro bar quando o bartender chama minha atenção pra
avisar que meu drink tá pronto. Agarro o copo e levo à boca.
— Então por que está aqui? — a voz da Lucy ao meu lado, falando
quase muito em cima de mim, me faz devolver o copo ao balcão e meus
olhos cravam nos seus enquanto sou dominado um momento pelo aroma
que vem dela.
... que é impossivelmente irresistível. Doce na medida certa... e por
medida certa eu poderia dizer que me faz ter vontade de me aproximar e
aprofundar o nariz na sua pele.
Muita viagem, eu tô ligado. Parece que sempre quero isso quando sinto
o cheiro dela. Mas, que culpa tenho eu?, uma mulher cheirosa me deixa
louco com facilidade.
— Desculpe? — finjo confusão mental. — Por que é mesmo que te
devo explicação?
— Porque você foi até onde eu estava e disse que veio aqui porque
sabia que eu também estaria!
Finjo pensar, Lucy separando os lábios e soltando um suspiro aflito,
me deixando meio que balançado.
— Eu não me lembro disso — murmuro. — Só comentei que sua
amiga falou que estariam aqui, mas não falei nada sobre vir por sua causa,
pedacinho do céu.
Ela grunhe.
— Você acha que sou burra?!
Dou um sorriso e Lucy estende a mão.
— Não ouse responder, foi uma pergunta retórica — brada. — Sei o
que você pretende. Me encurralar e intimidar, seguindo por onde estou e
conhecendo as pessoas próximas a mim como uma forma de ameaça, só
para me convencer a fazer sua vontade.
— Que porra é essa? — dou risada, porque acho mesmo engraçado. —
Acha mesmo que preciso de tudo isso, de tanto esforço, pra convencer uma
mulher a fazer o que eu quero?
Lucy balança a cabeça, incrédula.
— Me refiro a foto do site — ela prossegue. — Você com certeza
ainda não encontrou alguém para tirá-la de lá ou não estaria rondando por
perto de mim! Você não suporta a ideia de não ter conseguido minha ajuda,
de que seu pedido não tenha sido obedecido. Provavelmente não pode pedir
diretamente ao seu irmão porque não deve mover um dedo ajudando ele na
Winess, então por que ele também faria o que você pede, não é?
Me viro na direção dela, o que a faz dar um passo pra trás.
— Você devia calar essa sua boca agora — aconselho e me inclino na
sua direção, tanto pra sentir mais do seu cheiro quanto pra enfatizar o
pedido, então falo perto do seu ouvido: — Ou vou calar ela do meu jeito.
O jeito que ela suspirou.
Atônita ou surpresa, eu não sei, mas eu devia ter investido naquele
suspiro.
— Eu não tenho que te obedecer — Lucy não eleva a voz como tem
feito desde que colocou os olhos em mim. — Você que está me
atrapalhando e não ao contrário!
— Eu não tô te atrapalhando — me endireito. [E me recompus]. — Tô
bebendo, não tá vendo? — ergo o copo.
— Você não estava bebendo quando foi me chamar de Papa-Léguas no
meio da pista, relembrar que foi até o meu trabalho e dizer que viu Brad
saindo acompanhado.
— Então esse é todo o motivo da sua agitação? — bufo sarcástico,
ignorando todo o resto. — Eu não tenho culpa do Brad ter te trocado por
outra — dou um gole na minha bebida, voltando os olhos pra Lucy quando
o som da sua respiração irritada supera o burburinho ao redor.
— Provavelmente ele não tava satisfeito com você, ué — completo. —
Que culpa tenho eu de você não ser uma boa companhia?
— Lu — Samara vem pra perto dela, me dando uma olhada de
reprovação antes de destinar a atenção pra amiga —, você quer ir embora?
— Não — Lucy é taxativa. — Não pretendo ir para casa agora. Se
precisar de mim, Samy, estou dançando.
E sem mais contato visual comigo, ela sai batendo os saltos para longe,
me fazendo virar pra comprovar o quanto ficou deliciosa dentro do pedaço
de pano que deve chamar de vestido.
Eis o meu erro. Porque depois disso, eu fiquei curioso.
E pode até ser que isso seja interessante.
... dependendo do ponto de vista.
Capítulo 11

Eu não vou deixá-lo estragar minha noite. Não vou.


Volto para a pista e recomeço a minha dança. Não estou fazendo mais
isso por diversão, agora é para tirar toda essa raiva e frustração de mim.
Não acredito que Ryan Smith veio para cá propositalmente e ainda se finge
de alienado.
Tuts tuts tuuuuts BAM. As batidas são enérgicas e eu tento me deixar
ser conduzida por elas. Faço um esforço para a irritação ir embora até que a
voz de Brad no meu ouvido me tira uma careta e me viro para dar de cara
com ele atrás de mim.
Seu sorriso está largo demais, toda a felicidade estampada nos lábios.
— Desculpe ter saído — ele continua falando bem perto do meu
ouvido. — Eu fui atacado — dá risada. — Literalmente.
— Que bom para você — ironizo.
Ele franze o cenho, estranhando qualquer coisa.
— Ficou chateada?
— Não por você. Ryan Smith está aqui — explico, embravecida. —
Ainda teve a cara de pau de dizer que não tem a intenção de me intimidar.
Brad ri.
— Ele não vai superar essa foto? — questiona.
— Eu não sei — balanço a cabeça.
— Achei que Shirley teria ajudado ele.
— Eu também, mas ao que parece, não ajudou.
— Por que será que não? — Brad estreita os olhos.
— Não faço ideia — bufo.
— Você parece agitada — ele sorri e segura meu braço. — Vem,
vamos buscar uma bebida.
— Não — eu me esquivo do toque. — Ele está lá no bar.
— E daí, Lucy? — Brad não está entendendo a peculiaridade da
situação enquanto me olha com um sorriso. — Vamos lá, estou com você.
Não vai acontecer nada.
Deixo que ele me conduza de volta ao bar e de soslaio vejo que Ryan
continua no mesmo lugar, bebendo enquanto observa o ambiente.
— Sente-se — Brad pede, batendo no banquinho do bar. — Vou pedir
dois coquetéis sem álcool para nós — ele me oferece um sorriso caloroso
antes de dedicar a atenção para o bartender.
— Lu! — Samy me grita, me fazendo olhar para ela lá do outro lado.
— Seu celular está tocando toda hora!
Faço menção de me levantar para ir buscar, mas Ryan é mais rápido
que eu.
Com os olhos arregalados de descrença, o observo capturar minha
bolsa da mão de Samy e se deslocar diretamente até mim.
— Aqui está, madame — ele coloca a bolsa em cima do balcão, me
dando o sorriso. O próprio dele. Que tem uma mistura de deboche com...
sensualidade.
Balanço a cabeça.
— Eu estava indo buscar, não precisava trazer — grunho.
— Ah, eu sei, mas te fiz esse favor — ele olha para baixo e lambe os
lábios, antes de voltar os olhos para os meus e me fitar por um momento. —
Você deve tá cansada de dançar em cima desses saltos.
Brad se vira, notando Ryan. Ele salta os olhos, em surpresa.
— E aí, cara — Ryan estende a mão para cumprimentá-lo e ele aceita.
O que não deveria. — Beleza? Tudo tranquilo? Prazer, Ryan.
— Oi, beleza. Tudo tranquilo, sim — Brad está nitidamente fora da
sua zona.
— Você trabalha com a Lucy, né? — Ryan pergunta e não espera uma
resposta: — Bacana isso. Estão em um encontro?
Brad dá um sorriso de desentendimento, esbarrando os olhos em mim.
— Não exatamente nesse sentido da palavra “encontro” — responde.
— Porra, ainda bem — Ryan dá um suspiro de aparente alivio. —
Seria muito barra que você tivesse trazido ela pra um encontro e trocado por
outra — ele me olha. — Nada legal, né?
— Ignore-o, Brad — peço e me viro para o bar, dando as costas a ele.
— Me ignorar? — Ryan ri.
Eu não respondo e finjo a sua inexistência. Posso sentir a tensão de
Brad ao meu lado, até nossas bebidas serem servidas. A minha é azul e a de
Brad é transparente com uma rodela de limão dentro.
Sorvo tudo em três goles, a ardência me tirando uma careta.
— Forte — volto o copo ao balcão e trago uma mão à têmpora,
pressionando com leveza a área com os dedos.
— Você bebeu muito rápido — Brad coloca a mão nas minhas costas,
fazendo uma carícia breve.
O bartender volta até nós, com aparente amedrontamento.
— Era aqui a bebida sem álcool?
— Era — meu amigo confirma.
— Desculpem, eu me confundi. Esses drinks eram para o outro lado —
ele olha para os copos e depois em direção a Samara e Douglas.
— O quê? — balbucio. — Eu bebi algo alcoólico?
O homem me olha com um balançar de cabeça.
— Eu sinto muito. Tem muitos casais, eu acabei me confundindo.
— E se eu não pudesse beber álcool?! — grito e mais tarde vou me
arrepender de ter tratado o rapaz assim. — Você precisa tomar cuidado! É o
seu trabalho, você não pode cometer esses erros!
Mas estou tão prestes a explodir pelos acontecimentos decorrentes, que
não é evitável.
Eu me levanto, pronta para ir embora, mas Ryan continua no mesmo
lugar.
— Dá licença — peço, nem um pouco gentil.
— Que feio tratar alguém assim — ele não se move. — Foi só um
errinho do cara.
— Eu não bebo álcool! — grito em seu rosto, e imediatamente recuo
um passo quando me dou conta que foi como se minha boca tivesse agido
sozinha.
Ele ri.
— Você é sempre tão mal educada?
Maneio a cabeça.
— Me dá licença, por favor — repito.
— Como queira, madame — ele dá dois passos para trás, me dando
espaço para passar.
Mas esqueço a bolsa e acabo voltando para pegá-la, Ryan entrando na
minha frente quando vou sair outra vez.
Com uma lufada de ar, eu olho bem para seu rosto. O que não deveria
ter feito, porque ele é, isso é impossível não admitir, muito bonito. Não,
muito bonito é pouco para ele. O cara é banhado de beleza e eu sei que não
só no rosto, o resto do corpo que está coberto é igualmente acompanhado da
mesma dádiva.
— Vai deixar sua amiga sozinha? — ele pergunta, o que me faz olhar
na direção dela.
Samara está rindo aos montes, se inclinando na direção de Douglas,
como se eles fossem muito próximos e estivessem no melhor dos papos. No
balcão, cinco copos descansam vazios, e apenas um está do lado de
Douglas.
— Por que você não leva seu amigo embora daqui? — grunho a
pergunta para Ryan, que passa a sorrir como se eu estivesse fazendo alguma
graça. — Vocês estragaram a nossa noite!
Ele inclina a cabeça para o lado.
— Aposto um beijo que ela discorda de você.
Bufo em descrença.
— Você é inacreditável — o empurro para que saia da minha frente,
infelizmente percebendo o contato agradável nas minhas mãos.
Vou em direção a Samara, ela só me percebendo porque a cutuco.
— Vamos embora — chamo.
— Não! — Samy fica horrorizada. — Eu não quero ir embora agora.
— Por que tá querendo levar a mina? — Douglas pergunta.
Eu o olho com um olhar estreito.
— E por que você está oferecendo tanto álcool a ela? — rebato.
— Porque ela disse que quer relaxar.
— É, Lu, eu estou relaxando — ela solta a última palavra como se
tivesse muitas sílabas. — Relaxa também, vai.
— “Relaxa também, vai?” — repito, descrente. — Você está alterada,
vamos embora daqui.
— Lu, não, por favor! — Samy segura a sua bolsa quando tento pegar
de cima do balcão, então me encara com um olhar suplicante. — Por favor,
eu estou me divertindo tanto...
— Deixa ela — Douglas resmunga. — Você não pode tirar ela daqui à
força.
Eu o fulmino com o olhar.
— Pare de dar tanta bebida a ela.
— Eu sei me cuidar, Lucy — Samy murmura. — Pode ir. Vou ficar
bem.
Eu respiro fundo e recuo, me encontrando com Brad a alguns passos,
onde ele me aguarda perto da área de assentos.
— E então? — ele pergunta.
— Ela não quer ir embora agora — suspiro em desgosto.
— Vou esperar com você então — seu sorriso me tranquiliza um
pouco. — Vamos dançar.
Eu aceito o convite, seguindo Brad para a agitação de corpos.

Como o esperado, eu não consigo me concentrar na dança, nem no DJ


e nem na música. Me sinto levemente tonta e as batidas começam a me
incomodar, minha cabeça ficando pesada.
Sair daqui já deixou de ser uma vontade só por causa de alguém, agora
quero ir embora porque eu mesma estou incomodada pelo ambiente.
— Brad — eu seguro seu braço e o puxo em minha direção. — Estou
zonza, quero ir embora.
— Claro — ele concorda. — Vamos buscar sua amiga e levo vocês
para casa.
Nós saímos do meio da muvuca e meu celular vibra na bolsa debaixo
do meu braço.
Eu puxo para pegar o aparelho, vendo o nome da minha irmã na tela.
Tem sessenta chamadas perdidas.
Reviro os olhos e atendo.
— O que você quer, Julie?
— Aff, por que essa grosseria? — ela chia. — Eu só quero te lembrar
que você prometeu chegar antes das duas. Já é 1:43h.
— Vai dormir, pirralha — desligo.
— Você está bem? — Brad quer saber, provavelmente por me ver
pondo as mãos na cabeça.
— Sim, vamos buscar logo a Samy — respondo, retomando os passos
que me levam até minha amiga.
Douglas me nota primeiro, dando um sorriso de lado.
Todos eles parecem ter o mesmo sorriso barato e irritante.
— Agora precisamos ir — chamo Samara, não lhe dando tempo de
protestar. Seguro seu braço e a faço se levantar, já puxando a bolsa junto.
Ela resmunga algumas palavras que não estou muito a fim de entender
enquanto caminhamos para fora da boate. Eu não a largo até estarmos perto
do carro de Brad.
— Paaaara! — ela puxa o braço da minha mão, quase caindo. — Eu
não vou com você!
— Você não sabe o que está falando — me irrito. — Está bêbada,
Samy!
Para complementar o meu azar, Douglas se aproxima logo depois, me
olhando como se eu fosse uma doida.
— Para de obrigar ela, caralho. Eu vou levar ela pra casa — comunica.
— Aham — aceno. — Por cima do meu cadáver.
— Tem algo errado acontecendo aqui? — um dos seguranças se
aproxima, a voz estrondosa demais chamando a minha atenção.
— Não — Douglas responde, me olhando. — Só...
Eu vou abrir a boca para dizer que sim, temos um problema, mas Ryan
chega até nós, já cumprimentando o segurança.
— A minha noite não pode piorar! — reclamo olhando para cima.
— Foi mal pelas minhas amigas, Kevin — ele começa dizendo. —
Beberam demais. Ficaram um pouco alteradas.
— Eu não estou alterada — respiro fundo, falando no tom mais calmo
que consigo. — Samy — a olho. — Você não pode criar uma cena essas
horas.
— Eu vou levar ela, já falei. Tá surda nesse caralho? — Douglas
pergunta, a voz baixa, mas nitidamente impaciente.
— Você não vai levá-la coisa nenhuma! — rapidamente respondo. —
Eu teria que estar sem o meu juízo para deixar minha amiga sair daqui
sozinha com você!
— Deixa comigo, Kevin — Ryan faz o segurança se afastar e então
logo está pairando à minha frente, falando com a voz mansa. — Dá pra se
acalmar? Você tá criando confusão. A Samara tá bêbada, ela não tá
plenamente consciente.
— Fala isso para o seu amigo! — gesticulo em direção ao Douglas,
que revira os olhos.
— O que você acha que eu vou fazer com ela? — pergunta.
— Eu não sei, e prefiro que assim continue! Não conheço você! A
Samara não vai a lugar algum com você.
— Para de gritar, Lucy — minha amiga pede, nitidamente com o corpo
mole, e Douglas a ampara. — Me leva embora, Doug.
— Doug?! — cuspo. — Você deu um apelido a ele?
Ryan ri.
— Pega leve, Lucy — diz, atraindo meu olhar. — Vai ter um treco se
ficar nessa.
— Sabe que eu concordo com você? — ironizo. — Agora convence o
seu amigo a deixar a Samy em paz. Vocês não parecem nem um pouco
confiáveis.
Ele olha para o Douglas e os dois se encaram em silêncio, nitidamente
entendendo um ao outro.
Ryan volta me olhar, mas sério agora.
— Vamos fazer o seguinte, eu levo todo mundo no meu carro — ele
aponta — e o seu amigo pode ir junto, pra garantir que vocês duas chegarão
bem — olha para o Brad. — Tá tranquilo pra você, cara?
— Tudo bem — Brad concorda, colocando as mãos nos meus ombros
e falando próximo ao meu ouvido: — É melhor assim. Parece que Samara
está convencida a ir com o cara.
Ryan aguarda minha resposta, me encarando firmemente.
— Certo — concordo. — Façamos isso.
O sorriso que se abre na boca dele... eu não sou capaz de descrever.
A única coisa que posso dizer é sobre o que sinto. Um arrepio que me
atinge dos pés à cabeça.
Capítulo 12

Desperto com batidas dolorosas. Vêm da porta do meu quarto, em um


som irritante demais, que faz todo o mal para a minha cabeça. Meu Deus,
eu eliminaria a pessoa por trás da porta com a força do pensamento, se
pudesse.
— Quem é? — pergunto, embolada e rouca. Devo ter gritado demais
ontem. Nem me refiro à música, ou a dança. Refiro-me aos meus gritos por
causa… eu não vou dizer. Não vou pensar nele. Não vou cansar meus
neurônios relembrando aquilo tudo. Aquela tortura de noite.
— Sou eu! — Julie responde, me fazendo resmungar. — Você tem
visitas! E já é hora de levantar, são duas da tarde! Vem logo, a mamãe está
te envergonhando.
Honestamente, mamãe pode me envergonhar o quanto quiser para
Brad, porque não tenho a intenção de me levantar agora. Afinal, ele já me
conhece, sabe que posso me envergonhar sozinha.
Deito novamente a cabeça no travesseiro, cubro-a com o edredom e
fecho os olhos, me entregando à escuridão bem-vinda, aguardando o sono
me pegar.
Quando estou quase sendo capturada, as batidas voltam. Mas dessa vez
não duram muito, porque ouço o barulho da maçaneta girar e logo estou
sendo cutucada.
— Santo Deus — suspiro. — O que você quer, Julie?
— Você não vai se levantar? — ela parece um pouco preocupada. — A
mamãe está contando tudo sobre você.
— Eu não ligo, Brad já me conhece.
— Não — minha irmã nega com um som de desprezo. — Não é aquele
seu amigo do trabalho, é o cara bonito do recado.
Eu tiro o edredom da cabeça e me sento abruptamente, a dor forte na
cabeça me dizendo a consequência dessa ação sem cuidados.
— Ryan Smith está aqui? — pergunto olhando em direção a porta do
meu quarto, prudentemente fechada.
— Se Ryan Smith é o cara que veio te procurar aquele dia, sim, é ele
— minha irmã está roendo a unha e me olhando com preocupação. — Ele
disse que era seu amigo.
Faço uma careta.
— Como nossa mãe pode ter deixado entrar na nossa casa um cara que
nunca apresentei a ela?
Julie ergue os ombros, estando tão perdida quanto eu. Ela vem sentar
ao meu lado, na borda da cama.
— Sabe o que é mais estranho? — pergunta. — Ele conseguiu fazer
nosso pai se sentar para conversar.
Eu a olho, desentendida e meramente atônita.
— Sei o que está achando — Julie acena com a cabeça. — Eu também
nem a acreditei. Nosso pai só conversa com a gente quando é para pedir
ajuda com o celular ou para dizer os benefícios dos alimentos, do que temos
que comer para envelhecermos saudáveis.
Dou risada, mas paro quando a minha cabeça lateja mais forte.
— Eu acho que ele queria um menino — minha irmã conclui, me
olhando. — Mas teve duas meninas.
— Pare de pensar abobrinhas, Julieta — a repreendo carinhosamente.
— Fica lá na sala para me dizer depois o que aconteceu, eu vou tomar um
banho e já saio.
— Você está horrível — ela se levanta. — Quer que eu faça um suco
detox para você?
— Se você tiver a bondade, vou ser eternamente grata. — Preciso
urgentemente limpar meu organismo e voltar a funcionar racionalmente.
— Me encontra na cozinha quando sair do banho.
Eu concordo e minha irmã sai do quarto, me deixando para ir tomar
um banho digno de alguns bons minutos; água fria na cabeça pesada e
latejante, e no corpo mole e vacilante.

Julie está sentada em uma das cadeiras na cozinha, o copo de suco


verde em cima da mesa. Eu me aproximo e pego para beber, rasgando a
garganta por quanto está gelado.
— Ryan, né? — ela chia, os braços cruzados e as pernas também. —
Ele está fazendo nossos pais rirem aos montes. Muito mais o nosso pai, que
está todo empolgado!
— Eu vou tirar ele daqui, não se preocupe — abandono o copo vazio
na pia e sigo para a sala, deixando minha irmã ciumenta sozinha na cozinha.
Como o esperado, Ryan está mesmo na sala da minha casa. Sentado no
mesmo sofá que meu pai, falando algo digno do sorriso dele, que não sei
bem o que é, porque só pego a parte do "e meu avô fez isso mesmo".
— O que você está fazendo aqui? — pergunto num tom alto, que
exceda o da sua voz.
Todos me olham, mas Ryan é o único que sorri.
— Oi, Lucy — ele me cumprimenta, no tom mais suave que já ouvi
em sua voz. — Você continua linda mesmo com os olhinhos inchados do
seu sono de princesa.
Faço uma careta imediata e ouço Julie simular um barulho de ânsia
atrás de mim.
Essa parte eu acho ótimo, pois minha irmã também parece igualmente
descontente com o comportamento de Ryan, o que é benéfico para mim.
Mesmo que ela só esteja assim por estar com ciúmes do nosso pai, mas
ainda assim é válido.
— Obrigada — agradeço em uma falsa cordialidade e me aproximo
dele, dando um sorriso aos meus pais antes de focar em Ryan. — Podemos
falar um instante lá fora?
— Tô bem confortável aqui — ele não indica que vai se levantar.
— Por que não fica aqui conosco, meu amor? — minha mãe convida,
me fazendo virar para olhá-la. Ela bate no espaço ao seu lado no sofá. —
Ryan está nos contando sobre seus avós que moram no Brasil.
Solto um suspiro exasperado.
— Mãe, vocês nem o conhecem! — digo, incrédula. — Não sabem
quem ele é!
Eu sinto o calor por trás de mim e sei que Ryan decidiu se levantar, o
que me adianta em muito. É mais fácil empurrá-lo para fora.
— Sabem, sim — ele vem para minha frente, me desafiando com o
olhar. — Eu já contei tudo pra eles. A gente se conheceu através da Samy e,
por coincidência, você trabalha na publicidade da loja de vinhos da minha
família. Também nos encontramos na boate ontem e eu trouxe você pra
casa.
Estreito os olhos.
— Não — discordo. — Brad me trouxe. Se viemos no seu carro é
porque você e aquele seu amiguinho se meteram onde não deviam e
estragaram a minha noite!
Um silêncio desconfortável cobre o ambiente por segundos até Ryan se
mostrar ofendido, com a cara de pau que só ele mesmo poderia ter.
— Até quando você pretende ficar de vacilação comigo? — pergunta
só para eu ouvir.
Solto um som incrédulo.
— Eu? — questiono. Ele só pode estar de brincadeira. — Você aparece
em todo canto e eu estou de... de...
— De... De... — ele me imita.
— Isso não tem graça — resmungo. — Você já está enchendo o meu
saco! Estou farta de você!
— Eu só vim saber como você tava. Pareceu um pouco fora da casinha
ontem. Deve ter sido por causa do gole alcoólico — ele inclina a cabeça
para ficar mais perto do meu rosto, falando com uma voz doce que engana.
— Desde quando se preocupar com alguém se tornou um pecado pra você
ficar me atirando pedras?
— Tadinho de você — seguro a mão dele e olho para meus pais, vendo
que nos observam com interesse. — Vamos dar um pulinho lá fora. Um
instante.
Minha mãe concorda e meu pai fica me olhando com cara de paisagem
enquanto arrasto Ryan porta afora, não acreditando que estou passando por
tamanha situação.
Bato a porta atrás de mim e cruzo os braços, encarando-o na minha
frente.
Aquele sorriso desgraçado está em sua boca, me deixando com uma
irritação carregada.
— Eu ia dizer que você não parece filha dos seus pais, mas... — ele faz
uma pausa proposital, que de maneira nenhuma me faria indagar o restante
da frase.
Entretanto, Ryan decide continuar mesmo sem nenhuma demonstração
de incentivo da minha parte.
— Me lembrei que você parecia bastante simpática quando me
conheceu e eu meio que pisei na bola — ele balança a cabeça,
aparentemente cabisbaixo e envergonhado, o que me impressiona, mas não
demonstro. — Se você tá me tratando assim, deve ser porque eu mereço.
A risada que solto é impensável. Ele fica me olhando com os olhos
estreitos e os lábios entreabertos até meu riso cessar.
O contraste é marcante. Os cabelos claros bagunçados fora do
penteado, alguns fios espetados; a jaqueta escura com a blusa clara por
dentro; e abaixo disso eu não vi, e não faço esforço para ver também. Mas
tenho plena certeza que está tão bom quanto até onde posso ver.
— Tá rindo de mim? — ele quer saber.
— Sim, estou rindo de você. O que te deu?
— O que me deu? — Ryan soa quase chateado, se aproximando mais
de mim, seu olhar segurando o meu fixamente. — Eu vim até aqui saber
como você estava e o que eu ganho? Isso? Esse comportamento?
Minha risada agora soa mais sincera e alta.
— O que você esperava? — devolvo. — Beijos e abraços?
— Talvez.
Sua voz séria e dura me faz parar de rir imediatamente. O olho em
busca de algum vestígio de gozação, mas não encontro.
— Como você me disse uma vez — falo de forma bem clara: — Fora
daqui. E faça o favor de não colocar mais os pés na minha casa ou tomarei
medidas a respeito.
Volto para dentro de casa, minha última lembrança sendo o semblante
perdido de Ryan e as minhas próprias palavras.
Ele deve ter rido de mim.
Que medidas eu poderia tomar com alguém que tem uma família como
a dele?
Capítulo 13

Não estou nem um pouco pronta para a segunda-feira. Não estava


ontem, quando fui dormir, nem estou agora, chegando à minha mesa e me
jogando na cadeira.
Brad já está a todo vapor montando um slide, que provavelmente vai
ser usado em alguma reunião daqui ou de algum cliente. Ele chega uma
hora mais cedo que eu, como demanda seu horário.
— Bom dia — eu balbucio, sonolenta e mole. Não tive um dos
melhores finais de semana – apesar de ter tentado –, nem dormi tão bem.
Parece que fui jogada na parede insistentemente.
— Bo… — ele se vira para mim, tirando a atenção do slide, o que
acho bem significativo, porque desconcentrar desse tipo de serviço não é a
melhor opção. Com um sorriso, Brad morre o restante da frase e fica me
olhando por uns segundos. — Você está bem, Lucy?
— Sim e não — eu abro minha bolsa e tiro a garrafinha de água e
outra de café recém feito, porque vou precisar. Jogo a bolsa embaixo da
mesa e aperto o botão do computador para ligá-lo.
— Vou focar no não — ele murmura —, o que houve?
— Não me pergunte o que houve. Isso me faz lembrar de ontem, o que
consequentemente me faz lembrar de sábado — eu o olho. — Você está
bem com os acontecimentos que tivemos?
Brad tem um momento de alienação, como se tentasse entender do que
estou falando. Por fim, ele acena a cabeça, como se dissesse "sim".
— Você não conseguiu descansar ontem? — ele quer saber.
— Oh, eu deveria. Eu estava descansando quando minha irmã me
acordou dizendo que Ryan estava na minha casa!
— Como é? — meu amigo está repentinamente desentendido. — O
que ele estava fazendo na sua casa?
— E você acha que eu sei?!
— Não querem falar mais alto? O andar inteiro gostaria de estar a par
da troca de notícias, que eu adoraria que fosse um brainstorming — a voz
de Shirley nos interrompe da conversa e viro a cabeça para vê-la de pé atrás
de nossas cadeiras, sempre muito confortável em cima de saltos agulha,
como eu jamais vou entender.
Brad volta para o slide, me deixando sozinha para arrumar um bom
argumento.
— Já vou começar o meu trabalho — dou um sorriso amarelo para ela
antes de voltar os olhos para o monitor e imediatamente abrir o arquivo que
recebi na sexta do setor criativo.
Quando me deparo com as duas pastas, conferindo cada uma com 22 e
15 arquivos, respectivamente, dou um suspiro pesado.
Vai ser um longo dia.

Mais tarde, eu me sinto travada ao levantar da cadeira. Eu não amo as


segundas-feiras, sempre são mais difíceis que os outros dias. Se
assemelham quase a um castigo, onde você é tirado abruptamente do que
gosta, fim de semana, e ordenado a voltar para o lugar não prazeroso.
Saio do prédio com uma coragem gigantesca e sigo para o ponto de
ônibus, lembrando de pegar o celular para ver minhas mensagens. Nem
olhei para ele o dia todo, devotando toda minha atenção para finalizar os
trabalhos pendentes. Não consegui, mas pelo menos passei da metade –
pelo menos até os clientes darem um novo palpite e me fazerem voltar à
estaca zero.
Samy me enviou doze mensagens e também tenho mensagens de dois
números desconhecidos, fora minha mãe perguntando o que quero jantar.
Foco primeiro nos números desconhecidos.

|555-9078
Oi, Douglas aqui. A Samara tem algum outro número? Ela me
bloqueou e n to conseguindo falar com ela

Dou um sorriso. Pelo menos uma novidade boa. Minha amiga enfiando
bom senso na cabeça e desviando de homens do tipo Douglas.
Eu abro a do outro número, vendo o rosto de Ryan no perfil, me
fazendo ralhar os dentes.
|555-6769
E aí. Vamos sair e esclarecer as coisas?

Ignoro ambos e abro as de Samy. Oito delas são figurinhas de


desespero e choro, somente quatro mensagens sendo escritas.

|Samy
Eu não me lembro oq fiz no sábado
Fiquei de ressaca até hoje
Luuuu
Pode vir aqui depois do trabalho?

Respondo e fico aguardando o ônibus, remoendo a mensagem de


Ryan. Sair? Esclarecer as coisas? Ele não deve funcionar bem da cabeça se
pensa que tenho a intenção de vê-lo novamente.

Algum tempo depois estou batendo na porta da casa de Samy e sendo


recepcionada pelo seu irmão mais velho, Bernard. E eu acho curioso que a
cada vez que o vejo, ele parece estar mais alto.
— Oi, Lucy — ele sorri, se inclinando para me cumprimentar com um
beijo na bochecha. — Não sabia que você viria, por isso a Samy está
fazendo um jantar dobrado.
— Muito engraçado, Bê — dou um tapinha em seu braço antes de
entrar.
Já da sala, consigo ver minha amiga na cozinha, enfiada no seu avental
rosa que tem seu rosto estampado no bolso grande frontal. Bem cafona
mesmo, mas ela ama, já que foi dado pela sua mãe.
— Boa noite, pessoal — me faço notar e Landon, seu irmão do meio,
deixa de organizar a estante para me olhar.
— Oi, Lu — ele me oferece um sorriso doce, que acentua o brilho dos
seus olhos castanhos e sua feição jovial, deixando-o como se fosse apenas
um rapaz simpático.
Ao contrário de Bernard, que tem uma expressão mais séria no rosto
duro, que parece não esbanjar muitas expressões se não sorrisos para quem
ele conhece.
Em suma, olhando-os assim, ninguém diz que são capazes de
machucar alguém. Mas eles são e já machucaram. Mesmo que Landon não
tenha a mesma aparência que Bê, todo alto e cheio de músculos,
amedrontador, ainda assim é capaz de fazer igual.
E como eu sei disso? Porque eu vi como Samy estava depois de
presenciar eles tirando seu ex-namorado da jogada. Ela realmente estava
apavorada quando cheguei aqui depois que ela me chamou. Toda trêmula e
sem conseguir falar direito. A coitada ficou aterrorizada.
— Obrigada por vir, Lu — ela cantarola da cozinha. — Já estou
terminando o jantar. Você janta com a gente?
— Claro, não recuso comida — tiro a bolsa e vou colocar no gancho
ao lado da porta, me aproximando da cozinha. — Vou te ajudar, só me
espera lavar as mãos.
Samy concorda e eu vou em direção ao banheiro no corredor, lavando
as mãos de modo demorado enquanto encaro meu reflexo no espelho. Estou
com uma aparência abatidamente cansada. Me sinto cansada.
Enxugo as mãos e volto para a cozinha, cruzando no caminho com
Landon, que faz uma carícia amigável no meu braço, me roubando um
sorriso.
— O que posso fazer? — me prontifico ao lado de Samy, que mexe a
salada em uma tigela.
— Essa é especialmente pra você. Sei que adora salada sem adicionais
de molho — ela sorri, indicando a pia com um gesto de cabeça. — Se puder
ajudar nas louças, vai ser muito bom.
— Que castigo. Você sabe que odeio lavar louça, Samy — me
posiciono, pegando a bucha de louças e colocando detergente, então
começo a minha tarefa.
— Qual foi o tamanho da minha burrada no sábado? — ela cochicha
para mim. — Douglas não parava de me ligar. Tive que bloqueá-lo. O que
eu fiz?
— Depende — a olho com um sorriso debochado. — Você ficou
bêbada, cheia de intimidade para cima dele. Deu até um apelido, o chamou
de Doug. Me falou para ir embora que sabia se cuidar e bateu o pé dizendo
que ele te traria para casa, que só queria ele.
Samy faz uma careta e depois engole em seco.
— Droga — ela chia baixinho. — Eu devo ter ficado muito fora de
mim. Meus irmãos avisaram que você me trouxe na porta super bêbada.
— É, você contou para o Doug — alfineto — que queria relaxar e ele
te encheu de álcool. Bem, você se encheu, mas ele que ofereceu.
— Isso só é tão ruim porque eu trabalho na casa dele — ela solta um
suspiro ruidoso. — E agora eu não sei o que vou fazer.
— Ele me mandou mensagem querendo saber se você tinha outro
número.
— Sério?
— Sério. Você devia desbloquear ele e dizer que, no sábado, estava
sob o efeito do álcool. Diz que levou ao pé da letra o desejo de relaxar e que
ele deve esquecer tudo que rolou, porque você nem se lembra.
Samy bufa em descrença, me tirando um risinho baixo que me custa
um tapa no ombro.
Continuo a lavar louças enquanto ela termina o jantar e Landon coloca
a mesa, Bernard estando assistindo um documentário do Animal Planet na
TV da sala.
Todos estamos ocupados quando as batidas na porta atravessam o
ambiente.
— Vai atender você, Bernard — Landon pede, fazendo o irmão
resmungar.
Mas Bê se levanta para fazê-lo mesmo assim, indo até a porta e
abrindo primeiro uma brecha para ver de quem se trata antes de abri-la
completamente.
— Quem são vocês? — eu o ouço perguntar, o que me faz erguer os
olhos da pia e destiná-los à porta.
Então a voz que tanto tem me assombrado, responde de forma fácil e
leve:
— Somos amigos da Samara.
Samy me olha de olhos arregalados antes de Bê se virar para olhar para
ela, de um jeito desconfiado.
— Samy — ele avisa —, tem amigos seus aqui na porta — volta a
olhar para fora. — Ela já vem.
Bernard avisa isso e deixa a porta entreaberta antes de voltar para o
sofá. Mas percebo que, dessa vez, escolhe o sofá que oferece visão da porta.
— Como eles sabem meu endereço? — ela se alarma, mas contida.
— Ryan nos trouxe no sábado, porque você queria vir se fosse com o
Doug — respondo, forçando o apelido.
Ela tem um momento de auto piedade antes de seguir para a porta,
tentando tirar o avental, mas se enrola e desiste.
Disfarço uma risada antes de voltar a atenção para as louças, sentindo
que estou sendo observada. De soslaio, levanto os olhos e vejo Landon me
encarando do outro lado, sentado em uma das cadeiras da mesa.
Ele imediatamente me oferece um sorriso, que eu retribuo antes de
voltar às louças.
— Eu não acho que seja uma boa ideia — a voz de Samy é urgente
algum tempo depois.
— Besteira — a de Ryan está tão perto, me fazendo olhar para a área
da sala, onde ele já entrou e passa o olhar por todo o ambiente, dando um
sorriso quando me vê. — Oi, Lucy. Que bom te ver de novo.
Aperto a bucha nos dedos com a força de todo nervosismo que ele me
causa.
— Lamento não poder dizer o mesmo — grunho.
Ryan leva uma mão ao peito por dentro da jaqueta marrom, fingindo
ter sido atingido.
— Pega mais leve, gata — murmura. — Assim você fere meus
sentimentos.
Desvio o olhar para Samara, que está logo atrás dele. A coitada fica
parecendo uma anã perto dele. Ela apenas balança a cabeça, como se não
pudesse fazer nada.
— Quem é seu amigo, Samy? — Bê pergunta, se levantando do sofá.
Mas Ryan é mais rápido, se aproximando dele e estendendo a mão.
— Foi mal não ter me apresentado antes, cara. Me chamo Ryan e meio
que minha amizade com a sua irmã é recente.
Bernard estreita os olhos, mas aceita o cumprimento, e os dois apertam
as mãos, se encarando até Ryan gesticular em minha direção.
— Pode ficar sossegado que o meu lance é com a Lucy, não tô a fim da
sua irmã, não — explica, o que me faz abrir a boca, descrente. — Mas e
então — ele bate palmas —, posso ficar pro jantar?
Ele não pode estar falando sério!
Capítulo 14

QUANDO no domingo...

Samuel joga o controle no chão e salta da cadeira com um grunhido


inconformado, fazendo uma cena exagerada e me despertando da captura de
pensamentos. Que têm sido muitos.
— Eu perdi! — ele grita, nos olhando com descrença absoluta. É quase
um pedido. Tipo que a gente explique a causa da sua perda na partida. —
Não acredito nisso!
— Conta uma novidade, cara — Nathan fala, bebendo Gatorade de pé
perto da cômoda, segurando o celular que carrega numa tomada dali.
— Você sempre perde — Douglas bufa. — Não sei porque ainda joga.
— Porque ele é viciado, e o vício não é algo que se contém sem força
de vontade
Sam balança a cabeça, frustrado e furioso. Eu não culpo o cara. Passar
seis horas na parada pra perder não é bem o que eu chamaria de motivador.
Eu já tive essa paciência, mas hoje em dia, ela mudou.
Sem falar mais nada, Samuel abandona pra lá o videogame e sai da
sala, sumindo escada acima.
— Tanto tempo jogando e o Sam consegue ficar pior a cada dia —
Douglas zomba.
— O time dele é ruim — ressalto. — Ele só xinga os caras, cheio de
decepção pelas jogadas deles.
— Ele poderia mudar de time, nada impede. Não tá ganhando dinheiro
mesmo com jogos — Douglas dá de ombros, me olhando. — Você foi ver
seus pais hoje cedo, né? Como foi?
Não. Eu não fui. Disse que iria pra evitar perguntas, mas na real eu fui
na casa da Lucy.
É, eu não canso de me surpreender. Antes de ser julgado, eu mesmo
me explico.
Depois que saímos da boate no sábado, ela pareceu um pouco alterada
demais. Não da bebida alcoólica que bebeu por engano, ela estava puta.
Fosse, antes, falando comigo quando me via e depois dentro do carro no
caminho pra casa dela e da amiga, sem dizer nada. Eu consegui sentir o
ódio dela do meu lado mesmo assim. Por minha causa, aquilo tava na cara.
Então eu quis mudar aquela situação. Eu tinha que mudar, na real. Não
daria pra tentar alguma aproximação com ela se Lucy estivesse me odiando.
É, é, aproximação pelo lance de ter ficado curioso vendo ela naquele mini
vestido.
Talvez, e só talvez, quem sabe ela não mudaria de ideia sobre tirar
minha foto se gostasse um pouco de mim. Ao menos um pouco, e eu tinha
que tentar por esse lado.
Beleza, sei que não fui o cara mais sensato quando a conheci. Não
tinha nenhum crédito com ela por causa disso. Não fui maneiro, eu meio
que chutei a noção pra longe e não considerei que ela não me conhecia e
nem tinha a obrigação de me ajudar se não quisesse.
Minha situação, sim, tava complicada. Eu queria me aproximar de
alguém que nutria ódio por mim a cada vez que me via.
Por que, então, não me aproximar da sua família? Foi o que pensei. A
ideia foi, assim, cara, ideal. Perfeita. Isso ia ser flecha no alvo! Lucy ia me
ver querendo conhecer sua família e iria se derreter toda por mim, assim eu
mataria a minha curiosidade e, de quebra, poderia conseguir sua ajuda.
Afinal, não é isso que todas elas querem? Um cara que queira mais que
o que é comum de se querer? Eu achei que, pô, ia funcionar. Ia me retratar.
Me colocar numa situação que não é do meu comum. Lucy ia ver um lado
bom do Ryan que ela achava que conhecia.
Fiquei achando que ela ia ficar toda amolecida por mim, mas Lucy só
bateu a porta na minha cara! Praticamente me expulsou de lá depois de ter
me olhado com sangue nos olhos ao me ver perto dos seus pais que, preciso
falar, são muito maneiros.
Papo fácil, fluiu fácil, pai maneiro, mãe gentil. Geral me tratou bem
assim que a irmã da Lucy me recebeu na porta. Nunca tinham me visto, mas
só precisei dizer que era amigo da filha deles e que queria saber como ela
estava, pra ser convidado pra entrar. Gente saudosa é outro lance, cara. Me
amarro.
Pro meu azar, e o Ryan de uns dias atrás diria ser sorte, Lucy não me
quis ali no meio deles. Me expulsou com direito a uma ameaça. Achei
corajoso da parte dela e o que me fez perceber que eu já conhecia alguns
lados seus.
Já conhecia seu lado gentil e simpático, quando nos vimos pela
primeira vez e ela disse que se sentia empolgada de estar conhecendo um
Smith pessoalmente; conhecia seu lado em choque, que a impedia de sequer
tirar alguma palavra da boca, como foi provado na hora que a expulsei da
minha casa; o lado curioso, que pude notar quando vidrou os olhos na
minha tatuagem e quando fui no seu trabalho; depois, seus lados de
surpresa, descrença e irritação, quando a encontrei na pista de dança e
descarreguei algumas palavras em cima dela. E, então, seu lado corajoso e
desafiador, que a deixaram ainda mais deliciosa aos meus olhos.
... e que estranho tá sendo admitir isso pra uma tela, na moral.
O que me relaxa é que eu só tô relatando. Não tem nada a ver com a
minha sede e fome por querer me aproximar dela, por tentar, ou até mesmo
a minha vontade por registrar para que nunca seja esquecido.
Que nunca seja esquecido nada do que já vivi.
Não é por ela, não tem como ser – eu nem a conheço. É por mim. Pela
limpa na minha mente complicada. Não tem nada a ver com ser rejeitado
pela primeira vez e tentar uma aceitação.
— Foi legal — dou um pigarreio ao responder a pergunta do Douglas.
— Você teve notícias da Samara?
Ele dá um sorriso largo.
— Ela tá me ignorando — dá uma olhada no celular antes de
demonstrar pouco caso. — Se ela continuar com isso, passo pra outra fácil.
— Já era pra ter passado — Nathan fala. — Não tô entendendo esse
rolo seu com a faxineira. Se o Samuel souber, demite ela, você sabe. Ela vai
deixar a limpeza da casa pra “nunca mais” quando vier pra cá.
Douglas franze o cenho e balança a cabeça em negativa, como se
Nathan estivesse viajando.
— Quem te perguntou alguma coisa? Se mete na sua vida, ô —
resmunga, se levantando. — E não deixa essa garrafa vazia aí, vai jogar no
lixo.
Nathan ri.
— Qual é a dessa marra do nada? — pergunta.
Mas Douglas não responde, só lança um olhar mortal pra ele antes de
voltar os olhos na minha direção.
— Por que você queria saber da Samara?
— Sei lá — dou de ombros. — Curiosidade.
Ele continua me encarando, estreitando os olhos.
— Queria saber da Lucy, na verdade — reformulo depois de me sentir
preso no beco com Douglas de “por que você tá querendo saber da mina
que eu tô pegando?”.
— O que tem a Lucy? — ele quer saber.
— Nada — finjo descaso. — Tô tentando achar uma forma de
convencer ela a tirar minha foto do site, só isso.
— Mas você não tem o número dela? — Douglas pergunta e já
emenda: — Não precisa da Samara pra entrar em contato com ela.
Me esquivo com uma risada.
— Relaxa aí, cara — peço e adianto: — Não quero nada com a
Samara.
Douglas assente, dando uma olha em Nathan antes de sair da sala.
— Qual é a dele? — Nathan quer saber, me fazendo olhar pra trás,
onde ele continua de pé, com o celular que está carregando. — A faxineira
deve ter uma sentada de outro mundo. Do nada fez o maluco ficar grilado
porque não teve as mensagens respondidas. E o que foi isso de falar da
garrafa vazia?
Dou risada.
— Pega leve, é um lance novo, é assim mesmo.
— Porque tá falando como se entendesse ele? — Nathan debocha.
— Talvez eu entenda.
— Mano — ele fica me olhando com uma cara de paisagem. — Vocês
estão estranhos pra caralho.
Eu me sinto estranho. É quase como se eu estivesse fazendo esforço
demais pra estar perto da Lucy, só porque meu corpo decidiu reagir ao dela.
— Pera — eu mesmo digo depois de ouvir meus pensamentos. — Não,
não — levo as mãos ao rosto e esfrego. — Não acredito nisso.
— No quê? — Nathan quer saber.
— Em nada — me levanto. — Preciso escrever.
— Você vive escrevendo agora — ele faz uma pausa e me estuda por
uns segundos. — Tá tranquilo, Ryan?
— Por que eu não estaria?
— Porque normalmente quando alguém começa muito a fazer algo
fora do comum, é sinal de que algo não tá bem.
— Ou pode ser o contrário — discordo. — Pode ser que esteja bem até
demais e eu queira apenas dizer isso, de alguma forma.
— E por que não diz pra gente?
— Porque — ninguém entenderia — eu prometi que colocaria em
letras, não que falaria.
— Falou, então — Nathan não parece entender. Ele coloca o celular na
cômoda antes de informar: — Eu vou tomar um banho e ir dormir.
— Dormir? Essa hora?
Ele dá um sorriso forçado.
— Tô pegado num compromisso com meu velho amanhã.
— Real? — me impressiono. — Você com compromisso na segunda.
Caralho, vai chover.
Nathan concorda, não muito animado. Quase poderia afirmar que tem
algo incomodando ele, mas não vou me meter. Se ele não disse, é porque
não quer falar; e se não quer falar, eu que não vou insistir.
— Valeu, boa noite, então — me despeço antes de seguir ao lance de
degraus.
E foi uma noite longa até eu ter conseguido colocar pra fora tudo que
estava na minha cabeça.
... e curiosamente o sentir do coração.
Capítulo 15

Eu não imaginei que poderia fazer aquilo quando, na segunda-feira,


encontrei com Douglas na cozinha. Ele já estava comendo cereal e com o
celular na mão livre. Abatido, eu diria. Pelo menos, foi a impressão que eu
tive de primeira.
— Fala aí, bom dia — chego dizendo, o que só faz ele soltar um
"bom" em resposta.
Vou aos armários pegar uma tigela e encher de cereal com leite, então
fico comendo perto da bancada.
— Bom dia, bando de vagabundo — Sam entra na cozinha logo
depois, nos cumprimentando. — O que vão fazer hoje? Eu pensei que a
gente podia dar um pulo no bar novo da região mais tarde. Tenho uma
partida marcada pra agora e mais tarde tô livre.
— Tô a fim não — Douglas responde, sem qualquer interesse.
Sam me olha, aguardando minha resposta.
Mas eu também não tava a fim. Nem um pouco. Com tudo aquilo da
minha foto no site, a tentativa de escrever pra não pensar nisso, nas
consequências que aquela merda poderia me trazer, e sobre Lucy. Minha
única esperança que negou uma ajuda, mas que ainda assim era a única
esperança que eu tinha.
Foi então que dei a resposta menos evasiva e mais aceitável, que não
geraria uma onda de dúvidas naquela situação e nem faria Sam pensar
que, sei lá, eu não estava disposto a ir por não estar dormindo.
Porque tem isso, o que me quebra. Ele ainda pode chegar a certas
conclusões equivocadas.
Há seis anos, depois de todo o lance que me aconteceu – sobre meu
avô quase ter me matado –, chamei meus amigos pra morarem aqui nessa
casa comigo. É mais fácil achar o que houve pesado quando escrevo, do
que quando me lembro.
Já não aguentava mais a minha mãe com toda aquela preocupação e
cuidado, e meu pai na defensiva, como se sentisse que era culpado. Eu não
era um fio de ovo, caralho! E eles não entendiam isso. Aquilo tava me
enchendo e me prejudicando mais ainda, me esgotando de um jeito absurdo.
Eu não conseguia melhorar. O físico, o mental, psicológico, porra, tudo
emaranhou e tava indo pro ralo.
Eu não tinha mais a casa do meu irmão pra ir e dar um tempo, então eu
mesmo tomei uma atitude. É, trazer os caras que têm uma boa energia pra
perto de mim. Meus amigos me ajudaram pra caramba nessa. Foi como se
eu tivesse finalmente conseguido respirar outra vez.
Mas, claro um porém, essa boa vibe sumia quando eu tinha que voltar
pra casa, pra não deixar meus pais ainda mais preocupados comigo. Não
bastava que eles estivessem já com preocupações pelo meu irmão que
meteu o pé.
Era suficiente somente algumas horas com eles pra que eu quisesse
correr dali. Mas eu não demonstrava, obviamente. Não dava pra ser honesto
com eles naquela situação. Meu pai já estava com um nó na cabeça pelo que
seu pai tinha feito; minha mãe, ela tentava ser forte, mas eu via o desespero
nos olhos dela. A tensão, o clima da casa, o acontecimento, o cuidado no
falar e agir, a forma que eles se comportavam, rindo e sorrindo, mas nada
disso realmente, mano!
Não dava. Não dava mesmo. Eu não podia ser honesto, então fui
apenas eu, o Ryan que todos sempre conheceram.
E, mais tarde, eu pagava a consequência.
Um conglomerado na minha cabeça que era explosivo a ponto de
querer me levar no meio da noite. Levar literalmente. Me fazer morrer. Um
escape que o cérebro me dava quando eu estava relaxado? Aposto nesse
ponto. E essa parte aconteceu muito aqui nessa casa, perto dos meus
amigos.
Eles viram de perto isso e Sam é quase muito preocupado e cheio de
cuidados, que, pra ser honesto, não ajudam. Sam, essa mensagem é pra você
e já te disse a respeito, se eu estiver ferrado, não tenta me ajudar com a sua
preocupação excessiva, cara. Isso ferra mais ainda a situação.
O lance é que eu passei uns dias evitando dormir. Eu não queria
dormir. Aquilo era ruim de sentir. Era péssimo acordar com a voz da minha
cabeça dizendo "Respira! Esqueceu como se respira? Acorda e respira!". E
eu meio que, é, tinha esquecido de respirar, então me concentrava com o
coração a mil pra poder aquilo passar.
E passava, mas eu não entendia o motivo. Eu estava bem, me sentia
bem, e tentar achar a causa pra aquilo só piorava tudo. Eu começava a
pensar e do nada uns arrepios no corpo, estranhos pra caralho. Não dá pra
eu explicar exatamente, porque parei de sentir isso constantemente.
Parei, até perceber que eu não acharia a causa e entender que não
precisava pensar a respeito. Eu tava vivo, não tinha morrido. Era só o que
importava.
E então Lucy apareceu.
Aquela desgraçada.
— Tô no clima também não, Sam — o olho. — Meu foco tá nos meus
escritos, no momento.
Samuel me olha com um olhar perdido, provavelmente ele estranhou
pra caralho que eu estivesse fazendo uma troca sem sentido. Beber por
escrever? O Ryan do passado também ficaria embasbacado.
Pra não dizer que eu mesmo ficaria com vontade de me arrastar pra
fora de casa e achar uma outra saída pra extravasar o que nem eu mesmo
sabia que estava sentindo.
— “No momento”? — Sam ri. — Isso não é porque você tá pegado
ainda naquela parada da sua foto no site, né? Tipo, você não tá se
impedindo de sair por isso.
Ele meio que quis dizer, me fala a verdade, seu filho da puta. Mas eu
disse, por entrelinhas.
— Não — nego. — Eu só tô viciado em escrever mesmo e não quero
fazer nada além disso.
— Ryan, as pessoas se viciam em coisas que tem sentido! — ele se
aproxima, me analisando com atenção. — Não em usar os dedos pra
escrever. Que… Caralho, cara, você se ouve?
Dou um sorriso.
— Eu tô mandando a real, Samuel — deixo a tigela na pia e completo:
— Escrever me faz não pensar, e eu sou um homem mais feliz não
pensando.
Douglas ri e viro a cabeça para olhá-lo.
Ele parece tão desentendido quanto Samuel, mas do seu próprio jeito,
meio abestalhado.
— E o que tanto tem escrito? — Sam quer saber. — A gente ao menos
pode dar uma olhada?
— Ainda não tá pronto — respondo. — Então nem enche com isso.
Como se eu achasse que isso pudesse ficar pronto um dia...
— Sabe o que eu acho, Ryan? — Douglas chama minha atenção de
volta pra ele. — Que você devia dar uma volta comigo mais tarde.
— E qual a desse achismo?
— Porque vou dar um pulo na casa da Samara e a Lucy pode estar lá.
Esquisito. E vejo que não sou o único a achar isso, porque Samuel
também fica encarando ele, alienado. Depois de uns segundos, volta a me
olhar.
— Achismo? — pergunta pra mim. — Desde quando você usa esse
tipo de linguajar? — gesticula e olha pro lado. — E que porra você vai dar
um pulo na casa de quem, Douglas?
— Por que vocês querem se meter sempre no que eu faço? — Douglas
balança a cabeça, incrédulo.
Eu gostaria de dizer que é porque ele dá essa impressão, como se ainda
fosse um moleque que cada atitude precisasse ser supervisionada. É um
pouco frustrante, eu imagino.
— Beleza — Samuel passa por mim, seguindo até a geladeira. —
Droga, ninguém foi ao mercado?
— Você também podia ir de vez em quando — Douglas murmura. —
Não é porque é o mais velho de nós que tem que bancar o “senhor das
ordens”.
Sam tira a cabeça de dentro da geladeira e volta os olhos para Douglas.
E eu só quis rir. Esse comportamento todo era só porque Samara tava
dando uma bela ignorada nele? Pô. Imagina se eles tivessem algo mais.
— Eu não sei qual é a sua — Samuel ralha —, mas não vem
descontando em mim. Como se já não bastasse eu ter que suportar minha
família me ligando pra falar do meu irmão.
— Que culpa tenho eu? — Douglas rebate. — Isso não justifica esse
seu jeito autoritário.
— Foda-se, Douglas! — Sam bate a porta da geladeira e caminha pra
fora da cozinha, resmungando ofensas.
— Maluco sem noção — Douglas reclama e o olho a tempo de ver que
enfia os dedos pelos cabelos, quase como frustrado.
— E aí — o interrompo —, que horas você vai ver a Samara?
Ele me olha.
— À noite, no horário que ela disse que os irmãos saem pra trabalhar.
— Sério? — Achei, no mínimo, muito estranho. — Ela te disse isso
assim, sem você perguntar?
— Ela não disse exatamente hoje, mas no dia que ficamos
conversando no celular de madrugada.
— Faz mais sentindo — aceno com a cabeça. — Beleza, à noite então.
Mesmo que Lucy não esteja lá, posso perguntar um pouco mais sobre
ela pra sua amiga. Ainda que eu não consiga convencer que Lucy tire minha
foto do site, posso conseguir algo mais interessante dela e com ela.
Eu tive tanta certeza do meu pensamento, mas não sabia que estava
concordando com que me colocassem uma corda no pescoço.

Douglas mal consegue se aguentar quando estaciono do lado da casa


da Samara. Ele pula do carro e quase corre até a entrada. Mas, por covardia
talvez, me espera chegar ao seu lado pra começar a bater na porta.
— O que exatamente você veio fazer aqui? — quero saber.
— Transar com ela — ele bate na porta outra vez.
— Sucinto do jeito que as mulheres adoram — dou um sorriso. — Mas
com certeza não vai fazer isso hoje, porque eu tô junto.
Ele bufa, discordando.
— Não tô nem aí pra você, Ryan, e se me atrap...
Douglas tem a fala cortada quando um cara que tem o tamanho do
batente abre a porta. Ele nos encara com seriedade, o olhar passando de um
pro outro.
— Quem são vocês? — pergunta.
Espero Douglas responder, afinal estamos aqui por causa dele e seu
lance.
Mas nenhuma resposta vem, o que me faz olhar pro lado e contemplar
meu amigo em inércia.
Certeza que foi consciência pesada pelo que foi fazer.
— Somos amigos da Samara — respondo.
O cara fixa o olhar em mim por uns segundos, mas não recuo. Ele
enfim olha pra dentro, avisando:
— Samy, tem amigos seus aqui na porta — me olha outra vez, somente
dando uma esbarrada no Douglas. — Ela já vem.
Ele sai, deixando a porta semiaberta, me dando a oportunidade de
questionar Douglas.
— Qual foi, cara. Ficou com medo do seu cunhado? — seguro uma
risada.
— Ah, vai se foder.
— Relaxa, depois vocês vão ser todos uma mesma família.
Douglas me olha, alarmado.
— Nem de brincadeira fala isso — chia, a doce Samara chamando
nossa atenção quando aparece na porta.
Eu ouço nitidamente o suspiro do meu amigo, como se tivesse
recebido o alívio pra uma ferida.
— Por que vocês estão aqui? — ela pergunta, dividindo o olhar entre
nós dois.
— Você não atendeu minhas ligações — Douglas reclama. —
Podemos conversar no carro?
Samara ri, balançando a cabeça em negativa, como se tivesse ouvido
uma pergunta ridícula.
— Não, Douglas, não podemos conversar no carro. E se quer saber, eu
nem me lembro o que fiz naquela noite — e novamente ela reveza o olhar
em nós dois. Eu vi naquele olhar que ela nos julgou de, talvez, uma de
dupla de sem noção. — Vocês deviam ir embora.
Mas, falando muito sério, eu particularmente detesto que me digam o
que fazer. Por isso, tive aquela [péssima] sugestão.
— Tenho umas perguntas pra te fazer, podemos ficar pro jantar?
Samara digere minha pergunta, me tirando um sorriso. E quando sua
boca se abre pra responder, seguro seus ombros, porque eu meio que
premeditei a resposta que viria.
— Meus irmãos estão aqui, não acho que seja uma boa ideia — ela
dispara.
— Besteira — passo por ela, entrando na casa. Eu posso lidar com
alguns irmãos. Sem contar que serão mais pessoas do círculo social de Lucy
que vou conhecer, o que me possibilita mais chance de aproximação.
Vejo o irmão que me recebeu sentado no sofá de frente para a porta e,
olhando ao redor, consigo notar o outro irmão e, na cozinha que fica atrás
do balcão, vejo Lucy. Sua boca tá aberta, e aquilo me deixou ainda mais
curioso.
— Oi, Lucy. Que bom te ver de novo — sorrio, mas isso parece
acender a ira nela, que praticamente solta um rosnado pra mim.
Sexy pra caralho e ela não faz ideia disso.
— Lamento não poder dizer o mesmo.
Me finjo magoado.
— Pega mais leve, gata — dramatizo. — Assim você fere meus
sentimentos.
— Quem é seu amigo, Samy? — o irmão do sofá questiona, se
levantando.
Eu me viro, indo na direção dele. Não quero que ele chegue a cogitar
que estou aqui por causa da sua irmã. Seria bem barra.
— Foi mal não ter me apresentado antes, cara — estendo a mão em
cumprimento. — Me chamo Ryan e meio que minha amizade com a sua
irmã é recente.
Ele devolve o aperto, mais forte do que o comum, me desafiando com
o olhar.
Corta essa, cara, tenho vontade de dizer. Não sou do tipo que recua na
briga.
Mas é claro que isso só seria cabível se eu estivesse interessado na
Samara, o que não é o caso, então acho prudente esclarecer:
— Pode ficar sossegado que o meu lance é com a Lucy, não tô a fim da
sua irmã, não — posso ouvir o som de perplexidade vindo de Lucy, o que
me faz sorrir e emendar: — Mas e então, posso ficar pro jantar?
Capítulo 16

A curiosidade matou o gato, eu poderia ter me ligado nessa. Mas agora


já é tarde, porque já estamos sentados para comer e todos começam a se
servir enquanto sou crucificado e julgado pela força de um olhar.
E dessa vez não são os olhos de Lucy que encontro, e sim o olhar
sombrio de um dos irmãos da Samara. Ele se chama Bernard, ouvi quando
Lucy o questionou, atônita, depois de ele ter me deixado jantar com eles.
Mas qual a dele? Eu já falei que meu lance não é com a sua irmã, então
ele não tem mesmo que ficar me encarando assim.
— Você e Lucy estão em um rolo então? — ele pergunta, sem rodeios.
— Não! — ela imediatamente responde, alarmada, o que me faz olhar
em sua direção com um sorriso. — Não temos, Bernard. Ele está me
perseguindo desde que eu não tirei a foto dele do site de vinhos da família!
Ele fica confuso, me olhando.
— O que isso quer dizer? Sua família tem uma loja de vinhos?
Desgraçada. Devia ter ficado com aquela boca fechada.
— Tem — respondo, contragosto. — Mandei mal em não trazer uma
garrafa pro jantar. Mas quem sabe na próxima.
Bernard dá um sorriso curto, mantendo sua seriedade.
— Então você trabalha com isso de vinhos? — ele começa a se servir.
A mesa se ocupa com uma refeição que enche os olhos, digna de uma
grande família. Coisa que faz um tempo que eu não contemplo. Não pelo
lance de não haver jantares familiares, apenas porque não vou. Não
compareço. Eu me coloco em menos evidência possível no meio da minha
família.
— Não — respondo, soltando o ar, sentindo uma ardência interior. —
Não trabalho. Pelo menos, não ainda.
— Por que não?
O irmão de Samara não tava curioso, ele meio que só queria
conversar, achar um assunto ali na hora do jantar. Ele não teve culpa,
definitivamente, se me senti pressionado e acabei falando demais.
E falei pra caralho.
Eis a hora da corda no próprio pescoço.
— Não é o meu lance — respondo. — Essa loja de vinhos da minha
família me traz muitas lembranças. As mais antigas, muito boas, mas as
mais recentes, descartáveis.
— Por quê? — Bernard se mostra interessado enquanto leva um
pedaço de carne à boca.
— Porque me lembra que meu irmão fugiu pra uma dessas lojas só pra
não ter que me ver.
— Ah, você tem um irmão então? — ele conclui.
— Tenho — assinto. — Ele é mais velho, já casado, família formada.
— Entendo — Bernard anui. — Mas isso de ele ter fugido, o que tem a
ver? Você não quer trabalhar no ramo da sua família só por isso?
Dou uma risada descrente.
— Não existe “um só”. São vários motivos que se englobam —
começo a gesticular, apático — e criam uma só causa: a noite que fui
esfaqueado pelo meu avô e todas as consequências disso.
— Caralho — Bernard fica me olhando. — Como isso aconteceu?
— Eu não sei, ninguém sabe. Meu avô tá preso e meus pais cheios de
paranoia. Eu também não posso me excluir dessa, porque tenho mais que
todos — balanço a cabeça. — Enfim, é meio que o fardo da família, que
todos fingem que esqueceram, superaram, que passou, mas ninguém na real
mostra isso. É como se tivesse uma nuvem escura em cima das nossas
cabeças e... — hesito, tentando não refletir muito. Porque à noite eu posso
pagar a consequência. — Eu sei lá, mas não quero trabalhar naquilo, me
faria mal.
Um silêncio se estende por algum tempo e fico incomodado, porque
não quero ser deixado à mercê das minhas lembranças, do meu passado e da
minha mente filha da puta, que vacila comigo na maioria das vezes.
— Nossa, Ryan — Samara se manifesta e a olho, vendo que está
levemente chocada. — Eu sinto muito pelo que... — ela faz uma pausa,
engolindo em seco. — Por seu avô, por ter acontecido isso com você. É
muito triste de ouvir — ela leva uma mão ao peito, demonstrando o quanto
sentiu.
— Obrigado, Samy — dou um sorriso, nada convicto.
— E como você enfrenta isso? — Bernard questiona. — Faz terapia?
— Bernard! — a irmã o censura.
— Tudo bem — dou um riso breve, não me importando com a falta de
cautela dele. Meio que já me esgotou que as pessoas vejam esse episódio
“com cuidado”. Isso me fragiliza, e eu odeio que me façam de frágil. — É,
eu já fiz terapia, por um ano, me ajudou bastante e fiquei legal por um
tempo.
— Então não serviu — o outro irmão comenta, levando meu olhar na
sua direção. — Se foi por um tempo, deve não ter servido.
— Serviu pra uma boa parte daquilo. Não apagou as lembranças, claro,
mas me ensinou a lidar com elas, tipo uma bússola, pro que fazer se eu
parasse no meio do caminho — explico. — Eu sei como rumar pelos
acontecimentos passados, mas acho que meu corpo não entende isso. Minha
mente tenta enviar uma informação que às vezes ele não compreende por
causa das memórias que acabam tendo mais força.
— Caraca, que complicado.
— Um pouco — respiro fundo em meio a um sorriso.
— Isso do seu corpo não entender... — Samara analisa as próprias
palavras. — O que significa? Você teve alguma consequência física sobre o
que te aconteceu?
E não sei se foi por me sentir [estranhamente] à vontade no meio
daquele grupo ou se porque eu precisava contar pra alguém que não fosse
próximo a mim, mas apenas que eu precisava pôr pra fora. Já estava me
incomodando.
— É, então... — pigarreio. — Meio que é, sim, eu tenho uns
incômodos no sono às vezes, falta de ar e coisa assim — gesticulo. — Faz
tempo que não acontece, mas é como se eu soubesse quando vai acontecer,
pelo que sinto e tal. Mas aí eu acordo e passa algum tempo, e tudo volta ao
normal.
— Não parece fácil — Bernard cresce os olhos.
— É, mas também não é tão absurdamente difícil — dou risada. —
Nada que não seja suportável. Já dizia Nietzsche, “o que não provoca minha
morte faz com que eu fique mais forte”.
Bernard me estuda por uns segundos antes de balançar a cabeça de
forma positiva, como se concordasse.
— Pode se servir, acabei te distraindo — ele nitidamente sai do
assunto. — Antes que a comida esfrie.
— Ninguém merece comida fria mesmo — me levanto e estico o braço
para agarrar a colher que tá na travessa de carne, meu olhar encontrando o
de Lucy.
... e eu também não imaginei que poderia receber um olhar daqueles.
Não vindo dela.
Não com um sorriso doce no fim.
Capítulo 17

A facilidade que ele consegue fazer isso me espanta. Não mais que
descobrir que Ryan Smith foi esfaqueado pelo próprio avô, é claro. Quero
dizer, olhando aquelas fotos, ele, o irmão e o pai, todos aparentemente
felizes no clique, ninguém diria que uma atrocidade dessas poderia
acontecido nessa família aparentemente perfeita.
Mas, como estava dizendo, a facilidade que Ryan faz isso, de
conseguir a simpatia de todos tão habilmente, é espantosa. Eu não sei se
tem a ver com a falsa intimidade que ele consegue empregar tão
imediatamente, mas vê-lo daqui do sofá, sentado do outro lado, jogando
junto com Bernard, ambos dando risadas soltas, me espanta. E muito.
Landon está junto, mais calado no entanto. Normalmente, ele o é. Não
fala muito a menos que esteja conversando com uma só pessoa. E mesmo
assim é difícil fazê-lo falar mais que um pouco.
— Douglas está pedindo desculpas por não ter ficado — Samara
cochicha ao meu lado. — Ele disse que eu não mostrei interesse por ele —
ela dá uma risada, que me faz olhá-la e rir junto.
— O que você disse? — quero saber.
— Falei que ele entendeu tudo errado — ela balança a cabeça e solta
um suspiro profundo, quase pesado. — Eu só estava querendo relaxar
aquela noite, não teve nada a ver com querer ficar com ele, mas sim estar
com ele. Mas só naquela noite.
— Fico até emocionada com você tomando jeito e percebendo quem
não vale a pena — finjo limpar uma lágrima no canto do olho, recebendo
uma careta de Samy.
Dou risada e volto a olhar em direção aos meninos jogando,
percebendo que Ryan está super concentrado, com seu rosto bonito de
expressão dura e lábios grossos tão juntos, enquanto Bernard segura a
risada. Provavelmente Ryan está perdendo dessa vez.
Então deduzo que é a minha hora de ir para casa. Antes que eu comece
a prestar muita atenção ou me distraia o suficiente a ponto de começar
exaltar Ryan e sua beleza inegável.
Me levanto e olho para Samy.
— Vou para casa, amanhã eu trabalho — digo, como uma péssima
desculpa. Eu trabalho, mas não durmo às dez. Talvez por isso eu acordo tão
cansada e tomo nota para reavaliar meu péssimo costume. — A gente se
fala depois — me viro para os meninos. — Boa noite para vocês e bom
jogo.
Ryan abandona o controle para o lado no mesmo instante, deixando
Bernard com uma interrogação na testa. Ele vem na minha direção, com um
sorriso, passos fáceis e determinados. Meu corpo responde a isso, a tudo
isso, a essa facilidade, quando quase me sinto retesar. Me ponho na
defensiva.
— Vambora, te dou uma carona — ele me chama, seu sorriso largo me
fazendo soltar um som baixinho. Algo que lembra em muito incredulidade.
— Acho que não preciso da sua carona, obrigada pela oferta —
caminho para longe dele, indo em direção ao gancho ao lado da porta, onde
deixei minha bolsa.
— Mas eu não fiz uma oferta — Ryan já está perto de mim, me
fazendo olhá-lo enquanto coloco a bolsa no ombro.
Seus olhos estão estreitos e ele parece desentendido.
— O que foi isso então de oferecer carona? — pergunto.
— Uma informação — ele dá um sorriso curto. — Tô informando que
vou te levar pra casa. Seus pais estão acordados essa hora? Seria bom dar
um alô pra eles também.
No 220. Definitivamente não dá acompanhar a rapidez dele. Parece
que Ryan quer fazer tudo ao mesmo tempo e isso talvez não seja legal. Pelo
menos, não na situação que ele diz se encontrar, com pesos e pesares,
confusões e aflições; mas também, pode ser que seja sua saída por como
enfrenta as lembranças que tem. O seu escape.
— Obrigada, mas vou para casa de ônibus — sorrio sincera antes de
me virar para a porta, girar a maçaneta e sair. Ele me impede de fechá-la
novamente quando puxa a maçaneta para trás, segurando a porta aberta.
Ouço-o se despedir de Samy e dos meninos, e logo chego à rua,
acelerando os passos para chegar ao ponto de ônibus depressa.
Mas Ryan tem pernas mais longas que as minhas e com certeza seus
passos são mais largos, o que o faz logo mais estar perambulando ao meu
lado. E, quando chegamos ao ponto, me viro para olhá-lo. Está com o
semblante relaxado, o que faz com que me ofereça um sorriso fácil.
— Não precisa ficar aqui comigo — eu gesticulo lugar nenhum —,
pode ir embora.
— Sem essa — ele enfia as mãos nos bolsos da jaqueta, soltando um
suspiro. — O Douglas levou meu carro quando fugiu dos irmãos da
Samara, então eu meio que vou ter que ficar aqui com você sim. Preciso de
ônibus pra ir embora também.
— Uau — brinco. — Deve estar sendo de uma emoção e tanto saber
que vai andar de ônibus.
— É — Ryan assente. — Tô sentindo até frio na barriga.
— Tem certeza que é por pegar o ônibus e não outra coisa?
Seus olhos se estreitam para mim e de repente me sinto uma formiga
mirada sob seu olhar do alto.
— Tem razão — sua voz aparentemente calculada para soar mais
profunda me faz respirar fundo. — Pode ser porque tô com você.
— Eu quis dizer… — balanço a cabeça e pigarreio. — Sobre você ter
paranoias. Não tem medo de pegar o ônibus e, sei lá, achar que alguém vai
te sequestrar lá dentro?
Ele ri.
— Um sequestro não aconteceria num ônibus, Lucy.
— Ah — meneio a cabeça. — O seu medo é somente de que isso
aconteça quando está sozinho? Tipo em casa? Por isso seus amigos moram
com você?
Ryan me encara, mas não me responde. Ele passeia os olhos pelo meu
rosto antes de tirar a jaqueta e se aproximar de mim, colocando-a em torno
dos meus ombros.
O cheiro gostoso que emana dele e do tecido imediatamente me
embalam, e dou um profundo suspiro de prazer nasal. Que cheiroso, meu
Deus do céu. Que gostoso sentir esse cheiro. Muito, muito mesmo. Até me
arrepio.
— Pode ficar com minha jaqueta — ele aponta minha bolsa e fica com
a mão estendida, esperando que eu o deixe segurá-la enquanto enfio os
braços por dentro da jaqueta. O que eu faço, é claro. — Tá muito frio, você
pode se resfriar só com essa blusa aí.
Eu não concordo, mas também não vou teimar, afinal é uma jaqueta
com o cheiro dele, que é divinamente bom, aliás.
— Obrigada — agradeço, estendendo a mão para pegar a bolsa de
volta, mas ele a segura.
— Deixa que eu levo pra você.
Dou risada.
— Não precisa — garanto. — Nem é pesada.
— Faço questão.
Eu desisto do debate quando vejo o ônibus chegando. Ele para logo
mais à nossa frente e entro, sentindo Ryan atrás de mim.
Por todo o tempo. Até quando escolho um lugar para sentar, e ele senta
ao meu lado, todo seu cheiro gostoso enchendo mais o meu ar pela sua
ação.
— É sua primeira vez num ônibus? — pergunto ao vê-lo olhar ao redor
com curiosidade.
Ele me olha com um sorriso.
— Isso aí.
Me impressiono, mas não tanto. É de se esperar algo assim.
— Por que Douglas foi embora e não ficou para jantar igual você? —
quero saber.
— Sei lá, porque é frouxo.
— Palpito que seja por só querer bagunçar a cabeça da Samy —
rebato. — Ela não precisa de mais um cara fazendo isso.
Ryan tira os olhos da janela e me olha com um sorriso engraçado.
— Você fica bem falante essas horas, né? — pergunta, o que me faz
franzir o cenho. — Me amarrei, pode continuar.
Não concordo com a sua conclusão, mas aproveito para matar a minha
curiosidade.
— Por que você esteve no meu trabalho aquele dia?
Ele desvia para a janela outra vez, parecendo acanhado.
— Precisava saber com quem eu tinha que falar se quisesse alterar
algo do site — responde evasivo.
— Eu achei que você não conhecesse ninguém que trabalhasse para a
Winess, mas parecia bem familiarizado com a Shirley — Eu devia calar a
boca imediatamente, porque Ryan pode interpretar errado a minha
curiosidade.
— Conheço a Shirley desde que ela era uma garotinha — ele sorri. —
Meu pai contratou a empresa em que você trabalha por um tempo, mas
depois mudou. Meu irmão voltou com vocês por preferir o contrato ou algo
assim.
— Ah — estou ligeiramente surpresa. — Eu não trabalhava lá nessa
época… Mas você e a Shirley são amigos, é isso?
— Não acho que chega nisso. A gente brincava juntos quando meu pai
me levava nas reuniões pra acertar as paradas da publicidade da Winess —
ele me olha, seu olhar acentuando a cor quando o ônibus passa por um
estabelecimento com luzes led e seus olhos são atingidos. — Nem sabia que
ela tava na chefia.
— Ela está, já faz uns meses — engulo o restante do comentário, em
que eu diria que sua amiga Shirley é insuportável no comando. — Ela não
conseguiu resolver seu problema?
Ryan hesita, dividindo o olhar por vários ângulos antes de focar em
mim.
Quase sinto calafrios com esse olhar penetrante.
— Não — ele responde. — Não falei sobre isso com ela. Só fiz umas
perguntas indiretamente, mas vi que não tinha como conseguir nada sem
que meu irmão ficasse sabendo, então meio que deixei pra lá.
— Aceitou melhor a ideia?
— Não isso, eu só prefiro não pensar no que vai fritar meus miolos.
Eu balanço a cabeça, dando a entender que entendo e concordo. Mas
não concordo, e não sei exatamente como Ryan pode imaginar que seria
sequestrado só por ter sua foto no site de vinhos da família. Aparentemente,
não tem nem cabimento um pensamento desses.
Mas também, quem sou eu para julgar o cara? Ele foi esfaqueado pelo
próprio avô! Acho que já deve ser perturbado o suficiente somente por essa
lembrança. Não é de espantar que crie paranoias tão desconexas.
— Por que você foi com o Douglas pra casa da Samy? — emendo
minha dúvida.
Ryan dá de ombros antes de responder.
— Apoio moral.
— Louvável — sorrio irônica, atraindo seu sorriso preguiçoso.
Seu celular começa a tocar, fazendo-o bufar com impaciência. Ele o
captura do bolso da calça, confere o visor com uma lufada de ar e atende.
— Fala, Pedro. Ah, que bom pra você. Não, não tô. Agora? — Ryan
revira os olhos. — Beleza. Você precisa ser menos noiado, cara. Valeu, te
aviso. Boas férias.
Eu o observo descartar com frustração o celular para o bolso da calça
outra vez. Me olhando com seus olhos de cor acentuada, Ryan quer saber:
— Se importa de me acompanhar pra um lugar antes de eu te deixar
em casa?
Dou um sorriso, avaliando a ideia de Ryan estar achando que vai
mesmo me deixar em casa. Porque não vai. Ele não vai aparecer mesmo por
lá, tipo, nunca mais.
— Uma parada na casa do meu irmão só — ele enfatiza e se levanta do
banco do ônibus, me olhando de cima com todo seu ar presencial. — Vai
ser um pulo e a gente segue caminho.
— Por que você vai parar na casa do seu irmão? — quero saber.
— Ele viajou e quer que eu dê uma olhada pra ver se tá tudo bem por
lá — Ryan estende o braço e sua mão vem buscar a minha, que está sobre
meu colo, me incentivando a levantar. — Só dois segundos do seu tempo,
madame.
— Engraçado — bato em sua mão para afastá-la, então me levanto. —
Você tem um segundo e nada mais.
Ryan ri, o som melodioso me deixando com uma fraqueza nas pernas,
então seguimos para as portas do ônibus, que logo se abrem, nos deixando
na calçada à beira da noite.
Capítulo 18

