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Farmacologia IV – Prof. Dr. Flávio A.

Cardoso de Faria – Odontologia/2021 1

Quinolonas
Nas aulas anteriores, estudamos alguns grupo de antibióticos que poderiam ser
utilizados em substituição aos beta-lactâmicos nos pacientes que apresentassem alergias
às penicilinas e cefalosporinas. Vimos os macrolídeos, as sulfonamidas, as tetracicllinas
e as lincosamidas. A partir de agora, passaremos a estudar grupos de antibióticos que são
indicados para o tratamento de infecções mais graves, naquelas onde as aminopenicilinas
(amoxicilina e ampicilina) não apresentam bons resultados.
Já comentamos em aulas anteriores, que as cefalosporinas apresentam maior
espectro de atividade, quando comparadas às aminopenicilinas e, em muitas ocasiões,
deveriam ser os antibióticos de primeira escolha para o tratamento de infecções de origem
dentária. Outra possibilidade para iniciar o tratamento das infecções dos tecidos orais,
seria a associação da amoxicilina com o ácido clavulânico, ou da ampicilina com o
sulbactam (ácido clavulânico e sulbactam são duas drogas inibidoras da beta-lactamase,
enzima produzida pelas bactérias que consegue destruir a molécula de penicilina). Estas
combinações dos inibidores da beta-lactamase com a amoxicilina e ampicilina
aumentaram grandemente o espectro de atividade antimicrobiana, de tal forma que
poderiam ser uma opção para o tratamento de infecções mais graves; no entanto, não
poderiam ser utilizadas em pacientes alérgicos à penicilina...
Existem outros grupos de antibióticos, com amplo espectro de ação, que poderiam
ser utilizados no tratamento destas infecções mais sérias, quando há resistência bacteriana
aos beta-lactâmicos. Tais antibióticos podem, inclusive, ser indicados para pacientes
alérgicos às penicilinas e cefalosporinas, porque não exibem nenhuma semelhança
estrutural com estas drogas. Este é o caso do grupo das quinolonas e das rifamicinas. Na
figura 1 a seguir, podemos ver ainda um outro antibiótico que estudaremos mais adiante:
o metronidazol, indicado para uso em infecções onde existem bactérias anaeróbicas
estritas.

Figura 1
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Nesta aula, vamos discutir alguns tópicos referentes às quinolonas. Este grupo de
drogas com ação antimicrobiana teve sua origem com a síntese química do "ácido
nalidíxico" nos princípios dos anos 60, uma droga totalmente sintética que, ao contrário
dos demais "antibióticos", não é de origem natural (proveniente de fungos ou de outras
bactérias). Esta droga original (ácido nalidíxico) apresentava algo muito interessante
relacionado com o seu espectro de ação antimicrobiana: atuava muito bem, mesmo
quando administrado por via oral, no tratamento de infecções urinárias e gastrointestinais
produzidas por bactérias Gram negativas, algo inusitado para a época.
No século passado, nos anos 60, o único grupo de antibióticos que possuía grande
atividade contra bactérias Gram negativas era o dos "aminoglicosídeos". Ocorre que as
drogas pertencentes a este grupo não podem ser administradas por via oral, porque suas
moléculas são muito grandes e se ionizam no ambiente gastrointestinal, não sendo,
portanto, absorvidas. Logo, precisam ser injetadas por via IM ou IV e isto causa certa
limitação no uso destes medicamentos. Além do mais, os aminoglicosídeos provocam
surdez irreversível...!!! Por este motivo, o lançamento do ácido nalidíxico foi visto como
uma revolução na terapêutica.
Contudo, as bactérias "aprenderam" muito rapidamente... Tornavam-se resistentes
ao novo antibiótico durante o próprio tratamento, isto é, em poucos dias... E assim, esta
substância permaneceu "esquecida" por alguns anos, embora muitos laboratórios
japoneses estivessem trabalhando no desenvolvimento de novos derivados.
Novo entusiasmo aconteceu quando, depois de vinte anos, nos meados dos anos
80, surgiram as novas "quinolonas", derivadas deste ácido nalidíxico original. Elas todas
tinham um acréscimo em suas moléculas de um átomo de flúor, sendo assim chamadas
de "fluoroquinolonas". Esta modificação estrutural trouxe grande aumento da atividade
antimicrobiana, criando antibióticos de amplo espectro, capazes de atuar sobre bactérias
aeróbicas Gram positivas e Gram negativas, sendo alguns deles também atuantes contra
bactérias anaeróbicas (espectro estendido). Na figura 2 a seguir podemos ver a molécula
da ciprofloxacina, uma das primeiras novas fluoroquinolonas produzidas

Figura 2

Algumas das grandes vantagens terapêuticas das quinolonas, além de seu amplo
espectro de ação antimicrobiana, é que elas apresentam poucos efeitos colaterais e
também o fato de que as bactérias NÃO desenvolvem resistência com facilidade, como
ocorria com o ácido nalidíxico.
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Mecanismo de ação

As quinolonas inibem a atividade de duas enzimas bacterianas: a DNA girase


(especialmente nas bactérias Gram negativas) e a topoisomerase IV (nas Gram positivas).
Vamos explicar melhor o papel destas duas enzimas na fisiologia bacteriana. Quando a
bactéria necessita sintetizar alguma proteína, primeiramente é preciso que um gene seja
"lido" e "copiado" na forma de RNA mensageiro. Como já comentamos nas aulas
passadas, os genes bacterianos podem estar localizados no cromossoma (bactérias tem
apenas um cromossoma) ou em plasmídeos, pequenos pedaços de DNA espalhados pelo
citoplasma. Quando se "abre" a cadeia do DNA, pela ruptura das ligações de fosfato (que
constituem as duas "pernas ou hastes" da "escada" do DNA, visto que o DNA se parece
com uma "escada" toda espiralada), logo à frente do ponto de ruptura da molécula, existe
tendência para que o DNA fique extremamente espiralado. Um exemplo grosseiro seria
um fio de telefone, que vive ficando enrolado sobre si mesmo... Claro que, se o DNA fica
"superespiralado", não existe possibilidade de fazer a "leitura" e a transcrição. Para que
esse "enrolamento" excessivo não ocorra, existe a enzima chamada DNA girase. Seu
papel é de romper a molécula de DNA e, ao mesmo tempo, de "desenrolar" a molécula,
fazendo-a girar no sentido oposto. Para isso, a DNA girase passa uma fita de DNA sobre
a outra e, depois liga novamente a parte rompida. De certa forma, a DNA girase
"compensa" o superenrolamento do DNA promovido pela abertura da cadeia e permite
que ele seja lido e transcrito. As quinolonas inibem a atividade desta enzima, não
havendo assim a leitura e a transcrição da informação genética. Portanto, são
rapidamente bactericidas.
Na figura 3 seguinte mostramos a enzima DNA girase bacteriana fazendo a
ruptura das ligações fosfato e "abrindo" a cadeia de DNA.

Figura 3

Na figura 4 seguinte mostramos o mecanismo da DNA girase (ou topoisomerase


II, na espécie humana) de "desenrolar" o DNA durante o processo de transcrição.
Reparem o DNA, no canto superior direito da figura, representado como um círculo
achatado, lá representado como uma fita em cor de vinho (parte superior) e outra em
violeta (parte inferior). Seguindo o sentido das setas, este segmento de DNA vai se ligar
com a enzima DNA girase representada ao centro; logo a seguir a enzima vai abrir a
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cadeia violeta do DNA e, através desta abertura, fazer com a cadeia violeta "passe por
cima" da cadeia cor de vinho.