Nós pegamos um táxi e demoramos mais alguns minutos antes de


chegarmos, enfim, na residência do outro Smith. Comprovei que esse irmão
também tem bom gosto para casas. Eu também teria, se tivesse a mesma
condição financeira.
Ryan gira a chave na porta e me convida a entrar com um gesticular de
cabeça. E eu vou, adentrando um corredor, que se estendem em seus lados
alguns jarros de cerâmica maiores que o tamanho normal ao que estou
acostumada a ver, quadros nas paredes e umas mesinhas médias de madeira
com porta-retratos.
No fim do corredor, uma sala bem convidativa nos abraça. Vejo três
sofás espaçosos, cobertos com mantas pesadas e vermelhas, um carrinho de
bebê, um andador, um cercadinho, um baú de brinquedos e mais brinquedos
espalhados pelo chão e em cima do tapete de números.
Dou um sorriso.
— Parece que esse espaço é todo das crianças — comento.
Ryan enfia as chaves no bolso da calça, me olhando de soslaio.
— Não só aqui, a casa inteira. Tá com fome?
— Eu acabei de comer — balanço a cabeça.
— Vai saber. Algo pra beber?
— Não, obrigada — recuso.
Ele fica me olhando de um jeito que leva muito tempo, quase me
deixando agoniada, até que por fim gesticula:
— Então vem comigo, vou te mostrar uma coisa.
Eu o acompanho pelo um outro corredor à direita até uma porta, que
Ryan abre e gesticula que eu entre na frente. Ele tem sempre esse olhar
misterioso e sexy quando me encara. Eu poderia afirmar que é perturbador,
mas, todavia, no entanto, o meu corpo discorda disso – o que é irônico,
porque eu nem gosto do Ryan. Não faz sentido o meu corpo “gostar” dele e
causar essa sensação em mim.
— Esse é o meu quarto sempre que venho pra cá — ele informa
entrando depois de mim e fechando a porta em um clique baixo, indo até a
TV. — Fica à vontade aí.
Dou um sorriso curto, que é interrompido por um bocejo longo. Então
avisto um sofá no meio do quarto, que fica de frente para a grande TV e
próximo o suficiente da cama.
Aceito o convite para "ficar à vontade" e vou me sentar.
Estranhamente, fiquei sonolenta de repente. Acredito veemente que o cheiro
de Ryan emanando dessa jaqueta que estou vestida cooperou com isso. E
também o meu dia no trabalho.
— Do que você gosta? — eu o ouço perguntar e o olho depois de já
acomodada. Está com o celular na mão, me encarando fielmente.
— Como assim? — devolvo outra pergunta, porque me sinto
equilibrada somente sobre a ponta do pé em estar com ele dentro do seu
quarto. Eu posso me desequilibrar e cair a qualquer momento, dependendo
do passo em falso.
Mas não faz sentido que eu pense isso porque é só Ryan Smit. Eu nem
gosto dele, preciso relembrar.
— De assistir — Ryan explica e começa a caminhar em direção ao
sofá onde estou. Sem qualquer hesitação ao se aproximar, ele se senta ao
meu lado. — Ou você não se liga nisso de filmes?
Bocejo mais uma vez, balançando a cabeça.
— Gosto de filmes, mas geralmente assisto só no fim de semana.
— Saquei — ele se inclina para a frente, apoiando os cotovelos sobre
os joelhos enquanto mexe na TV através do controle no celular. A tela
escurece em seguida, indicando que ele a desligou.
— Desistiu de assistir? — pergunto me afastando um pouco para o
lado, porque intencionalmente Ryan sentou muito perto de mim.
Se já é difícil tentar driblar meus sentidos com seu cheiro no tecido de
uma peça de roupa, quanto mais se ele estiver tão perto emanando calor
com essa voz soando tão perto de mim.
— Não desisti — ele descarta o celular para o lado e vira a cabeça para
me olhar. — Iria colocar só por sua causa.
— Ah — desvio o olhar para a TV desligada. — Entendi.
— Já volto, vou dar um pulo no banheiro — ele se levanta de repente,
me fazendo erguer as sobrancelhas. Ele é sempre tão vapti vupti. — Se
mudar de ideia, pode usar o controle no meu celular. Minha sobrinha
quebrou o controle da TV.
Eu assinto e o observo me deixar, em passos fáceis e largos. Olho para
o seu celular descartado para o lado no sofá, um Android comum. Eu
esperava que ele tivesse um iPhone última geração banhado a ouro. Mas
não.
Estreito os olhos, me perguntando se é tão comum para ele dar passe
livre para alguém mexer no seu celular. Partindo do ponto de que ele é
tremendamente paranoico, eu julgaria que não.
Estou observando o quarto quando Ryan volta. Já de longe, seu olhar
está cravado em mim, me fazendo dar uma leve remexida de inquietação.
— Não mudou de ideia? — ele pergunta enquanto senta novamente ao
meu lado.
— Geralmente eu não mudo.
Sua risada me faz arrepiar, mas só demonstro um olhar entediado.
— Olha, não sou bom com isso de aposta — ele vira o corpo na minha
direção, passando um braço por trás de mim e o apoiando nas costas do
sofá, me olhando tão decididamente que quase me sinto sufocar —, mas se
fosse e eu apostasse que te fiz mudar de ideia a meu respeito, acho que
ganharia.
— Sabe que isso nem me espanta? Essa sua presunção exacerbada.
Ryan solta um som todo grave e sexy, me fazendo recolher uma força
interior para não umedecer meus lábios imediatamente secos.
— Não é presunção, é que geralmente tô certo mesmo — ele dá de
ombros. — Você não precisa se sentir reprimida quanto a isso, a admitir que
tenho razão.
Minha risada flui naturalmente, tanto quanto as palavras que saem dos
meus lábios em seguida.
— É claro que sim, meu amor — pondero irônica, me inclinando
brevemente em sua direção. — Eu sempre vou dizer tudo que vai te agradar,
porque eu sempre quero ver esse sorriso lindo na sua boca.
Não sei exatamente porque digo isso e com tanta força, mas já disse e
não há o que eu possa fazer quando sinto a atmosfera mudar e pesar.
Notória e drasticamente. Fica pesado. Muito pesado. Um clima pesado da
mais pura tensão…
E do calor. Abundante e perceptível. Do calor da jaqueta, de mim, dele,
da sua respiração.
Só consigo pensar em “o que eu fiz?” quando vejo que Ryan se
aproxima um pouco mais, pendendo a cabeça para frente, seus lábios
bonitos se entreabrindo e deixando escapar um grunhido baixo que, somado
ao seu olhar hipnotizante, me fazem sentir uma fraqueza gostosa.
— Eu gosto da sua ironia — ele sussurra e me arrepio toda quando
sinto sua mão chegando em meu rosto, Ryan traçando com as pontas dos
dedos a linha do meu maxilar. — Parece mais sincera do que quando você
me expulsa e afasta, dizendo estar falando sério.
Engulo em seco, momentaneamente capturada do volante no que diz
respeito ao meu auto controle. O meu lado irracional está na direção dessa
vez e por isso não faço nada, nada, ao ver que Ryan inclina a cabeça para o
lado, sua boca cada vez mais perto, sua respiração se misturando a minha,
até que não há mais espaço e o choque me atinge.
Nossos lábios se encontram e se recebem como se fossem íntimos e já
conhecidos, meu gemido sendo alto suficiente para eu querer me afastar
imediatamente, me lembrando do quanto isso soa errado.
Mas Ryan não permite quando sua mão sobe para minha nuca e ele a
segura com propriedade, aprofundando o beijo quando sua língua ultrapassa
meus lábios e faz um suave e curto vaivém, me fazendo amolecer
completamente no sofá.
Me vejo correspondendo o beijo, Ryan induzindo minha cabeça a ir
para trás até eu encontrar o apoio do seu braço no sofá, justamente no
momento em que sua mão passa a fazer carícias por cima da minha blusa, e
já não sou eu mesma. Não é mais comigo.
Nós nos beijamos por tanto tempo que meu cérebro já não é capaz de
focar em nada que não seja na minha entrega a esse momento inesperado.
Ryan tem uma mão tão grande e quente, passeando-a por cima da minha
blusa, minha pele se esquentando toda, até que sinto sua mão ir além.
Ryan ultrapassa o tecido com os dedos, tão devagar que seria
imperceptível se eu não estivesse tão sensível, e sua palma quente envolve
meu seio por cima do sutiã, apertando com uma força deliciosa antes de ele
deslizar os dedos pela minha barriga, muito lentamente.
Ofego com a sua boca colada na minha, sua língua aproveitando minha
deixa e se encontrando outra vez com a minha, as duas dançando juntas até
Ryan prender meu lábio inferior entre os dentes antes de chupá-lo, me
fazendo quase rastejar pelo sofá.
Minhas mãos estão inquietas sobre meu colo e, quando percebe isso,
ele abandona meu seio e as segura, puxando a mão esquerda para cima da
sua perna, deixando-a ali enquanto não para de me beijar um segundo
sequer.
Já estou levemente bêbada pela sensação do seu beijo, do seu toque,
sua firmeza e tudo que o pacote surpreendente Ryan inclui até que, muito
sutilmente, começo a sentir seus dedos tentando desabotoar minha calça.
Eu não deveria, minha parte racional está me alertando, clara como a
água. Sinais vermelhos lampejam em meus olhos, só que… Eu quero.
Quero demais. Quero dizer, é o Ryan, não gosto dele, mas aconteceu.
Aconteceu e eu gostei, estou gostando, e vou me arrepender se interromper
o que está acontecendo.
Não o impeço de abrir minha calça, o que o faz intensificar o beijo e
grunhir do fundo da garganta, me arrepiando inteira. E quando finalmente
consegue ser efetivo em sua ação, sua mão decidida e impaciente se infiltra
por dentro da minha calcinha, a fricção repentina dos seus dedos em meu
sexo me fazendo gemer alto.
Ryan desvia a boca para o meu queixo, chupando e mordiscando,
mudando logo mais para o meu pescoço, e percebo que já era. A minha
vergonha na cara se perdeu no exato momento em que ele se aproximou
para me beijar. Eu percebi, sabia o que ele ia fazer e deixei. Eu deixei.
Ele afasta o rosto, buscando me olhar, o que deveria me dar algum
choque de realidade, mas não. Tudo o que consigo é só me perder e prender
no seu olhar penetrante, que me segura à porta de um abismo.
Ryan dá um sorriso de lado, abalando completamente toda a estrutura
que pensei ter. Não dá! Simplesmente não dá para resistir a alguém que faz
tudo isso, que tem um toque tão delirante e consegue sorrir assim,
esclarecendo totalmente que sabe, ele sabe, o que é capaz de causar.
Mordo o lábio, encarando seus lábios, desejosa por mais beijos, mas
seus dedos fazem uma perfeita volta no meu clitóris, e mais outra e mais
outra, começando um ritmo que me deixa em um choramingo de gemidos
no sofá.
Ryan começa a deslizar os lábios macios por meu pescoço, muito
calculada e cuidadosamente, me prendendo no redemoinho de sensações
que eu não sabia que era capaz de sentir.
Estou inquieta e febril, minha mão em sua perna apertando os dedos
decididamente em sua coxa por cima da calça, descontando um pouco do
turbilhão que sinto.
Ryan se afasta de repente, sua mão e boca me abandonando tão rápido
que fico zonza.
Levanto a cabeça e abro os olhos para vê-lo já se abaixando diante do
sofá. Ele não perde tempo me olhando quando suas mãos agarram minha
calça e ele começa a puxá-la por minhas pernas.
Eu não o impeço. Estou hipnotizada demais para isso. Ele é tão bom e
tão certo do que está fazendo. Sentir isso, essa certeza dele nos próprios
movimentos, me deixa tão excitada.
Ryan joga minha calça para o lado, partindo para a calcinha, que
também vai para o chão em dois tempos. Ele me puxa para frente,
colocando minha perna esquerda em seu ombro e segurando-a ali, enquanto
sua boca se aproxima do meu sexo.
Reviro os olhos por antecipação e me agarro em seus cabelos assim
que seus lábios tocam minha carne sensível e pulsante. Eu não sabia que
precisava tanto sentir tudo isso, até estar sentindo tudo isso.
Sinto seu dedo se esticando para dentro de mim, me reduzindo a uma
poça profunda de desejo.
— Ah, nossa! — deixo escapar quando seu dedo começa uma
massagem para dentro de mim, Ryan deixando a língua deslizar lentamente
pelos lábios do meu sexo. — Isso é tão bom! Não para, por favor.
Ele rosna, me lambendo mais decididamente, chupando com mais e
tanta vontade, movimentando o dedo tão lentamente, me segurando em um
balançar que tem em tudo a ver com prazer e demasiado prazer.
— Ryan, minha nossa... — pisco os olhos, me sentindo quase entrar
em parafuso.
— Isso, me chama — ele rosna e levanta a cabeça para me olhar,
acompanhando as minhas reações com os olhos estreitos.
Eu não sei o que me dá, mas eu o agarro pela camisa e o puxo para
mim, sua testa encostando na minha enquanto ele me invade com um
segundo dedo.
Minha respiração passa a ser só gemidos sofríveis, meu nariz sendo
preenchido pelo seu cheiro, que é tão próprio dele, e a noção de poder
mantê-lo perto de mim enquanto sou levada por essa montanha russa de
sensações, é suficiente para me fazer chegar ao clímax, onde explodo com
um grito contido, puxando a blusa de Ryan com a força com que sou
tomada, ouvindo-o gemer asperamente enquanto me entrego ao prazer em
sua totalidade.
Ele me dá alguns segundos para respirar e tira os dedos de dentro mim,
trazendo-os aos meus lábios e colando a boca ao meu ouvido para ordenar:
— Chupa.
Eu obedeço sem pensar, abrindo a boca para receber seus dedos e
chupar, ouvindo e sentindo sua respiração pesada tão perto do meu rosto.
— Safadinha obediente — ele faz um vaivém na minha boca com os
dedos. — Gosto disso.
Já estou dopada demais de desejo por ele e já desisti de mim mesma
depois de descobrir o poder do seu toque. Não tem mais o que fazer. Agora
só me resta enfrentar as consequências depois desse mar de desejo que
Ryan me ajudou a desbravar.
Estou tão ferrada.
Ele me abraça pelo cintura e raspa os lábios na minha orelha,
sussurrando:
— Terra chamando Lucy, pode responder?
Eu engulo em seco, muito atordoada para pronunciar uma palavra
sequer. Tudo que consigo pensar comigo mesma, é: Ferrou pra caraca.
— Lucy ouvindo — gaguejo minha resposta baixa, falha e rouca. E
envergonhada, que ironia. — Mas... Câmbio, desligo.
E a risada deliciosa de Ryan é tudo que ouço por último.
Capítulo 19

Eu ainda tô confuso. Não sei bem como foi tudo aquilo que aconteceu.
Aquele momento a sós, especificamente. Foi rápido, muito rápido.
Mas tão certo. Fodidamente certo. Em cada detalhe e minuto. Pareceu
um sonho, muito bom por sinal, e... de repente eu fui acordado.
Bruscamente. Com um solavanco violento. Foi estranho também. E
magnifico. Eu senti uma coisa que não tinha nada a ver com dor ou agonia,
e isso foi o mais fora do normal no lance, já que dor e agonia é o que me
circunda em todos os meus dias.
E desespero. Um desespero sem porquê, que me dá calafrios e umas
sensações esquisitas.
Então, é, posso ser chamado de marica se algum dos caras da casa
acabar batendo os olhos nisso aqui, mas, vocês não tão ligados no que é o
sentir. Não tem como explicar, nem que eu tente. É só uma coisa que é tão
boa que parece mentira. Da mesma forma que uma coisa muito ruim
acontece e parece mentira, tipo ganhar uma facada do próprio avô e
conhecer a morte de perto.
É bem tipo isso, mas num sentido positivo.
Podem me julgar, mas acho que tenho propriedade pra falar sobre isso,
já que sinto muitas coisas. Diversas coisas.
Mas nunca nada tão bom.
Nunca tão verdadeiro e certo. Como a peça de um quebra-cabeças
quando se encaixa e a gente se afasta pra olhar, sorrindo, contente por ter
conseguido achar e acertar.
É, esse sou eu melancolicamente satisfeito relatando o que houve pra
conseguir reviver o momento.
Mesmo cheio de confusão, meio desnorteado e frustrado por saber que
nunca vou ter a chance de sentir de novo aquilo exatamente, ao menos me
resta a lembrança. Lembrança essa que sempre vou querer resgatar.
... só pra poder sentir tudo de novo.
— O que está fazendo? — Lucy pergunta, despertando do seu
duradouro silêncio.
— Te levando pra cama, achei que você tava dormindo.
— Não, não — ela bate nas minhas mãos, em um movimento de
reflexo. — Eu não posso ficar, tenho que ir embora. Que horas são? Deve
ser tarde já, preciso ir correndo para casa.
Me inclino pra colocar ela no sofá outra vez, desistindo de ir até a
cama. Me ajoelho novamente em frente suas pernas e procuro seu olhar.
Tremendamente linda e perturbadoramente arrependida.
Eu consigo ler o arrependimento nos seus olhos, e isso não é nada
legal. Tô acostumado a ver sorrisos depois que elas chegam ao orgasmo,
não isso.
— Não precisa ir tão rápido — inspiro fundo, o cheiro dela espalhado
no ar ainda driblando meus sentidos. — Por que o arrependimento?
Lucy me olha então, estreitando os olhos e soltando uma risada
atravessada.
— Eu não disse que estou arrependida — murmura.
— Não precisa dizer, tô vendo isso no seu rosto.
— Não banque o espertinho — ela bate nas minhas mãos outra vez. —
Por favor, me solte. Preciso ir para casa.
— Tá ok — afasto as mãos e me levanto, sentindo imediatamente falta
do calor que tive perto por esses poucos minutos.
Não que isso seja difícil de conseguir. Posso ter outra mulher em
alguns minutos, se quiser. E talvez eu tenha depois que deixar ela em casa.
Mas toda a magia do lance é que com Lucy eu tive que me esforçar um
pouco pra conseguir. Isso fez com que fosse, eu não sei, mais gostoso por
causa da expectativa. Quase uma conquista alcançada.
— Você quer ajuda pra se vestir? — pergunto com um sorriso ao ver
que ela ainda tá caindo em si.
— Não — suas mãos vão ao chão e Lucy captura a calcinha e a calça,
com um pouco de desespero. — Eu me visto sozinha. Você pode virar pra
lá, por favor?
Dou risada, mas faço. Me viro pra dar a devida privacidade a garota
arrependida, como se eu não tivesse acabado de me perder nela. Não tanto
quanto gostaria, mas foi o bastante pra ficar satisfeito da minha onda de
curiosidade.
— Você trabalha amanhã? — pergunto.
— Sim, eu só folgo aos fins de semana — ela pigarreia. — Não que
você precise saber disso.
— Relaxa, foi só uma pergunta. Queria te convidar pra jantar.
Lucy ri. Um riso nervoso em uma mistura de descrença.
— Não vamos jantar juntos — esclarece.
— Tem razão, sem essa. Fizemos isso há algumas horas — me viro pra
ela de novo, vendo-a terminar de abotoar a calça. — Então podemos
almoçar ou um lanche com passeio?
Lucy me olha como se eu estivesse delirando.
— Não. Isso aqui nunca aconteceu — ela gesticula e balança a cabeça,
aparentemente atormentada. — Não tem essa de encontro ou coisa
parecida.
— Cara — dou risada —, não dá pra você fugir do que houve aqui,
falou? — me reaproximo dela, sua boca me chamando… seu olhar carente
em um misto de desejo me tentando. — Vai se enganar, mas o seu corpo
sempre vai te lembrar que minhas mãos estiveram nele, te enchendo de
prazer.
Sua respiração alterada quase me deixa ofendido. Ela gozou com o
meu toque, pra que a porra do arrependimento e desespero?
— Para de fingir que quer esquecer — saliento. — Nada a ver isso.
Somos maduros o suficiente pra entender que isso foi um lance de alívio.
Não precisa querer me afastar de novo.
— Você não entende — Lucy murmura, passando as mãos nos cabelos
de um tom mais claro que mel, ajeitando os fios que se bagunçaram. O que
não me agrada, porque ela fica completamente sexy com os cabelos
bagunçados e as bochechas coradas como agora, parecendo uma tigresa.
— Não entendo o motivo de você ficar querendo me barrar —
exponho. — Não percebeu o que tá perdendo?
Ela solta um som de escárnio.
— Eu não quero te barrar — esclarece. — Não achei que você fosse
assim.
Meus olhos se estreitam.
— Assim como?
Lucy se vira para o sofá e pega sua bolsa, colocando no ombro. Então
me olha novamente, prendendo o lábio inferior entre os dentes, a fim de
umedecê-lo. Meu pau pulsa com força dentro da calça.
— Assim, desse jeito — gesticula com uma mão. — Meio carente.
— Carente? — só me restou rir. — Tá de sacanagem? Eu não sou
carente, só não gosto de gente hipócrita e que tenta me enganar.
— Enganar você? — ela balança a cabeça. — E por que exatamente
você acha que estou tentando te enganar?
— Porque você tá fingindo — chego tão perto dela que ela não tem
outra opção que não olhar para mim. — Tá fingindo que isso que rolou foi
simplório e banal, mas não foi. Lá no fundo você sabe que não foi assim.
— Ryan — ela hesita, alguma descrença no rosto bonito. — Acho que
você está viajando. Não disse que foi simples o que houve. Foi até bem
complicado, porque nós, racionalmente, não poderíamos ter tido… isso —
sua fala começa a ficar mais à vontade, Lucy menos retraída. Isso é
intimidade. Não era? — Mas estou tentando te dizer que temos que
esquecer.
Não dá pra esquecer isso assim, na hora. Foi o que tive vontade de
dizer, mas não disse. Eu engoli as palavras porque, fala sério, a mina já tava
me achando carente.
— Beleza — concordo. — Se é assim que você quer, é assim que vai
ser. Vamo te deixar em casa agora.
Lucy me acompanha quando saio fora do quarto até o hall de entrada,
indo ao armário de chaves e escolhendo a chave de um carro.
Depois seguimos até a garagem e pego o veículo, sentindo seu olhar
inquisitivo em mim o tempo inteiro, mesmo quando já estamos na pista.
Eu ligo o som pra tocar uma música, mas faço uma careta quando
Michael Bublé começa a cantar. Estendo a mão pra trocar a música, mas
Lucy me impede quando segura meu pulso.
Olho para ela, vendo seu sorriso doce. Aquele mesmo sorriso que
nunca tinha visto antes, mas que depois da conversa no jantar, se tornou
mais frequente em seus lábios.
— Deixa — ela pede, a voz suave me desafiando a negar. — Eu gosto
dele.
Tiro a mão do som e levo pro volante, desviando a atenção pra pista e
minha cabeça começa a aflorar umas perguntas estranhas. Tipo como deve
ser ouvir Lucy falando essas mesmas palavras, mas pra mim.
Dou risada, me condenando. Se poupe, cara. Foi só um lance de cinco
minutos. Desde quando você é emocionado assim?
Mas sei lá, não é emoção, é que teve uma diferença. Das outras. De
todas*. Eu não sei dizer exatamente o que foi. Não sei se foi o beijo, os
toques dela, ter provado o sabor dela, que foi tão doce na minha língua que
ficou impossível parar de lambê-la e chupar, ou talvez aquilo de ela me
puxar pra perto quando gozou. Aquilo foi inesperado, mas foi tão gostoso
ficar tão perto e sentir sua explosão na respiração e em meus dedos.
— Você toca algum instrumento? — pergunto quando ela começa a
cantar com "nananã".
— Não toco, infelizmente. Não tenho coordenação e nem concentração
pra isso — lamenta.
— Nada a ver, é totalmente possível, você só tem que se dedicar.
— Então achamos o x da questão — ela dá um risinho que me faz
sorrir. — E você, toca alguma coisa?
— Além de punheta?
Lucy solta um murmúrio descrente, me fazendo rir.
— É brincadeira, não preciso disso — adianto. — Sei um pouco de
piano e me arrisco no violão. Minha mãe me colocou na aula de piano
quando eu era pequeno pra eu gastar um pouco da minha energia
raciocinando.
— Não quero nem imaginar quão elétrico você era quando pequeno —
Lucy comenta. — E o violão?
— Aprendi sozinho. Sozinho entre aspas, que tenho uns amigos que
me ensinaram a maioria dos acordes.
— Legal isso — ela elogia, sonhadora. — Deve ser bem incrível poder
replicar a melodia de uma canção que você gosta.
— Depois se acostuma, aí não é mais tão incrível. Mas é bom sim, ver
ali a cifra e saber tocar — a olho de soslaio. — Posso te ensinar algum dia,
se você quiser.
— Oh, não — Lucy ri, abanando as mãos. Ela tem um jeito tão simples
que me fascina. Me deixa sentir que somos próximos, apesar de eu ter a
plena noção de que há um abismo entre nós. — Com certeza essa é uma
péssima ideia. Você perderia o seu tempo, e eu também.
— Não é uma péssima ideia e não seria perda de tempo — começo a
tamborilar os polegares no volante, enxergando essa oportunidade e
querendo me agarrar nela. — Falo sem zoação ou maldade — Não menti,
mas também não fui totalmente claro ao afirmar isso — Não vamos encarar
como eu sendo seu professor, mas um amigo que vai te ensinar.
Lucy fica quieta, pensando sozinha, avaliando o que acabei de dizer.
— Sem maldade? — ela pergunta. — Hum, interessante...
— É sério — naquele momento, meus dedos apertaram forte o volante.
Somente a ideia de poder estar vários dias por mais algumas horas com ela,
fez meu corpo tremer, ansioso. E eu não soube, e ainda não sei, o que aquilo
significou. Bom ou ruim? — Eu sou um cara sério a maior parte do tempo.
Lucy ri tão alto que eu me sinto magoado.
— Eu sou sério — reafirmo —, só não perco as oportunidades que a
vida me dá. Ela é muito curta e a gente não sabe o que nos espera nos
próximos minutos.
— Você não faz o tipo sério — ela discorda. — Mesmo não fazendo, o
seu jeito é… legal. Você é meio, assim, paranoico de um jeito diferente,
mas é legal ver esse incomum.
— Pô, valeu — dou risada. — Imagino que isso tenha sido você me
elogiando.
— Tentando, tentando… — ela pondera com uma risadinha. — Mas é
sério, seu jeito é diferentemente legal. Pelo menos, eu acho. Depois do que
você passou, aquilo… poderia muito bem ser um cara fechado e indiferente
com as pessoas, mas não, você tem um astral contagiante. Eu gosto disso.
De como você consegue ser amigo de todo mundo, ser divertido, educado e
simpático.
— Aí — aviso de antemão —, é melhor parar com isso, tá me
deixando de pau duro com esses elogios.
Lucy gargalha, me fazendo olhar pra ela por um segundo e um sorriso
se forma na minha boca, porque ela parece perfeitamente à vontade. Muito
diferente da Lucy de minutos atrás, que acordou depois de ter tido o meu
toque.
Essa parece uma Lucy que aceitou melhor a realidade e entendeu que o
passado não se muda. Não, tem-se que aprender a lidar com ele*. Essa
garota agora ao meu lado percebeu que só resta surfar junto com a onda
rumo a algum lugar, qualquer que seja, antes de querer pular da onda e se
afogar, desistindo de achar uma saída lógica.
— Bem — ela se recompõe —, e onde aconteceriam essas aulas?
— Onde for melhor pra você. Sua casa, minha casa, seu quarto, meu
quarto…
— Engraçadinho — ela empurra meu ombro. — Na minha casa então.
É mais seguro.
Uau, pra quem disse que eu não poderia mais ir lá, até que essa ideia
não foi ruim.
— Beleza então — concordo. — Qual dia é melhor pra você?
— Sexta.
— À noite?
— Sim, às nove. Mas só por uma hora, que geralmente eu estou bem
cansada nas sextas — Lucy comunica.
— Ótimo pra mim — Que tô sempre desocupado.
Eu estaciono ao lado da sua casa, desligando o carro e já tirando o
cinto e descendo pra ela não ter tempo de me parar. Vou cumprimentar seus
pais sim.
— Ei — Lucy logo tá correndo atrás de mim. — Você vai para onde?
— Falar com os meus novos amigos. Quero dizer, seus pais.
Ela chega ao meu lado, me lançando um olhar mortal, mas que não me
atinge. Eu já vi ela se derretendo pra mim e por mim, qualquer olhar a partir
disso, é fichinha.
Bato na porta, mas Lucy me empurra para o lado, enfiando sua chave
na tranca.
— Você parece uma criança desobediente — ela explana, me fazendo
sorrir, então me olha quando gira a maçaneta. — Só os cumprimente e vá
embora.
— Pode deixar, madame — aceito.
Lucy continua me olhando por uns segundos, até que respira fundo de
um jeito atravessado e abre a porta.
Somos recebidos pelo burburinho de vozes. Estão todos na sala,
assistindo um documentário de um serial killer. A voz da irmã de Lucy é a
que mais sobressai em comentários. "Eu não sou doida" ela diz antes de
Lucy se pronunciar.
— Boa noite, pessoal.
Seus pais e irmã nos olham, a mãe dela abrindo um sorriso muito largo
ao me ver.
— Boa noite, Sra. Waller — a cumprimento, olhando o pai da Lucy e
maneando a cabeça. — Senhor.
— Ah, lá vem — a irmã de Lucy revira os olhos.
Ela em lembra em muito a irmã, tanto na aparência como na forma de
agir.
— Oi pra você também mini Lucy — eu aceno pra ela, que estreita o
olhar pra mim, como se me condenasse pelo que acabei de dizer.
— Mini Lucy? — ela olha pra irmã e de novo pra mim. — Meu nome
é Julie e eu não tenho nada a ver com essa aí.
— Juliet — o pai a adverte. — Cuidado com a língua e com os modos.
— Pai! — ela o olha, alarmada. — Ele me comparou com a Lucy! Isso
é ultrajante!
Lucy bufa ao meu lado, nitidamente desprezando o drama da irmã.
— Ô, Julie, não tem um livro para você ler, não? — Lucy se aproxima
do sofá pra falar com os pais. — O Ryan veio dar oi para vocês, mas ele já
tem que ir embora.
— Ah, que atencioso! — a Sra. Waller se levanta e vem ao meu
encontro, me abraçando. — Que bom vê-lo de novo, Ryan.
— Digo o mesmo pra senhora. Me senti na obrigação de vir depois de
ter saído daquela forma da última vez — olho o Sr. Waller depois que sua
esposa se afasta, me segurando pelo ombro. — Sabe, a filha de vocês meio
que me expulsou por eu ter vindo sem avisar, então me desculpem por sair
sem me despedir.
O pai a olha.
— Você fez isso, Lucy? — pergunta.
— Eu fiz — ela não dá rodeios. — Ele já tinha enchido muito meu
saco na noite anterior.
— Não me lembro de você sendo impaciente com alguma coisa — o
pai divaga. — Justo ser com esse seu amigo, que é um rapaz muito
educado. Você devia pedir desculpa a ele.
Julie solta uma reclamação em forma de som e Lucy dá risada, me
olhando.
... ah, aqueles olhos… aquela boca… O sabor dos seus lábios, o sabor
dela… o jeito que ela moldou a vontade na minha vontade, me puxando e
me querendo, então explodiu…
Respiro fundo, dando um sorriso breve.
— Não precisa, Sr. Waller — adianto. — Somos amigos e amigos são
assim. Brigam, mas se amam.
Julie ri e logo Lucy também, então as duas riem mais depois de se
olharem.
— Acho que tá na minha hora — puxo a Sra. Waller pra deixar dois
beijos em suas bochechas e depois vou até o seu esposo, o cumprimentando
com um aperto de mão. — Precisamos marcar um churrasco, Sr. Waller.
Ele ri, concordando.
— De fato, Ryan.
— Nas sextas-feiras vou estar vindo ensinar Lucy a tocar violão —
informo a eles. — Espero que não se incomodem pela minha vinda
frequente.
— Que nada, rapaz. Você é sempre bem-vindo.
— Obrigado, senhor — olho Lucy, que está de braços cruzados no
meio da sala, me avaliando. — Pode me levar até a porta, Lucy?
Ela sorri, assentindo com a cabeça. Parece muito querer rir.
Nós seguimos até a porta, eu dando um último aceno pra sua mãe antes
de sairmos à rua, Lucy me seguindo até o carro.
— Vai, tá — digo. — Pode falar do que tá querendo rir.
— De você — seu sorriso é largo o suficiente pra me fazer sentir
vontade de mais dela. Mais, muito mais…
— Não, isso tá bem óbvio, mas eu quero saber por quê?
— Acho incrível como sua postura muda perto dos meus pais — ela se
apoia no carro e inclina a cabeça pro lado, me estudando. — Parece até que
você se comporta como um adulto.
— Ah, qual é — balanço a cabeça quando ela dá uma risadinha. — Eu
adoro seus pais, eles são tipo muito calorosos.
— Parece também que gostam de você — ela pondera. — Dificilmente
deve ter alguém que não gosta, né?
Aponto sua casa.
— Sua irmã. Ela me detesta. Tipo você antes de algum tempo atrás —
me aproximo de Lucy, vendo-a tomar uma postura defensiva.
— Não liga, não. A Julie só está com ciúmes do tratamento que meu
pai te dá — ela explica, o que me surpreende.
— Ciúmes do pai?
— Muito. Ela é acostumada a ser o centro da atenção dele, então ver
alguém chegar e mudar isso é um pouco sofrível para ela.
— Acho que preciso conversar com ela e explicar que não é minha
intenção, o que acha?
Lucy sorri, balançando a cabeça e antecipando:
— Não precisa, ela é mimada, logo vai superar.
— Falou então, se você acha… — passo o olhar pelo seu rosto,
pegando cada detalhe dela pra segurar a vontade até sexta. Ainda é
segunda! — Tenho que ir agora.
— Já era pra ter ido — ela sorri, se afastando do carro, me fazendo
respirar fundo por sentir imediatamente um vazio dentro de mim.
Estranho pra caralho, porque ainda tô sentindo… Ainda sinto
enquanto meus dedos deslizam por essas teclas e sou massacrado pelas
lembranças dela, que substituíram espantosamente qualquer outra.
Por enquanto, pelo menos.
— Até sexta então? — pergunto.
— Sim, sexta. Ah, espere — ela começa a tirar a jaqueta, mas eu a
impeço com um tom imperativo.
— Não — ergo uma mão, recebendo um olhar desentendido. — Fica
pra você.
Lucy arregala os olhos.
— De jeito nenhum — protesta, insistindo em tirar, mas me aproximo
e seguro suas mãos. Ela me olha de baixo, tão perto que…
NÃO. Nada a ver confundir as coisas. Só por causa de uns toques?
Muita viagem.
— Fica com ela, ficou ótima em você — sorrio. — Sem contar que,
toda vez que olhar pra ela, vai se lembrar de mim — dou uma piscadela,
que a faz sorrir.
— Ah, então tá bom — ajeita de novo a jaqueta no corpo. —
Obrigada.
— De nada — me viro pra ir pro carro, saindo de perto dela. — A
gente se vê sexta.
— Eu não tenho violão — avisa antes que eu entre no carro.
— Sem problemas — aceno. — Se cuida, Lucy.
— Você também e dirija com cuidado! — ela grita antes de eu ligar o
carro e sair pela rua, tentando dissipar as últimas horas.
Eu tentei, tentei mesmo, e acho que amanhã ainda vou estar tentando.
Capítulo 20

Desperto e me sento na cama, me sentindo uma estranha. Fico


pensando, considerando, relembrando… Não parece que o dia anterior
aconteceu.
Olho para trás, meu celular no criado-mudo. Eu o pego para ver as
horas, notando que levantei vinte e poucos minutos antes do horário de
despertar. O que é estranhíssimo, porque sempre acordo na hora ou nos
minutos seguintes, quando o modo soneca é ativado.
Desbloqueio a tela do celular para cancelar o alarme, então vejo que
tenho notificações no WhatsApp. Landon me mandou mensagem ontem
quando eu já estava dormindo e, de alguns minutos atrás, tenho 3
mensagens do Ryan.
Droga. Eu sei que estou ferrada, mas ele não precisa tornar isso mais
complicado.
Não significa que porque aceitei suas aulas de violão, eu vá querer
ficar conversando com ele ao longo da semana. Tudo bem, ele tem aquelas
mãos e boca maravilhosas. E também aquela voz rouca de comando que me
deixou louca, mas… e daí? Foi um lance de alívio, ele mesmo disse. Não
precisamos ficar conversando diariamente.
Mesmo assim, aperto na mensagem para ver o que ele mandou.
555-6769:
bom dia
Tá chovendo hj
Leva a jaqueta
Levanto a cabeça em direção a janela, só então percebendo o barulho
da chuva. Um resmungo é inevitável. Ir trabalhar na chuva tão cedo não é a
coisa mais contagiante do mundo.
Não respondo Ryan e vou ver a mensagem de Landon.
Lands:
Lu, pensei se vc não aceitava sair comigo
Para me contar um pouco desse cara
O que veio atrás da minha irmã
A gente não tem ideia de quem ele seja
Suspeito, mas respondo.
Lucy:
Seria ótimo
Me avisa onde te encontrar
Estou livre hj depois do trabalho
Bom dia, Lands
Volto para a lista de mensagens, algumas sem uma resposta e aperto na
foto de Ryan. É ele despojado em uma camisa escura e um sorriso
avassalador na boca, seus olhos opacos, apesar do sorriso. Não é o mesmo
olhar brilhante que vi ontem enquanto ele mergulhava os dedos em mim.
Suspiro. Difícil lembrar sem relembrar as sensações. Seu cabelo espetado é
um charme na foto e o jeito que ele faz o sinal de Hang Loose nos dedos o
deixa tremendamente… Eu não sei, diria que apetitoso. A foto foi tirada em
algum tipo de boate, e alguém deu o clique. Provavelmente um de seus
amigos.
Balanço a cabeça. Observando demais.
Pulo da cama e vou para o banho. Não preciso ficar lambendo Ryan
pela tela do celular, porque nem amigos somos, quanto mais algo assim…
Nesse sentido íntimo. Foi só um lance de alívio.
E nada mais.

Estou saindo do prédio do meu trabalho acompanhada do Brad, ele me


contando sobre como o novo cliente é um pé no saco. E não são todos?
Nunca satisfeitos e sempre reclamando.
— Você deu sorte do pessoal da academia ser mais de boa — ele
comenta. — Nem precisou ficar sendo massacrada por muito tempo.
— Ainda assim, foram mais de quatro dias. Eu não aguentava mais.
Principalmente porque tinha que dividir minha atenção com outros
trabalhos — expiro. — Quando vai ser suas férias?
— Mês que vem. Eu ouvi um glória?
Dou risada.
— As minhas só em seis meses — puxo a bolsa de debaixo do braço
para pegar o celular que está vibrando. — Você vai viajar?
— Possivelmente — Brad anui. — Não é para mim isso de ficar os
dias todos de folga em casa. Vou precisar espairecer, de preferência num
lugar bem distante.
— Muito certo — apoio e dou uma conferida na tela do celular, o
nome da minha irmã dançando no visor. Atendo. — Oi, Julie.
— Onde você está? — sua voz está enjoada. Mais que o normal.
— Saindo do trabalho, por quê?
— Aquele seu amigo tirou o papai de casa. Estou falando sério —
Julie bufa. — Ele conseguiu tirar nosso pai de casa em um dia de folga,
Lucy!
— O Ryan? — franzo o rosto. Então me lembro do churrasco que o
ouvi mencionar ontem para o meu pai. — O papai logo volta, se acalme.
— Eu não gosto dele — ela grunhe. — Espero que você nunca namore
com ele, porque já o detesto! — e desliga.
Balanço a cabeça, guardando o celular de novo na bolsa.
— Era sua irmã? — Brad pergunta, sempre fofoqueiro.
— Era, sim — afirmo. — Ela tem ciúmes do Ryan porque meu pai
parece gostar muito dele. E logo hoje, na folga do meu pai, o doidinho
Smith resolveu tirar ele de casa. Minha irmã está inconformada.
— Wow, o quê!? — meu amigo parece não ter entendido. — Seu pai é
próximo assim do Ryan Smith? Mas já?
Dou de ombros.
— Eu não sei como ele consegue isso — digo —, mas consegue. E
minha mãe também parece ter gostado muito dele.
— Nossa — Brad solta. — Isso que eu chamo de sorte.
— Ou azar.
Nós chegamos à rua e ele se vira para perguntar se quero carona.
— Não, obrigada — declino. — Vou me encontrar com um amigo
agora, então vou por outro caminho.
— Ryan? — ele ri, meio que forçado.
— Não, o irmão da Samara — vou caminhando para longe e aceno, me
despedindo. — Até amanhã!
Brad apenas ergue uma mão antes de eu me virar para ir ao ponto de
ônibus, pegando o celular pra ligar para o Landon. Não estou muito a fim
de narrar o que já vivi no que diz respeito àqueles… quatro elementos. Não
foram muitas coisas, mas o suficiente para que eu possa descrevê-los em
vista grossa. Acho que posso falar um pouco mais sobre Ryan, mas desse
Landon não precisa saber.
Acho que em uma hora depois, estou entrando na lanchonete no bairro
de Samara. Vejo seu irmão de longe, sentado em um dos banquinhos do
balcão, a boca no canudo do copo de milkshake.
Vou em sua direção, me sentando no banco ao lado. Jogo a bolso em
cima do balcão e expiro, cansada e um pouco molhada do chuvisco.
— Oi — o cumprimento.
— Oi, Lucy — ele sorri. — Obrigado por ter aceitado vir. Eu não
queria que minha irmã soubesse disso, se você não se importar.
— Acho que tudo bem, porque sabemos o quanto Samara tende a
escolher uns homens nada a ver com ela — pego o cardápio em cima do
balcão. As imagens de lanches enchem meus olhos e meu estômago suplica
por um. — Bernard sabe sobre isso? Ou foi ideia dele? — Sei o quanto o
irmão mais velho tem uma preocupação extra com ela.
— Não, não — Landon nega. — Ele me criticou quando eu sugeri
saber mais sobre o tal amigo da Samara. Defendeu o ponto de que, se fosse
um cara ruim, Ryan não o teria chamado para morar na mesma casa que ele.
Sinto um pouco de raiva enquanto Landon profere as palavras, então o
olho, estranhando.
— Você está sendo cuidadoso com a Samy ou apenas não foi com a
cara do Ryan?
Ele me encara, dando um sorriso curto.
— Acho que os dois, mas muito mais a primeira opção — responde.
Faço que sim com a cabeça e me viro para chamar um dos atendentes,
pedindo um hambúrguer com duas carnes bem passadas e com bastante
alface, e também um copo grande de coca.
— Você confia nele? — Landon questiona depois que o atendente
anota meu pedido e vai para a cozinha.
— Em quem? No Douglas?
— No Ryan.
Dou um breve riso, achando estranha a pergunta e nem um pouco
pertinente.
— Em que sentido? — quero saber, olhando-o.
— Como assim em que sentido? Não tem um sentido, ou você confia
na pessoa ou não confia, Lucy. Bem simples.
Acho seu tom um pouco exaltado e demonstro isso no meu semblante.
— Se você está perguntando se confio na palavra dele — meneio a
cabeça. — É, eu confio. Ele não faz o tipo mentiroso.
— Essa não foi a minha pergunta.
— Acho que não dá para confiar em quem nem se conhece direito,
então não, não confio — junto as mãos e começo a brincar com os dedos,
me sentindo nervosa. — Quanto ao Douglas…
— Ele foi te deixar em casa ontem — Landon me interrompe e não
desvia a atenção de mim. — Coisa que você nunca aceitou quando me
ofereci.
Tenho que rir, mas logo paro. O que ele está querendo insinuar com
essas comparações?
— Eu nunca precisei que você me levasse até em casa porque o ônibus
me deixa praticamente em frente à porta, mas você já me levou várias e
várias vezes no ponto — tento justificar, não sei porquê.
— Não é a mesma coisa — ele balança a cabeça. — Você deve ter
medo de mim desde o que eu fiz com o ex da Samara.
Solto um gemido incrédulo.
— Pelo amor, é claro que não, Landon — balanço a cabeça. — Você
quer saber do Douglas ou do Ryan, afinal? — pergunto, já ficando mal-
humorada.
Que sem cabimento! Por que ele está querendo saber tanto? Ele nunca
foi de perguntar tanto de qualquer coisa que fosse.
— O que ele faz? — questiona e logo destaca: — O tal Douglas.
— Não sei — jogo as mãos para o alto, em sinal de cansaço e
desistência [de uma conversa produtiva a favor da minha amiga]. — Só sei
que moram quatro caras mimados e engomadinhos alheios a vida em uma
casa enorme, que é dos pais do Ryan. Bem, e como ele disse ontem no
jantar, ele os chamou para morarem com ele. Não sei mais de nada.
Obviamente não conto o quanto Douglas e Nathan foram idiotas com
Samy no primeiro dia de trabalho dela. E com certeza também não abro a
boca para dizer que Ryan foi muito mais, nos expulsando de sua casa.
Franzo o cenho. Ele foi tremendamente escroto conosco. É uma
lembrança ruim, que quase afasta a de ontem.
Expiro fundo, meu corpo se arrepiando ante a quentura que me atinge
dos pés à cabeça apenas por recordar.
— Então você não os conhece direito — Landon parece satisfeito,
juntando as mãos sobre o balcão. Seus cabelos estão tão grandes que
formaram uma franjinha na testa, que o deixa muito gracinha. — É o
suficiente. Sabe se a Samy está interessada nesse cara?
— Acho que não — Também escondo o fato de ela ter gostado do
beijo dele, o que é perigoso.
Meu lanche chega e agradeço o atendente, pegando meu hambúrguer
suculento e dando uma mordida grande, gemendo pelo sabor maravilhoso
que inunda minha boca.
Mastigo e engulo, lambendo os lábios, então olho para o lado quando
sinto o olhar de Landon cravado em mim. Ele fixamente me olha, os olhos
nublados e concentrados.
— Desculpe a falta de educação — lamento —, é que está muito
gostoso.
Ele molha os próprios lábios com a língua, acenando com a cabeça.
— Não se preocupe, eu gosto de saber que você se sente tão à vontade
comigo.
Dou um sorriso e volto a atenção ao meu lanche, estranhando a
resposta que recebo.

***

Chego em casa depois de algumas horas. Landon me prendeu em uma


boa conversa sobre os acontecimentos no seu trabalho de segurança. Todas
as coisas inusitadas que acontecem enquanto ele está no seu posto e
problemas que aparecem para serem resolvidos.
Acabou que nosso encontro terminou divertido e eu ri aos montes.
Nem mesmo me lembrei do jeito estranho que ele se comportou assim que o
encontrei na lanchonete.
Porém, para o meu grande azar, assim que ultrapasso a porta de casa,
ouço a voz de Ryan. Droga, eu achei que meu pai tinha ido até ele e não o
contrário.
Os dois estão no sofá, assistindo e comentando sobre um jogo de
basquete que passa na TV. Que coisa esquisita.
Penso em passar direto para o meu quarto, mas isso seria como fugir.
E, se eu der a entender que estou fugindo, é o mesmo que estar admitindo
para Ryan que o que tivemos ontem me marcou – o que não aconteceu, é
claro.
Me aproximo do sofá então, um sorriso na boca.
— Boa noite para vocês — cumprimento, Ryan me olhando de
imediato e ficando com a boca aberta.
Eu aceno.
— Não achei que te veria hoje de novo — digo, implicitamente
chamando sua atenção.
— Oi, Lucy — sua voz grave tem um efeito instantâneo em meu
corpo. Droga, droga. — Saiu mais tarde do trabalho hoje?
Balanço a cabeça. Por que de repente todo mundo está querendo saber
da minha vida e dos meus passos?
— Saí — minto na cara dele, deixando claro que é uma mentira e que
não vou lhe dar explicações. Vejam só, não faço isso de explicar o que faço
nem para o meu pai.
Ryan estreita o olhar, se levantando em seguida, toda sua altura me
fazendo sentir miúda. Meu corpo responde a isso quanto solto um suspiro
abafado.
— Foi só uma pergunta de um amigo preocupado — ele toca meu
ombro, fazendo uma carícia que me causa um choque que vai terminar bem
no meio das minhas pernas.
Arregalo os olhos, alarmada. Meu Deus, que errado. Meu pai está bem
aqui.
Eu dou um passo para trás, me afastando do toque de Ryan.
— Não se preocupe, amigo, eu estou bem — sorrio. — Estou indo
dormir, a gente se encontra na sexta.
Me viro para ir pro o quarto, não querendo dar tempo ao Ryan para
pensar em alguma coisa que me impeça.
Mas ele não o faz e tudo que ouço antes de deixar a sala é um "até
sexta".
Capítulo 21

Estou dando uma arrumada no meu quarto na sexta-feira, dia esse que
chegou em um piscar de olhos – infelizmente. Às vezes ter muito trabalho
faz a semana voar, bem como às vezes também não.
Falta pouco para dar nove horas, hora essa que Ryan disse que
iniciaríamos a aula de violão. Mas não me sinto mais tão entusiasmada.
Estou, hoje, cansada e com as pernas um pouco travadas. Fiz 33 posts para
empresas e todo esse bate e volta entre os setores tornou um processo
simples bem do cansativo.
— A mamãe está perguntando o que seu amigo gosta de comer —
Julie aparece na porta do meu quarto dizendo.
— Primeiro que Ryan não é meu amigo e, segundo — olho-a —, por
que eu saberia do que ele gosta de comer?
— Porque são amigos e amigos sabem essas coisas — minha irmã
sorri de um jeito falso. — Não entendo isso! — ela adentra o meu quarto
para se sentar na minha cama. — Se não são amigos e você não o suporta,
por que ele está vindo tanto aqui?
Eu respiro fundo. É uma boa pergunta.
— Acho que porque agora sei o que Ryan enfrentou — digo baixinho.
— E o que foi que ele enfrentou? Oposição em um concurso de moda?
— Julie destila ironia.
Eu a olho, dando um sorriso. Então vou me juntar a ela na cama,
sentando ao seu lado e virando o corpo em sua direção.
— O próprio avô esfaqueou ele — conto, o que me faz minha irmã ter
um pequeno sobressalto. — Ryan quase morreu e então ele tem que lidar
com isso, com o trauma, com a própria família que ainda não superou e
finge ter superado. Isso parece que o incomoda, porque ele não suporta…
— Hipocrisia e que tentem enganá-lo.
— Não suporta o quê? — Julie pressiona. — A própria família?
— Que finjam — balanço a cabeça. — Ele tem aquele humor todo e
aquele jeito, mas, no fundo, é um cara que busca fugir dos monstros que
carrega consigo. Dê um desconto para ele.
Julie fica quieta, pensativa.
— Foi isso que você decidiu de fazer? — pergunta.
— Eu apenas acho que não está no meu direito ser cruel com quem já
vive uma crueldade na própria mente — explico. — Você não concorda?
— É… — minha irmã anui. — Acho que não mesmo. Mas você acha
que ele está querendo fazer da nossa família, a família dele?
Dou risada.
— Não, Julie. Acho que ele só sente confortável em um lugar que as
pessoas não finjam alguma coisa — gesticulo para ela. — Tipo você. Você
o detesta e não se importa em demonstrar isso, acho que essa naturalidade o
deixa confortável em estar aqui.
Julie bufa.
— Para qualquer pessoa normal, seria o contrário.
— Bem, sim, você tem razão — concordo. — Mas sabemos que o
Ryan não é muito normal.
Ela dá um risinho, balançando a cabeça em afirmação.
— Ele é muito bonito, eu gosto do sorriso dele — declara. — Mas
gostaria mais se ele não ficasse monopolizando a atenção dos nossos pais.
— Ele é muito bonito mesmo — suspiro em concordância. — E ele
não precisa monopolizar a atenção dos nossos pais, pode ser a sua também.
Por que não participa da aula hoje? Assim você tem um contato maior com
ele e vai perceber que Ryan não é tão desgraçado como está achando.
Acho que essas palavras são mais para mim do que para minha irmã.
Julie demora algum tempo para responder, mas por fim balança a
cabeça.
— Tudo bem, eu acho que vou tentar — ela se levanta. — Vou falar
para a mamãe que ele gosta de limonada e hambúrgueres 3 queijos com
carne.
— Mas esse não é o seu lanche preferido?
Ela me lança um sorriso maléfico.
— É, sim — afirma. — Mas não faz mal, você não sabe do que ele
gosta mesmo.
Minha irmã sai do quarto quase correndo, me deixando com um
sorriso na boca.
Acho que isso pode fazer bem ao Ryan. Ter algumas pessoas que não
tentam fingir perto dele.
Pouco depois de terminar a organização do meu quarto, estou saindo
do banheiro para me vestir e ir à sala, onde tenho certeza e plena noção de
que Ryan já me espera.
Decido colocar um shorts preto de renda de algodão, bem confortável,
e uma blusa branca simples, uma das minhas favoritas, que tem escrito na
frente "não olha muito que sou tímida". Penteio os cabelos, coloco meu
perfume, desodorante e passo meu creme de amêndoa com avelã no corpo,
então vou para a sala.
Quando chego lá, Ryan está sozinho com Julie. Ela no sofá maior de
três lugares e ele no de dois, com o violão na perna, testando as cordas.
Lambo os lábios enquanto reparo na cabeleira loira e o corpo longo
sentado. Ryan está sem jaqueta hoje, usando uma camisa de mangas azul
marinho e uma calça jeans preta, seu sapato também preto combinando com
o restante do traje.
— Oi — digo, me fazendo notar.
Ele levanta a cabeça imediatamente, abrindo um sorriso largo demais.
Esses olhos conseguem ser tão expressivos que nem sei…
— Pronta pra aula? — ele quer saber, já indicando o sofá da frente
com a mão. — A mini Lucy disse que vai participar também.
Julie grunhe.
— Pede para ele parar de me chamar assim — ela suplica para mim,
então olho Ryan.
— Ela não gosta, não a chame assim — peço e ele olha minha irmã,
estreitando os olhos.
— Você não gosta de ser comparada com a sua irmã? — ele pergunta,
testando mais uns acordes. — Isso é bem ruim. Quando eu era mais novo,
me amarrava que dissessem que eu parecia com o meu irmão.
Julie faz um bico, então cruza as pernas, entediada.
— Você tem um irmão? — quer saber.
— Mais velho. Eu sei como é ser o irmão mais novo — Ryan pisca
para ela. — E com certeza sei como é bem barra quando alguém parece
querer roubar aquela atenção que já estamos acostumados a ter.
— Eu não sei do que você está falando — Julie soa petulante.
Ryan ri, me olhando no processo e eu respiro fundo. Ele realmente não
devia ser tão bonito e de presença tão marcante.
Vou me sentar ao lado da minha irmã, tentando não olhar tão
enfaticamente para ele. Mas é impossível. Ele está bem à minha frente e
nesta noite veio para ser o centro da minha atenção mesmo. Ele veio me
ensinar.
Assim como me ensinou noite retrasada o que é possível sentir no
próprio corpo com os toques certos, nos lugares certos, com a voz certa e as
palavras certas.
Engulo em seco, olhando para o violão, mas me atento a mão grande e
de dedos longos que está ali. Me endireito no sofá, desvio o olhar, cruzo as
pernas e começo a balançar o pé.
Não sei o que fazer. Meu corpo parece estar sendo atraído por algum
tipo de imã. É como se estivesse fazendo falta o que sentiu anteontem.
Como se quisesse de novo, mais um pouco e…
Eu sou uma pessoa racional. Não vou me entregar às vontades do meu
corpo só porque foi bom. Ok, maravilhoso. Incrivelmente delicioso. Mas, e
daí? Isso não é um problema. Posso dar um jeito nisso sozinha.
— Julie — Ryan diz —, vamos começar com você. Vem pra cá.
Minha irmã se levanta com um chiado e vai se sentar ao lado dele.
Ryan dá instruções quando ela se aproxima, então começa a dizer algo
sobre aprender somente os 3 principais acordes primeiro.
— Vamos começar com o Dó Maior, falou? — ele se vira para ela. —
Preste atenção onde meus dedos vão e onde vão tocar.
Eu suspiro, sabendo que, obviamente, Ryan está falando do violão,
mas não posso me impedir de me deixar levar pelos meus pensamentos.
Onde seus dedos vão e onde eles vão tocar…
Onde tocaram. Em mim. No meu corpo, que fez uma conexão com a
minha alma e eu fui arrebatada para um redemoinho de sensações
impactantes.
— Eu não consigo! — o grito irritado de Julie me faz piscar os olhos e
voltar a atenção para a aula. — Minhas unhas ficam tocando as outras
cordas e não sai melodia! — ela parece frustrada.
— Fique calma, é assim mesmo — Ryan a tranquiliza. — Você só não
pegou a prática ainda. Quando isso acontecer, suas unhas de gavião vão ser
um benefício.
Ela ri, olhando-o e então para as próprias unhas.
— Você caçoa, mas as meninas da minha turma sentem inveja das
minhas unhas — se defende.
— Aposto que sim — Ryan sorri, me dando uma olhada e eu respiro
fundo, de novo. — Logo é sua vez, Lucy. Por favor, nada de dormir na aula
ou perde pontos.
Minha irmã ri de mim, mas eu aceno que entendi, me endireitando no
sofá e prestando atenção nos acordes. E só.

Depois da aula, onde Julie e eu conseguimos fixar os acordes de Dó e


Ré Maior, o que Ryan disse ter sido um bom começo, estou indo
acompanhá-lo até a porta.
Fico escorada no batente, a fim de me despedir, mas ele se vira e
pergunta:
— Pode vir comigo até o carro, por favor?
— Pra quê? — estreito os olhos. Se já foi bem desafiador ficar perto
dele, sentindo a sua proximidade e o seu perfume, ouvindo a sua voz e
tendo seus dedos tocando os meus quando ele tentava me ajudar, imagine se
eu tiver que ficar a sós com ele.
— Calma — ele ri. — Quero te dar um negócio.
— E o que é?
— Você pode vir e saber ou… — ele deixa no ar, começando a andar
em direção ao seu carro estacionado em frente minha casa.
Super esquisito. Ryan Smith, o mesmo cara para quem movimento a
publicidade do site de sua família, e também o mesmo que me expulsou da
sua casa depois de me oferecer uma noite com ele e ter tentado me beijar,
logo assim que me conheceu; é o mesmo cara que acabou de me dar aulas
de violão, e também para minha irmã caçula, como se fomos grandes
amigos e velhos conhecidos.
É como se o antes não tivesse acontecido, porque esse Ryan, apesar de
ser completamente o mesmo que eu tive a impressão, é também mais que
um superficial.
Eu não sei, é bem esquisito, mas é isso que me motiva a segui-lo.
Fecho a porta atrás de mim e vou atrás dele, em direção ao seu carro.
Ryan abre a porta traseira e guarda o violão, fechando-a novamente só
para dar a volta no carro e ir até a porta do motorista, abrindo-a e apertando
um botão do painel. O porta-malas se abre, e logo ele está lá.
Sua cabeça some por um instante lá dentro enquanto eu aguardo de
braços cruzados e, quando Ryan ressurge, fico sem entender nada.
Ele está com um grande buquê de rosas brancas na mão, um envelope
pequeno enfiado ali no meio. Na sua outra mão, uma caixa vermelha
quadrada, quase muito pequena.
— Aqui — ele me estende tudo, esperando que eu pegue.
Fico um pouco sem ação, mas acabo pegando e nossos dedos se
esbarram quando faço isso, o que o faz respirar fundo. Quase uma
respiração sufocada.
Eu olho para o seu rosto, vendo que ele não está me olhando, mas para
o que acabou de me dar. É como se nem ele mesmo entendesse o que
acabou de fazer.
— O que isso significa? — quero saber.
— São as flores que prometi te dar — seu olhar encontra o meu e ele
está estranhamente sério. — O chocolate é só porque… Sei lá, acho que
todo mundo gosta de ganhar chocolate.
— Não me lembro de você ter prometido me dar flores — ressalto.
— Prometi, quando falei com a Samara — Ryan tem um olhar vazio,
que quase me deixa preocupada. — Você sabe. Em desculpas. Pelo que fiz.
Naquele dia.
— Naquele dia… — repito, acenando com a cabeça. — Qual deles?
Ele desvia o olhar, parecendo culpado.
— Quando você foi ajudar sua amiga — volta a me olhar. — Sinto
muito.
— Então tá — olho as flores. Minha mãe vai gostar de tê-las.
— Então tá? — É a vez dele repetir. — O que significa?
— Que tudo bem — digo o óbvio.
Ryan me avalia um momento, soltando um grunhido baixo.
— Você é sempre assim? — quer saber.
— Assim como? — me demonstro alheia a pergunta.
— Cheia de impassibilidade e indiferença — ele responde, me
deixando confusa. — Sempre tão fria.
Nossa. Eu quase me sinto ofendida. Estou sendo o mais afável que
consigo, deixando-o se aproximar da minha família, pedindo que minha
irmã dê uma chance a ele, para que o conheça melhor e perceba que Ryan
não é de todo ruim, e o que ele conclui? Do que me chama? Impassível,
indiferente e fria.
— Ou é só comigo? — ele completa depois do meu silêncio.
— Sinceramente… — olho em direção à minha casa, vendo a silhueta
na janela do quarto da minha irmã. Fofoqueira. — Não me enxergo assim
— volto os olhos para Ryan. — Mas não espere que eu vá cair de joelhos
derretida porque você me deu algumas flores e disse que sente muito. Na
verdade, sentir muito depois daquilo é o mínimo que se espera de alguém
com um pouco de noção.
— Pode, por favor, parar de fingir que não sabe do que tô falando? —
ele está um pouco irritado, uma mão indo à têmpora, onde seus dedos
parecem pressionar.
— De ter me expulsado — solto o ar pelas narinas, em resposta a sua
irritação.
— Também, mas não só — ele insinua se aproximar, mas eu me
afasto.
— Você disse que as aulas eram sem maldade — o lembro, ao que ele
solta um gemido cabisbaixo.
— E são, mas não estamos mais na aula — Ryan tenta novamente se
aproximar, mas o paro ao estender a mão em frente ao seu peito, o contato
quente me fazendo tirar o toque dali imediatamente.
— Estou falando sério, Ryan — digo com firmeza.
Ele fica parado, me estudando.
— Tem algo que deixei de fazer? — quer saber. — Um lugar que
deixei de tocar? Não foi memorável pra você?
Dou risada, mas logo paro.
— Achei que você fosse um adulto e tivesse entendido que aquilo foi
um lance de alívio — uso das suas palavras. — Não tem que ficar
lembrando.
— Então me ensina como faz pra esquecer — ele sussurra, parecendo
triste. O que é um abismo de diferença do Ryan de minutos atrás. — Não
consigo olhar pra você e não me lembrar. De tudo. Simplesmente não
consigo.
Eu fico olhando-o, sem entender. Não é possível que isso seja
verdade. E é claro que não é. Possivelmente Ryan usa dessa artimanha com
todas quando quer conseguir o que quer; no meu caso, finalizar o que
começamos.
— Olha, Ryan, eu estou cansada e tenho que entrar — informo,
retrocedendo os passos. — Nos vemos na próxima sexta.
Eu me viro e caminho para casa, assim que entro sendo recebida por
uma Julie cheia de perguntas.
Entrego a caixa de chocolates para ela, levo o buquê para cima da
cômoda e vou até a cozinha para beber água antes de dormir.
Mas onde já se viu? Ryan Smith me achando impassível, indiferente e
fria!
Capítulo 22

— Por onde você andou? Fica saindo agora sem dizer pra onde vai.
Devo ficar preocupado?
Foram as primeiras palavras que ouvi depois de chegar em casa.
Samuel que disse tudo aquilo e eu não tinha a melhor expressão naquele
momento, tenho certeza.
Me sentia magoado e triste. Lucy com certeza não sentiu tudo como eu
naquele dia. Ela sequer demonstrava sentir alguma coisa quando me olhava.
Era apenas um olhar, nada íntimo como naquela noite em que estivemos no
meu quarto na casa do meu irmão; apenas um olhar, comum e que ela
direcionava a todo mundo.
— Tô bem, tô bem — tiro a bolsa com o violão das costas e a deixo no
chão perto do hall. Quando levanto a cabeça, vejo meus três amigos me
olhando.
Todos na sala, com olhares curiosos. Não foi diferente há duas noites,
quando Douglas me fez várias perguntas sobre eu ter ficado na casa de
Samara. Ele ficou mais perturbado quando falei ter jantado com os da casa.
Mas não contei sobre Lucy e eu. Não poderia jamais. Os caras estão
acostumados a usar um palavreado pesado com as garotas que ficam com a
gente, e eu não sei como me sairia se ouvisse algum deles falando alguma
besteira a respeito da Lucy.
Apenas achei que seria melhor não dizer. Eu não encarei o nosso
momento, meu e dela, como algo momentâneo. Menti pra ela, tive que
mentir ao dizer que era só alívio. E isso me incomoda, mas não poderia
dizer a verdade.
De que há muito tempo não sentia algo tão completo e que me encheu
de uma satisfação, que me trouxe paz. Eu fiquei calmo. Me senti calmo. E
isso é novidade, porque sempre estou tão à toda que é perturbador.
— Por que estão largados na sala em uma sexta à noite? — quero
saber.
— E por que é que você tá com um violão vindo Deus sabe de onde?
— Nathan devolve.
— Isso é do interesse de vocês porque… — começo, mas me paro. —
Ah, não é.
Sigo para a cozinha, indo atrás de um suco ou refrigerante. Qualquer
coisa que mate a minha sede, que não é de líquido.
— Você foi até ela de novo, não é? — Sam pergunta, chegando na
cozinha logo depois.
Eu pego uma lata de refrigerante na geladeira e abro, dando um gole
antes de olhar pra ele.
Parece em um misto de preocupação com curiosidade.
— Ela quem? — banco o desentendido.
— Cara, sem essa — ele me censura. — Você tá fascinado por essa
garota. O que é que ela te fez? Ainda é sobre a foto do site, vingança,
tentativa? Hãn, o que é?
A verdade é que eu já nem me importo mais se minha foto continua no
site da Winess. Nem me lembrava mais disso, como também não passava
tanto tempo sem tentar repelir as horríveis lembranças a respeito da minha
família.
Não dá pra explicar que Lucy, ao mesmo tempo que me fez ruir,
também me reergueu. É estranho que alguém tenha esse… poder sobre
mim. A meu respeito. É como se… ela tivesse um controle e eu tivesse
descoberto isso só então.
É possível isso? Ela pode controlar como me sinto? Do que vou me
lembrar?
Nem ela tem noção disso!
— Por que você não tá enchendo a cara ou comendo alguém? —
pergunto áspero.
— Estamos cansados da semana e você saberia disso se tivesse
prestando mais atenção nos seus amigos — Samuel comunica, estranhando
meu tom. — Mas tudo que faz agora é só ficar com a cara no notebook ou
então sair atrás dessa garota.
Passo uma mão no rosto, ainda entendendo minhas próprias
descobertas sobre Lucy.
— O que fizeram durante a semana? — pergunto, indo me sentar em
uma das cadeiras da mesa.
Sam me imita, também sentando na cadeira do outro lado.
— Nathan começou a trabalhar — começa a dizer. — Ele vai substituir
o pai, que foi diagnosticado com uma doença terminal e tem somente uns
meses de vida. Ele tá odiando que tenha chegado tão rápido a hora de adiar
o inevitável.
Eu coloco a latinha de refrigerante na mesa, sendo pego de surpresa
com a notícia.
— Caramba, que difícil isso do pai.
— Aparentemente Nathan não demonstrou sentir alguma coisa, mas —
Sam gesticula —, é o pai dele. O pai que não deu muito amor, mas… Sei lá,
acho que não tem como não sentir alguma coisa com isso. Com o pai tendo
os dias de vida contados.
— É, eu também acho que não.
Meu tio Santiago discordaria de mim e de Sam, mas não disse nada
sobre isso.
Ficamos em silêncio, atordoados por essa notícia, até que Samuel
continua.
— Meu irmão vai se mudar, ele vai cuidar de uma empresa em
Washigton, que ainda vai ser inaugurada — ele expira, não muito
entusiasmado com a notícia. — Então eu meio que vou ser forçado a ficar
no lugar dele porque, você sabe, o meu pai já tá gagá. Passei a semana em
treinamento com o meu irmão.
— Caraca, e você tá legal com isso?
— Acho que não tenho outra opção — ele passa a mão na cabeça. —
Mas não vamos embora daqui, os caras e eu, isso te adianto.
Não pensei diferente, mas ao mesmo tempo me pergunto se isso
também não é um fardo que tô colocando nos ombros dos meus amigos. Eu
os chamei pra ficarem aqui e eles vieram por saber da minha situação.
E então passou pela minha cabeça se eles se sentiam presos aqui, como
um tipo de obrigação, só porque sabem pelo que passei e sabem que os
considero como meus irmãos. Isso faria com que pensassem que me apoio
neles pra não desabar? Por isso não querem ir embora daqui?
— Aí, Sam — comecei a dizer —, eu sei que a empresa do seu pai não
é perto daqui, então meio que não faz sentido que você fique morando aqui
depois que começar a trabalhar lá.
Ele balança a cabeça, como se nem tivesse considerado isso.
— Seria um problema se eu não tivesse um carro, Ryan — informa. —
Nada a ver, não vou embora.
— Não vai porque não quer ir ou porque acha que deve ficar?
Samuel me encara, então sorri de um jeito despreocupado. Eu não
botei muita fé no que ele disse depois desse sorriso, pareceu sem qualquer
convicção.
— Não vou porque gosto daqui.
Balanço a cabeça, em concordância.
— E quanto ao Douglas? Também trabalhando? — pergunto.
— Não, esse aí é vagabundo mesmo. Falando nisso, chegou a falar
com seus pais?
Estreito o olhar.
— Não, por quê?
— Eles ligaram hoje depois que eu cheguei. Um monte de vezes.
Primeiro seu pai, mais tarde sua mãe — Sam se levanta. — Pareciam muito
querer falar com você. Dá um toque pra eles se acha que não é tão tarde.
Agora vou pra cama, tô cansadão.
— Falou, boa noite — digo enquanto tô enfiando a mão no bolso da
calça pra pegar o celular.
Não tenho nenhuma chamada perdida dos meus pais, o que é bem
estranho. Então ligo pra minha mãe, sendo atendido no terceiro toque.
— Filho! — ela tem um jeito muito feliz sempre que me atende.
— Oi, mãe — pego a latinha de refrigerante na mesa e dou mais um
gole, meio que me preparando pra seja o que for. — Queria falar comigo?
— Sim, querido. Sábado é aniversário da Aurora e eu pensei se você
não queria dar um pulinho na festa, o que acha?
Acho péssimo. Nada contra a Aurora, ela é maneira e tal, mas não
quero estar tão perto dos olhares que costumam me colocar em evidência.
Vai ser tipo estragar a festa dela, porque todos vão ficar receosos só por eu
estar lá.
— Vou pensar, mãe — respondo, sem vontade. — Era só isso?
— Não — ela suspira —, também quero saber quando você vai vir me
fazer uma visita. Faz mais de um mês que não te vejo, filho. Está se
cuidando, como você está?
— Mãe… — hesito, apertando bem os olhos. Esse cuidado todo que
ela tem no falar… Cara, me faz um mal fodido! — Olha, não vou poder por
esses dias.
— Você tem algo mais importante para fazer? Me diga se está bem.
— Aham, eu tô sim — tento soar convicto. — E não vou poder
porque… — tento pensar rápido em algo aceitável. — Vou viajar pro Brasil.
Minha mãe solta um som de euforia.
— Que ótimo, filho! É perfeito! Nós vamos com você, seu pai e eu!
Ah, meu Deus! Olho para cima e balanço a cabeça.
— Escuta, mãe — respiro fundo —, não vai dar pra vocês irem.
— Por que não? — a alegria dela morre um pouco.
— Porque… — Eu confesso que não pensei, apenas falei. — Eu estou
indo com uma amiga. Só nós dois — enfatizo.
— Oh — me senti um desgraçado por ter causado tristeza na minha
mãe e tirado aquele som cabisbaixo dela, mas não daria.
Simplesmente não daria pra suportar minha mãe me tratando como se
eu fosse de vidro ao mesmo tempo que lido com tudo isso que estou
sentindo no que diz respeito a Lucy.
— Mas eu vou visitar vocês quando voltar — garanto. — Tá certo?
— Tudo bem, querido. Tudo bem… O que uma mãe pode fazer?
Esperar e apenas esperar — ela suspira profundamente. — Seu pai também
precisa falar com você. Vou dizer a ele que espere você chegar de viagem. E
tome cuidado, não esqueça de se prevenir com essa sua amiga.
Faço uma careta.
— Fala sério, mãe, não sou um adolescente e… — cuspo em uma
risada. — Com certeza não vamos ter esse tipo de contato. Vai ser uma
viagem de amigos.
— É claro que vai — ela concorda, mas sinto o sarcasmo ali no fundo.
— Eu te amo, meu filho. Muito, muito. Não se esqueça da mamãe.
Sorrio.
— Nunca, mãe — prometo. — Eu também amo a senhora.
Ela dá um risinho e desliga, e eu fiquei ali na cozinha, pensando no
que tinha acabado de fazer.
Incrível. Menti pra minha mãe e agora tenho que arrumar uma amiga
pra viajar comigo pro Brasil pra não parecer um mentiroso.
O único problema é que amigas que aceitariam esse convite eu tenho
de sobra, mas a única que penso em levar é também a única que, ao que
tudo indica, vai me dizer não.
Capítulo 23