Figura 4

Figura 5

Na figura 5 anterior também se demonstra a ligação da enzima com o DNA,


rompendo as fitas, cruzando uma sobre a outra através da fenda criada e depois, ligando
novamente a fita rompida.
A outra enzima também inibida pelas quinolonas é a topoisomerase IV. Esta
tem o papel de separar duas cadeias "filhas" de DNA, quando ocorre duplicação da
molécula. Se esta enzima está inibida pelas quinolonas, mesmo que o DNA se duplique
(durante o processo de duplicação da bactéria ou duplicação de plasmídeos), não há como
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separar as "fitas" e, desta maneira, fica impedida a duplicação da bactéria ou a transmissão


da informação contida no plasmídeo.
Nas células humanas não existe a DNA girase, mas existe outra enzima que
apresenta a mesma função de "desenrolar" o DNA, quando da abertura das cadeias. Ela
se chama topoisomerase II; estudos in vitro mostraram que ela pode também ser inibida
pelas quinolonas, mas isto ocorreria apenas com doses centenas de vezes maior do que
aquelas utilizadas na terapêutica. Assim, aparentemente, não ocorre nenhum problema
com a transcrição da informação genética nas células humanas, nem com o processo de
duplicação celular. Entretanto, pelo fato deste mecanismo de ação estar relacionado
com o processo de síntese, duplicação e reparo do DNA, as quinolonas SÃO
CONTRAINDICADAS NA GRAVIDEZ...!!!

Atividade antimicrobiana

São potentes agentes bactericidas com excelente atuação contra uma grande
variedade de bactérias, incluindo Proteus, E. coli, Klebsiella (bacilos Gram negativos
presentes na flora intestinal e causadores de infecções abdominais, urinárias, hospitalares
e pneumonias), bem como espécies de Salmonella (Gram negativas aneróbicas
facultativas, causadoras de gastroenterites), Shiguella (Gram negativas anaeróbicas
facultativas, causadoras de gastroenterites), Enterobacter (bacilos Gram negativos
presentes na flora intestina, causadores de infecções urinárias) e Campylobacter (Gram
negativas microaerófilas, causadoras de gastoenterites). Reparem a excelente atividade
contra espécies Gram negativas, aeróbicas e anaeróbicas, exatamente como mostrado pela
droga original do grupo, o ácido nalidíxico.
Dentre as bactérias Gram negativas que eram rapidamente combatidas pelas
quinolonas estava a Neisseria gonorrhoeae; hoje, no entanto, devido ao surgimento de
resistência bacteriana, as quinolonas não mais são consideradas como tratamento de
primeira escolha para tratamento da gonorrea.
Dentre as quinolonas disponíveis no mercado farmacêutico, a ciprofloxacina e a
levofloxacina apresentam excelente atividade contra espécies de Pseudomonas (aeróbicas
Gram negativas causadoras de infecções hospitalares, do trato urinário e de outras áreas
do corpo).
Atuam também sobre espécies Gram positivas, como os estafilococos, embora não
possuam boa atividade contra os estafilococos meticilin-resistentes, onde a resistência
parece emergir durante um tratamento. A atividade contra estreptococos (aeróbicas Gram
positivas) é muito boa, especialmente quando se utiliza a levofloxacina, a gemifloxacina
e a moxifloxacina, três fluroquinolonas recentes, disponíveis no mercado farmacêutico
brasileiro.
Todas as quinolonas também possuem boa atividade contra bactérias
intracelulares (que permanecem "escondidas" dos antibióticos no interior de neutrófilos
e macrófagos), como as do gênero Chlamydia (causadoras de infecções respiratórias,
genitais e oculares), Mycoplasma (causadoras de infecções respiratórias e urinárias),
Legionella (bacilos Gram negativos causadores de pneumonia), Brucella (bacilos Gram
negativos aeróbicos causadores de infecções nos ossos, articulações e genitourinárias) e
Mycobacterium (causadoras da tuberculose e hanseníase).
As duas fluroquinolonas mais recentes, moxifloxacina e gemifloxacina, também
exibem boa atividade contra bactérias anaeróbicas.
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Resistência bacteriana

Especialmente as espécies de Pseudomonas, estafilococos e Escherichia coli, as


maiores causadoras de infecções hospitalares, além da Neisseria gonorrhoeae e do
Streptococcus pneumoniae (causadoras de infecções muito frequentes adquiridas na
comunidade), têm adquirido resistência contra as quinolonas, desenvolvendo alguns
mecanismos interessantes de resistência, como:
a) mutação do gene que codifica a DNA girase ou a topoisomerase IV, de tal maneira
que estas enzimas não mais se liguem quimicamente com as quinolonas
b) desenvolvimento de proteínas transportadoras que, ativamente (com gasto de
energia), são capazes de "bombear" o antibiótico para fora da célula bacteriana
c) desenvolvimento de proteínas "protetoras" que se ligam com a topoisomerase e
"protegem" a enzima da ligação com as quinolonas.

Farmacocinética

As quinolonas são bem absorvidas por via oral, apresentando excelente


biodisponibilidade, sendo o pico plasmático alcançado depois de 1 a 3 horas da
administração por via oral. Apresentam alto volume de distribuição, sendo encontradas
(em concentrações até maiores que as vistas no plasma) na urina, rins, pulmões, próstata
(tecido com pouca irrigação sanguínea e normalmente de difícil acesso para a grande
maioria dos antibióticos), nas fezes, bile e no interior de macrófagos e neutrófilos (e, deste
modo, apresentando boa atividade contra as bactérias intracelulares, como comentamos
anteriormente).
A administração com alimentos retarda ou prejudica o pico plasmático, de
maneira que deveriam ser tomadas com água e em jejum (espaço de 1 ou 2 horas antes
ou depois de uma refeição, como já comentamos em aulas anteriores). As quinolonas têm
sua absorção extremamente prejudicada pela ingestão concomitante de íons bivalentes e
trivalentes, como cálcio, ferro, bismuto, alumínio, magnésio, que normalmente estão
presentes em leites e derivados, complexos vitamínicos e em xaropes antiácidos. Assim,
como recomendamos nas aulas de macrolídeos e tetraciclinas, as quinolonas JAMAIS
deveriam ser ingeridas associadas com leite ou bebidas lácteas...!!!
Exatamente em função da sua ampla distribuição por todos os tecidos e secreções,
são encontradas no leite materno e, sendo por esta secreção administradas aos bebês,
poderiam provocar algumas reações adversas, que discutiremos mais adiante.
A figura 6 a seguir mostra a forma de metabolismo e excreção das principais
fluoroquinolonas encontradas no mercado farmacêutico brasileiro. Reparem que todas
elas são eliminadas em grande parte na forma inalterada, isto é, sem que sofram
significativo metabolismo hepático. Logo, podem ser utilizadas com certa margem de
segurança em pacientes que apresentam problemas hepáticos leves ou moderados.
Estudos recentes mostram que, com exceção da moxifloxacina, todas elas poderiam ser
utilizadas mesmo em pacientes com insuficiência hepática grave (a moxifloxacina
parece ser aquela que mais necessita de metabolismo hepático, e por isso a
contraindicação). Grande destaque se dá para a Levofloxacina, eliminada em mais de
90% na forma inalterada.
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Figura 6

A figura 6 anterior também mostra que, com exceção da Levofloxacina, eliminada


quase que totalmente pelos rins, as demais são eliminadas em parte pela bile, o que as
coloca como uma possibilidade para o tratamento de pacientes com insuficiência renal.
Especialmente a gemifloxacina e a moxifloxacina apresentam grande parte de eliminação
pelas fezes. Em resumo: pacientes com problemas hepáticos, indique de preferência a
levofloxacina (embora todas possam ser indicadas, exceto a moxifloxacina em casos de
cirrose); pacientes com problemas renais, indique de preferência a gemifloxacina (embora
a moxifloxacina e a ciprofloxacina também possam ser indicadas).