Minha vista está quase ofuscada de tanto olhar para o monitor, então
me inclino na mesa do trabalho e enfio a mão no espaço maior debaixo,
pegando minha bolsa e então meus óculos de grau.
Coloco-os e tiro um minuto para pegar minha garrafa térmica com
café, que está perto do teclado, bebendo um gole e mais outro.
Estou cansadíssima. Fico me perguntando o quanto a vida dos
psicólogos deve ser difícil. Eles têm que lidar com pessoas mais
complicadas que apenas clientes indecisos e insatisfeitos. Não é uma coisa
ali com um prazo curto, como um trabalho, mas sim uma vida nas mãos
deles. Várias vidas. Quase a dependência dos pacientes.
Não deve ser uma profissão fácil, e por que estou pensando nisso?
Porque estou me lembrando de Ryan. Ele disse que fez um ano de terapia e
que sabe lidar com o que enfrenta, mas eu acho que não. Acho que não
mesmo.
Então eu suponho que ele não fez um tratamento por tempo suficiente.
Quero dizer, seria ótimo que ele ainda tivesse ajuda de um profissional, para
que pudesse ajudá-lo a se achar e ficar menos… elétrico e urgente.
Ele é um pessoa urgente, sem dúvidas. Parece que quer fazer tudo ao
mesmo tempo e poucas vezes pude contemplar alguma quietude e
tranquilidade nele.
Sei que já disse isso, e é justamente o que faz o lembrar do que vi
sexta, um pouco diferente. Todas aquelas expressões no rosto de Ryan.
Desentendimento, confusão, incredulidade, aflição, tristeza, e ele teve um
mar sem fim do mais absoluto nada nos olhos. Tudo em menos de um
minuto. Eu achei que ele ia entrar em parafuso.
Então, sim, me lembrar disso sabendo que a pessoa em questão sempre
lida com tudo com a mais alta energia e naquele momento pareceu não ter
nenhuma, me deixou pensativa durante todo o fim de semana. Tudo aquilo
que o atingiu, aquelas emoções todas, teve alguma consequência depois que
ele deixou minha casa?
Obviamente eu não deveria estar me importando tanto com isso, mas
acho que acaba sendo inevitável depois que você descobre o motivo das
paranoias de Ryan.
Eu inclino a cabeça para um lado e outro, alongando o pescoço. Ergo
os braços, alongando-os e também ao corpo. Tenho que parar de pensar
tanto nesse cara.
Dou uma conferida por cima da divisória, olhando se não tem um
chefe por perto e, quando vejo que não, enfio a mão na bolsa para pegar
meu celular e dar uma olhada nas mensagens.
Claro que esbarrar os olhos na foto de Ryan é tentador demais para eu
conseguir resistir, então fico olhando por uns bons segundos, seu sorriso
bonito escondendo o que seus olhos transmitem: uma falsa felicidade.
Eu passo o polegar em cima da tela, na foto dele, sentindo um tipo de
coisa estranha. É um aperto junto a um arrepio. Por que estou preocupada
com você?
Balanço a cabeça e tiro da foto, vendo minhas mensagens e a da minha
irmã está no topo da lista, enviada de alguns minutos atrás. Não entendo
bem o emoji e aperto para ver a mensagem completa.

| Julie malinha:
Espero q faça boa viagem hahaha

Estreito os olhos, prestes a responder, mas passadas próximas me


fazem rapidamente esconder o celular e voltar a atenção ao monitor, onde
quase choro por ter recebido novas pastas de serviços na pasta principal
compartilhada com os computadores dos outros setores.
— Lucy — me chamam e eu levanto a cabeça, só para virar minha
cadeira e dar de cara com o chefe supremo, pai de Shirley. Ele tem um
bigode um pouco estranho, que não combina muito com o seu rosto
alongado. Deixa-o parecendo que veio do tempo passado. Principalmente
pelas roupas escuras que sempre usa. — Como vai o trabalho?
Primeiro que acho muito estranho ele estar aqui, porque quase
ninguém o vê que não nas reuniões. Segundo que, bem, essa realidade torna
a pergunta que me foi feita mais estranha ainda.
— Muito bem, senhor Mathews — dou um sorriso doce. — Estou
finalizando a última pendência, mas já chegaram novos trabalhos e acho
que até o fim dia consigo terminar alguns também.
Claro que dizer isso foi um desafio. Obviamente eu não vou conseguir
terminar mais nada hoje. Estou um trapo e ainda é segunda-feira, o que me
faz dar um sorriso nervoso.
— Ótimo, mas deixe isso aí para semana que vem — meu chefe
gesticula o computador. — Você está liberada para ir com o sr. Smith.
Meus olhos se estreitam juntamente com meu cenho franzido.
— Desculpe? — pareço perdida e alienada, e estou mesmo.
— Sim, você pode ir — Sr. Mathews reafirma. — Ryan Smith disse
que precisa de você para apresentar novas ideias para a publicidade da
Winess. Essa parte é sua.
Balanço a cabeça, ficando totalmente desentendida.
— Ele aguarda você no térreo — Sr. Mathews avisa antes de sair.
Solto todo o ar pela boca, Brad surgindo na divisória ao lado. Ele está
tão alienado quanto eu.
— O foi isso de ir com o sr. Smith? — pergunta.
— Não sei mais que você — pressiono o meio da testa com os dedos, a
fim de libertar toda a tensão concentrada ali por causa do meu esforço com
letras, cores, artes, pedidos e computador. — Vou até ele dizer que pare com
a palhaçada, Brad. Isso já deu.
Pego minha bolsa e guardo as garrafas de café e água, desligando o
computador e enfiando a cadeira embaixo da mesa. Posso até não ir com
Ryan sabe-se lá para onde, mas vou aproveitar que meu chefe me deu passe
livre e vou passar o restante do dia em casa.
— Me liga — Brad pede quando me despeço.
Não tenho muita certeza disso, porque pretendo dormir o restante do
dia. Estou tão cansada hoje, como é típico em todas as segundas. Mas
mesmo assim faço um ok para ele com o movimento dos lábios, me
dirigindo ao elevador.
Até que demorou para Ryan dar as caras. Eu diria que ele se segurou
bem por dois dias longe, sem dar nenhuma notícia. Não que eu tenha
sentido falta, nada disso. Apenas que percebi que esse é o seu normal,
sempre estar aparecendo.
Quando as portas se abrem e eu saio para o térreo, eu o avisto de
longe. Quase volto para o elevador e vou sugerir que meu chefe envie outro
alguém da equipe de publicidade, porque isso não tem nada a ver com o
trabalho. Os planos de Ryan, não.
Sei disso por como ele está vestido. Jaqueta marrom, uma blusa branca
por baixo, um colar de prata no pescoço, um relógio preto que adorna seu
pulso direito e meio que a manga da jaqueta o esconde um pouco; a calça
jeans igualmente escura contrasta com o sapato preto e branco. Eu estou
absurdamente hipnotizada. É uma beleza de abalar.
Me aproximo dele, pigarreando durante o trajeto para que minha voz
soe firme quando eu pronunciar as palavras que quero. Você tem que parar
com isso. No meu trabalho, não. O que pensa estar fazendo?
Mas acho que tenho os planos frustrados quando ele me percebe
chegando e se vira para mim, abrindo um sorriso e vindo me encontrar no
caminho.
Nós nos encaramos, seu sorriso me mantendo cativa até Ryan inclinar
a cabeça para me dar um beijo na bochecha, tão rápido que só fica a
sensação da sua boca ali.
— Oi, Lucy — ele diz, tremendamente cínico, como sempre
demonstrou ser.
Inspiro tão fundo que minha barriga dói, então abro a boca para
começar a falar, mas Ryan estende a mão antes que eu inicie.
— Eu passei na sua casa — informa. — Pedi pra sua mãe e liguei pro
seu pai no trabalho, porque queria saber se eles me permitiam isso. — Meus
lábios se entreabrem ante sua fala e depois continuam a se separar pelas
palavras seguintes: — Eles permitiram e sua irmã me ajudou a fazer sua
mala.
Pressionar minha testa deixou de ser uma saída, agora é meio que
obrigado porque minha cabeça pode explodir. De verdade. Estou
considerando essa possibilidade muito mais depois de Ryan ter se infiltrado
em meus dias.
— Do que é que você está falando, Ryan? — pergunto muito
calmamente, tentando encontrá-lo no raciocínio que para ele parece fazer
muito sentido. Todo o sentido.
— Nós vamos viajar pro Brasil — ele engole a saliva pela garganta
seca, e sei disso pelo movimento ali. Ele está envergonhado ou aflito?
Provavelmente os dois, e sabe que fez algo errado, só não imagina o quão
errado isso é.
— Nós vamos viajar para o Brasil? — eu rio. Não vou perguntar se ele
pirou, porque ele tem umas atitudes de quem não é muito bem das ideias,
então pode soar ofensivo. Mas escolho outras palavras. — Em que mundo
você vive para achar que eu iria viajar com você? Tipo, do nada, Ryan.
— Eu sabia que se te perguntasse, você diria não — ele parece triste, o
rosto triste, e eu sinto vontade de abraçá-lo ao mesmo tempo que de sacudi-
lo, pedindo que tenha bom senso. — Então achei melhor perguntar pros
seus pais primeiro antes de vir falar com você.
Olho ao redor, sorrindo, então cruzo os braços.
— E então você espera o quê? — pergunto. — Que eu vá com você?
Você espera mesmo isso?
— Não — sua resposta é um ruído. — Seria pedir demais, mas eu quis
arriscar. Eu me arrisquei e me arrisco sempre pra coisas ruins, então por que
não correr risco por alguma coisa boa? — ele dá um sorriso tímido no fim,
me fazendo amolecer os ombros.
Balanço a cabeça, me sentindo uma fraca por minha raiva sumir um
segundo depois de ele terminar de falar.
— Eu vou deixar sua mala na sua casa — ele olha para o lado,
indicando o estacionamento com a mão. — Mas valeu a tentativa. A gente
se vê na sexta, pra aula.
Ryan não me olha mais quando se vira de cabeça baixa, me fazendo ir
atrás dele. Vou pegar uma carona até em casa e agradecê-lo pelo restante do
dia de folga.
Mas seu olhar me queima quando ele me percebe chegando ao seu
lado, uma sobrancelha castanha se arqueando, os lábios juntos se mexendo
um pouco.
— Vou pegar uma carona com você para casa, se não se importar —
explico.
— Achei que ia voltar pro trabalho.
— Meu chefe me deu passe livre, não vou desperdiçar o resto do dia
porque estou muito cansada. Obrigada, aliás, pela folga — sorrio
rapidamente para ele, Ryan passeando os olhos por meu rosto antes de
segurar meu pulso e me fazer parar de caminhar.
Engulo em seco.
— Você já foi ao Brasil? — ele quer saber.
— Não — balanço a cabeça em negativa.
— Você ia gostar, é um ótimo lugar pra férias — ele me encara por uns
segundos sem dizer nada, os dedos ainda queimando minha pele. — Tem
muitas coisas pra se fazer por lá, que ajudam a dispersar o cansaço.
— Não tenho dúvidas. Um dia eu planejo para ir — destaco a palavra
intencionalmente, para que Ryan entenda que isso de viver de supetão não
combina muito comigo.
Ele concorda, soltando meu pulso com relutância.
Então eu continuo os passos em direção ao seu carro, que acho que sei
qual é. Mas tem muitos veículos ali estacionados e preciso parar para
esperá-lo.
— Quer fazer um "lanche" antes da gente ir pra sua casa? — ele
pergunta, fazendo aspas com os dedos.
Isso pode ser uma boa ideia. Estou mesmo faminta. Nunca recuso um
convite para comer.
— Eu quero — respondo com um sorriso, mas isso não parece
entusiasmar Ryan tanto quanto eu.

— Eu nunca tinha vindo por aqui — digo quando entramos em um


restaurante que Ryan garantiu ser um dos melhores.
Ele não diz nada até nos sentarmos, o ambiente aconchegante e bem
iluminado estando relativamente vazio para o tamanho. Deve ser por causa
do horário.
Eu tiro o terninho e a bolsa, colocando tudo nas costas da cadeira,
então me viro de novo para dar de cara com um Ryan sério e de lábios
entreabertos.
Mas ele desvia o olhar assim que o percebo me encarando, acho que
acanhado por ter sido pego no flagra, o que é esquisito se considerar o que
já fizemos e, bem, ele não precisa se acanhar por eu tê-lo pego me olhando.
Ryan é rápido em se entreter com o cardápio, disfarçando muito mal
sua ação que não combina com ele. Definitivamente Ryan Smith não faz o
tipo que sente timidez.
— Então — eu digo quando ele fica muito tempo vidrado no cardápio
—, aqui é um dos melhores restaurantes?
— É — ele não me olha, passando a próxima página do menu.
Dou um sorriso.
— Você pode escolher por mim — sugiro. — Vou querer o que aqui
tem de melhor.
Ryan ergue os olhos primeiro, depois sua cabeça. Ele fica me
avaliando, olhando meu rosto, quase tempo demais. Será que eu deveria me
preocupar em ficar perto dele? Às vezes ele pode ser um pouco estranho.
Pigarreio.
— Tá bom — ele diz, enfim. — Vou escolher pra você.
Eu fico quieta enquanto ele chama o garçom e faz nosso pedido. Tenho
vontade de protestar pela quantidade de números de pratos que Ryan exige.
Acho que vai ser muita comida. Mas não falo nada e o garçom sai,
garantindo que logo traz os refrigerantes que Ryan pede por último.
— A Samara tava lá em casa quando saí — ele fala, parecendo mais
relaxado enquanto coloca o cardápio de lado. Seu olhar encontra o meu. —
Dei uma chave a ela, pra ela não precisar tocar a campainha quando chegar.
— Isso é bastante confiança — as palavras sinceras escapam da minha
boca.
Ryan assente.
— Confio em vocês, não sei o porquê.
— Em vocês quer dizer na Samy e seus amigos, eu suponho — sorrio,
mesmo achando estranhíssimo que ele confie em Samara, já que é tão cheio
de paranoia e ele mal a conhece.
— Não, não — Ryan nega. — Quando digo vocês, tô falando de você e
dela.
— Em mim? — rio, balançando a cabeça. — Não deve ser difícil você
confiar em alguém então. Você nem nos conhece.
— Tem coisas que não se explicam logicamente — ele debate, tão
sério que estreito os olhos.
— Tipo você querendo me carregar para o Brasil? — tento segurar a
risada, mas não consigo. Desato a rir, um riso gostoso e insegurável, e,
quando me recupero, encontro um Ryan tentando segurar um sorriso.
— É uma boa ideia, você devia considerar. Tudo grátis e minha
companhia de brinde, dá pra ficar melhor? — ele questiona, convencido.
— Vou escolher ficar na dúvida — murmuro, minha boca enchendo
d'água quando vejo o garçom se aproximando com o carrinho.
Agora entendi porque Ryan usou aspas quando falou de lanche. Ele
queria dizer "um banquete".
Capítulo 24

Acho que posso declarar e afirmar convicto que esse foi o melhor dia
da minha vida. Foi arriscado, bastante; decepcionante, no início um pouco;
mas no fim tudo não poderia ter se encaixado melhor. Indescritivelmente
melhor.
Eu mal sabia, mas nosso lance ali no restaurante estava apenas
começando.
— Não consigo me levantar — Lucy anuncia. — Eu me sinto uma
bola de cimento — ela geme tristemente, o que me faz rir.
— Quem falou pra você comer tudo de uma vez, mulher?
Ela me fuzila com os olhos, como se eu tivesse culpa.
— Você pediu tudo isso, eu achei que era só um lanche que faríamos
— ela faz uma careta quando se mexe, então simula um lamento choroso.
— Acho que é pecado comer tanto.
— Foi a feijoada — dou risada.
— Foi o quê? — ela estranha.
— A feijoada — aponto. — Essa delícia aqui que você comeu com
couve e farofa.
— Oh, céus — lamenta. — Mas foi a mais gostosa.
— Foi, sim — concordo, chamando o garçom. Peço uma água tônica
pra ela, olhando-a quando o garçom sai com um sorriso.
— Você não devia ter dito a ele o que me ocorreu — ela critica.
— Foi mal — me desculpo, acompanhando a série de caretas que se
formam em seu rosto e quase sentindo pena. — Esse é um restaurante de
culinária brasileira, depois quero te levar no restaurante da minha mãe. Lá
também servem alguns pratos assim.
— Por que você não me disse no início isso? — ela lamenta. — As
comidas do Brasil são todas assim?
— Pesadas?
— Não — balança a cabeça. — Deliciosas.
Dou um sorriso.
— São.
Lucy desvia o olhar, pensando alguma coisa sozinha.
Ela balança a cabeça para um lado e outro, me olhando então.
— Talvez não seja má ideia — murmura.
— O quê?
— Ir com você para o Brasil. Quero dizer — ela dá um suspiro que
parece exigir o triplo do esforço normal —, eu vou comer comidas assim e
sair um pouco da rotina. Vou te dizer — gesticula —, não aguento mais
ficar travada naquela mesa tantas horas dos meus dias. Acho que uma
viagem realmente pode me fazer bem.
Essa pareceu uma Lucy diferente pra mim. Quase como se tivesse
bêbada. E talvez fosse a fermentação das comidas que ela passou pra
dentro, uma atrás da outra. Mas aquilo era uma chance, ela tava cogitando,
e eu não deixei passar.
— Seria ótimo — concordo.
— Ótimo — ela concorda, levantando o olhar pro garçom que volta
com a sua água.
Agradecemos e ele sai, eu me apressando em abrir a garrafa e despejar
a água no copo que veio junto. Entrego a Lucy, que faz uma careta.
— Isso vai me ajudar? — pergunta, duvidosa. — A água não costuma
deixar a impressão de que a barriga está mais cheia?
— Essa é tônica, vai te aliviar. Pode beber, vai se sentir melhor.
Ela morde a boca, mas acaba bebendo. Depois que termina, solta um
grande suspiro de alívio.
— Só precisamos esperar alguns minutos agora — digo, olhando o
relógio.
— Obrigada, Ryan.
O agradecimento inesperado me faz levantar o olhar pra ela outra vez,
recebendo o seu sorriso. E ela não faria isso de sorrir pra mim se soubesse a
sensação que me causa.
— Não tem de quê.
— Por que você quer me levar ao Brasil? — ela quer saber, o que não
foi difícil responder.
— Foi meio que uma desculpa pra recusar o convite da minha mãe pra
ir até a casa dela. Tô com a cabeça cheia esses dias e não seria uma boa pra
mim — desvio o olhar pro lado, fingindo olhar a movimentação do
restaurante. — Eu disse que iria pra lá, então ela se ofereceu pra ir também,
junto com o meu pai. Daí acabou saindo que eu iria com uma amiga e não
daria pra eles irem junto.
— Entendi — ela ri. — Não tem nada a ver então comigo. — Tem tudo
a ver com ela. — Isso é um grande alivio, porque eu achei que você estaria
me perseguindo depois daquelas flores e do chocolate — ela expira,
aparentemente mais leve. — Já me sinto melhor, que água milagrosa.
Dou um sorriso de lado, e não estava nem um pouco preparado pras
palavras que vieram a seguir.
— Acho que já podemos ir para o aeroporto.
Capítulo 25

Abro os olhos e encaro o quadro gigante fixo na parede ao outro lado


da cama. É um tipo de pintura abstrata, bem colorida, aparentemente sem
sentido, mas deve ter todo um significado para quem a pintou. Se o sentido
vem do coração dele ou dela, não tem mesmo como alguém entender
apenas olhando.
Aos poucos meu cérebro sonolento vai despertando, me mandando
todas as informações. Estou em outro país, na casa de Ryan, juntamente
com ele.
Estranhamente, esse pensamento não me causa um alarde
momentâneo. Não, longe disso. Eu me sinto bem confortável, na verdade.
Gosto de saber que estou em viagem como com amigos. Isso não é mesmo
nada ruim.
Me viro na cama, esticando as pernas, erguendo os braços, me
alongando com toda a vontade e facilidade, visto que a cama de Ryan tem
espaço para quatro de mim.
Adoraria saber as horas, mas deixei minha bolsa no quarto de baixo,
onde tomei banho quando chegamos, então me sento e, depois de uns
segundos olhando o quarto, me levanto. Percebo estar nua, provavelmente
tirei a roupa dormindo. Faço isso às vezes quando estou com calor.
Com passos leves, vou até a varanda abrir as cortinas, as portas e então
me aproximar do espaço médio, vendo-o com uma poltrona vermelha no
canto, como a que está perto da cama porque Ryan sentou lá ontem.
O céu está perfeito e a forma como o calor rapidamente me atinge,
abraçando meu corpo, é sem igual. Meu sorriso se estampa na boca e me
apoio no corrimão, passando o olhar pela área em baixo; a piscina, um
bocado de árvores, as espreguiçadeiras, as duas mesinhas. A água límpida
reflete glitter praticamente pela luz do sol que atinge sua superfície. Eu
estou no paraíso, tudo é paz e calmaria. Tudo é a mais branda tranquilidade.
Depois de alguns minutos, volto ao quarto e me direciono ao banheiro,
para tomar banho e escovar os dentes. Dentro do box, dou diversos pulos
assim que ligo o registro de água, o que me joga uma torrente de jato quente
no corpo. Essas coisas de gente rica. Estou acostumada com um só registro,
nem me toquei no registro do lado.
Demoro algum tempo no banho e depois volto ao quarto, vestindo a
mesma blusa, que encontro jogada na cama. Vou me vestir direito depois
que pegar minha mala que ficou no quarto de baixo.
Estou seguindo à porta de saída, me sentindo faminta. Avanço pelo
corredor do piso de madeira, diferente do restante da casa, e desço os
degraus. A primeira sala está vazia e isso me impele a prosseguir em
passos, que me levam à cozinha.
Ryan não está aqui, mas percebo que o cômodo continua impecável,
nada fora do lugar, exceto pelo notebook fechado que descansa em cima da
ilha.
Presumo que ele ainda está dormindo, então tomo frente para preparar
o café da manhã. Ele fez tanto por mim ontem, nada mais justo que fazer
algo por ele – não sendo algo como tirar sua foto do site da Winess, posso
fazer.
Fico distraída na minha tarefa até ouvir e sentir os passos chegarem na
cozinha. Não preciso olhar para saber quem é e já espero ele se aproximar
da bancada e se sentar, para que eu possa oferecer o que preparei.
Mas Ryan não se pronuncia por quase um minuto e tenho que olhá-lo.
Não acredito no que vejo – de novo. Essa imagem com certeza já tinha
morrido em minha mente. Ryan sem camisa exibindo essa tatuagem sexy no
canto do abdômen? Não, eu definitivamente não precisava me lembrar disso
e muito menos ver.
— Oi — eu abro um sorriso que não evidencia o quanto vê-lo só de
shorts é perturbador. — Fiz o café da manhã.
Ele ri.
— Fez o quê?
— O café da manhã — pontuo, esticando o braço sobre a ilha e
colocando o prato com pão e geleia do outro lado, em cima do balcão.
Ryan ri mais um pouco, se aproximando o suficiente para deixar claro
que está rindo de mim.
— Você sabe que horas são? — ele pergunta.
— Não, eu estava sem o meu celular. Imagino que seja bem cedo, você
nem tinha acordado ainda.
O sorriso no rosto dele é uma mistura de dó com graça.
— Lucy, são três da tarde — avisa. — Quase quatro.
Meus olhos saltam, mas não é preocupação. Eu estou de folga, de
férias, em outro país, longe do trabalho. Só estou impressionada pelo meu
sono mesmo.
— Mas eu vou comer, sim — Ryan se senta em um dos três
banquinhos do outro lado, pegando o pão de fôrma e dando uma mordida
generosa.
Eu lhe ofereço a xícara com cappuccino não tão espumoso que eu
encontrei vasculhando os armários.
— Desculpa ter dormido tanto, eu tenho estado muito cansada do
trabalho — lamento.
— Mais as horas de viagem, imagino que tenha cansado mesmo — ele
me olha. — Tudo bem adiar o que eu tinha em mente.
— O que você tinha em mente? — devolvo, estreitando o olhar. Não
por nada, só que Ryan pareceu um pouco entristecido depois de falar.
— Dar um mergulho, almoçar de frente pro mar — ele se concentra no
gosto do pão antes de me atingir com os olhos claros outra vez. — Também
quero te levar em vários restaurantes daqui. E se você quiser curtir a noite,
sei de uns lugares não muito longe.
Meus olhos se estreitam enquanto eu penso a respeito. Ryan montou
mesmo um cronograma. Eu pretendia descansar por todo o primeiro dia e
ele está a toda.
— Você também está cansado da viagem? — pergunto como quem não
quer nada, observando-o dar um gole no café. Ele não aparenta cansaço,
tampouco que acordou há pouco tempo.
— Não muito. Eu meio que já tenho o costume, vinha muito pra cá
antes de... — ele se interrompe e olha para o pão. — Você sabe o quê.
Eu assinto.
— Você não estava dormindo, não é? — questiono.
— Não — ele nega. — Dei um pulo na academia. Fazia um tempo já
que não malhava. O corpo tava começando a sentir.
— Tem uma academia nessa casa?
— Não, aqui perto — Ryan mastiga o último pedaço do pão, me
encarando enquanto isso. Eu fico atordoada, querendo me entreter em algo
tipo olhar a faca que está sobre a bancada, mas não consigo. Sou pega pelo
magnetismo dos seus olhos até o momento em que ele questiona: — Por
que você tá me olhando como se tivesse com medo?
— Como assim?
— Não finja que não sabe do que tô falando — ele chama minha
atenção.
— Mas eu não sei. — Acho que não sei. Não é como se eu estivesse
com medo, porque não estou. Só é um pouco diferente tudo isso
acontecendo tão depressa. Aquilo de Ryan ter me perguntado na sexta se o
que tivemos no sofá não foi marcante, então as flores e o chocolate, agora
essa viagem e ele me preparando um sanduíche do céu em plena
madrugada… Então não é medo, eu só estou levando algum tempo para
encaixar e assimilar tudo.
Sua cabeça balança quase imperceptivelmente.
— Eu não devia ter contado aquilo na casa da Samara aquele dia do
jantar — ele explana, bebendo mais café, me olhando de novo. Fico
observando sua língua limpar a pouca espuma do café que ficou no lábio
superior, mas Ryan não parece perceber meu observar, porque continua: —
Saber disso geralmente deixa as pessoas estranhas quando estão perto de
mim.
— Eu não estou estranha — protesto. — Talvez você esteja com essa
impressão porque eu fico sem jeito por você estar sem camisa — explico e
gesticulo. — Me faz lembrar quando te conheci e você veio cheio de
intimidade para cima de mim, tentando me beijar e oferecendo uma noite
com você.
Ele dá um sorriso largo.
— Depois me expulsou — complemento. — E não sei porque você
está sorrindo. Além de ter sido invasivo e sem noção ao fazer aquilo, me fez
te odiar por um bom tempo.
— Desculpa — ele baixa o olhar, olhando a própria semi nudez antes
de erguer os olhos para mim outra vez. — Quer que eu coloque uma blusa?
— Não, tudo bem — respiro fundo, voltando a minha atenção para a
bancada, arrumando o que usei. — Você está na sua casa, tem o direito de
ficar à vontade.
— Não se eu tiver visitas — ele se levanta, indicando que vai sair, mas
eu rapidamente abano as mãos, fazendo-o parar e me olhar. — O que foi?
— Falo sério — digo. — Você pode ficar sem blusa, eu não me
importo.
— Faz você lembrar de um Ryan que eu quero que se esqueça — ele
pontua, a voz baixa.
— Isso seria esquecer você, então não faz sentido o que está dizendo
— saliento. — A menos que você queira isso, mas aí vai ter que parar de
me dar aula de violão e também de ir à minha casa, sem falar que nunca
mais viagens.
— Não — Ryan retoma os passos, mas dessa vez seu destino sou eu.
Ele não tem hesitação quando dá a volta no balcão, vindo para perto de
mim, me fazendo levantar o olhar para encontrar o seu quando chega ao
meu lado, a tensão em meu corpo deixando óbvio como apenas o fato de
Ryan estar sem uma peça de roupa tem uma relevância extrema para o meu
corpo. — Aquele era um Ryan antes de você.
Meus olhos se estreitam, demonstrando meu desentendimento.
— O que isso significa? — quero saber.
— Que eu era um cara entregue ao desespero.
— Acho que foi meio perceptível — apoio o quadril ao lado da
bancada. — Mas não é culpa sua ter algum desespero consigo.
— É culpa minha como ajo — ele tem de novo aquele olhar. O mesmo
que teve na minha casa na sexta quando me chamou de impassível, de fria.
O olhar com uma vastidão de nada.
Eu pigarreio.
— Por que você está dizendo que aquilo era um Ryan antes de mim?
— questiono. E não sei bem se por curiosidade ou porque tê-lo tão perto
exalando seu perfume e falando com essa voz gostosa enquanto me encara
fielmente com esses olhos magníficos já está me fazendo suar.
— Porque você foi quem causou uma ruptura sobre isso, Lucy.
A resposta dele é tão firme que meus olhos crescem um pouco.
— Isso foi ruim? — pergunto. — Deve ter sido, porque você agiu de
forma perturbadora depois, mentindo para minha amiga pra conseguir meu
endereço, falando pra minha irmã me avisar que sabia onde eu morava, indo
no meu trabalho e também na boate em que eu estava, só para me intimidar.
Ryan estranha qualquer coisa.
— Você falando assim me fez parecer meio maníaco — ele ri, mas
logo para. — Mas não foi o que eu quis dizer e nunca quis te intimidar.
Quando afirmo que você rompeu isso, quero dizer que você me tirou
daquilo, que tenho algo pra fazer além de pensar no meu passado. Eu
gostaria muito de não ter que me lembrar do que houve, mas basta ver
alguém da minha família pra o que aconteceu vir à tona, então… — ele fala
tudo muito depressa, como se apenas o falar fosse repugnante. — Você
entende o que tô querendo te dizer?
Estreito o olhar. Mais ou menos.
Mais no menos.
— Basicamente que eu te distraio o suficiente para você não ter tempo
de pensar no seu passado? — concluo, me assustando quando Ryan se
inclina para me pegar pela cintura com um só braço, me capturando do chão
e me colocando sentada na bancada.
Ele separa minhas coxas, se colocando entre elas e inclinando um
pouco a cabeça, deixando nossos rostos a alguns centímetros.
Meu olhar chocado encara os seus olhos, que brilham
significativamente. Ryan sorri, apoiando as mãos na bancada, ao lado do
meu corpo.
Eu não esperava por isso.
Um silêncio pesaroso se estende algum tempo enquanto sou observada
de perto.
— Eu te achei uma desgraçada no início — ele despeja, me fazendo
esquivar das palavras. Quase fico ofendida – as observações de Ryan
costumam fazer eu me sentir assim. — Você me fez pensar no que eu sentia
sempre que dormia e… eu quis te dizer.
— Me dizer o quê? — minha voz está estranhíssima, soando rouca
assim.
— Que você me fez relembrar tudo, que me trouxe de volta o medo de
dormir quando falou aquelas ofensas a meu respeito.
Balanço a cabeça.
— Que ofensas eu disse para você, Ryan? — Não me lembro de ter
dito nenhuma.
— Sua lábia péssima ou seu corpo bonito — ele inclina a cabeça um
pouco mais, me fazendo suspirar. — Aquilo me chateou — Ryan começa a
morder o lábio por alguns segundos, me fazendo engolir em seco e
gesticular para começar a responder, o que é uma boa distração da sua ação
despretensiosamente sexy.
— Não foi intencional, eu só queria que você parasse com aquilo lá na
sua casa, de ficar atrás — explico. — Parecia que você não sabia ouvir não.
Ainda parece que não sabe, mas não evidencio isso.
— Desculpe se isso te fez relembrar. Nunca foi minha intenção —
continuo. — Mas… se te fiz relembrar, por que você disse que eu te faço
esquecer? Não faz sentido.
— Essa conclusão muda um pouco — ele inclina mais a cabeça,
nossos lábios quase se tocando, então completa: — quando você entende
algo.
— Certo — eu dou um suspiro profundo, Ryan emitindo um grunhido
baixo pela minha ação e sua mão direita rapidamente encontra minha
cintura, onde seus dedos apertam com força, me fazendo quase revirar os
olhos. Rapidamente me recomponho para indagar, constrangida: — O que
tem para entender?
Ele sorri antes de responder.
— Que todo o sentido é você.
Minha boca aberta e meu olhar confuso definitivamente não impedem
Ryan de colar nossas bocas e me surpreender com um beijo.
Seus braços enlaçam minha cintura e ele puxa para si, reverenciando
minha boca com tanta vontade e destreza que quase, quase, eu não penso
mais.
Mas é algo que não se evita, então o que significa eu ser todo o
sentido?
Capítulo 26

Ela se agitou, correspondeu, gemeu, mas não se entregou. Ao beijo.


Ali, naquela bancada, não houve uma entrega como da primeira vez.
Como quando nossos lábios se conheceram. Lucy simplesmente
correspondeu ao ser beijada.
Eu devia me acertar uns socos por tá sendo indescritivelmente idiota.
Por que isso importa? O que vale Lucy não se entregar? Além de eu me
sentir estranho pra caralho por isso, é claro. Mas não vale de nada, de nada.
Como se eu não tivesse sido idiota o suficiente com tudo isso, também
mencionei que ela passou a fazer sentido pra mim. Pode crê que enfiei o
resto do meu juízo no ralo.
Mas, eu não sei, acho que foi uma coisa que não consegui controlar.
Simplesmente saiu porque é a verdade. A absoluta verdade. Lucy é todo o
sentido. Tem sido desde que apareceu.
Os meus dias não são mais estranhos depois dela. Não sei explicar,
mas é como se tivesse uma… razão? Talvez não, essa é uma palavra muito
forte. Ela não é a razão de nada, só fez com que meus dias parassem de ser
tão áridos.
Quem entende? Eu ainda não.
E daí Lucy me chamou quando fiquei meio que travado porque pensei
demais a respeito de ela não tá entregue.
— Ryan? — o sussurro dela me fez abrir imediatamente os olhos e me
deparar com os lábios dela, inchados pelo meu beijo desesperado – que eu
não percebi ser até aquele momento.
Eu tava desesperado há dias que pareceram séculos pra provar o beijo
dela de novo, mas isso não ficou óbvio pra mim até aquele momento.
— Diga — me afasto um pouco do seu rosto, tendo a oportunidade de
ver Lucy perdida ao me encarar. Ela não sabe como dizer o que quer dizer.
Seja lá o que for.
— Estou preocupada com você — ela despeja depois de mastigar
silêncio na minha cara. Não sei como eu deveria me sentir a respeito
daquilo, mas eu perguntei mesmo assim.
— Isso é relevante?
Lucy franze o rosto, mas não me desculpo. Não falei nada grosseiro, só
quero entender o que significa ela estar preocupada comigo, porque ela
não. Ela também não. Não nessa vibe de vamos-todos-ter-dó-do-Ryan.
— Quero dizer que… — Lucy hesita e respira fundo. Tá sendo
cuidadosa no que dizer e eu odeio isso. — Que eu fico preocupada com o
seu jeito. Você é tão rapidamente elétrico o tempo inteiro.
— E por que isso seria preocupante, Lucy?
Ela não responde imediatamente. Ao contrário, fica me olhando em
silêncio enquanto eu sinto o calor que emana do seu corpo vindo todo pra
mim.
Eu também devia me parabenizar por tanto controle. Mas
simplesmente não dá pra conciliar ou conflitar as duas coisas. Não posso
ouvir da boca dela que tá preocupada comigo e logo depois comer ela. Não
dá! Uma coisa de cada vez. Não se joga com tudo de uma vez. Minha
cabeça daria pane.
— Tudo bem, eu sei — ela começa a responder. — Eu não deveria
estar preocupada, você sabe se cuidar e definitivamente se conhece melhor
que ninguém. É só que eu acho que…
Ela faz uma pausa de novo, o que me faz bufar em impaciência.
— Será que você pode simplesmente dizer tudo de uma vez ao invés
de ficar se interrompendo? — brado, fazendo-a estreitar os olhos.
— Certo — ela expira com força e quase acho que vai me afastar de
perto, mas Lucy faz algo muito pior. Ela solta na minha cara tudo o que eu
mais odeio ouvir: — Eu acho que se você tivesse sua atenção mais ocupada
em outra coisa, tipo ajudar seu irmão na Winess, toda essa sua energia seria
mais bem trabalhada e proveitosa.
Eu mesmo me afasto mais, mas ela rapidamente pula da bancada e
começa a gesticular, em uma pressa pra explicar o seu ponto.
— Só quero dizer que você passa muito do seu tempo buscando o que
fazer, o que tem para fazer que possa te distrair do que houve, mas… — ela
se aproxima. — Se essa não é a solução? E se fugir do passado vai te deixar
sempre nisso de procurar algo para substituir a lembrança, então acho que
encará-lo seria uma provável saída. Sabe, encarar o passado. Trabalhar na
Winess seria basicamente isso.
— Do que você tá falando? — pergunto e quando ela abre a boca pra
responder, estendo a mão. — Por que você não cala a boca? Você não sabe
de porra nenhuma.
E eu saí dali, de perto dela. Já foi desastroso o suficiente ela não ter
me dado a mesma entrega no beijo, agora vem com esse papo de "vai
trabalhar com o seu irmão". O caralho que eu vou.
Mas Lucy veio atrás de mim. Ela me alcançou antes que eu tivesse a
oportunidade de pular na piscina. Sua mão segurou meu braço, me detendo
da próxima ação após meu shorts ir ao chão.
— É isso que você faz — ela me acusa quando a olho depois de
observar um pouco sua mão no meu braço. — Você age como um idiota
sempre que vê que as coisas não saem do jeito que está esperando.
Eu a ignoro e balanço o braço pra sua mão sair dali, então pulo na
piscina, mergulhando por um tempo. Tentando fazer toda a água lavar
minha mente. Mas é impossível lavar uma mente tão fodida, e eu quase ri
de mim mesmo.
Quando emergi de volta, encontrei Lucy sentada na borda da piscina,
os pés dentro da água, olhando pra cima. Definitivamente estava uma tarde
perfeita. O Sol já indo se pôr. Um calor agradável. O lilás do céu. E… Bom,
tudo.
A única coisa que não foi agradável mesmo foi Lucy ter me dito coisas
desnecessárias. É, eu não gostei mesmo, mas não dava pra deixar assim.
Não dava pra me agarrar só nisso, nela falando coisas desenfreadas, e
permitir que isso estragasse nossa viagem. Eu tinha que consertar aquilo.
Não foi uma desculpa pra fazer o que fiz, eu realmente não quis que
nossos dias aqui se resumissem em indiferença e frieza.
Então eu nadei até Lucy e segurei seus joelhos, chamando sua atenção
imediatamente. Ela me olhou alarmada, mas o restante do que houve eu
preferia não relatar com pesar, entretanto não tem outro sentimento que
descreva melhor o que senti depois que tudo aquilo acabou.
— Aí está você — Lucy tira a atenção do céu e a dá pra mim, não
fazendo tempestade pelo meu toque. Aquilo foi estranho, eu esperei uns
gritos depois do que falei na cozinha, mas nada. — Mais calmo?
Eu não respondo, apenas faço minhas mãos deslizarem pra cima,
alcançando as coxas macias, passeando por dentro da blusa, o calor todo
dali me atingindo de imediato.
O suspiro de Lucy é o que me motiva a continuar. Separo mais suas
pernas e ela me permite chegar mais perto, me deixando levantar sua blusa
e ver sua ausência de roupa por baixo. Um castigo, eu pensei. Muito mais
acessível do que na primeira vez que a toquei. Ainda mais calor. E mais
devastação pra minha mente.
O gemido baixo dela não me deixa remoer nada a respeito disso. Do
que fazer, se vou parar, que não é melhor assim… Passo as mãos por baixo
dos seus joelhos e a puxo mais pra frente, Lucy soltando um gritinho
quando se ajusta pra se inclinar para trás e quase deitar no chão, os
cotovelos apoiando-a para que consiga olhar minha cabeça entre suas
pernas.
Uso os dedos para abri-la, sugando o ar com força pelo contraste na
pele delicada, macia e brilhosa pelo calor. Lucy ficou molhada assim por
nada? Eu ainda nem toquei nela direito.
Mas me sinto muito envolto em um algum tipo de névoa pra pensar
nisso, no que a levou tão rapidamente a um desejo óbvio, e apenas
aprofundo um dedo pra dentro dela, seu calor doloroso e a forma como
umedece meu dedo me fazendo grunhir.
Olho pra cima, encontrando os olhos dela em perfeita atenção em mim.
Mesmo que estreitos, pesados pelo desejo, seus lábios entreabertos, a
respiração quase roubada pelo peso da nossa atração física.
— Eu quero ter você — admito, enfiando meu dedo nela de forma
ritmada e imparável.
Lucy abre mais a boca, buscando algum ar antes de responder em
tropeços.
— Você… Você pode me ter.
— Não — balanço a cabeça. — Não assim. Só assim. Eu quero entrar
em você, estar em você. Tão fundo que você não vai conseguir pensar em
mais nada que não sobre estar sendo... — minha. Patético, Ryan. —
consumida. Eu quero te fazer se sentir tomada, completamente consumida.
Lucy engole em seco e depois lambe os lábios, mordendo-os num
reflexo inerente enquanto agarra os seios por cima da blusa e os aperta.
— Não faz isso também — enfio um segundo dedo nela, que entra
com um pouco de dificuldade, mas logo desliza fácil por como fica
molhado. — Não faz assim com a boca, me deixa louco pra provar ela no
meu pau. Fico louco pra meter nela sem parar, te fazendo engasgar e ver
você lacrimejar, implorando pra eu parar, mas isso só me faria ir mais fundo
e mais rápido, e quando você não aguentasse mais, eu ia te colocar de
quatro e te comer.
Lucy geme, se remexe e eu sinto o resultado disso entre suas coxas,
como ela se ondula ao redor dos meus dedos, me dizendo que quer, ela quer
isso. Ela me quer. Meio óbvio, porque todas me querem.
… mas Lucy me quer... é um sentimento diferente... eu sinto a entrega
de novo.
E, agora, não me arrepia ou empolga, mas me desespera.
— Eu quero um beijo — o pedido rouco e desesperado dela me faz
cessar o movimento dos dedos, arrancando seu protesto, que sai num chiado
contrariado enquanto sinto-a se estreitar toda por dentro, pedindo mais.
— Quer? — dou um sorriso, puxando os dedos ensopados de dentro
dela e trazendo-os à boca, onde limpo e sorvo todo o seu sabor enquanto
encaro Lucy, que arregala os olhos e depois solta um suspiro profundo. —
Responde. Não vou me mover até você dizer de novo.
— Quero — ela responde quase por cima de mim, embora mais baixo.
— Isso é maldade.
— O que é maldade? — me afasto pro lado, o suficiente pra me apoiar
na borda da piscina, pegar impulso e sair da água, ficando ao lado de Lucy.
Eu seguro seu ombro e a incentivo a deitar, o que ela faz muito
rapidamente.
Puxo sua blusa mais pra cima, trazendo à luz os seios perfeitos e
médios, me inclinando para encher minha boca com um, sugando e
chupando, ouvindo Lucy gritar; depois com o outro, mordiscando e
lambendo.
Levanto a cabeça só pra vê-la louca, o corpo agitado. Dou mais uma
olhada nela inteira, agora com respingos de água pela barriga, os seios
molhados também da minha saliva, a blusa levemente úmida.
Lucy cruza as pernas e as separa, esticando-as e juntando, atrás de
alguma fricção. Deito ao seu lado e puxo sua perna esquerda pro meu
quadril, espalmando uma mão na sua barriga e vendo-a arquear pelo toque.
Levo a boca ao seu ouvido enquanto arrasto a mão pra baixo, mas não
o suficiente.
— O que é maldade? — repito.
Lucy respira um gemido, virando a cabeça contra minha voz. Nossos
olhares se cruzam e ela parece alucinantemente excitada.
— Você e seus toques — ela olha minha boca. — É tudo tão
aparentemente errado, mas irresistível.
Por que tudo é aparentemente errado?, quase perguntei. Mas não
exigia uma resposta. Eu era o erro da equação.
Então eu preferi dar o que ela queria. O beijo. Me inclinei e juntei
nossas bocas.
Lucy geme profundamente, agarrando minha nuca com uma mão,
garantindo que eu não saia do seu alcance. Sua língua invade minha boca,
exigente, sua respiração descontrolada, sinto isso na minha mão que ficou
na sua barriga.
Subo a mão pra tocar e apertar seus seios de novo, descontando a
pressão dentro da minha calça. Lucy imediatamente separa a boca da
minha, recolhendo fôlego.
— Minha nossa — sua mão agarra meu pulso e ela me encara com um
olhar carnal, que não pareceu só isso.
Tive a impressão de ver algo mais, mas já tava muito nesse joguinho
pra me conter, então desci a mão mais um pouco e voltei a meter os dedos
dentro dela, assim como ia fazer com o meu pau em breve.
Meus dedos deslizam tão facilmente que, enxergando e percebendo o
óbvio desejo dela, coloco um terceiro dedo, rosnando pelo jeito que
instantaneamente Lucy alcança o clímax, gritando o meu nome e arqueando
ao meu lado, enchendo meus dedos com seu prazer e me fazendo perceber
que…
Lucy se entregou e, dessa vez, isso acabou comigo.
Capítulo 27

Eu me sinto esquisita. Tenho tido muito dessa sensação perto de Ryan.


Não consigo explicar. Nesse momento, apenas o sinto retirar os dedos de
dentro de mim, me causando um calor crescente, então ele se senta, ficando
de costas para mim.
É um momento completamente distinto da primeira vez em que ele
esteve com as mãos no meu corpo. Apesar de o prazer ter sido maior, pelos
toques serem maiores e mais firmes... uh, há algo gritantemente diferente.
Ryan está diferente e eu poderia afirmar que ele ficou triste depois do
que acabou de acontecer.
Então eu fecho as pernas e também me sento. Dou uma olhada no cara
ao meu lado, aparentemente distante e recolhido na própria cabeça. Ele tem
um turbilhão que ainda não sabe lidar.
É só o que posso considerar ser justificável. Ele mesmo disse, é sua
culpa como age. Ele concorda que tudo que faz é remoer o passado. Eu
causei uma ruptura nisso, em seus pensamentos, mas também o fiz lembrar
de tudo ruim. Quero dizer, como alguém que lida com tantas divergências
consegue ser tranquilo, são? Não consegue.
— Eu quero sair à noite — digo, esperando-o me olhar, mas isso não
acontece.
— Boate, passeio ou restaurante? — ele pergunta depois de uns
segundos, a voz pesada. É inevitável ouvi-lo durante um momento íntimo e
não querer mais e mais.
— Hm, restaurante — afundo os pés na piscina outra vez, a água mais
fria que morna. — No que você está pensando?
Ele ri, me fazendo erguer as sobrancelhas.
Seus olhos se voltam para mim e o sorriso contagiante que vejo na sua
boca não tem a ver com a postura que ele se encontra.
— Eu não tô pensando em nada — ele me encara por uns segundos
antes de desviar para a piscina outra vez. — Preciso ligar pro meu irmão —
ele se levanta. — Você pode se arrumar e a gente se encontra na sala em
meia hora.
Fico observando Ryan sair da área da piscina sem olhar para trás, me
deixando sozinha para esperar meu raciocínio voltar e também a força nas
pernas.

Encontro-me devidamente pronta na minha calça pantalona azul escuro


e uma blusa curtinha preta, apenas de alças, o que condiz muito com o
clima daqui. Deixei meus cabelos soltos e coloquei apenas rímel, blush e
um pouco de base debaixo dos olhos. Nada extravagante, exceto pelos meus
saltos.
Eu adoraria estar com algo mais baixo, mas Julie fez questão de enfiar
na minha mala o salto mais alto que tenho. Um que não uso nunca e já
deveria nem tê-lo mais.
Ryan está demorando. Já faz mais de vinte minutos que cheguei na sala
e nada dele. Estou me levantando para procurá-lo quando ele aparece vindo
do mesmo corredor que leva a cozinha. Está mastigando algo e não para de
caminhar, passando em frente ao sofá que estou e indo adiante.
— Vamo nessa? — ele me chama, me fazendo segui-lo.
Observo-o ir à minha frente, bem vestido em uma camisa social e calça
escura, com sapatos brancos nos pés. Seu cabelo está molhado, num
penteado perfeito. Ele é perfeito.
— Conseguiu falar com o seu irmão? — pergunto quando chegamos
ao seu carro.
Ele me olha quando alcança o lado do motorista e apenas balança a
cabeça de forma positiva.
Ignoro sua alteração clara de humor e entro no carro quando ele faz o
mesmo. Coloco o cinto de segurança e deixo minha bolsa nas pernas. Não
estou com raiva, nem perto disso, mas… por que parece que Ryan fez
questão de erguer um iceberg entre nós de repente?
Permaneço calada enquanto ele tira o carro da casa e nos leva para
fora, logo mais se juntando aos outros veículos da pista, que tem um
movimento fluído para o horário.
— Sem trânsito… — divago após algum tempo em silêncio.
— Sorte — Ryan mal responde, o que está comendo fazendo-o ter
dificuldade. Ele abre a janela do seu lado e cospe para fora o alimento, me
fazendo estreitar os olhos. — Quer ouvir música?
— Acho que não — solto um suspiro desgostoso. — É muito longe?
— Não — ele aponta para frente, indicando o céu. — Tomara que não
chova ou vamos ter que ficar em um hotel.
— Por quê?
— É mais seguro — responde apenas, mas não pergunto mais nada.
Ele conhece o lugar, sabe do que está falando.
Nossa viagem é tranquila e fico o tempo inteiro vidrada no caminho.
Muitas lojas, muitas pessoas, um fluxo maior em alguns lugares; menor em
outros. É agradável, eu gosto. E preciso admitir que estou mais que ansiosa
para provar mais das comidas daqui.
Ryan estaciona ao lado de um restaurante com paredes de vidro e a
fachada vermelha com algumas estrelas amarelas, seu interior estando
lotado aparentemente.
— Você fez reserva? — pergunto, tirando o cinto de segurança.
— Não, mas eu não preciso.
Ele sai do carro, batendo a porta. Faço o mesmo, sentindo que vamos
ter que ir em busca de outro restaurante, porque esse com certeza não tem
mais lugares.
Seguimos até a entrada, onde somos recepcionados por um homem que
nos cumprimenta no idioma do lugar. Ryan responde com fluidez, da forma
que ele sempre consegue ter com todo mundo. E logo mais estamos
entrando, uma segunda recepcionista nos encontrando.
Essa Ryan parece conhecer. Eles se cumprimentam com beijos e
abraços, e o que imagino serem perguntas. Ele gesticula para mim, e só
entendo o meu nome. Mesmo assim dou um sorriso e aceito o aperto de
mão da jovem.
Ela nos conduz até um lugar como a parte externa do restaurante. Um
tipo de varanda com duas mesas apenas, cada uma com quatro cadeiras.
Na mesa da esquerda, a garota leva duas das quatro cadeiras para a
outra mesa, deixando-a apenas os lugares para mim e Ryan. Ela não nos
entrega o cardápio, apenas diz algo para Ryan e me dá um sorriso antes de
se retirar.
Ficamos a sós, ele e eu, debaixo do céu escuro, a lua tímida acima de
nós sendo quase muito pequena embora muito brilhante; e com os carros na
pista a alguns metros sendo nossa plateia. Gosto disso e por isso estou
sorrindo.
— Não vai sentar? — a pergunta me faz olhar para a mesa, onde Ryan
já está sentado, de olho na pista.
— Vou — puxo a cadeira e me sento, colocando a bolsa no chão ao
meu lado, visto que essa cadeira não tem o ganchinho.
Olho meu acompanhante, perdido no próprio pensar. É muito
diferente estar com Ryan. Com toda certeza ele é o cara mais diferente com
quem já saí.
— Não sei muito sobre você — ele diz de repente, virando a atenção
para mim, que já estou olhando-o. — Tem facilidade pra se relacionar?
— Em que sentido? — devolvo outra pergunta. Acho que não gosto da
palavra "relacionar" na boca de Ryan. Soa muito séria, e ele não é sério.
— Quando foi seu último relacionamento? — ele é mais enfático desta
vez.
— Há dois anos, pouco depois de eu começar a trabalhar — expiro ao
me lembrar do meu ex-namorado Rick.
— Quem terminou?
Estreito o olhar.
— E isso é relevante por quê? — quero saber.
— Não é, só tô curioso.
Me endireito na cadeira, dando uma olhada na pista de novo, a brisa
fria atingindo meu rosto e meus cabelos, que eu passo a mão rapidamente
para alinhar os fios.
— Ele — respondo, agradecendo quando a amiga de Ryan volta com
duas bandejas. Eles conversam um pouco com sorrisos e risadas enquanto
ela nos serve.
Dou um sorriso em agradecimento, pegando a garrafa de água que
chegou e despejando no copo, bebendo alguns goles.
A garota se retira outra vez e Ryan se serve de uma bolinha das muitas
que tem em um prato, mastigando enquanto repara no fluxo dos carros.
Eu o imito, me servindo também com uma. A sensação assim que
mastigo me joga na lua e me devolve ao assento. Que delícia.
— Que coisinha gostosa — comento.
— Qual foi o motivo? — ele indaga.
— Motivo do quê? — pego outra bolinha, fechando os olhos assim que
mastigo e sinto o sabor.
— Do término, Lucy.
Seu tom brutal me faz abrir os olhos e encontrar Ryan me encarando
com um semblante impaciente.
Suspiro.
— Bem, ele dizia que eu não tinha mais tempo para ele ou para o
nosso relacionamento — escolho um pãozinho quadrado de outro prato,
delirando no sabor. — Aí disse que queria terminar, porque não daria para
continuar. Foi isso.
— Ficaram muito tempo juntos?
— Quase um ano — me entusiasmo em escolher outros quitutes.
— Mais algum outro namoro?
— Antes do Rick, eu tive meu primeiro namorado. Foi mais mágico —
dou um sorriso, pegando mais uma bolinha. — Tudo era magicamente
perfeito. Sorrisos e risadas, muito apego e muito cuidado, e tudo aquilo do
primeiro namoro. Você sabe como é.
— Não sei — a resposta dura de Ryan me faz parar de mastigar. — Eu
nunca namorei.
Ele parece não reparar na minha reação ante a resposta, porque
emenda:
— Ele terminou também?
— Foi — assinto e complemento: — Antes que pergunte, ele viajou
por causa da faculdade e disse que não poderia prometer a segurança que eu
merecia. No quesito fidelidade.
Ryan bufa uma risada e eu poderia ficar ofendida, mas não me importo
mais com meus ex.
— Você brigou pra ele não terminar? — ele quer saber.
— Não, mas eu fiquei triste uns dias. Depois passou. É como dizem —
relaxo na cadeira —, tudo passa e nada é para sempre.
Os olhos de Ryan nublam e ele os direciona outra vez para a pista.
— Por que você nunca namorou? — pergunto. Ele faz bem o tipo que
todas querem namorar.
— Nunca tive vontade — dá de ombros. — Se exige muita
necessidade de presença em um relacionamento e eu não gosto de sentir que
alguém precisa de mim, física ou de qualquer outra maneira. Sou um
homem livre.
— Hm — avalio sua resposta. — Realmente. Com esse pensamento,
tem que ficar solteiro mesmo.
— Mas também nunca senti aquilo que precisa sentir pra ter que pedir
alguém em namoro — ele completa.
— Aquilo o quê? — pego mais uma bolinha e enfio toda na boca. Vou
estar cheia quando o jantar chegar.
— Paixão, sei lá — Ryan responde, parecendo ter dificuldade para
pronunciar a palavra. É como se não quisesse responder ou quisesse
responder muito depressa para se livrar do peso que parece lhe causar. —
Estar apaixonado, amando, ou qualquer merda dessas que dizem que dá pra
sentir.
Dou um risinho.
— É impossível você nunca ter se apaixonado — digo. — Impossível.
— Não me lembro de sentir algo... — ele escolhe a palavra — tão
arrebatador quanto meu irmão diz sentir, ou o meu primo — Ryan gesticula
enquanto olha para o nosso cenário ao lado. — Eles são loucamente
apaixonados pelas esposas. Dá pra ver na cara deles aquilo incomum e que
não se dá pra entender com, sabe, palavras. É como se eles encontrassem
nelas a resposta pra tudo.
— Hm… — meneio a cabeça. — Deve ser invejável.
Ele ri, desdenhando com uma mão.
— É só incomum — me olha e me percebe mastigando. — Gostoso?
— Indescritível! — respondo tapando a boca cheia com uma mão. —
Obrigada, me sinto no paraíso.
Ele ergue uma sobrancelha, dando um sorriso curto.
— É bom saber que alguém se sente no paraíso comigo não sendo na
cama.
— O que significa? — quero saber, colocando as mãos sobre o colo
debaixo da mesa. Não vou comer mais essas pequenas delicinhas ou não vai
sobrar espaço para o jantar.
— Que geralmente sou dor de cabeça, problema, carga pros outros.
Coisas assim — ele bufa, revoltado e triste. — É bom viver algo diferente
disso com alguém.
Apenas sorrio, assentindo.
Fico feliz que eu esteja proporcionando algo bom a ele, mas não vai
ser uma surpresa se daqui a pouco Ryan se reprimir de novo e ficar cativo
dos próprios pensamentos, me excluindo totalmente disso até o momento
que ele quiser.
— Eu gosto de jazz — digo como para continuar a conversa e nos tirar
da área minada do papo. — De instrumental também. Geralmente ouço
depois do trabalho. Me ajuda a relaxar. Também gosto de filmes. Terror é o
meu gênero favorito e eu acho que os filmes Sexta-feira 13 não se
qualificam para o terror.
Ryan sorri.
— Gosto de comédia — acrescento. — Todo Mundo em Pânico 2 é o
meu favorito, seguido do 3 e de Miss Simpatia 2. Eu também gosto de
desenhos antigos e de ver canais de receitas fitness. Não que eu seja fitness,
só gosto de ver porque me dá sono.
— Uau — ele sibila. — Isso tudo não tem nada a ver com você.
— É que você não me conhece bem — o relembro e vou adicionar
uma pergunta quando a garota volta.
Dessa vez, com um segundo homem, que é o garçom. Ele enchem
nossa mesa com vários pratos fumegantes e com um cheiro matador. Eu
suspiro de antecedência, minha barriga implorando por provar depressa.
Ryan conversa um pouco com eles e logo os libera, nos deixando a sós
outra vez.
— Pode se servir — ele gesticula a mesa.
— E você?
— Vou depois de você.
Não discuto ou rebato, começo a me servir. E antes de comer, adianto:
— Vou querer saber mais de você também.
— Você já sabe o extremo sobre mim, Lucy — ele faz pouco caso.
— Eu sei o que te causa dor, não o que te faz feliz — pondero. — Bom
apetite para nós.
Começo a comer sob o olhar atento de Ryan, não me incomodando
nem um pouco.
Capítulo 28

Fui mais calma dessa vez. Não comi como se o mundo fosse acabar
amanhã. Estou levemente cheia, mas nada como antes de vir para o Brasil,
que não consegui sequer levantar da cadeira do restaurante.
Ryan terminou primeiro que eu e ficou com a atenção nos carros e não
em mim.
Começo a bocejar e me sentir mole, um indicativo do meu sono.
— Já terminei — digo olhando a pista também, instantes depois de
acabar de comer.
— Ótimo — seu olhar vem lentamente para mim. — Podemos ir
embora e eu faço a sobremesa em casa — ele se levanta, me fazendo erguer
o olhar para focar seu rosto. Por que ele tem que ser tão rápido? — Precisa
de ajuda pra levantar?
— Não, só estou mole e consequentemente mais lenta — empurro
minha cadeira para trás e me levanto. — Obrigada por ter me trazido aqui
— acrescento. — A comida é excelente. Os gostos são incríveis.
— Por nada — ele gesticula para eu sair na frente. E eu vou, Ryan me
seguindo.
Estamos perto do seu carro logo mais e me viro para quase dar de cara
com o seu peitoral, mas ele freia antes de isso acontecer. Seus olhos se
estreitam e ele me questiona em silêncio.
— Não vi você pagando a conta — observo. — Você conhece o dono,
pode comer de graça?
— A dona — ele passa por mim e vai abrir a porta do carona, me
esperando aproximar para entrar. Antes disso, no entanto, o espero
completar a resposta. — É o restaurante da minha mãe.
— Oh — deslizo para dentro do veículo, esperando Ryan se colocar ao
meu lado, então emendo: — Pensei que o restaurante da sua mãe fosse em
Nova Iorque.
— Também. Ela tem em muitos lugares — ele liga o carro e nos tira do
meio-fio.
— Que demais. Deve ser muito bom ter acesso a restaurantes incríveis
assim.
— Se acostuma com o tempo — ele tem tanto desdém na voz.
— Você deve impressionar as garotas com quem sai — divago. —
Fazendo-as comer uma comida de primeira.
Ele ri.
— Geralmente impressiona mais que elas sejam a comida de primeira.
— Esse comentário nem me alarma — finjo desdenhar, mas sei que ele
está falando sério. Ryan leva mesmo a sério sua parte no sexo, ao que
parece. Ele é viril e fala umas coisas que parecem chocantes, mas são
ardentemente satisfatórias quando meu corpo fica quente por causa dele.
Dou um suspiro curto ao me lembrar do que tivemos hoje mais cedo na
piscina. Aquilo foi tão surreal. Eu não senti o corpo e ao mesmo tempo
senti tudo. Houve algum tipo de conexão entre nós e tudo que ele falava se
refletia diretamente no meu corpo.
O jeito que ele me olhou, me tocou, desejou. Eu nunca, nunca, me
senti tão desejada. Foi tão quente, eu relaxei tanto, como nunca antes. Foi
como se nos braços dele eu não devesse me preocupar ou sentir receio,
porque nesse sentido Ryan exala uma firmeza, uma segurança, uma
determinação tão palpável, que não há hesitação ou vestígio de retração. É
instantâneo querê-lo.
— Você não sente falta? — a pergunta dele me rapta dos pensamentos.
Eu o olho, vendo-o concentrado na pista.
— Do quê? — questiono.
— De namorar.
Balanço a cabeça.
— Não.
— Por que não?
— Você pergunta demais — resmungo. — Estou bastante cansada no
momento para pensar em me desgastar com namoro. Eu mal consigo
descansar no fim de semana.
— Achei que o namoro era justamente pra dar um alívio da rotina.
— Exige muita necessidade de presença — o imito. — Não estou a
fim de doar minhas horas livres para alguém se eu posso descansar.
Ele ri.
— Você doou pra mim — argumenta.
— Você me tirou do trabalho, Ryan — suspiro em um agradecimento
audível. — E tem me levado para comer. Você é incrível — digo sincera. —
Além do mais, isso não é um namoro, somos amigos. — Apesar de tantos
toques.
Ele inspira.
— Somos amigos? — pergunta. — Desde quando?
— Desde que você tem se tornado frequente nos meus dias — cruzo os
braços e apoio a cabeça no banco.
— Alguns chamariam de amizade colorida — dá um sorriso curto. —
Falando em amigo… — ele não se estende no meu comentário. — Qual o
seu lance com o Brad? Já se pegaram?
Quase rio.
— Não — respondo. — Brad é como um conhecido muito querido.
— Ele sabe disso?
— Acho que sim — bocejo. — Por que a pergunta?
— Curiosidade só.
— Também estou curiosa — me viro na sua direção como o cinto de
segurança permite. — O que te deixa feliz?
Ele dá um sorriso atrevido.
— Sem ser isso de coisas carnais — saliento.
— Mas eu nem disse nada — Ryan se defende.
— Pensou que eu sei.
— Sei lá. Gosto de jogar, acho.
— Você não fala com o entusiasmo de quem realmente gosta —
aponto. — Deve ter algo mais.
— Não tem — ele nega.
— Filmes?
— Alguns, de ação — dá um suspiro cansado, obviamente farto da
conversa que nem começou. — Se importa se a gente for em um lugar antes
de ir pra casa?
— Nem um pouco — bocejo, desistindo das perguntas. Serei
persistentemente inconveniente em outro momento. — Vou tirar um cochilo
até chegarmos.
Me ajeito no banco confortável e fecho os olhos, não demorando muito
para o sono me pegar.
Sou acordada pelo som de vozes. Altas e risonhas. São vozes
masculinas, o que me desperta mais rapidamente.
Logo percebo que ainda estou no carro, mas sozinha. Olhando pela
janela semi aberta ao meu lado, vejo Ryan de pé ao lado de fora,
conversando com dois caras. Parecem ter a mesma faixa etária, bonitos e de
sorrisos fáceis. Consigo ouvi-los, mas não os entendo. Estão falando em
português.
Me remexo e pisco os olhos algumas vezes, me espreguiçando um
pouco antes de levar um susto com a batida na janela, e logo depois a porta
se abre ao meu lado, Ryan colocando seu rosto próximo ao meu.
Apressado demais.
— A princesa acordou finalmente — ele sorri. — Quero te apresentar
pros meus amigos de infância, vem cá.
— Eu acabei de acordar — protesto sonolenta. — Nem me situei
ainda.
— Não tem problema, só quero que te conheçam.
Ryan segura a porta aberta e levanto a cabeça para dar uma olhada nos
seus amigos, que já estão me observando. Com uma respiração funda, desço
do veículo e dou um aceno para os caras.
— Prazer em te conhecer — o mais alto se estica e me cumprimenta
com um aperto de mão.
O segundo apenas dá um aceno curto enquanto sorri e não diz nada.
Ryan começa a dizer algo e novamente só entendo o meu nome até ele
me explicar:
— Eu disse pra eles que você é uma amiga muito querida.
Dou um sorriso.
— Engraçadinho — cruzo os braços, dando uma olhada no lugar em
que estamos. Em uma rua longa e logo percebo que mais a frente há um
tipo de bar aberto, com pessoas conversando e bebendo ao lado de fora,
uma música alta tocando.
— Eles convidaram a gente pra beber e conversar, o que você acha? —
Ryan pergunta para mim.
— Você pode ir, eu vou entrar no carro e voltar a dormir.
Ele me avalia.
— Tá cansada assim?
— Nem tanto por isso, mas eu não bebo — explico. — E essa música
que está tocando também não agrada meus ouvidos.
— A madame é muito enjoada — ele ironiza, voltando a atenção para
os amigos. Eles conversam mais um pouco e depois Ryan se despede com
abraços rápidos. Os rapazes acenam para mim em despedida e começam a
se afastar de volta ao bar. — Vamos embora.
Entramos no carro e Ryan rapidamente dá partida, nos tirando da rua e
levando para a pista.
— Onde você arruma tanto sono? — ele quer saber.
Dou uma risadinha, pigarreando em seguida.
— Achei que eu estava de folga uns dias — murmuro. — Foi só um
cochilo, aliás. Nem dormi tanto.
— Falando nisso, o seu chefe me ligou porque o seu celular não pega
aqui.
Quase cuspo de frustração.
— O que ele queria?
— Ele quer que você finalize o trabalho de um cliente específico.
Disse que é importante — sinto seu olhar voar em mim um segundo. —
Você pode usar meu notebook, sem grilagem.
Começo a massagear a testa com as pontas dos dedos, tirando a tensão
da área.
— Tudo bem — digo com um suspiro. — Deve ser coisa rápida.
Afinal, deixei quase todos os serviços prontos antes de desligar o
computador para ir me encontrar com Ryan no térreo e então sair em
viagem.

Chegamos em casa depois de duas horas, ou mais. Ryan ainda parou


para abastecer o carro e depois me levou para tomar sorvete em uma lojinha
pouco movimentada. Ele garantiu ser o melhor sorvete que eu iria provar.
E agora, antes de ir para o quarto, peço o seu notebook emprestado.
— Vou tomar banho e fazer o trabalho, aí durmo em paz — explico
quando ele fica me olhando atravessado depois do meu pedido tão depressa.
— Não quer fazer nada antes? — pergunta e ignoro a sugestão
implícita, dando apenas um sorriso.
Ryan balança a cabeça.
— Tá na cozinha, pode levar. Se você voltar e eu não tiver aqui, fui dar
um mergulho — ele avisa, ao que concordo, já saindo em direção ao
cômodo de destino. — Ah, Lucy — ele completa antes de eu sair —,
podemos ir na praia amanhã.
— Podemos — concordo.
— Não foi uma pergunta exatamente — ele sorri e, levando as mãos
aos botões da camisa, começa a desabotoá-la.
Não ficarei para presenciar a cena, então me volto para seguir à
cozinha e pegar o notebook. Encontro-o em cima da bancada e vou buscá-lo
para subir.
Momentos depois, já estou no quarto. Noto que deixei as portas da
varanda abertas e é impossível que eu não dê uma espiada, vendo Ryan lá
embaixo, já em braçadas na água. Ele é tão longo e bonito.
Mas tenho trabalho e eu não posso me dar ao luxo de ficar babando
por ele, então me volto rapidamente para ir ao banheiro e tomar banho.
Sou rápida nisso e, depois do banho, escovo os dentes e prendo os
cabelos em um rabo de cavalo não muito apertado. Não quero pressão na
cabeça enquanto eu estiver usando-a para trabalhar.
Apago a luz do banheiro e fecho a porta, indo para a cama em seguida
e abrindo o notebook, ligando-o imediatamente. Com certeza o trabalho em
questão está compartilhado no meu e-mail.
Assim que a área de trabalho aparece, procuro o ícone de algum
navegador. Não encontro, no entanto, o que me faz apertar na tecla iniciar
para digitar a procura, mas algo chama minha atenção. Os arquivos abertos
recentemente. Um deles, em específico. O primeiro.
"Relatos do Ryan".
Acho curioso e clico para ver. É um arquivo do Word, então imagino
que tenha algo escrito.
E vejo que tenho razão assim que o arquivo abre. O título, em negrito,
evidencia algo que eu jamais, jamais, esperava ser o estilo dele.