Reações adversas

Geralmente, as quinolonas são bem toleradas. Mesmo assim, cerca de 10% dos
pacientes apresentam sintomas leves de náusea, às vezes com vômito e certo desconforto
abdominal. Devido a seu amplo espectro de ação, as quinolonas podem também modificar
profundamente a flora intestinal e permitir o desenvolvimento de diarreias graves,
incluindo a colite pseudomembranosa, provocada pelo Clostridium difficcile. Contudo, a
possibilidade deste tipo de colite não é tão preocupante como seria quando do uso da
clindamicina. A clindamicina ainda continua sendo o antibiótico com maior potencial
para provocar este tipo de colite.
Algumas reações adversas sobre o sistema nervoso central também podem ocorrer
em cerca de 5% dos pacientes, incluindo dor de cabeça, tonturas e eventualmente, crises
convulsivas. As convulsões têm sido verificadas em pacientes que estejam recebendo
concomitantemente teofilina (droga broncodilatadora utilizada em pacientes asmáticos
ou com doença pulmonar obstrutiva crônica). Também foram vistas crises convulsivas
em pacientes que estavam tomando simultaneamente medicamentos anti-inflamatórios
não esteroidais (AINEs); ao que parece, as quinolonas podem deslocar o GABA (ácido
gama amino butírico) de seus receptores no cérebro, reduzindo assim a ação fisiológica
deste neurotransmissor inibitório. Os AINEs parecem potencializar este deslocamento.
Certamente, pacientes com antecedentes de crises convulsivas são mais propensos a
esta reação adversa, de maneira que, na anamnese, especial atenção deve ser dada para
sua história clínica. Reparem que esta possibilidade de convulsões NÃO significa que
não se possa administrar um anti-inflamatório quando se prescreve uma quinolona;
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apenas é necessário um certo cuidado, em especial em pacientes com história clínica de


crises convulsivas. É importante ressaltar aqui que a dipirona e o paracetamol fazem parte
do grupo dos AINEs e, assim, provavelmente, também possam apresentar as mesmas
interações com as quinolonas e o GABA. A droga anti-inflamatória que mais provocava
crise convulsiva quando associada com quinolonas era o fembufeno, já retirado do
mercado exatamente por este motivo. Com as demais, parece que a possibilidade é
remota, mas sempre é preciso observar o paciente ao longo do tratamento, caso seja
necessário associar algum anti-inflamatório para tratamento de dor e edema.
Algumas poucas interações medicamentosas foram vistas, incluindo dentre elas
interação com a tizanidina (um relaxante muscular esquelético de ação central,
comercializado no Brasil como Sirdaludâ), na qual o uso concomitante de quinolonas
potencializa os efeitos hipotensores e sedativos (sonolência) da tizanidina.
Outra interação importante ocorre com medicamentos hipoglicemiantes orais,
utilizados para tratamento de diabetes tipo 2, pertencentes ao grupo das sulfonilureias
como a glibenclamida (nome comercial Daonilâ), clorpropamida (nome comercial
Diabineseâ) e gliclazida (nome comercial Diamicronâ). Tais medicamentos são muito
utilizados pela população de modo geral, por serem bastante efetivos e de baixo custo,
todos eles sendo distribuídos por nosso sistema público de saúde. A droga do grupo das
quinolonas que mais provocava hipoglicemia era a gatifloxacina, retirada de mercado
exatamente por este motivo. Com as demais quinolonas, é recomendado monitorização
mais frequente dos níveis glicêmicos, nos pacientes diabéticos tipo 2.
Reações alérgicas e de fotosensibilidade são raras, tendo sido relatadas em menos
de 1% dos pacientes, que podem apresentar prurido, urticária e "rash" cutâneo. Talvez as
reações adversas mais importantes produzidas pelas quinolonas sejam sobre o sistema
músculo-esquelético. Os primeiros estudos clínicos com este grupo de medicamentos
indicava que poderiam produzir artropatia em animais imaturos, causando dor e edema
das articulações e, em algumas ocasiões, provocando lesão articular permanente. Isto
também se verificava quando estes antibióticos eram utilizadas em crianças que não
haviam ainda passado pela puberdade. Contudo, estudos mais recentes comprovaram que,
nas crianças, tais efeitos sobre as articulações são muito pequenos e, em geral,
reversíveis. Mesmo assim, o uso de quinolonas é contraindicado na gravidez, como já
comentamos anteriormente e, somente deveriam ser utilizadas em crianças pequenas
quando estas apresentem alguma infecção extremamente grave, que justifique o risco
da artropatia.
Outra reação adversa frequente relacionada ao sistema músculo-esquelético
ocorre em pacientes com mais de 60 anos, ou que estejam recebendo corticóides
cronicamente por qualquer condição, bem como naqueles que receberam transplante de
algum órgão; trata-se de tendinite ou ruptura do tendão de Aquiles, que pode necessitar
de reparo cirúrgico. Alguns artigos mostram que isto pode ocorrer tanto durante a terapia
quanto semanas depois. As quinolonas podem também aumentar o grau de fraqueza
muscular em pacientes portadores de Miastenia gravis, porque elas apresentam certa
atividade bloqueadora neuromuscular, se contrapondo à ação do neurotransmissor
(acetilcolina), sendo assim, absolutamente contraindicadas nos indivíduos com essa
enfermidade auto-imune.
Algumas quinolonas, como a moxifloxacina, parecem apresentar maior
probabilidade de aumentar o intervalo QT do eletrocardiograma, o que poderia causar
arritmias graves em pacientes que já apresentam problemas de condução cardíaca. As
demais drogas deste grupo apresentam baixo potencial para alteração do
eletrocardiograma, em especial a ciprofloxacina, aquela considerada como de menor risco
para provocar tais alterações. Neste aspecto, cuidado também com idosos, pois estes já
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têm maior probabilidade de apresentar arritmias cardíacas e prolongamento do intervalo