Em busca de qualquer coisa


que se pareça com uma história

Dou um sorriso, vendo que há muitas páginas escritas. É um tipo de


diário? Ryan tem um diário? Isso é empolgante. Minha frustração por meu
chefe ter me cobrado um trabalho foi embora.
Começo a ler a primeira página, descobrindo um pouco dos quatro
caras, sorrindo por saber que eles realmente não passam de idiotas –
excluindo um pouco Ryan dessa observação, agora que o conheço melhor.
É quase tão mágico quanto foi o meu primeiro namoro descobrir que
Ryan gosta de escrever. É o que o refaz e renova. Meu-Deus, isso é incrível
de um jeito que não sei explicar. Eu descobri algo sobre ele que poucos
sabem, que ele não conta. Acho que só seus melhores amigos sabem disso.
Dou uma risadinha no quarto vazio, indo para a segunda página. Será
que ele escreveu algo sobre quando se sentiu ofendido pelo que eu disse
quando o conheci? Vou vasculhar.
Não preciso procurar, obviamente está tudo aqui. Tudo mesmo, eu leio.
Mais que tudo, todos os detalhes, todas as minhas falas, tudo o que Ryan
sentiu. Oh, ele percebeu que eu estava entediada e coberta de ódio.
Percebeu meus olhos… e quis enfiar o nariz no meu pescoço? Dou risada.
Ele é doido.
Descubro também que Ryan não conseguiu dormir aquela noite. Por
minha causa e pelo que eu tinha dito. Tanto da sua foto no site quando pelo
que ele entendeu como ofensa. Fico triste, não era minha intenção.
Além disso, está claro aqui quando, depois de ter nos expulsado, ele
destaca a fala do seu amigo Samuel, que pergunta se ele está bem e em
seguida Ryan dá uma explicação: estresse causa crise na sua respiração à
noite.
Por isso ele sempre está de bom humor? Ou é mesmo da sua
personalidade? O estresse é incomum para ele? Porque parece que Ryan não
sabe se estressar. Ele fica perdido toda vez que isso acontece. E de repente
eu tenho tantas perguntas.
Continuo a ler, navegando pelos dias de Ryan, que são descritos
minuciosamente. Ele acha que eu o humilhei debaixo do seu teto? Isso é
completamente irracional. E parece que estou sempre inclusa. Em todas as
páginas. Sempre tem Lucy em algum lugar.
A noite na boate. Aqui também está descrito. Não sei o nível de
espanto em que me encontro ao descobrir que o meu amigo Brad não foi
atacado deliberadamente pela mulher na pista de dança. Ryan fez que isso
acontecesse para conseguir falar comigo. Meu Deus, ele é impossível, não
acredito nisso.
Passo os olhos depressa pela parte que ele chama meu vestido de
pedaço de pano e revela que ficou curioso. Ah, mas ele sempre é.
As páginas seguintes detalham melhor tudo o que ele sente. Muito
melhor mesmo. Notoriamente, para ele é mais fácil escrever do que falar.
Falando ele parece ter dificuldade. Isso parece surgir sempre que o assunto
em questão não o agrada. A dificuldade fica muito clara. Seu corpo
demonstra isso, em inquietude, e sua boca, em palavras rápidas e
desconexas uma da outra.
Continuo lendo. Ryan descreve cada mínimo detalhe. Tudo o que
viveu, as causas, o que sente, o quanto o perturba as possibilidades dos
cenários favoráveis para uma crise.
No caso, até onde estou lendo, eu fui o cenário favorável. O tempo
inteiro. Isso me aflige. Nunca foi intencional, eu sequer sabia o que ele
enfrenta.
Prendo a respiração quando chego nas páginas em que ele escreve o
que tivemos. A primeira vez. Os primeiros toques. O que ele sentiu. Ele
sentiu muito, o bastante para deixá-lo bem.
Preciso fazer uma pausa entre as linhas. Ryan conseguiu enxergar além
de um mero momento físico. Para ele, foi além disso. Acho que para mim
também, mas não consegui enxergar isso até agora.
Oh, aqui tem a parte que eu mordo a minha própria língua também. Eu
disse que deveríamos esquecer o que tivemos no sofá, que não voltaria a
acontecer, que não íamos jantar juntos e vejam só… Não apenas fizemos
tudo isso como ainda viajei com ele para outro país. Ah, não tirando da lista
que ele também é meu professor de violão.
Ryan tinha razão. Eu sou uma hipócrita.
Abismada, surpreendida, surpresa e muito animada por estar
conhecendo mais dele, eu continuo a devorar as próximas páginas.
Descubro que, quando estávamos no carro a caminho da minha casa depois
do nosso momento, e eu pedi que ele deixasse a música tocando porque eu
gostava do cantor, Ryan se perguntou como seria ouvir isso a respeito dele.
Que adorável. Essa parte nele é muito fofa. Não é carência, eu estava
errada, ele apenas parece estar sendo movido pelos sentimentos,
basicamente pelo que sente.
Tenho vergonha quando chego na parte em que ele já relata nossa
viagem. O dia de ontem. E de antes, no restaurante.
Ao que parece, sempre que Ryan consegue me fazer mudar de ideia,
isso o deixa feliz. É estranho saber disso, mas é a verdade. Ele escreve
sobre isso. Também descubro que ele tem vontade de saber como é
dormir literalmente comigo.
Essa descoberta, em especial, me causa um arrepio. Eu posso fazer
isso por ele. Deixá-lo dormir comigo ou... eu mesma ir dormir com ele no
seu quarto. Não é má ideia.
Não depois de tudo que acabo de descobrir.
Ryan destaca ainda que está sempre querendo me tocar e se controla
para isso não acontecer porque eu sou diferente de todas. Há algo que ele
precisa saber a respeito disso também, porque eu quero que ele me toque.
Mas agora não sei o que fazer. Eu poderia ler tudo isso? Eu poderia ter
invadido sua privacidade assim? Eu conto a ele e conversamos sobre?
Acho que é não para todas as perguntas, mas ainda assim eu fecho o
notebook, adiando o trabalho para amanhã, então me levanto e vou a
caminho do quarto de Ryan.
Porque esta noite nós vamos dormir juntos.
Capítulo 29

O estrondo no céu avisa que já chega de nadar. E aquilo não


funcionou, falando muito sério. Inventar de nadar não deu mesmo certo.
Então desisto de tentar apaziguar minha compulsão pela Lucy, a vontade
por ela, e saio da piscina.
Mais um estrondo acima de mim, me tirando um resmungo. Fala sério,
chuva justo quando venho. Como vai rolar a praia de amanhã? Eu já tava
sentindo o cheiro do mar e a sensação da areia debaixo dos meus pés. É
quase terapêutico. Muita vacilação chover.
Puxo a toalha da cadeira de descanso e passo no corpo pra tirar o
excesso da água, seguindo pra cozinha em seguida. Vou até o freezer,
capturo uma pedra de gelo e jogo na boca, odiando ter que fazer isso porque
talvez – um talvez com baixíssima probabilidade – evite o inevitável.
Essa merda vai acontecer a qualquer hora, eu meio que já tô
pressentindo isso, os arrepios no corpo estão me avisando isso. Dessa vez,
eu vou saber o motivo: tudo o que Lucy me faz sentir, mas que não consigo
entender e nem assimilar.
Não sei o que é. Não sei discernir, às vezes é bom, às vezes ruim. Não
sei se me faz bem, mas ainda assim quero ela perto de mim. Pode fazer mal,
mas também faz bem.
Sou um panaca por ser tão complicado assim, concluo enquanto deixo
a cozinha rolando a pedra de gelo na boca. Não tem outra descrição melhor
pra mim. Não poderia ser simplesmente fácil? Normal?
Passo pelo corredor da sala de estar rumo à escada, subindo dois
degraus de uma vez. Parar ao lado do quarto de Lucy é inevitável, tanto
porque estou no quarto da frente. Ela provavelmente ainda tá acordada no
seu trabalho e penso em bater na porta pra desejar boa noite. Mas isso
também seria brincar demais com os meus sentidos, e o gelo queimando na
minha boca me lembra que eu não tenho mais créditos pra gastar nisso.
Balanço a cabeça e vou à porta do meu quarto, me ocorrendo que, se
eu fosse um cara normal, as coisas entre nós estivessem sendo
diferentes. Obviamente estariam. Eu não a teria assustado de primeira, sido
inconveniente por causa da porra da minha cabeça, precisado me esforçar
pra fazê-la mudar de ideia a meu respeito, e só conseguido isso porque ela
ficou comovida depois que soube o que me aconteceu.
Se eu fosse um cara que não tivesse sido esfaqueado pelo avô,
conhecido a morte de perto, atingido toda a família com essa merda de
consequência depois do que houve, isto é, ser levado a morte
involuntariamente outras vezes, Lucy poderia me ver como um possível
pretendente pra se relacionar.
Eu não seria tão urgente, como ela me descreveu. E tentar ser
romântico não geraria estranheza nela. Dar um buquê de flores a ela
arrancaria um sorriso da sua boca deliciosa, como eu acho que acontece
com a maioria das mulheres, e não a faria se afastar de mim como se
estivesse me achando muito esquisito. Oferecer uma viagem a faria pular de
alegria e não ficar me encarando como se eu fosse um lunático perturbado
que não entende os próprios movimentos.
Se eu fosse um cara que tivesse a cabeça em um só lugar, ela me veria
de outra forma. Ela cogitaria me querer perto por gostar de mim e não por
ter pena de mim. Não seria como se compadecer pelo que me ocorreu, mas
sim se apaixonar pelo que eu sou.
Ah, pronto. Se superou, Ryan. Agora eu enlouqueci de vez nesse
caralho!
Realmente cogitei que estava enlouquecendo antes de abrir a porta –
não sabendo que, uma vez lá dentro, eu ia me sentir ainda mais
familiarizado com a ideia de estar louco.
E assim que abro a porta, meus olhos se arregalam e meu coração
acelera, me fazendo cuspir o gelo no chão, não exatamente nessa ordem.
Não sei o que significa estar vendo Lucy na minha cama, com um
sorrisinho, como se tivesse intencionalmente me esperando.
— O que você... Você tá bem? — é a minha pergunta de impulso. A
mais razoável, ao que parece. Não faz sentido o que tô vendo.
— Estou — ela estica as pernas na cama e fica me encarando.
Abruptamente séria e depois mais suave, abrindo outro sorriso no meio da
sequência.
Que sinistro.
— Agora é você que está me olhando como se estivesse com medo,
Ryan — ela observa.
— Deve ser porque nesse momento você que tá parecendo a esquisita
do rolê, Lucy — justifico e aguardo que fale o motivo de estar aqui no meu
quarto, na minha cama, deliberadamente, quase embalada no meu edredom,
me esperando, como se fosse tudo muito normal.
Só que não é. Essa atitude não é nem um pouco normal vindo dela.
— Bem — Lucy dá de ombros, como se tudo bem. Mas não tava,
aquilo ficou claro. — Eu só quero dormir com você. Me sinto muito
sozinha naquele quarto grande. Estou acostumada a dormir em um quarto
menor.
Eu teria acreditado, se ela tivesse dito a verdade. O jeito que os seus
olhos não encontraram os meus e ela falou de forma arrastada,
instantaneamente escancararam sua mentira.
Então eu fiquei dividido. Ou ela queria que a gente se pegasse de novo,
ou… Não teve um outro ou, porque não tinha mais nenhum motivo.
Mas Lucy não é do tipo que quer algo e não tem coragem de pedir.
Com certeza se ela tivesse me querendo, já tinha me atacado. Ou pedido. Eu
não sei, mas ela não faria isso de mandar indireta vindo se oferecer pra
dormir comigo. Não faria mesmo, ela não é assim. Então, que viagem!
Não que saber aquilo, que Lucy queria dormir comigo, não tenha me
feito transbordar por dentro, com uma euforia que seria palpável, se,
caramba, o acontecimento não tivesse vindo nessa circunstância.
E com essa circunstância eu quero dizer Lucy se colocando na minha
cama sem um motivo. Nem ela soube explicar. Foi confuso, e confusão não
era algo que eu tava precisando acrescentar nas que eu já tinha.
— Eu vou tomar banho — aviso, sem propósito. — Dá tempo de você
correr antes que eu volte.
Ela estreita os olhos, desconfiada.
— Está me expulsando? — questiona.
— Não, te dando uma chance de fugir.
E eu fui pro banho, tentando ignorar tudo, principalmente o meu pênis
duro que, espantosamente, tava me incomodando. Ele devia ter um cérebro
também e entender que não adianta ficar pronto se não vai ser usado.
Principalmente quando o motivo de ele estar assim deixou claro que somos
amigos.
Não sei o que eu esperava também. Tô sendo o mais fora de mim que
já consegui ser. Eu agradeceria em outra hora se alguma mina que peguei
dissesse isso. Amigos, sem compromisso, pra não encher o meu saco.
Mas Lucy bagunçou tudo. Como sempre. Ela bagunça tudo desde que
chegou. Só que ela também arruma e… sacudo os cabelos, tirando o
excesso da água… É uma confusão fodida o que ela consegue fazer.
Volto ao quarto com a toalha enrolada na cintura, por precaução. Tô
certo de que ela saiu daqui em disparada depois que entrei no banheiro,
mas, pro meu pouco espanto e maior aceleração do coração, encontro Lucy
no mesmo lugar.
Seus olhos se levantam pros meus e ela perdura seu olhar no meu, me
estudando.
— Por que não saiu? — quero saber, e eu não tive a intenção de
parecer áspero. Mas a minha voz saiu assim.
Não sei por qual motivo exatamente, talvez pela mistura de todos os
motivos, muito mais por ver Lucy ali, na minha cama, se oferecendo pra
dormir comigo, algo que eu tanto quis, e não era possível na minha cabeça,
e então é possível muito repentinamente, e pareceu que eu não ia suportar
tudo isso. Toda essa torrente de acontecimentos. Minha mente não ia
suportar.
— Não saí porque quero ficar — ela responde, puxando uma perna de
debaixo do edredom. — E a menos que você me expulse, eu não tenho a
intenção de sair.
Por que, Lucy?, quase perguntei de novo. Mas ela não me diria. Ela
não diria o real motivo e eu não ia me cansar perguntando. Eu precisava de
descanso, e tenho conseguido isso antes de dormir, quando escrevo. Mas
hoje, com ela aqui, isso não vai ser possível.
Foi quando me toquei que ela devia tá ocupada, porque tinha trabalho
pra fazer. Parece que, quando dei a notícia do seu chefe, ela ficou
perturbada. Então talvez seja isso, relaxa Ryan, Lucy tá fugindo do
trabalho. O lance não é você.
Deixo ela enquanto vou no closet vasculhar minha mala em busca de
uma calça moletom. Pego a primeira que vejo e descarto a toalha no chão
ao vestir.
Volto pro quarto mais tranquilo, certo que ela tá tentando ignorar os
trabalhos que tem pra fazer. E se pra isso ela acha que se refugiar no meu
quarto vai ajudar, tranquilo, ela pode fazer isso.
— Não pretendo dormir no chão, beleza? — aviso, indo apagar a luz.
Ela dá uma risadinha.
— Não achei que fosse — murmura. — Posso deixar a luz do abajur
acessa?
— Medo do escuro?
— Não, mas eu quero ter um pouco de iluminação.
Meneio a cabeça. Esquisita.
— Tranquilo — desligo a luz no interruptor e sigo pra cama, puxando
o edredom antes de deitar.
— Vai dormir com os cabelos molhados? — Lucy quer saber.
— Durmo com os olhos, madame, não com os cabelos — estico o
braço pra acender a luz do abajur ao meu lado da cama, pra dar a ela mais
da tal iluminação que quer, mas de repente meu braço tá sendo puxado, me
dando um susto. Muito mais quando vejo Lucy subindo em cima de mim,
montando no meu colo. — Que porra… Lucy?
Ela dá um sorriso antes de espalmar as mãos no meu peito e se ajustar,
procurando a melhor posição sobre mim. Mas nessa, ela pressiona meu pau
entre suas pernas, me fazendo sibilar um palavrão e fechar os olhos com a
sensação.
Acho que ela vai pular fora e sair correndo. Ela devia ter feito
isso. Isso é o mais esperado da Lucy que eu tenho visto. Mas ela não faz, ao
contrário, repete o movimento uma e duas vezes, me fazendo levar as mãos
na sua cintura, apertando e parando-a.
Quero que ela fuja, ela deveria fazer isso. Pro bem de nós dois. Mas eu
desisto de achar que ela vai ter essa atitude quando sinto-a se aproximar do
meu rosto e então sua língua varre pelo meu pescoço, me fazendo erguer os
quadris, arrancando um gemido seu.
É esse gemido alto que me traz ao meu corpo no mesmo segundo, me
fazendo abrir os olhos e rapidamente encontrar um jeito de sentar, ainda
com Lucy montada em mim, se negando a sair.
Ela passa as mãos nos meus ombros, se inclinando pra frente,
querendo me beijar. Mas isso tá muito, muito estranho. Estranho pra
caralho.
Desvio a boca do seu alcance, fazendo-a soltar uma reclamação.
Olho pro seu rosto, os cabelos bagunçados no coque e seus olhos
amarelos bem atentos. Linda, mas…
— Você não bebeu do vinho que tá na cozinha, né? — quero saber.
Ela expira, descrente.
— Não estou bêbada, Ryan — ela se inclina de novo e, dessa vez, pega
minha mão esquerda que está em sua cintura e direciona pros seus seios,
sua boca vindo no meu ouvido pra sussurrar: — Só estou querendo você e
para isso não preciso estar bêbada. É uma vontade muito consciente, pode
acreditar.
Meu peito se enche de ar, sendo difícil pra mim conciliar a confissão.
Eu sabia que era possível ela me querer, mas não sabia que seria
possível ela admitir isso.
— Me quer? — pergunto, espremendo seu seio na minha mão. Lucy
geme e morde minha orelha, me fazendo grunhir. — Quer onde? — insisto,
meio disperso, ainda deslocado.
— Em todos os lugares que o Ryan possa estar — a resposta vem
depressa, em um sussurro sedutor.
O que isso significa? O que isso quer dizer, Lucy? O que você quis
dizer? Estar dentro de você, em cima de você, do seu lado, na sua cama, na
sua casa, nos seus dias, na sua vida? O que você quis dizer? Quais são
todos os lugares que eu posso estar?
Foi desesperador e por isso ela não podia comandar a porra toda. Ela ia
me fazer enlouquecer de verdade.
Mas quando eu ia inverter nossas posições, ela não permitiu. Sua boca
se chocando na minha não deixou. O sabor do seu beijo me atingiu e me
deixou rendido a ela e ao seu toque, a tudo que ela queria.
Lucy puxou meus cabelos, conduzindo o beijo como quis, chupando
meus lábios, passando a língua na minha, se esfregando em cima de mim,
arranhando minha nuca até nos deixar sem ar, e então ela se afastou para
tirar a blusa pela cabeça e dizer, aqueles olhos amarelados brilhantes me
focando:
— Eu quero você, Ryan.
E quando ela puniu outra vez com mais um beijo enlouquecedor, eu
perdi. Perdi o controle de mim mesmo, da situação que poderia despencar,
das consequências que aquilo poderia me trazer.
Mas eu aceitei perder mesmo assim, porque perder pra Lucy foi o
mesmo que ganhar.
... mesmo que fosse só naquele instante.
Capítulo 30

Ryan me deixa beijá-lo como quero, arranhando-o o quanto quero,


tocando-o como quero, até que eu fique quente demais para apenas ficar em
cima dele.
Não é suficiente. Não depois de saber o que sei, de sentir o quanto toda
essa descoberta me aproximou mais dele, como se enfim eu pudesse ter
conhecido além da superfície de Ryan. Eu conheci o interior, a parte que ele
não conta. Descobri o que o perturba, estando eu inclusa nisso, e vou fazer
o que for possível para que isso mude. Que pelo menos em relação a mim
ele não se perturbe mais. Sobre essa parte, eu tenho o poder de ajudar. O
poder que ele mencionou em seu diário.
E de repente minha cabeça é impulsionada para trás quando meus
cabelos são puxados, me fazendo soltar uma respiração profunda. Ryan está
bravo? Espero estar enganada.
Sua língua quente vem de encontro aos meus seios, lambendo por
volta dos mamilos, um e depois o outro, Ryan me mantendo parada para a
sua adoração enquanto permanece segurando os meus cabelos.
Fecho os olhos para absorver da sensação um pouco, adorando o calor
da sua língua e o jeito natural que o meu corpo parece se entregar a ele.
A respiração pesada que sai da sua boca e se abafa em minha pele, me
deixa muito arrepiada, a ponto de eu agarrar seus cabelos e puxar, abrindo
os olhos para tentar suportar melhor essa sensação que parece nos
aproximar mais e causar um estrago dentro de mim.
Ryan está olhando para cima, para mim, seus olhos fenomenais
concentrados e avaliativos enquanto sua língua corre por meus seios de
maneira incansável, como se ele não tivesse pressa alguma – o que é
irônico, já que Ryan é apressado por natureza. Ele é a pressa.
O pensamento me faz sorrir e minha ação parece desnorteá-lo. Ele
levanta a cabeça, os olhos se estreitando enquanto observa meu rosto por
um momento antes de destinar a atenção para os meus lábios, seus
movimentos dos braços sendo ágeis quando ele me segura pela cintura e
leva meu corpo de encontro ao colchão, se ajeitando para vir junto comigo,
por cima de mim.
Minha respiração está curta e ansiosa, e eu estou feliz por estarmos
tendo esse momento. Esse momento que não foi nada planejado, que não
foi nem cogitado por mim e parece que nem por ele, mas que está
parecendo tão certo, tão fácil, tão simples, tão Ryan.
Seu rosto paira acima do meu um instante, ele me observando com
atenção. Parece querer descobrir alguma coisa, e quase fico apreensiva,
porque a culpa deve passar um instante por meus olhos. Eu vou dizer a ele
que li o seu diário, mas com certeza não agora e não tão logo.
Sua mão sai de debaixo das minhas costas e ele a usa para começar a
acariciar meu corpo, me fazendo remexer e ficar agitada, muito mais por ter
a atenção dos seus olhos nos meus.
Ergo os braços a fim de agarrar sua nuca e puxá-lo para mim,
angariando um beijo, porque parece muita sensação para suportar sem
compartilhar; mas Ryan se afasta antes que meu toque chegue até ele.
No momento seguinte, ele está nas minhas pernas, passando as mãos
por elas antes de por baixo dos meus joelhos, afastando-os e me abrindo
para ele.
Reviro os olhos de antecipação, me mexendo sobre os lençóis, o corpo
em combustão, até Ryan espalmar uma mão na minha barriga, uma ordem
silenciosa para que eu me aquiete.
Eu obedeço, o toque que parece simples enviando um calor absurdo
por dentro de mim, atingindo todo o meu corpo.
Olho-o a tempo de ver quando se abaixa, as mãos em minhas coxas me
mantendo de pernas abertas para sua língua alcançar meu sexo sem
hesitação.
Dou um grito esganiçado, meu corpo tremendo por esse primeiro
contato da sua boca, que não é nem perto do segundo, quando seus lábios se
fecham em torno do meu clitóris e Ryan o suga com maestria antes de
voltar a me lamber.
Estou resumida a um corpo tomado de desejo puro e enlouquecedor,
meus olhos fechados me ajudando a concentrar e absorver tudo que me é
proporcionado.
Ryan me ergue mais um pouco, para que sua boca me alcance melhor,
sua língua ondulando em minha entrada, me deixando desesperada; quanto
mais quando ele tenta enfiá-la dentro de mim.
— Ryan! — o chamo em um grito. Por nenhum motivo, o nome
apenas escapa dos meus lábios, como se fosse natural chamá-lo.
Ele volta ao meu clitóris, dedicando uma atenção especial a ele por
tanto tempo que fico zonza, me sinto zonza. Principalmente quando sinto
seu dedo ganhar espaço para dentro de mim, me levando a um patamar de
desejo que nunca estive, nunca experimentei.
Não é só o toque ou as sensações. É quem me toca, é o quê quem me
toca sente. É o que conheci sobre quem está me tocando. A mistura de tudo
faz um momento ser nada menos que marcante, impactante, memorável.
Estou dopada do mais completo desejo quando Ryan introduz um
segundo dedo em mim, me fazendo contorcer até os dedos dos pés. É
inexplicavelmente bom, sua língua voltando a me lamber, dividindo as
carícias com seus lábios tempestuosos.
E, sem mais suportar, eu desabo, me entregando ao resultado de tanto
desejo desperto.
Meu gemido entre um grito rouco se espalha pelo quarto, meu corpo
sensível em cada parte me deixando mais desesperada. Desesperada por
mais.
Quando abro os olhos, o rosto de Ryan já está sobre o meu, ele me
observando enquanto seus dedos permanecem lentamente incansáveis
dentro de mim, minha respiração difícil indicando que isso é difícil. Toda
essa ligação que é sexual, mas que está parecendo muito mais que apenas
isso.
Ryan se posiciona por cima de mim, seus dedos saindo do meu interior
e vindo aos meus seios, onde ele espalha a prova do meu prazer nos meus
mamilos, se inclinando em seguida para lambê-los.
— Ah, minha nos... Ryan! — agarro seus ombros e enfio as unhas, me
esticando por baixo dele, sua boca perseguindo meus seios, não me
deixando escapar das carícias até que fica insuportável aguentar.
Fica impossível. Então, com alguma dificuldade, consigo fazê-lo
levantar a cabeça e me olhar. Não gosto, imediatamente, do que vejo. Seus
olhos estão do jeito que aprendi a perceber que não gosto.
Repletos de vazio, tomados por uma vastidão de nada.
— Eu quero ter você, Ryan — sussurro.
Ele me encara, sem alguma reação.
Passo as mãos no seu rosto sem expressão e então enfio os dedos em
seus cabelos, baixando o toque para seus ombros, onde acaricio-o por um
tempo antes de voltar ao seu rosto. Traço com o dedo indicador o caminho
por entre suas sobrancelhas até a ponta do seu nariz. Dou um sorriso antes
de continuar descendo por sua boca até chegar ao seu queixo.
Não quebro nosso contato visual durante isso. Não quero que ele pense
demais, quero que perceba que estou aqui se ele precisar. Quando precisar.
Somos embalados por mais silêncio, Ryan ainda me olhando,
parecendo ser consumido por seus pensamentos – que descobri serem
muitos. São tantos! E a maioria são desgastantes para ele, então, tomada por
coragem e sede por ajudá-lo, eu me esforço para sair de debaixo dele.
Me ajoelho ao seu lado, vendo quando suas sobrancelhas se erguem,
em estranhamento. Mas não quero que ele pense muito e essa é a questão
mais relevante agora.
Ryan está se sentando quando minhas mãos encontram seus ombros,
induzindo-o a ir para trás e deitar. Ele tenta me segurar pela cintura,
evitando que os meus movimentos tenham êxito, mas saio do seu alcance.
Ele grunhe, frustrado aparentemente. E é a primeira característica do
Ryan que se manifesta, enfim.
Dou uma olhada no seu corpo deitado, metade da sua tatuagem
descoberta chamando minha atenção no cós da calça. Vou subindo o olhar,
ansiosa por provar cada parte dele, até perceber que sua vista está focando o
teto, como se ele não quisesse me olhar.
É difícil para ele isso também?
Balanço a cabeça. Não vou mastigar perguntas agora. Estou com Ryan,
que já parece ter bastante perguntas por nós dois, e pretendo fazê-lo
entender que não sou uma ameaça a sua sanidade. Nem para sua mente. Eu
nunca tive uma intenção ruim e nunca terei, e é isso que quero que ele
perceba.
Agarro o elástico da sua calça, puxando-a para baixo e lambendo os
lábios conforme sua ereção vai se revelando para mim e, quando o elástico
ultrapassa todo o seu tamanho, seu pau escapa da prisão do tecido com um
pulo, descansando em sua barriga, bem ao lado da tatuagem.
É uma visão muito sexy, que me deixa cheia de sede e vontade, e estou
me abaixando para começar a me esbaldar de Ryan quando minha vista,
focada em sua tatuagem, percebe que há algo mais além do detalhado
desenho de um leão erguido sobre duas patas enquanto parece que vai
atacar com as outras duas.
Meus olhos se estreitam e quero ver mais de perto, mas sem que Ryan
perceba. Então, levo uma mão ao seu instrumento que está repleto de veias
destacadas e começo a acariciar, o calor que toma a palma da minha mão
sendo abrupto e me tirando um suspiro enquanto seu corpo se agita no
mesmo instante.
Vai ser uma boa distração para ele enquanto tento descobrir o que tem
por baixo do leão.
— O que você tá olhando?
A pergunta vinda de cima me faz ter um sobressalto e encontro
amedrontada o olhar de Ryan, como se ele tivesse me pego fazendo uma
coisa muito errada.
— Eu estou… Estou vendo sua tatuagem — respondo, dando um
sorriso acanhado.
— Matando a curiosidade ou criando mais curiosidade? — seus olhos
se estreitam e sua voz está quase irreconhecível. Pesada, grave, difícil.
Deliciosa.
— Matando a curiosidade — fecho os dedos em torno do seu pau
quente e pulsante, Ryan expirando com força. — É um leão.
— É — ele afirma. — Você gostou?
Dou um sorriso, assentindo.
— Gostei, é uma bela tatuagem — então desisto da minha tentativa de
descobrir o que tem por baixo enquanto me ajeito para começar a distribuir
beijos por seu abdômen, me demorando um pouco em cada um, meus olhos
buscando a cicatriz do seu acidente.
Ryan volta a deitar a cabeça, fechando os olhos e trazendo as mãos aos
meus cabelos, apertando os dedos neles enquanto subo cada vez mais a
carícia até que, em seu peito, do seu lado esquerdo, eu vejo a marca.
É quase da cor da sua pele, mas mais nítida. Bem mais nítida, mas não
tanto para ser chamativa e perceptível vista de longe, tanto porque boa parte
dela some quando Ryan está com os braços caídos ao lado do corpo. Tem
um tamanho considerável e de repente sou tomada por um mal-estar.
Me sinto alarmada e não demonstrar é um desafio, então apenas tento
dispersar qualquer pensamento quando os dedos de Ryan projetam uma
força maior em meu cabelo.
Eu o olho, a boca entreaberta pelo meu desespero repentino. E se…
mais um pouco para a direita e para cima e ele não estaria mais... Ele está
aqui vivo! Repleto de cicatrizes interiores, mas vivo.
Seus olhos claros estão focados em mim outra vez e não gosto quando
ele solta um som de irritação, imediatamente me puxando para me levar de
volta ao colchão, se deitando por cima de mim, seus lábios vindo de
encontro aos meus e calando os meus pensamentos.
Meu ar se perde quando sinto o peso da sua ereção tocando entre
minhas pernas, o calor que me atinge sendo tamanho que me arrasto um
pouco pela cama.
Mas Ryan não permite que seja demais. Ele segura meus pulsos no
colchão, me mantendo no lugar enquanto se encaixa em minha entrada.
— Ryan, você não… — eu tento dizer, minhas palavras sendo
engolidas quando sua boca vem ao meu pescoço, chupando a pele sensível
dali. — Ryan — me esforço, pulsando ansiosa por sentir sua investida —, o
preservativo.
— Eu não trouxe — sua resposta arrastada me faz gemer. Isso não
pareceu ele lamentando.
— Droga, Ryan — reclamo, virando a cabeça de encontro a sua boca
que solta rajadas quentes em minha pele, os olhos fechados, o corpo em
necessidade extrema.
— Quer que eu pare?
A pergunta me despedaça.
— Não quero, mas… — meus quadris se erguem involuntariamente,
recebendo a ponta de seu membro, o que quase me faz engasgar e tira de
Ryan um rugido. — Ai, caramba! — chio, entorpecida. — Ryan, você
não…
Eu desisto. Não sei mais o que estou falando!
— Não vou gozar dentro de você — ele promete.
— Isso não é garantia, Ryan! — choramingo, me remexendo,
querendo-o mais, querendo que ele se mova! E me tome inteiramente.
— Nada é garantia — sua voz rouca se afasta quando ele liberta meus
pulsos e se coloca de joelhos entre minhas pernas, se aprofundando para
dentro de mim de uma única vez, em um único movimento, roubando o
meu fôlego e me deixando rígida por um segundo, enquanto absorvo a
sensação delirante. — Caralho! — ele enfim se move para fora, me fazendo
erguer a cabeça de olhos arregalados e então baixar, balançando-a para os
lados, em desespero.
— Mais devagar — eu consigo pedir, quase sem ar. — Já faz um
tempo desde que eu… — Não completo a frase, não é preciso.
— Desde a última vez? — mais uma estocada profunda, me fazendo
apertar os olhos.
— Nossa, Ryan, SIM!
— Mais devagar — ele concorda, mas repete o mesmo movimento de
mesma intensidade, causando uma pressão gostosa dentro de mim e meu
corpo começa a querê-lo repetidamente desse jeito.
— De novo, Ryan! — exijo, minhas mãos se erguendo, tentando tocar
seu abdome.
— Você gosta de me chamar — ele observa, me puxando mais para
baixo de repente, me fazendo recebê-lo no limite e eu quase tusso. — Você
sempre vai me chamar, Lucy?
Não sei o que ele quer dizer com isso, mas balanço a cabeça, em
concordância.
— Sempre, Ryan — garanto, não sabendo bem o quê. O meu
raciocínio me deixou faz tempo.
E Ryan não diz mais nada quando suas estocadas se tornam constantes.
Ele me preenche no limite de uma vez e se puxa para fora muito lento, me
fazendo enlouquecer por cada investida.
De repente seu rosto está acima do meu, ele mantendo seu peso sobre
os braços ao lado do meu corpo. Seu olhar está em mim, me observando, o
acumular do que sinto deixando os meus próprios olhos pesados, quase se
fechando.
Mas não quero deixar de olhá-lo. Porque Ryan está tão concentrado,
tão lindo, tão sério com os cabelos mais escuros por estarem úmidos e a sua
pele brilhante, com uma camada fina de suor.
É um momento tão maravilhoso e me deixa incapaz de qualquer coisa
que não sentir. Um sentir indescritível. Uma sensação inexplicável.
Talvez seja esse sentir que Ryan se referiu no seu diário e, sem
conseguir me segurar, levada por sensações, eu ergo as mãos para acariciar
do seu peito até os ombros enquanto digo:
— Eu também sinto, Ryan.
Ele não para de se aprofundar em mim depois de me ouvir, mas noto
seus olhos se estreitando, acentuando o verde, suas pupilas dilatando
conforme ele se inclina, aproximando o rosto do meu e deixando sua
respiração pesada me atingir antes de tomar minha boca em um beijo
controlado.
Totalmente paciente, ritmado, condizente com a forma que ele passa a
me preencher lá embaixo; Ryan se abaixando mais de forma que consegue
segurar o peso do corpo em um só braço enquanto o outro puxa minha
perna para enroscar em seu quadril, possibilitando que nossos corpos se
liguem no máximo.
Eu o abraço pelo pescoço, nossos lábios em um beijo cheio de sentido,
tendo um significado. Em todo o momento. Há um significado.
E começo a ficar zonza por tudo. Pela percepção, pelas minhas
próprias observações, pelo que Ryan sente e não aguento mais.
Minhas unhas cravam em sua nuca, seu rosnado me levando ao limite
quando o meu corpo é tomado por um orgasmo forte, se tornando intenso
pelo jeito que Ryan se esforça para não parar de se mover, nossas bocas
separadas enquanto sou atingida.
Não demora até o mesmo acontecer com ele, que rapidamente se
coloca de joelhos, saindo de dentro de mim, soltando um grunhido rouco
antes de gozar demoradamente entre minhas pernas, me deixando arrepiada
ao senti-lo assim, desse jeito, tão desse jeito.
Ryan expira pesadamente depois que os jatos cessam, seu peito
subindo e descendo fortemente enquanto seu olhar sobe, e sobe, até
encontrar o meu.
Dou um sorriso para o seu rosto bonito. É involuntário. Me sinto
satisfeita e feliz. Tivemos um momento maravilhoso e digno de muitas
repetições.
Mas seus olhos baixam de repente, sua mão passando pelo rosto
enquanto Ryan se retém para um lugar só seu.
Como sempre faz quando quer me deixar de fora.
Capítulo 31

Um pouco cansada, mas com certeza mais angustiada, me sento na


cama. Percebo que estou com mais fraqueza nas pernas do que imaginei,
mas preciso de um banho antes de dormir, então me levanto para voltar ao
quarto em que estou ficando.
— Eu vou tomar banho — digo para o Ryan abalado e de cabeça baixa
na cama. Ele não esbanja alguma reação e nem diz nada.
Saio do quarto para deixá-lo considerar melhor o que acabou de
acontecer. Eu não planejei, minha intenção era mesmo só dormir com ele,
mas é que não foi muito possível quando o senti perto, tão perto de
mim. Deliciosamente perto.
Chego ao banheiro e vou rapidamente para o box ligar o chuveiro.
Solto os cabelos e deixo o jato de água abundante cair sobre mim, meu
corpo sensível se arrepiando pelo contato com a temperatura fria.
Deixo a corrente de água me limpar da marca de Ryan e tenho o desejo
de que também me limpe da sensação de seu toque. Que vai em todos
lugares. Que consegue estar em todos os lugares. Em toda parte. Em cada
parte. Me enlouquecendo.
Solto um suspiro frustrado dentro do banheiro grande, abrindo os olhos
para encarar os azulejos da parede. Acho que fiz uma merda fenomenal ao
ter decidido me levar pelos sentidos.
Mas sou arrancada dos pensamentos quando ouço o barulho da porta
atrás de mim, então me viro, pelo vidro do box vendo-o chegar no banheiro.
Desligo imediatamente o registro do chuveiro, estranhando sua aparição.
Ele não é hesitante em se aproximar, abrir o vidro e se juntar a mim.
Não tenho tempo de entender a ação, porque Ryan agarra minha cintura
com uma mão e meu pescoço com a outra, me levando de encontro à
parede, seus movimentos me estremecendo.
Eu estou quase perguntando se ele está melhor quando sua boca se
choca na minha. Não tem em nada a ver com paciência como o último
beijo. Não. Ryan está me beijando furioso, soltando uns rosnados
profundos, do fundo da garganta, apertando meu pescoço, me fazendo ficar
nas pontas dos pés, totalmente tomada por repleto desejo outra vez.
Ele morde meu lábio inferior e depois enfia a língua na minha boca,
me beijando com uma inquietude que o deixa tremendamente poderoso.
Eu ergo as mãos para acariciar seu peito, mas ele se afasta com um
rugido, fazendo minhas mãos caírem no ar e meu suspiro de protesto ser
alto.
Não tenho tempo de olhá-lo muito porque Ryan está me virando contra
a parede imediatamente, meus seios sendo pressionados no azulejo
molhado, me deixando de lábios secos pela sensação deliciosa.
Ele procura por minhas mãos, em um toque urgente, puxando meus
pulsos para trás e segurando-os juntos nas minhas costas. E apenas a
sensação me leva ao torpor, me fazendo apoiar o rosto na parede, ansiosa
pelo que vai vir.
Não sei processar as mudanças de Ryan, mas acho que gosto dessa.
Sua boca logo está na minha nuca, sua língua se arrastando por minha
pele até, abruptamente, estar em meu pescoço. Eu me contorço, atingida.
Meus braços se mexem, mas Ryan aperta as mãos em meus pulsos,
indicando que eu devo parar.
A forma que exalo a respiração é por pura ansiedade. Eu o quero outra
vez, não há como não querer.
E de repente uma mão volta à minha cintura, me incentivando a
inclinar um pouco para baixo e, quando sinto a ponta úmida chegando em
meu sexo, eu engulo todo o ar do lugar.
Ryan mantém uma mão aprisionando meus pulsos e eu poderia puxá-
los se quisesse, mas não quero. Percebi que gosto de dar a ele o poder nesse
momento. Ao menos sobre meu corpo. Ele mencionou algo assim em seu
diário, que tenho poder sobre ele. Então ele também vai ter sobre mim, de
alguma forma.
Ele incita minha entrada com a ponta do seu membro, me fazendo
ofegar e quando, pouco a pouco, centímetro por centímetro, o sinto se
aprofundar em mim, amoleço.
— Que delícia, Ryan — deixo escapar, recebendo um tapa forte na
bunda, que me pega desprevenida e me tira um gemido mais forte.
Mas o fluxo da sensação não me atenta ao ardor da palmada quando
Ryan começa a se mover rápido e imparável.
Ele volta a algemar meus pulsos com as próprias mãos, empurrando
para dentro de mim com força e certeza, me fazendo quase chorar com o
rosto contra o azulejo.
Meu corpo está completamente rendido a ele, que me toma na força
que quer, do jeito que quer, e é perfeito para mim também, que o sinto
inteiramente. Tão inteiramente. E tenho vontade de senti-lo completamente.
— Ryan…
— O que você quer, Lucy? — ele grita a pergunta, parecendo
impaciente e irritado, o que me faz morder os lábios.
— Quero sentir você — engasgo pela sua estocada no limite, que me
faz arregalar os olhos. — Você... por completo — emendo.
— O que isso quer dizer? — sua voz está mais perto do meu ouvido,
me fazendo revirar os olhos pela rouquidão nela.
— Que você… — grito quando recebo mais um tapa na bunda, minhas
pernas ficando quase muito fracas. — Dentro de mim — recobro a voz. —
Quero que você goze dentro de mim.
Ele rosna.
— Isso, Lucy? — pergunta em estocadas poderosas. — Você quer que
eu solte minha porra dentro de você e te preencha toda? É isso que você
quer, caralho?
Gemo, enlouquecida. Ele é tão sexy xingando no sexo.
— Isso! — assinto.
— Por que você me pede isso, Lucy? — ele ainda parece irritado. —
Sabe que não vou negar nada pra você.
A resposta me faz gemer outra vez e me sinto pulsar de desespero
entre as pernas.
— Eu não quero que você negue — digo com a respiração curta.
— Não quer? — ele destila outro tapa, esse me fazendo gritar mais
alto, por quão forte foi. — Ah, você deveria querer!
— Não… — balbucio sôfrega, já sabendo que não sou eu mais
segurando meu corpo e sim Ryan, com as mãos e suas investidas
magníficas, que tiraram a força das minhas pernas. — Ryan…
— O que é, caralho!? — seu rugido enquanto ele me preenche no
limite me faz berrar.
Ryan de repente está enfiando uma mão por entre meus cabelos e
puxando minha cabeça para trás, me deixando esmiuçada.
— Fala o que é, Lucy — ele pede, maneirando a forma que se move,
sendo mais lento, mas não deixando de ser profundo. — Fala pra mim.
— Eu gosto tanto de você — confesso.
Isso o faz, imediatamente, afrouxar a mão no meu cabelo e parar de se
mexer, ficando metade dentro de mim, o que me faz pulsar mais avidamente
pela vontade do preenchimento completo.
Sua respiração profunda me deixa apreensiva, mas não me viro para
olhá-lo. Acho que estou dando muitas coisas para ele ter que considerar e
processar em um só dia, e preciso parar de me deixar levar pelos meus
sentidos. Ryan não esperava que duas das coisas que queria pudessem
acontecer. Uma depois da outra.
Ele respira fundo outra vez, uma mão apertando minha bunda antes de
voltar a se mover, mas lento agora. E é um péssimo sinal, significa que ele
pode estar pensando.
E a minha missão é não deixar Ryan pensar demais, então eu peço:
— Mais rápido! — e logo complemento: — Você acabou de dizer que
não negaria algo para mim e eu quero rápido, Ryan!
Ele dá um rosnado quase como um animal selvagem antes de quase me
jogar contra a parede pelo jeito que volta a se mover.
Não sei se estou aliviada por tê-lo tirado do seu redemoinho de
pensamentos ou preocupada pela força que ele usa agora.
— Ai, nossa, caramba! — estou em uma luta de me apoiar na parede
sem as mãos. — Ryan, eu não…
— Cala a boca, Lucy! — ele traz uma mão à minha nuca e continua
enfiando em mim sem parar. — Você me deixa louco, sabia disso? Louco!
Sabia. Sei, na verdade. Se for sexualmente, ok, aprovo; mas não quero
deixar sua mente louca, tenho vontade de dizer. Mas não posso, não ainda.
Ryan está incansável. Ele me deixa no escuro completo absorvendo
essa sensação deliciosa de tê-lo me preenchendo o mais fundo que
consegue, seu membro longo me fazendo delirar de prazer.
Do mais puro. Do mais absoluto. Do mais extenso e verdadeiro. Isso é
mais prazer do que pensei sequer existir.
O gemido rouco e alto dele me faz gemer também, e é o incentivo que
preciso para me entregar ao orgasmo, me deixando levar; enlouquecendo
muito mais quando sinto que Ryan expande e explode dentro de mim,
jorrando seu sêmen em meu interior com estocadas precisas, rosnando sem
parar.
— RYAN... nossa! — Eu não sei, estou sem fôlego, sou somente
respiração ofegante.
E ele também. Sua respiração pesada e ruidosa enchendo o box
enquanto ele continua investindo para dentro de mim, soltando até a última
gota da sua marca antes de passar uma mão por baixo do meu pescoço e me
puxar ao seu encontro.
Lambo os lábios, concentrada na sensação dentro de mim, que é tão
esplendorosa e…
— É a primeira vez que sinto — admito para ele, que começa a chupar
meu pescoço e escorregar as mãos pela frente do meu corpo, me mantendo
junto de si enquanto seu pau, pela posição, abandona meu corpo. Me sinto
imediatamente vazia.
— Que sente o quê? — sua voz está estrondosa, o que tem efeito
instantâneo em mim quando levo uma mão até o meio das pernas para
enfiar os dedos dentro de mim.
— Essa sensação — respondo entre um gemido. — De alguém em
mim — ronrono. — Você me deixa… ai.
— Meu Deus, Lucy — ele me vira de frente para si de repente, e me
apoio na parede, Ryan olhando para baixo e vendo o que estou fazendo.
Seus olhos se estreitam antes de ele voltar ao meu rosto: — Você é perfeita.
Vai se tocar pra mim?
— Por você — corrijo, enfiando os dedos mais profundamente por
senti-lo derramado em mim. É delirante. Muito delirante.
— Por mim? — ele me observa, a língua correndo pelos lábios
enquanto levo a mão livre para apertar um seio, completamente satisfeita
por estar tendo Ryan de plateia enquanto explodo de desejo por ele.
— Uhum, por você — concordo, os olhos quase fechando. Mas não
quero fechá-los, quero olhá-lo. Porque isso é incrivelmente prazeroso. Ser
observada por ele.
— Entendi — Ryan se aproxima, acabando nossa distância e me
fazendo engolir em seco quando sua boca vem ao meu ouvido para
sussurrar: — Sabe o que eu penso quando te vejo assim?
Aperto os olhos, incapaz de vê-lo pela sua proximidade, mas posso
senti-lo. Ouvi-lo. Eu posso ter Ryan. Eu o tenho.
Pelo menos, no momento.
— Não — sussurro, rouca de desejo. — O que você pensa?
— Eu penso que — as pontas dos seus dedos tocam minha barriga, me
fazendo contorcer, e então sobem lentamente, até sua mão alcançar o seio
que não estou tocando e apertá-lo, tirando o meu ar. — Penso que vou te
querer mais vezes. Que vou te querer muitas vezes, Lucy. E te dar mais
primeiras vezes que apenas essa. Penso que vou querer te fazer gozar tantas
vezes por mim até que...
Sua voz se enche de ar e ele suspira no meu ouvido, como se tivesse
lamentando ou algo assim, mas não tenho tempo de prestar atenção porque
estou quase lá outra vez e ele não vai parar agora. Não vai mesmo.
— Não ouse parar, Ryan — o repreendo. — Até que o quê?
Ele encontra minha mão entre minhas pernas, tirando-a dali para
substituir com a sua, então passa a acariciar meu clitóris com destreza e
precisão.
Ofego, entorpecida.
— Até que — ele continua — você sinta vontade de namorar comigo.
A declaração me pega no ápice e vou ficar em choque mais tarde,
quando o tesão me deixar e eu considerar que…
RYAN ME PEDIU EM NAMORO.
Capítulo 32

Meus olhos se abrem na direção dos seus e encontro Ryan me


observando atentamente enquanto mastiga o lábio inferior entre os dentes.
Parece preocupado.
Mas meu sorriso de satisfação e o meu suspiro satisfeito são altos o
suficiente para fazê-lo se inclinar, baixando a cabeça e trazendo os lábios
aos meus, me beijando com lentidão e adoração.
Suas mãos encontram meus pulsos e Ryan ergue meus braços contra os
azulejos, escorregando as mãos devagar por eles até uma carícia se iniciar
por meu corpo. Não tem em nada a ver com os toques pretensiosos de agora
há pouco. Não, ele só está me dando carinho.
E eu gosto tanto, tanto disso que baixo os braços para enroscar em seu
pescoço, correspondendo o seu beijo com igual vontade e tentando que seja
com igual carinho.
Isso o faz separar nossos lábios e colar a testa na minha, sua respiração
quente se abafando em meu rosto, e é uma intimidade extrema e tão certa
que eu só quero ter mais. Mais e mais. Por isso digo:
— Eu aceito, Ryan.
Ele nitidamente prende o ar, uma ação tão abrupta e perceptível que
me deixa atenta. Acho por bem acariciar seus ombros e braços, tentando
ajudar na recepção da resposta.
Ryan afasta a cabeça para perguntar:
— Você aceita?
— Aceito. Namorar com você — dou um sorriso, sem deixar de tocá-
lo, sua respiração enchendo o box.
Ele persiste me encarando por uns segundos até que balança a cabeça.
— Você não precisa querer isso só por...
Levo um dedo aos seus lábios, silenciando-o.
— Não tem um "só por" — esclareço. — Quero namorar com você por
querer, por gostar de você, porque nos damos bem e já nos conhecemos um
pouco.
Ele estreita os olhos.
— Um pouco — repete, desviando o olhar para pensar antes de voltá-
lo a mim. — Você não acha que é preciso que… sei lá, você esteja
apaixonada?
Dou um risinho, puxando seus cabelos de leve. Ele fica tão atrapalhado
tentando falar coisas simples. É encantador!
— E quem disse que não estou? — devolvo.
Ryan passeia os olhos por meu rosto antes de encarar meus olhos, me
dando um imediato calor por dentro do corpo. Esses olhos… não, não! por
hoje chega ou eu desfaleço.
— Então eu acho que… — seu rosto se franze quando ele sorri em
estranheza e seu olhar se estreita. — A gente tá namorando.
— Estamos! — o puxo para um abraço, apertando-o bem em meus
braços enquanto fecho os olhos e absorvo da sensação do seu corpo tão
quente e cheiroso.
— Lucy…
Seu tom hesitante me faz afastar para olhá-lo e espero a continuação
da sua fala.
— Quando a gente voltar pra casa, eu acho que… Não sei, temos que
dar um tempo antes de dizer isso a alguém. Eu não quero que achem que
fiquei mais louco.
— Dar um tempo você quer dizer se afastar? — estreito os olhos.
— Não. Pelo amor de Deus, não — sua entonação é urgente. — Só
não compartilhar a notícia imediatamente.
Me finjo chocada, fazendo uma cena.
— Você quer esconder o nosso namoro, Ryan Smith? É assim que você
me ama?
Ele inclina a cabeça para o lado, atento a cena, mas rapidamente noto
que é uma péssima ideia brincar assim com ele e dou um sorriso.
— É brincadeira — adianto. — Claro que sim, eu concordo com você.
Vamos dar um tempo na notícia.
Ele expira, aparentemente ficando mais leve.
— Ótimo. Agora temos que — ele me agarra de repente, me fazendo
rir, e me leva para baixo do chuveiro — tomar banho e ir atrás de uma
farmácia.
— Essa hora? Por quê?
A água cai sobre mim e a resposta de Ryan vem em seguida.
— Vamos comprar sua pílula. A gente não quer um mini Ryan ou uma
mini Lucy chegando por aí — ele aperta minha cintura. — Começamos a
namorar agora.
Eu me viro para ele, tirando a cabeça da água para sorrir e deixar um
selinho em seus lábios.
— Não sabia que você era tão responsável — ronrono em sua boca.
— Tenho que ser, Lucy, porque antes — enfatiza — eu não tinha sido
obrigado a gozar dentro de alguém que usou minhas próprias palavras
contra mim — ele faz cócegas na minha barriga e cintura, me fazendo rir e
contorcer.
— Desculpe! — eu o olho, sorrindo e tendo certeza que meus olhos
estão brilhando.
— Não foi mesmo um problema — ele também sorri, me levando de
volta para a água. — Agora fica quieta pra gente tomar banho.
E eu me deixo levar por suas palavras. Estamos tomando banho juntos,
fizemos um ato maravilhoso juntos, e estamos namorando. Tudo isso na
mesma noite, depois de um jantar incrível e… descobertas que eu não
mencionei a ele.
Isso me dá um frio na barriga, mas não vou pensar nisso por ora. Não
enquanto Ryan escorrega as mãos com sabonete pelo meu corpo e me faz
sentir tão importante.

Estou muito cansada quando chegamos de volta em casa. Ryan me fez


tomar a pílula na farmácia mesmo quando comprou uma água, e isso me fez
rir. Ele estava mesmo preocupado. Comprou vários pacotes de
preservativos, deixando a atendente de sobrancelhas saltadas e me fazendo
segurar a risada.
E, agora, enquanto ele coloca as chaves no porta-chaves ao lado da
porta e deixa a sacola na mesinha da entrada, eu vou andando para subir os
degraus e cair na cama, mas seu chamado antes de eu efetivar minha ação,
me faz virar para olhá-lo.
— Já vai dormir? — ele quer saber.
— Vou te esperar na cama — prometo.
Ele dá um sorriso, balançando a cabeça e tirando a blusa branca pela
cabeça antes de atirá-la em direção ao sofá, me fazendo morder os lábios
pela visão sempre impactante de vê-lo sem camisa.
— O cansaço nem tá tanto, vai — ele sorri. — Eu ia fazer um lanche
pra você. Deve estar cheia de fome depois de gastar tanta energia.
Ele não completa a frase quando corro em direção ao corredor que leva
à cozinha para esperá-lo, tirando uma risada sua.
— Sanduíche? — sugere quando chega ao meu lado e juntos seguimos
ao cômodo de destino.
— Aquele igual o da sua avó — escolho e vou me sentar em um
banquinho, Ryan dando a volta para chegar ao local de preparo. — Quer
ajuda?
— Não precisa — ele lava as mãos, erguendo os olhos para mim. —
Você parece feliz.
Seu comentário me faz sorrir largamente.
— Eu estou! — estico os braços sobre a pedra da bancada e lambo os
lábios, dando uma boa olhada nele até onde meus olhos conseguem ir.
A pontinha da tatuagem aparece um pouco no cós da calça e eu
suspiro. Tanto por ser sexy, quanto também por frustração. O que é aquela
cicatriz debaixo?
— Você tá ligada que eu nunca fiz isso, né? — ele pergunta, me
fazendo subir os olhos para o seu rosto, onde ele está deliciosamente bonito
me encarando atento, os cabelos louro escuro e os olhos verde musgo
debaixo de pesadas e grossas sobrancelhas castanhas.
Meu suspiro é profundo.
— Eu tenho um namorado muito gato — me vanglorio, fazendo-o dá
um riso rápido, então questiono: — O que é que você nunca fez?
— Namorar — a resposta é rápida enquanto ele vai buscar uma
frigideira nos ganchos debaixo da fileira de armários.
— Não tem mistério — o tranquilizo. — É basicamente isso.
— Isso? — ele dá um sorriso enquanto traz a frigideira para o fogão e
segue à geladeira, buscando alguns ingredientes e trazendo-os para a
bancada, então me olha. — Isso de comer você sempre que eu quiser,
madame?
Meu sorriso é impensável, mas minha resposta instantânea é mais
coerente que o meu desejo constante por Ryan, então explico:
— Não — balanço a cabeça. — Isso quer dizer que você pode sempre
confiar em mim, para qualquer coisa ou situação. Significa também que
você não precisa ter receio de me contar nada, que estarei sempre aqui com
você, para tudo.
Ele me ouve com atenção até essa parte, então seus olhos baixam e seu
peito infla em uma respiração audível, Ryan dedicando a atenção ao início
do preparo do sanduíche.
— Namorar também significa estar junto, querer estar junto — eu
continuo. — Sentir vontade de estar junto e, quando não, sentir falta por
não estar junto.
Ele me olha de novo, uma sobrancelha arqueada.
— Isso não é dependência?
— Dependência faz mal, um namoro não. Querer estar junto da pessoa
que te faz bem, não é um mal — pontuo.
— E quem foi que te falou que você me faz bem?
Droga. Eu não tenho uma resposta. Pelo que li em seu diário, parece
que fiz mais mal a ele do que bem. E eu não quero que seja mais assim. Não
quero.
— Ãn… — minha resposta tem uma pausa longa enquanto procuro as
palavras. — Eu acho que faço porque… Se não fizesse, você não… Sei lá,
não teria pensado em mim para viajar com você. E... — gesticulo. — Não
teria mencionado sobre eu ficar com vontade de namorar você.
— E você sente vontade? — sua pergunta baixinha é quase feita por
cima da minha fala, me fazendo respirar fundo.
Tão fundo que acho que deixo muito evidente o que ainda estou
sentindo: muita vontade de Ryan.
Acho que ele percebe, porque abre um sorriso malicioso e abandona os
utensílios em mãos para dar a volta na bancada, me fazendo virar a cabeça
para o lado e babar um pouco por seu abdome enquanto ele se aproxima. É
tentação demais.
— Fala pra mim, Lucy — ele chega em mim, virando meu banco em
sua direção de repente com um solavanco. O jeito que ele abre minhas
pernas para ficar entre elas me deixa borbulhando. Essas mãos…
— Você — ele começa — sente — a pontuar — vontade — cada palavra
— de me — com um beijo — namorar? — em meu pescoço.
Eu suspiro e levanto a cabeça quando sua mão grande e máscula
encontra meu queixo, Ryan expondo meu pescoço para seus lábios
impiedosos, que começam a beijar com pressão ali; sua mão livre vindo se
enfiar em meus cabelos e os soltando do coque.
— Meu Deus — agarro seu quadril, virando geleia em cima do banco,
e confesso: — Eu sinto muita vontade, sim.
— E do que mais? — ele continua, em uma provocação óbvia.
— Do que mais? — eu repito com dificuldade, tentando pensar e
achando um meio de apressá-lo. Assim, enfio minha mão dentro da sua
calça, fazendo-o gemer assim que encosto no seu pau, prontíssimo para
mim. — De você.
— Onde você me quer, Lucy?
A maneira que ele chama meu nome sempre vai me causar arrepios.
Com propriedade e certeza. Com vontade e reverência.
— Quero você comigo — minha resposta é sincera e não exatamente a
que pensei em dar.
Ryan não é atingido no entanto, ele não para os beijos, seguindo até o
meu ombro, puxando a alça da minha blusa da frente, mordendo de levinho
minha pele em alguns momentos.
— Com você… — ele considera minha resposta, descendo a mão do
meu cabelo para a minha nuca, devagar e sem pressa; mas, chegando ao seu
destino, o toque se torna forte, Ryan agarrando minha nuca com uma força
que usou no banheiro, ao conceder meu pedido de ir mais rápido. — E o
que mais?
Ele quer mais respostas? Eu não consigo raciocinar sendo torturada
assim por seus toques! Mas me ponho a pensar depressa.
— Eu… também… — pigarreio, me percebendo com a mão parada
dentro da sua calça, então me apresso em envolver seu pau com os dedos,
ouvindo-o sibilar de desejo. — Quero isso aqui.
— Mais alguma coisa? — ele mordisca o lóbulo da minha orelha, me
fazendo abrir os olhos para conferir se não estou derretendo ou algo assim.
— Talvez — lambo os lábios, sentindo-o pulsar na minha mão. Isso é
tão inenarrável.
— O que mais? — Ryan levanta a cabeça dessa vez para me olhar,
aguardando a resposta enquanto me desmonta com seus olhos claros que
parecem me perfurar. — Diz pra mim.
Ofego, tão cheia de desejo que nem sei. Sou incapaz de assimilar.
— Eu quero — olho para baixo, sua calça meio que fora do lugar.
Então me apresso em agarrar o elástico com as duas mãos e descê-la um
pouco, só o suficiente para libertar o seu instrumento delicioso, que salta
para frente, ereto e perfeito. — Minha nossa, eu quero muito te provar.
Ryan grunhe, se afastando um pouco e eu entendo que é para me dar
espaço para descer do banco.
Eu fico rapidinho de pé, me aproximando dele e plantando um beijo no
meio do seu peito, sua mão voltando aos meus cabelos enquanto continuo a
beijá-lo conforme desço. E desço.
Desço mais, até ter que ficar de joelhos. E de repente estou encarando
o seu membro frente a frente, fascinada. Já fazia algum tempo desde que eu
não via um assim de perto.
Ryan não se mexe. Não, ele me deixa o tempo que preciso para
considerar o seu tamanho e a forma como sua grossura condiz com isso; até
que dou um gemido quando meu cabelo é puxado para trás, minha cabeça
levantando um pouco para o meu olhar encontrar o seu.
— Travou, amor? — ele quer saber.
Antes não, mas agora sim. Fico incapaz de destravar
momentaneamente por ouvi-lo me chamar assim.
Seus olhos se estreitam sob os cílios longos e imagino que minha boca
aberta é um convite para ele, que toma a iniciativa de agarrar o próprio
mastro de carne e trazê-lo aos meus lábios, pincelando um pouco no meu
lábio inferior antes de uma tentativa de enfiá-lo em minha boca.
Rapidamente me dou conta do que está acontecendo e dedico minha
atenção ao momento. Não a maneira como foi delicioso e agradável ouvi-lo
me chamar de uma forma tão carinhosa.
Levo uma mão ao seu pau, esbarrando na sua mão que já o segura. Eu
a tiro do caminho e o envolvo, fazendo uma carícia de cima a baixo, bem
devagar, antes passar a língua na ponta, vendo como Ryan estremece um
pouco, os músculos da sua barriga tensionando.
— Isso, Lucy — ele expira com força, sua mão voltando ao meu
cabelo, onde Ryan segura de leve, mas com determinação. — Assim
mesmo, amor — seus olhos se fecham e ele inclina a cabeça como se fosse
um sentir doloroso.
É uma bonita cena, e se torna mais ainda por ser Ryan. Por ser um
momento nosso. Por ser nós dois. Juntos.
Eu gosto tanto desse fato.
— Repete isso — ele comanda quando passo devagar a língua por
baixo da sua extensão, seus olhos se abrindo para se estreitarem em minha
direção. E eu obedeço, encarando, inevitavelmente, a tatuagem ali, bem
diante dos meus olhos. — Olha pra mim.
A ordem grave me faz imediatamente olhar para ele mesmo, onde
encontro um olhar perturbado, mas que me acalma quando Ryan traz uma
mão ao meu queixo, acariciando até que eu tenha vontade de me derreter.
— Não pense tanto, baby — ele pede, virando um pouco o quadril para
o seu mastro ficar mais ainda ao meu alcance, e eu o seguro. E aperto.
Acaricio. Lambo e chupo. Sem pensar.
De repente não quero mais pensar. Ryan já faz muito isso, eu não
preciso ser mais uma que vai fazer o mesmo. Nosso relacionamento precisa
se firmar e isso não vai acontecer com dois pensadores.
Então eu me deixo levar pela vontade. Pela chama que se acendeu em
meu corpo depois que eu conheci o seu corpo e o seu toque. Eu me deixo
mesmo ir, dando a ele tudo que desejo, deixando minha boca mostrar o
quanto o quero.
— Puta merda! — Ryan pressiona meus cabelos e me leva consigo
quando vai se apoiar na bancada, sua respiração em rajadas pesadas. —
Você é perfeita pra mim.
Apenas o olho de baixo, atingida por seus olhos que parecem pegar
fogo de tanto que brilham, o jeito que suas mãos voam para a bancada e se
agarram ali enquanto ele me observa saboreá-lo me diz em tudo o quanto
está difícil para ele se segurar.
— Não precisa se segurar — acho por bem dizer. — Não quero que
você segure nunca o que está sentindo. Nunca, Ryan. Não comigo. Por
favor.
— Ah, porra! — ele vem segurar meus cabelos, trazendo a outra mão
ao seu mastro e fazendo a carícia no seu ritmo. Forte e rápido, nada
comparado ao que eu estava fazendo. — Lucy, eu não…
Um rugido interrompe sua fala e tenho um sobressalto ante o choque
pelo jato que chega ao canto da minha boca, e depois mais e outro, me
fazendo fechar os olhos e desviar, o último alcançando meu pescoço.
— Perdão! — Ryan se apressa em abaixar à minha altura, parecendo
aflito e preocupado, mas tendo muitas reações no rosto ao ver o que acabou
de fazer. Um misto de admiração e satisfação. — Merda — ele balança a
cabeça, como para sair do transe. — Desculpa, eu não queria…
— Não queria gozar? — agarro a barra da minha blusa e inclino o
rosto para limpar sua marca.
— Não, não isso. Merda — sua voz está entrecortada. — Não assim...
Você tá chateada? Você me desculpa?
Dou um sorriso, voltando a olhá-lo.
— Pelo que está se desculpando? — quero saber. — Eu disse que
queria te provar.
Seu grunhido me faz morder o lábio. É tão sexy.
— É, você disse — ele agarra minha mão e vai se levantando, me
incentivando a fazer o mesmo. Quando ficamos de pé, ele se aproxima e
beija entre minhas sobrancelhas, se afastando em seguida. — Obrigado por
não se chatear.
Dou um risinho.
— Você é fofo se desculpando.
— Putz, aí você fode tudo me chamando de fofo, Lucy. Faz isso não
— ele agarra minha mão e sobe a calça de volta ao lugar com a mão que
está livre, me incentivando a caminhar para fora da cozinha.
— E o meu lanche? — questiono.
— Ah, é — ele não faz caso, mas emenda: — Eu volto e preparo pra
você depois que a gente tomar banho.
— Banho com meu namorado gato e quente? Hmm… — finjo pensar.
— Eu gosto dessa ideia.
— Claro, te faz lembrar de agora há pouco, sua tarada.
Minha risada é alta, fazendo Ryan sorrir.
E isso me deixa mais feliz por saber que… ele também parece feliz.
Capítulo 33

Não sei como começar isso a não ser por… agora eu sou um cara
comprometido. E não é brincadeira.
Acho que deixei meus pensamentos rolarem descontrolados quando
soltei aquilo pra Lucy. Até que ela quisesse namorar comigo? Aquilo foi
emotivo demais. Fodidamente demais. Dava pra ela ter me achado [de
novo] um filho da puta carente.
Mas não foi o que aconteceu. Ela aceitou. Ela me disse sim pra ser
minha namorada. Só que Lucy não tava muito ligada que isso não seria
simplesmente fácil.
Principalmente quando ela se convidou a dormir comigo.
E, falando muito sério, eu também não tava ligado.
Por isso é um pouco pesado, no sentido doloroso, falar do que houve
mais tarde, quando a gente foi dormir juntos no meu quarto. Tenho certeza
que, olhando ela agora dormindo tranquila do meu lado na cama, Lucy se
arrependeu de me dizer sim – apesar de não ter demonstrado.
Mas as pessoas sempre se arrependem e o lance foi que quando ela
deitou junto comigo e se agarrou no meu corpo, eu não tive escolha que não
deixar o sono me pegar, porque aquilo foi uma sensação boa demais e eu
tava feliz. Por finalmente sentir algo bom e só bom, sem contratempos.
Tava muito feliz, despreocupado [aparentemente] e… com algum outro tipo
de sentimento que eu não sei explicar.
Mas aí tudo desceu pelo ralo quando eu abri os olhos e não conseguia
mais respirar.
… a sensação de pânico me tomou outra vez.
E eu nem sabia o porquê. Eu tava bem, caralho. Tudo estava bem.
Então por que aquilo? Por que daquilo? Eu não tava desesperado. Não
tava.
Ao menos, eu achava que não.
— Meu Deus — Lucy senta na cama depois de mim, os olhos
arregalados em minha direção enquanto ela tenta entender o que tá
acontecendo. — Meu Deus…
Deve não ser fácil também ver, porque o sentir é... deixa pra lá.
Então eu levantei da cama e fechei os olhos, buscando me concentrar
e, a partir daí, foi só estranheza.
— Ryan… — sua voz vem pra perto de mim, que me ajoelhei no chão
em busca de fazer o meu corpo encontrar novamente a tarefa fácil e normal,
que é respirar.
Não sinto nada e sinto tudo. O desespero latente, a falta de ar, o meu
pedido silencioso por socorro mas que ninguém pode atender. Não pode
porque ninguém sabe como me devolver o ar e eu tenho que fazer isso.
Tenho que trabalhar sozinho nessa.
Lucy se ajoelha na minha frente, seus olhos arregalados e, caralho, era
melhor que ela tivesse ficado na cama, bem longe de mim. Porque toda essa
merda não é fácil.
Mas não dá pra pensar nisso agora enquanto trabalho pra forçar o ar a
entrar pela minha boca e ser aceito pelo meu corpo, que trava essa entrada
de algum jeito, se recusando a aceitar. Meu coração tá acelerado enquanto
toda essa merda acontece e mantenho os olhos fechados, ficando
calmo, tentando.
Vamo lá, vamo lá. É só respirar.
Parece um século pra mim, mas tenho certeza que não se passam
instantes antes de, finalmente, a respiração voltar. Ainda difícil, como se eu
tivesse levado um chute no estômago, a normalidade que vem e não vem.
Bem aos poucos, muito aos poucos, a concentração em manter os
olhos fechados e não me desesperar, faz meu coração tranquilizar e minha
respiração se tornar constante. Mesmo que ainda em rajadas profundas, mas
respirando outra vez.
Quando abro os olhos, encontro Lucy ajoelhada na minha frente, as
mãos em cima das coxas enquanto ela tem um olhar de desalento.
A saliva na minha boca, se formando abundante, indica que o corpo tá
trabalhando pra voltar ao normal.
E nenhum de nós sabe o que dizer agora. Eu não quero dizer nada, pra
falar a verdade, só tentar relaxar mais e ficar em silêncio, enquanto tento
não me remoer que essa merda que já tava ausente há algum tempo, decidiu
reaparecer justo no dia que dormi a primeira vez com a minha primeira
namorada.
É pra me foder mesmo.
— Venha — Lucy se levanta, como se nada do que acabou de
acontecer, tivesse acontecido. — Vamos voltar para a cama.
Tá bem claro pra mim que ela não sabe o que fazer também, mas já
deve ter sido barra suficiente me ver quase morrendo, então não custou me
levantar e vir com ela pra cama.
Lucy deitou primeiro e eu fiquei sentado contra a cabeceira. Ela não
perguntou, não comentou, não falou, até que o sono a levou e eu me
levantei pra pegar o notebook, onde sabia que encontraria uma calma mais
tangível quando começasse a escrever.
E realmente encontrei, mas isso não vai me ajudar a encarar o
amanhecer, quando eu tiver Lucy me olhando nos olhos outra vez.

Eu tô namorando. E, cara, esse pensamento ficou se repetindo na


minha cabeça durante o resto da madrugada. Incessantemente. Acho que foi
pra mim como um alicerce, pra eu segurar a onda até amanhecer e Lucy
acordar.
Eu não sabia como ela ia reagir, mas, quando ela abriu os olhos e se
espreguiçou, me toquei que não dava pra fugir daquilo. Não dava pra
esconder o que ela já tinha visto.
Então eu enfrentei.
Enfrentei Lucy virando seu olhar amarelado pra mim e me analisando
antes de dizer qualquer coisa.
... e começou o meu bom dia.
— Bom dia, Ryan — sua voz preguiçosa me faz sorrir, acenando com
uma mão.
Desconfortável pra caralho.
— Ainda é cedo — informo, dando um jeito de levantar da cama sem
parecer tão avoado. — Pode dormir mais um pouco. Eu vou preparar o café
pra gente.
— Espere — ela se senta, só pra levantar depois. — Vou com você.
Vamos preparar o café juntos.
O sorriso que ela me deu depois disso, me deixou mais tranquilo,
confortável. Apesar de ter ficado um clima estranho, Lucy ainda tava
agindo como ela mesma. Ela mesma com cautela, mas ainda a Lucy que
conheço.
Nós nos encontramos na porta do quarto e saímos juntos, eu deixando-
a passar na frente quando chegamos à escada. E é incrível como a vida pode
mudar em questão de horas. Num piscar de olhos.
Eu não acreditava muito nessa baboseira de que sentimentos podiam
afetar alguém, mas agora, olha só o Ryan… namorando e não sabendo como
lidar com isso. Foi meu corpo quem disse, porque eu não percebi sozinho.
E isso é uma grande merda, porque pode colocar um fim no meu
namoro que nem começou.
Chegamos à cozinha, Lucy indo até a pia lavar as mãos e já se
deslocando aos armários, buscando o recipiente de cappuccino. Depois,
segue à geladeira, em busca do leite.
— Você geralmente come o que no seu café da manhã? — ela quer
saber enquanto despeja leite em uma leiteira e leva ao fogo. Assim, se vira
pra mim, dando outro sorriso. — É que eu quero fazer o que você gosta.
— Eu como o que você preparar — acaricio a nuca, a tensão no corpo
sendo gritante agora que me levantei. — Quer um sanduíche?
— Tudo bem — ela assente, dando uma olhada na leiteira. — Você
prepara um sanduíche pra mim e eu faço algo gostoso pra você. Gosta de
frutas?
— Quem não gosta? — dou um sorriso, também indo à geladeira,
dando uma olhada no interior antes de escolher os ingredientes.
— A Samy — Lucy responde com uma risadinha. — Ela não gosta
muito das coisas saudáveis. Às vezes come uma fruta, e olhe lá.
— Vocês são amigas há muito tempo?
— Desde a escola — Lucy me olha quando chego ao seu lado na
bancada. — E você com seus amigos?
— Também — meneio a cabeça. — A gente meio que era o quarteto-
que-todas-queriam.
Ela franze o rosto e bufa, um som adorável de ciúme, que me faz
sorrir.
— Entendo — murmura baixinho. — Não me espanta. Vocês estavam
aproveitando…
Não gosto de como ela fica cabisbaixa no comentário, então mudo,
voltando ao tópico da sua amiga.
— Por que a Samara mora com os irmãos?
— Sei lá — Lucy desliga o fogo e vai buscar duas canecas, me
fazendo aguardar o restante da resposta enquanto corto as azeitonas e o
cheiro-verde. — Acho que ela prefere eles que morar com os pais.
— E os pais dela tão onde?
Lucy volta, colocando as canecas na bancada antes de abrir o
recipiente e colocar um pouco do cappuccino em cada uma.
— Eles moram em outro estado. Sabe como é… — ela pega uma
colher na gaveta e volta pra mexer o líquido das canecas. — Eles estavam
ficando impacientes demais por causa da idade e, bem, nem Samy nem os
irmãos se casaram. Acho que deu atrito todos na mesma casa, aí eles foram
embora.
— Não soa um pouco injusto que os pais tenham saído e os filhos
ficado na casa? — questiono, um pouco surpreso.
— Samy disse que eles não precisavam ter ido, mas o pai dela queria ir
para outro lugar, e a mãe faz tudo o que o pai quer, então… — Lucy dá de
ombros. — Todos estão bem, e acho que é isso que importa.
— Deve ser — minhas sobrancelhas saltam.
— Já pensamos em morar juntas — ela ri. — Samy não estava
aguentando os irmãos e deu essa sugestão, mas depois mudou de ideia
porque não tinha trabalho fixo.
— Você queria que tivesse dado certo? — começo a ralar a cenoura.
Lucy se desloca para o armários e volta com um saco de pão de fôrma
integral e um vidrinho com queijo minas dentro.
— Queria, na época — ela responde, indo buscar a geleia e trazendo
uma faca de pão. — Mas não deu e tudo bem. Não foi algo que me chateou.
— É, parece bem você isso — comento, indo buscar uma tigela
pequena para despejar o que cortei e também a lata de atum.
— O que isso quer dizer? — ela lambe o dedo sujo de geleia, me
fazendo estreitar os olhos pela cena.
— Que, não sei — expiro, misturando os ingredientes na tigela. —
Você meio que não é muito ligada em nada, sabe. Não sei, parece
despreocupada, desprendida. Deu certo, deu; não deu, beleza também. Não
se grila fácil.
— Nossa — ela para de passar geleia no pão e fica me olhando. Parece
que deixei ela chocada. — Você me observa demais.
— Não é isso — abro a lata de atum e coloco um pouco na tigela. — É
só que eu não tô acostumado a ver mulheres como você. Elas costumam ser
mais… sensíveis e acessíveis.
— Eu sou sensível! — Lucy agora tá ofendida, levando uma mão ao
peito.
— Você é — dou risada. — Mas não como a maioria. Isso não é ruim,
eu gosto do seu jeito. Foi isso que me atraiu tão perdidamente por você e…
— começo a mexer os ingredientes. — É isso que faz você a Lucy.
— Oh, Ryan, muito gentil — ela é irônica de propósito, me fazendo
sorrir. — Mas é sério… Você me acha fria e impassível?
— Às vezes você é.
— Ryan!
— O quê? — me esquivo de um tapa no braço, rindo. — Eu só tô
sendo sincero.
— Poxa — ela lamenta enquanto coloca o sanduíche que fez num
prato, me fazendo observar o quanto ficou cabisbaixa.
— Não fica assim, não — tento não sorrir muito. — Eu gosto de você
exatamente do jeitinho que você é.
Ela me olha, dando um sorriso fraco.
— Eu vou tentar melhorar.
Ouvir isso me espanta, então me apresso em balançar a cabeça,
enfatizando a minha resposta ante isso:
— Não quero que tente melhorar, você é perfeita assim — observo
quando ela engole em seco e eu devia me aproximar agora, e segurar seu
rosto nas mãos pra falar bem perto dela, qualquer coisa assim, mas não
consigo. Não consigo, então só completo: — Eu quero que você seja
sempre a Lucy que conheci. A garota sincera que me chamou a atenção e
abalou o meu coração.
O jeito que ela prendeu a respiração me fez perceber que eu tinha,
talvez, falado o que não devia.
Depois do que houve na madrugada, dizer que Lucy abalou o meu
coração não foi mesmo uma boa pedida.
Capítulo 34

Estou comendo meu delicioso sanduíche de atum, que Ryan me


atentou combinar mais com um suco de frutas, que ele se encarregou
rapidinho de fazer no mix para mim e então tomou o meu cappuccino, o que
não sei se é uma boa ideia.
Ele se encher assim de cafeína, quero dizer. Não sei se lhe faz bem ou
se é algo que passa despercebido por seu corpo. Provavelmente não passa e
eu devia ir com ele ao mercado e procurar um café sem cafeína, mas sou
tirada dos meus pensamentos quando ele me chama.
Está sentado ao meu lado no banquinho da ilha e tendo alguma
dificuldade de me olhar nos olhos – desde a madrugada. E sobre isso, acho
que não tenho comentários. Ainda estou um pouco assustada. O meu
desespero por vê-lo daquele jeito e me controlar para não demonstrar, foi
difícil.
Se ao menos eu pudesse conversar com alguém que já o viu naquele
estado. Seus pais, de quem ele tanto foge; ou mesmo seus amigos. Faço
uma nota mental, porque essa última opção parece mais possível. Posso
falar com um deles. Samy agora trabalha para eles, não vai ser complicado.
— Quer ir na praia? — Ryan questiona, combinando o cappuccino na
boca com algumas fatias de salame.
— Sim, adoraria — concordo com um sorriso.
Ele estreita os olhos, observando quando levo o sanduíche ao prato,
então me olha de novo. Me estudando, quase me fazendo sentir calafrios.
Porque é como se esse olhar não fosse o do Ryan. O olhar que geralmente
costumo receber, que é cheio de carinho. Esse olhar parece distante disso.
Bem distante, assim como o meu namorado.
Eu sabia que as coisas poderiam não ser fáceis pela manhã. Ele poderia
estar cauteloso, mas eu tentei deixar tudo leve e não nos tirar de onde
estávamos. Ainda estou tentando, na verdade, nos manter nos bons
sentimentos e sensações. Ele não precisa mesmo se resguardar.
— Ainda não comeu o sanduíche todo — ele comenta enfim, depois de
quase me frustrar com o seu olhar nublado. — Normalmente você já teria
comido uns três desse. O que é, não gosta de atum?
Droga. Ele tem razão, eu teria, se tivesse sentindo apetite. Mas não
estou e só consigo pensar no que rolou à noite. É frequente? Eu trouxe isso
de volta para ele? Isso o deixa com medo de dormir, eu li isso em seu
diário. Não imagino como sua cabeça deve estar. E se ele tiver arrependido
de ter me pedido em namoro? Mas se eu terminar com ele o relacionamento
que nem começamos, pode ser que o abale também. Droga, droga.
— Você tem razão — sorrio em concordância. — Mas eu comi aquele
outro sanduíche à noite e não estou com tanta fome assim.
— Beleza então — Ryan se levanta antes de eu terminar toda a minha
fala. — Vou pegar o carro e a gente te compra um biquíni.
— Tá bom — eu assinto, umedecendo os lábios.
Ele se vira depressa e sai da cozinha, tão veloz quanto só o Ryan
consegue ser. E fico sozinha, considerando que agora eu talvez tenha que
ser cautelosa e evitar pisar em alguns ovos.

Ryan não me tocou com as mãos desde o início do dia, isso é um fato;
mas com toda a certeza seus olhos estiveram me tocando em todos os
momentos desde que chegamos à praia e eu tirei a roupa.
Achei um pouco injusto quando peguei o protetor solar – que ele se
lembrou de comprar – e fui me virar para pedir que ele passasse em mim,
mas não o encontrei mais. Não, porque Ryan já tinha seguido sozinho para a
água, evidenciando que queria manter a distância que criou sozinho entre
nós.
E tudo bem, eu posso respeitar o seu tempo de considerar que eu
presenciei um dos momentos que mais frustram a sua cabeça. Mas ele
também precisa mesmo entender que nada entre nós mudou ou vai mudar
depois daquilo. Eu não vou mudar e também não vou a lugar algum.
Acabo ficando sozinha sobre a canga, passando o protetor em mim
mesma, me levantando para passar na bunda e pernas, e depois nas costas
como consigo.
A praia está bem cheia, mas não é algo que me incomoda. A maioria
das crianças tenta fazer castelos na areia, outras mais pequenas brincam
com as mães no seu próprio mar cavado na areia e estão muito felizes com
isso; algumas pessoas estão praticando esportes, outras apenas aproveitando
o calor e o mar.
Dou um sorriso. Seria uma manhã perfeita não fossem as
circunstâncias.
Noto, então, dois homens vindo em minha direção, atrapalhando
minha visão de um bebê em especial, que se diverte batendo as mãozinhas
na água da sua mini piscina trazida de casa.
Meu olhar se ergue para os dois caras, que chegam com sorrisos, me
fazendo estreitar os olhos.
Um deles, ergue a mão e fala alguma coisa, mas eu completamente não
entendo, embora, seja o que for, acho que o melhor a se a fazer é balançar a
cabeça negativamente.
Ele olha o acompanhante e os dois riem, então apontam minha canga.
Eu a olho, não vendo nada que não minha bolsa nova que Ryan comprou na
mesma loja em que compramos o biquíni – ele garantiu que a minha não era
adequada.
E antes que eu tenha a oportunidade de olhar os homens novamente,
eles já estão se sentando no pano estendido sobre a areia, me deixando
incrédula.
Estou me virando para gritar uma expulsão, mas Ryan me limita disso
quando se aproxima, indo diretamente aos caras e dizendo algumas palavras
que os faz se levantarem imediatamente com rostos notoriamente
preocupados e mãos erguidas como em desculpa; saindo depressa, um deles
ainda se virando para nos dar uma última olhada.
Eu olho para o meu namorado todo molhado do banho de mar, mas
não sou retribuída. Ele vai se sentar na canga, me fazendo bufar baixinho.
— Acho que agora eu vou tomar banho — aviso, me abaixando para
colocar o protetor solar dentro da bolsa antes de soltar os cabelos e começar
a caminhar em direção ao mar.
Ryan não me acompanha, como eu premedito. Não, ele me deixa ir
sozinha, o tombo na areia molhada me tirando um pouco dos pensamentos,
muito mais quando o mar me acolhe e abraça. E praticamente me leva os
pensamentos.
Acho que estamos voltando para casa, eu não sei. Ficamos a manhã
inteira na praia e agora, já à tarde, eu saí da água para dizer ao Ryan, que
estava esticado na canga, que eu precisava comer. Estou faminta. Acho que
toda essa atmosfera da praia abriu meu apetite e tirou as preocupações.
Ele não hesitou ou pensou, só levantou, me entregou minha bolsa e
depois se aproximou de mim com a canga em mãos, dando a volta até estar
nas minhas costas, então o pano envolveu minha cintura, me fazendo
arquear as sobrancelhas.
Agora eu apenas solto uns suspiros incontroláveis dentro do seu carro,
observando o movimento das ruas e pensando quão triste vou me sentir
quando nossa viagem acabar. Aliás…
— Quando vamos voltar para casa? — me viro em sua direção para
perguntar, imediatamente percebendo a burrada da pergunta. Ryan pode
entender errado, então complemento: — Pergunto porque ainda não
terminei o trabalho que meu chefe pediu.
— Depois de amanhã — sua resposta é neutra, assim como a
expressão em seu rosto, e isso me frustra!
— Estou mesmo com muita fome — escolho só dizer. — Você não?
— Não muita.
— Entendi — fico inquieta no banco por um momento, percebendo
seu olhar se voltar para mim algumas vezes, mas não dá para continuar
assim.
Quero o meu Ryan de volta, então acho por bem sugerir:
— Podíamos ver um filme depois do jantar, o que acha? — pergunto.
Ele dá um sorriso curto.
— Você ainda nem almoçou e já tá pensando na janta?
— Não, não estou — nego, porque não estou mesmo. Apenas que não
quis dizer "à noite", pois isso pode remeter ele a lembranças e… balanço a
cabeça. — É uma das melhores partes do namoro. Assistir filme juntos e —
enfatizo: — não vale dormir.
Cala a boca, Lucy!
— Acredite, eu não vou — Ryan sorri sem jeito, me deixando mal pela
minha fala errada. — Qual filme você tem em mente?
— Jogos Mortais.
Ele sorri, meneando a cabeça.
— Beleza — concorda. — Vamos dar um pulo no mercado então e
comprar pipoca.
— E chocolate! — digo.
— E chocolate, madame.
Dou um sorriso enorme porque, apesar de não ser de todo, uma
pequena parte do meu Ryan enfim reapareceu.

Nós chegamos em casa e eu corro em direção às escadas. Preciso de


um banho antes de começar a preparar nossa atmosfera "cinema".
Ryan não questiona ou me impede, e eu consigo subir ao quarto em
que estou dormindo sem maiores dificuldades, o que me leva a considerar
que: esta noite dormiremos juntos de novo? Ele vai me querer perto dele?
Não tenho coragem de perguntar ainda, então apenas chego no quarto e
vou para o banheiro, deixando a bolsa da praia em cima da bancada antes de
dar uma olhada no espelho e me perceber vermelha.
Dou um sorriso. É melhor do que a cara pálida da Lucy de todo dia.
Começo a me despir e observo meu corpo da mesma cor, as marcas do
biquíni desenhadas. E definitivamente a Lucy pálida foi substituída por uma
vermelha.
Dou risada antes de erguer os braços para levar aos cabelos e soltar do
coque, meu corpo sofrendo um arrepio severo quando o reflexo de Ryan na
porta do banheiro atrás de mim surge, me fazendo respirar fundo.
Seguro a língua para não fazer qualquer piadinha de "o meu coração é
fraco para sustos" e escolho apenas me virar para olhá-lo. Está com um
semblante de cachorro abandonado.
— O que foi? — quero saber.
— Posso tomar banho com você?
Meu sorriso é instantâneo e quase se segue de uma risada. É a coisa
mais fofa o seu pedido acuado, mas não vou dizer isso, porque
aparentemente Ryan repele o elogio "fofo".
— Pode sim — assinto, indo buscá-lo na porta do banheiro e
estendendo uma mão em sua direção.
Ryan hesita, olhando meu braço estendido, até que suspira e se dá por
vencido. Sua mão encaixa na minha e eu o trago para dentro do banheiro,
parando com ele perto do box para me virar e ajoelhar, as mãos indo ao seu
shorts, que eu abro o botão e o velcro sem qualquer dificuldade, puxando
para baixo junto com a sunga até chegarem aos seus pés.
Quando vou me erguer de novo, flagro seu mastro delicioso semiereto
tendo alguns espasmos, mas finjo não perceber e só abro o box, esperando
Ryan sair de dentro das roupas para poder puxá-lo junto comigo.
Ele permite e o induzo a ir para baixo do chuveiro, onde ligo o registro
somente da água gelada e me viro para pegar o sabonete e começar a passar
em seu corpo.
Suas sobrancelhas acastanhadas estão em um franzir suave e quase
posso apostar que ele quer perguntar o que estou fazendo. E isso é
interessante, porque nem eu sei! Apenas que foi impulsivo a vontade de,
não sei, mostrar a ele, de alguma forma, que minha intenção é cuidar dele e
sempre tocá-lo, independente do que aconteceu – ou vai acontecer.
— Você… — ele começa, meio rouco, enquanto desligo o registro
para me abaixar e ensaboar suas pernas. — Você gostou do seu dia?
— Gostei. — Não é mentira, mas poderia ter sido muito melhor se ele
não tivesse nos distanciado e se recusado a me tocar de todas as formas e
em todos os momentos.
Acho que me tornei uma compulsiva pelos toques de Ryan, mas… não
posso fazer nada, ele é viciante.
Ele não diz mais nada e começo a me levantar para ensaboar seu corpo
na altura do quadril, onde sou tentada passar a mão na tatuagem e sentir a
cicatriz por baixo dela. Para o meu espanto, não é áspera, apenas que tem
uma pele mais fina, o que a torna um diferencial da pele normal.
Mas não vou fazer caso sobre isso e continuo a ensaboá-lo, chegando
ao abdome, que eu deliro ao sentir os músculos e então seu peito, e no
pescoço, até os braços.
Quando olho para o seu rosto outra vez, me arrepio toda. Ryan tem um
olhar que o deixa mais gostoso que o normal e eu me censuro. Talvez eu
esteja sendo mesmo uma tarada.
— Não esqueceu uma parte? — ele pergunta, estrondosamente baixo.
— Não, você já está pronto para a água — viro o registro e a água cai
em cima dele, fazendo-o fechar os olhos e me arrancando um sorriso.
Não vou cair no seu papo de esqueceu uma parte, porque isso seria me
tirar da atmosfera que estou tentando criar. De confiança. Quero que ele
confie que não vou abandoná-lo depois da madrugada. E não vou não por
causa do sexo e sim porque gosto dele e me preocupo com o seu bem estar.
Eu tiro toda a espuma do seu corpo, pegando um pouco de xampu para
espalhar rapidamente pelos cabelos que tanto gosto, e ouço Ryan soltar uns
suspiros de relaxamento e conforto.
Quando ele está pronto, desligo o registro, passo as mãos em seu
cabelo, braços e abdome para tirar o excesso da água e o faço ir mais para o
lado enquanto eu começo com o meu próprio banho.
Ryan fica de olho em mim, ainda resguardado, receoso, no seu próprio
mundo, me olhando como se eu fosse uma estranha intocável. É
surpreendentemente como ele consegue fazer isso. Mudar as coisas entre a
gente tão rápido.
— Lucy — ele me chama quando estou de olhos fechados com a
cabeça debaixo d'água.
Eu a tiro para poder olhá-lo.
— Diga — me prontifico.
— Vou descer pra preparar o almoço e as pipocas, você me encontra lá
embaixo?
Abro um sorriso.
— Encontro.
Ryan deixa o box sem pressa, e então pega uma toalha na prateleira
debaixo das bancadas e começa a passar no corpo enquanto deixa, também,
o banheiro.
Continuo meu banho, me apressado em não demorar. Porque além de
estar com fome, também não estou a fim de correr o risco de deixar Ryan
sozinho por muito tempo.

Acho o meu lindo namorado na cozinha, entretido com caçarolas e


frigideiras, e também deixando-as um instante para aplicar suas habilidades
louváveis nos legumes, em cortá-los depressa.
Dou a volta na bancada para chegar ao seu lado, o que não o faz me
olhar.
— Quer ajuda? — pergunto.
— Não precisa, tô quase acabando. Pode sentar.
— Nossa, já? — olho o fogão, uma frigideira com molho fervendo,
outra com postas de salmão sendo fritas, outra panela com água fervendo,
que logo Ryan joga batatas dentro e uma menor, que logo é preenchida
pelos legumes cortados.
— Nossa — repito. — Está bem — concordo, indo me sentar em um
dos banquinhos, meus olhos flutuando admirados pelo jeito que ele é tão
rápido fazendo tanto. — Você é bom nisso. Sua mãe que te ensinou?
Ele dá um sorriso imediato.
— É, acho que meio que sim — acena com a cabeça. — Ela tava
sempre fazendo alguma receita, preparando alguma coisa, porque gostava
mesmo, daí acho que eu meio que peguei o jeito.
— Meio que — sorrio. — Entendi. Espero conhecê-la um dia, para eu
a parabenizar por te influenciar a cozinhar. Com certeza isso me deixa
muito feliz.
Ryan não esbanja alguma reação e eu faço uma conclusão mental que a
chance de conhecer seus pais é inconclusiva, muito da improvável.
Minha respiração em seguida é muito funda para passar despercebida
por ele, que levanta o olhar para mim.
— Seu pai também cozinha? — emendo depressa outra pergunta.
— Não — ele volta a atenção ao que faz, então balança a cabeça e se
corrige: — Não tanto, e com certeza não tão bem. Mas ele meio que pegou
um pouco o jeito depois de tantas tentativas.
— Que bom — sorrio e fico olhando Ryan hábil em seus movimentos,
até me dar conta de uma coisa. — Sabe o quê?
— Não sei — ele nega, sem me olhar. — O quê?
— Vou sentir sua falta quando tudo isso acabar — confesso com um
suspirar, e isso o faz ter uma considerável hesitação nos movimentos.
— É — concorda enfim. — Vai deixar mesmo saudades.
Ryan destina toda a atenção ao fogão, sua expressão neutra me dizendo
que ele está lá. Bem lá. Totalmente lá.
Dentro da própria cabeça.
Capítulo 35

— Tudo bem pra você esse nível de susto? — Lucy perguntou.


Aqueles olhos amarelos fenomenais estavam focados em mim, e
aquele lábio delicioso foi castigado pelos dentes enquanto ela me esperou
responder.
O filme já tava um pouco avançado demais pra gente mudar e eu
queria ela ali pertinho de mim, como a gente tava. O calor dela, o cheiro
dela, a maciez, a respiração… seguindo o percurso dos sustos. Eu queria a
Lucy, como o querer desenfreado de um vício.
E o jeito que ela tava conduzindo nossa proximidade distante, me
deixava cada vez mais... admirado. Em como ela conseguia. Porque eu me
sentia estranho, distante e cheio de vergonha desde o que houve na
madrugada. Ela não tinha que ter visto nada daquilo.
Não tinha, então como é que ela tava conseguindo driblar um
momento esquisito pra caralho, como se eu ter causado uma cena à noite
fosse também da importância dela?
— É, tá tudo bem — respondi, enfim.
Ela sorriu, se ajeitou do meu lado e deu o play, deixando o filme
continuar depois que o policial morreu na armadilha do palhaço.
Mas a verdade é que eu só queria abrir a boca. Pra ela. Eu queria
contar tudo. Como me sentia depois do que rolou na madrugada, o quanto
tava envergonhado, queria me desculpar e esclarecer que ela não precisava
ficar comigo se achasse que aquilo seria muito pra ela lidar. Queria dizer
que ela estava livre pra terminar comigo e seguir sua vida sem um
problemático neurótico e traumatizado nela.
Mas eu tive medo.
Eu tenho.
Medo de que ela escolhesse. Que escolha. De que realmente fosse
embora e me deixasse com isso que surgiu em mim depois que a conheci,
algo que apareceu sem permissão e não sei conduzir. Não sozinho. Não sem
ela.
Não dava mais pra considerar meus dias sem pensar na Lucy. Não dá
pra considerar.
Então eu virei a cabeça naquele instante que me dei conta disso e olhei
pra ela, e isso chamou sua atenção.
— O que foi? — ela quer saber, dando um sorriso curto.
— Não é permitido no namoro que eu fique te admirando?
Lucy dá uma risadinha, pegando a bacia de pipoca das pernas e
colocando no espaço ao lado do sofá, distante da gente, então se endireita
para me dar atenção.
— É totalmente permitido — ela alcança minha mão que descansa na
minha barriga, e fica me encarando de um jeito cauteloso. — Você quer
conversar? — pergunta. — Sobre o que houve de madrugada…
Desvio o olhar e uma respiração funda é inevitável.
— Eu odeio falar disso. Odeio mesmo — confesso. — Não podemos
pular essa parte?
Lucy aperta minha mão na sua, respondendo imediatamente.
— Podemos, na verdade, mas não devemos — aconselha. — Foi o
pular essa parte que nos afastou tanto e isso não vai nos fazer bem.
— Não vai fazer bem me fazer relembrar.
— Não quero que você relembre, Ryan — sua voz soa mais baixa
agora, compreensiva do jeito dela. — Eu sei que te faz mal, e é o que quero
que compartilhe comigo. O que você sente, tudo o que sente — sua mão
livre encontra meu rosto e Lucy me faz olhar pra ela. — Não guarde tudo
pra você quando pode dividir. Não vai te fazer se sentir melhor segurar tudo
aí dentro sozinho. Quero que compartilhe comigo porque agora sou sua
namorada, estou com você e nosso relacionamento não precisa ser difícil e
nem um empecilho.
— Acredite — esclareço —, vai se tornar difícil se eu começar a falar.
Lucy balança a cabeça.
— Claro que não — discorda veemente. — Vai ser difícil se você se
distanciar. Não se distancie de mim, não distancie nós dois — ela se
aproximou mais, deixando nossos rostos mais próximos e me tentando no
limite. — Por favor, Ryan.
Expiro com força, achando uma péssima ideia. Péssima!
... mas Lucy me pediu daquele jeito... suplicante... entristecida.
E eu não tive como negar.
Odiei ver ela com qualquer expressão que lembrasse tristeza.
— Bom — começo, sem conseguir olhar ela nos olhos —, eu sinto
muito por você ter visto aquilo, primeiramente. Não era pra ter acontecido.
Não com a gente junto, na nossa primeira noite dormindo juntos e depois de
momentos tão memoráveis.
— Você não tem que se desculpar — ela puxa minha mão em direção
aos lábios, onde beija, me deixando atônito. Eu fiquei atônito. Aquilo foi
uma demonstração de carinho que… me balançou. — Nossos momentos
antes não foram apagados, pode acreditar.
Lucy baixa minha mão de volta, colocando sobre as pernas e
segurando-a ali, me olhando com expectativa.
— Beleza, é — fico olhando minha mão abraçada pelas dela, buscando
coragem pra continuar. — Sempre que me sinto instável por pensar demais,
eu costumo jogar um cubo de gelo na boca.
— Você… — minha garota parece confusa. — O que o gelo… Ele te
ajuda a lidar com o que acontece?
— Não sempre — não faço caso sobre a realidade. — Mas o fluxo do
pensar acaba sendo tanto que jogar o gelo na boca dá tipo um curto ante os
pensamentos, que interrompe e eu paro de focar no que roda na minha
cabeça e dedico a atenção a manter o gelo na boca, porque aquilo dói. Você
já experimentou?
— Não. — Beleza, aqui ela tava me olhando como se eu fosse mesmo
maluco, mas admirei o jeito que Lucy se recompôs e me incentivou a
continuar.
— O psicólogo que me atendia me recomendou segurar o gelo —
prossigo. — Mas na boca o efeito é mais imediato. Pra mim, pelo menos.
— Entendi — ela concorda —, mas às vezes não funciona?
— Na maioria delas, não.
— Ryan, eu preciso te perguntar uma coisa.
O jeito que ela falou, me deixou em guarda. Totalmente em guarda.
— O quê? — questiono suspeito.
— Quanto tempo faz desde que você tinha tido essa… crise? Posso
chamar assim?
— Pode, e... sei lá — dou de ombros. — Desde que meu irmão voltou
e as coisas se acertaram pra ele e entre a gente, eu acho.
— E quanto tempo tem isso?
— Uns cinco anos, acho.
Lucy salta as sobrancelhas, seus olhos se abrindo mais e o jeito que ela
relaxa os ombros demonstrando desânimo.
Ela ainda tá entristecida quando volta a falar.
— Mais uma pergunta e, por favor, me diga a verdade — pede,
suplicante. — Eu fui o motivo disso ter acontecido com você dessa vez?
Não era minha intenção, não era. Não era mesmo, mas eu hesitei. Eu
hesitei porque a minha mente respondeu que SIM, ELA ERA.
Mas não por culpa dela. Não, Lucy não tinha culpa nenhuma. Apenas
que a minha realidade sendo mudada tão repentinamente por uma mulher,
tava bagunçando o que já estava um pouco arrumado.
As coisas estavam saindo do lugar que eu já tinha guardado. Aquilo
tudo novo precisava de espaço para ser guardado. Espaço esse que não
tinha, então eu precisava desocupar alguns lugares.
Tirar algumas coisas do baú e reviver. Pra aprender a me desfazer do
que não servia mais. Das lembranças dolorosas, até entender e me sentir
seguro de que o “novo” é melhor, e eu posso guardar comigo sem medo de
ser atingido mais tarde.
— Eu não diria que você foi o motivo — respondo o mais depressa
que consigo entre essa lacuna de hesitação. — É só que tudo entre a gente
tá sendo tão rápido e incrivelmente fácil, que eu acho que, sei lá, tô
aprendendo a entender essa mudança. De um jeito positivo, claro.
Lucy estreita os olhos. Não parece que botou muita fé na minha
explicação.
— Entendo — ela desvia o olhar um momento, me deixando em alerta.
É, em alerta máximo... de um fora.
Então eu me adianto:
— Espero que agora você não venha com nenhum papo de "vou ficar
longe porque é melhor pra você", porque aí eu vou ficar puto, Lucy.
Seus lindos olhos se voltam para mim, semicerrados.
— Falo sério — continuo. — Não tô dizendo que não sei funcionar
sem o que você me faz sentir quando tá por perto, porque eu sei. Só tô
pedindo pra você não achar que toda essa neura minha tem a ver com você,
porque não tem.
Ela sorri, me fazendo respirar fundo.
— Eu não pretendo ir a lugar algum, Ryan — declara, vindo pra mais
perto de mim, até o espaço não existir mais entre nós quando ela se senta no
meu colo. — Quero que você saiba que eu não pretendo me afastar, a
menos que você peça — Lucy se inclina, vindo segurar meu rosto com as
mãos enquanto me olha nos olhos. — Se você pedir, Ryan, então eu me
afasto.
— Eu não vou pedir isso nunca — deixo claro, agarrando sua cintura e
depois a barra da sua blusa, subindo um pouco o tecido até ser impedido por
suas mãos.
— Não — ela nega. — Não vamos agora. Eu quero só mais tarde.
Bufo, relaxando a cabeça no encosto do sofá e mirando-a acima de
mim.
— A gente faz mais tarde de novo. Não vai faltar vontade.
— Não, Ryan — ela me censura. — Temos que continuar a conversar.
Quero conhecer um pouco sobre seu irmão, sua família...
— Não é hora pra isso, gatinha — falto bufar de frustração. — O
quanto menos eu lembrar deles também, melhor eu fico. No caso, dos meus
pais. Eles são muito pegados ainda com esse meu lance. É pressão pra mim
e eu não gosto disso. Meu corpo não gosta disso.
Lucy considera o que acabei de dizer.
— Eles te pressionam? — quer saber.
— Me pressionam com a preocupação excessiva camuflada de "já
superamos o que aconteceu" — esclareço.
— Você já tentou dizer isso a eles? Que te faz mal essa preocupação
toda?
Eu hesito.
— Não, mas acho que nunca tive coragem pra isso também. Sei lá,
eles foram atingidos de um jeito pior que eu. Acharam que eu já tava morto,
depois descobriram que eu tava quase morto quando me acharam, mas
então eu fiquei no hospital com risco de morrer — balanço a cabeça. —
Então eu sobrevivi, mas parece que meu corpo continuou querendo morrer.
As mãos de Lucy vêm pros meus braços, fazendo um carinho lento.
— Não vou pedir pra eles não se preocuparem — continuo —, porque
seria como não me importar com o que eles sentem. E eu me importo. Pra
caralho. Só o que me pega é o fingir que "tá tudo bem" quando
visivelmente, pra eles, não tá. Não sei se vai ficar um dia.
Lucy só se pronuncia depois de tempo demais calada.
— Eu acho que eles vão ficar bem quando perceberem que você
também está.
— Mas eu tô! — protesto de imediato.
— Ok — Lucy se esquiva, os olhos estreitos. — Eu só quis dizer
que… — maneia a cabeça. — Não sei como explicar.
— Então não explique — eu me mexo desconfortável, voltando os
olhos pra TV e me entediando com o filme.
E, beleza, talvez não tenha a ver com o filme, mas com a forma como
Lucy tenta se infiltrar no lance "família". Ela nunca vai entender como
meus pais se sentem, ou como me sinto em relação a eles, porque ela não
sabe o quanto fomos atingidos por causa do que meu avô fez comigo.
Foi então que eu percebi que a ideia de abrir a boca pra ela e contar
como me sentia, foi totalmente irracional.
É o começo do meu primeiro namoro, caramba. Eu não quero manchar
ou estragar tudo com o que tenho e aconteceu comigo. Daqui pra frente, é o
que vale. Não tenho que trazer o passado até aqui, tenho que me libertar
dele.
— Tudo bem — ela decide sair do meu colo, mas não se senta do meu
lado. Não, Lucy fica de pé, agarra a bacia de pipoca e avisa: — Vou tirar
um cochilo. O dia na praia me deu sono.
— Deve ser porque você não dormiu à noite — ironizo, sem tirar os
olhos da televisão.
Quase ouço ela soltar um som de desagrado, mas a pergunta vem antes
disso:
— Quer vir comigo? Sei que você não dormiu direito também.
Meu olhar encontra o seu.
— Se eu for com você, vão ser mais algumas horas te impedindo de
dormir — dou um sorriso, também irônico.
— Acho que isso é um processo. Você tem que se acostumar que estou
com você e que agora namora. Isso não vai acontecer se a gente se manter
distante.
— Valeu, mas acho que vou arriscar.
Lucy fica me olhando e depois prende o lábio inferior sob os dentes,
mas não diz mais nada.
Não, ela se vira e sai andando com a bacia de pipocas em direção à
cozinha; só voltando depois de minutos, cruzando a sala de TV em direção
à escada e subindo os degraus, sem mais me olhar.
E aquilo tudo me mostrou que, talvez, estivéssemos tendo o primeiro
atrito do nosso relacionamento.
Capítulo 36

Acordo com um calor na orelha e em toda parte de trás do meu corpo


descoberto. É gostoso e somado a carícia que recebo na cintura, estou
sorrindo imediatamente, confortável e relaxada.
— Desculpa — a voz de Ryan baixinha perto do meu ouvido, me
arrepia. — Não fique chateada comigo.
Estreito os olhos, focando nada em específico.
— Não estou chateada com você — esclareço, a voz embolada de
sono, o que me faz ganhar uma sucessão de beijos ao lado do rosto, junto
com seus grunhidos curtos e do fundo da garganta.
Por que ele tem que ser tão irresistível? Eu não consigo lidar.
— Posso ter vacilado, mas não quero fazer isso com você — ele morde
meu ombro de levinho, me fazendo virar de barriga para cima para encará-
lo. — Sei que você tinha boa intenção, mas não curto nada mesmo daquele
assunto. Não tô justificando ter pisado na bola, só que falar daquilo me
deixa mal.
Gosto muito de como sou capturada pelos olhos num tom esverdeado
brilhante. E essa boca dele… Nossa, é capaz de me levar aos céus. Ele é tão
bonito e tão gostoso que… Foco!
— Eu sempre vou ter as melhores intenções com você — deixo claro,
mas tenho que desviar o olhar para não deixar muito óbvia a minha vontade
incessante por ele. Incrível como é instantâneo. Eu só preciso olhá-lo.
— Não tá mesmo chateada e nem brava? — ele quer saber, segurando
meu queixo e virando meu rosto de volta para si, me fazendo olhá-lo agora
mais perto, seu rosto mais perto, a cabeça inclinada em minha direção. Uma
batalha já perdida por mim.
— Sério, não estou — tento ser bem convincente, porque não quero
que ele fique preocupado. — Eu entendo você não querer conversar sobre
isso, mesmo porque não é obrigado. Minha intenção era só ajudar, mas
como você disse aquela vez no jantar na casa da Samy, sabe sair disso
sozinho. Então tudo bem, não vou mais me meter sem que você queira.
Ele acena positivamente com a cabeça.
— Obrigado.
— De nada — me viro novamente de lado e fecho os olhos, porque
dormir estava sendo tão bom e tudo indica que agora vai ser melhor se Ryan
ficar pertinho de mim.
E ele realmente fica. Me circulando com seus braços, sua respiração se
abafando em minha pele na região do pescoço, o calor do seu corpo junto
ao meu. É delicioso e apaixonante.
— Lucy? — ele me chama.
— Oi — dou um sorriso, sem abrir os olhos.
— Sei que não tá chateada agora, agora, mas — Ryan faz uma pausa
dramática —, caso eu venha te chatear algum dia, como que vou resolver
isso? O que vou ter que fazer pra você me perdoar?
Meu sorriso é mais largo dessa vez.
— Eu não sei — admito. — Isso acho que se descobre na hora.
— Vou ter que ficar tentando? — ele parece pensativo. — Faz parte do
namoro também, tentar consertar as burradas que sei que vou fazer?
— Que pessimismo... mas, sim, faz parte do namoro que a gente
descubra como resolver esses inconvenientes.
Cretina. Sou uma. Completamente. Ryan está achando que pisou ou
vai pisar na bola quando sou eu que tenho o monstro da culpa pairando por
cima da minha cabeça. Eu li o seu diário, afinal.
Sei que com certeza vou dizer a ele em um momento mais oportuno,
mas ainda assim me sinto culpada.
Só não posso dizer agora. Tem que ser em um momento que não seja
na nossa primeira viagem juntos e depois de ainda estar tentando lidar com
um cenário estranho entre nós. Está tudo muito depressa, como o próprio
Ryan reconheceu. Não dá para ser tudo de uma vez. Acho que a mente dele
não aguenta tanto.
— Uhmm… Entendi — ele diz, parecendo ter entendido mesmo, mas
não gostado da minha resposta. — Posso ficar aqui com você?
— Eu adoraria — minha mão vai encontrar a sua em minha cintura,
então puxo seu braço em direção aos meus peitos, onde seguro, indicando
que quero que Ryan fique e não saia sem eu perceber.
— Lucy?
Dou risada.
— Diga — peço, ainda de olhos fechados, minha mão agarrada na sua,
que é tão grande e quente, me dizendo o quanto é bom tê-lo tão perto de
mim.
— Eu gosto muito de você. Mesmo.
Meu corpo se esquenta todo por dentro. Mas não é um calor de fogo
abrasador sexual. Não. É um calor forte e ao mesmo tempo suave, que me
queima pelo arrepio que sinto, tudo se resumindo a um carinho forte, tão
forte que me desmonto.
E me dou conta, então, que me resumo a uma Lucy apaixonada.
Inapelavelmente apaixonada, totalmente entregue ao homem que Ryan
Smith é. Ao Ryan que eu conheci verdadeiramente, que esmigalhou o meu
achismo sobre seu jeito e caráter; e me fez sentir sentimentos tão bons,
como cuidado, carinho, preocupação, necessidade de ajudar, de estar aqui
para ele.
E Deus sabe que isso é uma coisa que nunca acontece quando se trata
de mim. Eu nunca me importei muito em estar apta a ajudar meus
namorados, dar conforto ou essas coisas.
E não era por mal, apenas que não existia essa vontade em mim. Eu
não me importava. O que é totalmente diferente agora, porque eu quero
ajudar o Ryan em todo momento que ele precisar e… talvez isso me torne
um pouco chata.
— Eu também gosto muito de você, Ryan — confesso. — Mesmo.
— Obrigado por ser você — ele agradece, me dando um beijo no alto
da bochecha, que me faz respirar fundo e me entregar ao relaxar inevitável
que me embala.
Depois disso, não vejo mais nada. Apenas sinto. Sinto Ryan todo ao
meu redor.
E meu desejo fica sendo: ter isso por mais dias. Por incontáveis dias.
E, se possível, por todos dias.

Meus olhos se abrem sozinhos, meu despertar sendo natural, o que


indica que dormi muito bem; mas que também preciso de uns segundos
para me reconhecer.
A primeira coisa que noto, é o braço de Ryan pesando em cima da
minha barriga e, quando viro um pouco a cabeça, o vejo apagado ao meu
lado, a boca aberta enquanto ele está imerso em um sono profundo.
Dou um sorriso. Ele é lindo até dormindo.
Meus olhos passeiam, buscando algum indício do horário. Sei que
dormi por volta das três da tarde, depois Ryan acabou me acordando, e
então dormimos os dois... até agora.
Não tem nenhuma janela que eu possa ver nessa posição, então desisto
de querer saber o horário. Não vou tirar o braço dele e atrapalhar seu sono.
Então resolvo esperar, talvez eu durma de novo também.
No entanto, quando o sono está quase vindo por conta de eu estar sem
fazer nada e olhando para o teto, Ryan se mexe.
Eu o olho, vendo seus olhos levemente esverdeados me focarem aos
poucos conforme se abrem.
— Lucy — ele diz meu nome com a voz rouca, lambendo os lábios em
seguida. É muito sexy. — Você tá parecendo que foi picada por abelhas no
rosto.
— Nossa. Bom dia para você também.
Ele sorri e fecha os olhos de novo, mas logo os abre e boceja.
— Que horas são? — pergunta.
— Não sei, não consegui ver.
— Hmm — Ryan se remexe na cama até estar de barriga para cima e
conseguir olhar em direção à varanda, seu braço em minha cintura
desfazendo o contato, o que me faz sentir frio. — Tá claro? Puts. Dormimos
um dia inteiro?
Dou uma risada nervosa.
— Não sei, mas tudo indica que s… — sou subitamente interrompida
da minha fala quando ele vem por sobre mim, seu corpo cobrindo o meu
depois que ele puxa o edredom com força, jogando-o para o lado. — Ei.
— Oi — ele sorri, inclinando a cabeça e começando a salpicar beijos
acima do meu colo, no pescoço e onde alcança. — Tô com saudade já.
Eu me derreto, ficando toda maleável enquanto sou atacada por seus
carinhos, Ryan começando a acariciar a lateral do meu corpo, subindo até
meu peito, que logo é espremido em sua mão.
Meu arfar audível tem mil motivos. É saudade, também. Mas também
é preocupação. Vai ser fácil nosso namoro, tendo em vista que ele é tão
fechado e seu corpo age de forma imprevisível? Eu devia recomendar que
ele fosse a um psicólogo? Um remédio para dormir talvez ajudasse. Ele não
quer que eu me meta. Mas como posso não me meter se é meu namorado?
O bem estar dele e…
— Não quer separar um pouco as pernas pra me ajudar? — sua
pergunta me captura de tanto pensar e direciono meus olhos para os seus,
que me encaram com tanta atenção.
Está desconfiado e eu rapidamente abro as pernas e ergo os quadris,
em um convite óbvio, mas também uma distração do caminho que poderia
vir a calhar. Acabamos de acordar de uma noite, acho, ininterrupta. Não vou
deixar nada estragar isso.
— Você tá bem? — ele pergunta mesmo assim, me fazendo sorrir e
balançar a cabeça em afirmação.
Ainda assim, seus olhos ficam vidrados em mim até eu me incomodar
e me remexer embaixo dele, empurrando seus ombros e fazendo-o cair para
o lado, meio atravessado na cama.
Sua risada gostosa me tranquiliza um pouco e vou na direção do seu
shorts, puxando junto com a boxer para baixo e pelas pernas, descartando as
peças para o chão. Seu pau incrível deita na barriga, me fazendo lamber os
lábios.
— Achei que fosse querer uma pegada mais leve depois de… — Ryan
faz uma pausa, o olhar procurando o meu antes de completar: — Eu ter
ficado por longe.
— Se impedindo de me tocar, você quer dizer — solto por impulso, o
que o faz arquear as sobrancelhas. — Não quero nada mais leve —
esclareço e, para dar força a minha afirmação, agarro seu pau e trago à
minha boca, envolvendo a ponta grossa com os lábios.
Isso o faz sibilar. Me faz sibilar.
Ryan joga a cabeça de volta no colchão, as veias do seu pescoço
saltando conforme desço mais por seu pau, os olhos se fechando pelo
esforço de abocanhá-lo o quanto consigo.
— Porra, Lucy — ele xinga tempestuoso, as mãos vindo até minha
cabeça, onde Ryan segura firmemente. — Caralho, puta merda! — sua
investida suave contra minha boca me faz acumular uma grande quantidade
de saliva, que não consigo engolir e apenas deixo cair.
Ele uiva.
— Ah, assim mesmo, meu amor — sua mão puxa um punhado de
meus cabelos e meus olhos se fecham, minha concentração estando toda na
forma que o sinto pulsar na minha língua, duro e macio, ávido e imparável.
Estamos nos encontrando então, ele vindo a favor da minha boca e eu
contra o seu mastro incrível. E nesse momento não tem mais nada, só nos
dois, numa cama, nos esbaldando um do outro. Deixando que nossos corpos
falem o quanto fazemos bem um ao outro – e que nenhuma realidade
mental vai atrapalhar isso. Nada vai mudar isso.
Eu não quero que mude.
— Eu vou gozar — Ryan avisa, seus dedos em meu cabelo fazendo
uma pressão que dói meu couro cabeludo. — Porra, eu vou gozar tanto!
Tiro-o da boca para poder olhá-lo, seu abdome tenso nos músculos me
dizendo o quão pouco controle lhe resta.
— Pode gozar, eu quero — peço, agarrando seu pau com as mãos,
massageando enquanto vou chupar a ponta e passar a língua devagar.
— Você quer, Lucy? — ele pergunta desesperado, impulsionando os
quadris para cima. — Ah, caramba!
— Quero muito — friso, passando a língua por toda sua extensão, que
tem as veias saltadas, meu suspiro indicando o quanto prazer tenho em fazer
isso. Em proporcionar prazer ao único homem que, até então, tirou algo de
mim além do tesão.
No instante seguinte, Ryan está sentado, meus olhos encontrando os
seus, que brilham como cristais, me fazendo engolir em seco enquanto
minhas mãos trabalham, incansáveis.
— Eu amo ter te encontrado — ele diz, sua mão vindo de encontro às
minhas, Ryan me auxiliando. — Amo como a gente se dá bem. Amo
demais, demais.
Meu sorriso é imediato, uma emoção forte me tomando, me aquecendo
por dentro, me dizendo o óbvio.
— Que sorte eu tive — sussurro e Ryan contorce um pouco o rosto
antes de eu sentir o jato nos lábios, o que me faz abri-los para receber o
segundo e terceiro, o líquido grosso me fazendo fechar os olhos, mas então
os abro outra vez quando sou impelida a sentar.
Ele me puxa para o seu colo, seus lábios encontrando meus seios,
chupando-os com vontade enquanto tento limpar a boca com a mão e a
língua. É tanto... É tanto tudo. Tudo Ryan.
Seus braços me circundam, Ryan me abraçando forte, beijando meu
pescoço e enterrando o rosto ali, sua respiração se acalmando enquanto eu o
sinto.
Não só fisicamente. Não. Eu sinto as suas emoções, o que seu corpo
diz de forma não audível. Sei o que Ryan está me dizendo no seu silêncio.
— Você é muito especial para mim — digo, acariciando seus cabelos.
Sua respiração funda é o som mais melódico e gratificante que eu
poderia ouvir.
— Isso é bom — ele diz enfim, rompendo o silêncio confortável. —
Tomara que você não se canse de ficar comigo.
Quero dizer que isso é muito improvável, já que todo dia com ele é
uma novidade.
Mas decido não dizer nada e só ficar quieta, recebendo seu carinho e
dando um pouco do meu – que eu nem sabia que tinha, até então.
Capítulo 37

Faz um tempo desde que me vi assim. No meu quarto e sozinho com o


notebook. Eu e ele, sem reservas. E o silêncio – pra deixar claro. Tudo flui
melhor com o silêncio e preciso disso. Preciso que as coisas fluam de forma
livre já que é pra falar da saudade e de tudo que aconteceu.
Mas a saudade! Ah, a saudade... Ela é tão desgraçada. Ela não tem
misericórdia e maltrata mesmo. Eu não sabia disso, até agora. Até hoje,
quando minha definição de saudade foi mudada completamente.
Não faz 24 horas que me separei da Lucy, que voltamos pra casa
e… Droga, eu me arrependo de não ter aproveitado mais. Me arrependo
daquele tempo que não a toquei, que discutimos por minha causa e não
aproveitamos. Me arrependo de não ter conseguido impedir que nossa
primeira noite na cama juntos fosse bombardeada [pelo meu pesadelo].
Me arrependo pelos dias não serem mais longos. Me aflijo pelo tempo
ter tão pouco tempo. Merda, eu a quero agora mais que antes. É como uma
precisão imediata. Incontrolável, impulsiva. É desesperador.
Mas não posso fazer muita coisa. Ela foi pra casa da amiga depois do
acontecimento inusitado que tivemos aqui depois da nossa chegada.
É, porque teríamos um último momento juntos antes de eu levar ela
pra casa, mas nosso plano foi arruinado assim que eu vi que meus amigos
estavam dando uma festa na minha casa. As luzes coloridas irradiando pelas
janelas e a música alta não negavam.
Daí então, foram só peças fora do lugar.
— Que merda é essa? — questiono incrédulo, mas não devia estar. Eu
mesmo há alguns dias estaria participando disso.
— Acho que seus amigos deram uma festa enquanto você estava longe
— minha namorada dá uma risadinha, me fazendo olhá-la só pra soltar um
som ruidoso.
— Não acredito nisso — começo a prosseguir em passos que me
deixam na porta, minha mão girando a maçaneta e logo faço uma careta ao
ser recepcionado por um casal se pegando na sala de entrada que não se
compara ao que está no primeiro sofá e outro no segundo sofá, já transando.
— Puta merda — me viro imediatamente, fechando a porta e
impedindo que Lucy entre. Ela me olha com olhos surpresos, não
entendendo e retrocedendo em passos. — Você fica aqui. Pelo amor de
Deus, nem pense em passar dessa porta, Lucy Waller.
— Uau — ela ri. — O que tem dentro da casa que te deixou desse
jeito?
— Apenas fique aqui — friso, segurando seus ombros e levando-a um
pouco mais pra trás, onde a deixo com um beijo na testa antes de voltar à
casa.
Bato a porta com força ao entrar, só o primeiro casal interrompendo o
beijo pra me olhar.
— Se mandem daqui — rosno, o que faz a mulher me xingar.
— E quem é você pra nos expulsar? — ela questiona.
— O dono da casa!
Eles reclamam, mas acabam saindo e minha atenção não vai na cena
desconcertante do segundo sofá; só me preocupo em achar Samuel Fox pra
acabar com a sua raça.
Caralho, ele não tava responsável? Achei que sim! Pelo menos, dentre
nós ele sempre foi o mais. O mais cabeça até então. Achei que o trabalho
iria deixá-lo ainda mais. Mas parece que não.
O andar de cima também parece uma perdição, é o que comprovo
enquanto passo pelo corredor dos quartos. Todas as portas abertas, todas as
camas ocupadas, até que eu vejo os cabelos cacheados dele.
— Porra — reclamo, entrando no quarto e espancando a porta aberta,
até que ele rosna e vira a cabeça, me notando. Seu sorriso de vitória é
patético. — Você tá maluco? — pergunto.
Ele volta a atenção para a garota na cama, dizendo alguma coisa pra
ela antes de se levantar e puxar um lençol pra enrolar na cintura, vindo até
mim.
— Obrigado por interromper minha transa — ironiza. — Achei que
você não ia voltar mais.
— Sem essa! Fiquei fora 5 dias só e você faz da minha casa um
puteiro, caralho?
Samuel se esquiva.
— Quem é você? — seu rosto é de quem estranhou o que ouviu. — O
que fez com o meu amigo?
— Vai se foder, Samuel! Isso não tinha que estar acontecendo aqui,
você enfiou o juízo no vaso e deu descarga?
— Caralho, Ryan, se acalma — ele pede, agora descrente. — Até
parece que a gente nunca foi em lugares assim. Aliás, isso é bem a sua cara.
— Estar em lugares assim não significa que quero que minha casa seja
assim! — me estresso, meus olhos voltando para a mulher da cama, que se
levantou e se aproximou. Ela dá um sorriso sugestivo pra mim, que me faz
balançar a cabeça. — Corta essa.
Saio do quarto e desço as escadas, a tempo de ver quando Samara, a
amiga de Lucy, sai correndo chorando porta afora, Douglas estando de pé
ao lado do segundo sofá, me fazendo ver que era o cara do casal transando.
Ele parece desorientado, passando uma mão no cabelo e olhando pra
porta recém fechada.
— Olha quem resolveu aparecer, finalmente! — a voz de Nathan me
faz ranger os dentes.
Pra minha surpresa, quando se coloca em meu campo de visão, está
completamente vestido. Composição de terno e gravata e quem olha pra ele
não diz que, bom, é o Nathan. O cara que sempre tá seminu.
— Fala, parceiro — ele se aproxima pra me cumprimentar com um
abraço, se afastando pra me olhar com as sobrancelhas erguidas. — Que
cheiro doce forte é esse em você?
— O perfume da minha namorada — respondo, meus olhos indo pro
idiota do Douglas. — Se veste, caralho — me viro pro Samuel. — Vou
deixar minha namorada em casa e quando eu voltar, quero essa casa vazia e
limpa, entendeu? Bando de sem noção.
Me afasto dos olhares visivelmente chocados e desentendidos,
voltando pra perto do meu porto seguro, aquela que parece apagar todo e
qualquer incômodo da minha vida. Até do Ryan que eu já gostei de ser.
— Ryan — ela me encontra no meio do caminho, os olhos
preocupados. — Tudo bem ali dentro? A Samy passou aqui correndo e,
quando tentei ir atrás dela, ela gritou para eu deixá-la em paz. Nunca a
Samy gritou comigo.
Meu corpo reage sozinho quando agarro Lucy e a puxo na minha
direção, minha boca procurando a sua, em desespero e precisão. Quando
nossos lábios se encontram, deixo que todo o meu estresse se esvaia no
contato quente e no jeito que ela se molda a mim, e derrete, correspondendo
o beijo.
Suave, doce, delicada e, ao mesmo tempo, feroz, sedenta e faminta.
— Tudo bem — deixo nossas bocas descansarem quando ficamos sem
fôlego, as respirações ofegantes se encontrando. — Vou te deixar em casa.
— Achei que íamos ter um momento antes — ela sussurra,
decepcionada.
Dar uma resposta nunca foi tão doloroso.
— Aqui, não hoje — seguro sua mão e a levo comigo de volta ao
carro. — Vamos, vou te levar pra casa.
— Nossa — Lucy solta. — Seja o que foi essa festa, te deixou um
pouco perturbado.
— Ainda bem que você já tá acostumada com meu nível de
perturbação — dou um sorriso irônico.
E nós entramos no carro. E fomos pra sua casa. Eu tava com medo
também de dizer algo demais por conta do estresse que ver aquilo tudo na
minha casa me causou.
Foi de foder, no pior sentido.
Meus amigos estão completamente loucos! Sei, eles nunca não foram,
mas, quero dizer, o nível da noção beirava o suportável.
Saíamos pra beber, boates, sexo e tudo mais, mas fora de casa. Estar
em casa sempre foi o lugar de descanso, então por que caralhos eles
resolveram mudar isso do nada? Como se fosse aceitável trazer o externo
pro lugar que a gente mantinha a maquiagem de não ser afetado pelo que
nos aguardava ao lado de fora.
Minha cabeça pareceu que ia explodir.
Quando chegamos na casa da Lucy, eu me inclinei pra beijá-la antes
que saíssemos do carro, mas ela se esquivou um pouco e meu beijo acabou
ficando no canto da sua boca.
Eu não ia cobrar nada, um motivo por ela ter feito aquilo, porque eu
sabia qual era. Eu, de novo, tava pisando na bola, tinha sido irônico sem
querer. Isso era uma droga involuntária. Porque eu acabava soando como
desdenhoso, sem querer.
— Você quer conversar? — ela ainda perguntou, sendo uma garota
excepcional como só ela sabe ser.
Respirei fundo pensando se fazia sentido dizer pra ela que uma
banalidade visual tinha me afetado.
— Não hoje, muito cansado da viagem — respondi e Lucy concordou,
saindo do carro e me fazendo ter a mesma atitude.
Pegamos sua mala e seguimos até sua casa, ela batendo na porta antes
de sermos recebidos pela sua irmã, que abriu a boca de um jeito espantado.
— Você está toda vermelha! — falou pra Lucy. — Ficou até… bonita.
Lucy riu e a abraçou, entrando em casa e me deixando atrás.
Julie também me olhou em seguida, dando um sorriso.
— Oi, Ryan. Você está bonito também.
— Oi, mini Lucy. Obrigado — apontei por onde minha namorada tinha
sumido. — Seus pais estão em casa?
— Não, né? Eles estão trabalhando. Você sabe, as pessoas trabalham
durante a semana.
Concordei com um balançar de cabeça.
— Sei.
— Você não vai entrar? — ela abriu mais a porta, me fazendo ver Lucy
voltando, sem blusa e só com o sutiã na parte de cima.
— Não, Julie, ele não vai — minha namorada respondeu e, me
olhando, questionou: — Pode me levar na casa da Samy? Preciso conversar
com ela.
— Claro — concordei e olhei sua irmã caçula, que estava atenta em
mim. Parecia suspeita. — Vamo voltar com as aulas de violão semana que
vem.
— Ah, tudo bem — ela não fez caso. — Por você está estranho assim?
— Estranho?
— Sim, como se estivesse esperando que algo ruim fosse acontecer a
qualquer minuto — Julie gesticulou, explicando sua resposta. — Eu fico
com essa cara quanto espero as notas das provas de matemática.
E eu não tive tempo de dizer nada, porque ainda bem que Lucy
reapareceu, dando alguns avisos pra irmã, que a fez revirar os olhos e dizer
que já sabia de tudo aquilo.
E nós saímos, rumo à casa de Samara, que tinha ficado mais chocada
que eu ao ver o que estava rolando na minha casa. Eu não podia tirar sua
razão e deve ter sido muito pior ao ver Douglas, que até então eu achava
que estava começando a considerá-la um pouco mais. E talvez fosse
verdade.
Lucy foi o caminho todo mais quieta do que falando. Tomei aquilo
como motivo de cansaço, o que foi muito melhor pra prosseguir com a paz.
Quando estacionei, antes de descer do carro, ela me olhou, mordendo o
lábio antes de perguntar se eu queria entrar com ela.
— É melhor não — recusei, sentindo que aquilo tinha se instalado de
novo entre nós. Aquela distância chata que eu tinha a maior facilidade de
trazer. — É um momento de vocês agora.
Ela sorriu e concordou com a cabeça, me soltando um beijo antes de
sair do carro.
— Ah — ela ainda botou a cabeça na janela. — Eu te mando
mensagem quando chegar em casa.
— Tá bom — concordei.
E recebi um último sorriso antes de observar minha namorada seguir à
porta da casa amiga, meus dedos apertando o volante dizendo o quanto
minha real vontade seria continuar em um lugar a sós com ela.
Mas, como não dava...
Eu fiquei lá, parado dentro do carro, esperando que ela estivesse em
segurança dentro da casa da amiga, mas a única coisa que eu não
esperava é que Lucy fosse ser recepcionada por um abraço duradouro
demais do Landon, o irmão da Samara.
Ele tinha um sorriso fodidamente alegre e largo demais por ver e
abraçar ela, e eles dois trocaram palavras por tempo demais antes de ele
convidá-la pra entrar, a mão na cintura dela.
Aquilo me fez…
Eu não sei. Mas não foi legal. Não tá sendo legal relembrar agora,
aliás.
E quando Lucy me mandou mensagem agora há pouco, eu não
respondi porque estava com um peso estranho. Não sei. Algo depois de ver
eles dois tão familiarizados e próximos.
Eu posso sentir a barreira entre minha namorada e eu de novo. O
grande muro.
Só que agora não faz sentido porque o cara é irmão da melhor amiga
dela. É claro que eles se conhecem. Antes de mim, Lucy já o conhecia. Eles
já conversavam e riam juntos. Eles já passaram tempo o bastante juntos pra
ter tanta intimidade.
Mas por que isso tá me incomodando tanto?
Capítulo 38

Depois de Lucy ter sumido pra dentro da casa da Samy, e eu ter ficado
um tempo sozinho dentro do carro considerando aquilo, decidi enfim ir pra
casa.
Não dava pra ficar me remoendo naquilo e, além do mais, eu confiava
nela. Confio na minha namorada. Não acho que ela vai dar algum tipo de
liberdade a mais pra algum cara, porque agora ela tem a mim.
Naquela hora, já tinha ficado escuro, a noite tinha começado. Eu tava
cansado e triste por ter tido pouco dias com ela, mas tentei ser positivo.
Lucy quis viajar comigo e se tornar minha namorada, afinal. Não tinha do
que eu reclamar... Exceto pelo incômodo por ver seu amigo tão perto e com
tanta mão e simpatia.
Enfim, eu segui caminho. Tava indo pra casa, mas me lembrei que
tinha dito pra minha mãe que visitaria ela depois que voltasse. Por que não
naquela hora? Eu ainda não tava paciente o suficiente pra lidar com meus 3
amigos sem noção. Isso me daria algum tempo.
Então foi isso, decidi de um último momento. Mudei de rota e rumei
pra casa dos meus pais. Mais preparado pra enxurrada do camuflar que
veria nos olhos de ambos: minha mãe com sua preocupação, meu pai com
extrema e incômoda culpa.
Cheguei, toquei a campainha e esperei. Fui recebido pela minha mãe,
que me abraçou tão forte que me fez rir. E isso pareceu estranho pra ela, que
se afastou com uma expressão curiosa e ficou me olhando com olhos
estreitos.
— A viagem foi boa assim? — ela quis saber.
— Como assim?
E pra falar a verdade, eu não devia ter perguntado. Pra que, né, cara?
Por que eu não calei a boca ali naquela hora? Por que não mudei de
assunto?
— Você está rindo assim... — minha mãe gesticula em minha direção.
— Tão à vontade, com vontade, de peito aberto. Sua amiga foi mesmo com
você?
— Ahn... — balanço a cabeça, sem jeito. — Foi, foi sim. Ela foi. Foi
divertido, a gente riu bastante. Nada demais. Coisas de amigos, sabe?
Minha mãe sorri de um jeito muito largo e pela primeira vez desde que
me lembro, e isso é muito tempo, vejo seus olhos brilharem de um jeito
feliz. Sem peso, sem obscuridade.
Minha mãe sorriu e foi pra valer.
— Então — digo quando o sorriso dela pra mim começa a me fazer
sentir culpa por não contar que, na verdade, tô namorando —, a senhora me
disse antes de eu viajar que meu pai queria conversar comigo.
— Isso, querido — ela me puxa e fecha a porta, me mantendo debaixo
do seu braço enquanto começamos a caminhar pelo corredor. — Ele está na
cozinha — recebo um beijo no rosto enquanto seguimos. — Você mudou de
perfume, filho?
Merda.
— Não — dou um sorriso. — Deve ser o da minha amiga, ficou em
mim quando a gente se abraçou em despedida.
E aquilo foi algo que me fez corroer mais um pouco. Droga, mano, eu
não tinha sequer dado um abraço na Lucy antes de ir embora. Que tipo de
namorado eu tava sendo? Aprendendo a ser... Um babaca?
— Amor, olha quem chegou! — minha mãe grita quando chegamos à
cozinha, onde meu pai tá preparando uma comida tão cheirosa que eu quase
ouço minha barriga pedir.
— Caramba, pai — me aproximo dele quando minha mãe me solta,
então dou uma olhada no fogão. Tem muita comida, umas cinco panelas
cheias. — Que isso, hein? Daqui a pouco vira chef.
Ele ri.
— Oi, filho. Muito obrigado — agradece. — Mas, você sabe, sua mãe
me ensinou tudo. A digníssima chef da família.
Concordo e digo de impulso:
— Minha amiga ia adorar se tivesse vindo. Ela ama comer.
Imediatamente calo a boca, porque sinto o olhar dos dois em mim.
— Ah, verdade? Essa sua amiga... — minha mãe é quem corta o clima
repentino da minha tensão. — Por que não nos conta mais sobre ela? Parece
que você está ficando bem próximo dela.
— Não, não — ergo os ombros, fingindo desdém. — Conhecer ela foi
meio que acaso e... — de repente começo a voltar a fita na mente.
Do dia que conheci Lucy, do desespero que fiquei quando ela me
contou sobre a minha foto no site da Winess, de como ela disse umas
verdades na minha cara sem cuidado algum e sobre como, a partir daí, eu
fui assombrado, no bom sentido, diariamente por ela na minha cabeça.
E a saudade bateu.
Forte e dolorosa, que eu tive que respirar fundo, sem meios de me
segurar que não lidar com aquilo.
— E...? — meu pai me dá um toque no ombro, me fazendo focar ele
de novo.
— E... — gesticulo. — Bom, isso que vocês sabem. A gente viajou,
ela é legal e a gente que se faz rir. Quer dizer, se faz rir. Nós fazemos um ao
outro dar risada — me atrapalho. — Ela me faz bem, pronto! Melhor assim.
O olhar da minha mãe me atrai, porque meu pai consegue ficar
concentrado na carne que está mexendo na panela, como se eu não tivesse
dito nada importante.
— Parece que faz mesmo — ela sorri, os olhos brilhando com emoção
visível. Aquilo fez algo em mim balançar.
Eu não sei, fiquei triste por minha mãe não conseguir esquecer o que
aconteceu e, naquela hora, ter mostrado um fio de algo a ver com
esperança. Mas não pra ela. Não, essa esperança era em relação a mim.
— Por que tanta comida? — mudei de assunto. — Vocês moram
sozinhos e parece que vão alimentar uma creche.
Meu pai dá risada.
— Vamos levar as comidas para as famílias necessitadas — ele
explica, a voz diminuindo de volume quando completa: — Tem muita
criança sem ter o que comer por perto, e nós podemos ajudar.
— Nossa, maneiro — me impressiono.
— Precisamos mesmo conversar, filho — emenda.
O tom sério me deixou em guarda.
Meu pai desliga o fogo pra me olhar, então segura meu ombro e me
incentiva a caminhar até uma das cadeiras da mesa.
Ele senta na minha frente, os olhos da cor dos meus se voltando pra
mim. Nunca o vi desse jeito.
A expressão um misto. Apreensão, seriedade, cautela, tristeza, e eu tive
que dar uma olhada na minha mãe que ficou sentada no banco da ilha.
Ela sorriu, ainda com a emoção nos olhos.
— Sei o quanto é difícil pra você, Ryan, mas não tem como adiar mais
— meu pai começou e, tava na cara, eu logo saquei o que seria. — Você
precisa começar a ajudar no trabalho da Winess. E — ele estendeu a mão,
como se eu fosse rebater, o que eu nem iria fazer — também voltar com as
consultas no psicólogo.
Eu esperei um pouco antes de me pronunciar. Porque a bomba
explodiu de uma vez e não deu tempo de nem sentir nada.
— E por que eu preciso? — pergunto, uma calma impressionante na
minha voz.
— Porque seu pai vai se aposentar — minha mãe responde, o que me
pega de surpresa.
— Caramba, pai — meus olhos estão alarmados. — Por quê?
— Cansaço. Já dediquei muito do meu tempo na Winess e agora confio
em deixá-la nas mãos de vocês, os meus filhos.
Dou risada, inconscientemente.
— O senhor não me leva a mal, mas essa corda não vai vir pro meu
pescoço. Eu tenho preparo nenhum!
— Você não vai começar sabendo, Ryan — ele usa um tom de voz
neutro. Continua com o peso de decisão final, mas ainda tem suavidade. —
Seu irmão vai te ajudar, você pode me pedir ajuda. A Crystal também vai
estar sempre por perto.
Balanço a cabeça em negativa, meu corpo dizendo não enquanto a
minha mente grita que SIM, é uma boa ideia.
Tô namorando agora. Com uma garota incrível, decidida
e responsável. Ela não vai querer um desocupado perto dela. Eu tenho que
compensar de algum jeito. Não posso ser traumatizado e desocupado. Os
dois seria muita coisa. É pedir pra levar um pé na bunda.
Observando agora, até que foi tranquilo. Em outro momento, eu teria
explodido com essa possibilidade. De trabalhar na Winess. Eu sempre
explodia.
Mas agora é como se tudo isso, essa memória de recordar que a
Winess foi a ponte que manteve meu irmão longe por tanto tempo enquanto
se sentia culpado; enquanto tudo acontecia em câmera lenta perto de mim,
me deixando como uma bolha prestes a estourar; é como se estivesse
sumindo. Se apagando. Ficando quase um borrão, difícil de enxergar sem
focar.
Tudo de um jeito que nem percebi, mas foi ficando pra trás, até então
não me causar aquele arrepio no estômago pelo que acabei de ouvir meu pai
dizer: vou precisar trabalhar na Winess.
— Beleza — concordo. — Quando eu começo?
— Semana que vem? — ele não se dá tempo de ficar petrificado igual
minha mãe. — Na segunda?
— Ok — aperto sua mão, retribuindo o sorriso que ele me oferece. —
Segunda, então.
E a minha vontade maior foi contar pra Lucy naquela hora. Ligar pra
ela e dizer, mas a barreira entre nós não permitiu.
Não enquanto a cena de ver seu abraço com Landon ainda tava tão
vívida na minha mente.
Capítulo 39

Chego ao trabalho cheia de desgosto. Nem parece que nos dias


anteriores, eu estava me sentindo no paraíso. Estava com Ryan, sendo feliz
e completa.
O mesmo Ryan, que é meu namorado, e está me dando o gelo desde
que me deixou ontem na casa da Samy.
Tudo bem, tudo certo. Eu sei que ele tem uns problemas para resolver
em relação aos seus amigos, mas isso não justifica ignorar minhas
mensagens.
Até porque o nosso relacionamento não tem nada a ver com aqueles
caras idiotas.
Samy me contou, quando fui vê-la, o que houve na casa de Ryan.
Estava desconsolada na cama do seu quarto quando cheguei. Ela pegou
Douglas tendo relações com outra, a cores, na sala de estar. E isso não fez
nenhum sentido para mim.
Douglas e Samara não namoram. Eles não têm um relacionamento,
então por que isso a incomodaria? Foi exatamente o que perguntei, e a
resposta só comprovou mais da idiotice dos caras.
Ela disse que foi convidada pelo Douglas para um jantar a dois, e
quando chegou lá, não tinha nada disso. Na verdade, ele estava jantando
outra coisa. Fiquei um pouco impressionada, embora não tanto.
Não entendo por que ele fez isso. Não tem explicação, ela disse. Tem,
sim. Ele ser um imaturo e desconsiderar qualquer sentimento dela, mas eu
não disse isso. Só fiquei lá com ela, tentando dar algum conforto.
Mais tarde, quando fui para casa, mandei mais mensagens para o Ryan.
Ele ficou online, sinal que viu, mas não respondeu. E não estou “a
paranoica” pensando que ele resolveu mudar seu jeito depois que
chegamos.
Não estou. Mas seria bom que ele respondesse nem que fosse com um
emoji, assim eu me sentiria menos distante dele e também menos
apreensiva.
Porque... O que faço agora? Vou até sua casa? Dou espaço para ele?
Mando uma mensagem – mais uma – de “tudo bem?”.
— Olha ela, toda gostosinha — Brad, meu amigo do trabalho, dispara
assim que me vê, me fazendo arquear as sobrancelhas em sua direção.
Rapidamente, ele se corrige: — Quis dizer, toda queimadinha. Desculpe.
Dou um sorriso, sem ânimo.
— Bom dia, Brad — tomo meu lugar na cadeira, guardo a bolsa, ligo o
PC e relaxo no assento enquanto o Windows inicia.
Meu suspiro de desgosto deve ser muito evidente porque meu colega
questiona:
— A viagem foi ruim assim?
Eu o olho e todas as palavras que quero descarregar para desabafar
com alguém, ficam presas na minha garganta. Não posso contar ao Brad
sobre Ryan. Não posso contar a ninguém. Prometi a ele.
— Foi uma ótima viagem — respondo com um sorriso, dessa vez bem
sincero. — Exceto que o pai da Shirley me cobrou trabalho.
Brad ri.
— Mas fora isso, foi tudo bem? — ele aproxima sua cadeira mais
perto da divisória, de forma que consegue se inclinar na minha direção para
sussurrar: — Ryan não tentou nem uma gracinha com você, né?
Estreito os olhos.
— A que você se refere? — quero saber.
— Ele tentar te levar para a cama, Lucy. Baseado no que sabemos
sobre ele...
— Ah, isso? — volto os olhos para o monitor, engolindo a
verdade. Não foi ele quem tentou, eu que tentei. Dou um sorriso. — Não,
não. Não tentou nem uma gracinha.
— Por que você sorriu desse jeito então?
Eu o olho outra vez.
— Que jeito?
— De um jeito malicioso — Brad franze o rosto. — Vocês se beijaram
ou algo assim?
— Por que tantas perguntas, Brad? — devolvo. Por que tão
intrometido, Brad?
— Porque a minha amiga viajou por dias com um cara que ela detesta.
Estou preocupado.
— Não precisa se preocupar — o tranquilizo. — Foi tudo bem. Deu
tudo certo.
— Você foi à praia sozinha ou...
Eu o interrompo antes que termine.
— Fui com o Ryan. Ele me levou em alguns lugares, alguns
restaurantes... Comi muitas comidas deliciosas e, quer saber, Brad? Ryan é
uma ótima companhia. Me fez repensar tudo o que eu tinha pensado a
respeito dele e cheguei à conclusão de que eu estava completamente
equivocada.
Meu colega estreita os olhos, como se eu tivesse dito um monte de
coisas absurdas.
E talvez tenha dito mesmo. Saí daqui, há cinco dias, dizendo que iria
deixar claro para Ryan que não queria mais que ele ficasse aparecendo e, de
repente, volto com uma opinião completamente diferente.
Não vou culpar Brad, eu também estranharia.
— Para onde vocês foram? — ele pergunta, mais fraco dessa vez. Eu
diria que sua voz tem até um certo desânimo camuflado.
— Brasil — aproveitando a área de trabalho aparecendo no meu
monitor, acho por bem finalizar o papo: — Vamos trabalhar.
Brad não diz mais nada, apenas volta para o seu lugar e não me dou
tempo de focar em sua expressão vazia.

Quando meu expediente acaba, percebo que nunca me senti tão moída.
Minhas costas doem, meu pulso e, principalmente, minha cabeça – que
parece pesar uma tonelada.
Shirley, a honorável filha do chefe supremo, a insuportável, fez
questão de vir até mim e dizer que o pessoal dos outros setores tinha
colocado muito trabalho na rede, e que eu precisava correr contra o tempo,
já que havia acumulado serviço “só” para me dar o luxo de viajar com Ryan
Smith, sabendo que o pai dela, meu chefe, não iria impedir.
Como se eu tivesse tido culpa...
Mas tudo bem, o importante é que consegui finalizar a maioria e agora,
rumo ao ponto de ônibus, com o celular em mãos, fico dividindo o olhar
entre a rua e a tela, onde as mensagens que enviei para o meu namorado
NÃO FORAM RESPONDIDAS.
Que ódio.
Respiro fundo, tentando me convencer que ok, Ryan não sabe como
funciona o namoro. Talvez ele não tenha ideia que deixar a própria
namorada no vácuo por mais de 24 horas seja angustiante e digno de
estresse. Principalmente quando ela tem conhecimento da confusão na
cabeça dele e também fica preocupada.
Paro no ponto e sento no banquinho. Fico encarando a tela do celular,
pensando e repensando.
Ligo ou não ligo? Não vou bancar a perseguidora, mas, caramba, a
gente acabou de começar a namorar! Eu estou com saudades!
Vou ligar.
Faço a chamada e ponho o celular no ouvido, aguardando e
aguardando.
Alguns segundos nunca foram tão duradouros.
— Alô? — a voz rouca dele enfim preenche os meus ouvidos, me
fazendo soltar uma respiração funda, de puro alivio.
Meu cansaço até se dissipa um pouco e meu sorriso é tão largo que
uma garotinha no ponto de ônibus fica me encarando, provavelmente me
achando uma esquisita.
— Oi... — respondo, tímida. Ironia, né? É o meu namorado. —
Resolvi ligar já que você sumiu. Fiquei preocupada e... com saudades.
Digo a última parte quase inaudível.
— Ah — Ryan não parece o mais animado. — Não sumi, Lucy, eu só...
tava aquietando a mente antes de falar com você de novo.
Tento evitar, mas minha respiração de desagrado acaba sendo audível.
— Você não precisa evitar falar comigo ou me ver porque sua mente
está agitada. Eu vou querer te ver como for.
Ele dá um risinho e meu coração saltita no peito.
— Que que isso — ele solta. — Assim eu vou me sentir muito
desejado.
— Eu sou sua namorada, claro que te desejo — esclareço. — Muito,
aliás. Estou saindo do trabalho, posso ir te ver?
Quando eu cheguei nesse nível? De saudade que desespera.
— Claro, pode — Ryan responde depressa, para o meu alívio. Se
houvesse hesitação, seria motivo de repensar o nosso namoro. — Quer que
eu vá te buscar? Onde você tá?
— Eu vou de ônibus. Esperar você vai demorar mais e eu estou com
saudades.
— Nossa — ele ri. — Tudo bem, mas toma cuidado.
— Vou tomar.
— Quer que eu te espere pelado na cama?
Dou risada.
— Para — me levanto do banco quando o ônibus chega. Não seria má
ideia... — Até já.
Desligo o celular com um sorriso na boca. Mais leve, mais feliz e, sem
dúvidas, nem um pouco cansada.

Quando toco a campainha da casa de Ryan, não preciso esperar muito.