QT.

Usos terapêuticos

Graças ao enorme espectro de atividade antimicrobiana deste grupo de


antibióticos, sobre bactérias Gram positivas e Gram negativas, aeróbicas e anaeróbicas,
as quinolonas têm sido utilizadas com muito sucesso no tratamento de um grande número
de infecções. Dentre elas podemos mencionar:
a) Infecções das vias urinárias: assim como a droga original do grupo, o ácido
nalidíxico, todas as fluoroquinolonas (com exceção da moxifloxacina que não se
acumula na urina) podem ser utilizadas com sucesso no tratamento de infecções
do trato urinário.
b) Prostatites: ciprofloxacina, norfloxacina e levofloxacina são muito efetivas, mas
a duração do tratamento é em média de 4 semanas.
c) Doenças sexualmente transmissíveis: logo quando do surgimento das
fluoroquinolonas, uma dose única de ciprofloxacina era suficiente para tratamento
da gonorreia. Contudo, em função do aumento da resistência das cepas de
Neisseria gonorrhoeae, estes antibióticos já não são mais considerados como
primeira escolha no tratamento. As quinolonas possuem excelente atividade
contra outras espécies de bactérias causadoras de doenças venéreas, como a
Chlamydia trachomatis (linfogranuloma venéreo) e Haemophilus ducreyi
(cancróide). Para estas duas últimas doenças, o tratamento com ciprofloxacina ou
levofloxacina tem duração de 3 a 7 dias.
d) Infecções gastrintestinais com diarréia: norfloxacina, ciprofloxacina e
levofloxacina apresentam excelentes resultados no tratamento de diarreia dos
viajantes, febre entérica provocada pela Salmonella typhi, outras infecções não
tifóides em pacientes HIV positivos e infecções por Enterococcus, reduzindo
acentuadamente o tempo total de diarreia.
e) Infecções do trato respiratório: de especial interesse em Odontologia, a
levofloxacina, gemifloxacina e moxifloxacina possuem excelente atividade contra
Streptococcus pneumoniae (causadora de pneumonias adquiridas na comunidade,
embora já se note crescente resistência), Haemophylus influenzae (causadora de
sinusites e outras infecções das vias aéreas), bem como contras as mais frequentes
causadoras de infecções do trato respiratório, incluindo a Moraxella catarrhalis,
Staphylococcus aureus, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae e
Legionella pneumophila. Pensando em infecções de origem dentária, as
quinolonas poderiam ser utilizadas em comunicações buco-sinusais graves,
onde outros antibióticos mais "comuns" não produzam bons resultados, caso
das penicilinas e das cefalosporinas. Graças a sua atividade contra o gênero
Mycobacterium, as quinolonas também têm sido utilizadas no esquema de
múltiplos antibióticos para tratamento de tuberculose.
f) Infecções dos ossos, articulações e tecidos moles: as quinolonas têm sido
utilizadas com muito sucesso no tratamento de osteomielites crônicas
provocadas pelo Staphylococcus aureus ou por bacilos Gram negativos. A
duração do tratamento, nos casos de osteomielite, é determinada pela cultura
microbiológica do material da área infectada. Somente deverá ser interrompida
quando o resultado for negativo, evidenciando que não há mais presença de
bactérias na região. Geralmente, são necessárias muitas semanas para que isso se
verifique. Nas infecções conhecidas como "pé diabético", onde estão presentes
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múltiplas bactérias associadas (bacilos Gram negativos, anaeróbicas,