Logo a porta se abre e meu delicioso namorado aparece à minha frente,
totalmente quente usando um shorts preto e uma blusa azul escuro. Salivo
imediatamente, fascinada.
— Oi — sorrio, sem jeito, porque Ryan fica me olhando de um jeito
que me atinge por dentro. Eu não sei, é como se ele tentasse me ler e me
puxasse para fora de mim.
O que faz sentido, já que ele gosta de escrever sobre seus dias e, bem,
eu faço parte deles.
— Oi — ele abre mais a porta, me dando espaço para passar. — Eu
tenho uma coisa pra te contar.
Me viro imediatamente para ele depois de entrar, um frio na espinha
pelo modo como as palavras saíram da sua boca.
— O quê? — quero saber.
— Vamo ali na cozinha. Tô fazendo um lanche pra você.
Ryan vai na frente, me arrancando um sorriso ante essa informação,
mas minha cabeça fica presa no anúncio que fez antes.
Quando chegamos ao cômodo, vou me sentar em uma das cadeiras da
mesinha redonda, observando quando meu namorado para nas bancadas,
preparando algo que parecem ser panquecas.
Ele não me agarrou, mas tudo bem. É nosso primeiro encontro desde
que nos vimos a última vez e começamos a namorar... mas a mente dele está
agitada, eu não vou estranhar a falta de demonstração de saudade.
— O que vai me contar? — pergunto, tamborilando os dedos na
superfície da mesa.
Percebo o modo como sua camisa estica nos ombros, indicando sua
respiração funda não audível.
— Eu vou trabalhar na Winess. Começo na segunda que vem.
Meus olhos arregalados não descrevem o quanto a notícia me choca.
De surpresa, de muito choque, mas, principalmente, de alegria.
— Sério? — tento manter o tom brando, como se não fosse algo que
vai me fazer sufocá-lo em um abraço. — Isso é... bom?
Sai uma pergunta, inevitavelmente.
— Acho que sim — Ryan se vira com um prato em mãos, contendo
três massas enroladinhas. Caminhando até onde estou e colocando-o sobre a
mesa, ele se inclina para falar perto do meu rosto: — Quero ter algo pra
fazer além de ficar só pensando em você.
— Entendi — digo somente, como se não estivesse transbordando por
dentro de felicidade e como se ele não tivesse acabado de roubar meu ar.
Ryan vai trabalhar na Winess? A empresa de vinhos da família dele
que ele não podia nem ouvir o nome antes de surtar? Caramba. Isso é muita
coisa. Muita mesmo.
Olho o prato sobre a mesa. Ryan senta em uma das cadeiras vazias e
fica me fazendo companhia enquanto reflito.
— Vou lavar as mãos — digo, me levantando e indo rapidinho na
torneira, aproveitando o tempo para sorrir o quanto quero pela notícia.
Meu namorado está, ainda que muito aos poucos, se libertando do que
o aflige. Foi por isso que ele sumiu, então. Estava considerando que agora
vai trabalhar na Winess.
Ai, meu Deus. Estou tão feliz, tão feliz por ele!
Quando volto para me sentar, Ryan me puxa, me fazendo cair sentada
em seu colo. Meu gemido de conforto e agrado é insegurável. Eu amo, amo,
amo demais o colo dele.
A presença dele.
Tudo nele!
— Desse jeito não vou prestar atenção na comida — brinco, puxando o
prato na minha direção e agarrando os talheres.
— Vou ficar quieto — ele promete, para o meu azar, e emenda: —
Como foi seu dia de trabalho?
— Trabalhoso — enfio um pedaço da massa na boca, gemendo. E
dessa vez pelo gosto indescritível do recheio da panqueca. Deus abençoe as
mãos do meu namorado sempre e sempre. Que sorte a minha! Que sorte eu
tive! Tenho vontade de gritar isso para o mundo.
— Ruim acordar e não me ver, né? — ele pergunta.
— Nisso você tem muita razão — concordo, cortando outro pedaço da
panqueca. — Cadê seus amigos?
— Ah — esse som é de desgosto. — O Douglas se mudou depois de
ontem.
Meus olhos se arregalam e viro a cabeça na direção de Ryan.
— Verdade?
— Foi. Não foi por eu pedir, a propósito.
— Achei que você o tivesse expulsado depois do que ele fez.
Ryan sorri.
— Sua amiga te contou, foi?
— Foi — volto a atenção para o meu lanche reforçado. — Ela ficou
em desalento pelo que viu.
— Imagino...
Posso sentir no jeito que ele fala, que realmente chega a imaginar. Mas
não vou focar nisso, então pergunto:
— E os outros?
— O Samuel trabalha agora, o Nathan também. Eles passam o dia fora
de casa, chegam bem à noite.
Viro a cabeça na direção do meu namorado, levando uma mão ao
peito.
— O meu neném fica sozinho até tarde?
Ele ri, seu sorriso me fazendo abandonar o prato e inclinar a cabeça,
aproximando nossos lábios.
Ryan me puxa e me acomoda em seu colo da maneira certa, minhas
pernas uma a cada lado, meus braços circulando seu pescoço, eu estando de
frente para ele.
Estou no paraíso outra vez!
— Senti sua falta — admito, pela segunda vez. Também não quero ser
melosa demais, mas esse sentimento por ele... Ah, é inevitável!
— Eu também, desde antes de você me deixar — ele puxa minha
cabeça em sua direção pela nuca e mordisca meu lábio inferior, mas me
afasto para dizer:
— Não deixei você. Eu quis que você entrasse comigo e...
Ganho uma carícia na nuca que me faz calar a boca.
— Minha nossa — suspiro. — Essas mãos...
O jeito que ele fica sorrindo para mim...
Balanço a cabeça. Ou estou com muita sorte, ou muito ferrada.
— Não vamos falar do passado — ele pede baixinho, a boca vindo
próxima ao meu pescoço.
Fico maleável à sua vontade.
— Que tal um banho? — proponho. — Ou dois? Pode ser três. Eu não
vou me importar.
Sua gargalhada me faz confirmar o que eu temia: estou mesmo
desesperada.
— Claro. Um banho.
Ele dá uma chupada no meu pescoço antes de esvair todos os toques de
mim e me induzir a ficar de pé.
Eu o olho. Está neutro e tranquilo.
Calmo, aparentemente.
— Só se você quiser... — acho bom explicar.
Ryan agarra minha mão e leva à boca, onde deixa um beijo antes de
explanar:
— Eu quero tudo, desde que seja com você.
E, do jeito que sua declaração me deixa, não dá para negar.
Estou completamente apaixonada, rendida e entregue.
Eu amo você. Não digo, apenas penso.
Capítulo 40

Lucy ficou toda maravilhosa me olhando enquanto eu tava preparando


a banheira pra gente. O olhar dela, os sorrisinhos que a deixavam corada,
ela querendo me ver...
Aquilo tudo me deu uma confirmação clara e que me aquietou mais.
Que me fez descansar a mente. Ela não ia olhar qualquer um daquele jeito.
Não ia. Nem tinha como.
Aquele olhar brilhante e aqueles sorrisos, eram destinados só pra mim.
Eu soube disso assim que ela chegou na minha porta; antes, quando me
ligou e perguntou se podia me ver.
A minha confiança nela era total.
— Banheira? — sua voz cheia de ar me fez entender o quanto ela
estava se controlando.
Eu também, eu também.
Mas não queria que ela me resumisse a isso. Mais um em busca do
óbvio. Não, eu queria que Lucy me visse diferente do jeito que ela me
conheceu. Um babaca medito a sedutor. Agora eu tava sendo seu namorado.
O homem em quem ela podia confiar e... bom, apesar dos meus problemas,
eu ainda tinha a cabeça no lugar.
Eu acho.
— Banheira — confirmo, enfiando a mão na água pra testar a
temperatura. — Vem cá, deixa eu te ajudar a tirar as roupas.
Lucy veio depressa, um sorriso largo demais no rosto.
— Como você está? — ela faz a pergunta que mais detesto na vida.
Não acho que seja preciso dizer como estou. Estou como estão me
vendo.
— Bem — começo a abrir os botões da sua blusa social, minha
respiração se alterando pela nossa proximidade, pelo calor e pelo que sei
que vou encontrar: o corpo que tanto amo.
Inspiro, subindo o olhar ao seu, nossos olhos se encontrando.
Lucy sorri.
Aquele sorriso deu uma embaralhada na minha cabeça. Porque de
repente eu comecei a pensar se...
Se ela fosse embora? Se, algum dia, ela perdesse a paciência comigo?
Se esfriasse o que sentimos um pelo o outro?
— Vou te ajudar — ela disse, trazendo as mãos para as minhas e
tirando meu toque.
Passei a observar Lucy se despir na minha frente, sem o mesmo
cuidado nos movimentos que eu tava tendo.
Em instantes, ela ficou pelada. Completamente livre, pra mim, ao meu
alcance. Mas não consegui tocar nela. Eu não sei... (Sei, sim). Tinha algo
barrando isso. Uma lembrança.
— Nossa, como isso é bom — ela falou antes de agarrar os seios e
espremer nas mãos, me fazendo estagnar enquanto observava seus olhos se
fecharem de prazer pelo seu próprio movimento.
Quando se abriram de novo, foi na minha direção.
— Sutiãs são torturantes ao longo do dia — Lucy apontou pra mim. —
Quer que eu tire sua roupa? — e daí ela se aproximou, o que foi uma
sacanagem das grandes.
Ela sabe como me dobrar.
— Se você quiser — dei um sorriso.
Na real, eu queria dizer pra ela o que tinha me incomodado. Eu queria
perguntar quão próxima do Landon ela era.
Mas, da última vez que tentei falar algo que sabia que não devia, não
deu muito certo. Não deu nada certo.
— Primeiro a blusa — ela começou a dizer com aquela voz doce, que
me deixava como um bobo. E logo a peça de roupa foi ao chão, Lucy se
abaixando pra começar a tirar meu shorts, depois a boxer.
Ela se levantou depressa, mal fazendo caso com o que tava escondido
dentro da minha cueca. E desde ontem.
— Você primeiro — Lucy apontou a banheira. — Quero ficar
coladinha em você.
Dei risada – o que foi frequente desde o momento que ela chegou.
Entrei na banheira e fiquei sentado, olhando pra ela, que sorriu, ainda
de pé, me tentando pouco a pouco.
— Vem — chamei.
Lucy hesitou. Passou os olhos por mim. Me mediu por inteiro.
Depois de um extenso suspiro, decidiu obedecer.
Ela entrou na banheira, com um cuidado que nem era preciso.
Segurei sua cintura assim que ela começou a baixar, e a ajudei sentar
entre minhas pernas.
— Minha nossa — ela exalou a respiração, a cabeça indo pra trás, se
apoiando no meu ombro, me dando mais do seu cheiro. O mesmo que ficou
colado em mim depois que eu a deixei ontem. — Isso é tão bom, Ryan.
— É mesmo — concordei.
Ela pegou minhas mãos e levou na direção daqueles peitos deliciosos
dela. Me fez segurar eles e gemeu pra mim. Eu pirei.
Mas, ainda assim...
— Qual seu nível de intimidade com o irmão da sua amiga? —
perguntei.
Escapou a pergunta, na real.
Mas, caralho, minha namorada queria que eu tivesse atitude, ela me
queria, mas eu não tava conseguindo por conta da cena miserável do
Landon sorrindo e com as mãos nela.
Um babaca.
Eu? Não, ele.
Também eu, talvez.
Mas eu não estava conseguindo lidar bem com esse processo recente
de namoro. Quer dizer, era outro cara sorrindo demais e com as mãos na
minha namorada.
— Como assim? — Lucy afrouxou as mãos nas minhas e sua voz me
disse que ela não tinha entendido realmente.
— É que... sei lá... — dei um pigarreio. — Ele pareceu tão feliz
quando te viu chegar lá na casa dele. Vocês se abraçaram e eu fiquei
pensando nisso.
E então eu soube que, de novo, tinha ido por uma rota perigosa. A
desconfiança.
Mas não na minha namorada, e sim nas intenções do cara.
Lucy dá um jeito de se virar pra me olhar, os olhos estreitos e o rosto
incrédulo.
— Ryan — ela respira fundo. Nitidamente buscou paciência. —
Landon é o irmão da minha melhor amiga. É claro que nos conhecemos faz
um tempo, e é claro que sorrimos um para o outro e nos abraçamos, o que
não, não mesmo, significa que nossa intimidade seja... — Lucy gesticula.
— Do tipo de intimidade que você deve ter com suas amigas.
Minha boca se abre pra responder, mas Lucy sinaliza que não acabou.
— Não acredito que você ficou sem responder as minhas mensagens
por causa disso! — vocifera. — E eu pensando que tinha sido por causa da
festa que seus amigos tinham dado na sua casa, ou que ainda estava
considerando sobre namorar! Mas não, o tempo todo foi você pensando no
que não tem nem cabimento?!
Ela leva as mãos à cabeça e pressiona os dedos no meio da testa,
depois os espalha por toda a região, dando leves batidas ali enquanto com
os olhos fechados.
— Ele é um cara, Lucy — digo, me sentindo um pouco culpado. Ainda
que não tanto. — Caras pensam coisas.
— Caras como você e seus amigos pensam coisas, Ryan! — ela
esbraveja. — Landon e o irmão não são como vocês!
— O que você quer dizer com isso? — cerro os olhos.
— Você sabe bem o que quero dizer — finaliza.
Fiquei achando que ela ia se levantar e sair, mas não. Lucy só voltou a
se virar e ficou toda encostada em mim de novo, só que totalmente tensa.
— E eu não tenho amigas — ressalto, enquanto desvio dos respingos
de água, resultado da forma como ela passa a bater na espuma da superfície.
— Porque você deve ter levado todas para a cama e destruído a
amizade, eu suponho — ela ironiza.
Minhas sobrancelhas se erguem.
— Não exatamente. Eu sou comportado. Elas que não resistiram e me
levaram pra cama. Você sabe bem como é isso — tento descontrair. —
Ninguém resiste ao Ryan. Nem você resistiu.
Ela bate com mais força na água, me fazendo apertar os lábios pra não
rir.
Um silêncio longo se instala.
— Isso não foi legal de me dizer — Lucy ralha.
— O quê? — Não sei mesmo sobre qual parte se refere.
— Você sabe... Isso de que ninguém resiste a você — bufa. — Você
agora é meu namorado e não é cabível que fique mencionando outras...
— Não mencionei outras, foi você.
Lucy resmunga, se virando outra vez. Dessa vez, com raiva visível
estampada no rosto.
— Você começou com esse assunto falando do Landon! — me acusa.
— E não devia? Tava me incomodando... Pensei que o namoro era
aberto a isso.
Nem totalmente verdade. Não pensei. Mas foi uma boa justificativa.
— Devia, mas, quero dizer, eu não teria mencionado outras se... —
Lucy se cala, vendo que seu raciocínio vai contra o que ela acredita a
respeito de relacionamento.
Ela suspira, desistindo.
— Deixa para lá. Não vamos falar do passado. Só não me deixa no
vácuo de novo por motivos banais.
— Tudo bem — concordo, trazendo ela de volta pro meu corpo. —
Podemos falar sobre seu amigo agora?
— Não tem o que falar sobre ele, Ryan. Eu fui ver a Samy, não o
Landon.
— Sei disso. Ele nunca te deu uma olhada diferente?
— Olhada diferente? — ela ri. — Não sei o que isso significa.
— Fala sério. Claro que sabe. Vocês sempre sabem quando nós
olhamos de um jeito diferente. Você sabe do que tô falando.
Lucy respira fundo e fica calada. Não por tempo demais.
— Se você está com ciúmes do Landon, só há um jeito de resolver isso
— ela coloca uma mão por cima da minha, na borda da banheira. — Eu
contar que estamos namorando.
Meus olhos vagueiam pelo banheiro.
— Você acha que isso vai impedir de ele ser todo mãos pra cima de
você? — quase rio.
— Acho que você nem deveria ter criado mais essa neura na sua
cabeça — minha namorada parece mais grossa a essa altura.
Será que eu só tava pisando na bola? Acho que não. Tava protegendo
nosso relacionamento.
— Não é uma neura minha. Eu sou homem. Sei como pensamos.
— Sei como pensamos. — ela me imita.
— É sério, Lucy. Esclarece os pontos com ele.
— Eu não preciso fazer isso, Ryan. Landon é um cara legal e
simpático, e só. Ponto-final.
— Beleza — concordei.
Mas ela ainda continuou tensa, o que acabou sendo irônico.
O tenso do rolê devia ser eu! Não ela.
E a gente ainda ficou na banheira por um tempo, em silêncio. Não foi
desconfortável. Eu tava com raiva e parece que ela também. Provavelmente
mais que eu, já que, dessa vez, nem se deu ao trabalho de tentar resolver
nossa desavença.
Fiquei achando, no meu equívoco, que ela ia se vestir e ir embora.
Só que não, Lucy se secou e deitou na minha cama, onde ficou me
olhando enquanto eu fazia o mesmo antes de me juntar a ela.
Na cama, nossos corpos não pareceram com a mesma raiva.
Não.
Ela veio deitar nos meus braços, onde logo adormeceu.
Naquele momento, então, eu soube. Ficou sublinhado. Mesmo eu
vacilando sem querer, Lucy não ia me deixar. Ela me disse algo assim.
A menos que eu peça, ela não vai.
Não vai pra longe de mim.
Capítulo 41

3 MESES DEPOIS

— O que vai fazer hoje à noite? — Brad pergunta enquanto mexe no


celular.
Ele não tem estado preocupado com as maneiras erradas de se
comportar no trabalho desde que admitiu seu desejo por demissão, porque
assim vai poder ir para “um lugar melhor”.
Confesso que achei bem confuso esse pensamento assim que ele
explanou. Me lembro que ele tinha dito algo como querer ser promovido até
alcançar o topo, e de repente mudou de opinião.
— Vou para casa e pensar no que dar para o Ryan de presente — olho-
o. — É aniversário dele mês que vem.
— Hm — Brad não demonstra interesse. — Legal.
— Os pais dele provavelmente vão dar uma festa, mas não sei se ele
vai querer ir — começo a tirar a trava da boca. — E não sei se, como
namorada, eu devo incentivar que ele vá, ou sugiro outro lugar só para nós
dois. Mas isso seria egoísmo da minha parte com a família dele, que eu
ainda nem conheço. Não quero parecer com aquela que vai colaborar para
Ryan ser mais ausente com os pais.
Brad está me olhando agora, uma expressão incrédula no rosto.
— Como assim você ainda não conhece a família do seu namorado?
— questiona. — Lucy, vocês namoram há meses e ele ainda não te
apresentou para os sogros? — Brad assobia. — Caramba, que namoro.
Fico olhando para ele quando sua atenção se volta para o celular.
Mas Brad não sabe de nada. Eu não vou pressionar Ryan para me
levar para conhecer seus pais se eu sei que isso o abala. Principalmente
depois que ele começou a trabalhar na Winess.
Tem exigido muito esforço da parte dele se concentrar para aprender,
ele me disse.
Não é assim também, achar que tudo tem que ser na minha hora.
Tenho sido paciente, entendendo o lado dele, e aprendendo sempre
mais sobre ele.
Não vou cobrar o que sei que ele não faz porque o fere.
Jamais faria isso.
— Alguma sugestão do que eu possa dar? — pergunto para Brad,
ignorando sua cara de poucos amigos.
— Não — a resposta é curta e objetiva.
— Você gostaria de ganhar o...
— Lucy — ele me corta, me dando de volta sua atenção e um sorriso
falso —, eu não estou a fim de colaborar com a sua ideia de presente para o
seu namorado. Eu nem gosto dele, desde aquela época que você também
não gostava, lembra? E gosto menos ainda que você fique me amolando
com essas perguntas.
Brad volta a mexer no celular, me deixando com cara de paisagem.
Demoro alguns segundos antes de devolver minha própria atenção ao
monitor, um pouco surpresa com a aparente explosão [contida] do meu
colega.
Mas é verdade que eu não sei o que dar para Ryan. Eu daria um livro,
mas não vejo ele lendo muito. Talvez faça isso no notebook. Na verdade,
não temos tido muito tempo juntos para eu descobrir o que ele mais gosta.
Às vezes, me ofereço para ir à sua casa depois do trabalho, mas ele
chega muito depois de mim, e sempre diz que é melhor não, que eu preciso
dormir e não quer atrapalhar minha rotina. Eu entendo o seu ponto.
Também tem o fato de ser o primeiro namoro dele. Não quero sufocá-lo.
Nem chegar perto de dar essa impressão.
Nós nos vemos aos domingos, porque ele também anda trabalhando no
sábado. E nos falamos por telefone no meu horário de almoço. Mesmo que
seja um pouco.
Adoro que agora ele tenha uma responsabilidade, algo que o ocupe e o
tire dos pensamentos. Confesso que a saudade de dormir com ele, me
massacra. Quero fazer isso de novo o quanto antes. Principalmente porque
agora ele deve estar dormindo como um bebê.
Sim, porque o pai de Ryan informou que, em conjunto com o emprego,
ele recomeçaria o acompanhamento psicológico.
E acho que tem surtido efeito, porque sempre que nos falamos e
encontramos, ele está mais leve, com menos neuras, mais centrado. Não que
tenha deixado de ser o meu Ryan, apenas que eu acho que com tudo junto,
trabalho e psicólogo, o tenha feito se comportar de forma mais séria. Mais
lúcida. Sem convivência frequente com o passado.
Isso é bom. Isso é ótimo.
— Vou buscar um café — Brad avisa ao se levantar, me fazendo erguer
a cabeça bem no mesmo instante que um dos elevadores do nosso andar
abre as portas.
Estranho ao ver Samuel, o amigo do Ryan, saindo lá de dentro.
É muito estranho porque ele nunca esteve aqui, o que exclui totalmente
a possibilidade de estar vindo a mando de algum Smith.
Eu o observo seguir até um dos funcionários e eles trocam algumas
palavras, em seguida um dedo apontando em minha direção, e Samuel então
me encontra e me encara.
Seus cabelos perfeitamente ondulados e castanhos combinam com seus
olhos redondos grandes e também castanhos, ambos impactantes. E ele
vestido assim, todo no terno e parecendo soltar fumaça pelas narinas, causa
mais impacto ainda.
Meu alerta acende, mas não de preocupação, porque eu sei que ele não
está aqui por causa de Ryan. Nós saímos ontem, no domingo, e estávamos
conversando há poucos minutos. Não pode ser mesmo por causa dele, então
imagino que Samuel tenha vindo me contratar, talvez.
Ryan me contou, no início do nosso namoro, que Samuel está na
empresa do pai.
Eu o observo caminhar até mim, os olhos se atentando também ao
redor enquanto ele encurta nossa distância, algumas mulheres do lugar o
observando com ainda mais atenção que eu. Mas nitidamente o interesse
delas é diferente.
A sua respiração pesada chega em mim antes dele, que solta de uma
vez um aviso exigente:
— Preciso falar com você. Agora.
Minhas sobrancelhas se erguem e eu me esquivo para trás o quanto
minha cadeira permite.
— Estou trabalhando no momento — gesticulo brandamente ao redor,
fazendo-o notar o óbvio.
— Eu não importo — ele me corta. — Precisa ser agora. Antes que
você piore a merda toda.
Reteso no mesmo instante, não entendendo a que ele se refere, mas
sabendo quem está incluindo. Ryan.
Eu me levanto imediatamente, chamando-o para que me acompanhe
até a sala dos funcionários.
Nunca estive tão grata por estar vazia e, não me importando se vai
haver fofoca sobre a cena, espero Samuel entrar e a tranco.
Eu o olho então, à minha frente, os olhos grandes me perfurando
enquanto sua mandíbula está tensa e apertada. Ele está irritado, bem
estressado mesmo, e tenso. Mais estressado, no entanto.
— O que houve? — quero saber, apreensiva.
Ele expira, decretando sua impaciência em som e olhando para cima
enquanto passa as costas da mão na boca. Uma mão gesticula em minha
direção antes de Samuel informar, a voz um trovão:
— Você tem que se afastar dele.
Dou um sorriso, mas só porque não entendi direito.
— De quem?
— Você sabe de quem — ele dá um passo na minha direção, e então
mais outro, me fazendo engolir em seco. Isso soa ameaçador. — De quem
mais seria, Lucy Waller? — meu nome sai com completo desdém da sua
boca.
— Não entendo por que está aqui, no meu trabalho, me pedindo isso
— desengasgo as palavras, abanando as mãos, em um gesticular frenético.
— O que você quer me exigindo isso? Por que você quer isso? Ryan está
feliz. Nós estamos felizes.
— Feliz? — ele grita, me fazendo esquivar. — Feliz — dá um riso
seco. — É interessante que você julgue que ele está feliz quando, por acaso,
na noite passada ele teve dois ataques, e você sabe do que tô falando. Sem
mencionar todos os que teve depois daquela maldita viagem sem sentido de
vocês!
— O q-quê? — minha voz sai, que não sai. — Ele não… Ele não me
disse nada. — Ele não disse. — Pensei que ele estava bem, eu não fazia
ideia… — trago as mãos à testa e olho para o chão, em desalento imediato.
Ryan continua com os problemas no sono? Mas ele não me disse nada.
Eu pensei que a última vez tinha sido na nossa viagem e… Meu Deus, por
isso ele recusou que eu fosse para a sua casa? Que achássemos um jeito de
dormir juntos? Por todo esse tempo?
Minha nossa.
Eu fui tão burra, por que não percebi? Achei apenas que ele estava
tentando se acostumar com a rotina nova. O trabalho, também. Não achei...
Sequer pensei... que fosse porque continuava a ter crises.
— Droga… — lamento, procurando um meio de me apoiar porque de
repente minhas pernas viraram gelatinas. — Eu achei que... Minha nossa.
— Nem vem choramingar, garota — Samuel rosna, me fazendo olhá-
lo outra vez. Ele está perto o suficiente para me deixar com a atenção toda
nele. — Isso não acontecia há tempos. Não acontecia até você ter aparecido
pra bagunçar a cabeça dele, pra piorar mais ainda o que já tava ruim!
Engulo em seco.
— Nunca foi minha intenção prejudicar o Ryan — digo, rouca por me
dar conta de que sou uma péssima namorada. Por não ter notado o
óbvio. Como eu não notei?! — Assim que eu soube que o deixava confuso
e atordoado, tentei consertar isso. Tentei me aproximar mais dele, porque
me senti mais conectada a ele depois que li seu diário e percebi que…
— Você leu o diário dele? — Samuel cospe, me interrompendo. — Ele
sabe disso? Sabe que você leu os escritos dele?
E, de repente, estou triplamente alarmada.
— Não sabe, mas… — gesticulo apressada, me corrigindo: — Ainda
não sabe, mas eu pretendia contar logo.
— Logo quando? No velório dele fazendo uma homenagem? —
Samuel é acidamente sarcástico, me tirando uma careta e me fazendo sentir
um frio na barriga por pensar nisso.
— Eu não sabia, Samuel — repito. — Não sabia das crises. Ele não me
contou.
— Ah! — ele joga as mãos para o alto outra vez. — Mais uma prova
de ele não confia o suficiente em você!
— Talvez ele tenha resguardado essa informação porque não queria me
preocupar — divido o meu ponto de vista, arrancando uma risada rouca de
Samuel.
— Te preocupar? — uma risada de ironia e reprovação vem em
seguida. — Você não sabe o que é preocupação — Samuel se aproxima para
me encurralar contra a porta, o olhar atento ao meu enquanto ele descarrega
as palavras em cima de mim. — Não sabe o que é acordar com o seu
melhor amigo derrubando a porta do seu quarto à noite, clamando por ajuda
com murros porque não consegue encontrar o ar, por achar que tem algo o
sufocando e pensar que vai morrer...
Engulo em seco outra vez, lágrimas chegando aos meus olhos.
— Não sabe o que é estar com ele durante o processo, acalmando-o até
que consiga recuperar o controle do próprio corpo e então ficar perdido.
Perdido por minutos, muitas vezes horas, até cair em si outra vez e entender
que aquilo passou. Mas fica a preocupação de acontecer de novo e então ele
olhar pra você, pedindo perdão por te incomodar, como se tudo aquilo
tivesse sido culpa dele.
Algumas lágrimas caem em minhas bochechas, mas Samuel continua,
a voz dura:
— Sabe porque você não tem ideia do que é preocupação, Lucy?
Porque você nunca esteve com ele nisso. Você não o viu procurar por
oxigênio e se sentiu inerte diante disso, temendo que ele desistisse e o pior
pudesse acontecer antes de dar tempo chamar alguém. Você não sabe o que
é ver o Ryan lutando pela vida enquanto parece aterrorizado, mas precisa
estar calmo e se conter, surfando numa onda que foi obrigado a estar. Você
não sabe nada disso, nada dele, porque tudo o que você fez foi foder mais a
cabeça dele desde que chegou!
Desvio de Samuel e me afasto, tapando o rosto com as mãos, tentando
me impedir de chorar.
— Não começa com essa porra de chororô — ele ralha. — Choro não
vai resolver a merda que você fez.
Encontro seus olhos outra vez. Ele parece com ainda mais raiva do que
antes. E, quanto a mim, me sinto destruída. Que merda que eu fiz?
Pensei estar fazendo o bem, apoiando o que era bom para o Ryan e ele
está...
Pior.
— Você tem que se afastar dele, imediatamente — Samuel destaca
novamente. — Seja lá o que for essa brincadeirinha de namoro, tá na hora
de acabar. Isso tá ferrando com a cabeça do Ryan e não vou ficar quieto de
braços cruzados enquanto vejo o meu amigo desmoronar. Se afasta dele,
Lucy — Samuel leva a mão na maçaneta, decretando por último: — E isso
não é um pedido.
Sou deixada na sala, sozinha e perdida.
De mãos atadas, e sem saber o que fazer.
Capítulo 42

Tentei mais de dez vezes. Acho que tentei umas vinte, ou mais. Mas
Lucy não me atendeu. Ela nem me mandou uma mensagem mais tarde,
quando provavelmente viu as chamadas perdidas. Então eu mandei. Não
devia estar tudo bem com ela. Só que ela também não respondeu.
E eu não tive escolha. Falei com o meu irmão que precisava sair mais
cedo, porque provavelmente minha namorada não estava bem e eu tava
preocupado.
Vi na cara do Pedro o quanto ele pareceu em dúvida sobre me liberar, e
aquilo não foi fácil pra mim, que não tô acostumado com alguém limitando
os meus passos.
Era muito coisa. Eu tinha dado o braço a torcer por uma chance com a
Lucy. Pelo novo que eu tava experimentando com o nosso relacionamento.
Infelizmente, aquilo era muita coisa.
Na teoria, eu tava administrando tudo muito bem. Meu irmão tava
feliz, meus pais estavam felizes, mas eu... Meio feliz.
Essa metade de felicidade, inclusive, só por saber que eu tinha Lucy.
Ela era um porto seguro no meio daquilo tudo, e me dava esperança. De que
tudo ia se ajeitar, em alguma hora – eu esperava.
No fim, Pedro acabou permitindo. Só hoje, ele destacou. Então eu saí,
peguei meu carro e fui pra casa da Lucy.
Não sei se foi uma boa ideia. Acho que eu devia ter ficado na minha e
esperado o tempo trabalhar. Mas também acho que já fiz muito isso, e não
deu muito certo. Então por que não tentar agir diferente um pouco?
Meu sorriso agora só escreve o óbvio: que babaca.
A irmã de Lucy me recebeu na porta.
— Oi, cunhado — o sorriso dela me tirou outro. — Se você veio ver
minha irmã, se prepara. Ela está cheia de mau humor — Julie se inclina e
cochicha: — Deve ser TPM.
Aceno com a cabeça antes de entrar na sala.
— Valeu pelo aviso. Onde ela tá?
— Na cozinha — Julie aponta.
Vou na direção do cômodo, encontrando-a. Tá de costas pra entrada,
preparando uma salada numa tigela.
Se é mau humor, eu posso resolver; se é TPM, é melhor eu não me
aproximar.
— Oi, madame — digo, me apoiando no batente da porta e esperando
Lucy me olhar.
Eu esperei isso, só que não aconteceu.
— Tá fazendo o que aí? — pergunto.
Lucy ainda fica me deixando de molho e me fazendo invisível por um
tempo, até que se vira, o rosto fechado. Seus olhos esbarram nos meus, mas
não grudam. Eu não vejo o olhar que costumo receber. Seus olhos não
brilharam, o sorriso não se abriu na boca dela e Lucy não veio saltitante
me abraçar e me apertar, como fazia em todas as vezes.
— O que aconteceu? — me aproximo, as sobrancelhas arqueadas.
Tinha algo estranho. Eu tava sabendo disso desde cedo.
— Para, não se aproxima — ela estende a mão, me fazendo parar
imediatamente. — Não sei como te dizer isso, Ryan, mas preciso ser
honesta.
Meu coração acelerou naquela hora. E agora, também.
Não era coisa boa. Nada boa.
Eu devia ter ido embora, porque a lembrança das palavras que se
seguiram, nunca vai me deixar.
— Eu me peguei pensando sobre o nosso namoro e... — ela respira
fundo, o olhar vagando a cozinha. — Acho que não está dando certo.
— O que não tá dando certo? — Eu fui bem idiota perguntando isso.
Mas fiquei desnorteado. Muito desnorteado e sem entender direito.
Eu não quis acreditar que aquilo tava acontecendo, na real.
— A gente. Nós dois — Lucy responde, na tranquilidade. Ela balança
a cabeça, se apoiando na pedra da pia atrás de si. — Não estamos quase nos
vendo, nos falamos muito pouco, e acho que... — se corrige: — Acho não,
tenho certeza, que isso está acabando com a nossa intimidade e esfriando
nosso sentimento.
— Pera — peço. Não tinha entendido direito. Ainda não entendo. —
Você tá... Tá me dando o fora? Terminando nosso relacionamento?
Seus ombros se elevam e baixam, então seus olhos assim me
encontram.
— Estou.
A resposta foi fria e, cara, eu não sei. Eu tava alheio naquilo tudo.
— Você tá terminando comigo? — pergunto de novo, as palavras
sendo estranhas na minha boca.
— Sim, é isso, Ryan — ela fala, irritada. — Terminando com você,
com o namoro, com tudo.
Eu fico olhando pra ela, não em choque, mas... não sei explicar qual
foi o sentimento que eu tive naquela hora.
— Mas por quê? — insisti. — Você sabe, eu aceitei o trabalho na
Winess em busca de ser um cara melhor. Tudo isso porque você chegou na
minha vida, e então você acha legal terminar, assim, do nada?
— Não é do nada — ela volta a se virar.
— Pelo menos olha pra mim — minha voz saiu áspera. Não fui rude,
só não ia conseguir falar com clareza se fosse mais baixo. — Olha pra mim
porque é o mínimo que você pode fazer ao terminar comigo do nada — me
aproximei dela.
Lucy obedece, e a expressão no seu rosto não me dizendo nada. Ela
fica quieta.
— O que você sentia por mim se esfriou, é isso que você tá me
dizendo, né? — pergunto. — Esfriou e agora você vai me jogar pra lá?
— Para de drama — ela gesticula, em completo desdém. — Não estou
te jogando para lá. Até parece que vai ser difícil para você não me ter mais
na sua vida. Você vai achar um alívio.
— É isso mesmo que você pensa? É sério? — retrocedi um passo, em
descrença. — Mano, a Lucy que foi minha namorada, cadê ela? Era uma
máscara sua? Caramba, pra quê? A custo de quê?
Ela engole em seco, mas balança a cabeça.
— Eu sou a mesma Lucy, mas não sinto mais o mesmo por você, só
isso — admite.
Isso doeu. Ainda tá doendo.
Eu tentei não errar, e, de novo, tinha errado. Eu resguardei as noites
mal dormidas do seu saber, eu segurei tudo pra mim, temendo que ela fosse
embora se soubesse, que se afastasse e, olha isso... Ela se afastou do mesmo
jeito! Que babaca eu fui!
— Entendi — digo com a boca seca. Fiquei sem ação. Era uma carta
final. — E se eu não tivesse vindo até você, teria me deixado, tipo, sem nem
avisar?
— Eu ia avisar no domingo — ela responde depressa. — Estava me
preparando para... te dizer.
As últimas palavras, meio tropeçadas, me fizeram lembrar da Lucy que
eu tive por namorada até aquele dia. E doeu mais um pouco.
— Eu não sei o que dizer — gesticulo. — Achei que estava
aprendendo bem e que estávamos bem...
— Você não fez nada de errado — ela dá um passo à frente, mostrando
um desespero tão rápido que a própria Lucy estranha, se recompondo: —
Não foi culpa sua, não é culpa sua. É minha. Eu que não sinto mais o
mesmo. Não tem a ver com você, Ryan.
— E como teria, né? — dou um riso sem graça. — Eu sou só o
namorado. Ou ex.
Lucy fica em silêncio, e eu diria que ela tá desconfortável.
Mas também tinha acabado de descobrir que não conhecia bem a Lucy
que tinha estado ao meu lado naqueles meses. Pensei que ela estava feliz e,
otário, ela tava fingindo muito bem.
— Você ficou com alguém enquanto estávamos juntos? — questiono.
— Quando se esfriou o que você sentia por mim.
Seus olhos se arregalam brevemente.
— Não — despeja. — Claro que não, Ryan.
— Não tô duvidando da sua fidelidade, só... — olho pro chão. — Só
queria ter certeza.
Ela poderia ter ficado com o Landon, ou o cara do trabalho, que
sempre tá com ela nos almoços, ou até mesmo nas festas que vai quando sai
com a amiga...
— Então eu acho que isso é uma despedida — as palavras dela me
atingem como vidro cortante. Como uma lâmina afiada.
Olho pra Lucy de novo, sentindo meu coração rasgar.
— Isso é tudo então? — devolvo. — “Meu sentimento esfriou, adeus”?
Ela balança a cabeça afirmativamente.
— Isso é tudo — assente. — Você pode ir embora e... — desvia o
olhar. — Não voltar mais. Por favor.
— Uau — dou risada. — Esfriou tanto a ponto de exigir um por favor
— vou caminhando para trás. — Entendi, madame. Pode ficar tranquila,
não vou encher seu saco e nem ocupar mais o seu tempo.
Me viro, sentindo ainda algo dentro de mim rasgando e pesando.
Doendo.
Porra, pra que tanto assim?
— Adeus, Lucy — eu disse antes de sair, porque precisava que ela
soubesse que, fosse como fosse que tava terminado... — Eu amei te ter na
minha vida.
Então eu vim pra casa e fiquei sentado, sozinho, em um dos sofás da
sala de estar. Não sei por quanto tempo, eu não tive essa noção. Não tive
noção de nada desde que olhei Lucy pela última vez.
— Ryan? — a voz de Samuel me faz olhar pro lado, onde ele tá de pé,
segurando o paletó no braço. — Você tá bem, cara?
Demorei a responder.
As pessoas ao meu redor tinham tesão em me perguntar isso.
— Tô.
— Chegou mais cedo hoje? — ele adentra a sala e se senta no sofá do
outro lado, colocando o paletó no braço do assento antes de prestar atenção
em mim. — Seu irmão decidiu pegar mais leve? — sorri.
— Não — tô olhando pra ele, mas não enxergando-o. — Minha
namorada terminou comigo.
Meu amigo desfaz o sorriso, me encarando por uns segundos antes de
erguer as sobrancelhas e desviar o olhar.
Ele se inclina pra frente, colocando os cotovelos sobre os joelhos, e
esfrega as mãos uma na outra antes de voltar a me olhar.
— Acho que essa é a hora que eu tenho que dizer: sinto muito, cara.
Balanço a cabeça. Me sinto sem emoção alguma.
— Também sinto muito — digo.
Ficamos em silêncio. Não me sinto estranho em estar estranho perto do
meu melhor amigo. Samuel é, na verdade, como um irmão de outra família.
Já me viu, e vê, nos piores momentos e nunca largou mão de mim, nunca
perdeu a paciência ou me subestimou. Ele cuida de mim quando é preciso, e
não é estranho admitir. Cuida mesmo, mais que um familiar distante faria.
— Você tá muito pegado com isso? — ele pergunta.
Maneio a cabeça, dando um sorriso de canto.
— Não sei o que é isso que tô sentindo, pra te falar a verdade —
desabafo. — Nunca senti antes.
— É pior que... — ele pigarreia. — Pior do que o que você sente à
noite?
Encaro-o, considerando.
— É.
Samuel fica imediatamente surpreso.
— Como assim pior? — questiona, agora com incredulidade. — Não
tem como ser pior, cara!
— Eu sei o que sinto à noite. É desespero, impotência e descontrole.
Aqui, agora — balanço a cabeça —, eu não sei o que é, mas tá me
rasgando. Tá doendo. E ninguém pode me ajudar, eu não posso me ajudar
nessa porque é algo que nunca senti.
Ele me estuda antes de desviar o olhar.
— Não sei como foi que esfriou o que ela sentia por mim — confesso.
— Pensei que tudo tava bem. Eu pretendia superar os... — gesticulo. — O
que acontece comigo antes que eu pudesse convidar ela pra morar comigo.
Samuel me olha de novo, agora de olhos arregalados.
— Você ia chamar ela pra morar aqui, com você? — pergunta,
estupefato.
— Não aqui. Eu ia comprar uma casa nova, pra ter mais momentos
novos com ela — respondo, me sentindo um pouco mais idiota.
— Caramba, Ryan, mas você não pensou que ela causou isso? — ele
gesticula em minha direção, me fazendo estreitar os olhos. — Ela te trouxe
isso de novo. Você não tinha problemas no sono há anos e de repente essa
Lucy se aproximou e te fez um mal do caralho.
— Nunca foi culpa dela — esclareço. — Ela tava me ajudando a
limpar a mente.
— A foder mais a mente, você quer dizer — ele ri, descrente. —
Talvez seja melhor pra você que ela se afaste.
— Do que você tá falando?
— De você parar de ter que ver essa garota. Isso vai te fazer bem. Ela
te deixa, sei lá, de um jeito estranho. Você fica diferente, fica...
— Tentando ser melhor — completo, estranhando que Samuel de
repente tenha começado a parecer exasperado ao falar de Lucy. — Eu tento
ser melhor por causa dela, e isso não me parece um problema.
— Diz isso pra sua cabeça — ele ri, mas não achou graça. — Você
acha o quê? Que, opa, isso é legal. Minha namorada me faz ter uns
problemas que não tenho há anos, mas é só porque me faz ser um cara
melhor — caçoa. — Não fode, Ryan. Você tá cego por essa garota e não
consegue ver o quanto ela te prejudica.
Samuel se levanta, pegando o terno do braço do sofá antes de olhar pra
mim outra vez e completar:
— E se eu fosse você, começava as consultas com o psicólogo como
seu pai te pediu. Não fica esperando o milagre cair do céu, porque o céu só
faz o que não tá ao teu alcance.
Samuel saiu da sala e eu não o vi mais até vir pro meu quarto.
Não consegui pensar direito em tudo que ele me disse, apesar de ter
guardado todas as palavras – até mais do que gostaria.
Mas acho que vou ter tempo pra pensar nisso mais tarde, porque agora
só quero...
Ficar quieto e não pensar.
Como o segundo desejo é impossível, eu vou só me calar e deixar
meus pensamentos conversarem comigo.
E isso não me faz um louco, só desamparado.
Deixado pelo meu amparo.
Capítulo 43

Tudo está parecendo errado desde aquela terça-feira.


Quase duas semanas.
Tudo.
Minha família fica me olhando de lado da hora que chego do trabalho
até a hora que vou dormir. Como se estivessem conferindo se estou de fato
bem. Isso desde que eu comuniquei que Ryan e eu não estamos mais juntos.
Não estamos mais juntos.
Acho que não tem como parecer bem depois disso.
Afinal, como vou demonstrar uma alegria, uma animação, que não
tenho mais?
Tudo em mim se resume a um ser abatido, triste e desolado.
É uma droga. Só queria que isso passasse, ou eu nem chegasse a sentir.
Mas essa não é a parte que realmente me aflige, e sim não saber se
Ryan está bem. Se tem melhorado. Como encarou o que fiz. Se me acha
uma desgraçada. Se me odeia.
Lágrimas chegam aos meus olhos e agarro o travesseiro.
Estou na cama desde que terminei de jantar. Tenho tentado me
comportar normal perto da minha família. Não demonstrar o que me atinge,
mas, assim que posso, venho para o meu quarto, tentar me convencer que o
que fiz foi certo.
Era o certo. Eu estava fazendo mal para ele. Ryan estava tendo os
incômodos no sono desde que eu cheguei em sua vida. Eu fui a culpada.
Começo a chorar baixinho, as lágrimas molhando o travesseiro
enquanto a saudade me rasga o peito.
— Lucy? — a voz da minha irmã na porta me faz fungar.
Ela dá uma única batida leve antes de abrir um pouco a porta, entrando
sem pedir.
Julie tem um pote de sorvete em mãos e duas colheres.
— Posso ficar aqui? — pergunta.
Fungo de novo, tentando desembolar a garganta.
— Você não devia estar dormindo? — rebato, a voz horrível, me
sentando.
Ela assente, se aproximando e sentando ao meu lado.
— Devia, mas não estou — responde, me oferecendo uma colher.
Eu aceito e aguardo-a abrir o sorvete, colocando a tampa no meu
criado-mudo ao lado da cama.
Julie começa a comer, em silêncio.
Pego também um pouco do sorvete, algumas lágrimas caindo ainda
dos meus olhos.
— Fiquei pensando... — minha irmã começa a falar. — Eu estava aqui
quando vocês terminaram. Eu estava antes de você terminar com ele.
Não digo nada.
— Pra dizer a verdade — Julie dá um risinho —, eu até percebi
quando você estava começando a ficar caidinha por ele.
Estreito os olhos e ela pega mais sorvete antes de continuar:
— Foi bem naquele dia que você conversou comigo sobre pegar mais
leve com ele. — ela sorri. — Ali, eu soube que alguém, finalmente, estava
conseguindo mexer com você. Sempre achei que seria aquele cara do seu
trabalho, mas ele deve ser lerdo.
Também pego mais sorvete, só ouvindo. Não estou em condições de
falar.
— Acho que o Ryan se apaixonou primeiro que você — Julie retoma.
— Ele veio aqui avisar que sabia onde você morava, se lembra? Eu fiquei
chocada em como alguém bonito daquele jeito poderia querer alguém igual
você. Se eu pareço com você, significa que você é feia, então foi muita
sorte sua, mesmo.
Ela fica esperando eu ter alguma reação e, quando não tenho, minha
irmã solta um suspiro abafado.
— Tá bom, não vou mais tentar implicar com você — promete. —
Mas falo sério quando digo que eu acho que ele se apaixonou primeiro. Por
que você terminou com ele daquele jeito? Você o traiu? Sério, eu fiquei
triste quando ele me deu um abraço e pediu que eu procurasse um novo
professor de violão. Sabe, foi...
Meu choro interrompe minha irmã, que coloca o sorvete no criado-
mudo e puxa a colher da minha mão, enfiando no pote, antes de se ajoelhar
na cama e vir me abraçar.
Desabafo em forma de um choro desconsolável, esmagada pouco a
pouco.
Julie não pergunta e não fala mais nada, ela só me abraça e eu nunca
imaginei que minha irmã caçula seria tão bem-vinda no meu momento de
maior dor no que diz respeito ao coração.
Passam-se muitos minutos antes de ela afrouxar os braços e procurar
meu olhar. Seu rosto de compaixão me diz o quanto devo estar
aparentemente como estou por dentro: um trapo.
— Quer que eu ligue pra Samy vir ficar com você? — minha irmã se
senta à minha frente. — Você não deve querer conversar comigo porque sou
muito nova e, apesar de já ter gostado de uns meninos, não quer dizer que
eu entendo essas coisas difíceis de relacionamentos de adultos.
Dou um sorriso.
— Você tem razão — digo, rouca.
— Em minha defesa — ela ergue uma mão —, eu como filmes de
comédia romântica.
Faço uma careta.
— Deve ser bem experiente então.
Ela ri.
— E não sou? — sua mão alcança o sorvete de novo e minha colher é
devolvida. — E aprendi que chocolate é a melhor cura para um coração
partido — gesticula a sua colher no ar —, depois do responsável por
quebrar seu coração, é claro.
Sorrio, concordando.
Mas não falei sobre o motivo do término com minha irmã. Ela tinha
razão, era muito nova e provavelmente ia me achar a errada. Não queria
falar com a Samy também, porque ela também não entenderia, me
condenaria por ouvir qualquer um dos homens da casa de Ryan, e não daria
para conversar com a minha mãe, porque ela não conhece toda a história
dele. Ryan me pediu que não contasse sobre suas crises para os meus pais.
Logo, o que resta? Minha irmã e eu tomando sorvete em cima da cama
enquanto, aos poucos, meu coração batendo não me deixa esquecer o
quanto estou devastada por dentro.
Não tenho muita certeza se é ele, mas quando Brad se inclina para o
meu lado, confirmo.
— Olha lá seu cunhado — me cutuca. — Não vai se apresentar?
Nitidamente, Brad está caçoando de mim. Mas não é nisso que estou
focada, e sim na forma em como Pedro Smith é alto e tem uns traços fortes
que lembram Ryan, exceto pelo cabelo, que é bem mais escuro. O rosto de
Pedro também é mais sério, sem os traços suaves que tem no do irmão mais
novo, e o jeito que ele observa tudo ao redor, é intimidante, coisa que Ryan
até tentou ser de primeira, quando me conheceu, mas não conseguiu.
— Sabe o que ele está fazendo aqui? — pergunto.
— Não — meu colega se inclina mais, me fazendo olhá-lo pela
proximidade.
— Está querendo deitar no meu colo? — questiono, ríspida.
Ele ergue as sobrancelhas.
— É um dos clientes, não dá para falar alto — explica. — Achei que
você fosse saber o motivo de Pedro Smith dar o ar da graça aqui, afinal, é a
cunhada dele. Ah! — imediatamente Brad volta ao seu lugar. — Verdade,
desculpa, eu me esqueci que ele não te conhece. Que cabeça a minha.
Volto a atenção para o meu trabalho. Ou tento, porque ver Pedro Smith
foi como me mostrar Ryan, e eu sinto minha garganta dar um nó.
No trabalho, não. Não posso chorar no trabalho.
Olho de novo na direção de onde Pedro está. De pé, perto da sala de
reuniões, ele foi deixado por um dos chefes que estava falando com ele.
Está de braços cruzados, observando todo o movimento do nosso setor, até
que olha na minha direção.
Eu congelo, culpada sem permissão. Isso me lembra o dia em que
Ryan esteve aqui na primeira vez e nos encaramos.
Deus, que saudade.
Mas, dessa vez, não desvio o olhar. Preciso saber se Pedro Smith está
aqui para me demitir pelo que deve estar sabendo: que eu fiz seu irmão
voltar a ser assombrado pelo passado. Samuel pode ter contado para ele.
Pode ter pedido para a família de Ryan não deixar eu me aproximar.
No entanto, para o meu completo desentendimento, Pedro ergue uma
mão e dá um aceno quase imperceptível, um sorriso de canto tomando seus
lábios.
E eu quase choro. Quase. É a cópia do sorriso do Ryan.
— Você está bem? — Brad pergunta.
Balanço a cabeça e me levanto.
— Preciso ir ao banheiro — digo, um pouco engasgada. — Já volto.
Saio depressa antes que eu me desmanche em lágrimas.
Duas semanas sem o homem que amo. Duas semanas que parecem
séculos.
Não sei se vou aguentar ficar longe. Não sei se posso suportar.
Não sei se vai parar de doer tanto e nem quando.
Então tenho uma ideia. Talvez péssima, muito horrível e desconexa.
Mas, o que posso fazer? Eu amo Ryan e o amor nos faz cometer
loucuras.
Choro tudo que está engasgado e lavo o rosto, esperando um pouco
enquanto minha pele esfria e deixo de ficar vermelha. Mesmo assim, ainda
fico com o rosto inchado e grito que acabei de chorar.
No entanto, não me importo.
Deixo o banheiro, chegando bem a tempo de ver Pedro Smith se
dirigindo para um dos elevadores. Eu corro, a fim de alcançá-lo e me juntar
a ele no cubículo.
Quando consigo, estou muito constrangida, porque sua atenção se
volta toda para mim.
— Vai descer também? — ele pergunta com a mão no painel do
elevador.
— Sim — respondo, trêmula e rouca.
Quando vou parar de estar horrível?
— Certo então — Pedro Smith aperta o botão e eu fico olhando-o.
Aos poucos, seu olhar se ergue para mim.
— Algum problema? — ele quer saber.
Demoro um pouco a responder assim que sou atingida pelo seu olhar.
Não é quase esverdeado igual ao do Ryan, é completamente esverdeado. De
um verde que o deixa tão intenso que não dá para encara muito tempo.
— Me chamo Lucy — pigarreio. — Eu conheço o seu irmão —
começo a explicar, meu olhar vacilante entre o de Pedro e o painel do
elevador. — Nós namoramos alguns meses, não sei se ele chegou a contar
e... — gesticulo, atrapalhada e nervosa. — Eu gostaria de conversar com
você. Sobre ele.
Pedro não diz nada, mas quando ri, uma coisa fica muito clara: ele não
acredita.
Capítulo 44

BÔNUS – Pedro

— Desculpe — eu digo, depois de me recuperar do riso. — Não quis


parecer...
— Não pareceu — a garota me interrompe. Seu rosto está inchado pra
caralho, do mesmo jeito que a boca. Ela esteve chorando, e parece ter sido
muito. — Eu só quero conversar um pouco com quem conhece o Ryan
melhor que eu — ela morde o lábio, as mãos juntas, um dedo estralando os
outros. — Por favor...
— Eu achei que ele estava brincando — admito.
Achei mesmo.
— Como assim? O que você quer dizer com isso? — ela está
desorientada, mas também preocupada.
Eu sinalizo para que saia na frente assim que as portas do elevador se
abrem, então me faço de guia até que saiamos do prédio, chegando à
entrada com nenhum fluxo.
Olho para a garota que realmente existe.
— Quando meu irmão me pediu pra sair mais cedo do trabalho um dia
desses, porque a namorada não estava bem, eu achei que era uma desculpa
pra não ter que finalizar o expediente — respondo.
— Então ele não chegou... a contar? — a garota desvia o olhar, triste.
— Não, não contou. Tem certeza que ele te considera namorada?
Ela me olha imediatamente, o rosto frio. Acho que falei a coisa errada.
— Não me entenda mal — peço. — Meu irmão só...
Ela abana as mãos.
— Nós namoramos realmente. Eu não estou inventando isso.
— Não acho que tá, mas talvez ele tenha estado com você algumas
vezes e te fez confundir as coisas...
— Não foi isso — ela me censura. Seu tom vai ficando mais gélido a
cada palavra. — Eu amo o seu irmão e sei o que ele sente por mim — seus
ombros caem. — Ou sentia... antes de eu terminar com ele.
— Hum... — cruzo os braços, olhando-a de cima. Sua inquietude
quase me deixa nervoso. — O que você quer saber do Ryan, se acabou de
admitir que terminou o namoro com ele?
Agora faz um pouco de sentido o que minha esposa tinha me dito
sobre ter observado Ryan cabisbaixo e de poucas palavras no trabalho.
Confesso que não percebi, mas Crystal sempre foi mais observadora que eu.
— Justamente — a garota umedece os lábios, os olhos sem um foco
definido. Estão em mim, no chão, na rua, no interior do prédio. — Terminei
por ser o melhor para ele.
— Ok, ok — ergo as mãos, pedindo que ela pare de falar em pedaços.
— Você precisa me situar — me inclino em sua direção, perguntando: —
Pode me contar do início? Me colocar a par de tudo?
Ela expira, negando com a cabeça. Mas, pro meu alívio, começa a
falar:
— Nos conhecemos há alguns meses, quando eu fui ajudar minha
amiga que estava trabalhando na casa dele. Eu o reconheci, porque já tinha
visto ele na foto do site da Winess — ela gesticula. — Fiquei empolgada
por estar vendo-o pessoalmente e acabei falando o que não devia.
— O que você falou? — indago curioso.
— Eu disse que tinha uma foto da família dele no site, que ele estava
lá também. E isso acarretou um caos nele, que surtou do nada, tentando me
convencer a tirar a foto do site — ela faz uma pausa, fechando brevemente
os olhos. — Bem, eu não entendi nada daquilo. Achei que ele era... —
gesticula. — Um mimado. Mimado que chegava a ser louco... Mas, na
verdade, quando eu li o diário dele, descobri que Ryan tinha medo de ser
sequestrado.
A garota me olha, mas eu sinalizo pra que ela continue falando. Não
preciso de pausas a partir daqui. Principalmente agora que descobri que
meu irmão... tem um diário? Mas que merda. O que mais ele escreveu lá?
— Ele pensa várias coisas assim, que não fazem sentido se formos
pensar racionalmente, mas a cabeça dele forma essas situações, em que
acontece algo com ele e o ciclo passado, onde tudo que veio depois dele ser
esfaqueado pelo avô, vai acabar se repetindo.
Engulo em seco.
Ele deve confiar muito nessa garota e deve gostar muito dela, porque
Ryan jamais fala disso com alguém. Ele não fala, simplesmente finge que
nunca aconteceu nada.
— Como você soube disso? — quero saber. — Do nosso avô.
— Ele acabou contando quando estávamos jantando na casa da minha
amiga, antes de namorarmos — ela respira fundo. — Foi meio impulsivo.
Ele estava nervoso, eu acho. Acabou contando, e depois foi falando
naturalmente, até sobre a consequência disso, que era o sono sendo
atrapalhado.
— Você já o viu tendo alguma crise? — questiono.
— Uma vez — ela respira fundo. — Quando viajamos para o Brasil.
Foi na nossa primeira noite dormindo juntos e... eu fiquei assustada, me
senti de mãos amarradas enquanto ele estava lá, no chão, sem ar, parecendo
desesperado em agonia.
— Isso faz quanto tempo? — pergunto, não fazendo comentários pra
não aumentar o desespero da garota.
Tenho vontade de ir atrás dele e questionar por que ocultou isso da
gente, da sua família! Estávamos com a certeza de que ele estava sem crises
desde que tudo se ajeitou no nosso meio. Quando tudo pareceu enfim estar
se encaixando outra vez.
— 4 meses mais ou menos — a garota responde —, mas o Samuel...
— Quem é Samuel? — a interrompo.
— Um dos caras que moram com ele.
Bufo.
Já vi essa rapaziada e pelo modo como se comportavam, os
cumprimentos em desdém, como se a vida fosse muito fácil, me fez lembrar
do Pedro que um dia eu já fui; dali, eu soube que não eram a melhor
companhia pro meu irmão. Não enquanto ele estava cheio de nós na cabeça.
Mas Ryan ainda era, e é, muito novo pra prestar atenção nisso. Nossos
pais não tiveram coragem de bater o pé e repreendê-lo em relação a morar
com os amigos. E tudo se deu como deu.
Como isso. Ele ainda tendo crises enquanto finge que “tudo bem”.
— O que disse o Samuel? — quero saber.
— Que Ryan estava tendo muitas crises frequentes, que não estava
bem, e que seria o motivo o nosso namoro — ela começa a falar bem
depressa. — Pediu que eu me afastasse, e eu o fiz. Faz duas semanas. Mas
já estou ficando louca. Eu quero saber se ele está bem, se ele está dormindo
bem e...
Seu choro interrompe sua fala, me tirando um suspiro compreensivo.
Pobre garota. Parece estar sofrendo demais.
— Desculpe, como é mesmo seu nome? — pergunto, dando um passo
a frente, colocando uma mão no seu ombro e tentando fazê-la se recompor.
— Lu-Lucy.
— Ok, Lucy, o que vai acontecer é o seguinte — aguardo-a me olhar
antes de continuar: — Ryan não está sabendo que eu sei, então primeiro eu
preciso conversar com ele.
Ela funga, o rosto molhado e o nariz escorrendo.
— Está bem. Você pode pedir para ele me mandar uma mensagem,
caso não esteja me odiando?Assim eu vou saber que ele não me considera
uma inimiga.
Balanço a cabeça.
— Não tenho a pretensão de dizer que descobri nada através de você.
Lucy petrifica de repente, me encarando desentendida.
— E o que você vai dizer?
— Que sei que tem algo errado.
— Como assim?
— Você acha que é a única que tá triste? — dou um sorriso. —
Alguém não está o bem humorado de costume faz uns dias.
— E ninguém de vocês perguntou o motivo? — ela fica incrédula.
— Depois do que eu causei ao meu irmão, não acho que tenho direito
de me meter na vida dele. Principalmente depois que ele se esforçou e
começou a trabalhar na loja de vinhos.
— Não é estar se metendo, e sim se importando! Sabendo o que
sabem, tudo o que ele viveu e as consequências disso, como vocês
conseguem — leva as mãos à cabeça —, tem a capacidade de deixar tudo a
Deus-dará?!
Respiro fundo.
— Olha, você tem razão, mas...
— Com todo respeito, sr. Smith, não acho que tem um “mas”
justificável — ela fala por cima de mim.
Encaro-a. Ela tem razão. Não tem um mas justificável.
Maneio a cabeça.
— Preciso conversar com ele primeiro e ver se consigo ajudar de
algum jeito.
— Devia saber que seu irmão não é do tipo que aceita ajuda no quesito
“trauma” — ela debate. — Ele tem plena certeza que consegue sair disso
sozinho.
— Eu sei, Lucy.
— E também deve saber que ele odeia falar a respeito.
— Também sei.
— Então seja cuidadoso na forma de trazer o assunto à tona — ela
pede.
Dou um sorriso.
— Eu vou ser, Lucy — aceno com a cabeça. — E obrigado por se
preocupar com o meu irmão.
Eu a deixo para ir depressa ao estacionamento, onde pego meu carro e
dirijo rumo a Winess, me perguntando o que Ryan anda pensando em
esconder de nós o que anda passando.
Capítulo 45

Já perdi.
A conta dos dias, do tempo sem ela, e também da vontade de relatar
meus dias.
Qual vai ser o sentido de pegar o notebook e escrever, repetidamente,
que eu me sinto um idiota vazio?
Não tem um motivo agora. Não tem um porquê como antes. Tudo
passou a ser embaraço.
Fecho o bloco de notas do celular assim que a presença do meu irmão
toma a minha sala. Ele fica no batente por um tempo, só me encarando.
— Ainda não terminei de avaliar os nomes que chegaram pros novos
vinhos — digo sem entusiasmo. Mas não é de propósito, é só que... sei lá.
— Podemos conversar?
A pergunta me faz soltar um suspiro que diz em tudo o quanto tô
cansado e que não, não quero conversar.
— É sobre a Winess?
— Não — Pedro termina de entrar e fecha a porta, vindo se sentar na
cadeira em frente minha mesa.
Apesar de eu ainda não ter me acostumado que me puseram em uma
sala própria, com responsabilidades verdadeiras, tô conseguindo levar tudo
na tranquilidade.
— O que foi? — quero saber.
Meu irmão me olha de um jeito que não gosto.
— Tenho percebido você diferente — ele responde, os olhos
avaliativos. — Tem alguma coisa, não sei, te deixando pra baixo?
— Minha namorada terminou comigo — respondo com um sorriso
irônico.
Isso faz meu irmão desviar os olhos um momento.
Deve ser surpresa, mas, a essa altura, eu não me importo mais.
Nada tá fazendo sentido mesmo, então que se dane.
— Não achei que você realmente tivesse uma namorada — evidencia.
— Eu tinha.
— Por que não contou pra gente?
— Porque vocês me deixam desconfortável — bufo, sem saco pra isso.
Não quero ficar pensando no que poderia ter sido se...
Sei lá, de repente Lucy ainda estivesse comigo se eu fosse um cara que
agisse normal. Que tivesse levado ela pra conhecer meus pais, minha
família, e tê-la deixado se sentir mais próxima, como provavelmente um
cara normal faria. Como possivelmente Landon faria.
Mas eu fiz isso? Não. Não fiz. Não consegui, porque não dava pra
levar ela pra conhecer minha família porque nem eu queria vê-los. Não até
me recuperar dos “sonhos da noite”.
Pedro ainda tá sem palavras quando desvio o olhar.
Não tenho visto sentido em nada desde que deixei Lucy. Desde que a
vi pela última vez. Tudo tem sido uma merda e cada dia parece ter mil
horas.
— Então... — meu irmão pigarreia. — Essa sua cara é só por ter
terminado o namoro?
— Não é “só”. Isso não é só — esclareço. — A pessoa que fazia a
minha vida medíocre ter algum brilho, simplesmente terminou comigo. E
por quê? Porque não estávamos nos vendo com frequência. E por que não
estávamos nos vendo tanto? Porque vim trabalhar aqui. E o que trabalhar
aqui me trouxe, além de pesadelos diários? Um namoro levado ao fim!
Então não é só, Pedro, porque foi a minha vida voltando à estaca zero e o
motivo da minha força indo embora!
— Pesadelos diários? — ele pergunta. Parece ter ouvido só essa parte e
ignorado o restante.
Falei demais sem querer. O descontrole emocional sempre me leva a
isso, mas não dá pra voltar atrás agora e, sabendo disso, meneio a cabeça,
afirmando:
— Sim, Pedro, pesadelos diários.
— Você quer dizer o que com isso?
— Que eu não consigo ter paz à noite — bufo, passando uma mão no
rosto e deixando meus olhos focarem a superfície da mesa. — Eu demoro a
dormir e, quando consigo, aquilo que você já sabe acontece.
— Achei que estava encarando bem trabalhar aqui. Por que é que não
disse nada?
Volto a olhar pra ele.
— Não era relevante. Eu tinha a Lucy e ela me dava alguma esperança
de recuperação total.
Dou risada das minhas próprias palavras. Que idiota eu fui, não canso
de me lembrar.
— Então isso — ele faz gestos com a mão — voltou por causa da
Winess? Desde que veio trabalhar aqui?
Balanço a cabeça.
— Não sei te responder. Pra te falar a verdade, não tenho nem pensado
nisso aqui ultimamente. Só nela.
— Falou isso com o seu terapeuta?
Reviro os olhos.
— Odeio terapia. Odeio contar o que me faz sofrer e ter que me
corroer por isso mais um pouco falando em voz alta — admito com ruído.
— Então não, não falei porque nem na terapia eu vou. Só fui nas duas
primeiras semanas.
— Certo — meu irmão diz apenas. Ele não me julga ou me solta um
esporro, como provavelmente meus pais fariam. Ele não insiste, só me ouve
e entende. Não acho que entenda tudo, mas tenta entender pelo menos. —
Mas você pode conversar comigo — se oferece, apontando pra si mesmo.
— Não ficar remoendo, mas conversando. Eu entendo de mulheres — dá
um sorriso.
— Não tenho mais o que falar sobre ela. Não me anima mais, me deixa
na fossa.
Pedro considera, em silêncio.
— Entendo.
Não acho que entende. Pra isso, pra chegar pelo menos perto de
entender, ele teria que entender o que eu sentia antes e o que passei a sentir
depois da Lucy. E isso só aconteceria se ele conseguisse ler dentro de mim
ou... os meus relatos.
Mas isso tá fora de questão. Ninguém vai ler aquela merda. É
vergonhoso e destaca que não passo de um cara revestido de tanta neurose
que, meu Deus, bem capaz de não me obrigarem a fazer terapia, e sim
levarem direto pro manicômio.
Se Lucy pelo menos sonha que eu tenho tanta coisa dentro da cabeça...
Putz, ela ao menos teria se aproximado. Iria me achar louco de verdade.
Nós não teríamos namorado e não teríamos vivido nada do que vivemos e...
Fora de cogitação! Eu me sinto péssimo em ao menos pensar em ser
descoberto tão intimamente.
Porque é isso que são meus relatos: meu íntimo. Minhas dores,
fraquezas, medos, tempestades e caos.
Não. Jamais alguém pode ler aquilo. Seria como me desnudar e entrar
na minha mente, e essa permissão eu não concedo a ninguém.
Preciso calar os pensamentos.
Essa merda de pensar nunca me levou a nada que não frustração.
— Você quer tirar uns dias de folga? — meu irmão pergunta.
— Não — sou taxativo. — Ficar em casa de bobeira seria pior. Prefiro
vir pra cá e ficar me desafiando todo dia. Uma hora minha cabeça vai
entender que, não importa o que eu faça, a Winess existe e as consequências
do passado, também. Não adianta só me esconder, a realidade precisa ser
encarada.
Pedro arqueia as sobrancelhas, como em surpresa. Mas não se deixa
nessa por muito tempo, porque logo pergunta:
— Você não pretende falar com a Lucy mais uma vez?
Estranho a receptividade com que ele pronuncia o nome dela.
— Por que eu faria isso?
— Por estar sofrendo.
Dou risada.
— Ela não liga, pode acreditar.
— Olha, Ryan — meu irmão se inclina, pra falar mais perto de mim,
me olhando nos olhos: —, eu conheço o suficiente de mulheres pra te
afirmar que elas não perdem o sentimento por um cara que está se
esforçando.
— O que isso quer dizer?
Ele aponta na minha direção, como se fosse algo óbvio.
— Você mesmo acabou de dizer: veio trabalhar aqui. E isso depois do
namoro, o que significa que ela te deu um propósito na vida — vai falando.
— Mulheres adoram isso, que os caras demonstrem melhorar,
principalmente se tiverem parte nisso. Não acho que Lucy realmente tenha
deixado os sentimentos por você de lado por causa do que você falou. Acho
que vale a tentativa de uma nova conversa.
Meu irmão não me espera debater com ele quando já se levanta e sai
da minha sala.
Mas eu acho que não. Lucy não agiu estranho.
Seu jeito normal é mesmo a indiferença. Estranho ela agiu depois que
começamos a namorar. Era incomum no seu normal.
Mas eu me amarrava. Adorava de verdade.
Eu amava.
E agora fui deixado... pra me virar com isso sozinho.

Tô sentado no sofá da sala de casa, os dedos voando por cima do


teclado de letras do celular enquanto na tela do bloco de notas; a música
tocando na Alexa me dilacerando mais. Cada frase lembra ela. Na verdade,
tudo que ouço lembra a gente. Essa casa, principalmente. Lucy não sai da
minha cabeça e isso é simplesmente um inferno pra lidar.
Desisto de tentar escrever algo no celular e desligo a tela, deixando
minha cabeça descansar no apoio do sofá enquanto P!nk e Nate Ruess
cantam Just Give Me a Reason.
— Alexa, parar.
Solto uma lufada de ar quando ouço a voz de Samuel interromper a
canção.
— Qual a dessa? — ele pergunta. — Vai deixar mesmo uma garota te
abalar?
— Não enche, Sam — peço, esgotado.
Ele respira fundo e se senta no sofá do outro lado.
— Quer conversar? — questiona.
— Eu pareço querer conversar?
— Quer sair pra beber?
Meus olhos se voltam pra ele.
— Você já foi deixado por quem te fazia se sentir vivo? — devolvo
outra pergunta.
Ele sorri.
— Eu não tenho tempo pra essas besteirinhas com mulher nenhuma —
zomba.
— É, então acho que você não entende.
— Entendo que uma mina deu pra você e te deixou viciado, te fez mal
também, é bom lembrar, depois foi embora e você tá aí — gesticula na
minha direção —, sendo um frouxo quando devia tá agradecendo.
— Não vale tentar te fazer entender — me levanto, querendo subir pro
meu quarto, onde posso ser deixado em paz, pra ouvir meus pensamentos.
Mas Sam também se levanta, agarrando meu ombro e me parando
quando chego perto dele, me impedindo de seguir.
Estreito os olhos pro seu rosto de expressão séria.
— Você não entendeu o quão profundo essa garota te atingiu — ele
diz, um tom de alerta.
— Ao contrário, acho que entendi muito bem.
Sam balança a cabeça em negativa.
— Falo sério, Ryan — ele reforça. — Eu quero te ver curado, cara, e
você não vai conseguir isso se não se livrar de todos esses monstros.
— Boa noite — a voz de Nathan irrompe pelo cômodo, nos fazendo
destinar a atenção a ele, que logo chega na sala de estar. — Tô
interrompendo um papo sério? — quer saber.
— Depende — Samuel dá um sorriso falso. — Talvez você possa me
ajudar a convencer o Ryan sair um pouco de casa.
— Opa — Nathan bate palma. — Agora mesmo! Que vocês acham da
gente ir naquela boate que fica no...
— Boa noite pra vocês — empurro Samuel do caminho e sigo até as
escadas.
— Se remoer por quem não vai voltar, não vai te ajudar — ele diz.
— Quem não vai voltar? — Nathan quer saber.
— Lucy — Sam responde.
— Ainda nessa? — Nathan bufa, incrédulo. — Vamo encher a cara,
Ryan. Cê ganha mais, meu amigo. Mulher é tudo igual e, pra cada uma que
não te quer, tem dez querendo.
Me viro de volta pra eles, já de saco cheio com a porra toda.
— Será que vocês não percebem?! — me irrito. — Nada tem sentido
quando não é com a pessoa que faz tudo ter sentido.
Subo os degraus, precisando de uma ducha e quem sabe de um
remédio que me faça dormir a noite inteira.
Capítulo 46

Eu tinha que tentar, não dava pra continuar como tava. Numa fossa, me
sentindo mastigado e diminuindo a cada dia.
Só não… não poderia continuar.
Então, que se dane. Eu precisava fazer alguma coisa. E é exatamente
disso que tô me convencendo enquanto aguardo o elevador me levar pro
andar em que Lucy trabalha.
Não daria pra esperar até a hora de eu sair do trabalho, ou ela. O
desespero poderia me matar até lá. A saudade. A vontade de vê-la
e entender.
Apesar de eu achar ter entendido, o que Pedro me falou ficou ecoando
na minha mente por algumas horas, até depois que eu subi pro meu quarto.
Mas foi doloroso pensar que poderia haver outra razão.
Foi tão doloroso que eu não consegui suportar meus pensamentos
gritando. Tive que pegar o carro e recorrer a um médico, que me receitou
um remédio que não demorou a fazer seu efeito. Na verdade, ele passou
dois. Mas eu só tomei um. Afinal, eu tava com o meu coração acelerado, só
que por um motivo diferente do que ele acreditou ser.
O lance é que eu dormi. Mais que a cama. Perdi o horário de chegar no
trabalho e mandei uma mensagem pro meu irmão explicando. Falei do
remédio que tinha me colocado pra dormir. Sem pesadelos, eu destaquei.
Ele disse não ter problema e tentou esconder o tom de euforia – mas eu
percebi –, então disse que eu poderia chegar mais tarde.
Exatamente por isso decidi que era a melhor pedida. Ver Lucy antes de
ir trabalhar e, bom, desistir de vez. Me entregar a dor de ter fracassado no
meu primeiro namoro e com a primeira garota por quem me apaixonei.
Apaixonei… Essa palavra ainda é totalmente estranha pra mim e é a
primeira vez que penso nela de fato.
As portas do elevador se abrem, me fazendo sair. Acho que minhas
pernas se mexem sozinhas nessa, porque eu tô tão sei lá, ansioso, que me
sinto todo duro.
O burburinho de vozes no andar, me deixa incomodado, e meus olhos
começam a vasculhar a procura dela. Tento me lembrar onde ela se senta
pra trabalhar, mas são divisórias altas que não me permitem ver muito do
lugar onde tô.
Começo a andar pra perto das portas de vidro ao lado direito, onde dá
pra enxergar melhor todo mundo. Me sinto ansioso demais e a maneira
como meu coração acelera de um jeito louco, me diz isso.
Ansiedade de ver ela, mas também ansiedade pelo se. Se ela me
mandar embora de novo... Vai ser barra. Vai ser muito barra.
Eu paro de caminhar quando vejo o tal amigo dela. Lembro da cara
dele. Ele tava com a Lucy na boate, no início de tudo. Mas logo minha
atenção é tirada dele e se dirige pros cabelos claros, mais ao lado, e os
braços que se esticam pro alto. Lucy.
Me aproximando mais das mesas distribuídas, ainda assim alguns bons
metros dela, percebo que não vou conseguir encurtar a distância além disso.
Caminhos estreitos e divisórias não vão me permitir.
Então eu grito o nome dela. Preciso fazer isso. Eu a chamo mesmo,
com vontade e saudade. Pedindo implicitamente que ela me veja mais uma
vez.
E ela vira a cabeça na direção da minha voz, alarmada com os olhos
muito abertos. Nossos olhares se cruzam e se mantêm assim, ligados um no
outro até eu perceber que tô sendo observado por uma plateia.
Eu não me importo, quero que se danem todos, porque eles não
entendem. Não entendem. Ninguém entende.
E não tem problema. Não preciso que ninguém, além da minha Lucy,
entenda o que sinto.
Mas, de toda forma, o burburinho ao redor, cessou. O silêncio é
notório e, quando Lucy se levanta, tropeçando na cadeira, antes de começar
a caminhar depressa em minha direção, quase se atrapalhando muito no
caminho estreito entre as divisórias, eu me sinto aliviado. Afinal, ela tá
vindo pra mim.
— Ryan? — seus olhos estão mesmo em choque quando me encontra.
Ela está cheia de olheiras e só posso imaginar que é por causa das noites
que não dorme, provavelmente por estar aproveitando que tá solteira de
novo. — O que está fazendo aqui?
Meu peito se encher de ar antes de eu soltá-lo pela boca, minhas mãos
coçando pra tocar nela. No seu rosto. Meus lábios ansiosos, chorando
invisivelmente de saudade.
Ah, Lucy… que merda você fez comigo?
— Precisava te ver — confesso, a voz firme. Não me importo se vão
me ouvir. — E…
Os olhos dela estão fixos em mim, me deixando pequeno. Eu não sei
explicar. É uma sensação dilacerante, de expectativa e confusão.
Muita confusão, principalmente porque eu não vejo o olhar que ela
costumava me olhar. Eles não brilham. O amarelado dos seus olhos não
brilham. Está uma sombra. Isso me dói.
Balanço a cabeça, desistindo de tentar fazê-la entender com apenas as
palavras da minha boca, que provavelmente vão sair desesperadas, ou nem
vão sair.
Tô nessa mesmo quando enfio a mão no bolso da calça e pego meu
celular. Me sinto esquisito. E isso é irônico, porque, nossa, é a Lucy. É ela.
Então… por que me sinto assim?
— Ryan… — ela sussurra baixinho, me fazendo engolir em seco antes
de abrir o bloco de notas do celular.
E eu começo a ler em voz alta. Não sei, sinto que preciso explanar. É
como se fazer isso pra todo mundo ouvir fosse, de algum jeito, tirar essa dor
de dentro de mim. Não é explicável. Não é.
— Antes de você, eu não sabia o que era amar — olho em seus olhos
antes de continuar: — Ninguém me fez delirar de paixão. Que caos que isso
tá sendo, porque ficar meus dias sem você não é sendo moleza, não.
Envergonhado, levanto a cabeça. Lucy tem os olhos marejados e
segura o cantinho do lábio inferior entre os dentes.
— Escrevi como tava me sentindo. Sou melhor escrevendo, eu acho.
Gosto de escrever — explico, sem jeito.
— Eu sei — ela sussurra. — Ficou lindo.
Abro um sorriso, mas de repente meus olhos se estreitam pra ela.
— Você sabe?
— Sei — Lucy afirma, ainda falando baixinho.
— Como? — estranho a informação. Como ela pode saber se nunca
contei pra ninguém, exceto pros meus amigos?
Ela tem um momento de hesitação, seu olhar desviando pra olhar ao
redor antes de voltar pra mim de novo.
— Eu... — Lucy pigarreia. — Eu acabei descobrindo sem querer. Na
nossa viagem. Foi sem querer. Eu... Quando você me emprestou o notebook
pra trabalhar — ela gesticula brandamente — acabei esbarrando os olhos
no... sabe, no que você escreveu.
Meus relatos.
Dou um passo pra trás. É uma reação inconsciente e também
instantânea.
— Você o quê? — pergunto.
Eu tô cheio de confusão e incredulidade e parece que... eu não sei, é
putamente desconfortável.
— Eu não contei antes porque... — Lucy dá um passo a frente, mas
ergo uma mão, dizendo em silêncio pra que ela não faça isso. Que não se
aproxime, porque... Porra.
— Quando você leu? — quero saber. — Foi antes do namoro?
Ela engole em seco, meneando a cabeça em um “sim”.
Isso dói mais um pouco, como se tudo, enfim, tivesse fazendo sentido.
Como se a facilidade que ela teve em terminar comigo fosse explicada.
— Em que parte antes? — pressiono, como se já não tivesse doendo o
suficiente.
Lucy balança a cabeça. Parece desorientada.
Ela se nega a dizer.
— Eu só quero saber — digo com um sorriso.
— Ryan, eu só não contei porque...
— Quando foi, Lucy? — insisto. — Fala pra mim quando foi que você
leu.
Ela baixa o olhar um instante antes de erguê-lo de volta pra mim.
— Antes da nossa... — toma fôlego — da nossa primeira vez.
Minha risada é instantânea.
— Puta merda.
— Não, Ryan, me escuta, eu não contei porque...
— Porque não quis — dou mais um passo pra trás, agora desnorteado.
— Não contou porque não quis, Lucy.
— Não, Ryan... — ela balança a cabeça, olhos cheios de lágrimas. —
Não contei porque não era o momento.
— O momento? — questiono, incrédulo. — O momento, Lucy? Como
esse momento que tô sendo um panaca — gesticulo a nossa plateia da
equipe de seu trabalho — recitando sobre algo que você me fez sentir, mas
que nunca foi real? Nunca foi porque você não... Droga, você fez de
propósito. Me quis... por pena. Você me enganou.
— Mentira — ela engasga, negando com a cabeça. — Mentira. Eu
sinto tudo, eu senti tudo. Você não pode dizer isso, Ryan. Não depois de
tudo. Não é justo achar que eu te enganei.
— Depois de tudo você quer dizer todo o seu fingimento por pena? —
dou risada, o silêncio ao redor me deixando mais puto. — E, tá de
sacanagem, não é justo? Como você tem coragem de... — rio incrédulo,
passando uma mão no cabelo. — Porra, Lucy! Não, cara... Não você. Por
quê?
— Você não está me ouvindo — ela tenta se aproximar, mas estendo a
mão, parando-a.
— Eu não tenho mais nada pra ouvir — esclareço. — Acho que já ouvi
o suficiente pra me foder mais.
— Ryan, por favor, você precisa me ouvir...
— Eu não tenho nada — grunho, cheio de dor. — Me esquece, Lucy.
Saio andando de volta ao elevador, ouvindo o soluço dela ficando pra
trás e, ao mesmo tempo, não ouvindo nada porque tudo parece ser
simplesmente isso de repente: nada.
Capítulo 47

Fecho a porta num baque assim que entro em casa. Isso chama a
atenção dos meus amigos, que estão comendo pizza na sala. Douglas tá
junto, mas, a essa altura, eu não tô nem aí.
— Boa noite, Ryan — Sam é o que me cumprimenta, me fazendo só
acenar com a cabeça. — Quer pizza? Acabou de chegar, tá quente ainda.
Balanço a cabeça em negação e saio caminhando em destino a
cozinha.
Abro a geladeira em busca de uma bebida, mas quando vejo as
latinhas, me lembro que vou tomar outro daquele remédio. Eu vou, tenho
que dormir. Não vou ficar sendo massacrado pela ideia de que… nada
aconteceu de verdade.
— Tá tudo bem? — a voz de Samuel me faz fechar a geladeira, e vou
até os armários, ver o que tem pra comer.
— Tá — respondo, pegando um saco de pão de fôrma antes de ir
procurar pela pasta de amendoim e a geleia.
— Ultimamente, você parece andar puto até com o vento.
— Cansado do trabalho.
Sam ri, mas eu não olho pra ele. Não preciso de mais risadas de
zombaria além das que eu já tô dando de mim mesmo.
— Acho que você pensou no que eu disse ontem, né? Percebeu que
tenho razão — meu amigo se apoia na bancada. — Nem teve crise à noite.
E só tô afirmando isso porque dei uma passada no seu quarto pra ter certeza
se você tava dormindo.
Passo geleia e depois pasta no pão, fecho com outro e dou a primeira
mordida antes de ir atrás do mixer pra bater duas bananas com gelo e
morango.
— Fui ao médico — explico. — Ele me passou um remédio pra
apagar, não teve nada a ver com você ter jorrado merda pela boca.
Sam fica em silêncio enquanto ligo o mixer e espero bater, em seguida
dando um grande gole antes de atacar o sanduíche de novo.
— Bom — ele limpa a garganta —, pelo menos você tá com bastante
apetite.
— Preciso comer antes de tomar o remédio.
Mais silêncio, que não me importa.
— A gente tava pensando ali — ele retoma. — Seu aniversário tá
chegando e a gente quer saber se você topa uma viagem? Vamos os quatro.
Longe da sua família, pra não ter o risco de darem uma festa surpresa aqui
— dá risada.
Eu o olho. Não vejo graça, não sinto raiva, não tenho nada a
demonstrar.
— Só quero ficar sozinho — digo.
Alguma coisa muda no rosto dele. Compreensão? Duvido muito. Esse
cara não sabe nada sobre dar importância a sentimentos. E fodido eu, que
fui me deixar levar por uma emoçãozinha a mais por uma garota que
chegou falando e fingindo demonstrar qualquer merda a mais.
— Eu até iria embora daqui, todos nós — Sam começa —, se isso
fosse o mais seguro pra você, se isso fosse te ajudar. Mas não vai, você sabe
disso. Sabe que não posso simplesmente ir sabendo o que pode acontecer
com você.
Não vou debater com ele. Fui tão fodido que, não capaz de segurar a
peteca das crises sozinho, trouxe meus amigos junto. Coloquei em cima
deles uma responsabilidade que não tinha a ver com eles. Deixei eles
incapazes de se negarem a vir. Eu sou um filho da puta.
— Olha, Ryan, só queremos te ajudar — Sam enfatiza. — Só isso. Por
isso até o Douglas tá aqui hoje. A gente quer que você fique bem e volte a
ser aquele cara que era antes. Cheio de vida e alto astral. Não pode deixar
que uma garota te leve a ser a sua pior versão.
Dou risada, olhando-o.
— Do que adianta a versão, não é? — ironizo. — Quando penso que
acerto, sempre vem algo me atingir — balanço a cabeça, voltando a atenção
pro meu sanduíche. — Me sinto vivendo em uma constante e infindável
tempestade de gelo, nunca escapando e sempre sendo atingido.
Meu amigo fica em silêncio, depois se aproxima e coloca uma mão no
meu ombro.
— Estamos com você, cara — ele garante. — Independente de
qualquer coisa, sempre vamos estar com você.
Então ele sai, me deixando como eu quis estar desde que deixei Lucy.
Sozinho e sozinho. Dessa vez, nem meus pensamentos vão levar vez.
Nem eles, nem por um momento mais.

Mantenho a concentração nos adesivos espalhados pela mesa,


analisando um antes de passar pro outro. E sinceramente, não acho que eu
preciso mesmo fazer. Deve ser só uma forma do meu irmão dizer que eu
sou útil e precisa do meu trabalho. Porque que tenho a ver com os rótulos
dos vinhos e por que sou eu que tenho que conferir as informações?
Uma sombra chegando na porta me faz erguer os olhos. Espero
encontrar minha cunhada ou o meu irmão, eles são os principais enchedores
do meu saco. Claro que não de forma intencional, mas enchem mesmo
assim.
Mas não. É a minha mãe. E Deus me dê paciência.
— Oi, meu amor — ela dá um sorriso de mãe, muito largo, com
carinho e cheio de afeto. — Eu estava com um tempo livre no Estrela e
resolvi dar uma passada aqui para ver vocês.
Claro que sim. Como se fosse isso mesmo. Pedro deve aberto aquela
boca grande dele e dito que tomei um fora da minha namorada, e que isso
foi gritante o suficiente pra me fazer ir atrás de um médico e de um remédio
pra dormir.
— Oi, mãe — dou um sorriso em resposta, mas acho que não consigo
ser tão verdadeiro. — Como a senhora tá?
— Ótima, meu amor — ela vai entrando e tomando lugar pra sentar,
seu sorriso persistente na boca, ainda que eu note uma certa cautela. — E
seu dia de trabalho, vai bem?
— Melhor impossível — sou irônico sem querer.
Isso a faz desmanchar um pouco do sorriso e desviar os olhos pros
adesivos na mesa. Espalhados e bagunçados. Uma bagunça que eu fiz,
talvez igual tô me sentido: um babaca bagunçado.
— O que houve, querido? — ela manda na lata a pergunta, sem o
cuidado de segundos atrás.
Balanço a cabeça. Não quero falar sobre isso.
— Não vou falar sobre isso — é exatamente o que digo. — Não vou
ficar mastigando choramingos.
Minha mãe assente, mas logo fala:
— Não quero que você mastigue nada, quero que me explique o
motivo alarmante o suficiente que te fez recorrer a um médico na
madrugada em busca de um remédio para dormir.
Dou de ombros.
— Eu precisava calar a minha cabeça.
Minha mãe abre um sorriso, como se tivesse entendido tudo.
— Então você está mesmo apaixonado — observa, MAS, eu não me
importo com que saibam disso a essa altura. — Confesso que estou
surpresa.
Respiro fundo. Eu só… tô sei lá. Meio sem saco, mas também não me
importando. É uma parada muito chata, esquisita, indescritível – de certa
forma. Só quero ir pra casa e tomar mais um remédio pra apagar a noite
inteira.
— Tá, mãe — meus dedos brincam na mesa e dou um sorriso forçado.
— Todo mundo vai ficar surpreso. Uau. É isso.
— O que houve para ela terminar com você?
— Deixou de me amar — a resposta escapa da minha boca. — No
caso, ela nunca me amou — enfim liberto as palavras, soltando uma lufada
de ar.
— Por que você acha isso?
Tamborilo os dedos na mesa.
— Não acho, ela me falou. E fez uma coisa antes. Descobriu, na
verdade — respondo, encarando os olhos da minha mãe do outro lado. Não
tenho receio do modo como ela tá atenta. Entreguei pra sorte essa minha
situação. — Aí eu soube que, no fim de tudo, ela só tinha ficado comigo por
pena.
— Posso perguntar o que ela fez? — minha mãe cruza os braços.
— Mexeu no que não devia e escondeu essa informação de mim —
expiro com desgosto.
— Se ela tivesse falado com você, teria mudado alguma coisa?
— Teria mudado tudo — deixo claro. — Teria mudado completamente
tudo.
Meus pensamentos me bombardeiam com a ideia de que, se tudo
houvesse mudado, Lucy e eu não teríamos passado nenhum momento bom
juntos. Nada daquilo. Nada de olhos nos olhos, sorriso, beijos, abraços,
banho juntos, pele na pele… Nada. Absolutamente nada do que foi teria
sido.
Mas o que foi, não passou de mentira. Encenação. Uma ótima atriz a
Lucy.
— Deve ter sido algo grave então — minha mãe considera. — Não há
chance de você perdoá-la?
Viro minha cadeira pro lado e estico as pernas, o braço ainda apoiado
na mesa enquanto meus olhos encaram o chão escuro.
— Não é tão sério a ponto de ser necessário perdão — pontuo. — Só
foi… — começo a gesticular. — Tipo como se ela ter feito isso, provasse
que nada do que tivemos foi real, porque tudo que vivemos juntos
aconteceu depois desse vacilo dela.
— Mm… — minha mãe tá pensativa. — Você perguntou a ela se
realmente foi pena?
— Mãe — a olho —, Lucy tinha três opções com o que descobriu: ou
me achava doido, ou sentiria pena, ou teria medo. E ela não me achou doido
e nem teve medo. Pelo menos, não comentou nada assim.
— E não tem mais opções, como por exemplo, ter empatia? Entender
você, tentar te ajudar, ser solícita?
Balanço a cabeça em negativa.
— Não mesmo — respondo. — Ninguém iria pensar nessas opções
lendo aquilo. Lendo algo que a personagem principal era a pessoa. O
destaque foi Lucy. Os holofotes da minha mente estavam virados pra ela, e
só existia ela.
— Pareceu um pouco maníaco com você falando assim, mas vou
tentar não me preocupar — minha mãe dá uma risadinha. — E o que você
pretende fazer agora?
— E desde quando eu sei o que vou fazer com a minha vida, mãe?
— Oh, querido — ela se inclina um pouco, esticando o braço por cima
da mesa e tocando minha mão. — Não se preocupe, as peças vão se
encaixar conforme o tempo passa. As coisas do coração não são entendidas
racionalmente e tão de repente.
Dou uma risada irônica.
— Eu não quero entender as coisas do coração — deixo claro. — Só
quero que isso passe. Depressa e o quanto antes.
Minha mãe sorri, como se entendesse.
Mas, eu repito, ninguém entende.
Não tem como entender quando alguém te pega e faz farelos de você.
Capítulo 48

— A que ponto você chegou? — Julie pergunta e eu gesticulo para que


ela se cale.
Ela não entende. Acho que não vai entender tão cedo. Deus queira que
não. Não quero minha irmã sentindo nada disso. É horrível e destroça. Te
reduz a nada.
E é justamente por isso que, hoje, na minha folga, incapaz de chorar
por mais uma noite inteira, eu decidi que, bom, eu tenho que fazer alguma
coisa a respeito.
Não posso me definhar por algo que eu fiz em boa intenção, em se
tratando das crises do Ryan; mas também, não posso deixar que ele pense
que eu o enganei, que tudo o que vivemos foi uma
mentira.
Porque não foi, e o meu coração em frangalhos é a prova disso.
Por isso, estou aqui. Em frente a Winess. Não exatamente em frente,
porque Julie e eu estamos nos escondendo no meio dos carros do
estacionamento enquanto aguardamos Ryan passar para ir embora.
Não quero correr o risco de encontrá-lo olho a olho, porque não vim
para falar com ele. Não, claro que não. No momento, ele não quer me ver.
Não quer e me acha uma mentirosa. Eu não o culpo, fui realmente uma
cretina por não ter contado que li seus escritos.
Mesmo assim, preciso fazer alguma coisa. Justamente por isso tenho
que trocar umas palavras com Pedro Smith outra vez.
— Olha lá seu boy — minha irmã me cutuca e olho na direção que ela
aponta, vendo Ryan sair por outra porta, não pela principal.
Falto babar ao vê-lo, mais uma vez de terno, parecendo tão
responsável e elegante; e meu gemido de saudade é audível o suficiente
para que minha irmã dê risada.
Ele caminha na direção dos carros da esquerda no estacionamento e
logo está entrando no seu, cantando pneus quase que imediatamente.
— Vamos — chamo minha irmã, minha mão sendo automática quando
procura a sua para irmos até entrada.
— Não precisa pegar na minha mão, eu já sou grande! — ela reclama.
— E esses carros estão todos estacionados, não circulando.
— Desculpa — lamento. — É força do hábito de irmã mais velha.
Julie bufa enquanto nossos passos estão em continuidade para nos
levar aos degraus de mármore, onde subimos até estar nas portas de vidro;
e, logo mais, dentro do lugar.
Imediatamente, sou atingida pelo ambiente, que é banhado de luzes
amarelas, a maior parte do seu espaço possuindo madeira e os dois
corredores estreitos além do espaço da entrada, só conseguem me lembrar o
quanto aqui não deve ser bom para o Ryan.
Quero dizer, é um lugar um pouco escuro demais por conta das luzes
amarelas, e possivelmente ele precisa passar por esses corredores estreitos
todos os dias.
Não deve ser o ambiente mais confortável para quem tem a mente tão
em nível esmagador. Esse lugar exala um ar que, não sei, mas não me sinto
bem de primeiro instante.
— Boa noite — uma mulher se aproxima de nós, saindo de detrás da
mesa na entrada. Ela tem cabelos castanhos lisos e um sorriso simpático. É
um pouco alta, esguia e tem curiosidade no olhar. — Posso ajudar?
— Oi, boa noite — respondo e me percebo ofegantemente apressada
em minha fala. — Estou procurando Pedro Smith, preciso falar com ele.
Sou Lucy e essa é minha irmã Julie.
Julie acena a mão com um sorrisinho.
— Lucy e Julie — a mulher meneia a cabeça. — É um prazer, me
chamo Crystal. — Sua atenção se destina a mim. — Mas por que você
precisa falar com o Pedro?
Solto uma lufada de ar.
— É um pouco particular. Você poderia dizer a ele que estou aqui e
gostaria de falar com ele, por favor? Ele vai saber do que se trata. Meu
nome é Lucy — repito.
A mulher estreita os olhos, desconfiada, mas acaba pedindo para
aguardarmos um momento.
— Esse lugar dá calor apesar de estar fresquinho — Julie comenta
quando somos deixadas a sós. — O que será que tem naqueles corredores?
Vinhos?
— Provavelmente — respondo sem muito interesse.
— Você não está curiosa para conhecer o local onde seu amado
trabalha? — ela caçoa.
— Não. Ryan não gosta daqui, então eu também não me sinto bem em
estar aqui.
— Que brega! — minha irmã reprova. — Não gostar de alguma coisa
só porque seu namorado não gosta. Falta de autenticidade.
— Vai à merda, Julie.
Ela ri.
— Mas é verdade — rebate.
— Você não entende os motivos dele.
— Eu sei, mas não...
— Ele vai receber você — Crystal avisa quando retorna,
interrompendo minha irmã. — É por aqui — ela sinaliza para que
acompanhemos seus passos.
Quando chegamos em frente a porta já aberta do corredor da direita,
consigo ver Pedro concentrado em seja lá o que está fazendo.
Tomo fôlego e viro para minha irmã.
— Você me espera aqui fora?
— Uhum — ela assente, olhando Crystal. — É aqui que os vinhos são
feitos?
— Não — a mulher sorri. — Aqui eles já chegam prontos. Vem, vou te
mostrar como ficam guardados.
Julie me olha.
— Posso ir?
— Pode, mas não saia daqui — respondo e olho nossa recém
conhecida. — Obrigada, não vou demorar.
— Ah, tudo bem — ela sorri. — Não tenha pressa, só cuidado com
onde olha — uma risadinha sela a frase final, que eu não entendo bem.
Observo-a sair com Julie pelo corredor e volto os olhos para o interior
da sala, onde Pedro já está me olhando.
Sem graça, meio sem jeito, também me sentindo perdida, dou um
sorriso.
— Oi — caminho para dentro do cômodo, recebendo um sorriso em
resposta.
— Lucy — ele fala o meu nome, dessa vez de um jeito misterioso.
— Oi — eu repito, indo me sentar na cadeira que ele gesticula, em
frente sua mesa. — Preciso de ajuda — vou direto ao ponto.
Pedro dá um sorriso, seus olhos cintilando um brilho divertido.
— Em quê? — quer saber.
— O Ryan acha que eu o enganei — desabafo. — Ele acha isso porque
eu admiti ter lido seu diário e... Droga — me recrimino —, ele me pediu
para esquecê-lo, o que está sendo muito doloroso para mim, porque eu o
amo e não quero que ele pense que meus sentimentos foram uma
enganação.
— E como posso te ajudar? — Pedro continua com um sorrisinho
barato na boca.
Gesticulo.
— Eu não sei — confesso.
— Lucy — meu nome de novo em sua voz, dessa vez em um tom mais
conclusivo. — Por que você não vai até ele e diz isso?
— Porque ele não vai me ouvir! — quase choro ao responder. — Não
vai. Seu irmão odeia fingimento e hipocrisia, duas das coisas que ele acha
que eu fui: fingida e hipócrita.
— Hum — Pedro pensa um pouco, alisando o queixo com os dedos e
dizendo algo como garotos imaturos. — Você contou a ele que o motivo do
término foi por conta da informação que o amigo dele te passou?
— Não — nego imediatamente. — Longe de mim fazer isso! Eu
cheguei ontem na vida do Ryan e não tenho o direito de me meter no meio
da amizade dele com o Samuel. Até porque o amigo dele se preocupou com
ele. Quer o bem dele e eu não posso culpá-lo pelo que me pediu.
Samuel não pediu exatamente, foi mais uma ordenança, mas fato é que
ele se preocupa com o Ryan. E muito.
— Hum, interessante — Pedro fixa seus olhos fenomenais em mim,
me fazendo engolir em seco. Muito bonito o meu cunhado. Demais mesmo.
— Você acha que não tem o direito de se meter na amizade do Ryan, mas o
amigo dele não se preocupou em se meter no meio do relacionamento de
vocês.
— É totalmente diferente — pontuo. — Como mencionei, eu cheguei
ontem na vida dele. O Samuel está há muito tempo e acompanhou as fases
ruins do Ryan.
— Você poderia ter chegado hoje, Lucy, e nada dava o direito de o
Samuel tomar as rédeas desse jeito.
Balanço a cabeça em negativa.
— Não vou fazer isso — deixo claro. — Não vou pôr a culpa no
Samuel. Seria mais um erro meu — trago as mãos ao peito. — Não quero
ter que fazer Ryan se dividir em mais partes do que ele já é dividido.
Preciso apenas de ajuda.
— Não posso te ajudar se você não quer contar a verdade a ele —
Pedro abre os braços, como se dissesse “o que eu posso fazer?”.
— Vocês vão fazer uma festa para ele semana que vem? — pergunto,
apreensiva. É aniversário do Ryan.
Pedro sorri.
— Com certeza. Apesar de eu ter quase certeza que ele não vai ficar e
nem esperar pra cortar o bolo.
Mordo o lábio.
— Talvez eu possa comparecer? — sugiro. — E tentar falar com ele lá,
no meio de vocês. Da família dele.
— Ele não gosta muito de estar no nosso meio — Pedro ri, como se eu
tivesse dado uma péssima ideia. — E, no momento, ele também não gosta
muito de você.
— Não — balanço a cabeça. — Ele ainda gosta de mim, mas está
machucado, triste e com raiva. O sentimento não morreu e tenho convicção
que, se eu estiver na festa também, ele vai me ouvir. Porque, apesar dos
pesares, eu passo alguma calma a ele em relação a vocês.
Pedro ergue as sobrancelhas.
— Tá dizendo que o Ryan prefere você que a gente? — questiona.
— É exatamente o que estou dizendo — confirmo. — Eu quero ir na
festa. Eu vou estar na festa. Preciso falar com o seu irmão e deixar claro que
o amo.
— E ocultar a face do amigo dele...
— Samuel fez o que fez pelo bem do Ryan — volto a enfatizar. — Só
preciso do endereço.
Pedro ri.
— A casa dos meus pais — ele estende a mão sobre a mesa e pega
uma caneta e uma das folhas do bloquinho amarelo. Começa a anotar
enquanto fala: — Você já tentou enviar alguma mensagem pra ele?
— Só uma, porque fui bloqueada.
Ele volta a rir, dessa vez tanto que até para de anotar.
Se recuperando, ele me olha.
— Desculpa — diz. — Mas é que é engraçado.
Ignoro-o e aguardo o papel vir em minha direção.
— Obrigada — agradeço e o dobro, enfiando no bolso da calça. —
Que horas?
— Sei lá — Pedro joga a caneta para o lado antes de me olhar. —
Chega por volta das duas da tarde, aí já vai conhecendo o pessoal.
Engulo em seco. O pessoal. A família do Ryan. De quem ele tanto se
esconde.
— Tudo bem — concordo e me levanto. — Obrigada, sr. Smith.
— Me chama de Pedro. Afinal — ele ri —, você já pegou o meu
irmão.
Faço uma careta ante o palavreado.
— Pedro porque já namorei o seu irmão — corrijo. — E pretendo
voltar a namorar — dou um sorriso. — Até semana que vem.
— Tchau, Lucy.
Seu tom risonho me faz sair de sua sala sorrindo, com a esperança
renovada.
Agora eu só preciso comprar um violão.
Capítulo 49

Já tentei fazer qualquer coisa. Sério mesmo. Cheguei ao ponto de fazer


faxina nos quartos da minha casa ontem. Tudo pra tentar esquecer o convite
que minha mãe me fez na sexta. Não que eu já não tivesse esperando,
mas... é foda.
— E aí, bom dia — Nathan chega no cômodo, o que não me faz tirar
os olhos da TV, onde tô assistindo um documentário de animais. — Já
tomou café da manhã?
— Fala aí. Ainda não. Não me lembrei.
— Tem que comer, cara — de repente sua voz parece mais urgente. —
Você agora tá tomando esse remédio pra pegar no sono e o seu corpo deve
ser cuidado. Não pode negligenciar sua saúde se esquecendo de tomar café.
Eu o olho.
— Vai mesmo meter esse papo de saúde a essa hora da manhã?
— Não é papo de saúde. Tô falando sério. Esses medicamentos exigem
que o corpo seja bem cuidado e...
— Ah, cala a boca, Nathan.
Ele solta uma lufada de ar.
— Beleza. Vou fazer o meu e o seu junto — anuncia antes de sair.
Me remexo no sofá, incomodado. Odeio que me façam parecer
indefeso e fraco e qualquer porra que diminua a minha capacidade. Odeio e
odeio.
Levanto do sofá, indo atrás dele.
Nathan já pegou algumas frutas e colocou em cima da bancada. Me
olhando de lado, ele ergue as sobrancelhas, como se estivesse estranhando
minha ação.
— Eu não sou incapaz de fazer meu próprio café da manhã, falou? —
deixo claro, indo até a geladeira em busca do leite.
— Não falei que você é incapaz, só acho que não se ligou que é
preciso que se alimente direito.
— Eu sei, Nathan — bufo, indo em busca de um copo.
— Não acho bom que o primeiro alimento do dia seja leite. Aqui —
ele me oferece uma maçã. — Come uma fruta. Vou fazer um shake proteico
pra gente.
Eu olho pra cara dele, mas o meu amigo não parece estar brincando
enquanto ainda segura a maçã na minha direção.
Bufo e pego, indo me sentar em uma das cadeiras ao redor da
mesa. Tanto faz.
— Como foi sua noite? — ele quer saber enquanto começo a comer.
— Dormiu bem?
— Que perguntas são essas? Tá querendo me comer, porra?
Nathan ri, balançando a cabeça.
— Só quero saber. Não estamos conversando tanto quanto antes por
causa — ele faz uma pausa e bufa — do meu trabalho. Então... só quero
saber como você tá.
— Acordei só de manhã, se é o que quer saber.
— Muito bom — Nathan joga umas frutas no liquidificador antes de
começar a colocar todas as sementes e suplementos em pó que ele toma
diariamente. Fissurado com o corpo. — Queria te dizer que estamos muito
felizes por você. Pela sua decisão de buscar ajuda — ele me olha com um
sorriso. — No fim, acho que aquela garota não foi de todo ruim contigo,
não é?
— Por que vocês não esquecem esse assunto? Esqueçam isso, droga.
— Não quero te deixar revoltado, só que... — ele dá de ombros antes
de ligar o liquidificador.
Como vou esquecer ela se todo mundo ficar me amolando, lembrando
dela? Já tá sendo difícil o suficiente.
Estou na metade da maçã quando Nathan vem me entregar um copo
cheio de shake proteico.
— Valeu — aceito e começo a beber, intercalando com a fruta.
Ele logo senta na minha frente, bebendo o seu no próprio recipiente do
liquidificador.
— Você vai? — pergunta.
— Vou o quê?
— Na sua festa hoje — ele dá um gole antes de me olhar outra vez. —
Sua mãe convidou a gente. Ela foi muito fofa e, sabe, não deu pra negar.
Pelo menos, eu não consegui — seu olhar desvia pro lado e ele encara um
ponto fixo. — Acho que mais por eu não ter uma mãe, não consegui dizer
não pra sua.
Balanço a cabeça.
— Vou, mas não sei por quanto tempo vou conseguir ficar lá —
admito. — Principalmente porque parece que agora tô sempre querendo
estar dormindo. Só assim eu não penso.
Mordo a maçã, sentindo o olhar de Nathan me queimar.
— Quantos comprimidos você tá tomando? — ele quer saber.
— 2 por noite. O médico passou um, mas não fez efeito logo. Eu
queria dormir depressa, então tô tomando dois.
O silêncio que se segue deveria me incomodar, mas não. Eu não me
importo.
— Você não acha que devia seguir a prescrição do médico? — enfim
pergunta. — Não é bom você mexer nisso, tomar dosagem a mais, se não
sabe como seu corpo pode reagir.
Reviro os olhos.
— Se fosse me fazer algum mal, eu já teria notado — termino o shake.
— E não me sinto nada, que não bem. Eu tô bem. Só quero dormir, só isso.
Entende isso como tirando o atraso das noites mal dormidas.
Nathan fica me encarando.
— E ajeita essa cara de bunda — digo por último.
Me levanto e levo o copo pra pia, saindo da cozinha pra acabar a maçã
na sala, assistindo o documentário, enquanto ainda restam algumas horas
antes de eu ter que comparecer à minha festa.
Que desgraça.

O frio na barriga está comigo desde que acordei essa manhã, porque eu
sabia o que teria que enfrentar. E eles aumentam enquanto me aproximo do
quintal da casa da minha mãe, vendo o tanto de cadeiras dispersas pela área
verde.
Uma mesa retangular enorme está forrada por um pano branco e com
diversas fotos polaroide minhas – desde o meu nascimento até minha idade
atual –. A mesa tá oferecendo diversos tipos de comidas em pratos e
bandejas, além das bebidas. Uma música de fundo animada toma o local e
meus familiares já estão se divertindo em risadas e conversas. Tento não
notar os balões com glitter e a faixa escrito "Ryan 22" com um coração.
— Aqui vamos nós — sussurro sozinho, então completo os passos que
vão me fazer ser notado.
— Aêeee! — meu primo Alan é o primeiro a me ver e começa a bater
palma, fazendo todo mundo me olhar, minha mãe dando um grito de
felicidade e vindo correndo na minha direção.
Dou um sorriso e abro os braços, recebendo o seu abraço apertado e
seus um milhão de beijos estalados.
— Obrigada, obrigada, por ter vindo, meu amor! — ela agradece e por
alguns segundos me sinto mal.
Porque, caralho, minha mãe não tinha que estar me agradecendo por
ter vindo à festa que ela fez pra mim! Por que eu tenho que ser tão fodido e
não só um cara normal, que aprecia estar com a família e se sente feliz por
ter uma festa assim, comemorando com eles?
— Fiz aqueles salgadinhos de queijo que você adora! — minha mãe tá
tão feliz ao me dizer isso, me dando mais um beijo antes de ir andando
depressa pra dentro de casa, provavelmente indo buscar.
Eu me aproximo das mesas, vendo Pedro me observar de onde está,
sozinho e sendo sério demais com esse olhar.
Mas não é na direção dele que vou primeiro, e sim na do meu primo,
que se levanta pra me abraçar.
— Parabéns, cara — ele me dá um tapinha nas costas. — Um dia
desses você era um moleque, e hoje tá fazendo... Quantos anos mesmo?
— Nossa, Alan — Aurora se impressiona na cadeira ao lado. — Está a
idade dele em praticamente todo canto aqui — gesticula ao redor.
— Oi, Aurora gatinha — me inclino pra deixar um beijo em sua
bochecha, recebendo também um abraço. Apertado e muito quente, me
transmitindo todo o seu carinho.
— Feliz aniversário, meu anjo! Estamos felizes que você veio.
Me afasto com um sorriso.
— O que diriam se o aniversariante não viesse à própria festa, não é?
— brinco. Eu não me importo com o que diriam, na verdade. Não mesmo.
— Que bom que veio — ela repete, alisando meu braço, como se
quisesse me dá algum conforto, mas isso só me dá mais calafrios.
— Aproveitem a festa — digo antes de ir na mesa do meu tio Santiago,
que está olhando fixamente algum lugar digno de sua atenção. — Oi, tio —
estendo a mão, entrando em sua frente.
Seu olhar escuro se ergue pra mim e ele estreita os olhos, se
levantando em seguida e apertando minha mão. Com uma firmeza
impactante, percebo, o que me faz erguer as sobrancelhas.
— Como vai, rapaz? — quer saber.
— Tô legal, e o senhor?
— Estou ótimo — ele solta minha mão de repente, voltando a sentar.
Fico meio desentendido, ainda sendo encarado de baixo, mas esse é um
olhar estranho do meu tio. Não que ele já tenha sido o mais normal também.
Tem trauma com o pai até os dentes. E acho que olhar pra mim só faz ele
relembrar o quanto tem um pai que odiou por tanto tempo. — Bom que
você veio.
— É — aceno —, acho que sim. Aproveite a festa.
Vou até a mesa da minha tia Lili, que se levanta rapidinho e dá uns três
pulos antes de eu chegar até ela. Sou esmagado em um abraço, dando um
aceno pro tio Aaron, seu esposo, que tá sentado, sorrindo de um jeito
despreocupado.
— Oi, tia — dou risada. — Cuidado com meus ossos.
— Ah, meu querido — ela me solta só pra pegar meu rosto entre as
mãos e me dar um beijo na testa. — É sempre tão bom ver você!
— Digo o mesmo, tia — também deixo um beijo em sua bochecha, me
sentindo um desgraçado por mentir. Não digo o mesmo. Acho um pesadelo
ter que vê-los. — Preciso cumprimentar o restante do pessoal — uso a
desculpa pra me afastar até meu tio. — Fala aí, tio Aaron.
Ele aperta minha mão, sem muita cerimônia – o que eu agradeço.
— Feliz aniversário, Ryan — ele deseja.
— Valeu — saio da mesa deles com um sorriso, indo na direção da
minha prima, que é a única que tá em pé perto na mesa. — Fala aí,
esfomeada solteirona — dou um tapinha em sua cabeça, de brincadeira.
Ela se vira, estreitando os olhos pra mim.
— Ai, garoto — reclama. — Ser o seu aniversário não me impede de
te dar uns socos, ouviu? E eu não sou solteirona.
— Claro que é! Ninguém te assume. Os caras te deixam sozinha
sempre.
Me esquivo de um tapa, dando risada.
— Para — ela pede, cabisbaixa. — Isso magoa.
— Ô, meu Deus — a abraço. — Desculpa. Eu só tô brincando com
você.
— Brincadeira tem limite — ela se vira pra mim quando me afasto. —
E você ultrapassou esse limite quando tinha 16 anos, seu insensível.
Me esquivo, fingindo ofensa.
— Que sacanagem me chamar assim — murmuro. — Se você falasse
com a minha ex, ela ia te dizer que não sou nada insensível.
Safira dá um sorriso, virando de volta pra mesa.
— Fiquei sabendo mesmo que você estava namorando — comenta. —
Nem acreditei.
— Por que não acreditou? — aceito um docinho que ela me oferece,
enquanto destina sua atenção pra mim.
— Talvez porque era a cara do descompromisso.
— Fala sério, eu tenho esse direito. Sou novo ainda. Você que já pega
mal, né? — implico, segurando um sorriso. — Já tá aí, dessa idade. Daqui a
pouco as pregas no rosto aparecem e...
Saio correndo quando a mão da minha prima vem na minha direção
com o intuito de me atingir.
Entro em casa rindo, encontrando meus pais na cozinha, falando baixo
um com o outro.
Meu pai me percebe, abrindo um sorriso sem graça, que me faz
estreitar os olhos.
— Oi, pai — o cumprimento e olho minha mãe. — Fiquei esperando
os salgadinhos, mãe — sento em um dos banquinhos da ilha. — Cadê as
crianças da família?
— Estão... — meu pai começa a responder, mas ela o corta.
— No quarto, já vão descer. Por que você não fica lá fora com todo
mundo, filho? — minha mãe vem me enxotar, me deixando desentendido.
— Espere seus amigos, aí você vai se sentir mais à vontade.
Ela fecha a porta na minha cara e eu fico parado, alienado, antes de
sentir mãos em mim e reconhecer a voz da tia Celeste, sendo espremido por
mais um abraço.
Capítulo 50

Estou sorrindo enquanto ensaio os acordes do violão mais uma vez,


vendo que a melodia agrada meus companheiros e ouvintes.
Os sobrinhos do Ryan estão sentados comigo na cama. Andrew está
fissurado em observar meus dedos nas cordas; Jade está com o seu
irmãozinho Ben sentado entre suas pernas, o protegendo com os braços. Ela
o balança para um lado e outro enquanto eu testo e tento cantar também.
Infelizmente, uma semana foi pouco tempo. Isso de tocar e cantar é
MUITO difícil. A minha cabeça fica totalmente destinada a se lembrar da
cifra, então se eu cantar, acabo me atrapalhando no tocar. Sem falar que tive
que aprender na marra, porque lamentavelmente Ryan não teve tempo
suficiente de me dar aulas de violão até eu aprender. Porque utilizamos
nosso tempo juntos de outro jeito. Diria que mais proveitoso.
— Eu goisto desa música — Jade fala, me fazendo rir da sua vozinha
fofa.
— Eu também gosto desa música — admito. Aprendi a amar, mais que
antes. Porque ouvi-la agora só me lembra o Ryan e quando estávamos
juntos no seu carro depois de eu ter o toque dele pela primeira vez. Aquela
noite. A noite em que tudo mudou e me fez repensar tudo a respeito dele, do
seu jeito tão diferente.
— Você toca bem — Andrew, o garotinho mais velho, filho do primo
do Ryan, comenta.
— Obrigada, Drew — sorrio, vendo-o ajoelhado na cama e
observando meus dedos nas cordas do violão.
Cheguei na casa dos pais do Ryan por volta do meio-dia de hoje. O pai
dele me recebeu no portão depois que toquei o interfone, e a câmera da
entrada se virou na minha direção.
Foi tão esquisito. Estar cara a cara com o Smith superior, quero dizer.
Logan Smith, o chefe dentre todos. E então eu fiquei muito constrangida
quando ele perguntou quem eu era.
Mas também fiquei com raiva do Pedro. Ele não podia ter avisado para
os pais que eu viria? Ele sabia disso desde semana passada.
Não dava tempo de pensar nisso no entanto, eu já estava no portão,
cara a cara com o pai de Ryan, que parecia muito desentendido. Então eu
tentei dizer quem eu era e porque tive que vir.
Fiz isso da forma mais breve e objetiva que consegui. Sou Lucy, ex-
namorada do Ryan. Mas sou ex porque fui desgraçada o suficiente para
terminar com ele por saber que ele tinha voltado a ter crises à noite. Achei
que era a culpada. E talvez eu seja. Mas preciso conversar com ele e fazê-
lo entender que tudo o que sinto é real, não é enganação e não sou uma
hipócrita, como ele está pensando que sou.
Não acho que o senhor Smith entendeu muito bem, principalmente
porque ele disse em um tom de espanto "Ex-namorada do Ryan?", e riu. Eu
acho que devo ter alguma característica que faz os homens dessa família
rirem da minha cara.
Depois disso, sua esposa chegou. Estela Smith, ela se apresentou.
Muito sorridente comigo, me deixando mais aliviada e menos tensa. Eu
contei a ela a mesma coisa e também que achava que a festa do Ryan, com
toda sua família junta, era o momento ideal para eu tentar me expressar
melhor.
E foi desse jeito, com a mãe do Ryan me ouvindo, que eu fui
convidada a entrar. Conheci um monte de seus familiares, me
impressionando com o jeito que me receberam, de braços abertos e
convidativos. Gostei especialmente da prima dele. Uma mulher dos olhos
mais azuis que o céu, que me fez sorrir bastante ao dizer que Ryan chorou
assistindo o final de Up - Altas Aventuras.
Eu queria ter visto essa cena.
Então o tio dele, Santiago, um homem de ar sério, me perguntou se eu
era cantora quando observou o violão em meu braço. Não, respondi. Porque
não sou mesmo e acho até que vai ser um trauma quando Ryan me ouvir
cantar. Mas vai ser de coração. Vou apenas cantar para ele uma música que
se tornou significativa por causa do nosso momento atribulado. Ele vai
entender quando ouvir.
Lili, a tia dele, estava emocionada com as mãos no peito. É tão
adorável, ela disse, quando esses jovens se apaixonam e fazem de tudo para
não deixar o sentimento morrer.
Então todo mundo a olhou, como se ela tivesse dito uma coisa errada.
E talvez tenha sido a palavra morrer, que deve ter um baque maior nessa
família desde o que aconteceu com o meu Ryan.
Perguntei se podia ensaiar em algum lugar até o horário do Ryan
chegar, mas sua mãe só concordou depois de me encher de muita comida.
No meio tempo, as crianças apareceram. E então eu tive minha atenção
roubada por elas, que começaram a conversar muito comigo, sem parar um
segundo. Quem diria que uma criança de 5 e outra de 3 poderiam falar
tanto.
Quando foi perto das duas, Estela disse que me levaria a um lugar para
ensaiar, já que eu queria fazer uma surpresa. Tentei vir para o quarto
sozinha, mas meus novos amigos quiseram me acompanhar. E a sobrinha de
Ryan ainda pediu para ficar com o irmãozinho também.
Foi aí que eu não entendi muito bem. Como havia a possibilidade de
Ryan achar que sua família, essas mesmas pessoas maravilhosas, estavam
fingindo com ele? Sufocando-o? Talvez seja um erro de entendimento. Eles
não fingem, são cuidadosos.
A mesma coisa que eu fui. Cuidadosa, cautelosa, cuidando dos meus
passos e tendo cautela até descobrir o limite de Ryan; e assim como com
sua família, ele me interpretou errado. Entendeu à sua própria maneira e
isso lhe pareceu suficiente para fechar os olhos e os ouvidos.
Deus me ajude, porque lidar com Ryan Smith e suas ideias conclusivas
antecipadas, não é nem um pouco fácil. Exige mais que paciência, exige
prudência.
— Você vai no meu aniversário? — Drew pergunta. — Vou fazer 6
anos!
— Ah, eu adoraria — dou um sorriso, mas não confirmo. Porque seu
tio pode me dar um outro fora hoje, e aí eu vou desistir mesmo [com dor].
— Então sim, sim! Vamos, VAMOS! — ele começa a pular na cama,
fazendo Ben iniciar um choro.
A irmã tenta silenciá-lo, mas ele sai do choro para um berro, me
assustando. Coloco o violão de lado e vou na direção do bebê, pegando-o
nos braços e me levantando com ele, começando a andar pelo quarto
enquanto tento acalmá-lo com a voz e fazendo carinho nas suas costas.
— Para de pular — Jade pede ao primo. — Você sustou o Ben.
— Não paro, não paro! — Drew se recusa com uma risada antes de se
jogar deitado na cama, ainda tentando pular deitado.
Minha nossa. Essa criança é muito levada. Só consigo pensar em Ryan
pequeno. Ele comentou que sua mãe o colocou nas aulas de piano para
gastar um pouco da energia. Não me impressionaria saber que ele devia ter
o pique do Andrew.
A porta do quarto se abre e Crystal, a mulher que conheci na Winess,
entra. Eu não sabia que era a esposa de Pedro, como me foi apresentada
hoje.
— Oh, meu Deus — diz num lamento, vindo na minha direção e
pegando o filho dos meus braços e o embalando nos seus. — Shh, meu
amor. Passou. Mamãe está aqui. Pronto, pronto, shh.
Dou um sorriso, principalmente porque Ben se cala no mesmo
instante.
Ela me olha então.
— Obrigada por tentar acalmar ele — agradece. — Ele é muito
chorão.
— Sem problemas. Não foi nada. Bebês são assim mesmo, choram à
toa.
— Você tem filhos?
— Não — dou uma risada nervosa.
— Quer ter um dia?
— Ainda não pensei a respeito — olho na direção da cama
inconscientemente, vendo Jade sentada quieta, enquanto Drew voltou a se
colocar de joelhos e está pulando. Meu Deus. Volto a olhar Crystal. — Vou
pensar bastante.
Ela ri.
— Acho que Ryan seria um bom pai — diz. — Ele leva muito jeito
com crianças, além de ser muito paciente.
Aceno com a cabeça. Não quero pensar em Ryan como pai. Cuidando
de um ou dois bebezinhos. Posso acabar chorando.
— Está na hora de você descer — Crystal avisa. — Ele já chegou faz
uns vinte minutos. Venha.
Meu coração ameaça sair pela boca e me arrepio inteira.
Droga. Isso vai ser mais difícil do que pensei, porque...
Ele está aqui.
Capítulo 51

Quando termino de descer as escadas, preciso parar um pouco e tomar


mais coragem. Não é uma coisa fácil ter que fazer isso. Ter que encontrar
Ryan de novo depois que ele me pediu para esquecê-lo.
Me lembro quando eu disse a ele, por duas vezes, que não iria a lugar
algum a menos que ele pedisse. E ele pediu. Isso faz meu coração sangrar.
Drew e Jade descem a escada correndo e passam pelo meu lado, indo
direto para a cozinha, lugar esse que faz caminho para onde está
acontecendo a festa. Onde Ryan está.
Respiro fundo.
É preciso acontecer.
Com o violão debaixo do braço, começo a caminhar. Sem muito
pensar. Eu não posso pensar. Não há mais o que pensar.
Não há tempo.
As portas de vidro me mostram todo o aglomerado de pessoas, mas o
nervosismo é tanto que não reconheço mais ninguém.
É preciso prosseguir.
Caminho diretamente à porta aberta, em mais alguns passos me
encontrando no quintal. As risadas e o burburinho vão cessando conforme
eu caminho para buscar uma cadeira, dando um sorriso para o tio de Ryan,
que está ocupando a cadeira ao lado.
Ele apenas balança a cabeça e eu tento pegar a cadeira com o braço
livre para levar até a área debaixo da faixa que tem no local, onde vou
conseguir ser vista por todos, mas acabo me atrapalhando; e, quando estou
prestes a colocar o violão apoiado na mesa para levar primeiro a cadeira,
alguém vem me ajudar.
— Onde você quer colocar? — a voz grossa pergunta, me fazendo
notar ser um dos amigos do Ryan.
Engulo em seco. Deve ser mais um contra nosso relacionamento.
— Embaixo da faixa — respondo.
— Tudo bem, levo pra você — ele pega a cadeira e rapidamente a leva
para o destino, eu indo logo atrás.
— Obrigada — agradeço.
— De nada — ele sorri para mim, o que é esquisito, mas não vou
considerar isso por agora.
Vou me sentar na cadeira, apoiando o violão na perna e tentando levar
numa boa que todos estão calados e olhando para mim. Tudo bem, isso é
fácil. É só eu pensar que é como numa reunião do trabalho.
E seria, se eu não sentisse o peso do olhar dele em mim. Ryan está
aqui. Me olhando. Pelo menos, não me expulsou. Ainda.
Tenho que levantar a cabeça. Uma hora seria preciso mesmo. Meu
olhar percorre o lugar, tanta atenção destinada a mim e, como por um
magnetismo, sou atraída para uma mesa no meio da maioria. A mesa dos
caras que moram com o Ryan. A mesa onde ele está.
Olho primeiro todos os seus amigos, um por vez, o cara que me ajudou
sendo o único que mantém um sorriso no rosto. Vejo Douglas, mas ele não
demonstra expressão ao me ver. Encontro o olhar de Samuel. Ele não me
olha do mesmo jeito da última vez, com reprovação. Não. Dessa vez, ele só
me encara. Sério e com a expressão dura, mas não dizendo nada. Ele não
precisaria dizer, sei que não gosta de mim.
Por fim, quando pareço ter coragem suficiente, desvio o olhar para ele.
Para o Ryan. E é imediato o choque que sinto. O calor. O arrepio. E minha
garganta fecha, e pesa.
Eu engulo difícil. É nervoso, é saudade, tristeza, é amor. Quase vou às
lágrimas, e iria, se não fosse o jeito que percebo que ele não demonstra
alguma reação. Ryan só me olha. Nem desentendido ele está. Só me olha.
— Oi, gente — eu começo, tentando ignorar que meus olhos estão
ardendo com o peso das lágrimas que eu seguro. Por que tem que doer
tanto? — Gostaria de me desculpar por me intrometer no meio de vocês
hoje, mas era preciso. Ryan — eu olho diretamente para ele —, essa é para
você.
Solto a respiração presa antes de olhar para o violão e fechar os olhos
por um segundo, então começo a dedilhá-lo enquanto canto.
— Feche seus olhos/Deixe-me dizer todas as razões do por que eu
acho que você é único/Essa é pra você, aquele que sempre nos faz superar
os problemas — eu o olho, percebendo que causei alguma reação. Olhos
abertos demais, mas pelo menos uma reação. — Você sempre faz o que deve
fazer/Você é a único/Graças a Deus você é meu
Nesse momento, acabo me atrapalhando. Não sei se esqueço a cifra ou
estou apenas nervosa. Mas erro, demorando uns segundos, meus dedos se
embaralhado e eu fico meio perdida, sem saber onde é exatamente o erro.
— Tudo bem — ouço alguém dizer. A mesma voz do cara que me
ajudou com a cadeira. — Não fica nervosa, não. Tá muito bom. Uhul! —
ele aplaude. — Continua aí.
Eu não levanto a cabeça. Não vou correr o risco de olhar para Ryan
ante o meu nervosismo.
Seguro o violão com força, e retomo de onde acho que parei.
— Você é um anjo vestido de armadura/Você é justo em cada luta —
uma lágrima cai na minha bochecha e eu tento não foca nisso. — Você é
minha vida e meu porto seguro, onde o sol se põe toda noite/E se meu amor
é cego, eu não quero ver a luz/É a sua beleza que te trai/O teu sorriso te
entrega — acabo sorrindo ao me lembrar dos seus sorrisos. Desde o
primeiro até... seu rosto decepcionado ao se virar e me deixar aquele dia.
— Porque você é feito de força e piedade/E minha alma é tua para
salvar/Eu sei que isso é verdade — tiro a mão das cordas do violão para
secar os olhos, as lágrimas embaçando minha vista. — Quando meu mundo
se torna escuro e solitário/Eu sei que você é aquele que irá me
resgatar/Feche seus olhos/Deixe-me dizer todas as razões do por que você
nunca precisará chorar — então eu começo a chorar mesmo, me
esforçando para não engasgar. Tenho que ao menos terminar a música toda,
ou a maior parte dela. As partes que lembram ele. Nós. — Porque você é o
único e quando seu amor se derrama em mim, eu sei que finalmente estou
livre. Então te digo com gratidão/Cada batida do meu coração é sua para
guardar/Feche seus olhos/Deixe-me dizer/Você é a razão porque estou
respirando/Você é a razão para eu estar sentindo que finalmente — engulo
em seco — é seguro ficar.
Preciso de uns segundos antes de levantar a cabeça. Estou tão
tremendamente nervosa que não consigo me expressar, então deixo que o
coração fale por mim.
— Ryan — eu me torno corajosa quando meu olhar encontra o dele.
Agora, não parece mais indiferente. Vejo a tristeza em seus olhos. — Uma
vez, eu te disse que não iria a lugar algum a menos que você pedisse, e você
pediu. Até então, eu não sabia que existiam tantas dores que não fossem de
um machucado físico para sentir — confesso. — Nada nunca me doeu tanto
do que passar essas três semanas longe de você.
Alguém funga em um choro, mas não olho. Meu olhar está cravado
nele, e só nele.
— Quero te dizer que... — seco mais algumas lágrimas teimosas. Ele
está tão perto e tão distante. — Eu lamento. Lamento por ter escondido o
que fiz de você, mas, caramba, nunca foi fingimento. O que existiu entre
nós. Nunca foi. Eu me apaixonei por você — confesso. — Me apaixonei
por quem você é, pelo seu jeito cuidadoso e carinhoso, preocupado e fofo —
dou um riso triste. — Eu amo você e...
— Caralho, que merda — ele xinga antes de se levantar
repentinamente da cadeira e começar a caminhar em minha direção.
Meu coração acelera e começo a ficar trêmula.
O silêncio é tanto, a tensão é tanta que...
— Eu quero dizer que me arrependo — continuo falando enquanto ele
se aproxima, os passos largos e nada hesitante. — Eu sinto muito mesmo,
Ryan. Eu não queria que as coisas entre nó...
Ele chega até mim, me fazendo calar a boca quando se inclina para
tirar o violão das minhas pernas e segurar minha mão, então me faz levantar
e caminhar com ele para dentro da casa dos seus pais.
Por segundo nenhum ele me olha nos olhos, e isso já deveria ser a
minha resposta da sua reação.
Capítulo 52

Nós não paramos na cozinha, tampouco no corredor. Não. Ryan parece


ter um destino certo, me levando até a escada, me fazendo subir os degraus
com menos cuidado do que eu teria normalmente.
Ao destino certo quando alcançamos o segundo andar, entramos direto
em uma porta, no interior de um dos quartos. Acho que ele vai explodir
comigo longe do olhar da sua família e dos seus amigos. Deve ser isso, mas
não quero isso.
Mas me assusto quando meu corpo é usado para exercer força contra a
porta aberta, fazendo-a se fechar. Meus olhos arregalados e meu coração
acelerado me dividem conquanto a atitude de Ryan.
Ele não me dá tempo de olhá-lo. Olhar seu rosto. Tudo acontece em
câmera lenta e ao mesmo tempo em um piscar de olhos. É tão indizível,
com tanta adrenalina, que estou em mim e também não estou.
As mãos dele soltam minha cintura e ele se abaixa, se colocando de
joelhos à minha frente, me deixando sem fôlego.
Logo as mesmas mãos estão vasculhando por baixo da minha saia,
Ryan encontrando as bordas da minha calcinha, que vai aos meus pés em
um segundo.
O que ele está fazendo? Não sei mais pensar. Estou ofegante e
aparentemente distraída, e tudo em mim se resume a esperar. Estou
esperando o que ele quer me mostrar.
Minha perna direita é puxada para o seu ombro e a maneira como ele
puxa minha mão e leva à barra da minha saia amontoada em minha cintura,
dando a entender que quer que eu segure, me deixa em expectativa.
Ryan se ajeita, segurando por baixo da minha perna, me abrindo mais
quando sua boca mergulha em mim. Minhas pernas enfraquecem, minha
vista fica turva e meu gemido é falhado. Minha nossa.
Me remexo contra a porta e, com a mão livre, seguro seus cabelos. A
sensação da sua boca em mim me faz querer flutuar. São muitos dias longe
dele. É o Ryan, comigo. Ainda que não tenhamos trocado uma palavra
sequer, ainda assim é ele.
Ele tira minha mão, desfazendo o meu toque. Mas a segura na sua
alguns segundos antes de soltar para enfiar a própria mão por baixo da
minha blusa, tocando minha pele sem um objetivo específico. Apenas
tocando, alisando, enquanto sua língua e lábios me castigam. Estou pronta
para explodir em sua boca a qualquer momento.
Uma explosão nada a ver da que pensei que seria.
— Ryan... — o chamo, sem motivo. Só porque ele está aqui.
Mas isso parece que é o que o incentiva a se levantar, seu rosto em
instantes pairando acima do meu enquanto seus olhos estão estreitos e
destinam a atenção a minha boca.
Eu ofego, vendo-o tão perto depois de tantos dias. Depois de tudo.
Meu fôlego falta mesmo.
Sem dizer uma palavra, ele me vira contra a porta. Seu corpo se choca
nas minhas costas e ele me imprensa o bastante para que eu sinta. E o sinto.
Duro como uma rocha, me fazendo engolir a saliva pela garganta seca.
Meu pescoço é agraciado com a sua língua e lábios, me deixando em
um torpor. Meus seios são agarrados e espremidos com força em suas mãos
logo antes de minha cabeça ser forçada a ir parar em seu ombro, uma mão
sua vindo agarrar meu pescoço.
— Ryan, eu não… — tento de novo falar, mas me engasgo quando
sinto seus dedos vasculhando entre minhas pernas, então se aprofundando
em mim, me fazendo engolir qualquer palavra. — Meu Deus.
Eu o sinto, mas não sinto. Sinto seu corpo, sinto ele aqui, mas a
saudade… ela ainda é latente e parece maior que antes.
Sua respiração pesada retumba em meu ouvido e seus dedos se
movimentam um pouco, um vaivém rápido, mínimo, antes de saírem, me
deixando vazia.
Choramingo um lamento e me remexo, mas não posso muito porque
seu corpo está me prendendo contra a porta.
Sinto o remexer de sua mão atrás de mim, e ele me puxa, me coloca
como quer, então se aprofunda em mim de uma vez, seu pau grosso não me
dando tempo de considerar a investida quando ele sai, só para voltar de
novo, e de novo, e outra vez.
Meu grito é basicamente o resultado do que sinto: surpresa, prazer,
desentendimento. Por que ele quis isso ao invés de conversar?
— Espero que isso não seja você se despedindo! — consigo gritar
antes de ser atingida por mais um golpe, que me faz quase cair. — RYAN!
Mas chamá-lo só o faz agarrar meus cabelos no punho e puxar, me
causando uma sensação deliciosamente arrebatadora quando inclino a
cabeça para trás. Já não eu sozinha me comandando, é o Ryan.
Sua boca desliza pelo meu pescoço antes de ele se afastar, me
deixando zonza pela saída abrupta. Mas logo sou pega em seus braços e
levada para a cama, Ryan me olhando antes de me fazer virar e, quando
estou de bruços, ele ergue minha saia e destila um tapa na minha bunda.
Com tanta força que eu me remexo, ele se aproveitando da minha ação
para me deixar apoiada sobre os joelhos.
Meu coração bate forte contra o peito quando o sinto me acariciar um
pouco antes de me puxar para a beirada da cama e se enterrar em mim de
novo, me puxando ao seu encontro.
Meus olhos se fecham e agarro o edredom com força, chorando um
gemido. Isso foi muito profundo, mas…
— Você não vai dizer nada? — consigo perguntar, trêmula.
Claro, porque não tem como ser atingida tantas vezes pelas suas
investidas e não estar totalmente rendida às sensações. Falta muito pouco
para eu chegar ao ápice e Ryan sequer olhou para mim por mais que um
instante.
— Ryan, fala comigo, droga — eu peço, entorpecida. Mas isso só me
faz ganhar outra palmada e um puxão de cabelo. — Droga!
Ele me abandona outra vez, me empurrando na cama.
Me viro de barriga para cima, vendo-o se livrar da blusa e me fazendo
salivar por seu corpo gostoso de que eu tanto senti falta.
Ryan vem para a cama, vindo por cima de mim, me deixando sentir o
seu contato pouco a pouco. Ele separa minhas pernas com as suas e seu
rosto vem ficar próximo ao meu, nossos olhares enfim podendo se
encontrar.
— Senti sua falta — admito, percebendo minha voz rouca. Espero que
não seja por ter gritado muito e, se tiver sido, que não tenham me ouvido.
— Sentiu? — ele pergunta, deslizando para dentro de mim com tanta
calma, tanto cuidado, centímetro por centímetro, esmagando meu
raciocínio. — Acho que eu percebi.
Talvez umas duas lágrimas escapem dos meus olhos.
— Eu sinto muito — lamento.
Ryan inclina o rosto, beijando o canto da minha boca, depois
arrastando o beijo mais para o lado, na minha bochecha, continuando até
sua boca estar perto da minha orelha o suficiente para sussurrar:
— Eu também sinto muito, amor.
Fecho os olhos, meu sentimental doendo ao mesmo tempo que saltita e
dá rodopios.
— Eu te amo — repito. — Te amo tanto — o abraço pelo pescoço,
amando-o mais um pouco pelo modo como ele se move com lentidão,
enfiando o rosto no meu pescoço. — Te amo como nunca achei que poderia
amar alguém.
— Isso me deixa muito feliz — ele ri baixinho, se remexendo para
alcançar mais fundo. Seu olhar encontra o meu, me observando enquanto
puxo quase todo o ar do quarto. Não vou aguentar mais. — Eu sei — Ryan
inclina a cabeça, trazendo os lábios aos meus, dizendo: — Vem pra mim,
meu amor. Tô aqui com você.
Começo a chorar enquanto o orgasmo me atinge em cheio e Ryan
engole meus soluços em um beijo que tira a minha atenção das peças do
meu coração sendo recolocadas no lugar tão abruptamente.
Sou um emaranhado de emoções e, junto com ele, apenas um
sentimento.
Ele me beija com devoção até que meu coração consiga regular as
batidas. Guerreiro. Porque eu sou toda sensações e arrepios.
— Eu amo você — Ryan sussurra, a boca tocando a minha. — Amo,
principalmente, que você tenha me ensinado o que é o amor. Nunca mais
vou pedir pra você me deixar e... — seu olhar encontra o meu. — Obrigado
por não ter me esquecido.
Capítulo 53

Lucy ainda tem uns espasmos por dentro e também por fora do corpo.
Devo estar sonhando, minha cabeça tenta me enganar. Mas não dessa vez.
Seria impossível isso ser um sonho.
É ela. Real. Nos meus braços. Alcançável. Desmanchando ao menor
dos meus toques. Caralho, que saudade eu tive. Não é explicável.
— Desculpe por ter aparecido justamente aqui — ela tá com a voz
rouca de chorar, me fazendo inclinar a cabeça pra espalhar uns beijos pelo
seu rosto e pescoço, seu cheiro me embebedando. Senti também muita
saudade desse cheiro gostoso. — Mas eu achei que não teria um lugar
melhor pra tentar conversar com você.
Raspo os dentes em seu queixo antes de cair pro lado, meu pau
reclamando a saída do calor incomparável.
Lucy imediatamente se vira pra mim, o rosto se enterrando no meu
peito e a mão em meu quadril.
— Você tá bem? — pergunto, enfiando os dedos entre seus cabelos e
fazendo uma massagem breve.
Ela se remexe, se junta mais a mim e fica em silêncio até se achar
pronta pra falar.
— Agora, eu estou ótima. Não tenho palavras — sua mão faz um
carinho ali onde tá repousada. — E eu posso saber como você está?
— Agora tô ótimo, não tenho palavras — roubo suas palavras e dou
risada quando ela geme, me abraçando forte antes de levantar a cabeça pra
me olhar.
Não resisto e me inclino, raspando meus lábios nos seus antes de
deixar um beijo na boca que tanto me castigou em saudade.
— Achei que você ia me mandar embora de novo. Por que não quis
conversar primeiro? — ela sussurra quando mordisco seu lábio inferior.
— Achei que seria mais prático demonstrar a saudade — passo minha
perna entre as suas, adorando o calor dela.
Lucy ri, me fazendo sorrir.
— Desculpe pelo que fiz — ela lamenta outra vez.
— Pare de se desculpar — levanto sua blusa e o sutiã, deixando um
beijo demorado entre seus seios, fazendo-a ofegar. — Mas preciso
perguntar, por que terminou comigo?
— Eu... — ela hesita ao engolir o restante da frase, me fazendo
levantar a cabeça pra olhar no seu rosto. Vejo arrependimento ali, nos seus
olhos amarelados, mas também vejo relutância. — Achei que estava
sufocando você e... Droga — desvia o olhar.
— Dei a entender que você estava me sufocando?
— Não, mas...
— Mas? — incentivo o restante.
— É complicado, Ryan — sua resposta é uma respiração.
— Não é complicado se você compartilhar comigo. O que eu fiz pra te
motivar a dizer aquelas mentiras quando me deu o fora?
Não quero que seja assim, mas é impossível que eu não tenha mágoa e
dor nas minhas palavras. Sempre dói lembrar – se é que um dia vou
esquecer. Acabando com a nossa intimidade e esfriando nosso
sentimento. Que papo. Tá tudo vívido aqui, nos toques, na maneira que ela
me recebe e doa; é impossível que qualquer palavra daquela tenha sido
verdade.
— Eu fiquei... — Lucy de novo vai responder e se interrompe, me
fazendo estreitar os olhos, curioso pela explicação. — Fiquei sabendo que
você continuava a ter crises à noite e então achei que fosse a culpada. Você
mesmo admitiu que não as tinha mais fazia 5 anos, então eu apareci e elas
voltaram.
— Que merda, Lucy — me sento, pouco desconexo. Ela se senta
também, ajeitando o sutiã e a blusa, o que me faz bufar. — Foi por isso que
você achou que devia me entristecer com aquela atitude filha da puta?
Ela morde o cantinho do lábio antes de gesticular.
— Pensei que estaria fazendo o bem para você — responde. — Não
queria que ficasse triste.
— Como ficaria, né? Foi só minha namorada terminando comigo de
repente e com uma mentira!
Ela balança a cabeça.
— Quem te contou? — quero saber.
— Eu também falei com o seu irmão... — ela ruma pra outro papo.
Uma coisa de cada vez...
— Quem contou pra você, Lucy? — insisto.
— Foi alguém.
Dou risada.
— Você não espera que eu vá me contentar com essa resposta, né?
— Droga, Ryan, eu não posso dizer — ela leva as mãos ao rosto,
balançando a cabeça em negativa.
— Ao contrário, você deve. Foi alguém nos separando — me
aproximo dela, segurando seus pulsos e tirando suas mãos dali. Nossos
olhares se encontram. — Fala pra mim quem foi, meu amor.
— Oh, droga — ela fecha bem os olhos antes de abri-los. — Não seria
justo contar, Ryan. Ele só pensou no seu bem, em te ajudar.
— Pensou no meu bem fazendo quem eu amo se afastar de mim —
dou um sorriso irônico. — Qual dos caras foi?
Ela nega outra vez, desviando o olhar.
— Tudo bem — assinto. — Não vou te obrigar a me dizer, mas por
que você deu ouvidos? Quero dizer, eu tinha te dito um monte de vezes que
você não tinha nada a ver com o que acontece comigo.
— Acho que tenho, Ryan — Lucy tem a voz triste quando fala. —
Pelo menos, as crises mais recentes.
Nego.
— Não tem, Lucy. A minha mente ferrada não tem a ver com você —
nos levo a deitar novamente, meu corpo por cima do seu enquanto me
encaixo entre suas pernas, ganhando devagar espaço dentro do seu corpo.
Minha respiração é funda. — Como você pode imaginar ainda que é
culpada de qualquer coisa ruim? — me mexo pra fora, nossas respirações
desestabilizando juntas. — Você me deixou confuso no início, só isso.
Ela geme quando ondulo bem dentro do seu corpo, saindo com
lentidão, quase me sufocando.
— Foi uma confusão porque eu tava aprendendo — continuo a
explicar. Não quero que ela pense que fodeu a minha mente já fodida. — Eu
estava aprendendo o que era sentir, se interessar por alguém, querer
descobrir mais de uma pessoa — beijo seus lábios, enfio a língua na sua
boca para explorar lá dentro, com paciência, saindo só porque Lucy precisa
respirar. — Depois de tudo, nunca foi culpa sua.
Ela tem os olhos marejados quando a olho.
— Desculpa.
— Pare de repetir isso — peço, passando um braço por baixo de sua
cintura e puxando-a comigo quando sento novamente, nossos corpos ainda
conectados, Lucy por cima de mim com os olhos em brasas vivas. —
Mostra pra mim como somos bons juntos.
— Como? — seu lábio inferior é preso entre os dentes.
— Assim — agarro seu traseiro e a faço subir e então descer no meu
pau, Lucy agarrando meus ombros antes de entender.
— Assim? — ela tira minhas mãos e repete o movimento sozinha, seus
olhos se fechando de prazer. — Minha nossa, Ryan.
— Assim mesmo — elogio, me apoiando para trás nos braços
enquanto observo seu corpo perfeito em cima de mim, me deixando louco.
— Faz mais forte, amor. Desce com vontade.
Ela obedece, a sensação me fazendo fechar os olhos e grunhir.
Como pode isso? É tão bom que eu fico cego. É tão bom que não é
explicável como ela pôde considerar se afastar achando que me fazia algum
mal.
— E se eu fizer assim? — Lucy aperta meus ombros e se remexe,
rebolando no meu pau. — Você gosta disso, não é? — ela se inclina pra
mim, beijando meu pescoço e depois cravando os dentes.
— Porra, Lucy — aperto sua cintura, eletrizado.
Ela dá uma risadinha antes de me empurrar pelos ombros, me fazendo
cair deitado, e então começo a ser torturado com seus movimentos.
Que aumentam de velocidade e impacto conforme ela vai se sentindo
mais confortável com a posição; rebolando e remexendo, subindo e
descendo, me afogando em prazer.
— Minha nossa, eu fiquei com tanta saudade! — Lucy ofega, me
deixando com a vista escura pelo jeito que prova isso ao se mexer. — Ryan!
— Eu sei — minhas mãos se enchem na sua bunda antes de eu ajudá-
la.
Lucy abaixa a cabeça, chocando nossas bocas, me dando um beijo
desesperado e que mostra que, sim, a saudade tá demais.
Começo a me mexer enquanto a seguro parada, seus gemidos
entrecortados fazendo nosso beijo romper e somente nossos lábios ficarem
encostados.
— Eu vou gozar — ela avisa. — Ryan, Ryan… eu vou gozar!
Dou um sorriso e viro a cabeça, mordiscando seu ombro.
— Meu nome na sua boca é a minha canção favorita — admito,
falando pertinho do seu ouvido: — Vem, goza comigo. Posso me derramar
em você?
— SIM! — Lucy grita, a voz toda trêmula. — Minha nossa, sim! Faz
isso sim.
Fecho os olhos e deixo rolar, não sabendo o que leva vez nessa: se o
meu corpo ou o meu coração. Mas fato é que os dois se quebram em
segundos, desfeitos sob a força da presença da Lucy. Só a ela.
A única que me deu algum sentido nesse jogo chamado vida.
Capítulo 54