estafilococos e estreptococos), as fluoroquinolonas normalmente tem sido
associadas com antibiótico que apresente ação contra as bactérias anaeróbicas,
como o metronidazol. Utilizando o mesmo raciocínio, a associação de uma
quinolona com metronidazol poderia ser uma excelente opção para casos de
reagudizações de abscessos de origem endodôntica, em função da vasta
população bacteriana presente nestes casos de necrose pulpar.
g) Infecções por Mycobacterium avium nos pacientes HIV positivos: bactérias
originalmente saprófitas para a espécie humana que provocam infecções
respiratórias gravíssimas em pacientes imunossuprimidos.
h) Profilaxia de infecções: em pacientes neutropênicos em decorrência de terapia
antitumoral, as quinolonas reduzem as bacteremias produzidas por bacilos Gram
negativos; também têm sido utilizadas na profilaxia das infecções por Anthrax,
em casos de bioterrorismo.

Formas comerciais e posologia

a) Ciprofloxacina (Cipro®, Ciprobiot®): comprimidos de 250, 500 e 750mg. Dose


usual = 500 mg a cada 12 horas, durante 5 a 7 dias, dependendo da gravidade da
infecção. Pode ser utilizado na dose de 750mg a cada 12 horas em casos de
infecções muito graves dos ossos (abscessos dentários extensos) e seio maxilar.
Forma genérica: Cloridrato de ciprofloxacino.
b) Levofloxacina (Levaquin®, Tavanic®): comprimidos de 250 e 500 mg. Dose
usual = 500 mg a cada 24 horas, durante 5 a 7 dias, na dependência da gravidade
da infecção. Forma genérica: Levofloxacino. Excelente atividade contra
estreptococos e demais espécies Gram positivas. Muito utilizado para tratamento
de infecções respiratórias (sinusites) e também em casos de abscessos de origem
dentária.
c) Moxifloxacina (Avalox®): comprimidos de 400 mg. Dose usual = 400 mg a cada
24 horas, durante 5 a 7 dias, na dependência da gravidade da infecção. Forma
genérica: Cloridrato de Moxifloxacino. Apresenta ainda melhor atividade contra
os estreptococos, quando comparada à levofloxacina e possui também extensa
atividade contra bactérias anaeróbicas. Talvez seja um dos antibióticos com
maior espectro de ação, disponível em formulação administrada por via oral.
Como os demais, é indicado para infecções muito sérias de tecidos orofaciais e
seio maxilar.
d) Gemifloxacina (Factive®): comprimidos de 320 mg. Dose usual = 320 mg a cada
24 horas, durante 5 a 7 dias, na dependência da gravidade da infecção. Espectro
de ação semelhante à moxifloxacina. Não existe formulação genérica no Brasil.
Bastante indicado no tratamento de pneumonias e sinusites.

Dentre as quinolonas aqui destacadas, a ciprofloxacina e a levofloxacina são as


mais utilizadas em Odontologia. Podem ser utilizadas isoladamente ou associadas com
outro antibiótico que possua atividade contra bactérias anaeróbicas (metronidazol), que
estudaremos em seguida. A moxifloxacina deveria ser reservada para casos de anginas de
Ludwig ou de abscessos muito extensos que se espalham pelos tecidos orofaciais.
Nas figuras 7 e 8 seguintes, mostramos exemplos de prescrições das quinolonas.
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Figura 7

Figura 8

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