Acho que nunca me senti tão bem, tão absurdamente leve. É como se
toda a tensão que veio me assolando nos últimos dias, tivesse sido desfeita,
esvaído.
E foi mesmo.
Ryan deitado ao meu lado agora enquanto faz carinho na minha
barriga, prova isso.
Eu me remexo e viro o rosto para ele, já com as batidas do coração
estáveis outra vez. Para ser honesta, nem vi em que momento mudei de
posição, só lembro dos fogos de artifícios que me desmancharam e depois,
quando me dei conta, estávamos aqui, deitados juntinhos.
— Sua família deve estar preocupada — digo. — E me achando uma
péssima pessoa por ter feito você sair da sua festa.
Ele dá um sorriso de canto, com seu olhar formando um combo para
me abalar um pouco mais. Tanta, tanta saudade!
— Garanto que estão te agradecendo — rebate. — Nunca fiquei tanto
tempo em uma festa minha. Só quando era pequeno.
— Você era elétrico tipo o Drew?
Ryan ri.
— Um pouco mais. Você conheceu todo mundo?
— Sim, todos que estão aqui — me mexo, incapaz de ficar um
centímetro que seja longe ou sem tocá-lo, então vou me deitar em cima
dele, sorrindo pelo jeito que ele ergue as sobrancelhas. — Sua família é
muito gentil e educada. Apesar de que...
— O quê? — ele estreita os olhos.
— Seu irmão e seu pai riram de mim quando falei que era sua ex-
namorada. Eles não acreditaram, eu acho.
Ryan dá uma risada baixa.
— É... meio que eles têm motivo pra duvidar — seu olhar desvia do
meu, e fica vago um instante. E imediatamente sinto medo, porque é a
mesma expressão que ele faz quando se aluga sozinho dentro da própria
cabeça e me deixa de fora, e eu não quero mais isso. Não quero mais que
seja assim. Eu sendo deixada de fora, sem saber o que está acontecendo
com ele. Ryan sem confiar em mim e tudo o mais.
— O que importa é que não sou mais ex — trato de falar, depressa.
Ele sorri e volta a me olhar, começando a acariciar minhas costas, e eu
o sinto ainda espalhando entre minhas pernas, e eu nunca fui tão feliz
também.
— Você nunca foi ex, Lucy — ele me corrige, o que me faz respirar
fundo, o coração saltitante. — Por que você falou com o meu irmão?
— Porque foi preciso. Eu precisava de ajuda. Queria te dizer que nada
do que senti e demonstrei foi fingimento. Mas não sabia o que fazer, você
não queria me ver, seus amigos não gostam de mim, então não iam deixar
eu te ver, e...
— Epa lá — ele me interrompe, sua mão pausando a carícia em
minhas costas. — Que papo é esse? Como assim eles não gostam de você?
— Eu te fiz voltar com as crises, claro que eles me odeiam — digo
isso sentindo tristeza absoluta.
Ryan balança a cabeça e desvia o olhar outra vez, reprovando o que
ouviu. Mas então vejo suas sobrancelhas se erguerem, em estranhamento.
— Aquilo é a jaqueta que te dei? — quer saber, me fazendo apertar os
olhos.
— Merda, é — também viro a cabeça, vendo a peça de roupa
dependurada na maçaneta da porta do banheiro. — A ideia era usar
enquanto eu cantava para você. Nossa — volto a enfiar o rosto em seu
peito. — Agora eu me sinto muito constrangida. Deve ter sido um horror
me ouvir cantar e tocar, duas das coisas que não sei. Sua família e seus
amigos vão rir de mim daqui até a eternidade.
O peito de Ryan retumba embaixo de mim em uma risada, me fazendo
sorrir. Volto a olhá-lo, sendo presenteada por um sorriso largo.
— Nem os anjos cantariam e tocariam tão bem, meu amor — sua mão
encontra meu rosto e seus dedos fazem um carinho em minha pele enquanto
ele profere as palavras. — Você foi perfeita. Eu poderia até te pedir um
show particular.
É a minha vez de rir.
— Que bom que você gostou. Eu não sabia como falar o que estava
sentindo e... Bom, achei melhor cantar a música que tocou no seu carro
depois que tivemos nossos primeiros toques.
— Você se lembra disso? — ele sorri.
— Claro que lembro. Também lembro de você ter escrito como seria
ouvir eu dizendo que gosto de você — é a minha vez de sorrir, então rastejo
até minha boca estar colada a sua. — Então, aqui vai, Ryan Smith: eu mais
que gosto de você. Eu amo você, neném.
Ele solta uma respiração toda pesada, as mãos encontrando minha
cintura e fazendo círculos ali com os dedos.
— Te amo, garota — sua voz tem uma rouquidão deliciosa ao
pronunciar as palavras. — E foi mal por tudo que você leu. Eu meio que
tava paranoico e... É uma droga, porque às vezes eu só queria ser como
qualquer cara normal.
— Ei — seguro seu rosto. — Eu só vi ali naquelas palavas alguém que
tinha tanto dentro de si, que precisava se libertar de alguma forma. E você
só foi paranoico porque temia tudo que acontecia à sua volta. Depois do que
você passou e por conta das crises, quem não teria cautela? Não ligue para
isso, foi o seu diário que nos fez ficar juntos.
Ele dá um sorriso mais largo agora.
— Tô putamente envergonhado — murmura. — Diário, amor? Era pra
ser um relato que, em breve, viraria um livro — a última frase sai mais
baixinha.
— Oh, desculpe — caio para o lado, a prova do seu prazer abundante
me deixando com mais calor. — Já venho, vou ao banheiro.
Não dou tempo dele me impedir, levanto depressa e corro até o
cômodo ao lado, indo direto para o box e ligando o chuveiro para me
limpar.
Não calculo dois minutos antes de Ryan se juntar a mim, seus braços
envolvendo minha cintura e me puxando de debaixo do jato de água.
Sua boca encontra meu pescoço e logo depois ele me leva de encontro
aos azulejos da parede, seu braço se esticando para fechar o registro.
Dou um sorriso.
— Adoro o Ryan com respingos de água — lambo os lábios. — Me
deixa com água na boca.
— É? — ele sorri, aproximando o rosto do meu e desviando a boca
para o meu ouvido. — Deixa eu sentir se é verdade. Ajoelha pra mim.
O box se enche com a minha respiração antes de eu escorregar as
costas pela parede e me ajoelhar na frente dele, seu pau duríssimo a frente
dos meus olhos.
— Eu nunca vou cansar — despejo, agarrando-o nas mãos. — Nunca
vou. Meu Deus, impossível.
Ryan dá uma risada baixa.
— Saber disso também me deixa muito feliz — sua mão vem pela
minha nuca e seus dedos se embrenham entre meus cabelos, me deixando
toda mole.
Eu abro a boca para ir de encontro a ele, mas aquela marca chama
minha atenção. A que a tatuagem de leão tenta encobrir.
Mordo o lábio, hesitante.
— O que foi? — ele quer saber.
Levanto os olhos para os seus, me perdendo um pouco no verde
acastanhado, mas também temendo.
— Onde você conseguiu essa cicatriz? — quero saber. Não vou mais
arriscar bambear no saber sobre ele. Eu quero saber tudo. Tudo, de cada
parte.
Dessa vez, é a respiração de Ryan que enche o box.
Ele balança a cabeça, como se fosse algo banal.
— Foi só... — desvia o olhar. — É só um negócio que eu me
envergonho. Era moleque ainda. Não sabia o que tava fazendo.
— Ainda assim — tento ser gentil —, eu quero saber.
— Ah, cara — ele balança a cabeça outra vez, me olhando com um
olhar perdedor. — Vai me fazer falar mesmo?
— Vou, ué — passo os dedos pela tatuagem. — Me conta.
— Foi depois que eu me recuperei do acidente com o meu avô — ele
despeja. — Eu tinha ficado vivo e tal, mas vieram as crises e com todo o
lance dos meus pais e a minha família me jogarem aquele peso de... sabe,
como se eles sempre estivessem pisando em ovos e tendo cautela comigo...
eu meio que não aguentei isso. Eu ainda tava procurando um escape, então
eu me furei. Não fundo o suficiente pra matar, porque fui covarde. E com
certeza não furei o lugar certo. Foi daí que eu falei que queria fazer terapia
e... — gesticula. — Toda aquela merda que você já sabe.
— Meu Deus — eu me levanto imediatamente e seguro seu rosto nas
mãos, nem sabendo direito o que sinto. É desespero, aflição, tristeza
profunda. Meu-Deus. — Ryan, por que você não me contou isso?
Ele meneia a cabeça.
— Não é algo do que eu me admiro e, bom, não é bem algo que me foi
traumático. Eu só era um garoto desesperado, sem saber o que fazer... meu
irmão tinha se afastado, ido embora, minha mãe estava triste, meu pai se
sentindo culpado... Só queria acabar com aquilo — ele respira fundo. —
Depois, já mais velho, percebi o quanto tinha sido egoísta na minha ação.
Eu teria causado mais dor aos meus pais e minha família se tivesse
conseguido me matar, e meu pai e irmão se sentiriam culpados enquanto
vivessem.
Eu o puxo para os meus braços, incapaz de digerir que... Minha nossa,
ele tentou se matar.
— Eu não li nada sobre isso no seu diário — digo baixinho, apertando-
o contra o meu corpo.
Ele ri.
— É como eu disse, não me afetou, só me ensinou um pouco. Mas eu
não tenho traumas com isso, não é algo que me abala e a faca nem entrou
tão fundo.
— Meu Deus — fecho os olhos e enfio o rosto em seu pescoço. —
Ryan, meu amor, estou muito feliz por você ter sido covarde.
— Verdade, né? — suas mãos encontram minha cintura e ele me
desgruda de si, levando meu corpo de encontro a parede. Seus olhos cravam
nos meus, me estudando. — Eu não teria te conhecido se tivesse morrido.
Engulo em seco. Ele fala tão natural, como se não me rasgasse de dor
essa possibilidade passada.
Mas ignoro firmemente o meu alarde e aproveito a oportunidade para
sanar todas as minhas curiosidades a seu respeito.
— Quando você diz que não te causou trauma — pigarreio —, você
quer dizer que sua família lidou melhor com essa situação do que com a
anterior?
Ele dá um sorriso, baixando o olhar um instante.
— Minha família não sabe — seus olhos então voltam aos meus. —
Por isso não foi um trauma. Eles não sabem de onde vem essa cicatriz. Só
sabem da parte "boa", que foi quando eu falei que queria fazer terapia.
Minhas mãos cobrem minha boca. Estou estarrecida, é inevitável.
— Como você conseguiu ajuda então? — indago. — Não foi um corte
fraco, tem uma camada de pele bem mais fina aí.
— Eu não consegui ajuda por mim mesmo — ele dá de ombros. —
Meu amigo me encontrou na sala e me levou pro hospital. Fiz ele prometer
que não ia contar pra minha família, e ele não contou.
— Minha nossa. — É só o que sai da minha boca.
— Fiquei sempre de blusa quando em casa, até dar pra fazer a
tatuagem — ele continua sua explicação.
— Sua mãe nunca percebeu a cicatriz por baixo da tatuagem?
Ele balança a cabeça, mordendo o canto do lábio antes de responder.
— Provavelmente. Mas nunca perguntou, nem ninguém. Talvez achem
que eu consegui nas madrugadas e tá tranquilo assim — ele esfrega o rosto.
— Minha mãe sabe que minha cabeça não sabe processar tudo que já tem
dentro dela, então acho que foi sábia o suficiente pra não se meter em mais
essa. Evitou alarde, o que pra mim é ótimo.
Sou incapaz de pronunciar uma palavra enquanto Ryan persiste o olhar
em mim depois da sua explicação sobre o que tem por baixo da sua
tatuagem de leão feroz e prestes a atacar.
— Por isso, madame — sua mão encontra a minha, que é levada até a
cicatriz. — Não esquenta sua cabecinha com isso. Eu tava cheio de pavor
quando fiz isso, mas agora... — ele se aproxima mais, fazendo minha mão
cair para o lado. — Eu só tô cheio de amor. Só amor.
Abro um sorriso, apesar do desconforto de saber que seu pavor foi
tanto que o levou a se ferir, a querer dar um fim a sua vida. Minha nossa.
Por isso a Winess e tudo que o remete à lembrança daquele momento
terrível ao qual passou, o fazia surtar.
— Eu preciso agradecer ao seu amigo que te socorreu — digo quando
seus lábios brincam raspando por sobre os meus.
— Quando quiser — seus dentes prendem meu lábio inferior e o
puxam.
— Foi um dos três elementos que moram com você?
Ele dá um risinho antes de me olhar.
— Foi o Samuel.
Ah, maravilha! Ele vai me falar para enfiar a gratidão sabe-se lá onde.
Principalmente quando souber que Ryan e eu estamos juntos de novo.
Capítulo 55

Ryan não me pegou no chuveiro, como eu pensei que faria. Mas não
reclamei também, e não fui insistente para que o fizesse. Não depois de
saber da outra cicatriz, que foi uma tentativa de suicídio.
Isso é muito pesado. Não consigo imaginar o meu Ryan, que é tão
forte apesar de tudo, chegando ao ponto de tentar tirar a própria vida.
Embora, talvez, essa tentativa não tenha a ver com força.
Agora, depois do banho e da "chuveirada de verdades”, estamos
descendo de volta para nos juntarmos à sua família. Não estou nervosa e
não acho que vou me importar quando vir seus amigos nos olhando de mãos
dadas. Ryan está comigo e isso é tudo que importa. É tudo o que eu preciso.
Nós nos encontramos com sua mãe na cozinha, preparando algum
prato de doce. Ela nos percebe quase que imediatamente, abrindo um
sorriso enorme em minha direção. E só posso torcer para minha aparência
estar boa o suficiente.
Me sinto em uma mistura de tristeza e felicidade – tristeza pelo que eu
soube e felicidade por não esquecer que Ryan me tocou de um jeito que me
fez alucinar – e espero que minha cara não dedure tudo isso. Esse mix de
sentimentos.
— O que a senhora tá fazendo? — ele pergunta, me fazendo levantar a
cabeça em sua direção para deixar claro que eu nunca, nunca, vou me
acostumar com essa voz deliciosamente potente que ele tem.
— Ah! — a senhora Smith parece contente. — Preparando bomba de
chocolate para incluir na mesa. Vão para lá — ela pede e gesticula em
direção à porta. — Seu pai já está servindo o almoço.
— Que ótimo — digo num impulso. — Estou mesmo cheia de fome.
Acho que o nervosismo me deixou com mais fome ainda.
— Nervosismo — Ryan ri. — Sei.
Eu o olho com repreensão. "Estamos na frente da sua mãe!", meus
olhos gritam, mas isso não tira o sorriso fácil do seu rosto.
— Você foi ótima se declarando, Lucy — a sra. Smith fala para mim,
como se não se importasse com o que ouviu. — Eu mesma me emocionei
muito, porque nunca pensei que alguém… — ela se interrompe, olhando
para o filho.
Ele, por sua vez, bufa ao meu lado, completando a frase da mãe:
— Que alguém fosse me amar a ponto de cantar pra mim?
— Não isso — ela nega. — Não achei que você estaria apto a abrir o
coração para alguém, sendo tão fechado sentimentalmente como é e tão
cheio de...
— Eu não abri — o filho a interrompe, não querendo ouvir o restante
—, Lucy entrou na base do murro — ele brinca e me puxa para a porta de
vidro, me dando tempo de ver sua mãe sorrir para mim.
Nós chegamos ao quintal e claro que os primeiros olhares em nossa
direção são os dos seus amigos.
Eles nos olham de um jeito esquisito, Samuel sendo o primeiro a
desviar o olhar para o lado, bebendo algo em um copo descartável e, quase
despercebidamente, balançando a cabeça em negativa.
Ele deve estar pensando que eu o mencionei para Ryan. Mas não. Eu
não vou fazer isso. Os caras são tão amigos dele que até a família os
conhece. Não vai acontecer isso de eu falar quem me motivou a terminar o
nosso namoro. Não vai.
Mas, para o meu azar, é justamente para a mesa dos amigos que Ryan
nos conduz.
Engulo em seco por antecipação e, tirando o sorriso curto que se abre
na boca de Nathan, nenhum dos outros dois amigos parecem se importar
com a nossa chegada.
— E aí — meu namorado se anuncia e solta minha mão para pegar
duas cadeiras da mesa onde seu primo está sentado com a esposa.
Eu aguardo, tentando não olhar muito para os seus amigos. Meus
braços se cruzam e tento focar nas duas crianças correndo pelo quintal.
Mas, sem sucesso. Sou toda nervosismo.
— Aqui, amor — Ryan toca meu braço. — Senta aqui.
Eu o olho, dou um sorriso e vou me sentar. Minha cadeira está ao lado
de Nathan e Ryan se senta ao meu outro lado, de forma que ficamos de
frente para Douglas e Samuel.
Este, por sua vez, não nos olha durante um longo tempo. Tanto que
fico até desconfortável, quase me levantando do lugar, tendo em vista que
todos os três caras permanecem calados.
— Tô esperando, Samuel — a voz de Ryan é estridente quando fala, e
meu olhar voa para ele, em questionamento.
Mas imediatamente desvio para olhar o seu amigo, que dá uma risada
curta de sarcasmo antes de também olhar para o meu namorado.
Em estranheza silenciosa, Samuel estreita os olhos e inclina a cabeça
para o lado.
— Esperando o quê? — quer saber.
Ryan hesita um pouco antes de responder.
— Você se desculpar com a Lucy e, claro, me dizer porque porra
contou pra ela o que tava rolando comigo.
Minha boca se abre, em choque e... eu nem sei. Eu nem contei que foi
o Samuel!
Samuel ri. Outra risada irônica antes de virar o rosto para o lado, como
se não tivesse se importado com o que ouviu.
— Fala, caralho — Ryan pressiona. — Se desculpa com a minha
namorada e responde porque se achou no direito de fazer ela se afastar de
mim!
— Calma aí, Ryan — Nathan intervém. — Vamos deixar pra resolver
isso depois da sua festa.
— Depois o caralho! — meu namorado destila um tapa no meio da
mesa, causando um barulho forte e chamando a atenção de Samuel outra
vez, que agora vira a cabeça para nos olhar com raiva estampada.
— Vai se ferrar, Ryan — ele chia, ruidoso. — Pra porra que vou me
desculpar com alguém ou tentar me explicar pra você que, mais do que
ninguém, devia estar me agradecendo! Por ainda ter alguém que se
preocupa com a sua saúde!
— Ryan... — eu tento remediar a conversa, mas meu namorado
estende uma mão, pedindo que eu não o faça.
Engulo em seco, preocupada, porque Samuel e ele estão se encarando
a altura, ambos desafiando-se com o olhar – o que me leva a temer que
percam a compostura no meio da família Smith.
— Porque me ajuda você acha que tem o direito de se meter na minha
vida pessoal, é isso mesmo que entendi? — Ryan questiona, uma pitada de
descrença ao fim da pergunta.
— Não — Samuel nega, se inclinando um pouco para frente na mesa.
— Não acho que tenho o direito de me meter na sua vida pessoal, mas
tenho certeza que preciso interpor no que te faz esculhambar por dentro.
Principalmente se é por alguém que te leva ao fundo do poço.
As palavras me doem e me rasgam, me deixando congelada. É sobre
mim que ele está falando e se referindo. Sobre o que faço com Ryan.
— Ryan... — dessa vez é Douglas que fala, como se também tivesse a
mesma preocupação que eu. — Cara, deixa pra...
— Ao fundo do poço? — Ryan ri. — Do que você tá falando?
Conhecer a Lucy e conseguir ter ela na minha vida, foi a melhor coisa que
me aconteceu, Samuel. Por que você tá falando isso de fundo do poço? O
que você conhece sobre amar e ter alguém na sua vida que se importa com
você?
Meus olhos umedecem ante as palavras do meu namorado, meu
coração se enchendo de emoção.
Mas Samuel ri outra vez, quase um gargalhar.
— Amar alguém implica em aceitar a própria morte? — ele ergue as
mãos. — Foi mal aí, eu não tô ligado nessa. Mas, cara — um dedo se
estende na direção do rosto de Ryan —, quando tiver se sentindo prestes a
cair do abismo, não bate na minha porta, não. Não bate porque eu não vou
abrir.
Ryan imediatamente derruba o dedo do amigo na mesa, rebatendo:
— Você tá jogando na minha cara ou tô entendendo errado?
— Tô falando o que acontece — Samuel me olha um segundo, suas
sobrancelhas quase unidas pela dureza da sua expressão. — Essa garota
apareceu na sua vida do nada e te fez descer vários degraus, e você tá cego!
Tá completamente cego! Se liga, que uma boceta e uma música não vão te
ajudar na hora que a corda apertar teu pescoço!
Ryan se levanta, derrubando a cadeira para trás pelo movimento
abrupto, o que me faz levantar também, em preocupação; e igualmente seus
amigos.
Mas não adianta, porque é tão rápido que ele consegue alcançar
Samuel e puxá-lo de seu lugar, que quando noto, já é mais pelo barulho do
soco do que do levantar em si.
Samuel uiva com a dor do golpe no rosto, sua mão indo ao maxilar e
ele levantando a cabeça após uns segundos para encarar Ryan, que o puxa
pela camisa, frisando diante do seu rosto:
— Nunca mais — o sacode —, nunca mais fala da minha namorada
como se ela se resumisse a uma única parte do corpo, entendeu? Nunca
mais, ouviu bem, seu filho da puta?
— Me solta! — Samuel tenta se desvencilhar, mas Ryan não o solta, o
que o faz empurrar seus ombros e indagar: — E o que você acha que vai
acontecer agora? O amor vai te curar? — dá uma risada debochada. —
Acorda, Ryan! Isso é vida real! Você só vai se foder mais! E talvez ficar
muito pior quando essa daí — ele gesticula com o queixo em minha direção
— se cansar de te ver quase morrer todas as noites! Uma hora cansa, você
tá ligado nisso? Cansa! E não vai precisa que eu peça pra ela se afastar, ela
vai fazer isso sozinha.
Ryan o acerta de novo no rosto. E de novo, e mais uma vez, me
fazendo retroceder um passo, enquanto Nathan e Douglas se aproximam
para tentar afastar os dois.
Estou assustada, e nervosa, e outros sentimentos que me deixam em
um balançar antes de eu sentir meus ombros serem envolvidos; e logo após
o pai de Ryan se aproxima do alvoroço, puxando o filho para trás com um
solavanco e o afastando de Samuel; que se dobra ao meio, uma mão no
rosto enquanto sua camisa se movimenta, indicando uma respiração difícil.
Nathan e Douglas estão parados, olhando a cena, como se estivessem
em transe ou desacreditados demais para sequer tomarem alguma atitude.
— O que você pensa que está fazendo? — o senhor Smith pergunta ao
filho.
— Trocando uma amizade de anos por uma garota de momento —
Samuel responde, levantando o rosto e cuspindo o sangue da boca no
gramado.
Sr. Smith me olha, seus olhos tão claros me estudando antes de se
voltarem ao filho.
— Isso não tem a ver com você, pai — Ryan deixa claro, sacudindo o
ombro para indicar que quer que a mão de seu pai saia dali. E quando sai,
ele vem na minha direção e agarra meu pulso: — Vem, Lucy. Vamos
embora.
— Não! — eu tento ir contra seu toque. — É a sua festa, Ryan! Vamos
ficar!
Não sei o que estou dizendo, para falar a verdade. É automático.
Porque o que achei que se podia evitar, acabou de acontecer. Ryan e Samuel
discutiram por minha causa. Não! Pior. Por causa do mal que eu faço ao
Ryan enquanto Samuel só quis, e quer, protegê-lo.
Merda, droga, droga...
— Eu saio — Samuel anuncia. — Deixa que eu vou embora — e vai
até a cadeira em que estava sentado, pegando a jaqueta que está nas costas
do assento. Dando uma olhada em Ryan, o lado do rosto com evidente
marcas e manchas de sangue, diz por último: — A gente se esbarra. Mas eu
espero que não.
Engulo em seco quando seu olhar vem em mim de raspão antes de
Samuel caminhar por além do quintal, seguindo para a entrada da casa, em
direção ao portão.
E então tudo é silêncio e mais silêncio, meu olhar desviando para o
redor, onde todos os familiares de Ryan estão aparentemente tranquilos
quanto a cena. Como se... como se ele não tivesse acabado de se
descontrolar e golpeado o amigo descontroladamente, deixando em choque
até mesmo os outros amigos com quem tem intimidade.
Meu namorado entra sozinho na casa dos pais, o que me faz segui-lo, e
é tudo tão de uma vez que... eu só vou. Nossa, eu só vou, ainda tentando
processar que acabei de fazer dois amigos discutirem, sendo que era o que
eu tentei não fazer.
Vou encontrá-lo subindo as escadas, e o acompanho até o quarto em
que estivemos há minutos. Observo-o ir até a cama e cair deitado, as mãos
cobrindo o rosto antes dos dedos se enfiarem pelos cabelos; seus olhos
fechados antes de ele xingar.
Fico parada perto da cômoda ao lado da porta, sem saber o que fazer.
Eu me sinto tão absurdamente culpada.
Deixo que Ryan fique sozinho na sua mente até ele decidir que posso
me aproximar; e, quando isso acontece, sua cabeça se vira, seu olhar
encontrando o meu.
Eu me arrepio, mas também gelo dos pés à cabeça.
— Vem cá, vem, amor — ele me chama, se arrastando para cima, até
se sentar contra a cabeceira da cama.
E eu vou. Me sinto estranha diante do que causei, mas também estou
indescritivelmente apaixonada. Não posso me impedir de ficar em fagulhas
de fogo ao ouvi-lo me chamar; e, principalmente, quando seu braço me
alcança, me puxando para si, quando chego ao seu lado.
Dou um suspiro alto quando meu corpo encontra o seu e recosto a
cabeça em seu ombro, a mão de Ryan se infiltrando dentro da minha blusa,
acariciando minha barriga e cintura.
— Desculpa — digo baixinho. — Desculpa de verdade.
Ele para a carícia um instante, mas logo continua.
— Pelo quê?
— Por ter sido o motivo da sua briga com o Samuel.
Ryan solta um murmúrio.
— Não empanca nisso, amor — ele pede. — Não tem a ver com você.
— Ao contrário, — viro meu rosto para ele — tem tudo a ver comigo.
— Tem a ver comigo — Ryan me censura, antes de desviar o olhar
para o meio do quarto e soltar um suspiro abafado. — Depois eu converso
com ele.
— Ele não parece querer te ver de novo. Está com ódio porque
estamos juntos.
Ryan me olha com um olhar alarmado antes de tomar meu rosto entre
as mãos, me encarando bem de perto.
— Esquece isso. Por favor, Lucy — seu polegar dança perto da minha
boca. — A partir de hoje, nada é mais importante que nós dois juntos.
Sempre juntos, meu amor. Consegue entender isso?
Meu respirar fundo de amolecimento diz que sim, eu completamente
entendo isso.
— Eu te amo — declaro mais uma vez. — Senti muito a sua falta.
Ryan me puxa para si, me deixando aconchegada em seus braços e
beijando incansavelmente o alto da minha cabeça.
— Por que sua família pareceu indiferente quanto a sua briga com o
Samuel? — pergunto. De olhos fechados, encaixada em seu peito, não há
melhor lugar no mundo para se estar. Me sinto em mim outra vez. Apesar
dos pesares...
— Eles não sabiam o motivo da briga — Ryan faz pouco caso. — Não
acho que tinham que se meter.
— Como não? — levanto o rosto para enxergá-lo. — Era você batendo
em um dos seus melhores amigos na sua festa de aniversário!
— E...? — ele parece não entender a parte que deveria ser incômoda.
— E que é algo que — abano as mãos —, nossa, Ryan, não é
“normal”.
Ele ri.
— Parte do ponto que não sou normal e então você vai sacar porque
eles ficaram sem se meter.
Balanço a cabeça, discordando.
— Para com isso. Eu falo sério.
— Caralho, amor, eu não sei — ele bufa. — Esquece isso. Eu quero ir
pra minha casa pra gente se pegar bastante e matar a saudade. Esquece o
Samuel e esquece minha família. O lance é a gente, nós dois, só isso e
ponto final.
Eu me derreto na hora.
É verdade que sua família foi totalmente fria enquanto Ryan destilava
socos em Samuel; e também que seus amigos não tiveram muita disposição
para intervir briga, o que me leva a crer que todos ficaram estupefatos
demais, o que causou a falta de reação; MAS, não posso deixar que isso me
impeça de me render sempre que Ryan fala coisas como “a gente ir para
casa e se pegar bastante”.
— Temos que esperar você cortar o bolo — digo, com pouca vontade.
Nem eu me convenço com esse tom.
Ryan dá um sorriso travesso, que me faz arrepiar inteira. No segundo
seguinte, ele está sobre mim, me puxando e colocando deitada na cama, seu
corpo ficando ao lado do meu quando minha blusa é levantada e sua boca
encontra o meu pescoço.
E então sou só respiração, minha própria mão encontrando sua
cabeleira loura.
— Hmmm — ele geme, mordiscando minha pele e beijando. — Que
saudade de você.
Arfo e fecho os olhos.
— Também estou sentindo sua falta demais.
— Mesmo? — sua mão está entre minhas pernas de repente, me
fazendo engolir em seco quando seus dedos fazem um carinho reverencial
por cima da minha calcinha. — Saudade de me ter aqui, né?
— Em todo lugar — minha voz é pura rouquidão.
— Eu entendo você — sua boca se arrasta até a minha, seus lábios
ficando sobre os meus, recebendo meu suspiro até Ryan completar: — Eu
também quero a Lucy em todo lugar que ela possa estar.
Meu sorriso se abre, imenso e emocionado.
Eu disse isso para ele antes. Na nossa primeira vez. Quando li seu
diário. Quando descobri mais dele. Quando o conheci por dentro, não a
maquiagem de fora.
— Eu te amo — repito o que nunca vou me cansar de dizer.
— Eu sei — ele me dá um selinho. — Eu também amo você, e vamos
ficar juntos. Dessa vez, ninguém vai nos separar. É pra valer.
Não tenho tempo de perguntar o que esse “para valer” significa,
porque Ryan mói meus pensamentos ao enfiar a mão por dentro da minha
calcinha e me beijar, então sei que os próximos minutos não vão ter nada a
ver com conversa.
Capítulo 56

Um dia longo. Foi um dia muito longo. No qual, pro meu espanto,
aconteceram muitas coisas boas. A melhor coisa: ter Lucy novamente nos
meus braços.
É meio (muito) foda ter que relembrar que, apesar do melhor ter me
acontecido no dia do meu aniversário – que por acaso foi comemorado em
uma festa com toda a minha família estranha reunida –, aconteceu também
uma coisa nada boa: a briga com Sam.
Falando sério, minha felicidade tá insana, mas não posso deixar de
ressaltar aqui que, porra, é frustrante. No mesmo dia que minha namorada
voltou pra mim, foi também o dia que meu melhor amigo se afastou.
E não estaria relatando isso aqui se não soubesse que foi um bagulho
sério. Samuel me olhou no olho quando disse que esperava que não nos
encontrássemos mais e… caralho, eu tô me sentindo maior mal.
Quero dizer, me sinto ingrato com ele. O cara sempre me ajudou e
nunca reclamou de nada. Sequer me fazia lembrar no dia seguinte das crises
que eu tinha, quando ele sempre estava me ajudando estando presente.
Então, é, ter visto ele saindo com tanto ódio de perto de mim, não foi
nada bom.
— Não vem deitar? — a voz doce da minha namorada me chama, e eu
preciso olhar pra ela. Como se eu tivesse conseguido o contrário… Só parei
pra pegar o notebook e, bom, fazer o que tanto já estava me mastigando por
não fazer.
E deitada na minha cama, no meu quarto, os seios descobertos e um
sorriso que me faz sentir como o cara de mais sorte do mundo, encontro seu
olhar por um momento; onde sou capturado.
Nós viemos pra minha casa depois que a festa acabou. Lucy me
convenceu que seria bom se eu ficasse até o fim do dia. Sua mãe está feliz,
bem observou. E ela estava mesmo. Nem parecia que tinha rolado uns socos
na festa.
Então a gente ficou e, quando não dava mais pra segurar a vontade de
ter Lucy só pra mim, eu disse que precisávamos vir embora.
Meus amigos tinham saído há algum tempo da festa, mas não vieram
pra cá – pra minha sorte. Então não tivemos problemas ao chegar.
Conseguimos matar um pouco da saudade até Lucy dizer que estava
cansada.
— O que você está escrevendo aí que te fez sorrir desse jeito? — ela
quer saber.
Ergo as sobrancelhas, e a vejo se sentar na cama pra depois levantar e
vir até mim, na escrivaninha.
Ela fica de pé ao meu lado e se inclina um pouco pra ler no notebook.
— Esqueci meus óculos — murmura, antes de ler em voz alta: —
Conseguimos matar um pouco da saudade… Ah — ela agarra minha
cabeça e me dá um beijo estalado na bochecha. — Fofíssimo — então
retoma a leitura: — Até Lucy dizer que estava can… Ei!
Ela se afasta, me olhando incrédula.
— Você não pode ser tão detalhado assim, Ryan — reclama.
— Eu escrevo — dou de ombros. — Essa é a cor da escrita, amor. Os
detalhes. Me perdoa. Ninguém vai ler mesmo.
Agora ela ri.
— Só quem pegar seu notebook.
— Sendo uma pessoa fofoqueira — sorrio com ironia, e a puxo pra
minha perna, onde ela cai sentada com um gritinho.
— Foi sem querer. Desculpe — lamenta.
— Tudo bem, passou — aperto sua coxa, e seus olhos amarelados se
voltam pra mim, desviando do notebook.
— Você me acha fofoqueira? — ela pergunta, e ao mesmo tempo
responde: — Eu só estava curiosa sobre você.
— E você acertou em cheio. Nada me descreve melhor que isso aqui
— gesticulo o notebook. — Me achou maluco quando leu?
Lucy ri.
— Um pouquinho.
Nós dois olhamos pro notebook ao mesmo tempo, antes de ela
complementar:
— Não é louco pensar que foi de algo que você escreveu enquanto
estava com a cabeça cheia, que nossa união aconteceu?
Dou um meio sorriso.
— Loucamente bom.
— Por palavras… — ela divaga. — Você tinha ideia que seus escritos
poderiam ser lidos por mim algum dia? Digo, quando começou a escrever e
me colocar tanto no meio?
— Honestamente, não — admito. — Isso nem passou pela minha
cabeça. Até porque eu ficaria envergonhado se te pegasse sabendo da minha
cabeça bagunçada. Então não, nada a ver mesmo. Por isso era tão libertador
escrever sobre algo que eu não tinha com quem falar.
— Você ficou muito chateado pelo que eu te disse na primeira vez que
nos encontramos, não é?
Solto um suspiro pesado.
— É. Muito — balanço a cabeça. — Mas meio que foi bom. Se você
tivesse agido diferente e aceitado a oferta de eu passar a noite com você,
provavelmente tudo não estaria como tá agora.
— Não acredito que você fazia isso de oferecer noites com você —
Lucy faz um beicinho. — Fico triste em pensar que meu homem se oferecia
assim.
Dou risada.
— Tentei driblar você, nada costumeiro — esclareço. — Eu não saía
por aí fazendo esses convites… Não com frequência.
— Ah — sua lamúria me faz sorrir e abraço-a pela cintura. — Que
bom que agora você é meu — seu rosto se inclina um pouco. — E
unicamente meu.
— Só seu? — dou um sorriso, sua boca encostando na minha pra ela
confirmar.
— Só meu, todinho meu.
— Que possessiva, meu amor — mordo seu lábio inferior, Lucy
gemendo no meu colo e me abraçando pelo pescoço.
— Não sou possessiva, mas estou deixando claro que o meu namorado
lindo e gostoso pertence a mim, só a mim, pra amar.
Dou risada, segurando debaixo das suas pernas juntas com um braço
enquanto o outro rodeia sua cintura, então me levanto com ela; e, quando
estou nos levando até a cama, ouço o barulho de uma porta batendo.
Lucy me olha, questionando em silêncio.
— Um dos caras, provavelmente — respondo, sem muito interesse.
Ela bate em meus ombros e deixo suas pernas tocarem o chão.
— É melhor você ir ver quem é — aconselha. — Eu espero aqui, na
cama.
Não tenho muita vontade de saber qual dos meus amigos chegou, mas
também acho que faltou um pouco de papo com eles durante o dia.
Principalmente porque, pelo jeito que Douglas e Nathan ficaram focando na
gente, eles não pareciam acreditar muito no que estavam vendo. E teve
também a desavença com o Samuel.
E eu meio que entendo. A gente não tem a vibe relacionamento na
cara. Eu não tinha. É uma coisa estranha mesmo me verem doer por uma
mulher. Não vou culpar eles. Não dá pra culpar.
— Tá — concordo com Lucy, contragosto. — Eu já volto.
Saio do quarto, seguindo o som dos ruídos que me levam a um dos
quartos do corredor. E minhas sobrancelhas saltam quando vejo a
movimentação dentro do quarto de Samuel.
Me aproximo da porta entreaberta, sem nada esperar, e o encontro
jogando as roupas que estão em cima da cama dentro de uma mala.
— Tá indo embora? — pergunto, me recostando no batente. Não existe
uma atitude ou uma fala certa, pra fazer ou dizer. Só deixo o barco seguir.
Ele não me olha e não para no ato de persistir a jogar as roupas na
mala de qualquer jeito.
— Deus me livre atrapalhar você e sua amada por mais um segundo —
ele ironiza, ainda que usando um tom firme. — Então te respondendo, sim,
tô indo embora. Vazando daqui.
— Pra onde? — quero saber. Não vou me desculpar pelos socos que
dei nele. Ele ofendeu a minha namorada e, quanto a isso, eu não respondo
por mim.
— Ainda não sei — ele fecha a primeira mala e parte pra segunda,
enchendo-a com blusas sociais e shorts. — A única coisa que sei é que
maldita foi a hora que resolvi que a gente devia chamar alguém pra limpar
sua casa.
Não gosto de como o pronome soa solto no ar, mas entendo que o
objetivo foi deixar claro que ele não faz mais parte daqui.
— Você sabe, cara, que nós não precisamos criar um atrito na nossa
amizade por causa da Lucy — me aproximo, entrando no quarto. — Essa é
a hora que eu queria que você tivesse feliz por mim. Eu encontrei alguém
pra amar, e que me ama também. Isso não pode te deixar alegre também,
por mim?
Ele enfim me olha e eu faço uma careta ao ver seu rosto. Acho que
pesei muito a mão nos socos.
— Você tá me zoando, né? — questiona. — É uma puta zoação que tu
diga isso. Eu não acredito nessa porra de amor, Ryan — ele volta a enfiar as
roupas na mala. — E te ver querendo alguém que te faz mal, só dá forças à
essa descrença.
Fico quieto enquanto escolho as melhores palavras. Não posso culpar
ele porque não crê no que nunca viveu.
— Eu também não me ligava muito nisso de amor — digo. — Você
sabe disso. Não faz sentido querer, dar e receber atenção de uma única
mulher quando temos tanta escolha e tantas querendo a gente.
— Espero que esteja se ouvindo e assim caia na real — Samuel fecha a
segunda mala e a coloca no chão, pegando uma de suas mochilas da cama e
indo até a cômoda alta no canto do quarto.
— Mas esse é o ponto do amor, cara — observo ele deslizar seus
perfumes e cosméticos pra dentro da bolsa. — O amor não é explicável, ele
só acontece, e acaba com o sentido do que a gente achava que tinha um
sentido, mas na verdade não passa de mata-hora.
Meu amigo entra no banheiro, onde vai buscar o restante das suas
coisas. E, quando retorna ao quarto, eu espero sua resposta.
Que não vem. Mas é meio barra tentar explicar algo que é real pra
alguém que não acredita. Principalmente em se tratando de sentimentos.
Nenhum dos caras que moram comigo se amarram muito nisso.
— Peguei tudo, eu acho — ele diz, ignorando tudo que me ouviu dizer.
— Se encontrar algo meu, pode jogar fora ou sei lá. Faz o que você achar
melhor — Samuel dá uma olhada na cama em que dormiu por tantos anos.
— É — ele eleva os ombros, os abaixando lentamente de acordo com a
respiração. — Acho que é isso.
— Sabe que não precisa ir — cruzo os braços. — Eu não vou ficar
aqui com a Lucy mesmo. Vou comprar uma casa nova pra morar com ela.
Samuel ri, me estudando.
— Você tem noção que acabou de fazer 22 anos? — questiona.
— E o que tem?
— Significa que você é muito novo, ainda não sabe o que tá fazendo, a
consequência disso, e tudo o mais. Nitidamente tá metendo os pés pelas
mãos e… — ele balança a cabeça em negação. — Bom, te desejo que isso
preste enquanto dure. Isso se durar…
Samuel coloca a mochila nas costas e agarra as alças das malas com as
mãos, me olhando pra dizer:
— Se um dia você se arrepender, não me procura, não, falou?
— Cara, você não precisa me jogar tanto descaso — minha voz não
tem alteração alguma porque, o que eu faria, não é? O cara não acredita
mesmo no amor. — Você ainda é o meu melhor amigo.
— Se manca, Ryan. Você me deu uma surra. Que tipo de melhor
amigo é esse que você me considera?
— Você ofendeu a minha namorada, não fica esperando desculpas
minhas. Você que deve desculpas a ela.
Ele ri.
— Devo. Não devo nada nem a minha própria família — ele começa a
se mover pra fora do quarto.
— Então é isso? — pergunto, seguindo-o até o corredor.
— É isso — Samuel não me olha ao concordar. — Tô indo, pra nunca
mais. Fui que fui, e vou de uma vez.
Fico olhando enquanto ele desce a escada com as malas, parecendo
sem paciência quando joga as duas no chão e desce os degraus sozinho,
pegando-as lá embaixo.
— Vou deixar a chave da tua casa no porta-chaves — ele grita o último
aviso e, segundos depois, ouço a porta bater, se fechando.
Logo passos estão atrás de mim e Lucy aparece na minha frente então,
me olhando com apreensão enquanto morde o lábio.
— Desculpe — ela sussurra. — Eu jamais quis isso.
— Fica tranquila, amor — puxo ela pra mim, Lucy deitando a cabeça
no meu peito. — Não é culpa sua. O Samuel só… ele não acredita.
— Na gente?
— No que um cara pode sentir por uma só mulher — meus lábios
raspam em sua testa. — Ele não tem sossego.
— Por que os homens gostam tanto de ficar com várias? — ela
sussurra.
Dou risada.
— Não sei, acho que acaba sendo natural. A gente nem percebe que é
um gostar de ficar com várias. Na verdade, gostamos mesmo do sexo. Daí,
experimentar sexo com várias.
Ela me olha, os olhos estreitos.
— Isso é tão superficial, Ryan.
Rio de novo.
— Faz parte da vida, eu acho — seguro seu queixo e balanço um
pouco. — Vamos pra sua casa agora? Meus sogros devem ter sentido minha
falta.
Ela sorri, balançando a cabeça.
— Vamos. Mas, antes... — fica na ponta dos pés, alcançando meu
pescoço com a boca ao mesmo tempo que suas unhas encontram minha
nuca, me tirando uma respiração funda. — Preciso do meu namorado mais
um pouco.
Agarro sua cintura, segurando-a pra mim.
— Pensei que você tava cansada.
— Estava sim — ela beija meu pescoço. — Mas já me recuperei.
Tiro-a do chão, nos levando pro quarto com ela em meus braços; Lucy
dando uma risada gostosa e que me enche de certeza. Do aqui, do agora, do
futuro.
Sem medo, nenhum medo. Ela tá comigo, não dá pra errar nessa. Não
tem como errar.
— E o que vamos fazer? — sua pergunta me faz sorrir.
— Agora a gente vai viver.
Eu, reviver.
Porque me sinto respirar outra vez.
Epílogo

Ouço o barulho que tanto gosto se aproximando. As botas de salto da


Lucy estalando no chão de madeira do corredor. Meu corpo inteiro
responde a isso, que é o melhor momento do meu dia. Quando nos
reencontramos depois de muitas horas longe um do outro.
Estou virando minha cadeira em direção à porta, contemplando o exato
momento em que ela chega no meu escritório, acompanhada de um sorriso.
Que eu correspondo, claro, ao mesmo tempo que estendo o braço,
chamando-a pra mim.
Lucy joga a bolsa no chão e vem correndo, caindo sobre minhas pernas
e me abraçando pelo pescoço; me dando do seu calor e do seu cheiro, que é
um combo sempre tão bom de sentir e que me mata de tanta saudade –
foram só algumas horas, mas parece sempre um século.
— Oi, meu homem lindo — ela levanta a cabeça só pra me olhar e
depois deixar um beijo comportado na minha boca. — Senti sua falta.
— E quando você não sente? — sorrio, ganhando um tapinha no
ombro.
— Muito convencido você! — ela diz enquanto movo a cadeira de
volta a posição inicial, seu olhar desviando de mim e se direcionando ao
notebook. Aguardo enquanto ela presta atenção em algumas linhas. — Ué,
você renomeou o arquivo? Eu gostava do outro.
Dou risada.
— Fala sério, amor. Aquilo não era um título.
Ela me olha.
— E Tempestade de Gelo, é?
Sorrio.
— É — afirmo. — E muito significativo pra mim, aliás.
— Uhum — ela volta a ler, demorando o tempo que quer, até
comentar: — Ai. Essa descrição do dia que seu amigo foi embora, é tão…
— uma mão vai ao peito. — Profunda e... dolorosa — Lucy me olha. —
Acho que você deveria enviar essa parte para ele. Sabe, pelo menos ele vai
ler como você se sentiu.
— Corta essa, Lucy. Eu não vou ficar babando o ovo do Samuel.
Minha noiva morde o lábio, acenando com a cabeça, mas não acho que
ela concorda. Afinal, sempre que tem a oportunidade, faz questão de me
lembrar que Samuel só estava visando o meu bem.
Mesmo que fosse. Ainda que tenha sido. Nada dava o direito de ele ser
ardiloso ao ponto. Criar uma estratégia de afastar Lucy ao tempo que
tentava me fazer ver o que não existia: o mal que ela me fazia.
O cara nos fez de peão num jogo que tava jogando sozinho!
— Não acho que seja babar o ovo dele, mas sim considerar a amizade
de vocês — ela argumenta e me estuda enquanto meu olhar desvia para o
notebook. — Mas não vou bater nessa tecla hoje, então… — seu dedo
aponta algo na tela. — Mudou o modo de fala também?
— Como assim?
Lucy se ajeita no meu colo, explicando:
— Aqui, ó. Você colocou "estou". Geralmente, você usa "tô". É
característico seu.
Meu sorriso se abre.
— Ah, amor, você sabe, tô tentando finalizar dessa vez. De verdade.
Você sabe do meu apego com esses escritos, por tudo que existe neles e…
— solto um suspiro profundo, encarando o notebook. — Eu não queria
colocar um ponto-final. Não queria mesmo.
— Então não coloca — ela acaricia minha nuca.
Balanço a cabeça, em negação.
— Não é desse jeito — debato. — Eu não quero, mas tenho — meu
olhar volta a encontrar o seu. — O Tempestade de Gelo é minha vida
narrada. Sou eu sendo nada antes de você. E agora que estamos juntos, não
faz sentido continuar focando no que não existe mais. Agora nada disso que
está escrito tem relevância na vida que a gente tem — levo uma mão ao seu
rosto e acaricio sua bochecha. — Você é tudo, meu amor. Todo o sentido
pra mim, a luz na minha escuridão, e é isso que me importa. Nada de ficar
voltando no passado e colhendo o que não faz bem.
Minha noiva morde o lábio, visivelmente emocionada.
E também sou invadido por uma emoção muito forte, porque… é
verdade. Eu não queria colocar um ponto final nos relatos. No entanto, é
necessário. Preciso me desfazer de qualquer lembrança ainda guardada em
mim a respeito do Ryan de três anos atrás.
Um cara assustado, imaturo e melindroso. Cheio de cautela vã,
nenhuma esperança, receio desnecessário, e carente emocionalmente. Sem
propósito de nada, devastado, sem enxergar um palmo a frente dos olhos,
porque tudo era sem sentido e tomado de nada.
Com um passado que não larguei, e nem ele me largou. Assombrado
com o que eu tinha certeza que não me assombrava. Achando que tinha
controle sobre algo que eu nunca tive.
Então Lucy surgiu. Tendo a única coisa que almejei e não consegui
facilmente. Eu queria o seu apreço, a sua amizade, que ela gostasse de mim,
fosse como fosse. Queria sua atenção, que não veio de primeira, como era
meu costume ter. Eu tive que me esforçar, tive que me desafiar, sair da
minha zona de conforto, lutar comigo mesmo, dar o braço a torcer, me pôr à
prova e fazer o que tivesse que ser feito para conseguir que ela me
enxergasse.
E tudo mudou com isso.
Mudou em mim, na minha vida, na minha mente.
Tudo mudou porque nos apaixonamos. Tudo ganhou força quando
percebemos que não dava pra ficar mais longe um do outro. Não bastava
umas horas ou uma viagem, a gente precisava de todas as horas do mundo
para estarmos perto. O máximo possível.
Afinal, não é isso que o amor faz? Te faz ver as horas como milésimos.
E o tempo voa, e voa, te dando a chance de enxergar que tudo continuaria
sendo nada sem a pessoa amada do seu lado.
Não é explicável. O sentimento chega e faz mudanças. Reconstrói. Te
molda, tira o ruim e traz o bom.
É foda, é mágico, é o amor.
— Não me faça chorar — Lucy pede, deitando a cabeça no meu
ombro. — Amanhã faz 3 anos que estamos morando juntos. O que acha de
comemorar?
— Claro, sempre comemoramos — enfio a mão por dentro da sua
blusa e acaricio a pele quente da sua cintura. — Com muito sexo?
— Engraçado — ela levanta a cabeça, estreitando os olhos. — Eu
estava pensando que podíamos fazer uma festinha, sabe? Convidar nossos
pais para participar.
Ergo uma sobrancelha.
— Nos dois últimos anos, você não se importou em comemorar com
muito sexo — dou um sorriso.
— E não me importo nesse ano também, mas depois da festa — Lucy
pisca para mim e volta os olhos ao notebook. — Já sabe qual vai ser seu
próximo relato? Porque sei que é sua terapia e você não sabe ficar sem
escrever.
Concordo.
— Quem sabe não seja de você na fase da gravidez…
Minha noiva volta os olhos alarmados pra mim, me fazendo rir.
— Ainda estamos novos para sermos pais — ela sussurra.
— Tem razão. Vamos esperar mais uns anos até — minha mão brinca
na sua barriga — eu colocar um mini Ryan aqui.
Ela ri, se remexendo no meu colo.
— Vamos esperar mais uns bons anos — me abraça de novo. — Até
lá, você pode escrever as histórias de amor dos seus amigos.
Dou uma risada longa antes de Lucy me olhar desentendida.
— Por que não? — pergunta.
— Qual foi, meu amor. Os caras não estão nessa de se deixarem levar
pelo amor. Sem contar que eles são cabeças-duras. Se encontrassem o amor,
deixariam escapar.
— E isso não seria bom para você escrever? — ela pensa. — "Os
cabeças-duras que se apaixonaram e não quiseram".
Meneio a cabeça, sorrindo.
— Não é assim que se consegue uma história, amor.
— Então é como? Me conta.
— Ah… — aproveito da oportunidade pra me levantar com ela nos
braços e nos levar para o nosso quarto, até a cama. Lucy já está rindo
quando me deito sobre ela no colchão. — Acho que é uma ótima pergunta a
sua. O que acha de ajudar a me inspirar?
— Acho uma ótima ideia — dá um risinho. — E como posso fazer
isso, meu escritor favorito do mundo inteiro?
Dou risada.
— Você enche tanto minha bola que vou ter que esvaziar ela dentro de
você.
— Ai, nossa — Lucy se remexe com um sorriso. — Eu não me
oponho, vem.
Mas antes que eu tenha a oportunidade de começar a desabotoar sua
blusa, seus olhos amarelados me capturam. E me fazem afundar. Em um
repleto mar de paixão. E simplesmente assim, meus movimentos param, eu
ficando magnetizado por tanto sentimento.
— O que foi? — ela se senta depressa, os olhos estreitos. — Você está
bem? — suas mãos se agarram em meus braços, começando a subir e
descer, em uma preocupação nítida.
Mas Lucy nunca entenderia, mesmo que eu tentasse explicar. Ela
nunca vai entender tudo o que me causa e tudo que me fez. Ela me ajudou a
ser o Ryan que sou hoje. Ela me ajudou a superar tanta coisa, todas as
coisas.
— Faz quase dois meses que não tomo o remédio pra dormir —
desabafo, o que a faz arregalar os olhos.
— O quê? — ela fica em choque. — Ryan! Por que não me contou que
tinha parado de tomar?
Balanço a cabeça.
— Você teria me convencido a tomar e... — suspiro. — Eu queria
confirmar o que já sabia.
— O que você já sabia, Ryan? — sua incredulidade tá nítida e posso
apostar que ela me bateria se fosse menos... se fosse menos Lucy.
— Que eu não preciso daquilo. Meu remédio é ter você.
Seus ombros caem, a incredulidade do seu rosto sendo substituída por
emoção.
— Meu amor... — ela fica de joelhos na cama, devagar, vindo segurar
meu rosto nas mãos. Seus olhos se fixam nos meus e Lucy encosta a testa
na minha, beijando a ponta do meu nariz antes de me abraçar. Com força e
calor, soltando a respiração de um jeito que dedura o início do seu choro. —
Eu te amo.
— Eu sei — agarro-a pela cintura e nos faço cair deitados na cama, ela
por cima de mim. — De que outro jeito você teria me aceitado na sua vida?
Um problemático e dramático, e cheio de neurose com traumas.
— Eu te amo, te amo demais! — ela vira o rosto contra o meu
pescoço, fungando ali, me deixando sentir suas lágrimas na minha pele. —
Obrigada por me perdoar, por confiar em mim e me deixar te amar. E para
já de dizer essas coisas, Ryan Smith.
— Obrigado você, por me desafiar e por me fazer ser um cara melhor
— aliso suas costas por cima da blusa.
— Eu não desafiei você de propósito.
— Não, não foi — dou um sorriso. — Nada do que você fez foi de
propósito, exceto cantar pra mim.
Lucy me olha, um sorriso lindo se abrindo na sua boca em meio ao
rosto vermelho e olhos úmidos de lágrimas.
— Aquele dia... — ela passa uma mão no rosto pra secar.
— Aquela música... Nunca vou me esquecer da sensação que foi ver
você depois de tanto tempo. Era como se eu tivesse voltado a respirar.
Lucy funga quando algumas lágrimas caem em sua bochecha.
— Fiquei muito nervosa — sussurra. — Não sabia se você ia me
aceitar.
Minha mão encontra seu rosto e passo o polegar pelos seus lábios.
— Que pensamento errôneo, meu amor. Não teria como ser de outro
jeito, eu tava morrendo sem você.
— Ah, não fala essa palavra, Ryan — ela volta a esconder o rosto no
meu pescoço. — Não fala. Eu odeio ela.
— Desculpe — sorrio, levando meus dedos aos seus cabelos e fazendo
uma carícia. — Você tá cansada?
Seu risinho me faz fechar os olhos, pra aproveitar do som.
— Um pouco, por quê?
— Queria um banho de banheira com a minha noiva.
Ela se levanta quase que imediatamente, me fazendo arquear as
sobrancelhas.
— Eu adoro banho de banheira com o meu noivo gostoso.
Me sento e arrasto os pés pra fora da cama, sorrindo ao vê-la começar
a tirar as roupas.
— A madame é muito safada mesmo.
— Eu adoro quando você me chama assim — Lucy tira o sutiã e solta
um suspiro de alívio. — Lembra a época quando estávamos nos
conhecendo.
Me levanto e vou encontrá-la, rodeando sua cintura com o braço antes
de tomar um seio na mão livre, arrancando mais um suspiro seu. Esse, o
som do puro prazer.
— E do que mais você lembra? — quero saber.
— Da primeira vez que você me tocou. Lá no sofá da casa do seu
irmão, e eu fiquei... estarrecida de prazer.
Sorrio.
— O que mais?
Lucy morde a boca.
— Da primeira vez que você se impediu de me tocar e aquela manhã
pareceu durar um ano.
Arqueio as sobrancelhas.
— Quando foi isso?
— No dia que fomos à praia.
— Ah — aceno que sim com a cabeça. — O dia que travei por ter tido
uma crise ao seu lado na nossa primeira noite dormindo juntos.
— Isso... — ela agarra minha camisa.
— Me lembro. A gente chegou da praia e... porra, foi difícil aquele dia,
eu tava com ódio de tanta coisa, inclusive dos caras que deram em cima de
você.
— Do que você... — ela começa, mas então ri, lembrando. — Os caras
que sentaram na minha canga. Foi bem esquisito.
— Foi uma merda. E eu nem conseguia te tocar por causa da minha
cabeça embaralhada. Foi um dia desafiador.
— O que você disse que fez eles saírem daquele jeito, tão depressa?
— Nada — dou de ombros. — Só perguntei se eles tavam querendo
dar sorte pra morte.
Minha noiva arregala os olhos.
— Nossa, Ryan. Precisava ter dito isso? — me repreende. — Coitados!
— Eles devem pensar duas vezes agora antes de mexer com uma
mulher aparentemente sozinha.
Lucy finge uma careta de reprovação, mas posso ver também que tenta
esconder o sorriso.
— E não podemos, é claro — acrescendo —, deixar de lembrar que
você foi brilhante colocando Jogos Mortais pra eu assistir.
Ela demora a entender onde quero chegar, mas quando compreende,
seus olhos se abrem um pouco mais.
— Minha nossa... Ryan — engole em seco. — Você acha que eu
peguei pesa... Merda, onde eu tinha enfiado a noção?
Dou um sorriso.
— Você perguntou se tudo bem colocar, não foi tão sem noção assim.
Ela faz um beicinho.
— Desculpe.
— Que nada, amor. Dá pra entender. Eram os efeitos de abstinência
dos meus toques.
Sua risada em concordância me captura e me inclinar pra beijar sua
boca deixa de ser uma opção.
Quando ficamos ofegantes, afasto a boca pra dizer:
— Eu te amo, Lucy Waller.
Ela sorri, me puxando pela camisa para colar os lábios nos meus e
dizer:
— Não mais que eu amo você, Ryan Smith.
E ainda bem que isso não é uma aposta, porque ela perderia com
maestria.
Bônus

Tô nervoso pra caramba. Não sei se é a melhor hora pra essa atitude.
Quero dizer, a Lucy pode me achar precipitado demais porque, afinal, faz
apenas alguns meses que estamos morando juntos.
Tá certo que, somado ao tempo que nos conhecemos, tem bem mais de
um ano, mas mesmo assim… pode ser que na hora que eu abrir a boca pra
fazer o pedido, ela me olhe com aqueles olhos amarelados perfeitos e
pergunte: "como assim, Ryan?".
Mas é um risco que tô disposto a correr, porque meu coração e eu não
podemos esperar mais. A gente não consegue se conter. Precisamos que
nosso amor seja alicerçado de todas as formas possíveis. É preciso que
Lucy entenda que o que eu sinto por ela é tão forte que não dá pra se
contentar em só namorar morando juntos. Não é suficiente, porque sei que
não é tudo que podemos ter.
Então, é, eu passei umas boas horas na cozinha hoje desde que cheguei
do trabalho. É uma das coisas que Lucy ama em mim, o fato de eu saber
cozinhar. Ela fica toda contente quando digo que "preparei uma receita
nova".
Abro um sorriso ao me lembrar disso. Ao menos, tenho uma carta na
manga pra quando a gente discutir. Não que eu ache que isso vai acontecer
com frequência, mas sei que ela não concorda com todas as atitudes que
tomo – a maioria delas a meu próprio respeito. Mas, quando acontecer, já
tenho uma ideia do que fazer: cozinhar pra ela.
Conferindo pela décima vez se a aliança continua no meu bolso, vou
até o forno dar uma olhada no frango. Depois, me desloco até a ilha, onde
pego a garrafa de vinho que trouxe da Winess e levo pra mesa, colocando
junto dos pratos e ajeitando as velas, que ajudam a deixar o ar mais íntimo.
Analiso de longe, observando o que dá pra melhorar e, quando vejo
que tudo já tá ótimo, volto pro fogão, onde termino de preparar o purê de
batatas.
Algum tempo se passa até que eu ouço a voz dela. Ainda tá longe, me
dando a percepção de que Lucy acabou de entrar e ainda vai deixar os
sapatos no armário da entrada antes de começar a me procurar.
Então corro contra o relógio, tirando o frango do forno e levando pra
mesa; despejando o purê em uma travessa e pegando a bandeja de aspargos
antes de também levar pra superfície de vidro.
Lucy me chama. A voz dela me gela, em um arrepio de nervoso.
Vou mesmo fazer isso?
Vou.
— Tô aqui! — grito. — Na cozinha.
Lucy não demora cinco segundos pra aparecer, abrindo um sorriso
lindo pra mim antes da mesa chamar sua atenção.
Seus olhos saltam e seus lábios se entreabrem.
— Nossa, amor — ela vai se aproximando de mim. — Hoje você se
superou. Que lindo, e parece estar muito gostoso também! — seus olhos
encontram os meus. — Tem alguma data especial hoje que por acaso eu
possa ter esquecido?
Balanço a cabeça em negativa.
— Não — gesticulo pra mesa. — Vamos comer.
— Nem precisa chamar — Lucy me dá um beijo na bochecha antes de
ir pra mesa, tomando assento em uma das cadeiras, e me lançando um olhar
curioso. — Você está bem?
Me dou conta que a pergunta veio porque fiquei parado com cara de
bocó, então assinto.
— Tô, tô bem — garanto, indo me sentar ao seu lado.
Disfarçadamente, passo as palmas das mãos na calça.
Tô suando, pra caralho. Achei que seria moleza isso. Nós temos
intimidade suficiente pra qualquer coisa. Por que será que é tão
amedrontante pedir pra mulher que eu amo fazer parte da minha vida pra
sempre?
Pô, porque é minha vida! Quem quer fazer parte disso se...
Não! Chega desses pensamentos.
É aqui. Agora. Lucy e eu.
— Amor — ela puxa a cadeira pra mais perto da minha, conseguindo
me abraçar, passando uma mão no meu ombro. — O que houve? Foi um dia
difícil no trabalho?
— Eu não sei como fazer isso — dou uma risada, tomado de
nervosismo enquanto a olho. Tão perto de mim, ao meu lado, o amor
brilhando nos seus olhos. — Mas eu preciso fazer.
— Fazer o quê? — Lucy fica em um misto de preocupação e
curiosidade.
— Eu fiz esse jantar e... — gesticulo a mesa, me sentindo o maior
panaca. — Eu pensei que precisaria disso. Levei esse tempo pensando no
que falar, como falar... não só nessas horas, mas desde que decidi que
tomaria essa atitude. E isso faz um tempo. Mas o lance é que nada nunca
poderia me preparar o suficiente ou me dar as palavras certas.
— Ryan... — ela hesita, meus olhos cravando nos seus. — Do que
você está falando?
Eu puxo minha cadeira pra trás, o suficiente pra conseguir enfiar a mão
no bolso e tirar a aliança.
Consigo ver o exato momento em que Lucy arregala os olhos, olhando
o anel brilhando na palma da minha mão aberta.
Então seus olhos levantam pra encontrar os meus de novo.
— Nada nunca ia me preparar pra isso — digo. — Pra esse momento e
esse pedido. Não é difícil pra mim perguntar se você quer passar a vida toda
dividindo-se — dou um sorriso — comigo. Dividindo seu tempo, seu
sorriso, suas risadas, suas alegrias e suas tristezas, seu estresse, seus choros
ou seus abraços. Tudo. Dividindo-se comigo, amor. Não é difícil. A parte
difícil é não saber qual vai ser sua resposta quando eu perguntar em alto e
bom som — me levanto, só pra me ajoelhar em sua frente: — Lucy Waller,
você quer se casar comigo?
— Ryan, eu... — sua mão vai a boca, sendo a primeira reação depois
dos olhos arregalados. — Sim — é um sussurro entrecortado. — Meu Deus
do céu, claro que sim. Sim, meu amor, sim — ela balança a cabeça e ri, me
estendendo a mão pra que eu coloque a aliança no seu dedo. — Agora eu
preciso de...
Interrompo seu fluxo de palavras e descrença com um beijo, chiando
de desejo quando suas unhas cravam nos meus ombros.
A gente se beija por um tempo. Todo o tempo. Tempo nenhum. Porque
nossos lábios sempre parecem querer mais.
— Você é sempre tão impressionante — ela sussurra por cima da
minha boca. — Eu nunca achei que... — hesita, me fazendo buscar seu
olhar.
— Que o quê? — quero saber.
— Que você fosse querer se casar — ela me analisa antes de continuar:
— Achei que a ideia de casamento poderia te dar uma ilusão de, sei lá, estar
preso a alguém e, levando em conta a prisão que você teve na própria
mente, jamais eu poderia pensar que você ia querer se casar comigo.
— Eu teria que ser louco pra não querer me casar com você — beijo o
canto da sua boca e depois seu pescoço, levantando o rosto pra enfatizar: —
Louco.
Lucy sorri.
— Que bom que eu estava errada.
— Eu adoro quando você percebe quando tá errada a meu respeito.
Ela encosta a testa na minha.
— Não acontece tanto... — murmura. — Você sabe que vamos ter que
convidar os seus amigos para o nosso casamento, né? Incluindo o Samuel.
— Não sei disso de vamos ter — acaricio suas coxas. — O cara não
nos queria juntos, então não vejo um motivo pra ele ser convidado.
— Se chama consideração, meu amor — ela segura meu rosto, me
fazendo olhá-la. — E além disso, vocês são amigos. Não sei porque estão
deixando isso de lado a troco de mágoa.
— Porra, amor. Para. Você sabe que não é isso. Não é mágoa. O
Samuel é uma porta que, se as coisas não acontecem do jeito dele, então ele
não aceita.
— Bem, ele vai ter que superar. Porque vamos nos casar. Ele é seu
melhor amigo, você o considera um irmão, eu vi isso escrito nos seus
relatos esses dias. Por que o amigo que você se sente tão próximo não pode
ficar feliz por você?
— E você tá fazendo essa pergunta pra mim?
Ela balança a cabeça.
— Não vamos ter um bate boca hoje, mas ainda acredito que devemos
mandar um convite para ele.
Dou um sorriso.
— Apressada nem um pouco minha noiva — digo, experimentando a
palavra pela primeira vez.
Lucy abre um sorriso enorme enquanto volto pra cadeira e a puxo pra
perto de mim.
— Podemos nos casar no Brasil, assim seus avós e amigos de infância
participam também da cerimônia — ela sugere, me deixando surpreso.
— Sério? Você pensou mesmo nisso?
— Pensei agora — sorri. — Não acha que é uma boa ideia?
— Boa até demais, igual você — puxo sua mão com a aliança e
observo o anel brilhar no seu dedo.
— Arrependido? — ela ri.
— O único arrependimento que tenho e sempre vou ter, é das horas
que não consigo passar com você.
— Ah! como que compete com as declarações de amor de um escritor?
É desvantagem garantida.
Dou risada.
— Eu amo você — beijo sua mão.
— Também te amo — ela se inclina e deixa um beijo estalado na
minha boca, voltando a sentar direito e observando a mesa. — Mas todo
esse nervosismo que senti de você se declarando, me deixou com fome.
— Vai em frente. Espero que você nunca me deixe igual a fome não te
deixa.
Ela vira o rosto pra mim, dando uma piscadinha de olho e
esclarecendo:
— A fome por você é impossível de saciar.
Dou um sorriso, olhando-a começar a se servir enquanto considero:
Antes, eu não sabia o que era amar.
A vida me fez doer [e arder] em confusão
A caminhada até aqui
... sem atalhos
De alvo ao amor
... não foi moleza, não
Mas eu consegui chegar
e cheguei ao ponto
final.
CAPÍTULO EXTRA

— Você vai dizer para ele o que fez! — eu ouço minha noiva gritar pra
irmã enquanto desço os degraus da escada.

Julie gosta de passar alguns finais de semana na nossa casa. Tanto pra
ficar perto da irmã, quanto pra se trancar na sala de filmes e ficar assistindo
tudo o que quer.

— O que tá pegando? — pergunto, me juntando a elas.

Minha cunhada tem um olhar alarmado pra mim, e seus braços se


cruzam antes de ela desviar os olhos pro chão. Então sei que aprontou.

— Diz para ele o que você fez, Julieta — Lucy se altera, me olhando
em seguida e balançando a cabeça em negativa.

— O que ela fez? — Tô curioso.

— Nada de mais — Julie responde. — Não foi nada de cair os cabelos!


A Lucy que é super preocupada e fica te tratando como um bebê! Mas você
não precisa de tantos cuidados porque é um homem forte.

Dou um sorriso e olho minha noiva. Caralho, ela tá mais furiosa ainda
depois dessa.

— O que ela fez? — pergunto e Lucy murcha no lugar.

— Desculpa. Eu que errei em ter dado os seus escritos para ela ler.

Meus olhos se estreitam, em estranheza.


— Não errou — Julie imediatamente rebate, então dá uns passos a
frente, se aproximando de mim. — Eu que insisti para ela me enviar.

Minhas sobrancelhas se arqueiam.

— Ok — concordo, dividindo o olhar entre as duas. — E por que


vocês estão brigando por isso?

— Não por isso — minha cunhada se apressa a dizer. — Acontece que


a Lucy tinha me contado que você queria escrever pras pessoas lerem, e eu
te ajudei. Foi só isso.

— O que ‘cê tá falando?

Lucy solta a respiração ao meu lado, atraindo minha atenção.

— Ela leu e colocou na internet — responde.

Minhas sobrancelhas saltam outra vez, agora em surpresa.

— Não foi como se eu tivesse publicado um nude seu, foi só um nude


da sua alma — Julie esclarece. — E você queria que pessoas lessem, não
era? Então pronto.

— Você publicou sem perguntar nada a ele, Julieta! — a irmã a


repreende.

— Deixa de ser chata, Lucy. Olha só — Julie saca o celular do bolso e


mexe em alguma coisa na tela, virando-o pra mim em seguida. — Está
vendo? 103 pessoas leram seus escritos e algumas até comentaram — ela
volta o celular a favor dos próprios olhos. — Teve uma menina que disse
que o que você tinha era ansiedade e outra depressão, e…

— Cala a boca, Julie — Lucy a censura.

Minha cunhada ergue os olhos pra mim, mas eu não sei o que dizer.

— Você está chateado comigo? — ela pergunta. — Eu achei que seria


uma boa ajuda… Se você não tiver gostado, eu posso tirar, mas as pessoas
que estão lendo não vão gostar. Eu dividi em capítulos e posto um a cada
dia — Julie dá um sorriso no fim. — Eu achei um bom romance, e as
pessoas amam romance, inclusive euzinha.

Lucy emite um som de descrença.

— Eu posso te mostrar os comentários, se você quiser — Julie


continua, ignorando a irmã. — Tem umas meninas que te acham um amor,
outras te acham doidinho de pedra. Ainda não falei que é uma história real,
estão achando que é só uma fic. Vou deixar para contar só no final — ela dá
um risinho.

— Meu Deus, Julie — Lucy balança a cabeça e me olha,


provavelmente temendo minha reação.

— Eu acho que tudo bem, amor — estendo o braço, chamando-a pra


mim. E ela vem, me abraçando de lado enquanto observamos sua irmã
entretida no celular. — Isso te deixou feliz, Julie?

Ela me olha.

— O quê?

— Postar meus relatos.

Seu sorriso é largo, mas morre aos poucos quando olha a irmã.

Dou risada.

— Deixou. Faz anos que tento escrever algo bom nesse aplicativo e
nunca consegui — ela abana uma mão no ar. — Claro que vou dizer que
não é de minha autoria. Não se preocupa, cunhado. Não sou plagiadora.

— Julie… — a irmã começa, mas eu acaricio seu ombro antes de outro


esporro chegar.

— Tudo bem, Lucy — tranquilizo-a. — Não faz mal ela ter postado.

Julie me olha com olhos sobressaltados e a mão livre indo ao peito.


— Sério? — pergunta. — Nossa! Que alívio. Agora eu posso ficar
feliz sem pesar. Que eu ficava preocupada, sabe? Me sentindo uma megera
por postar sem você saber.

Tô rindo quando Lucy a repreende de novo.

— Você brincou com a nossa confiança, Julie.

— Não fiz isso — ela discorda —, ajudei meu cunhado. Você ajudou
de um lado e eu ajudei do outro. E, Ryan — me olha —, vou deixar meu
usuário e a senha com você, se você quiser alterar alguma coisa, vai poder.

— Tudo bem — concordo, sorrindo. — E valeu pela iniciativa. Não


imaginei que dava pra ser tão rápido em mostrar pro mundo.

— Nossa, é muito rápido mesmo — ela assente. — Principalmente


porque, você sabe como é, as pessoas adoram um romance sofrido. E isso
do seu amigo ser imaturo, nossa, eu estou louca pra postar essa parte! —
Julie olha pra irmã. — Você sabe que barrou uma amizade de anos, né? — e
não espera resposta, emendando ao voltar os olhos pra mim: — Eu adorei
como sou descrita. Me senti uma estrela. Só que não sou mimada como
você fez parecer.

— Talvez seja um pouco mais — brinco, arrancando uma risadinha


sua.

— Eu confesso que meus pais estão me mimando mais, agora que a


Lucy saiu de casa.

— Coitados dos nossos pais — minha noiva sibila.

Sua irmã ri antes de avisar que vai assistir Ella Encantada na sala de
TV porque é apaixonada pelo príncipe e que qualquer coisa podemos
mandar uma mensagem pro seu celular, então nos deixa.

Lucy me olha, só pra enfiar a cabeça no meu peito, demonstrando


desânimo e impotência.
— Desculpa ter enviado uma cópia dos seus escritos para ela, sem te
avisar — sussurra.

— Ah, tudo bem. Não é algo que me atinge mais — acaricio suas
costas. — Um tempo atrás, me colocaria em alarde, mas, no fim, esse
sempre foi meu motivo de escrever. Além de me ajudar a lidar com tudo de
forma mais suportável, eu também sempre quis poder compartilhar com as
pessoas. Só não imaginei que seria sobre minha vida.

Ela levanta a cabeça, me estudando.

— Tudo bem mesmo então? — questiona.

— Claro. Você viu, sua irmã adorou. Ficou empolgada comentando


sobre o lance com o Samuel — dou um sorriso. — Uma infelicidade que
gerou empolgação significa algo bom. E 103 pessoas devem ter tido alguma
reação também. Isso me deixa feliz. É como se eu, finalmente, conseguisse
extrair de mim qualquer dor sem que me afete, mas afete as pessoas.

Minha noiva ergue as sobrancelhas, mas depois estreita os olhos.

— Esse raciocínio eu não entendi, mas fico aliviada que você não
tenha ficado...

— Histérico, alarmado, em crise? — envolvo sua cintura com meus


braços. — Eu tô bem, amor. Você sabe. Tenho estado bem desde... porra,
muito tempo. Desde que ficamos juntos pra valer. Minha cabeça tá bem
tranquila, eu tô tranquilo. É raro me lembrar do que aconteceu, que
acontecia... Não vale a pena — balanço a cabeça, mirando seus olhos
amarelados. — Não valeu a pena lembrar no passado e não vale agora.
Deixa o que passou, passar. Não vale trazer pro agora, não vale relembrar.

— Isso me deixa orgulhosa — sua mão vem ao meu rosto, seu sorriso
me aquecendo. — Eu tenho orgulho de você.

Viro um pouco o rosto, alcançando a palma da sua mão com a boca.

— Obrigado — só movo os lábios ao pronunciar o agradecimento.


O meu coração sempre vai ser grato por não parar de bater.

... não tão logo.


Livros da autora

Série Os Mackenzies:
Amor em Atração
Amor em Redenção
Amor em Obsessão
Amor em Opção
Amor em Omissão
Amor em Negação
Amor em Ilusão
Amor em Impulsão
Amor em Possessão
Amor em Intenção
Amor em Pretensão
Amor em Obstinação
Amor em Depressão
Amor em Presunção
Amor em Ambição
Amor em Solidão
Amor em Exceção
Amor em Emoção

Amor em Redenção (Versão 2)


Amor em Obsessão (Versão 2)
Amor em Opção (Versão 2)

Série Armstronger:
Submissão sob Amor
Coração sob Amor
Rendição sob Amor
Perseguição sob Amor

Livro único:
Falhas de Amor

Série Os Irreverentes:
À Prova do Amor
À Sombra do Amor
À Espera do Amor
À Deriva do Amor
Às Escuras do Amor

Série Os Quatro Elementos:


Tempestade de Gelo
Amores,
Quem puder ajudar a titia deixando uma avaliação ou um comentário na
Amazon, vai me encher de felicidade!

Obrigada, meus amores


Por tudo! <3
Até a próxima ;*
Mais...

Booktrailer Os Armstronger

Booktrailer Os Mackenzies

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